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DESENVOLVIMENTO HUMANO E SOCIAL
INSTITUIÇÕES SOCIAIS, 
INDIVÍDUO E 
EXCLUSÃO: DE QUE 
FORMAS OS HOMENS SE 
DESENVOLVEM EM 
SOCIEDADE E QUE 
DESAFIOS POSSUEM?
Autoria: Dra. Elaine Borges da Silva Tardin - Revisão 
técnica: Dra. Karen Barbosa Montenegro de Souza
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Introdução
Os seres humanos organizam-se em sociedade há milênios. Em um primeiro momento, você até pode achar
que essa associação se deu de uma forma natural, mas não foi, e uma das ferramentas para analisarmos a
sociedade com um olhar científico e isento de nossas pré-noções e preconceitos é por meio do método
sociológico. Neste capítulo, você terá a oportunidade de olhar a realidade social de forma diferente,
compreendendo melhor o seu papel social enquanto indivíduo inserido nessa realidade. Compreenderá
também que há camadas sociais que sofrem exclusão social, pois nem todos os seres humanos são tratados da
mesma forma, uma vez que há uma série de barreiras que precisam ser superadas para vivermos em uma
sociedade mais igualitária.
Em um segundo momento, você terá a oportunidade de refletir sobre a influência que as instituições sociais
como a escola, a família e a igreja possuem sobre nós. Você se perguntará: até que ponto as decisões que eu
tomo são exclusivamente minhas, e não influenciadas pela sociedade?
Outro ponto para reflexão é sobre o que é o Estado, suas principais características, os teóricos que se
debruçaram a entender tal conceito, como os contratualistas, os pensadores Max Weber e Immanuel Kant, e
refletir sobre a relação intrínseca do Estado com o poder, o que nos leva a nos perguntar: quem limita o poder
do Estado? Essa é uma questão urgente no contexto atual, já que participamos diretamente da comunidade
política.
Em nosso último tópico, vamos entender o conceito e a trajetória do mundo do trabalho, como algo inerente
ao ser humano, mas que se modificou através da história. Na atualidade, o trabalho é uma fonte de prazer ou
de tristeza para o homem? O que pode ser feito para que o trabalho não seja visto como um fardo? É sobre
essas e outras questões que convidamos você a refletir em nosso capítulo.
Bons estudos!
Tempo estimado de leitura: 63 minutos.
1.1 Indivíduo, sociedade e exclusão: conceitos e enquadramentos
O desenvolvimento humano e social não se deu de uma forma aleatória, mas sim por um processo contínuo e
inacabado. Você já pensou de que forma os indivíduos se desenvolvem em sociedade e passam a adquirir uma
consciência coletiva? A partir de tal questão justifica-se a exclusão de grupos com características específicas,
alheias à pretensão homogênea da sociedade? Que mecanismos legais asseguram a manifestação das
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expressões culturais de grupos historicamente excluídos? A intenção deste tópico é fazer você refletir sobre
esses (e outros) pontos tão importantes para adquirirmos uma consciência crítica sobre os processos sociais.
Você ainda acompanhará - neste tópico a respeito do que as leis brasileiras normatizam quando há casos de
exclusão social, o direito por uma identidade própria e a representatividade de grupos historicamente
excluídos em nosso país.
1.1.1 O indivíduo e a consciência coletiva
Muitas vezes, ao nos depararmos com os fenômenos sociais cotidianos, podemos pensar que estudá-los tendo
por base o método científico pode ser perda de tempo. Afinal, acabamos por naturalizar desde o nosso
nascimento até as regras das instituições sociais, como escola, família, igreja, além do convívio com nossa
comunidade, nosso bairro, nossos amigos. Então, por qual motivo estudaríamos tais fenômenos
cientificamente?
De acordo com o sociólogo Anthony Giddens (2012, p. 1), a Sociologia é o “estudo social da vida humana”,
mas não de forma desordenada e acidental. Pensar sociologicamente é despir-se de nossas convicções
pessoais, tendo em mente o que pensávamos ser meramente uma manifestação individual é na verdade parte
de algo maior, muito além de suas pretensões internas. Assim, este tópico tem o objetivo de nos fazer pensar
sociologicamente como os homens se desenvolvem em sociedade e adquirem uma consciência coletiva e
como se tem pensado a superação da exclusão social de certos grupos.
Diferentes pensadores refletiram sobre a relação existente entre indivíduo e sociedade, e aqui destacamos a
visão do pai da disciplina sociológica, Émile Durkheim (1858-1957), pensador francês que afirmava que
possuímos duas consciências: a individual e a coletiva. No primeiro caso, estão as ações que se referem
somente a nós, às nossas escolhas pessoais, às ações que nos tornam únicos. No segundo caso, há a influência
de ideias, crenças, práticas, tradições e opiniões coletivas sobre nós. O difícil é conseguir perceber até que
ponto a sociedade, ou a consciência coletiva, nos influencia enquanto indivíduos. Em outras palavras, até que
ponto uma ação pode ser considerada meramente individual?
Você quer ler?
Em seu livro (DURKHEIM, 1982), publicado originalmente em 1897, O suicídio
Durkheim analisa como uma ação tão pessoal, que a princípio significaria uma escolha 
individual, na verdade representa algo para além das escolhas pessoais, com ligações 
diretas com o meio social em que o indivíduo vive, influenciando assim, diretamente, o 
ato suicida. Uma ótima leitura para entendermos melhor sobre os limites da sociedade 
em nossa consciência individual.
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Analisar sobre a influência da sociedade em nossa vida, é pensar em um conceito de Durkheim (1974): o de
solidariedade, ou aquilo que unia os indivíduos em sociedade, podendo ser de diferentes formas no decorrer
do tempo histórico, inclusive com avanços e retrocessos.
Nas sociedades mais simples, pré-capitalistas (mas não somente), havia a solidariedade mecânica. Nesse caso,
as escolhas individuais eram diminuídas em detrimento das escolhas do grupo. Logo, o todo fala mais alto que
o individual, dando ao indivíduo um maior sentido, ulterior a ele. Há a força das crenças, das tradições, dos
costumes e da ação moral do indivíduo pautado por algo que lhe é externo.
Já nas sociedades capitalistas, contemporâneas a Durkheim, o indivíduo já não se sente tanto parte do todo,
mas busca a sua satisfação pessoal. O autor a chamou de solidariedade orgânica. Vale ressaltar que os tipos de
solidariedade estudados por Durkheim não são estanques no tempo nem seguem um mesmo padrão. No
passado e no presente há sociedades que se caracterizam de uma forma ou de outra, ou seja, não há uma regra
pré-determinada para as sociedades.
Como vivemos em constante relação com o outro em sociedade, certos grupos podem criar identidades
específicas e a partir daí excluir o outro, por meio de mecanismos seletivos e excludentes, que podem ser
econômicos, políticos ou sociais, ou todos ao mesmo tempo. No próximo tópico, vamos estudar o que
significa a exclusão social e como ela simboliza um impedimento da convivência em uma sociedade mais
igualitária.
1.1.2 A exclusão social e seus desafios
De acordo com Giddens (2012, p. 325), entende-se por exclusão social as “formas pelas quais os indivíduos
podem ser afastados do pleno envolvimento na sociedade”. Tal exclusão pode ser percebida pelo viés
econômico, social ou político, ou ainda abranger os três. Vamos tomar como exemplo dois grupos
historicamente excluídos do pleno desenvolvimento da sociedade brasileira: os indígenas e os afro-brasileiros.
O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro (2006), em sua obra “O povo brasileiro”, aponta que somos formados
enquanto povo e nação pelas matrizes indígena, portuguesa e africana, porém, esse processo de formação foi
Você sabia?
O dia 20 de novembro é considerado Dia da Consciência Negra no Brasil, em 
homenagem ao líder do quilombo dos Palmares, Zumbi, que teria sido assassinado nessa 
data no ano de 1695. A data, em alguns estados e, aproximadamente, mil cidades é 
declarada feriado nacional, para se refletir sobre a luta nos negros no país.
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repleto de violência e exclusão social, tantono passado quanto no presente. A história do Brasil não é uma
história de integração étnica, cultural ou social, ao contrário, representou a exaltação de uma cultura em
detrimento de outras. Inicialmente pelos portugueses e, desde a Independência, em 1822, pelos próprios
brasileiros, os índios e os afro-brasileiros têm sofrido até os dias atuais com exclusão econômica (tanto em
relação à produção ou ao acesso aos bens de consumo); política (no passado, pelo regime de escravidão e
impedimento de obterem cidadania, no presente pela ainda escassa representatividade); e social (acesso aos
direitos sociais prejudicado – trabalho, moradia, saúde, educação, entre outros).
Figura 1 - Uma das manifestações culturais de raiz afro-brasileira mais importantes no Brasil é a capoeira, reconhecida como 
Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO Fonte: Val Thoermer, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um grupo de pessoas formando uma roda no meio da rua. Duas 
pessoas estão no centro, jogando capoeira. Atrás, outras pessoas seguram instrumentos típicos da prática, 
como o berimbau. Ao redor, pode-se observar prédios.
Quando nos referimos à presença da matriz afro-brasileira em nossa sociedade precisamos abordar um
conceito muito utilizado e com permanência ainda hoje: o de raça. O geneticista italiano Guido Barbujani
(2007) desconstrói uma visão até então muito difundida – a de que os seres humanos estão divididos por raças
– branca, negra, indígena, asiática, dentre outras. O autor propõe repensar tal conceito, afirmando que as
diferenças genéticas entre os seres humanos devem ser encaradas como um dado social, e não meramente
biológico. Na verdade, todos nós fazemos parte de uma única espécie, a humana, logo, o preconceito e a
exclusão social são reproduzidos pelos homens em sociedade e é exatamente por isso que podem ser
modificadas e alteradas.
Você quer ler?
No livro (SCHWARCZ, 1993), você poderá refletir sobre o O espetáculo das raças
conceito de raça no Brasil na virada do século XIX para o XX, no contexto em que o 
conceito era hierarquizado e excludente, e assim descobrir como um país de ampla 
população negra como o nosso se projetava para o mundo.
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Ao falarmos que as populações indígenas e afro-brasileiras ainda são socialmente excluídas, você pode pensar
que é uma afirmação equivocada, uma vez que na atualidade a Constituição Federal de 1988, em seu artigo V,
garante a igualdade de todos perante a lei, inclusive com o racismo sendo considerado um crime inafiançável e
imprescritível (BRASIL, 2002). Porém, somente uma lei pode garantir o bom funcionamento da vida em
sociedade? Certamente que não.
A lei é o resultado das demandas e das transformações sociais do seio da sociedade, logo, é uma via de mão
dupla: enquanto a sociedade não agir contra a exclusão dos grupos historicamente excluídos, a lei será
meramente uma ferramenta teórica. Mesmo assim, vale observar de que forma a Constituição Federal de 1988
visa assegurar a manifestação cultural e a preservação da identidade indígena e afro-brasileira no Brasil, como
vamos acompanhar a seguir.
1.1.3 As manifestações culturais e a legislação brasileira
Para o exercício de reflexão sobre como a exclusão social acaba por gerar cada vez mais um abismo social
entre cidadãos no Brasil, é preciso, inicialmente, abordar o conceito de cultura e identidade.
De acordo com o antropólogo Cliord Geertz (1978, p. 15), a cultura pode ser compreendida como “uma teia de
significados tecida pelo homem”. Esta teia acaba por orientá-lo por um sistema de símbolos que ele mesmo
construiu, mas que está além dele. Assim, as crenças, os valores e as normas variam de cultura para cultura, e
não são estáticas nem inseridas dentro de um mesmo contexto cultural: as práticas culturais que possuíamos
no passado podem não ser as mesmas na atualidade. Como exemplo, poder escolher o futuro esposo ou
esposa, uma vez que o casamento servia para garantir o direito da posse e da herança, e somente a partir do
século XIX, nas sociedades ocidentais, surgiu com mais destaque a prática do casamento romântico, em que a
escolha amorosa era colocada em questão.
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Se há mudanças culturais pelas quais uma sociedade passa no decorrer dos tempos, o que definiria, então, uma
identidade cultural? É sentir-se pertencente a uma rede específica de um grupo social, ligado pela tradição,
ancestralidade, costumes e crenças. Em uma sociedade cada vez mais orgânica, individualista e globalizante
manter a identidade cultural de um grupo pode ser deveras desafiante.
Figura 2 - A cultura é uma rede de significados que acabam interligando os indivíduos, dando-lhes um sentido ulterior Fonte: Rawpixel.
com, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma fotografia editada digitalmente. Na parte inferior, encontramos pessoas de 
costas, olhando para frente, em direção a uma grande tela. Nesta, há uma espécie de apresentação indicando o 
que é cultura, envolvendo aspectos como nação, diversidade, tradição, crença, etnia e pessoas.
Estudo de Caso
Isabella é uma adolescente que sonha em ser uma importante empresária na área de 
exportação. Estuda muito, dia após dia, e tem as melhores notas na escola. Ao final do 
terceiro ano, aos 17 anos de idade, Isabella é surpreendida quando várias pessoas de sua 
família e de seu círculo de amizades repetem a mesma frase: “uma mulher só é completa 
se for casada e com filhos, desista de estudar.”
Isabella não dá ouvidos aos conselhos externos, continua a estudar, se forma e consegue 
um emprego em uma grande multinacional. Muda-se para o Japão. Torna-se uma mulher 
bem-sucedida e feliz em seu trabalho. Porém, todo ano, ao visitar os amigos e a família, 
ouve a mesma pergunta: “por que não se casa e tem filhos?” Isabella todo ano sorri e 
diz: “ah, sociedade, por que vocês querem colocar um padrão em algo que pode ser 
livremente escolhido por mim, um indivíduo autônomo?”
A sociedade não entende Isabella, mas ela continua sendo feliz por exercer suas escolhas 
livremente.
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Ao pensarmos sobre identidades coletivas, imediatamente precisamos refletir a respeito da proteção sobre tais
identidades, de quais mecanismos são utilizados para que sejam resguardadas. A identidade e as manifestações
culturais dos indígenas e dos afro-brasileiros são protegidas pelo Estado. Mas o que teriam esses povos de
diferente que possam justificar tal proteção?
