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LIBRAS II APRESENTAÇÃO Professora Me. Elizete Pinto Cruz Sbrissia Pitarch Forcadell ● Mestre em Ensino Formação Docente Interdisciplinar (UNESPAR). ● Especialista em Educação Especial: Área da Surdez – Libras (ESAP). ● Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica (ESAP). ● Especialista em Atendimento Educacional Especializado – AEE (UEM). ● Graduada em Pedagogia (UEM). ● Graduada em Letras com Habilitação em Libras (EFICAZ). ● Proficiência em Tradução/Interpretação de Libras (FENEIS). ● Proficiência em Tradução/Interpretação de Libras (PROLIBRAS). ● Técnica em Tradução/Interpretação de Libras (IFPR). ● Docente Universitária da Disciplina de Libras. ● Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Especial e Inclusiva – GEPEEIN (IFPR) Currículo Lates: http://lattes.cnpq.br/4629794516295407 APRESENTAÇÃO DA APOSTILA Prezado(a) acadêmico(a)! Seja bem-vindo(a) à Disciplina de Libras II. Para que você alcance um nível razoável em seu desempenho comunicativo, precisará ter o desejo e oportunidade de se comunicar em Libras. Por isso, os tópicos que passaremos a conhecer neste material didático servirão para direcionar seus estudos, sabendo que para efetivar o processo de ensino e aprendizagem, você deverá ir além, colocar em prática com os usuários dessa língua o que você aprenderá em cada Unidade. Queremos, que ao decorrer dos estudos, você compreenda que a Língua Brasileira de Sinais não é um conjunto de gestos soltos e isolados, mas uma língua que possui suas características próprias como qualquer outra língua oral. Sabemos que não esgotaremos o assunto a ser estudado aqui, mas esperamos poder contribuir na construção, divulgação e compreensão desta língua enquanto alicerce para o desenvolvimento integral do educando surdo e enquanto língua adicional a ser apreendida por você, acadêmico(a). Para que o processo de aprendizagem dessa língua adicional seja aos poucos assimilada, compreendida e utilizada por você, dividimos esse material em 4 Unidades a saber: Unidade I - AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS, você vai adquirir noções básicas sobre o artefato cultural, literatura visual surda, o ensino da Língua Portuguesa e métodos didáticos para o ensino dessa língua para surdos, além dos recursos didáticos para o ensino de Libras na formação acadêmica como segunda língua. Unidade II - ESTRUTURA, EXPRESSÃO, CONCEITOS DÊITICOS/ANAFÓRICOS E FIGURAS DE LINGUAGEM NA LÍNGUA DE SINAIS, passaremos a conhecer a estrutura de frases em Libras, as dimensões evolutivas dessa língua em suas expressões metafóricas e descritivas, bem como o uso de espaços nas suas enunciações compreendendo a dêixis enquanto processo de descrição. Unidade III - A LINGUÍSTICA DAS LÍNGUAS DE SINAIS, aprofundaremos os conhecimentos sobre a linguística da Língua Brasileira de Sinais, em seus aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos. Unidade IV - GRAMÁTICA DE LIBRAS apresenta-se o léxico da Libras, o uso de verbos, o sistema pronominal e as limitações na formação dos sinais. Vamos lá? Bons estudos e abraços sinalizados! UNIDADE I AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS Professora Mestre Elizete Pinto Cruz Sbrissia Pitarch Forcadell Plano de Estudo: A seguir apresenta-se os tópicos que você estudará nesta unidade ● Cultura surda; ● Literatura visual; ● Literatura visual surda, Libras e o ensino; ● Desenvolvimento das etapas do ensino de Língua Portuguesa para Surdos; ● Produção didática para o aprendizado de Libras como segunda língua na formação dos acadêmicos. Objetivos de Aprendizagem: ● Pensar na cultura da comunidade surda, para descrever elementos identitários e artefatos da literatura brasileira surda; ● Compreender como trabalhar com as crianças surdas; ● Perceber as estratégias docentes no ensino de surdos nos espaços educacionais. INTRODUÇÃO Caro(a) acadêmico(a), nesta Unidade conversaremos sobre a comunidade surda, para compreendermos sua cultura, a construção da sua identidade, e a importância da sua experiência visual, além de visualizarmos como trabalhar com as crianças surdas e apresentá-las aos artefatos culturais como a literatura surda em Libras. É preciso fazer as crianças surdas construírem sua identidade e sua cultura. Por acaso, você já conhece as produções literárias em Libras para trabalhar com seus futuros alunos surdos? Caso não, fique atento, pois essa Unidade de Estudos está repleta de sugestões para serem trabalhadas em sala de aula e incentivar as crianças surdas a aceitarem-se surdas, e as crianças ouvintes a interagirem com literaturas que lhes apresentem o mundo surdo. Além desses, existem outros clássicos infantis que foram traduzidos para a língua de sinais, e com isso estimular a inserção das crianças surdas nas práticas sociais de leitura. O(a) professor(a) pode valorizar os aspectos culturais da criança surda, se isso acontecer, ficará mais fácil alcançar bons níveis de qualidade no ensino e na aprendizagem, num trabalho educacional bilíngue ou inclusivo que respeite os direitos fundamentais dos surdos e o ambiente em que esses sujeitos precisam estar inseridos. Um espaço de educação que priorize a Língua de Sinais, que o surdo tenha representatividade e que também seja protagonista de um sistema formativo, requer a articulação de todos os envolvidos nesse no espaço educacional, seja esse espaço público ou privado, de caráter linguístico e cultural. Para isso, precisamos refletir e perguntar a nós mesmos o que é currículo para surdos? A resposta pode variar muito e pode depender da visão de mundo que se tem, mas é importante perguntar a opinião dos professores surdos, o que pensam desse currículo adequado à cultura surda e o que pensam que deve ser inserido na grade curricular? Devemos pensar sobre como situar o papel do professor surdo nas escolas de surdos e a visão dos ouvintes sobre ele, bem como o currículo na Educação de Surdos. 1 CULTURA SURDA Figura - Charge humorística que explica a cultura surda e o uso da Libras por seus usuários Fonte: disponível em: https://docplayer.com.br/43089685-Universidade-de-sao-paulo-instituto-de-psicologia- alessandra-giacomet.html. Acesso em: 20 out. 2021. A pesquisadora Karin Strobel em sua publicação “As imagens do outro sobre a cultura surda” (2008), antes de iniciar a discussão propriamente dita sobre a cultura surda, apresentou dois principais questionamentos que servem para refletirmos sobre essa temática: Existe uma cultura surda? Os surdos produzem cultura? Abrimos nossa Unidade de Estudos com esses questionamentos para compreendemos alguns artefatos que estão diretamente ligados à cultura surda, abordados por Strobel. Bom, antes porém, é necessário saber que o marco da definição de cultura surda é feito por Carol Padden, também uma acadêmica surda, no início dos anos 1980, como um: “[...] conjunto de comportamento aprendido de um grupo de pessoas que têm sua própria língua, valores, regras de comportamento e tradição, [...] membros da cultura surda se comportam como surdos, usam a língua dos surdos e compartilham as crenças das pessoas surdas em relação a si mesmas e outras pessoas que não são surdas.” (PADDEN, 1980, p. 92-93). Assim, até o final da década de 1980, os Estudos Surdos se baseavam principalmente na dicotomia entre cultura surda/mundo surdo e mundo/cultura ouvinte. Essa distinção foi reforçada por aqueles estudiosos – surdos principalmente – líderes no ensino da ASL, já que essas aulas começaram a aumentar significativamente nos EUA, visto que os ouvintes se matricularam em grande número para aprender o idioma. Por exemplo, Carol Padden e Tom Humphries publicaram o curso para a aprendizagem de ASL como segunda língua (L2), intitulado“Um curso básico da Língua de Sinais Americana" (HUMPHRIES; PADDEN; O'ROURKE, 1980, p.1), no qual a Língua de sinais foi vista como o idioma nativo e/ou principal dos surdos, incorporando seus valores e experiências. Assim, Pimenta (2001, p.24), ator surdo brasiliense, declara que ‘a surdez deve ser reconhecida como apenas mais um aspecto das infinitas possibilidades da diversidade humana, pois ser surdo não é melhor ou pior do que ser ouvinte, é apenas diferente’. Se consideramos que os surdos não são ‘ouvintes com defeito’, mas pessoas diferentes, estaremos aptos a entender que a diferença física entre pessoas surdas e pessoas ouvintes gera uma visão não-limitada, não determinística de uma pessoa ou de outra, mas uma visão diferente de mundo, um ‘jeito Ouvinte de ser’ e um ‘jeito Surdo de ser’, que nos permite falar em uma cultura da visão e outra da audição. Os questionamentos trazidos acima por Strobel (2008), ocorrem pelo fato das pessoas não conhecerem ou não saberem como é a cultura surda/mundo surdo, Magnani (2007) argumenta que “[...] experiência com surdos era como a da maioria das pessoas, a de alguma vez ter visto duas pessoas conversando por meio de sinais, sem prestar maior atenção – o olhar não treinado não vai além do que o senso comum registra.” Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo, a fim de se torná-lo acessível e habitável ajustando-os com suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isso significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo. Sobre essas identidades, Perlin (2004) descreve que: “[...] As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com a maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos valia social.” (PERLIN, 2004, p.77-78) É essencial entendermos que a cultura surda é a identidade do povo surdo, povo esse que tem uma comunidade, que compartilham em comum as normas, os valores e os comportamentos. Perlin (1998) em seus estudos sobre a questão identitária do surdo, diz que identificar essa identidade dependerá de como esse sujeito se assume dentro da sociedade, ela apresenta como pode ser definida essas identidades: ● Identidade flutuante: na qual o surdo se espelha na representação hegemônica do ouvinte, vivendo e se manifestando de acordo com o mundo ouvinte; ● Identidade inconformada: na qual o surdo não consegue captar a representação da identidade ouvinte, hegemônica, e se sente numa identidade subalterna; ● Identidade de transição: na qual o contato dos surdos com a comunidade surda é tardio, o que os faz passar da comunidade visual-oral (na maioria das vezes truncada) para a comunicação visual sinalizada – o surdo passa por um conflito cultural; ● Identidade híbrida: reconhecida nos surdos que nasceram ouvintes e se ensurdeceram e terão presentes as duas línguas numa dependência dos sinais e do pensamento na língua oral; ● Identidade surda: na qual o ser surdo é estar no mundo visual e desenvolver sua experiência na língua de sinais. Os surdos que assumem a identidade surda são representados por discursos que os veem capazes como sujeitos culturais, uma formação de identidade que só ocorre entre os espaços culturais surdos. Mas, existe uma cultura surda? Sim, se compreendermos que a cultura não está apenas relacionada às etnias, ou nacionalidades, quase sempre vinculadas a concepções biológicas (raciais) ou geográficas (de localização no espaço), mas como elementos materiais e simbólicos que não apenas expressam, mas, sobretudo, constituem os vínculos identitários que definem a organização de grupos sociais. Os surdos, por exemplo, não possuem nenhuma marca “física” racial que os identifique e, tampouco, habitam um mesmo território geográfico. No entanto, é inegável nossa percepção de que os surdos compartilham experiências pautadas em referências diferenciadas dos não surdos, que os identificam como parte de uma cultura minoritária, cujo maior símbolo identitário é a língua de sinais. Ainda que a comunicação visual seja a principal marca linguística que aproxima os membros dessa comunidade, existem outros traços que se somam a essa experiência, dependentes das relações que os surdos vivenciam em meio a outras referências culturais religiosas, étnico-raciais, econômicas e assim por diante. Sobre os artefatos culturais que a pesquisadora Karin Strobel (2008), surda da Universidade Federal de Santa Catarina menciona em sua publicação, trago uma síntese de cada um deles: ● Artefato cultural: linguístico – a língua de sinais é uma das principais marcas da identidade de um povo surdo, por ser uma forma de comunicação que capta as experiências visuais dos sujeitos surdos e possibilita a apropriação e transmissão do conhecimento universal. Decorrente de sua modalidade visual- espacial, a língua de sinais possui um sistema de escrita de base ideográfica, denominado SignWriting (SW), contribuindo para superar o mito de seu caráter ágrafo; ● Artefato cultural: familiar – a experiência de mais de 90% dos surdos pertencerem a famílias ouvintes criarem uma forma de integração típica, marcada pela carência de diálogo e entendimento da questão da cultura surda e da língua de sinais. Em contrapartida, famílias surdas apresentam modos interativos muito singulares em relação à questão da surdez de seus filhos. Na comunidade surda é comum o casamento entre surdos e o debate sobre a identidade cultural dos filhos de pais surdos, fazendo com que muitos casais almejem ter filhos surdos, como decorrência natural da vida comunitária; ● Artefato cultural: literatura surda – a literatura surda traduz a memória das vivências através das várias gerações dos povos surdos e se materializa em diferentes gêneros: poesia, história de surdos, piadas, literatura infantil, clássicos, fábulas, contos, romances, lendas e outras manifestações culturais. Essa produção é transmitida de geração em geração pela língua de sinais, a maioria delas parte de experiências das comunidades surdas que transmitem seus valores e orgulho da cultura surda que reforça os vínculos que une as gerações surdas mais jovens. A literatura surda faz referência às ações de grandes líderes e militantes surdos e a valorização de suas identidades na luta contra a opressão de uma sociedade majoritariamente ouvinte; ● Artefato cultural: vida social esportiva – a vida social esportiva do povo surdo é marcada por acontecimentos culturais, como casamentos entre os surdos, festas, lazeres e atividades nas associações de surdos, eventos esportivos e outros. As associações de surdos funcionaram, historicamente, como espaços de recreação e lazer e, mais recentemente, como espaço de organização de suas lutas políticas. A Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS), o Comitê Internacional de Esportes dos Surdos (CISS), o Pan Americano de Deportes de Surdos (Panamdes), a Confederação Sudamericana Deportiva de Surdos (Consudes), são entidades que buscam a difusão das atividades culturais e esportivas dos surdos; ● Artefato cultural: artes visuais – as artes visuais são um meio para criações artísticas que sintetizam emoções, histórias, subjetividades e cultura do povo surdo. O artista surdo cria a arte para explorar novas formas de “olhar” e interpretar a cultura surda, além da denúncia de cenas de opressões ouvintistas; ● Artefato cultural: política – outro artefato cultural influentedas comunidades surdas são as lutas políticas organizadas pelos movimentos e lutas em favor de seus direitos. Os movimentos surdos são organizados politicamente no mundo todo, como, por exemplo, a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), a principal entidade representativa no Brasil, filiada à Federation of The Deaf (WFD), com sede na Finlândia; ● Artefato cultural: materiais – o TDD (Telephone Device for the Deaf) um pouco maior que um telefone convencional, na parte de cima existe um encaixe de fone e, embaixo, um visor onde aparece escrito o que foi digitado e, mais embaixo, as teclas para digitar; instrumentos luminosos como a campainha em casas e escolas de surdos; despertadores com vibradores; legendas closed caption; babá- sinalizadores, são exemplos de artefatos materiais da comunidade surda. SAIBA MAIS Para finalizarmos este tópico sobre a criança surda e a construção da sua identidade, convido-lhe a assistir o documentário “Sou surdo e não sabia.” Esse documentário conta a história de Sandrine, uma menina surda de nascença que é filha de pais ouvintes. Ao frequentar a escola, a menina começa a questionar como os demais colegas compreendem o que a professora estava ensinando. A partir disso vamos compreender junto com Sandrine, como uma criança surda descobre que as crianças de sua sala se comunicam através de sons, e que esses sons são produzidos pelo movimento dos lábios através das palavras. Esse documentário olha para a questão a partir de dentro, pela perspectiva de Sandrine e sua história verídica. Paralelamente ao relato da autonomia conquistada com a Língua de Sinais, o filme levanta a discussão sobre a conveniência do implante coclear e da oralização de crianças surdas. Depois de assistir a esse filme, podemos fazer uma relação entre ele, seu título e o texto que estudamos a respeito da identidade surda. Já sabemos que é muito importante refletir sobre as crianças surdas nos espaços educacionais onde devem construir a sua identidade. Vamos assistir a esse filme inédito!! Filme: “Sou Surdo e Não Sabia” https://www.youtube.com/watch?v=Vw364_Oi4xc Fonte: UNIASSELVI. A Experiência visual: educação infantil e ensino fundamental. Caderno de Estudos, capítulo 3, Indaial-SC, 2012. #SAIBA MAIS# 2 LITERATURA VISUAL Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/preschool-teacher-reading-story-children- kindergarten-1203485464 Acesso em: 20 out. 2021. A maioria de nós quando indagados sobre o que é literatura, trazemos à memória algo que é escrito ou oral, histórias que nossos pais, avós, tios ou tias nos contavam, quando éramos crianças e que ficaram guardados na nossa memória. Ouvir histórias pelo prazer de conhecer histórias, imaginar cenários e personagens, acompanhar as aventuras dos heróis ao fugir de bruxas, ao esconder-se de madrastas más, encontrar príncipes, acordar princesas, vencer dragões, enfim esperar e torcer pelo final feliz, tudo isso criava em nós as expectativas de mergulhar nesse mundo de fantasias e imaginações, causando em nós uma atitude leitora, mesmo sem, nem ao menos ter o contato com o significado das palavras grafadas nos mais diversos livros de histórias infantis. A literatura infantil, portanto, tem a criança como principal representante, pois a representa sempre em busca de uma explicação