Durante séculos de colonização e escravidão, esses povos, tão heterogêneos entre si, mas que eram
vistos uniformemente, viram sua cultura ser diminuída ou mesmo calada pelos detentores do poder: o
homem branco colonizador. Os costumes culturais indígenas e africanos, suas danças e manifestações
religiosas eram considerados pecados por uma lógica eurocêntrica cristã que eliminava qualquer
alternativa à fé portuguesa, a fé católica.
Assim, manter viva a cultura nativa e africana era possuir uma atitude de resistência. Os quilombos,
antigos redutos para escravos fugitivos, são uma forte expressão da resistência negra no Brasil,
desmistificando a ideia de que os antigos escravizados aceitavam passivamente sua situação de
escravos.
Os descendentes dos ex-escravizados que se autodefinem a partir da relação que possuem com o território,
com uma ligação com seus ancestrais e suas tradições formam as comunidades quilombolas. No Brasil,
existem 220 títulos emitidos, regularizando 754.811,0708 hectares em benefício de 152 territórios, 294
comunidades e 15.910 famílias quilombolas, segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária, o INCRA, órgão responsável pela titulação das terras quilombolas (INCRA, 2017). Assim, busca-se a
preservação cultural desses grupos étnicos que durante séculos viram sua cultura tentar ser destruída, direta ou
indiretamente.
O Estado brasileiro, por meio de sua Constituição Federal de 1988, assegura a preservação cultural, material e
imaterial dos povos indígenase afro-brasileiros, conforme se pode observar pelo parágrafo 1º do artigo 215:
Em relação aos patrimônios culturais, o artigo 216 refere-se àqueles que possuem referências identitárias,
incluindo os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, como é o caso das comunidades quilombolas.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (BRASIL, 2002, p.126).
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No âmbito educacional, temos a lei 10.639, de 2003 (BRASIL, 2003) que determina que a História e cultura
afro-brasileira sejam componentes obrigatórios na educação básica, nos ensinos fundamental e médio. Assim,
os alunos poderão ter acesso a uma história das raízes brasileiras muitas vezes não contada pela história
oficial, tradicionalmente eurocêntrica.
Perceba, portanto, como os grupos historicamente excluídos, apesar do Estado assegurar suas manifestações
culturais, ainda sofrem pela falta de representatividade e pela exclusão social. A luta identitária é, sobretudo,
uma luta constante pelo reconhecimento e campos de poder, no qual demandas específicas devem ser tratadas
com seriedade e urgência, tanto pelo Estado, quanto pela sociedade.
1.2 O processo de socialização e as instituições sociais
As primeiras instituições que temos contato desde criança são a família, a escola e as instituições religiosas. A
partir da interação com os membros da sociedade, formamos nossos costumes, crenças e valores. Muitas
vezes, ao discordarmos de certas normas ou dogmas, acreditamos que estamos rompendo com uma verdade
absoluta, mas é preciso ter em mente que há uma construção social que envolve o indivíduo.
Assim, neste tópico, você irá aprender sobre um dos assuntos mais estudados pelas ciências humanas: as
instituições sociais e suas influências na vida do indivíduo. Você verá que desde cedo somos inseridos em um
contexto social mais amplo, e que as instituições acabam por determinar certas regras e costumes que muitas
vezes nos parecem naturais, mas que na realidade foram construídas socialmente.
1.2.1 As instituições sociais humanas
As instituições sociais são fruto da curiosidade científica no passado e no presente, uma vez que tratam
diretamente de nossa vida em sociedade. Alguns sociólogos, como Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber
pensaram em ferramentas que pudessem nos ajudar a entender como estamos inseridos em sociedade. Um
estudo mais aprofundado sobre as instituições merece destaque, para que possamos melhor compreender as
estruturas e consequências da vida em sociedade. .
Uma instituição pode ser entendida como uma estrutura criada pela sociedade com características específicas e
que serve aos seus próprios interesses. A primeira ideia que precisamos nos lembrar é que as instituições não
são estáticas,e passam por profundas transformações no decorrer dos tempos, uma vez que a própria sociedade
também passa por mutações.
Pense no surgimento da sociedade capitalista burguesa, a partir do século XIX, por exemplo. Naquele
contexto, com a vitória do capitalismo no cenário internacional e o advento de uma sociedade mais
mecanizada, as instituições tradicionais, com destaque para a família, passaram por profundas transformações.
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Velhos conceitos foram abandonados e novos surgiram, assim também ocorre na atualidade, em que as
instituições estão constantemente passando por transformações e redefinições a cada dia. No tópico anterior,
você viu como Émile Durkheim refletia acerca da conjunção indivíduo/sociedade, e a respeito das instituições,
o autor afirma que:
Vamos a um exemplo prático partindo da lógica de Durkheim: uma criança de 9 anos, ainda no ensino
fundamental, se recusa a usar o uniforme escolar. Porém, os pais, concordando com as normas da instituição
escolar, não oferecem alternativa à criança a não ser obedecer, explicando que ela não pode se diferenciar dos
demais colegas da escola, ou seja, não pode exercer sua individualidade em um lugar de convivência coletiva.
Assim, para Durkheim, a consciência coletiva se sobrepõe à individual.
Figura 3 - A escola é um exemplo de instituição que molda e normatiza o indivíduo, e a figura do professor é vista como aquele que 
deve conduzir o conhecimento ao aluno Fonte: Royalty-Free/Corbis, Shutterstock, 2021.
ao mesmo tempo que as instituições se impõem a nós, aderimos a elas; elas comandam e nós as
queremos; elas nos constrangem, e nós encontramos vantagem em seu funcionamento e no próprio
constrangimento. (...) Talvez não existam práticas coletivas que deixem de exercer sobre nós esta ação
dupla, a qual, além do mais, não é contraditória senão na aparência. (DURKHEIM, 1974, p. 30)
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 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma mulher ajudando uma criança a ler. Esta segura um livro e 
o observa atentamente. A mulher, por sua vez, está atrás da criança, de pé, curvada, lendo a história. Há cubos 
coloridos embaixo do livro.
Outro pensador clássico que reflete sobre as ações individuais e coletivas e como isso pode ser estudado
cientificamente é Max Weber (1864-1920). Divergindo de Durkheim, Weber acredita que a sociedade não é
formada a partir de uma síntese, ou em outras palavras, a consciência coletiva não precede o indivíduo, ao
contrário, o indivíduo realiza suas ações sociais dotado de um sentido ao mesmo tempo racional e subjetivo e,
portanto, anterior às instituições. De uma forma mais direta, Weber (2009, p.22) assim define as instituições:
“não são outra coisa que desenvolvimentos e entrelaçamentos de ações específicas de pessoas individuais, já
que apenas elas podem ser sujeitos de uma ação orientada pelo seu sentido”.
Logo, para Weber, é a própria ação social que dá origem às instituições, e a relação social se dá a partir do
compartilhamento recíproco de conteúdos que possuem significância inicialmente para o indivíduo e somente
depois para os demais membros da sociedade.
A seguir, vamos acompanhar de perto os caminhos e descaminhos das principais instituições sociais que
persistem apesar das mudanças do mundo pós-moderno.
1.2.2 As instituições e os indivíduos: a família enquanto primeira 
instituição social do homem
A primeira instituição com a qual temos contato desde o nosso nascimento é a familiar. Nela, recebemos as
referências culturais como nossa língua, e somos orientados a seguir esta ou aquela religião, enfim, a família
nos molda a partir de suas próprias pré-noções e crenças. Como vimos, nenhuma instituição está alheia às
mudanças sociais que as cercam e, no caso da família, é perceptível ver na atualidade os novos arranjos
existentes. Por fim, nos perguntamos: com tantas mudanças sociais, como poderíamos definir a família? De
acordo com Outhwaite (1996, p. 297- 298):
Note como a própria definição de família não permite um enquadramento pré-existente. Se assim fosse,
retornaríamos a um passado que somente um tipo de família era permitido, aquele composto por um casal
heterossexual com prole constituída. Na realidade atual, pós-moderna, percebemos um amplo caleidoscópio de
o próprio conceito – a família –, portanto, não pode captar a extensão e a diversidade de experiência que
muitos hoje definem como sua. A família – na realidade, muitas famílias diferentes – veio ‘para ficar’. A
família é uma elaboração ideológica e social. Quaisquer tentativas de defini-la como uma instituição
delimitada, com características universais em qualquer local ou tempo, necessariamente fracassarão.
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arranjos familiares: pais ou mães solteiros, netos sendo criados pelos avós, casais homoafetivos adotantes,
tantas as possibilidades que não seria possível descrevê-las neste capítulo.
Cabe aqui refletir se os preceitos morais da família em que crescemos excluem outros arranjos familiares ou
outros membros da sociedade, seja por sua condição social, cor, orientação sexual, entre outros. Exatamente
por ser a primeira instituição com a qual temos contato, a desnaturalizaçãodos conceitos apreendidos no seio
familiar é um exercício árduo, porém necessário. Ao vivermos em sociedade, temos que ter em mente que há
um campo de disputas de representações, onde cada grupo em particular exige cada vez mais demandas pelo
seu reconhecimento, tanto pela sociedade quanto pelo Estado. Sendo assim, é de direito que as minorias
sociais busquem cada vez mais o reconhecimento e a representatividade no meio social e político.
1.2.3 Moldando o ser humano: as instituições religiosas e a escola
Após refletir sobre nossa primeira instituição, a família, a próxima instituição que vamos destacar e que molda
o indivíduo ainda em sua infância é a religiosa, em suas diversas manifestações. Dificilmente haverá uma
sociedade na história que não possua alguma ligação com o sagrado e com símbolos, mitos, crenças e
tradições. Algumas religiões resistiram às situações tempestuosas, passaram por modificações e readaptações,
e permanecem na atualidade, mesmo que tenha havido certa perda da identidade na pós-modernidade.
Apesar da existência de tantas expressões religiosas diferentes, Giddens (2012) nos auxilia a compreender as
características em comum que as religiões teriam:
Assim, ao fazer parte de uma religião, o indivíduo torna-se pertencente a uma comunidade que partilha as
mesmas crenças. A partir daí, o indivíduo não é mais indivíduo, mas parte de algo maior.
Você quer ver?
No filme (CHOLODENKO, BLUMBERG, 2010), você pode Minhas mães e meu pai
acompanhar a história da família atípica de Jules e Nic, duas lésbicas que no passado 
fizeram inseminação artificial e agora se veem às voltas com seus dois filhos 
adolescentes que buscaram e encontraram seu pai biológico.
As características que todas as religiões parecem, de fato, partilhar são as seguintes. As religiões
implicam um conjunto de símbolos que invocam sentimentos de reverência ou de temor, ligados a rituais
ou cerimônias (como os serviços religiosos) realizados por uma comunidade de crentes (GIDDENS,
2012, p. 535).
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Figura 4 - A religião traz ao homem o sentimento de pertencimento, de crença em comum, lhe dá sentido Fonte: Quick Shot, 
Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma senhora com as mãos juntas ao peito, em sinal de prece. 
Ela veste um cobertor quadriculado por cima dos ombros e uma blusa de lã verde. Aparece apenas parte do 
seu rosto, com foco para suas mãos.
Por dar um significado maior ao indivíduo, a religião pode ser um instrumento perigoso de poder, pois pode
ser manipulável por aqueles que assumem posições de mando. Outro cuidado em relação à religião, é
compreender que o sistema de crenças somente diz respeito àqueles que acreditam em determinado dogma.
Uma crença religiosa, seja ela qual for, não pode ser determinante e imposta para toda uma sociedade, a não
ser que o regime político em questão seja o teocrático (teo: Deus; cracia: governo), como ocorre na Arábia
Saudita ou Paquistão, por exemplo. Nas sociedades democráticas, valer-se de preceitos religiosos para o
impedimento ao acesso de direitos políticos e/ou sociais dos grupos minoritários, é em si uma própria
controvérsia da gênese da democracia, que deve assegurar que os direitos da minoria não sejam incluídos
pelos da maioria. Assim como no caso da família, desnaturalizar as crenças e convicções religiosas que nos
tentaram moldar desde a infância não é uma tarefa fácil, porém é crucial que possamos desnaturalizar tal
atitude a fim de convivermos senão em harmonia, ao menos em uma sociedade justa.
A terceira instituição com a qual temos contato ainda criança é a escola, que pode ser tanto um espaço
socializador de forma positiva ou ser um espaço de exclusão. Na sua opinião, a escola pode integrar ao mesmo
tempo que pode excluir? Vamos refletir sobre esse ponto.
A educação brasileira tradicionalmente seguia um viés conservador, herdeira de uma educação
jesuítica que privilegiava aspectos quantitativos em detrimento dos qualitativos. Tanto essa vertente
quanto a tecnicista, privilegiava os resultados, não a emancipação do educando e sua compreensão do
mundo em que vive.
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O maior educador brasileiro, Paulo Freire (1921-1997), sugere que abandonemos a “concepção
bancária da educação” (FREIRE, 2011, p. 33), onde alunos são meros receptáculos do conteúdo dado
por um professor que deteria todo o conhecimento, e passemos a lutar por uma educação humanista e
libertadora e, sobretudo, política, onde o professor reconheça que a todo o momento pode aprender
com o aluno. Assim, ambos constroem o conhecimento mutuamente, sem hierarquizar saberes.
A escola enquanto espaço excludente é aquela que rejeita e oprime as minorias sociais, sejam elas de
qualquer forma: de cor, religião ou orientação sexual, ou outras aqui não citadas, apartando-as do
processo socioeducativo, que deve ser construído com toda a comunidade, para além dos rumos da
instituição.
Na Constituição Federal (BRASIL, 2002, p. 123), artigo 205, a educação é referida como “direito de
todos e dever do Estado e da família”, inclusive sendo “promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho". Portanto, a instituição escolar não está apartada de outras
instituições, como a família.
O tipo de escola que queremos reflete-se no tipo de sociedade que temos. Se a escola assume uma postura
excludente, preconceituosa, tecnicista ou que privilegia a memorização em detrimento da consciência crítica, é
porque a sociedade e o poder público não fiscalizam ou investigam o que deveria ser cumprido
obrigatoriamente, visto que é lei (BRASIL, 2002) que tenhamos um ensino pautado pelos princípios de
igualdade, liberdade e pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. A construção de uma educação que
ensine de forma crítica, política e construtiva depende de uma sociedade verdadeiramente atenta para que tais
posturas ocorram de fato.