que, mesmo quando mais lógica, é ainda mágica. Por isso, o gosto pelo mundo sobrenatural com fadas, ogros e bruxas serve para ‘dar asas à imaginação’. Essas são as maravilhas sem precedentes da leitura: o poder dos livros em criar mundos e a fácil absorção do leitor, a qual permite que o frágil mundo do livro, todo ar e pensamento mantenha-se por um instante, uma casa de bambu e papel entre terremotos; dentro dele os leitores adquirem paz, tornam-se mais poderosos, sentem-se mais bravos e mais sábios pelos caminhos do mundo. (NELL, 2001, p. 53). Pensar que a literatura escrita vem de aproximadamente 5000 anos atrás, registrada em tábuas de argila com escrita cuneiforme na antiga Babilônia, com a epopeia de Gilgamesh. Registros literários da Grécia e da Roma Antigas têm sido preservados de forma que até os dias de hoje podemos realizar sua leitura – seja no idioma original, seja em suas traduções. Nós também podemos pensar nos clássicos da literatura ao redor do mundo, como “Fausto”, de Goethe, “Anna Karenina”, de Tolstoy, ou as peças e poesias de William Shakespeare. Na língua portuguesa, talvez nos recordemos das obras de Camões no caso da Europa, enquanto no Brasil podemos considerar grandes clássicos como “Grande Sertão Veredas”, de João Guimarães Rosa, ou as obras de Jorge Amado. Também podemos pensar na literatura infantil, como “O Menino Maluquinho”, de Ziraldo. Todos esses são livros impressos, mas se pensarmos na literatura oral, temos a Literatura de Cordel que parece ter sido disseminada pelo Brasil por meio da reprodução impressa, porém a tradição da declamação e do canto persiste até os dias de hoje. Acadêmico(a), não é surpreendente, então, pensarmos que a Libras, uma língua que visual-gestual, também deve possuir uma literatura? Neste tópico queremos apresentar a você, acadêmico(a) quatro tipos de literaturas destacados por Rachel Sutton-Spence (2021), para cada literatura ela apresenta critérios nas suas produções, mas ressalta que essas produções não precisam contemplar simultaneamente esses quatro tipos de literaturas com seus critérios. 1. Literatura feita por surdos: pode ser criada e apresentada por surdos ou elaborada originalmente por não surdos, mas adaptada e apresentada por pessoas surdas. A narrativa Golf Ball, por Stefan Goldschmidt, é um exemplo desse tipo de literatura, pois é feita por um ator surdo e destinada (principalmente) aos surdos, porém não fala da experiência surda e não usa Libras, porque usa a técnica Vernáculo Visual (é a técnica de contar histórias de uma forma muito visual sem utilizar o vocabulário de sinais). Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Gl3vqLeOyEE 2. Literatura que atingir um público surdo: os ouvintes também podem apreciar essa literatura, por exemplo os pais de crianças surdas ou professores que trabalham com alunos surdos, semelhante à literatura infantojuvenil, que espera ter como leitores crianças e jovens, sabendo, porém, que os adultos podem ser os seus leitores também. A maior parte da literatura surda em que o destinatário imaginado é o público surdo é criada por surdos, mas não é preciso ser assim. Autores ouvintes, ou autores surdos e ouvintes em parceria, também criam literatura surda destinada aos surdos e que trata da experiência ou do conhecimento dos surdos. Podemos ver um exemplo na narrativa O Negrinho do Pastoreio, de Roger Prestes, foi apresentada em Libras por um autor surdo e é destinada principalmente ao público surdo, mas tem origem não surda e não fala da experiência dos surdos. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=ZZnxEAVkMaU 3. Literatura com assuntos que tratam da experiência de ser surdo: existem muitos exemplos de literatura surda com a temática do “sujeito surdo”. Um autor surdo pode escrever sobre a experiência surda para atingir um público ouvinte. Por outro lado, alguns livros infantis têm autores ouvintes, mas desde que fale de uma pessoa surda e esteja destinado ao público surdo, digamos que é um tipo de literatura surda. Como exemplo podemos citar o Livro A Verdadeira Beleza, de Vanessa Lima Vidal, foi escrito por uma autora surda e fala da experiência de uma pessoa surda. Não está apresentado em Libras, mas em português, e o público esperado é tanto de ouvintes quanto de surdos. Fonte: https://www.libras.com.br/surdos-famosos-vanessa-lima-vidal 4. Literatura surda produzida em Libras: pessoas surdas, convivendo com ouvintes, em seu ambiente de trabalho oucom a família, se apropriam de meios visuais para entender o mundo e se relacionar com as pessoas ouvintes. Essa experiência visual, além do uso da língua de sinais, implica dividir a comunicação, o desejo de estarem juntos é a força da vida em comunidade e a força de sua língua, de sua diferença e isso também caracteriza a cultura surda. Alguns materiais existentes em Libras traduzem os textos clássicos da literatura brasileira para a Libras, ou seja, literatura adaptada de uma língua oral para uma língua sinalizada. A editora “Arara Azul” disponibiliza a coleção “Clássicos da Literatura em CD-R em Libras/Português, traduzidos por intérpretes de Libras como: Alice no País das Maravilhas de Lewis Carrol; As Aventuras de Pinóquio de Carlo Collodi; A História de Aladim e a Lâmpada Maravilhosa (autor desconhecido); Iracema de José de Alencar; O Velho da Horta de Gil Vicente; O Alienista; O Caso da Vara; A Missa do Galo; A Cartomante; O Relógio de Ouro, contos de Machado de Assis. Outro exemplo de literatura surda produzida em Libras é história A Rainha das Abelhas, contada por Mariá de Rezende Araújo, foi apresentada por uma tradutora ouvinte e tem origem não surda (por ser um conto de fadas dos irmãos Grimm), então não fala da experiência dos surdos. Porém, está contada em Libras e é destinada ao público surdo. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=nXI4aO2_G3E A partir do ano 2000 a Literatura surda produzida em Libras, passou a contar com a análise de livros infantis impressos contendo personagens surdos como: Figura 1 - Literatura Surda Fonte: Arquivos da autora (2021) ✔ Rapunzel Surda: é um livro de literatura infantil do Brasil escrito em língua de sinais. O livro Rapunzel Surda é uma versão do tradicional conto que insere elementos da cultura e identidade surda. Essa releitura inédita da história é acompanhada da escrita dos sinais (SW), ilustrações e uma versão em português. Voltada para o público surdo infantil, a obra é o resultado da pesquisa desenvolvida por Lodenir Becker Karnopp, Caroline Hessel e Fabiano Rosa. ✔ Patinho Surdo: conta o nascimento de uma ave pertencente a outra espécie em um ninho de cisnes ouvintes e a dificuldade em estabelecer-se uma comunicação entre eles são contados em ‘Patinho surdo’. No livro, o protagonista reencontra a sua família e aprende a linguagem de sinais usada pelos bichinhos da lagoa. ✔ Tibi e Joca: este livro pode ser facilmente compreendido por crianças surdas e ouvintes. Esta é a história de Joca, um menino especial, e seu amigo Tibi. Joca é surdo. Juntos, eles fazem uma descoberta que mudará as vidas de Joca e sua família. Uma descoberta que pode ser importante para você também. ✔ Adão e Eva: os autores contam a origem da língua de sinais através da criação do casal feita por Deus. Na história, os dois ficam sem roupa após comerem a maçã e veem-se obrigados a usar a fala, já que as mãos estão ocupadas em esconder a nudez dos corpos. A versão dessa história é recorrente de encontro entre os autores e a comunidade de surdos, no qual são contados e recontados vários clássicos da literatura. ✔ Cinderela Surda: a estrutura da narrativa é a mesma do conto tradicional, apenas com a inserção de elementos significativos na comunidade surda. Cinderela é uma jovem surda que convive com a madrasta e as irmãs. Que desconhecem a língua de sinais e se comunicam por poucos gestos, por isso, sente-se sozinha e abandonada. O conto destaca elementos importantes da cultura surda, como sua história, sua língua e a valorização desses aspectos, ao final do livro, invertendo a lógica de opressão em relação às diferenças culturais relativas aos surdos. Tal como no conto tradicional, Cinderela surda conquista a felicidade depois de superar muitas dificuldades difíceis obstáculos relativos à discriminação e enfrentar duras tribulações. 3 LITERATURA VISUAL SURDA, LIBRAS E O ENSINO Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/beautiful-cute-caucasian-baby-girl-2-2009420486 Acesso em: 20 out. 2021. A literatura desempenha um importante papel no desenvolvimento de todas as crianças. Andrews e Baker (2019, p. 7) explicam que histórias e outras formas de jogos de linguagem em língua de sinais são importantes para aspectos como: “[...] desenvolvimento motor, comunicação, habilidades socioemocionais, conhecimento do mundo, cognição, linguagem e alfabetização.” O ensino de literatura infantil deve incluir histórias e jogos que “[...] manipulam a estrutura abstrata, sublexical ou fonológica dos sinais para fornecer às crianças experiências de linguagem lúdicas.” (ANDREWS; BAKER, 2019, p. 5). Essa literatura surge simultaneamente para instruir, divertir e educar, trazendo a criança ao mundo com o qual ela se identifica e no qual ela se sente livre para formar suas capacidades intelectuais, pessoais e sociais, visto que ela ainda está em um processo de formação de experiências reais. A literatura nada mais é do que uma fonte saudável de alimentação para a imaginação infantil. A palavra tem sua beleza própria, mas só reconhece quem sabe usá- la: “(...) já aos dois anos e meio as crianças constroem monólogos nos quais inter- relacionam a reflexão sobre sua experiência com a contemplação da linguagem, como um jogo de repetições e variações. Muito rapidamente estes monólogos e cadências se integram no quadro proporcionado pelas convenções culturais das narrativas, canções ou poemas (...) a inclusão de várias fórmulas de início e fim, o uso de imperfeito, a intenção de estabelecer relações causais entre os acontecimentos, etc., supõem indícios que mostram que as crianças aprenderam, que as histórias requerem o uso diferenciado da linguagem.” (COLOMER, 2003, p.90). As histórias infantis podem, assim, trabalhar na formação moral, social e literária da criança, acompanhando-a em seus momentos particulares e provendo, por intermédio da transposição do real, a melhor compreensão do mundo. Quando a criança surda é inserida no mundo da escrita, tornando-se parte em atividades em que a leitura é feita para que se conheça mais sobre um tema de interesse, quando ela mesma com esse texto internalizado sinaliza as histórias infantis lidas, despertando nelas o prazer em conhecer essas histórias, quando o professor prioriza esse envolvimento com a literatura, atribuindo sentido à leitura, torna-se uma possibilidade de tornar possível a formação de uma atitude positiva da criança surda em relação à escrita. Com isso, cria-se nessa criança uma atitude em relação à leitura que favorece sua aprendizagem e seu desenvolvimento. Nos tópicos anteriores vimos várias possibilidades de trabalharmos a literatura com as crianças surdas, porém o desafio está em formar nessa criança surda um motivo para a leitura de um texto escrito por ela ou para ela, e que esse traga à tona a sua cultura, sua comunidade e sua identidade, ou seja, temos que despertar na criança surda uma atitude de leitura, motivada pela compreensão da informação e do sentimento expresso no texto. Na formação das crianças ouvintes frente ao sentido para a leitura e da escrita adequada ao seu significado social, podemos observar duas situações distintas: uma em que a criança inicia o contato com a cultura escrita na escola; e outra em que a criança chega à escola, tendo já formado para si um sentido para a escrita alheio a sua função social, porém, tanto em um como em outro, a literatura infantil pode contribuir fortemente para formar nessas crianças uma atitude leitora e produtora de textos e aí, é claro que precisamos levar em consideração que essas crianças vêm de um ambiente familiar onde circulam com mais facilidades o contato com a leitura, a escrita e a comunicação em sua língua natural. Mas, e nas crianças surdas? Como podemosformar nelas essa atitude leitora e produtora de textos, como elas vão criar um sentido para a cultura escrita e tornar esse momento prazeroso, visto que a maioria está inserida em um espaço familiar e escolar onde não existe uma circulação e, muitas vezes, aceitação para essas produções literárias adaptadas ou mesmo com personagens que as representem, que sirvam de referência para a sua comunidade? Sabemos que as marcas históricas de uma proibição do uso da língua de sinais, perduram até hoje, as consequências desse longo período, resultaram num ensino que prioriza a aprendizagem da fala e da Língua Portuguesa, no reconhecimento de uma cultura surda e na produção de literatura surda, tardiamente. O registro da literatura surda começou a ser possível principalmente a partir do reconhecimento da Libras aprovada na Lei Federal nº10436/02 e regulamentada no Decreto Federal 5626/05, com o desenvolvimento tecnológico, que possibilitaram formas visuais de registro dos sinais. Nesse sentido, precisamos trazer a cultura surda e a Literatura Surda para as salas de aula bilíngues (STROBEL, 2008; MOURÃO, 2011) e também para as salas de aulas inclusivas, possibilitando que surdos e ouvintes conheçam esse tipo de literatura. Para fazer isso de maneira mais eficaz, precisamos pedir a opinião dos professores surdos na literatura (ROSA; KLEIN, 2011). A Pedagogia Visual é um elemento importante da educação (CAMPELLO, 2007) e a literatura mostra a Libras na sua forma mais criativa e visual. Lembramos também que, mesmo o ensino e a aprendizagem de Literatura Surda sendo fundamentais para as crianças surdas, também são importantes para os adultos surdos e os adultos ouvintes aprendizes da Libras como segunda língua – por exemplo, os pais de filhos surdos, professores bilíngues e outros profissionais que trabalham com surdos. Da mesma forma, os alunos ouvintes que têm colegas surdos na mesma sala de aula devem aprender Libras como segunda língua nas escolas para que haja uma real inclusão escolar naquele espaço. Nesse contexto, a Literatura Surda se mostra como uma maneira de ensinar a Libras por meio da ludicidade. Com certeza, o ensino de literatura em Libras tem um caráter de entretenimento e diversão, um dos principais motivos para que ela seja inserida nas aulas. Além disso, pode ser utilizada no ensino de diferentes áreas do conhecimento – nas aulas de História, Geografia, Ciências e até Matemática, as quais podem contar com histórias e jogos de linguagem. Para os alunos surdos, a literatura tem um papel de aculturação e auxílio na exploração e desenvolvimento da língua, analisando seus limites e dando ao autor/narrador uma oportunidade de mostrar suas habilidades linguísticas. Os professores precisam chamar a atenção dos alunos para a linguagem (SUTTON-SPENCE; RAMSEY, 2010). É importante que os alunos surdos entendam o objetivo de estudar a Literatura Surda (SCOTT, 2010). Idealmente, eles devem ver seus professores apresentando a literatura, mas se o professor não tiver as habilidades necessárias para a produção, eles podem assistir outras obras em vídeo e o professor pode enfatizar os elementos literários ali presentes. Mas como o aluno aprende a contar histórias? Primeiramente, pela observação enquanto o professor conta histórias ou as apresenta em vídeo; em seguida, no momento em que o aluno copia essa história do professor. Num ato coletivo, o professor pode incentivar a história de um aluno enquanto os outros assistem, apoiam e comentam, ou os alunos podem criar histórias coletivamente. Porém, nada disso deve acontecer sem que o professor ensine explicitamente quais são as técnicas de contação de história. 4 DESENVOLVIMENTO DAS ETAPAS DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS Figura - Muro da Escola Municipal Noêmia Ribeiro do Amaral em Paranavaí – PR Fonte: disponível em: https://www.folhadelondrina.com.br/cidades/giro-pelo-parana---libras-enfeitam- muro-de-escola-de-paranavai-2956092e.html. Acesso em: 20 out. 2021. Focamos até agora na literatura visual, principalmente na Literatura em Libras, porém sabemos que o letramento em Libras adianta o desenvolvimento do letramento em português. Assim, o ensino da Literatura Surda em Libras pode apoiar o estudo da Literatura na Língua Portuguesa, ajudando os alunos a apreciar a literatura escrita e mantendo o “bi” em bilíngue. O ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos é um processo complexo tanto para o aluno quanto para o professor, um procedimento que deve ser regido por metodologias que valorizem e respeitem a experiência visual e linguística do surdo. Dessa forma, é necessário pensar em metodologias e concepções que assegurem aos alunos surdos bom desempenho na aprendizagem, assim como na avaliação. Muitos surdos não gostam de literatura escrita, seja porque é difícil de entender as referências linguísticas ou culturais, seja porque não conhecem as convenções da língua em questão (SUTTON-SPENCE, 2020; SPOONER, 2016). Nesse viés, as traduções de literatura escrita para formas literárias em Libras, pautadas nas normas surdas de literatura, auxiliam muito no estudo do texto original. Além disso, é sabido que discutir sobre a literatura escrita pela língua de sinais permite que os alunos compreendam melhor as ideias nela inseridas (LANG, 2007). O livro “Ensino de Língua Portuguesa para Surdos: caminhos para a prática pedagógica” volume II, publicado em 2007 pela autora Heloisa Maria Moreira Lima Salles, nos faz compreender a relação entre a leitura em português (L2) e Libras, segundo a autora, a leitura deve ser uma das principais preocupações no ensino de português como segunda língua para surdos, tendo em vista que constitui uma etapa fundamental para a aprendizagem da escrita. Nesse processo, o professor deve considerar, sempre que possível, a importância da língua de sinais como um instrumento no ensino do português. Recomenda-se que, ao conduzir o aprendiz à língua de ouvintes, deve-se situá-lo dentro do contexto, valendo-se da sua língua materna (L1), que, no caso em discussão, é a Libras. É nessa língua que deve ser dada uma visão apriorística do assunto, mesmo que geral. É por meio dela que se faz a