Figura 5 - A inclusão deve ser palavra de ordem de toda e qualquer escola. Se a escola for excludente, é porque toda a sociedade 
também o é Fonte: Nelosa, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de mãos segurando grandes letras vermelhas. Estas formam a 
palavra "inclusão".
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No próximo tópico, vamos estudar a instituição que exerce poder sobre todos os indivíduos habitantes de um
território em comum: o Estado.
1.3 O Estado e suas representações sociais
Você deve ter percebido até aqui como as instituições sociais nos imputam crenças, valores e normas, porém,
é preciso conhecer outra instituição que exerce poder sobre nós. O pertencimento a esta instituição não é
opcional, pois ao nascermos já estamos inseridos em sua lógica. Vamos refletir como o Estado nos obriga, nos
limita e possui diferentes formas de atuação.
Então, neste tópico, você irá se aprofundar a respeito de como o Estado, instituição que regula, normatiza e
administra a vida em sociedade, pode ser pensado de forma crítica. Vamos levantar os questionamentos a
respeito da legitimação, do uso da força física e a representação que o Estado proporciona a seus cidadãos.
Também vamos conhecer mais sobre a divisão do poder dentro do próprio Estado.
1.3.1 Por uma definição de Estado
Existem diversas teorias a respeito da necessidade da fundação do Estado. Na Grécia antiga, o filósofo
Aristóteles acreditava que o Estado seria uma sociedade natural a partir de sua concepção de que o homem é
um animal político. Em “O príncipe”, escrito em 1532, Nicolau Maquiavel afirma que o Estado seria a
expressão de uma comunidade política soberana. No século XVII, pensadores políticos europeus,
denominados de contratualistas (Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau) defendiam a ideia do
surgimento da sociedade civil a partir do cumprimento de um contrato social que daria autoridade a um
governante de forma legítima. A assinatura simbólica do contrato pressupunhao mútuo acordo entre
governantes e governados, e havia a ideia da necessidade do governante, que naquele contexto detinha todo o
poder em si, para controlar as paixões humanas por meio da formalização de regras, normas e obrigações.
Você o conhece?
Thomas Hobbes (1588-1679) foi um teórico, filósofo, e matemático inglês que defendia 
a ideia de que o Estado era uma instituição criada artificialmente pelo homem para 
conter as paixões humanas, e por isso defendia o absolutismo. A partir do surgimento do 
Estado, após a assinatura do contrato social, havia leis civis, controle social e o fim de 
uma guerra até infinda entre os homens. Para mais informações, você pode ler a obra 
“Leviatã” (HOBBES, 1997).
- -16
A Europa passou por importantes transformações a partir do século XVIII dentre elas o fato de que o Estado
não mais se limitava a um governante, a partir da divisão dos poderes, para que houvesse o equilíbrio. Da
Europa para o mundo ocidental, o Estado foi se modificando e delimitando seus meios, até o formato dos dias
atuais.
O sociólogo Max Weber, em “A política como vocação” (2004), afirma que o Estado não pode ser definido
por seus fins, mas por seus meios: o monopólio legítimo da força física. Para o autor, o Estado seria uma
“comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território – a noção de território corresponde a
um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física”
(WEBER, 2004, p. 98), ou seja, o Estado é o único que detém o uso exclusivo e legítimo da violência. Porém,
há a necessidade de mecanismos que delimitem tal poder, pois caso contrário, o Estado agirá de forma
autoritária e acabará por desrespeitar os direitos mais básicos dos cidadãos, sejam eles civis, políticos ou
sociais. Se o Estado não cumpre com suas prerrogativas, cabe aos cidadãos exigirem sua reformulação,
compatível com novas realidades.
A concepção tradicional de Estado de Direito provém do filósofo Immanuel Kant (1724-1778), para quem a
ideia de que os interesses do Estado devem estar vinculados às garantias individuais e à proteção da
propriedade privada. Defendendo que o Estado deveria ser subordinado ao direito, Kant (1998) afirma que a
razão deve reger a sociedade, em leis que devem ser válidas universalmente. Há uma discussão muito mais
ampla a respeito da definição jurídica de Estado, porém cabe ressaltar que o Estado é uma organização
coletiva que visa à manutenção da ordem pública com a legitimidade dada por todos os seus membros. O
princípio da legalidade é uma das bases em que se funda o Estado, pois somente após passar pelo crivo do que
foi instituído como legal é que uma lei deve ser respeitada e cumprida.
Partindo das concepções sociológicas e jurídicas do Estado, vamos agora para a busca da compreensão sobre o
papel e a função desta instituição nas sociedades ocidentais.
1.3.2 As ações do Estado na vida social
Agora que você já entendeu que o Estado é instituição criada pelo homem e possui como características o uso
da força física, a normatização de leis e a defesa dos direitos mais básicos dos cidadãos, vamos para algumas
ações do Estado em nossa vida cotidiana.
Um dos conceitos básicos ligados ao Estado é o de poder. Para o já citado sociólogo Max Weber, o poder
pressupõe uma relação de submissão (o domínio de um homem ou de um grupo sobre os demais), e quem o
possui em primeiro lugar deve obtê-lo de forma legítima e ser detentor dos meios materiais de organização.
Ou seja, o Estado precisa do reconhecimento de sua legitimidade por parte dos cidadãos.
- -17
Um tipo legítimo de poder é a dominação, só existindo quando há motivos suficientemente fortes para
assegurar a obediência, e não somente pelo uso da força. Em nossa relação com o Estado, há variados
exemplos que demonstram a submissão dos cidadãos a ele, do contrário, estaríamos indo de encontro às leis,
normas e obrigações. Por exemplo, no Brasil, o voto é obrigatório dos 18 aos 70 anos de idade. Se optarmos
por não votar, estaremos descumprindo um dos princípios básicos da cidadania e, por conta disso, sofreremos
uma série de represálias, como ter o título cassado e,assim, o impedimento de participar de concursos
públicos, de retirar passaporte ou carteira de identidade, de não renovar matrícula em estabelecimentos de
ensino público oficial, dentre outras sanções Em resumo, ao pertencemos a uma comunidade social
subordinada ao Estado, há certos deveres e obrigações implícitos, assim como direitos. Quando nascemos, já
há uma constituição vigente, leis trabalhistas, um código penal e as demais normas e somos enquadrados
previamente em toda essa lógica.
1.3.3 As formas de ação e organização do Estado
No decorrer da história da humanidade, o Estado assumiu diversas formas, mas para que nosso estudo fique
mais delimitado vamos tomar como exemplo a constituição do Estado brasileiro.
Antes de sermos Brasil, éramos colônia de Portugal, isto é, não tínhamos qualquer tipo de organização
político-administrativa autônoma, éramos súditos, não cidadãos. Isso quer dizer que o Estado brasileiro não
existia? Exatamente. O Estado passou somente a existir a partir da proclamação de independência de Portugal
e com nossa primeira constituição, em 1824. Não deixamos de ser Brasil, mas desde o nosso nascimento,
enquanto Estado Nação, passamos por diversos governos: império, república oligárquica, ditadura civil,
república democrática, ditadura civil-militar e por fim o retorno à democracia (desde 1985). Os governos
mudaram, mas o Estado permaneceu.
Desde o século XIX, a maioria dos Estados ocidentais adotou a forma de república como governo. A palavra
república é oriunda do latim, res publica – coisa pública, um governo republicano pressupõe rotatividade no
poder, a escolha dos representantes do povo e a divisão do poder em três: executivo, legislativo e judiciário.
Você sabia?
Estado e governo são diferentes? Sim. O Estado é permanente, é a instituição que 
centraliza em torno de si o poder e possui códigos, normas e sistemas. Os governos se 
alternam, são mutáveis, como vimos no exemplo do Estado brasileiro. Quer saber mais 
sobre isso? Recomendamos o livro “Dicionário de política” (BOBBIO, 1998), do 
historiador e filósofo político Norberto Bobbio.
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A teoria da divisão do poder em três vertentes foi mais bem formulada pelo filósofo Charles de Montesquieu
em “O espírito das leis” (1979), obra que influenciou governos republicanos posteriores. Assim, o poder não
seria centralizado nas mãos de um único governante, mas seria equilibrado a partir da função que cada um dos
três setores exerceria de forma independente, porém em harmonia entre si.
Figura 6 - Montesquieu (1689-1755) foi um dos mais importantes teóricos políticos do mundo, influenciando diversos processos 
revolucionários no mundo ocidental Fonte: Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos um esboço em preto e branco do perfil de Montesquieu. Ele está com um leve 
sorriso e veste roupas pesadas, com um lenço amarrado no pescoço.
O poder executivo tem a função de governar, ou de executar as leis previstas na Constituição, carta máxima
dos países. O chefe do executivo, geralmente um presidente, possui algumas atribuições que, sobretudo,
devem zelar pelo bem-estar da população. Ele tem o poder de vetar ou sancionar os projetos de lei formulados
pelo poder legislativo, mas não tem o poder de criar as leis, pois essa é uma função do poder legislativo. Além
disso, é o poder legislativo que fiscaliza o Executivo, vota leis orçamentárias e em casos excepcionais, até
mesmo julga seus próprios membros ou os do poder executivo.
Cabe ao poder judiciário promover a justiça levando em consideração as leis e as regras constitucionais pré-
estabelecidas. Sua hierarquia é formada pelas chamadas instâncias, e a primeira instância é o primeiro local
em que uma ação é analisada e julgada, as instâncias confirmam ou refutam as decisões tomadas
anteriormente.- -19
Entre os três poderes, há o princípio de , ou freios e contrapesos, a fim de que o poderchecks and ballances
seja equilibrado, para que nenhum poder supere o outro. Dessa forma, assegurando a harmonia e a
independência em um Estado democrático.
Perceba, portanto, como é importante que o poder seja equilibrado e não defenda somente os interesses de
uma parte da população. Quando há vigência de um Estado democrático de direito, o governo tem que ser para
todos, não somente para uma parcela da população. Assegurar que a lei seja cumprida e que a justiça seja
feita, independente de classe, raça, orientação sexual ou qualquer distinção, é o princípio básico de qualquer
sociedade que se diz democrática e justa. Nenhum dos poderes é estático, logo, a vigilância por parte de toda
sociedade é crucial para que não haja desarmonia e desigualdades. No próximo tópico, você vai refletir sobre a
correlação entre trabalho, sociedade e economia e que de forma isso influencia sua vida em sociedade.
1.4 Trabalho, sociedade e economia – I
No presente tópico, vamos refletir sobre o conceito de trabalho, produção social e de que forma nossa vida
produtiva influencia nossos papéis sociais, e ainda vamos analisar a evolução do conceito de trabalho e suas
diferentes relações no decorrer do tempo. A forma com que os homens produzem no decorrer da história se
alterou profundamente, assim como as relações entre os seres humanos O exercício de olhar para o passado
nos possibilita enxergar a nossa realidade de uma forma crítica, ao percebermos as desigualdades e exclusões
no mundo do trabalho e no meio social, uma vez que o trabalho é uma atividade inerentemente humana.
1.4.1 O trabalho numa perspectiva ontológica
A reflexão sobre o trabalho deveria partir de todo indivíduo, uma vez que a escolha de uma profissão e seu
exercício é uma das decisões mais importantes que tomamos em nossa vida. A filosofia nos ajuda a questionar
conceitos e a ontologia, significa o estudo do ser enquanto ser, ou seja, que explora suas características, seus
princípios e natureza. Portanto, pensar no trabalho numa perspectiva ontológica é refletir sobre suas origens,
natureza, percurso e transformações sócio-históricas.
A primeira relação que deve ser estabelecida é entre o homem e seu trabalho, pois as formas com que os
homens produzem influenciam toda a vida social. Devemos nos questionar, por exemplo, porque os homens
produzem, se o trabalho é necessariamente uma fonte de opressão e refletir sobre o que sua trajetória tem a
nos dizer.
Um dos teóricos mais conhecidos, por tratar o trabalho como objeto de estudo, é o alemão Karl Marx (1818-
1883). Para o autor, é impossível separar o homem do trabalho, uma vez que:
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Assim sendo, independente do tipo de Estado, governo ou tempo histórico, a relação do homem com o
trabalho permanece. O homem é o único que, diferentemente dos animais, consegue planejar previamente,
criar metas, objetivos e alterar a natureza a seu redor. Um animal, por melhor que produza, continua a
produzir da mesma forma que fazia há milênios, pois é guiado por seus instintos. Já o homem, cria os próprios
meios para a sua sobrevivência, e essa ação de alterar a natureza em prol de sua própria necessidade é o que se
chama de trabalho.
Vamos usar como exemplo uma galinha, ela produz ovos, e assim sua espécie tem feito há milênios. Uma
galinha não visa aumentar sua produção, não faz hora extra nem coloca um logotipo em seus ovos. São os
homens que, pensando em seu próprio lucro, tornam os galinheiros lugares cada vez mais insipientes para que
elas produzam mais, com o uso de luz artificial, adição de proteína e cálcio. A galinha não deixa de ser
galinha, mas o homem, ao acrescentar meios artificiais aos naturais para aumentar a produção, acaba por
alterar toda uma natureza. O trabalho é, portanto, a alteração da natureza pelo homem com o fim de suprir
suas próprias necessidades. No próximo tópico, você refletirá sobre a história do trabalho no decorrer do
tempo histórico.
1.4.2 O trabalho através da história
Uma das questões mais importantes sobre o trabalho, uma vez que já entendemos que o homem produz
alterando o meio em que vive a partir de sua própria ação, é analisar sua trajetória, e para isso vamos retornar,
mais uma vez, a Karl Marx. O autor parte da análise da sociedade capitalista do século XIX, e identifica um
profundo abismo entre trabalhador e o fruto do seu trabalho, uma verdadeira impessoalidade ou, conforme o
autor chamava, alienação. Essa lógica rompia abruptamente com o que ocorria anteriormente na Idade Média,
época em que havia as corporações de ofício, as associações que regulamentavam as profissões, e cada
homem sabia sua profissão e seu exercício. A partir de uma divisão lógica do trabalho, o trabalhador perde o
elo que tinha com o resultado de seu próprio trabalho, e isso o torna mais mecanizado e alienado.
como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do
homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do
metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana (MARX, 2011, p. 167).