leitura do mundo para depois se passar à leitura da palavra em Língua Portuguesa. A língua de sinais deverá ser sempre contemplada como língua por excelência de instrução em qualquer disciplina, especialmente na Língua Portuguesa, o que coloca o processo ensino e aprendizagem numa perspectiva bilíngue. Considerando que o aluno surdo tem a Libras como língua materna, na escola ele aprenderá uma Língua Adicional, no caso, a Língua Portuguesa na modalidade escrita. A língua adicional é construída a partir da língua que o aluno já conhece. O sistema linguístico envolvendo a semântica, o léxico e a sintaxe, é construído sobre a língua já conhecida, muitas vezes constituindo contrastes, como, por exemplo, na estrutura da língua. A autora Heloisa Salles (2007), ainda sugere uma série de procedimentos importantes nesse processo. Segundo Garcez (2001 p. 24), reconhecer e entender a organização sintática, o léxico, identificar o gênero e o tipo de texto, bem como perceber os implícitos, as ironias, as relações estabelecidas intra, inter e extratexto, é o que “torna a leitura produtiva”. No caso do surdo, alguns dos procedimentos são imprescindíveis, e o professor deve sempre estar atento para conduzir o seu aprendiz a cumprir etapas, que envolvem aspectos macroestruturais: gênero, tipologia, pragmática e semântica (textuais e discursivos) e microestruturais: gramaticais/lexicais, morfossintáticos e semânticos (lexicais e sentenciais). Aspectos macroestruturais: ● Analisar e compreender todas as pistas que acompanhem o texto escrito: figuras, desenhos, pinturas, enfim, todas as ilustrações; ● Identificar,sempre que possível, nome do autor, lugares, referência temporais e espaciais internas ao texto; ● Situar o texto, sempre que possível, temporal e espacialmente; ● Observar, relacionando com o texto, título e subtítulo; ● Explorar exaustivamente a capa de um livro, inclusive as personagens, antes mesmo da leitura; ● Elaborar, sempre que possível, uma sinopse antes da leitura do texto; ● Reconhecer elementos paratextuais importantes tais como: parágrafos, negritos, sublinhados, travessões, legendas, maiúsculas e minúsculas, bem como outros que concorram para o entendimento do que está sendo lido; ● Estabelecer correlações com outras leituras, outros conhecimentos que venham auxiliar na compreensão; ● Construir paráfrases em Libras ou em português (caso já tenha um certo domínio); ● Identificar o gênero textual; ● Observar a importância social e discursiva, portanto pragmática, do gênero textual; ● Identificar a tipologia textual; ● Ativar e utilizar conhecimentos prévios; ● Tomar notas de acordo com os objetivos. Aspectos microestruturais: ● Reconhecer e substituir palavras-chave; ● Tentar entender, se for o caso, cada parte do texto, correlacionando-as entre si: expressões, frases, períodos, parágrafos, versos, estrofes; ● Identificar e sublinhar ou marcar na margem fragmentos significativos; ● Relacionar, quando possível, esses fragmentos a outros; ● Observar a importância do uso do dicionário; ● Decidir se deve consultar o dicionário imediatamente ou tentar entender o significado de certas palavras e expressões observando o contexto, estabelecendo relações com outras palavras, expressões ou construções maiores; ● Substituir itens lexicais complexos por outros familiares; ● Observar a lógica das relações lexicais, morfológicas e sintáticas; ● Detectar erros no processo de decodificação e interpretação; ● Recuperar a ideia geral de forma resumida. Em suma, segundo a autora, é importante ressaltar que, para cada texto, existe um conjunto de procedimentos adequados à compreensão, e, portanto, é impraticável a aplicação de todos os procedimentos listados à leitura de um único texto. No cenário da educação de alunos surdos, frequentemente nos deparamos com professores afirmando que alunos surdos não usam adequadamente a Língua Portuguesa escrita. A limitação auditiva, certamente, é apontada como a responsável por essa inaptidão quanto a essa modalidade da língua, transferindo a responsabilidade da não aprendizagem para o aluno surdo. O processo de aprendizagem envolve professores, alunos e práticas utilizadas para o ensino de Língua Portuguesa, necessitando, portanto, de reflexão. Em relação à aprendizagem de Língua Portuguesa, o aluno ouvinte tem uma vantagem notória sobre o aluno surdo, pois apreende a língua e suas facetas no convívio diário, o que favorece sua compreensão e sua formulação de hipóteses, durante o processo de construção do conhecimento linguístico. O sujeito surdo, por sua vez, não aprende a Língua Portuguesa de forma natural, uma vez que ela é um registro escrito de uma língua oral-auditiva, e a surdez impede que sua aprendizagem aconteça de forma completa, já que não possui acesso ao input necessário a essa aquisição. Segundo a teoria sociointeracionista, o desenvolvimento cognitivo se dá através da interação em situações sociais concretas, e é facilitado quando o aprendiz recebe suporte de um interlocutor mais experiente, seja professor ou colega de aula. No caso do aluno surdo, é necessário um mediador que possa orientá-lo durante a interação, permitindo a ele relacionar os conhecimentos linguísticos da Libras e os conhecimentos linguísticos da Língua Portuguesa escrita, sendo esse o princípio para pensar ou repensar metodologias. 5 PRODUÇÃO DIDÁTICA PARA O APRENDIZADO DE LIBRAS COMO SEGUNDA LÍNGUA NA FORMAÇÃO DOS ACADÊMICOS Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/young-couple-making-hearts-paper-valentine- 1017701308 Acesso em: 20 out. 2021. O compartilhamento dos materiais expostos, a partir de agora, foram pensados, elaborados e produzidos pelos acadêmicos ouvintes dos cursos de Pedagogia, Letras, Ciências Biológicas, História, Geografia, Matemática, Serviço Social, Educação Física e Enfermagem da Universidade Estadual do Paraná, campus Paranavaí durante os anos de 2015 e 2016 sob a orientação da professora autora dessa Unidade de Estudos em conjunto com o professor surdo Murilo Sbrissia Pitarch Forcadell. Em todas as produções foi ressaltada a importância do professor surdo avaliar e contribuir no sentido de que esses materiais fossem preparados e adaptados para atender especificamente aos alunos surdos. A visão e as orientações de um educador, também surdo, e com ampla experiência na área educacional dos surdos, fez com que o trabalho acadêmico fosse além de simplesmente construir um material para receber uma nota bimestral; mas, passou a ser elaborado e produzido pelos acadêmicos, valorizando a diferença que esses materiais poderiam fazer na vida educacional dos alunos surdos e na ação docente dos professores, enquanto educadores de alunos surdos. Toda produção deste material pode ser encontrada na Dissertação de Mestrado da professora Elizete Pinto Cruz Sbrissia Pitarch Forcadell (2017). ● Literatura Surda: produção de histórias infantis com personagens surdos Por meio da produção dessa literatura os acadêmicos ouvintes puderam conhecer, produzir e interagir com obras criadas ou adaptadas para o público surdo, uma vez que a elaboração e a produção dessas literaturas traziam como personagens principais da história, surdos que se comunicavam com outros personagens utilizando- se da língua de sinais. Nessa perspectiva, apresentamos, a seguir, uma mostra das literaturas de histórias infantis com personagens surdos, produzidas pelos acadêmicos ouvintes da Universidade em parceria com surdos de diferentes ambientes sociais e educacionais. Figura 2 - Produção Acadêmica de Literaturas com Personagens Surdos Fonte: Forcadell, Elizete (2017). Dissertação de Mestrado ● Lúdico em Libras: produção de jogos e brincadeiras para educação de surdos e ouvintes em Língua de Sinais Apresenta-se como um material para surdos e ouvintes, o professor, mesmo não tendo amplo conhecimento da Língua de Sinais, poderá introduzir no ambiente educacional os primeiros contatos com a língua, em sala de aula regular, priorizando a prática lúdica da aprendizagem da Libras. Ao trabalhar como docente da disciplina de Libras na Universidade, pudemos perceber que, na medida em que os conteúdos teóricos ensinados aos acadêmicos eram expostos, havia a necessidade de transformar essa teoria em prática para que eles pudessem, por meio da atividade lúdica, compreender esses conteúdos. Figura 3 - Produção Acadêmica de Jogos Adaptados para Surdos Fonte: Forcadell, Elizete (2017). Dissertação de Mestrado ● Literatura em Libras: produção de histórias infantis adaptadas para a Língua Brasileira de Sinais Atualmente, já existem várias literaturas clássicas infantis traduzidas da Língua Portuguesa para a Língua Brasileira de Sinais. Essas adaptações literárias estão sendo utilizadas pelas escolas bilíngues para surdos, mas, também, têm sido usadas, inclusive, por escolas regulares inclusivas para surdos. A representação desse tipo de literatura tem permitido que alunos ouvintes se interessem e aprendam a língua de sinais e acima de tudo, reconheçam, valorizem e respeitem a comunidade surda ou o povo surdo. A produção que ora apresentamos foi feita em equipes, e cada equipe escolheu uma história infantil já existente em Língua Portuguesa para adaptá-la para a Língua Brasileira de Sinais. Além disso, a escolha também sedeu pelo fato de que, os trabalhos realizados demonstraram muito envolvimento com a atividade proposta. Um exemplo claro desse fato é que eles reconheceram a importância da literatura, que propicia sentimentos, emoção e reflexão, considerando o valor da cultura surda. Os produtores dessas literaturas, não são Tradutores/Intérpretes de Libras, não são professores da língua de sinais, também não são fluentes em língua de sinais, muitos nunca tiveram contato com surdos ou com a Libras em seu dia a dia, são apenas acadêmicos aprendizes da língua de sinais. Figura 4 - Produção Acadêmica de Literatura Adaptada para Surdos Fonte: Forcadell, Elizete (2017). Dissertação de Mestrado SAIBA MAIS A pesquisadora surda Karin Strobel procura desconstruir o conceito de várias culturas surdas em que ela diz: “A cultura surda, ao analisarmos a sua história, vê-se que ela foi marcada por muitos estereótipos, seja através da imposição da cultura dominante, ou das representações sociais que narram o povo surdo como seres deficientes. Existem muitos autores que escrevem bonitos livros sobre oralismo, bilingüismo, comunicação total, ou sobre os sujeitos surdos... Mas eles realmente conhecem-nos? Sabem sobre a cultura surda? Eles sentiram na própria pele como é ser surdo? Essa é uma reflexão importante a ser feita atualmente, porque essas metodologias citadas não foram criadas pelo povo surdo e sim pelos ouvintes, não digo que seja errado, o que quero dizer é que essas metodologias não seguem a cultura surda... o que o povo surdo almeja realmente é a pedagogia surda. Para a comunidade ouvinte que está mais próxima de povo surdo - os parentes, amigos, intérpretes, professores de surdos – para os mesmos, reconhecer a existência da cultura surda não é fácil, porque no seu pensamento habitual acolhem o conceito unitário da cultura e, ao aceitarem a cultura surda, eles têm de mudar as suas visões usuais para reconhecerem a existência de várias culturas, de compreenderem os diferentes espaços culturais obtidos pelos povos diferentes. Mas não se trata somente de reconhecerem a diferença cultural do povo surdo, e sim, além disso, de perceberem a cultura surda através do reconhecimento de suas diferentes identidades, suas histórias, suas subjetividades, suas línguas, valorização de suas formas de viver e de se relacionar. Acadêmico(a), essa foi uma parte da entrevista concedida pela pesquisadora em 2 de março de 2008 ao blog Vendo Vozes, que você pode saber mais através deste link: http://www.blogvendovozes.com/search/label/Karin%20Strobel Fonte: Strobel (2008). Disponível em: http://www.blogvendovozes.com/search/label/Karin%20Strobel Acesso em: 27 de out. 2021. #SAIBA MAIS# REFLITA VOCÊ PRECISA SER SURDO PARA ENTENDER Como é "ouvir" uma mão? Você precisa ser surdo para entender! O que é ser uma pequena criança na escola, numa sala sem som com um professor que fala, fala e fala e, então quando ele vem perto de você ele espera que você saiba o que ele disse? Você precisa ser surdo para entender! Ou o professor que pensa que para torná-lo inteligente você deve, primeiro, aprender como falar com sua voz assim colocando as mãos no seu rosto por horas e horas sem paciência ou fim até sair algo indistinto assemelhado ao som? Você precisa ser surdo para entender! Como é ser curioso na ânsia por conhecimento próprio com um desejo interno que está em chamas e você pede a um irmão, irmã e amigo que respondendo lhe diz: "Não importa"? Você precisa ser surdo para entender! Como é estar de castigo num canto embora não tenha feio realmente nada de errado a não ser tentar fazer uso das mãos para comunicar a um colega silencioso um pensamento que vem, de repente, a sua mente? Você precisa ser surdo para entender! Como é ter alguém a gritar pensando que irá ajudá-lo a ouvir ou não entender as palavras de um amigo que está tentando tornar a piada mais clara e você não pega o fio da meada porque ele falhou? Você precisa ser surdo para entender! Como é quando riem na sua face quando você tenta repetir o que foi dito somente para estar seguro que você entendeu você descobre que as palavras foram mal entendidas? E você quer gritar alto: "Por favor, me ajude, amigo! Você precisa ser surdo para entender! Como é ter que depender de alguém que pode ouvir para telefonar a um amigo ou marcar um encontro de negócios e ser forçado a repetir o que é pessoal e, então, descobrir que seu recado não foi bem transmitido? Você precisa ser surdo para entender! Como é ser surdo e sozinho em companhia dos que podem ouvir e você somente tenta adivinhar pois não há ninguém lá com uma mão ajudadora enquanto você tenta acompanhar as palavras e a música? Você precisa ser surdo para entender! Como é estar na estrada da vida encontrar com um estranho que abre a sua boca e fala alto uma frase a passos rápidos e você não pode entendê-lo e olhar seu rosto porque é difícil e você não o acompanha? Você precisa ser surdo para entender! Como é compreender alguns dados ligeiros que descrevem a cena e fazem você sorrir e sentir-se sereno com a "palavra falada' de mão em movimento que torna você parte deste mundo tão amplo? Autores:Willerd e Madsen #REFLITA# CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta Unidade foram enfocados três principais assuntos: a Cultura Surda, abordando as identidades dos surdos e os artefatos culturais desse povo; a Literatura Surda em Libras, que cria uma experiência prazerosa e visual no público surdo e a importância de ensinar essa literatura nas escolas para alunos surdos e ouvintes. É preciso não esquecer que a língua de sinais brasileira é o produto da própria cultura Surda que de modo subjetivo e objetivo criou a própria identidade, devido à “experiência visual” que constitui todo o seu ser como sujeito, apesar de as identidades serem fragmentadas, produzindo várias identidades. E, com o efeito do multiculturalismo e as transformações às quais os Surdos foram submetidos pelos colonizadores, criaram uma resistência, no pós-modernismo, transformando-se em sujeito atuante e participativo dentro da sociedade não-surda. Vimos que o letramento dos alunos surdos vai além dos livros, por isso qualquer professor – seja ele surdo ou ouvinte, com o dom de contar histórias ou não – pode mostrar aos seus alunos surdos a riqueza da Literatura Surda em Libras. Juntos, os professores e alunos podem assistir à literatura, explorar e conhecer a riqueza da linguagem estética, estimulando ainda mais a produção artística e criativa da Libras. A “experiência visual” também é um “espaço de produção” (QUADROS, 2007), igualmente na teoria cultural e de Estudos Surdos, que provêm da constituição dos Surdos apresentando seus diversos artefatos, como: língua de sinais, história cultural, identidade, pedagogia, literatura, artes, trabalho, tecnologia, teatro, pintura, e outros. E destes cria-se um pertencimento cultural que, por meio da visualidade, se apropria, se medeia e transmite a cultura, proporcionando vários significados capazes de promover a sociabilidade e a identidade através da visualidade e da “experiência visual” como protagonistas dos processos culturais da comunidade Surda. A língua de sinais é um dos artefatos de comunicação e de instrução. LEITURA COMPLEMENTAR Recomendo a leitura do artigo “Existe uma cultura surda?” de Nídia Limeira de Sá, mãe de surda, psicóloga, mestre e doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, coordenadora do Espaço Universitário de Estudos Surdos. A autora expõe argumentos em favor de os surdos apresentarem processos culturais específicos, em oposição a serem tratadosapenas como um grupo de deficientes ou incapacitados. Você pode encontrar esse artigo acessando o link: www.feneis.org.br/arquivos/identidade_surdas.pdf LIVRO Título: As imagens do outro sobre a cultura surda Autor: Karin Strobel Editora: UFSC - Florianópolis (2008) Sinopse: O livro narra a experiência visual dos surdos e os diferentes artefatos culturais que corroboram a existência de uma cultura surda, buscando inverter a lógica da visão patológica que vê os surdos apenas como um grupo de deficientes para a compreensão deles como um povo que, organizados em comunidades, produzem uma cultura própria. LIVRO Título: Literatura em Libras Autor: Rachel Sutton-Spence Editora: Arara Azul - Petrópolis - RJ (2021) Sinopse: “Literatura em Libras”, celebra a riqueza, a criatividade e a genialidade da Libras. Apresenta alguns conceitos fundamentais da literatura em Libras, detalhando a produção de narrativas, os elementos da linguagem estética de Libras e a inter-relação entre a sociedade e esta literatura. Tenta entender melhor como ela é enquanto é possível conhecer as obras literárias de Libras, analisar os exemplos e comentar sobre eles. No livro há uma sequência de obras literárias que é possível assistir, ler/ver, além de atividades que ajudam na compreensão do leitor. LIVRO Título: Ensino de Língua Portuguesa para Surdos: caminhos para a prática pedagógica Autor: Heloisa Maria Moreira Lima Salles Editora: MEC, SEESP - Brasília (2007) Sinopse: Os livros têm como objetivo, apoiar e incentivar a formação profissional