- -21
Figura 7 - Karl Marx (1813- 1883), um dos teóricos mais importantes a respeito da análise do mundo do trabalho Fonte: Nicku, 
Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos um esboço em preto e branco do busto de Karl Marx. Ele tem cabelos e barba 
cheios e longos. Veste paletó e tem um colar pendurado em seu pescoço.
Para melhor entender a realidade do século XIX, Marx olha para o passado a fim de investigar como era a
relação dos homens com o trabalho, e formula o conceito de modo de produção, que significa como os
homens se organizam socialmente, formado pela junção daquilo que se produz (forças produtivas) e pelas
relações de produção. Marx (2011) afirma que no decorrer da história da humanidade tivemos cinco distintos
modos de produção:
Modo de produção primitivo
No início da sociedade humana, ainda não havia a instituição do Estado ou de leis que limitassem a vida
humana em sociedade. Também não havia propriedade privada, assim como não havia uma relação de
produção dividida entre proprietários e empregados, pois os bens coletivos eram divididos entre todos.
Modo de produção escravista
Extremamente desigual e violento, esse modo de produção estabelecia uma relação de dominação em que o
senhor tudo detinha (os meios de produção - terra, materiais - e a força de trabalho), pois ao se tornar o
escravo o homem não mais pertencia a si, mas ao outro, que poderia vendê-lo, alugá- lo e obrigá-lo a trabalhar
- -22
até o fim de sua vida. Houve casos em que a escravidão era por dívida, por tempo determinado ou
indeterminado, mas o que se precisa destacar é que a condição de escravo despersonalizava o homem e o
transformava em mercadoria.
Modo de produção asiático
Presente na China, Egito, parte da África e Índia, esse modo foi marcado pela presença soberana do Estado,
que controlava a economia, a política e mesmo a religião. Era utilizado trabalho escravo e servil, símbolo de
grande desigualdade e abismo social que imperava.
Modo de produção feudal
Também marcado pela desigualdade social, a sociedade era dividida, sobretudo, entre senhores (que detinham
os meios de produção) e servos, que diferentemente dos escravos, não eram propriedade do senhor, mas
estavam presos à terra. Os servos deviam fidelidade ao senhor, e assim ocorreu por muito tempo. A
desagregação do mundo feudal ocasionou o surgimento do modo de produção ainda vigente no mundo atual.
Modo de produção capitalista
Ainda em vigência e tendo passado por ciclos, é caracterizado pela presença da propriedade privada e pelas
relações assalariadas de produção, visando sempre maior lucro.
Em seu início, na primeira fase capitalista, a classe social que detinha os meios de produção era a burguesia, e
os trabalhadores eram chamados de proletariados. Apesar denão serem escravos nem servos, o proletário via-
se às voltas com um verdadeiro “exército de reserva”, ou seja, uma profunda concorrência entre aqueles que
também precisavam sobreviver em uma realidade tão dura. As demais fases do capitalismo são chamadas de
comercial, industrial e financeiro, ainda em vigência nos dias atuais.
Você não deve esquecer que o modo de produção capitalista não é linear, mas os países sofrem seus processos
de forma particular e em seu próprio ritmo. A concorrência e a busca pelo lucro continuam sendo uma máxima
capitalista, e os empresários e profissionais donos do meio de produção ainda fazem uma mesma pergunta: de
que forma posso lucrar mais gastando o mínimo possível? Durante séculos, os direitos trabalhistas foram
ignorados, pois o poder sempre pendia para o lado do patrão. Porém, graças à militância, greves e lutas, os
direitos trabalhistas foram conquistados ao redor do mundo, o que não quer dizer que não existam casos
análogos a escravidão ainda nos dias atuais. Não há um modo de produção ideal, pois mesmo que se considere
este ou aquele menos desigual é necessário permanecer fiscalizando em prol de uma sociedade mais
equilibrada. O trabalho deve ser pensado de forma crítica, não mais mecanizada ou manipulada, e é o que
vamos ver a seguir.
1.4.3 Pensando o trabalho criticamente
- -23
Na atual fase do modo de produção capitalista, ainda é muito presente a pressão pela escolha de uma profissão
que traga retorno financeiro e imediato, porém, um jovem, ao escolher sua profissão, não deve fazê-lo
simplesmente pelo lucro, mas deve entender que a profissão que escolher significará alterar a sociedade em
que vive.
Um conceito básico para refletirmos sobre o trabalho atual é o de autonomia. Ser autônomo significa pensar
por si, não se deixar alienar pelo resultado de um trabalho que você nunca terá acesso. é se perceber
participante de toda uma lógica social, e que ao alterar a natureza para sua própria sobrevivência, tudo ao seu
redor consequentemente muda, não somente em termos econômicos.
Conceitos como consciência ambiental, trabalho humanizado e responsabilidade social devem estar na pauta
de grandes empresas, que nem sempre agiram assim pelo curso da história. A atualidade traz consigo novos e
importantes desafios e você acompanhará essas novas consciências melhor nos próximos capítulos. Desde o
surgimento do capitalismo, o lucro é o que mais se busca por parte de quem detém os meios de produção, mas
há mecanismos que emergem da própria sociedade civil que regulamentam o trabalho para que ele não seja
degradante. É importante que novas consciências e direitos surjam para que o trabalho tenha cada vez mais um
significado positivo, para o mercado, mas, principalmente, para os trabalhadores.
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Conclusão
Concluímos o primeiro capítulo da disciplina. Agora, já podemos refletir sobre as questões sociais que muitas
vezes passavam despercebidas. Você pôde entender que a sociologia pode te oferecer as ferramentas para
observar a realidade com outro olhar, o científico.
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• refletir sobre o debate entre indivíduo e consciência coletiva em diferentes perspectivas;
• analisar como a exclusão social é uma realidade no Brasil ainda na atualidade, principalmente para as 
matrizes étnicas que formaram nosso país: indígenas e afro-brasileiros;
• observar os mecanismos legais que garantem a preservação cultural e identitária desses povos;
• refletir sobre o papel das instituições sociais na vida do indivíduo, como família, escola e instituições 
religiosas;
• entender o conceito de Estado, seus mecanismos de poder e sua divisão; aprender sobre o conceito de 
trabalho e sua evolução através dos tempos, assim como as relações entre os homens.
•
•
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Referências
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- -1
DESENVOLVIMENTO HUMANO E SOCIAL
DESENVOLVIMENTO, 
CAPITALISMO E TERRA: 
A PRODUÇÃO NA ERA 
GLOBAL PRECARIZA O 
TRABALHO?
Autoria: Dr. Marcone Costa Cerqueira - Revisão 
técnica: Dra. Karen Barbosa Montenegro de Souza
- -2
Introdução
A dinamicidade com a qual o sistema capitalista se adapta às crises e se autorreestrutura torna o processo
produtivo cada vez mais dependente de novas tecnologias e de mão de obra mais qualificada. Conforme a
tecnologia avança, principalmente por meio da automação, a força de trabalho humana se torna dispensável?
Essa alteração no processo produtivo impulsionou uma exponencial capacidade de se alcançar níveis cada vez
maiores de produção e, assim, alcançar também um mercado maior de consumidores.
A globalização só poderia ser possível por conta dessa alteração no processo produtivo, com cifras jamais
imaginadas a partir dos processos antigos de produção? Nesse contexto, a questão se torna o papel do
trabalhador, que traz inúmeros reflexos na organização político-social, em especial, nos grandes centros
urbanos.
Ao analisar a questão do campo, nos questionamos sobre como a produção agrícola sofreu o impacto da
revolução tecnológica dos processos produtivos? Sabemos que o agronegócio é impulsionado pela automação
de várias partes da produção no campo, da semeadura até a colheita. E que a produção agrícola também gera
impactos no quadro social, principalmente nas classes menos favorecidas como o campesinato, os povos
indígenas e as comunidades quilombolas.
Neste capítulo, vamos abordar essas questões para compreender o desenvolvimento humano e a organização
social atual. Vamos entender os reflexos da tecnologia produtiva no cenário social, compreender o problemadas políticas econômicas que direcionam a atual organização produtiva e sua inserção na organização político-
social. E também vamos estudar a questão agrária a partir das políticas de organização e a temática social de
reconhecimento e garantia dos direitos dos povos originários e quilombolas.
Bons estudos!
: 55 minutos.Tempo estimado de leitura
2.1 Trabalho, sociedade e economia - II
No moderno processo de produção, a tecnologia alcançou extrema importância. No entanto, as consequências
desta realidade são sentidas em todos os âmbitos da organização social. Lançando nossa atenção para os
paradoxos advindos desse processo, vemos ao mesmo tempo uma alavancagem nas formas de organização da
produção e um aumento da desigualdade social nos grandes centros urbanos.
- -3
Tal paradoxo não se dá apenas em termos regionais ou locais, a produção cada vez mais automatizada é a
impulsionadora da formação de um mercado global. Dessa forma, países mais ricos contrastam com países
onde a pobreza é extrema. Nos grandes centros urbanos, podemos ver bairros com enormes mansões ao lado
de comunidades com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) comparável ao de países pobres da África. A
partir desse cenário, vamos tratar da questão da tecnologia no processo produtivo, sua importância para a
globalização e seus reflexos nas expressões das diversas questões sociais.
2.1.1 As constantes “revoluções industriais” e o processo autodestrutivo 
da tecnologia
Ao pensar sobre a história humana no decorrer dos séculos, vemos um enorme esforço do homem em moldar a
natureza, modificá-la e extrair o necessário para a sua sobrevivência e segurança. Por muito tempo, esse
esforço dependeu somente da força física empreendida no trabalho e na utilização de tração animal. O que
mudou o quadro de esforço primitivo foi a utilização de máquinas alimentadas por fontes diversas de energia.
Desde as rodas d’água, passando por moinhos, até o advento das máquinas a vapor, o homem tem
aperfeiçoado a forma de se beneficiar da energia de fontes da natureza para potencializar seu trabalho. A
chamada Revolução Industrial, ocorrida no final do século XVIII e início do século XIX na Europa, foi uma
importante etapa nesse processo. O maquinário movido pela energia a vapor transformou a rústica produção
artesanal em dinâmica produção industrial.
O processo de aperfeiçoamento do uso de maquinários determina um tipo de evolução tecnológica, ou seja, a
busca de tecnologias modernas e capazes de aumentar a produção industrial tem tornado o processo produtivo
uma corrida determinada pela inovação.
“O passar da invenção de um novo produto ou processo para a sua utilização comercial é chamado inovação”
(SANTOS, 1987, p. 17). Dessa forma, uma nova tecnologia, seja no processo de produção ou de uso pessoal,
tem a característica de se tornar obsoleta, ou pelo menos, ultrapassada, em relação à tecnologia anterior, o que
altera a própria relação de produção e a concorrência entre as empresas. Para compreender a evolução dos
processos produtivos e das crises pelas quais o capitalismo passava, Schumpeter (1997) propôs que os ciclos
de altos e baixos existentes no processo de produção capitalista e suas subsequentes crises estavam
diretamente relacionados à alternância de tecnologias utilizadas na produção.
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Figura 1 - A inovação tecnológica e sua implementação é o fator primordial para a modernização da produção no capitalismo Fonte: 
Olivier Le Moal, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma fotografia focando em um botão de ligar, indicando ativar a "inovação".
Por essa perspectiva, quem tem o melhor maquinário e a tecnologia mais avançada tem condições para uma
melhor produção, proporcionando diminuição nos custos e uma baixa nos preços finais do produto, o que,
obviamente, deixa o produto mais competitivo no mercado. Essa lógica de competição na inovação do
processo produtivo por meio da evolução tecnológica cria as constantes revoluções industriais. 
Isso é a marca do moderno modo de produção capitalista, no qual novos processos de produção e novas fontes
de energia estão constantemente sendo buscadas. Com esse cenário, vemos surgir o fenômeno da globalização,
a inovação tecnológica não só impulsiona o processo produtivo como também permite uma maior distribuição
dos produtos e a interação nos mercados do mundo inteiro. Vamos tratar desse tema no próximo item.
2.1.2 Globalização e processo produtivo: o mundo é uma grande indústria
Sabemos que uma das bases do modo de produção capitalista é o excedente de produção, ou seja, a
possibilidade de produzir mais, tendo menos custos para acumular lucro e capital. Para que isso funcione, é
necessário ‘escoar’ o excedente de produção, alcançar mercados consumidores que possam absorver a
produção dos produtos e, assim, gerar o ciclo econômico que alimenta o próprio processo produtivo. A partir
dessa lógica, quanto mais diversificado for o mercado consumidor, mais chances o produtor tem de ‘escoar’
sua produção, gerando mais capital e possibilitando o aumento no próprio fluxo de produção.
Você quer ler?
A obra (SCHUMPETER, 1997) trata de maneira Teoria do desenvolvimento econômico
ampla a questão do desenvolvimento nos primeiros ciclos do capitalismo industrial. A 
percepção é a de que o cerne da capacidade de evolução do processo capitalista é 
exatamente a possibilidade de se criar infinitamente novas tecnologias, sendo as antigas 
tornadas obsoletas.
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Figura 2 - A globalização proporciona o aumento nas relações financeiras entre os diversos países, eliminando as dificuldades causadas 
pelos limites geográficos Fonte: EM Karuna, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma fotografia editada digitalmente. Tratam-se duas pessoas apertando as 
mãos no centro, com foco em suas mãos. Ao fundo, pode-se observar a ilustração do mapa do mundo.
Quanto mais avançada a tecnologia de produção, maior é a capacidade produtiva e as empresas têm
necessidade de expandir seus negócios para além dos mercados locais, geograficamente próximos, pois eles
não são mais suficientes para absorver toda a produção. Então, parte-se para a busca de mercados estrangeiros
como um fator de alavancagem para o aumento dos lucros. 
Essa busca ligou os diversos mercados consumidores, em países diferentes, proporcionando a chamada
globalização de mercado. No entanto, o processo de globalização vai além da lógica de se produzir em um
país e consumir em outro. Podemos afirmar que a globalização é um fenômeno político-econômico, uma vez
que interfere não somente no quadro financeiro dos grandes centros urbanos, mas também na organização
social. Nesse sentido, a globalização não se vincula apenas ao processo produtivo, mas também a um processo
ideológico-cultural que dá substrato à formação de mercados consumidores. Sklair (1995) nos aponta que:
A globalização, portanto, gera demandas de consumo que na verdade são direcionadas pelas necessidades
induzidas pelas grandes indústrias ao inserirem seus produtos em um novo mercado. Esse processo também
inclui a ampla divisão da produção, ou seja, grandes indústrias multinacionais implantam suas fábricas em
diferentes regiões ou países, utilizando mão de obra mais barata, criando pontos estratégicos de produção para
escoamento, gerando,assim, a possibilidade de aumento dos lucros. Por exemplo, uma montadora
a criação de necessidades depende de estruturas e dinâmicas de camadas múltiplas que fazem a conexão
das características individuais do consumidor com os processos que operam em nível social. O sistema
capitalista global propaga uma cultura e uma ideologia do consumismo integradas através da
manipulação das necessidades de consumo já existentes e da criação de novas necessidades. (SKLAIR,
1995, p. 98)
- -6
multinacional europeia de veículos automotores pode produzir seus motores e peças em um país europeu, mas
ter uma linha de montagem em um país asiático, e a comercialização do automóvelser feita em outro
continente.
Esse formato de divisão internacional da produção transforma o planeta em um grande conglomerado
industrial, interligado para atender à demanda de mercados globalizados.
Com isso, há o impacto gerado na organização político-econômica dos grandes centros urbanos,
principalmente em relação ao trabalhador. Esse é o nosso ponto de estudo a seguir.
2.1.3 O trabalhador frente à globalização da produção
A evolução dos processos produtivos ocorrida nas últimas décadas nos leva a pensar na condição do
trabalhador e nas consequências da globalização da produção em relação à vida dos indivíduos nos grandes
centros urbanos. O processo que o capitalismo tem percorrido nos últimos 100 anos vem transformando as
relações de trabalho e a forma como o trabalhador é inserido no sistema. Em sentido amplo, as contradições
sociais geradas pelo processo de produção capitalista se aprofundaram, com o sentido de obsolescência que
passou a afetar a mão de obra humana nos processos produtivos cada vez mais mecanizados.
Com a constante inovação tecnológica dos processos de produção, principalmente proporcionadas pela
automação e gestão integrada de máquinas, a mão de obra foi sendo reduzida na linha de produção.
Figura 3 - A automação dos processos de produção é um dos fatores de aumento nos lucros, uma vez que diminui a necessidade de mão 
de obra humana Fonte: archetype, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de duas máquinas amarelas que servem como "braços" mecânicos. 
Há uma em cada lado, ambas apontadas para o centro.
Como consequência da mecanização, o contingente de trabalhadores desempregados foi aumentando, os
postos de trabalho foram mudando e para esses novos postos, a mão de obra convencional não é considerada
mais qualificada. Como a maioria desses trabalhadores pertence às classes sociais mais vulneráveis e proveem
- -7
uma importante parte do sustento de suas famílias, temos aqui um grande impacto na realidade social. Observe
como os reflexos da inovação tecnológica refletem na realidade político-econômica, ao considerarmos a
questão social do desemprego. Vemos também que o processo de globalização, tanto da produção quanto da
comercialização, também influencia diretamente a questão social em uma cadeia. 
As maiores empregadoras são as grandes indústrias multinacionais que possuem tecnologia mais
avançada e competitividade, porém estão reduzindo seus quadros de funcionários, justamente por
adquirirem tecnologia mais autônoma. Por outro lado, essas multinacionais tornam a concorrência
insustentável para indústrias pequenas e de médio porte, que ao fecharem as portas, dispensam
milhares de funcionários, contribuindo para o aumento de trabalhadores desempregados.
As multinacionais, em geral, buscam estabelecer seus pátios de produção em países onde a mão de
obra é mais barata e o escoamento por meio de portos é mais fácil. No entanto, a riqueza gerada pela
produção é, muitas vezes, direcionada para suas sedes localizadas nos países desenvolvidos. Dessa
forma, a globalização da produção em muitos casos não contribui para o desenvolvimento político-
econômico dos países subdesenvolvidos nos quais as multinacionais se instalam.
Na realidade, esse cenário de competitividade entre as empresas e o excesso de mão de obra ociosa, acaba por
criar subempregos, ou seja, situações nas quais o trabalhador aceita receber pouco, ou trabalha apenas algumas
horas por dia ou semana, ou ainda trabalha sem direitos garantidos. É preciso entender que dentro do processo
produtivo, da matéria-prima até o produto final, o que gera riqueza é a manufatura do produto, sua construção
enquanto bem de consumo. Sendo assim, os empregos gerados nos demais setores da cadeia econômica, tais
como de serviços e vendas, por exemplo, são dependentes desse elo inicial da cadeia.
Todo o arranjo político-econômico tem o Estado, suas agências reguladoras e de assistência social como
fontes de regulação que atuam desde as leis sobre produção, importação, exportação e comercialização, até o
que os trabalhadores, empregados ou não, recebem do poder público.
Com isso, vamos agora discutir a questão das políticas econômicas e suas implicações.
2.2 Trabalho, sociedade e economia - III
Como vimos, o processo produtivo desenvolvido pelo modo de produção capitalista gerou inúmeras mudanças
políticas e econômicas, como os avanços tecnológicos e as desigualdades sociais em países menos
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desenvolvidos. As políticas públicas de regulação do setor produtivo e do comércio procuram diminuir os
impactos de tais questões na vida social dos indivíduos, principalmente os que se encontram em situação de
risco e vulnerabilidade social.
Diante disso, é preciso entender qual é o direcionamento político hegemônico no mundo atualmente e quais
suas diretrizes para a questão econômica e social. É necessário ainda compreender como se formam os blocos
econômicos entre os diversos países e suas influências nos demais. Vamos entender esses pontos a seguir.
2.2.1 Do liberalismo ao neoliberalismo: as políticas econômicas 
hegemônicas
Ao estabelecer uma discussão sobre a questão da produção nos moldes do capitalismo moderno, é preciso
pensar nas questões políticas que dão substrato a essa realidade. Os países chamados desenvolvidos, nos quais
a produção industrial é vigorosa, possuem políticas de governo que se pautam pelas necessidades produtivas
das grandes empresas. Na realidade, esse processo não é novo, pois surgiu antes mesmo da Revolução
Industrial.
Podemos entender isso com as teorias políticas mais alinhadas à produção capitalista, que surgem após a
Revolução Industrial. Uma delas, a teoria do liberalismo econômico, cujo principal autor é Adam Smith,
defende que o Estado, enquanto ente político, não deve interferir nas relações econômicas. A economia é
regulada por uma espécie de ‘mão invisível’, equilibrada pelos interesses destes mesmos indivíduos em
sustentar as relações econômicas (SMITH, 1996). Ao Estado cabe proteger a posse privada e criar leis que
regulem as relações econômicas.
A teoria do liberalismo econômico se tornou a base do capitalismo industrial, alinhado à compreensão do que
seria uma organização política ideal para o desenvolvimento do comércio e da riqueza das nações. Devemos
lembrar que essa é uma questão ideológica, na qual o sistema capitalista defende um entendimento político
que privilegie sua livre atuação, independente das questões sociais.
No século XX, o que vemos é um neoliberalismo político-econômico, derivado do liberalismo
clássico, e mais alinhado aos interesses das classes dominantes capitalistas e das grandes empresas.
Esse pensamento político-econômico se tornou hegemônico dentro do moderno cenário globalizado,
serve de diretriz para muitos países desenvolvidos e, inclusive, subdesenvolvidos.
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Essa posição relacionada também aos países subdesenvolvidos, muitos com economia mista, foi
defendida pelo chamado Consenso de Washington, apoiado pelo FMI e pelo Banco Mundial de que
“não existe país subdesenvolvido, mas apenas país malcomportado. Ou seja, país que não obedece aos
preceitos do neoliberalismo. Desregulamentada, privatizada e aberta a economia, basta o Estado cruzar
os braços para que estimule o desenvolvimento” (Magalhães, 2000, p. 17).
Aqui, percebemos que o Estado não deve, nem mesmo, intervir nas questões relativas às instituições sociais
básicas, tais como educação, saúde, moradia, transportes. Tudo isso deve ficar a cargo da iniciativa privada,
até mesmo a produção de energia, abastecimento e comércio. Assim, qualquer investimento do Estado em
políticas públicas limita a iniciativa privada, onera a máquina pública e causa o subdesenvolvimento político e
econômico. É uma ideologia político-econômica que nega a luta de classes e as desigualdades sociais,
enquanto problemas do Estado, e privilegia, exclusivamente, a ação do grande capital. 
No próximo tópico, vamos entendercomo essa ideologia influencia a organização global do comércio.
2.2.2 A globalização do mercado e as livres áreas de comércio: U.E, 
Mercosul e Nafta
Na dinâmica de interação entre países produtores e consumidores, países mais desenvolvidos e os menos
desenvolvidos, vigora a mesma lógica neoliberal que influencia a política interna de muitos dos países
industrializados do mundo. Significa que é hegemônica a visão de que é necessário deixar “livre” o mercado
para que se autorregule e para que a competição entre as empresas crie o arranjo necessário para o
desenvolvimento econômico.
- -10
Figura 4 - A busca do livre comércio entre os vários mercados internos e externos é o objetivo da formação dos chamados "blocos 
econômicos" Fonte: chombosan, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma fotografia editada digitalmente. Há um homem de terno à esquerda, com 
os braços estendidos, com as palmas das mãos para cima. Há um projeção acima das mãos do homem com o 
Planeta Terra e ícones financeiros. Encontramos, também, outros elementos gráficos ao redor e no fundo.
Por esse prisma, percebemos qual é a lógica por trás da criação de áreas de livre comércio. Essas áreas tendem
a deixar as relações econômicas entre mercados internos de diversos países menos restritas, facilitando a
importação e exportação de bens de consumos, serviços e demais produtos comercializáveis, e isso ocorre por
meio da diminuição de taxas de importação e restrições nas tributações financeiras de movimentação. De certo
modo, esse processo aumenta a concorrência interna no mercado econômico dos países integrantes da área de
livre comércio, privilegiando as grandes indústrias e empresas que apresentam produtos mais competitivos.
Existem diversas áreas de livre comércio ao redor do mundo, muitas delas baseadas em acordos bilaterais
entre dois ou mais países. Há três áreas, em três continentes, que se destacam. A União Europeia, na Europa,
que se tornou uma área de livre comércio, com abrangência também na interação entre instituições
educacionais, turismo e demais setores. Na América Latina, o Mercosul, área de livre comércio que visa
integrar vários países deste continente. Já na América Central e do Norte, há o Nafta, acordo econômico entre
México, Canadá e Estado Unidos.
Estudo de Caso
Em um determinado país, vamos chamá-lo de X, existem determinadas leis trabalhistas 
que limitam a ação de rotatividade da mão de obra, determinam regras para o comércio 
de produtos importados e mantêm sob poder do Estado as principais decisões sobre 
questões econômicas. O país Y deseja implantar uma fábrica no país X, e o prepara para 
receber seus produtos. No entanto, as barreiras impostas pelo país X são, no 
entendimento da empresa Y, demasiadas para sua expectativa de lucros. Isso representa 
um obstáculo para a interação comercial e inviabiliza, em grande parte, o processo de 
globalização comercial.
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Todas essas áreas de comércio visam proporcionar uma ampliação de mercado para suas empresas internas,
seguindo uma lógica de abertura de mercado e diminuição nas restrições econômicas sobre a comercialização
de produtos e serviços.
Como vimos, a visão neoliberal de comércio prega a doutrina do chamado ‘Estado mínimo”, que tem sido
hegemônica. No entanto, é imprescindível pensar a questão social a partir dessa lógica de mercado, e para
isso, vamos, a seguir, entender melhor a distribuição de renda.
2.2.3 Dos mais pobres aos mais ricos: a questão social frente à distribuição 
de renda
A lógica político-econômica do neoliberalismo pode até ser hegemônica dentre os países capitalistas, mas
mesmo assim, a sociedade não é homogênea, pois não estão todos na mesma condição de disputa social pela
subsistência e pela aquisição de bens de consumo e serviços.
A renda gerada pela produção de riquezas se concentra na mão de uma minoria que controla os meios de
produção ou dos capitais financeiros que não produzem bens de consumo, mas lucram com a especulação
econômica. Já a maior parte da população, depende de sua força de trabalho e da disponibilidade de empregos
para se sustentar.
Você quer ler?
O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI (FRIEDMAN, 2014) apresenta 
de forma clara, e amplamente embasada, a maneira como o processo de globalização da 
economia tem aproximado as diversas culturas. Ao chamar a atenção para o surgimento 
desse processo, o autor o demonstra ser um processo inevitável e sem volta.
Você quer ver?
O tema da desigualdade social, principalmente a extrema pobreza de pessoas que 
subsistem com aquilo que é descartado pela sociedade, é tema do documentário Ilha das 
 (FURTADO, 1989). Ele busca mostrar os traços da desigualdade social desde a Flores
produção até o descarte dos produtos, mostrando uma cadeia social que exprime bem as 
contradições do sistema capitalista.
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Observe aqui que esse cenário opõe duas ideias: a do Estado Liberal, ou de ‘meritocracia’, que beneficia a
minoria e quer o máximo de independência, e o chamado Estado de ‘bem-estar social’, que supre as
necessidades da maioria da população.
Dentro do chamado Estado de bem-estar social, os indivíduos em situação de risco social são atendidos pelas
políticas públicas assistenciais, em todas as áreas. O Estado de bem-estar social ganhou força após a Segunda
Guerra Mundial, principalmente por conta do enfraquecimento do liberalismo e pela devastação causada pelo
conflito.
Figura 5 - O Estado de bem-estar social visa fornecer assistência em diversas áreas aos indivíduos em situação de risco social Fonte: 
addkm, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma pessoa oferecendo comida para outra. Uma está à 
esquerda, derramando uma concha de sopa no recipiente de isopor do outro indivíduo. Há uma panela com a 
sopa exposta. Ao fundo, pode-se observar outras marmitas já feitas, pessoas se servindo e uma mesa com 
outros alimentos.
Após meados de década de 1970, houve um novo fortalecimento do Estado Liberal, ou neoliberal,
principalmente a partir das políticas da Inglaterra e dos Estados Unidos. Segundo Santos (1987), o capitalismo
consegue impor sua lógica de Estado mínimo e disputa livre de comércio quando não há uma crise prolongada
ou quando não há uma situação de desemprego em massa. No entanto, em vista das crises prolongadas e dos
momentos de extremo desemprego ou arrefecimento da economia, o capitalismo conta com o Estado de bem-
estar social para solucionar os problemas surgidos na condição de manutenção da força de trabalho, o
trabalhador que depende da política assistencial do Estado para manter sua subsistência básica.