de professores proporcionando acesso a materiais que tratam do ensino da Língua Portuguesa a alunos surdos usuários de Libras. FILME/VÍDEO Na internet, vemos uma quantidade significativa de traduções em Libras de livros escritos por autores ouvintes, originalmente em português. Essas traduções não têm um conteúdo surdo, porém esses livros traduzidos oferecem uma boa oportunidade para que alunos surdos leiam e compreendam as mesmas histórias que seus colegas ouvintes. A coleção “Mãos Aventureiras”, de Carolina Hessel Silveira, disponível no link: https://www.ufrgs.br/maosaventureiras/ é uma das plataformas com muitos recursos, traduzidos por artistas surdos brasileiros que trago como sugestão. Mesmo não sendo histórias que envolvem personagens surdos, as traduções permitem que pelo menos os elementos estéticos da Libras entrem na sala de aula. Nas boas traduções, as crianças surdas vão identificar exemplos da utilização criativa e imaginativa da Libras, sentindo orgulho de sua língua visual. Título: Mãos Aventureiras Ano: 2017 Sinopse: O blog apresenta uma série de livros publicados por autores brasileiros ou estrangeiros, para crianças. As aventuras são narradas em Libras para a comunidade surda, com o objetivo principal de unir a Língua Brasileira de Sinais com a literatura infantil. São apresentadas variadas histórias com diversos assuntos, ilustrações diferentes. REFERÊNCIAS ANDREWS, J.; BAKER S. ASL nursery rhymes: exploring a support for signing deaf children: early language and emergent literacy skills. Sign Language Studies, Washington DC, n. 20, 2019. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Legislação específica. Lei de Libras (Lei 10.436). Brasília: MEC/SEESP, 2002. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/seesp/legislação.shtm>. Acesso em: 03 ago 2021. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Legislação específica. Decreto 5626 que regulamenta a Lei de Libras (Lei 10.436). Brasília: MEC/SEESP, 2005. Disponível em: < http://www.mec.gov.br/seesp/legislação.shtm>. Acesso em: 03 ago 2021. CAMPELLO, A. R. S. Pedagogia Visual / Sinal na Educação dos Surdos. In: QUADROS, R. M.; PERLIN, G. (Org.). Estudos Surdos II. Petrópolis: Arara Azul, 2007. LANG, H. Teaching from the heart and soul: the Robert F. Panara story. Washington DC: Gallaudet University Press, 2007. COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. Tradução de Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2003. FORCADELL, Elizete P. C. S. P. O Ensino de Libras na Universidade: políticas, formação docente e práticas educativas. Dissertação de Mestrado defendida na Universidade Estadual do Paraná, 2017.180 f. GARCEZ, L. H. do C. Técnica de redação: o que é preciso saber para bem escrever. São Paulo, Martins Fontes, 2001. HUMPHRIES, T., C. PADDEN, and T.J. O’ROUEKE. A basic course in American Sign Language. Silver Spring, Md.: T. J. Publisher, 1980. MAGNANI, J. G.; MANTESE, B. Jovens na metrópole: etnografias de circuitos de lazer, encontro e sociabilidade. São Paulo: Terceiro Nome, 2007. MOURÃO, C. H. N. Literatura Surda: produções culturais de surdos em língua de sinais. In: KARNOPP, L. B.; KLEIN, M.; LUNARDI-LAZZARIN, M. L. (Org.). Cultura Surda na contemporaneidade: negociações, intercorrências e provocações. Canoas: Editora da ULBRA, 2011. NELL, Vitor. 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Objetivos de Aprendizagem:● Expressões da Libras; ● Descrição e uso do espaço; ● Referentes locais: aspectos sintáticos da Libras e figuras de linguagens; ● Uso dêitico e processos anafóricos. INTRODUÇÃO É com satisfação que iniciamos e lhes entregamos mais uma Unidade de Estudos, um material instrucional de Língua Brasileira de Sinais, que traz em sua composição um ensino sistemático dessa língua, para que você, acadêmico(a) aprenda a se comunicar com os surdos e oferecer um melhor atendimento docente para essa comunidade. Para começar, vamos explorar as expressões da modalidade visual da Libras, pensaremos também como a iconicidade e a incorporação afetam a linguagem figurativa da Libras. Conhecer uma língua requer conhecer bem como se podem dizer as coisas nessa língua. Nem sempre uma palavra isolada tem o mesmo significado quando ela está em uma frase, pois os sinais assim como as palavras vão estabelecendo uma rede de relações. Isso quer dizer que unidades linguísticas não são totalmente autônomas do ponto de vista conceitual. Com a inserção da gramática da Língua Brasileira de Sinais, é necessário entender também as propriedades dessa língua de acordo com sua modalidade viso- gestual. Para ter a “imersão” da Língua Brasileira de Sinais, é fundamental ter na mente a ampliação de conhecimento sobre o uso dessas propriedades da Língua de Sinais utilizada pela comunidade Surda, e, a partir desses estudos e práticas, por você aprendiz. 1 A ESTRUTURA DE FRASES EM LIBRAS Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/cute-little-girl-speech-therapist-office- 596748269 Acesso em: 27 out. 2021 Uma breve revisão da literatura permite-nos contemplar e apresentar diferentes definições de língua. Tais definições fornecem subsídios para a indicação de propriedades consideradas pela linguística essenciais às línguas naturais. Segundo Saussure (1995, p.17), [...] língua não se confunde com linguagem: é um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos, é, portanto, um produto social da faculdade de linguagem. Chomsky (apud Quadros & Karnopp, 2004, p. 25), considera que uma língua “é um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos”, considera ainda duas perspectivas: a língua externa e a língua interna. ● Língua Externa: associa o som à palavra ao seu significado. ● Língua Interna: define a “noção de estrutura” como parte estável, livre das expressões que podem variar de falante para falante. Fernandes (2002, p.16) traz a definição de Linguagem e Língua, vejamos: Imagem 1 - Definição de Linguagem Fonte: Fernandes (2002), adaptado pela autora Linguagem: tudo que envolve significação, que pode ser humano (pintura, música, cinema), animal (abelhas, golfinhos, baleias) ou artificial (linguagem de computador, código Morse, código internacional de bandeiras). Ou seja, “sistema de comunicação natural ou artificial, humana ou não”. Imagem 2 - Definição de Língua Fonte: Fernandes (2002), adaptado pela autora Língua: um conjunto de palavras, sinais e expressões organizados a partir de regras, sendo utilizado por um povo para sua interação. Sendo assim, a língua seria uma forma de linguagem: a linguagem verbal. As línguas estariam em uma posição de destaque entre todas as linguagens, ou seja, podemos falar de todas as outras linguagens utilizando as palavras ou os sinais. Entendemos por propriedades das línguas os traços comuns, características presentes em todas as línguas naturais humanas em relação aos outros sistemas de línguas (animais, matemática, tecnológicos). No quadro a seguir, junto às propriedades das línguas naturais orais apresentamos como essas propriedades se expressam nas línguas de sinais, comprovando que as línguas de sinais são línguas naturais. A coluna à esquerda apresenta as propriedades nas línguas – elaboradas com base na publicação de Quadros & Karnopp (2004) e a coluna à direita reproduz o trabalho de Ronice M. Quadros, Aline L. Pizzio e Patrícia F. Rezende (2009): Quadro 1 - Propriedade das Línguas Humanas e nas Língua de Sinais FLEXIBILIDADE E VERSATILIDADE Segundo Lyons (1981), nenhum outro sistema de comunicação parece ter o mesmo grau de flexibilidade e versatilidade que o humano, pode-se usar a língua para dar vazão às emoções e sentimentos; para solicitar a cooperação de companheiros; para ameaçar ou prometer; para dar ordens, fazer perguntas ou afirmações. É possível fazer referência ao passado, presente e futuro; a realidades remotas em relação à situação de enunciação e até mesmo a coisas que não existem. As línguas de sinais são usadas para pensar, são usadas para desempenhar diferentes funções. Você pode argumentar em sinais, pode fazer poesia em sinais, pode simplesmente informar, pode persuadir, pode dar ordens, fazer perguntas em sinais. Glosas em LIBRAS: VOCÊ GOSTAR MAÇÃ. VOCÊ <GOSTAR MAÇÃ>sn IX CASA DEFEITO EU PRECISO ARRUMAR < PROJETO> to AULA EU APRESENTAR ARBITRARIEDADE As palavras e os sinais são arbitrários entre a forma e o significado, visto que, dada a forma, é impossível prever o significado, e dado o significado é impossível prever a forma. As línguas de sinais apresentam palavras em que não há relação direta entre a forma e o significado. Glosas em LIBRAS: CONHECER AMIGO TRABALHO DESCONTINUIDADE As palavras que diferem de maneira mínima na forma, normalmente apresentam uma considerável diferença no significado. Por exemplo, a palavra fada e faca diferem minimamente na forma, tanto na língua escrita como na falada. Esse fato tem por efeito mostrar o caráter descontínuo da diferença formal entre forma e significado. Na língua de sinais verificamos o caráter descontínuo da diferença formal entre a forma e o significado. Há vários exemplos: o sinal de MORENO e de SURDO são realizados na mesma locação, com a mesma configuração de mão, mas com uma pequena