Em vista disso, é preciso pensar um Estado que possa direcionar os recursos necessários para a assistência
social aos indivíduos em situação de risco social, dando também condições de mercado para o fortalecimento
de empresas nacionais que gerem emprego, mas que não submeta a geração de riqueza aos interesses do
grande capital estrangeiro. Esse quadro de globalização da economia e disputa das classes menos favorecidas
pela subsistência não se dá apenas no cenário urbano, mas ocorre também no âmbito agrário. Vamos nos deter
na análise da questão agrária no próximo tópico.
- -13
2.3 O desenvolvimento humano social no Brasil: a questão da 
terra - I
Ao analisar a história de exploração e disputa de terras e riquezas que envolve o Brasil, podemos vislumbrar a
complexidade e assimetria desse processo. É preciso entender como se organizou a divisão das terras, seus
problemas sociais e políticos que ainda hoje reverberam na organização rural e urbana do país. Essas questões
serão nosso objeto de estudo e análise neste tópico, por isso, vamos abordá-las de maneira crítica, buscando
compreender os meandros constitutivos da questão agrária no Brasil.
2.3.1 Propriedade agrária no Brasil: das capitanias aos grandes latifúndios
Durante sua história recente, enquanto colônia de exploração, a ocupação doBrasil foi não foi por vias de uma
divisão igualitária das terras. A primeira divisão de terras visava prover riquezas para a metrópole, Portugal,
em forma de matérias-primas vegetais e minerais.
O processo começou de forma gradual nas faixas litorâneas do país e se ampliando para dentro da região ainda
inóspita do interior. Essas primeiras faixas de terra destinadas aos indivíduos indicados pela coroa de Portugal,
para serem mandatários, eram chamadas de capitanias hereditárias. O que nos interessa compreender é que
essa lógica de apropriação da terra é uma lógica de dominação de poucos sobre muitos. Uma estrutura de
poder social que já vinha delineada dos resquícios feudais que ainda se perpetuavam nas práticas de
dominação e exploração social.
Essa lógica de apropriação e exploração da terra, por meio de estruturas sociais de dominação, se manteve por
praticamente todo o processo de expansão das áreas de ocupação nas terras ainda não desbravadas. A posse da
terra pelos europeus se deu junto com a submissão forçada dos povos indígenas e africanos.
Com o fim da escravidão, as mudanças políticas no Brasil e o início acanhado da industrialização, a
apropriação da terra passou a ser feita por pressão econômica.
Você sabia?
A maioria dos países chamados ‘subdesenvolvidos’ hoje partilham o mesmo passado 
colonial, ou seja, foram colônias de grandes nações mercantilistas, ou até pouco tempo, 
de nações industrializadas. Isso os fez atrasar o processo de implantação industrial e 
criou uma dependência político-econômica em relação aos países chamados 
‘desenvolvidos’ (SINGER, 1988).
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Os proprietários de grandes áreas de terra forçavam pequenos produtores e arrendatários a venderem suas
terras por preços insignificantes, ou levava-os a perderem suas posses por meios fraudulentos. Essas práticas
mascaravam um processo inescrupuloso com aparências de aquisição válida.
Os grandes latifúndios que marcaram o período áureo da produção agrícola e da pecuária no país, antes da
industrialização, traziam em suas gêneses os traços de uma dominação social, econômica e política, uma vez
que os grandes produtores influenciavam diretamente a política.
Na esteira desse processo desigual e violento, foi se formando uma questão social que não se esgotaria com o
fortalecimento da industrialização. Na realidade, a questão agrária ganha força exatamente a partir do
momento em que os grandes produtores rurais, latifundiários, começam a perder força e influência política
para a elite burguesa industrial. Nesse sentido, podemos dizer que as disputas agrárias começam a se tornar
um ponto de inflexão social a partir da década de 1930, não só no Brasil, mas em todo o continente sul-
americano. Os governos tiveram que responder à tensão crescente no campo, traçando política para essa área e
delimitando regras e diretrizes para a ocupação da terra. A discussão da reforma agrária, enquanto tentativa de
reverter, ou ao menos diminuir, a desigualdade no campo, passou a ser um ponto de análise do poder público.
Em vista disso, vamos tratar a questão no próximo item.
2.3.2 A reforma agrária como problema social e político
Quando falamos em problema social e político, de certa forma, estamos separando dois âmbitos distintos que
se coadunam na composição do tecido sociopolítico. Indicamos, então, que existe um âmbito no qual se dá as
relações entre os indivíduos, a partir de sua cultura, particularidades e modos de vida. E existe outro âmbito no
qual se dá a disputa por meio de instituições delimitadas, fundamentadas e sustentadas pela vontade dos
indivíduos que compõem o corpo social. Sendo assim, o âmbito político é aquele no qual se dá o embate
público entre os indivíduos que se organizam socialmente.
Partindo dessa compreensão, entendemos que existe uma questão social referente à reforma agrária, ou seja, a
forma como os indivíduos se organizam, expressam suas culturas e desenvolvem as particularidades de suas
vidas no trato com a terra. É necessário respeitar a peculiaridade de cada comunidade, população, e
agrupamento de indivíduos que se expressa socialmente.
A questão política que se coloca a partir da reforma agrária é posta em vista das organizações institucionais, as
políticas públicas de posse e utilização da terra, os incentivos à produção familiar, as restrições ao
agronegócio que esmaga essa produção familiar. Enquanto entes políticos, o poder federal, estadual e
municipal, estabelecem diretrizes para a organização do tecido social nas áreas rurais.
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Dessa forma, não podemos pensar em uma reforma agrária que parta da questão política sem vislumbrar a
questão social. Não é possível criar políticas de posse, utilização e socialização da terra sem levar em conta as
diferenças sociais entre as diversas regiões do país, entre as diversas representações culturais e,
principalmente, entre as diferenças econômicas das regiões. Ao tentar fazer uma reforma agrária uniforme,
padronizada ou alheia à realidade das comunidades rurais envolvidas, se aplica o mesmo pensamento que
dominou o período colonial, isto é, uma realidade que coloca em um padrão uniforme, expressões sociais que
são disformes, como, por exemplo, os latifundiários e senhores coloniais que viam índios, negros, nordestinos
e mestiços como uma única ‘massa’ que podia ser controlada, sem considerar as particularidades de cada
grupo.
Por essa perspectiva, a reforma agrária mais do que uma socialização da posse da terra, deve ser entendida a
partir das questões sociais da dominação capitalista também no campo. Sobre isso nos adverte Müller (1986):
Em muitos momentos, a reforma agrária é vista apenas como reorganização do uso produtivo da terra, não em
um sentido de apropriação por parte do campesino de seu trabalho, mas em uma lógica capitalista de
produção. O campesino se vê obrigado a se encaixar em padrões de produção, mesmo que pequenos,
direcionados a mercados específicos. Ao contrário disso, a reforma agrária deve ser entendida como a
restituição da dignidade do campesino, do homem e da mulher do campo, que desenvolve seu modo de vida a
partir do trato com a terra. O trabalhador rural se reconhece em seu trabalho como criador de sua própria
expressão social.
Você o conhece?
Thomas Robert Malthus foi um importante economista inglês do século XVIII e sua 
obra está pautada na compreensão dos processos produtivos no campo e na questão 
demográfica, sendo um dos criadores da demografia. Segundo ele, a taxa de crescimento 
da produtividade agrícola deve ser proporcional à taxa de crescimento populacional, se 
não for, haverá escassez de alimentos. Ele segue uma linha de raciocínio matemático 
para pensar a questão da produção no campo (SINGER, 1988).
Então, para produzir na agricultura hoje não basta mais ser apenas proprietários de terras, ainda que estas
sejam um pressuposto da produção. […] Neste sentido, a terra subordina-se ao capital. Ou, mais
claramente: o trabalho agrícola, familiar e assalariado, subordina-se ao capital, no contexto de uma
industrialização crescente da agricultura, processo no qual a terra-matéria perde suas forças
determinadores das condições de produção, em favor da terra-capital (MÜLLER, 1986, p. 50). 
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Essa dimensão não pode ser perdida em discussões puramente políticas sobre as reformas das leis agrárias e
dos programas de incentivo agrícola. Não é apenas uma questão político-econômica, trata-se de dignidade
social, de reconhecimento do direito que o trabalhador campesino tem sobre a criação de seu modo de vida e
trabalho. A luta por direitos e dignidade se estende do campo à cidade, entrelaçada com as questões sociais do
meio urbano. Sendo assim, vamos passar para o próximo item e tratar da disputa social no campo e seus
reflexos nas cidades.
2.3.3 A disputa social no campo e seus reflexos no contexto social das 
cidades
Analisando a questão agrária no Brasil, do início do século XX até meados da década de 1960, percebemos
queo problema era tratado em vista de uma política econômica de reestruturação da produção agrícola e
controle do crescente êxodo do campo para a cidade. Na opinião de Silva (1986), sempre existiu uma relação
puramente econômica entre questão agrária e agrícola, sendo que a primeira só é pensada quando há crise na
segunda. Para o autor, na década de 1930, com a depressão do mercado de café, o êxodo de trabalhadores para
a cidade foi enorme, devido a falta de trabalho e a superprodução no campo, e por necessidade de mão de obra
nos grandes centros que se industrializavam. O contrário se deu a partir da década de 1960, quando os centros
urbanos já sofriam com a densidade populacional e a produção no campo começava a se ‘mecanizar’.
Nisso, percebemos os reflexos das disputas sociais do campo nos centros urbanos. Quando se pensa o
problema agrário apenas pelo viés político-econômico, entende-se a posse da terra como mero modo de
produção e o campesino, trabalhador rural, como mero produtor. No entanto, como já salientamos, a questão
social é preterida pelas questões políticas e econômicas.
Enxergar o trabalhador apenas como mão de obra, não importa se ele está no campo ou na cidade, é
importante para que possa utilizar sua força de trabalho em prol da produção de riquezas. Nesse sentido, as
lutas dos trabalhadores do campo e da cidade se unificam em torno dos mesmos eixos, reconhecimento de
direitos e dignidade.
A luta dos trabalhadores rurais por direito à posse da terra e por dignidade no reconhecimento de seu trabalho
é, em todos os sentidos, contrária à lógica do capital agrícola que visa apenas a produção e o lucro. Da mesma
forma, a luta dos trabalhadores urbanos por melhores salários, condições de trabalho e dignidade é, em todos
os sentidos, contrária à lógica do capital industrial que também se pauta exclusivamente pela produção e lucro.
Assim, ao pensarmos a questão agrária de um ponto de vista social, percebemos que os entraves às reformas
profundas e justas são postos pela lógica da posse da terra como modo de produção e poder financeiro e isso
se dá pela influência política e econômica. Os indivíduos que são obrigados a migrar do campo para a cidade
acabam por sofrerem a mesma depreciação que sofriam no campo, são submetidos a uma lógica produtiva que
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limita sua dignidade à venda de sua força de trabalho e condiciona sua subsistência à necessidade, ou não, de
tal força.
É necessário abordar a questão agrária a partir de seu viés social, obviamente resguardando a possibilidade de
subsistência dos trabalhadores do campo, mas não por uma lógica produtiva, na qual a posse da terra está
relacionada unicamente à produção e comercialização. Só assim é possível pensar a questão dos direitos à
terra dos índios e das comunidades quilombolas, por exemplo, que usam suas terras para perpetuar seu modo
de vida social e sua cultura. Vamos ver isso no próximo tópico.
2.4 O desenvolvimento humano social no Brasil: a questão da 
terra - II
Tendo em vista a necessidade de analisar a posse da terra além da lógica capitalista da produção, devemos
abordar a defesa dos direitos das comunidades indígenas e quilombolas.A valorização da história de luta
desses povos frente aos constantes ataques sofridos pelas grandes empresas do agronegócio e por políticas
governamentais restritivas é parte do entendimento que devemos ter sobre as demandas por terra e os
problemas agrários. Um ponto a se discutir são as condições socioeconômicas que viabilizem a subsistência
dessas comunidades, entendendo seu lugar na organização político-social do país como um todo, diante de sua
história de formação e privações em relação aos povos que foram historicamente explorados nesse processo de
formação. Diante disso, vamos passar a discutir a questão agrária a partir das demandas sociais dos povos
indígenas e das comunidades quilombolas.
2.4.1 O direito a terra e a terra por direito: a questão indígena
Anteriormente, tratamos da dinâmica de formação do processo de ocupação do Brasil por parte dos europeus
que fizeram da ‘terra nova’ uma colônia de exploração. Os indígenas foram os primeiros povos a serem
escravizados. Dizemos povos, pois, existiam na terra ‘recém- descoberta’ diversos povos originários da região,
nativos, que se dividiam em tribos, etnias e comunidades organizadas. 
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Figura 6 - As várias etnias indígenas se formaram ao longo de milhares de anos de ocupação do território do que viria a ser o Brasil 
Fonte: Georgios Kollidas, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma ilustração colorida de duas índias. A índia à esquerda foi desenhada em 
tom de roxo. Já a índia à direita foi desenhada em tom de preto. Ambas trazem pinturas em seus rostos. Ao 
fundo, pode-se observar outras texturas e desenhos diversos de formas.
Obviamente que o modo social de organização dos povos indígenas era diferente do desenvolvidos na Europa,
a própria ideia de produzir algo em excesso para comercialização era incompreensível para os povos
indígenas. Contudo, mesmo sendo algo estranho à sua cultura, os indígenas foram obrigados a trabalhar nas
lavouras, minas e no processo de extração de madeira implantado pelos conquistadores europeus.
A lógica trazida pelos conquistadores era a da posse da terra como modo de produção, uma ideia desconhecida
pelos índios que viviam da coleta básica nas florestas, caça e cultivo de subsistência de alguns produtos
vegetais. Por conta disso, os índios não conseguiam dominar as técnicas de produção, sendo tomados pelos
conquistadores como preguiçosos e ignorantes e aos poucos sendo substituídos pelos escravos vindos da
África.