mudança no movimento, mesmo assim nunca são confundidos ao serem produzidos em um enunciado. Tais sinais apresentam uma distribuição semântica que não permite a confusão entre os significados apresentados dentro de um determinado contexto. Glosas em LIBRAS: TRABALHO VIDEOCASSETE TV MORENO-SURDO CRIATIVIDADE/PRODUTIVIDADE Todos os sistemas linguísticos possibilitam a seus usuários construir e compreender um número indefinido de enunciados. A estrutura gramatical na produtividade é extremamente complexa e heterogênea seguindo os princípios que as mantêm e constituem. Chomsky coloca ainda, que tanto a complexidade como a heterogeneidade é regida por regras, dentro dos limites estabelecidos pela regra da gramática. As línguas de sinais são produtivas assim como quaisquer outras línguas. Glosas em LIBRAS: EU AMAR GISELE PORQUE ELA BONITA, LEGAL, ESPECIAL, 1AJUDAR2, GOSTAR TRABALHAR, INTELIGENTE .... DUPLA ARTICULAÇÃO A organização da língua em duas camadas – a camada dos sons que se combinam em uma segunda camada de unidades maiores é conhecida como dualidade ou dupla articulação. Por exemplo, os sons f, g, d, o, a - nada significam separadamente, já quando combinados eles adquirem um significado, como em fogo, gado, dado, fado etc. As línguas humanas têm em As línguas de sinais também apresentam o nível da forma e o nível do significado. Por exemplo, as configurações por si só não apresentam significado, mas ao serem combinadas formam sinais que significam alguma coisa. Exemplos em LIBRAS: CM sem significado torno de trinta a quarenta fonemas ou unidades. L sem significado M sem significado CM+L+M=significado (L + bochecha + semicírculo para trás) PADRÃO Cada item lexicalapresenta um padrão de combinação ou substituição por outros itens, conforme ilustram os exemplos abaixo: O rapaz caminhou rapidamente; Rapidamente, caminhou i rapaz; O rapaz rapidamente caminhou. As outras combinações são agramaticais. Na palavra sal, por exemplo, a vogal ‘a’ poderia ser substituída por ‘o’ ou ‘u’, mas não por ‘z’ ou 'h'. Em síntese o português apresenta restrições na maneira em que itens podem em que eles aparecem. As línguas de sinais são altamente restringidas por regras. Você não pode produzir os sinais de qualquer jeito ao usar a Língua de Sinais Brasileira, por exemplo. Você deve observar suas regras. Exemplo em LIBRAS: Obedecer às regras de formação de sinais e de sentenças. (ajudar com CM S mostrar exemplos de sinais com CM errada, ou L errada, ou M errada). DEPENDÊNCIA ESTRUTURAL Uma língua contém estruturas dependentes que possibilitam entendimento da estrutura interna de uma sentença, independente do número de elementos linguísticos envolvidos. Também é observada uma dependência estrutural entre os termos produzidos nas línguas de sinais. Glosas em LIBRAS: PAULO TRABALHAR+asp *TRABALHAR+asp PAULO SINAL BRASIL *BRASIL SINAL Fonte: Quadros & Karnopp (2004) Quadros, Pizzio e Rezende (2009) ESTRUTURA DE FRASES As línguas de sinais utilizam as expressões faciais e corporais para estabelecer tipos de frases, como as entonações na língua portuguesa, por isso para perceber se uma frase em LIBRAS está na forma afirmativa, exclamativa, interrogativa, negativa ou imperativa, precisa-se estar atento às expressões facial e corporal que são feitas simultaneamente com certos sinais ou com toda a frase, exemplos: ● FORMA AFIRMATIVA: a expressão facial é neutra Imagem 3 - Meu nome M-A-R-I-A Fonte: Felipe (1998), adaptado pela autora ● FORMA INTERROGATIVA: A forma interrogativa em Libras também pode acontecer a partir da mudança da “expressão não manual”. Segundo Felipe (1998), há a necessidade de franzir a sobrancelha e inclinar a cabeça para cima, essa expressão deve ser feita simultaneamente ao sinal. Imagem 4 - NOME - NOME QUAL? Fonte: Felipe (1998), adaptado pela autora ● FORMA EXCLAMATIVA: Felipe (1998), explica que, para a construção da forma exclamativa em Libras, se modifica a expressão facial, as sobrancelhas são levantadas e há um ligeiro movimento da cabeça, inclinando-se para cima e para baixo. A boca retraída com movimento para baixo pode compor a exclamação apresentada na sinalização abaixo, intensificando a expressão de admiração. Imagem 5 - EU VIAJAR RIO DE JANEIRO, BOM! BONIT@ LÁ! Fonte: Felipe (1998), adaptado pela autora ● FORMA NEGATIVA: Além das formas de negação preestabelecida na Libras, um mesmo sinal da testa também pode assumir a forma negativa a partir do uso simultâneo de uma expressão não manual determinada. No exemplo a seguir, observe que as sobrancelhas franzidas e o movimento do corpo para trás indicam desconfiança, descrédito, mudando o significado do sinal, do afirmativo para o negativo. Imagem 6 - ACREDITAR - NÃO ACREDITAR Fonte: Felipe (1998), adaptado pela autora A negação então, pode ser feita através de três processos: a) com o acréscimo do sinal NÃO à frase afirmativa: Imagem 7 - BLUSA FEI@ COMPRAR NÃO (negação) Fonte: Felipe (1998), adaptado pela autora b) com a incorporação de um movimento contrário ao do sinal negado: Imagem 8 - GOSTAR-NÃO (negação) CARNE, PREFERIR PEIXE Fonte: Felipe (1998), adaptado pela autora c) com um aceno de cabeça que pode ser feito simultaneamente com a ação que está sendo negada ou juntamente com os processos acima: Imagem 9 - EU VIAJAR PODER (não) Fonte: Felipe (1998), adaptado pela autora Em todas as línguas humanas existem, pelo menos, três elementos sintáticos principais, que podem se ordenar na frase de diferentes maneiras. Esses elementos são: sujeito – é o termo que expressa o agente da ação (que pratica ou sofre); verbo – é o termo que expressa a ação; objeto – é o termo que qualifica ou detalha o verbo. Quadros e Karnopp (2004) apontam que a ordem dos elementos na sentença da Libras é, geralmente, SVO (sujeito – verbo – objeto). Elas dizem que, além dessa ordem, são possíveis também as seguintes: OSV, SOV e VOS, sendo estas derivadas da ordem canônica e construídas a partir de operações sintáticas, tais como topicalização ou focalização, conforme pesquisa de Pizzio (2006). A seguir, exemplificamos algumas sentenças com a ordem básica da Libras: Imagem 10 - (SVO) EU GOSTAR LARANJA Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora Imagem 11 - (SVO) VOCÊ TER DINHEIRO Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora Imagem 12 - (SVO) EL@ SABER LIBRAS Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora Essa é a ordem chamada canônica, básica, e dela derivam as outras ordens – apontadas anteriormente – exemplificadas a seguir: Imagem 13 - (OSV) LARANJA EL@ AMAR Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora Imagem 14 - (OSV) BOLO EU FAZER Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora Imagem 15 - (OSV) TELEVISÃO VOCÊ VER Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora Imagem 16 - (VOS) GOSTAR LARANJA EL@? Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora Imagem 17 - (VOS) PASSEAR PRAIA VOCÊ Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora Imagem 18 - (VOS) COMPRAR CASA EU Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora Deve-se ressaltar, ainda, que alguns elementos apontados na frase podem ser apagados, pois na Libras, assim como em outras línguas, é possível que ocorra o apagamento, não apenas do sujeito, mas também do objeto. Na frase gostar laranja, o interlocutor identifica que há o sujeito eu oculto. Imagem 19 - GOSTAR LARANJA Fonte: Quadros e Karnopp (2004), adaptado pela autora 2 EXPRESSÃO E CONCEITOS EM LIBRAS: DIMENSÕES EVOLUTIVAS EM LIBRAS METAFÓRICAS E DESCRITIVAS Figura - Sinais em Libras: COMPARAÇÃO, METÁFORA e METONÍMIA Fonte: Arquivos da autora (2021) A Língua de Sinais, também faz uso das figuras de linguagem como a Comparação, Metáfora e Metonímia. Existe uma pequena diferença entre esses três processos. Na comparação se estabelece a aproximação de dois seres (objetos, ideias, realidades), por se perceber entre eles uma característica em comum ou distinta; gramaticalmente, a comparação é caracterizada pela presença de conectivos e/ou advérbios de intensidade. Já na metáfora a depreensão de uma característica comum entre um ser e outro, pode determinar o emprego de uma palavra no lugar de outra. No caso de metonímias há substituição de um elemento pela citação de outro que lhe está relacionado, ou seja, que lhe é próximo (ALBRES, 2006). Imagem 20 - Comparação - Sinal de DIFERENTES Fonte: Feneis (2008), adaptado pela autora Existe necessidade do uso de termos de comparação (IGUAL, PARECE) e estabelecimento de dois pontos no espaço Exemplo: Imagem 21 - Metáfora - CAIR-CARA Fonte: Feneis (2008), adaptado pela autora Um termo substitui o outro, como, por exemplo: Imagem 22 - Metonímia - CABELOS-GRISALHOS Significando idade avançada Fonte: Feneis (2008), adaptado pela autora No Brasil, a metáfora na Libras foi tema de dissertação defendida por Faria (2003), onde teceu delineamentos teóricos acerca desse tipo de figura de linguagem, buscando alicerces nos estudos metafóricos na ASL (Língua de Sinais Americana). Lembrando que a metáfora tem seu fundamento, sua construção, sua inteligência e entendimento alicerçado na cultura de cada falante ou sinalizante
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