Veja que pretendemos ressaltar o caráter originário desses povos indígenas, um direito natural às terras que
ocupavam há milhares de anos, não sendo reconhecido pelos europeus negligenciado e nulo. Em se tratando
da religião dominante, não se pode negar a participação do cristianismo, uma vez que a catequização dos
índios tinha como base a ideia de que eles deveriam deixar para trás seu passado primitivo, de adoração a
deuses da terra e elementos da natureza, para se integrarem à civilização cristã ocidental. Deus é o criador da
terra, confiando ao seu povo, os cristãos, o cuidado dela. Sendo assim, os índios não sendo cristãos, não eram
parte do povo de Deus.
Os povos indígenas continuaram a serem vistos como primitivos e improdutivos, mesmo após o fim do
período colonial e início das repúblicas e, posteriormente, da industrialização do país. Em um sentido amplo, o
direito originário dos índios à terra continuava não sendo reconhecido. Ponto que se agravou com a expansão
dos latifúndios e o crescimento da agropecuária, uma vez que exigiam grandes áreas para plantações e
pastagens. Essas áreas foram tomadas, muitas vezes por formas fraudulentas, das áreas originalmente
ocupadas pelos povos indígenas.
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Atualmente, a questão indígena ainda sofre entraves de políticas econômicas voltadas para os interesses dos
grandes produtores pecuaristas e latifundiários. A discussão sobre as demarcações de terras indígenas sempre
esbarra na argumentação de que grandes áreas poderiam ser produtivas para a extração de minérios e recursos
naturais diversos, criação de gado ou agricultura, mas permanecem improdutivas e destinadas a pequenos
grupos tribais.
A posse da terra é discutida por um viés capitalista de produção e geração de riquezas, de certa forma a
mentalidade por trás disso é a mesma trazida pelos conquistadores europeus, a de que o direito à terra só é
justificado economicamente. “Está mais do que claro para todos de que a terra e suas riquezas, como
mercadoria e como reserva de valor, atualmente, são a grande propulsora da dinâmica da questão indígena”
(GOMES, 2012, p. 26). Essa discussão não se dá apenas na questãodos direitos dos povos originários às suas
terras ancestrais, também é vista em relação à posse das terras ocupadas pelas comunidades quilombolas que
se formaram ao longo das lutas travadas pelos africanos contra a escravidão, assunto que vamos nos deter no
tópico a seguir.
2.4.2 A questão social das comunidades quilombolas e a herança colonial 
brasileira
No processo de formação do Brasil, enquanto colônia de exploração, os negros africanos foram os que
sofreram mais tempo sob o jugo da escravidão. É necessário notar que o Brasil foi um dos últimos países a
abolir a escravidão ‘explícita’, que comercializava e se mantinha cativos os escravos. Percebemos também
que, após a abolição da escravidão, os negros tiveram que se sujeitar a uma escravidão ‘implícita’, vivendo em
condições subumanas e aceitar trabalhos extenuantes recebendo praticamente nada.
Figura 7 - O tráfico de escravos da África para o Brasil se tornou uma das atividades mais lucrativas até o século XIX Fonte: Marzolino, 
Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma ilustração em preto e branco retratando o tráfico de escravos. Há quatro 
escravos no centro, amarrados uns aos outros pelo pescoço. Todos estão carregando algo em suas mãos. À 
esquerda, há uma cabana. À direita, encontramos uma escrava segurando uma ferramenta. Há um recipiente 
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grande no chão, à frente da escrava. Pode-se notar vegetação ao redor e, ao fundo, outros escravos em meio à 
vegetação.
Durante os mais de três séculos de escravidão, os negros conseguiram lutar por liberdade e formar pequenas
comunidades isoladas nos rincões do inóspito interior do país. Essas comunidades eram chamadas de
quilombos, refúgios para negros que conseguiam fugir de suas vidas de escravidão. Esse processo traz em sua
configuração mais do que uma luta esparsa dos escravos. Na realidade, os escravos, provenientes de tribos
africanas distintas, reproduziam de certa forma suas antigas formas sociais de vida.
Não se pode aceitar a narrativa de que os quilombos eram formados por ‘escravos fujões’, visão dos senhores
de escravo que buscavam depreciar a própria luta dos negros. Os quilombos eram uma forma de os negros
manterem vivas suas expressões culturais, suas maneiras de organização social e sua busca por liberdade. A
sobrevivência era provida por meio da plantação de subsistência, coleta de frutas, caça, pesca, produção de
artesanatos e utensílios rústicos.
Nesses centros de refúgio para negros livres, as expressões culturais podiam ser exercidas de forma aberta,
enquanto que nas senzalas os negros eram proibidos de praticarem seus cultos religiosos, suas danças típicas e
demais ritos. Certamente que isso contribuiu para a continuidade da cultura africana trazida para o Brasil, mas
percebemos que esses aspectos não possuem valor financeiro, são muitas vezes escondidos da formação da
cultura brasileira, sendo perpetuada a ideia de que os negros contribuíram apenas com o sincretismo cultural e
religioso.
Em relação à questão agrária, a situação dos quilombos remanescentes é muito próxima da situação das
demarcações de terras indígenas. A lógica capitalista que reforça a ideia de valor mediante produção,
influencia a tese de que as áreas destinadas aos quilombos remanescentes não representam avanço econômico
para as próprias comunidades. Percebemos ainda uma visão de superioridade dos mecanismos de dominação
econômica sobre as organizações sociais de minorias. A tentativa de se criar entraves à legalização, ampliação
e viabilização de áreas destinadas a essas comunidades, visa tão somente garantir que os interesses dos
grandes produtores não sejam afetados.
Você sabia?
A luta dos negros por reconhecimento, logo após a abolição da escravatura, passou por 
diversos processos políticos, tendo principalmente a propaganda panfletária como 
instrumento de divulgação. Entre os anos de 1888 e 1937, surgiram movimentos 
políticos como: a Guarda Negra (1888-1889), a Frente Negra Brasileira (1931-1937) e a 
Legião Negra (1932), todos voltados para a questão social do negro nos primeiros anos 
da República (GOMES, 2005).
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Sendo assim, não se trata apenas de obstáculos culturais, de não reconhecimento da rica herança preservada
nas comunidades quilombolas, são antes entraves políticos e legais. Políticos, porque a influência dos grandes
produtores nas esferas legislativas atrapalha o andamento de projetos avançados nessa área, e legais, porque
em geral, historicamente as comunidades quilombolas remanescentes estão nos locais onde os quilombos
foram criados, ou seja, não há documentação de posse de terra, muito menos documentos de cessão da terra.
Pensar essa questão por um viés político-econômico de reforma agrária, atrelada às necessidades produtivas é,
sem dúvidas, condenar a luta histórica ao ostracismo e à marginalização das comunidades quilombolas
remanescentes.
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Conclusão
Completamos mais um ciclo de estudos sobre o desenvolvimento humano e social. Neste capítulo, abordamos
temas como desenvolvimento, capitalismo e terra e produção na era global. Tendo como apoio o
conhecimento obtido, esperamos que você seja capaz de refletir sobre a prática profissional em sua área de
atuação, buscando aprimorar suas competências e habilidades.
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• compreender o processo de evolução do modo de produção capitalista e suas influências na formação 
das modernas sociedades, bem como suas implicações nas desigualdades sociais;
• compreender o papel das inovações no cenário produtivo, bem como sua função de reguladora da 
disputa de mercado;
• entender como a questão produtiva em termos globalizados influencia a formação de grandes redes 
internacionais de comércio e interação entre diversos povos;
• compreender como a questão da terra, dentro da reforma agrária, é entendida de maneira social e 
política;
• distinguir a questão agrária, da agrícola, do direito a posse da terra de herança indígenas e africana.
•
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Referências
FRIEDMAN, T. L. O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI. Tradução de Cristina Serra, et al.
3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
FURTADO, J. Ilha das flores. Direção de Jorge Furtado. Produção de Mônica Schmiedt, Giba Assis Brasil,
Nôra Gulart. Casa de Cinema de Porto Alegre. Brasil, 1989.
GOMES, F. dos S. Negros e política . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. (1888 – 1937)
GOMES, M. P. Os índios e o Brasil: passado, presente e futuro. São Paulo: Contexto, 2012. 
MAGALHÃES, J. P. de A. Brasil Século XXI: uma alternativa ao modelo liberal. São Paulo: Paz e Terra,
2000.
MÜLLER, G. A terra não é mais aquela: MIRAD nela? In: LEAL, Laurindo (Org.). Reforma agrária da
Nova República: contradições e alternativas. São Paulo: Cortez/EDUC, 1986.
PRADO JUNIOR, C. A questão agrária no Brasil. 4. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
SANTOS, T. dos. Revolução científico-técnica e acumulação do capital. Tradução de Jaime Clasen.
Petrópolis: Vozes, 1987.
SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo:
Editora Nova Cultural, 1997.
SILVA, J. G. da. Reforma Agrária, já? In: LEAL, L. (Org.). Reforma agrária da Nova República:
contradições e alternativas. São Paulo: Cortez/EDUC, 1986.
SINGER, P. Dinâmica populacional e desenvolvimento: o papel do crescimento populacional no
desenvolvimento econômico. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1988.
SKLAIR, L. Sociologia do sistema global. Tradução de Reinaldo Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 1995.
SMITH, A. A riqueza das nações. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.
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DESENVOLVIMENTO HUMANO E SOCIAL
A SOCIEDADE EM REDE: 
O MUNDO PÓS-
MODERNO UNE OU 
SEPARA OS INDIVÍDUOS?
Autoria: Dr. Marcone CostaCerqueira - Revisão 
técnica: Dra. Karen Barbosa Montenegro de Souza
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Introdução
O processo ascendente que marca a evolução das tecnologias produtivas nos últimos duzentos anos também se
mostra determinante na evolução das ciências em geral e nas comunicações. Como podemos abordar o tema
da Modernidade a partir dessas evoluções em áreas tão complexas? Ao olharmos o quadro geral de
desenvolvimento da sociedade moderna, podemos vislumbrar a temática da organização das informações, dos
dados científicos e da utilização de inovações cada vez mais acessíveis aos indivíduos.
A partir dessa inserção cada vez mais cotidiana da tecnologia e da forma de vida moderna, como pensar sua
influência na vida em sociedade? Não se pode compreender o processo de formação da Modernidade sem
pensar antes em suas bases conceituais e sociais. Sendo assim, seria correto afirmar que a Modernidade trouxe
consigo um novo tipo de sociedade? Estas são questões importantesque se juntam aos problemas da educação
e do uso sustentável dos recursos naturais.
Em vista de todas essas interrogações, vamos estudar o tema da Modernidade e seus aspectos próprios. No
primeiro tópico, vamos nos voltar para a questão da construção da Modernidade, enquanto processo contínuo
e bem delineado, marcado pela tecnologia e a ciência. No segundo, o foco será compreender como esse
processo se expressa na sociedade interligada por meios digitais de comunicação e trabalho.
No terceiro tópico, nos deteremos na questão da educação, suas alterações na tentativa de se adaptar aos
desafios da Modernidade e sua importância social. E, ao final do capítulo, vamos analisar a temática da
preservação ambiental, em vista dos novos modos de vida proporcionados pelas modernas tecnologias e o
aumento dos centros urbanos.
Esperamos que ao final você possa ter refletido sobre os temas tratados, formando sua opinião e sendo capaz
de expressá-la em sua prática profissional.
Bons estudos!
Tempo estimado de leitura: 57 minutos.
3.1 A construção da Modernidade Ocidental - I
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A Modernidade não é apenas uma marcação histórica de acontecimentos sociais, intelectuais e políticos, é a
caracterização de uma virada tanto intelectual quanto social na forma de vida do homem e na maneira como
ele entende e age sobre o mundo. Nesse sentido, as datas históricas são importantes, mas a maior importância
comporta na compreensão do contexto no qual as ações que marcaram essas datas foram empreendidas.
É preciso compreender o papel da ciência, da tecnologia e do desenvolvimento intelectual para a solidificação
das bases da Modernidade e sua ampliação até os avanços da Pós-Modernidade. Sendo assim, vamos tratar
desses temas nos próximos itens.
3.1.1 Traçando os caminhos da Modernidade
Dentro da organização teórica da História, enquanto conhecimento específico e campo de pesquisa, a
delimitação de períodos é essencial para se compreender a evolução dos atos humanos e seus reflexos. A
história humana é dividida em períodos, sendo eles: a Pré-História, a Idade Antiga (antiguidade), a Idade
Média (medieval), a Idade Moderna (modernidade) e a Idade Contemporânea (contemporaneidade)
(BOURDÉ; MARTIN, 1983). Obviamente, esta divisão é proposta para o estudo específico dos
acontecimentos ocorridos em cada momento particular da História, havendo dentro deles outras separações.
Para efeitos de delimitação histórica, a Idade Moderna tem um início marcado pelo ano de 1453, com a
tomada de Constantinopla, e um fim, o ano de 1789, com a Revolução Francesa. Esse período é marcado por
inúmeros acontecimentos intelectuais, científicos e políticos, que determinaram o desenvolvimento do período
histórico seguinte, a Idade Contemporânea.
Dentre os marcos intelectuais, citamos o Renascimento, tanto na Itália como em outros países da Europa,
sendo um importante movimento artístico e intelectual. O Iluminismo foi uma importante mudança na forma
de se conceber o conhecimento, principalmente o científico, e combateu os pensamentos medievais sobre o
mundo e outros temas relacionados ao homem.
Nos acontecimentos científicos, temos a formação das bases das modernas ciências naturais específicas, a
química, a física, a biologia, a cosmologia. Pensadores como Galileu, Lavoisier, Newton e Laplace marcaram
o surgimento de um conhecimento científico com base no rigor lógico e na experimentação, os fundamentos
de toda evolução científica e tecnológica surgida na contemporaneidade, bases lógicas e experimentais
utilizadas como forma de se conhecer a realidade e alterar a natureza.
Na política, citamos as contribuições dos filósofos modernos que pensaram a questão do Estado, entre eles
Rousseau, Montesquieu e Locke. Com esses pensadores, temos a fundação da moderna concepção de Estado,
dividido em Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), bem como a construção de bases teóricas para se
pensar o sistema jurídico e os conceitos de sociedade, política, justiça e liberdade.
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O período histórico denominado como Moderno lançou as bases para se estabelecer um modelo civilizatório e
científico que formou o que chamamos de Sociedade Ocidental Moderna. Nesse sentido, o nome dado ao
período histórico acabou por se tornar o sinônimo de evolução científica, tecnológica e civilizacional.
A culminância desse processo é a profunda dependência que temos na contemporaneidade de novas formas de
conhecimentos, a criação de novas tecnologias e o importante papel da ciência. Em vista disso, vamos agora
tratar primeiro da questão tecnológica e da busca incessante por novas formas de melhorar a vida das pessoas,
tanto no sentido produtivo, quanto no individual, social e nas comunicações.
3.1.2 A tecnologia como fruto dos novos caminhos da Modernidade
Não se pode cometer o erro de se pensar que o termo “tecnologia” está atrelado apenas à atual realidade dos
dispositivos eletrônicos e digitais. Tecnologia é toda mudança técnica, conhecimento específico expresso em
mecanismos ou procedimentos, que contribui para o melhoramento de uma ação humana, seja ela produtiva ou
não.
Durante a Idade Moderna, vemos uma grande produção de tecnologia, desde a luneta que proporcionou a
Galileu observar os astros celestes, até a invenção da máquina a vapor no início do século XVIII. As ciências
naturais, tais como a química, a física e a biologia, demandaram a concepção e construção de mecanismos,
instrumentos e procedimentos que representaram uma inovação em relação à forma como o conhecimento era
obtido na Idade Média, algo entendido como intrínseco ao homem, ou seja, vinha do interior de seu intelecto.
Na modernidade, o conhecimento passa a ser algo que pode ser posto à prova de maneira exterior ao homem,
por meio de experimentos, por vias de instrumentos que possibilitassem uma maior compreensão da natureza.
A alavancagem inicial de novas tecnologias nas ciências e na produção em pequenas oficinas, nos séculos
XVI, XVII e XVIII, estava restrita a mecanismos de engrenagens, instrumentos compostos de lentes etc. A
primeira forma de energia que impulsionou a criação de novas tecnologias de forma efetiva foi o vapor. O
desenvolvimento de máquinas movidas a vapor proporcionou o aumento exponencial da produção industrial,
bem como dos transportes e das dinâmicas de formação das grandes cidades nos séculos XVIII e XIX.
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Figura 1 - Com o advento das máquinas a vapor foi possível a construção de grandes fábricas, o aumento produtivo e pôs fim ao antigo 
modo artesanal de produção Fonte: Marzolino, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma ilustração em preto e branco. Trata-se de um galpão com equipamentos, 
sendo que há trabalhadores em suas funções. Pode-se notar fumaça, correntes e estruturas em madeiras 
sustentando a construção.
O passo seguinte nessa evolução foi a utilização da energia elétrica, o que tornou a energia a vapor cara e
obsoleta, possibilitando ainda a criação de novas tecnologias que se inseriam no cotidiano das pessoas,transformando a forma de organização das cidades, uma vez que a partir do século XX praticamente todas as
novas tecnologias dependiam dessa fonte de energia.
A energia elétrica ainda não era a última fronteira humana na busca de novas formas de energia. Foi
descoberta no século XX uma nova fonte infinitamente mais potente que a eletricidade, a nuclear. A energia
elétrica continuou a ser a mais utilizada principalmente por ser mais acessível, barata e menos agressiva ao
meio ambiente. O campo que mais contribuiu para o aprimoramento das diversas tecnologias é, sem dúvidas,
o campo científico. Não só no sentido empírico que marca este campo, mas, principalmente, na capacidade de
modificar a vida cotidiana das pessoas a partir das novas tecnologias desenvolvidas. Vamos abordar o tema
das ciências na Modernidade em nosso próximo item.
3.1.3 A ciência como marca da Modernidade
A construção do pensamento científico, em geral, durante toda a Idade Moderna, passou por inúmeros
momentos de inovação, o movimento de desprendimento em relação ao pensamento medieval se deu a partir
da forma de se compreender como surge o conhecimento. O papel da experimentação e da observação foi
destacado no desenvolvimento de uma busca mais efetiva da compreensão da realidade.
Pensadores como Francis Bacon, John Locke e David Hume fizeram parte de uma nova perspectiva de
compreensão da realidade a partir da busca empírica do conhecimento. Os dois últimos, Locke e Hume, fazem
parte de uma corrente de pensamento chamada Empirismo, que tem como base a ideia de que o conhecimento
é algo que se forma na mente humana a partir da experiência com a natureza concreta. Esse movimento
rompeu com a concepção medieval de que o conhecimento simplesmente fluía da mente humana e era de certa
forma de inspiração divina.
Você o conhece?
Francis Bacon foi um importante filósofo e político pertencente à nobreza inglesa do 
século XVI. Um dos seus principais temas é a busca do conhecimento, tendo como base 
a ideia de que era necessária uma nova forma de pensar a realidade e a relação do 
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Para Locke (1999), a mente humana é como um quadro em branco, no qual as impressões das experiências
dos sentidos com a natureza gravam o conhecimento daí advindo. Nesse sentido, o homem não nasce com
nenhum conhecimento pronto, inato. Ainda segundo o autor, nada que não pudesse ser provado pelas vias
experimentais da ciência não poderia ser tido como verdade.
Já Hume (2002) entendia que o conhecimento se dá por meio das impressões que a experiência causa na
mente do homem, formando ideias simples e complexas. As ideias simples eram exatamente a apreensão dos
objetos como eles são, e, por sua vez, as ideias complexas são junções mentais que o homem faz entre as
diversas ideias simples. Pensando em um cavalo alado, estamos apenas juntando a ideia simples de cavalo e a
ideia simples de asa.
A importância desse movimento intelectual é que ele se tornou a base para a forma de se fazer ciência na
modernidade. A experiência, a observação de fatos naturais e a análise desses fatos é a única fonte confiável
para se obter conhecimento, todas as ciências naturais surgidas na modernidade compartilham essa mesma
concepção de busca do conhecimento.
homem com a natureza das coisas. Diante disso, ele escreve a obra “Novum Organum 
(O novo Órganon)”, que significa “novo instrumento”. Esta obra pode ser tida como 
uma das precursoras do pensamento científico moderno, por estabelecer a busca de um 
conhecimento baseado na razão e na experimentação da natureza das coisas (BACON, 
2014).
Você sabia?
Entre os séculos XVI e XVII, o que hoje chamamos de Ciência Moderna, foi 
inicialmente chamada de filosofia natural, magia universal, filosofia experimental, nova 
ciência, numa tentativa de nomear a nova forma de construção do conhecimento. Todos 
os pensadores que se voltavam para a questão, no entanto, tinham em comum a busca de 
um conhecimento sólido e baseado na natureza (ALFONSO-GOLDFARB, 1994).
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Figura 2 - O modelo científico surgido na modernidade baseia-se no processo de hipótese, experimentação, análise e conclusão, a partir 
de dados concretos buscados na própria natureza Fonte: Alexander Raths, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de três pessoas analisando algo em um monitor. Elas estão uma do 
lado da outra, à direita da foto. A primeira pessoa segura um caderno e faz anotações. À esquerda, 
encontramos uma mesa com monitor, teclado e equipamentos ao fundo.
O pensamento científico tornou-se sinônimo de “modernidade” no sentido de algo que está ligado à evolução,
ao aprimoramento do conhecimento humano e à inovação. O movimento de aprimoramento do conhecimento
e da busca de novas tecnologias e formas de apreensão da realidade não cessou com a concepção de
modernidade. Assim, podemos afirmar que a Pós-Modernidade é a busca de se pensar um passo à frente das
conquistas humanas obtidas desde a Idade Moderna e na contemporaneidade. Dessa forma, no próximo tópico,
nos voltaremos para a realidade e os desdobramentos de uma Pós-Modernidade. 
3.2 A construção da Modernidade Ocidental - II
O conceito de Modernidade está atrelado não somente ao período histórico definido como Moderno, mas
avança para uma compreensão linear de progresso que se deu primeiro com o avanço da ciência, da tecnologia
e da racionalidade em geral. Ao pensarmos em uma Pós-Modernidade, é preciso compreender que a própria
ideia de algo que vem após, como sequência de um marco histórico, traz consigo a ideia de superação.
A ideia de Pós-Modernidade é exatamente a compreensão de que os fundamentos e princípios da modernidade
devem ser revistos, melhorados, superados e pensados de forma a se adaptarem às constantes mudanças
empreendidas na sociedade atual. Vamos tratar destes assuntos, a começar pela busca da definição da ideia de
Pós-Modernidade, a revolução tecnológica e a questão social neste contexto.
3.2.1 Um passo à frente da Modernidade: a chamada Pós-Modernidade
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Podemos entender que a ideia de Pós-Modernidade surge com diversos pontos de ruptura nos principais ideais
modernos. O final do século XX trouxe acontecimentos políticos e tecnológicos que causaram profunda
impressão na compreensão de como tem se desenvolvido as sociedades atuais.
Na opinião de Ribeiro (2016), o final do século XX é marcado por constantes mudanças políticas,
principalmente nos países mais desenvolvidos, tais como Estados Unidos, Alemanha, Rússia e China. As
permanentes ameaças bélicas entre esses países e seus diversos aliados e a fragilidade de inúmeras
democracias ao redor do mundo têm contribuído para se criar uma forma de pensamento que consiga enxergar
além dos ideais modernos baseados na concepção de que a razão é capaz de prover sempre o avanço e o
aprimoramento que o homem necessita para ter uma vida melhor.
Em outras palavras, o século XXI trouxe consigo uma espécie de “desconfiança” em relação à real viabilidade
de ideais que parecem cada vez mais distantes. O próprio conceito de evolução parece ser questionado pela
Pós-Modernidade, uma vez que a realidade da sociedade atual é menos certa do que parecia ser nas décadas
finais do século XX.
O que contribui para esse processo é a relativização, tanto ética quanto cultural, das diversas questões sociais,
bem como a exponencial expansão das tecnologias digitais e das comunicações. Estes são pontos centrais nas
críticas aos ideais modernos que foram se desgastando na contemporaneidade, principalmente a “fé cega” na
ciência e na tecnologia. Em um sentido muito claro, essa crítica se volta para os aspectos éticos, morais e
sociais pungentes nas atuais sociedades globalizadas. Sobre isso nos informa Santos (2000):
É preciso compreender essa viragem nos moldes civilizacionais, éticos e políticos que marcam esse desgaste
dos ideais modernos e a supremacia da tecnologia sobre as questões sociais e éticas. Os avanços tecnológicos
e científicos,quando voltados apenas para a disputa de mercado, a satisfação das necessidades de conforto dos
indivíduos, criam uma espécie de vazio ético-social. Assim, vamos analisar no próximo item a questão da
evolução tecnológica na “Era Digital”. 
3.2.2 A tecnologia no campo digital
Como, frequentemente, a ciência passa a produzir aquilo que interessa ao mercado, e não à humanidade
em geral, o progresso técnico e científico não é sempre um progresso moral. Pior, talvez, do que isso: a
ausência desse progresso moral e tudo o que é feito a partir dessa ausência vai pesar fortemente sobre o
modelo de construção histórica dominante no último quartel do século XX (SANTOS, 2000, p. 123). 
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O campo digital é, atualmente, um dos que mais oferece inovações tecnológicas, principalmente na área da
informática e das comunicações. A automação de diversas áreas produtivas, bem como a inserção da
tecnologia digital no cotidiano das pessoas, fez crescer a necessidade da sociedade por inovações.
Não é apenas a expansão na produção de dispositivos para tecnologia digital que tem mudado o perfil de
conexão entre os indivíduos, a formação de comunidades virtuais, por meio da Internet, tem tornado mais
dinâmica a interação entre culturas distintas. Tanto o compartilhamento de tecnologia quanto o de dados e
informações tem sido uma nova revolução na linha ascendente da produção tecnológica.
Figura 3 - O crescimento do acesso à Internet tem propiciado uma interação dinâmica entre indivíduos e com isso diversas formas novas 
de comunicação surgem nesse processo Fonte: Mihai Simonia, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma fotografia aproximada da tela de um tablet. Há uma mão à direita, como 
se estivesse mexendo na tela. Esta, por sua vez, apresenta algumas palavras, como "social", "vídeos", 
"conexão", "perfil", "rede", entre outras.
A questão central desse processo não está apenas no fato de formar novas tecnologias, mas de ser um campo,
uma área de conhecimento, totalmente nova. A tecnologia digital, representada por meio de sistemas de
computadores, telefones celulares com acesso à Internet, sinais de televisão digitais de alta definição etc., são
inovações que se popularizaram de forma muito rápida e por isso se tornaram peças importantes na
organização social.
Você quer ler?
O livro (ISAACSON, 2014) traz a interessante história das pessoas que Os Inovadores 
criaram as bases do mundo digital que temos hoje, os criadores do computador, da 
Internet, como também outras pessoas que inovaram e direcionaram a evolução do 
campo digital. O autor busca demonstrar os aspectos que permitiram a esses criadores 
forjarem o que é hoje o principal campo tecnológico da humanidade.
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A inserção das tecnologias digitais é tão grande no cotidiano dos indivíduos que qualquer ameaça a esse
recente modo de vida significa uma catástrofe. Transações bancárias, serviços diversos oferecidos pela
Internet, atendimentos hospitalares, transações comerciais etc, todas essas interações sociais são dependentes
de algum tipo de tecnologia digital. Veen e Vrakking (2009) nos apontam o grau de dependência no qual nos
encontramos em relação às tecnologias digitais e o caos que seria perdê-las repentinamente: 
A percepção dessa dependência da tecnologia digital nos aponta para nossa própria forma de nos
organizarmos enquanto sociedade, cada avanço tecnológico que a humanidade conquista representa o
abandono, gradual ou repentino, dos modos de organização social baseados em tecnologias obsoletas. Dessa
forma, em uma verdadeira linha ascendente, vemos a humanidade “evoluir” tecnologicamente criando novas
formas de organização social e de interações entre os indivíduos.
A crítica da Pós-Modernidade se volta em vários sentidos para essa dependência tão grande em relação às
tecnologias. Mesmo com tantos recursos tecnológicos, o que se percebe é a paradoxal abertura de um “fosso”
entre pessoas. Dizemos que é paradoxo, pois ao mesmo tempo em que possibilita uma aproximação por meios
de dispositivos e sistemas de comunicação, também realça em diversos momentos as desigualdades sociais.
É necessário pensar essa questão a partir de uma crítica social, não apenas a partir do aspecto tecnológico, mas
também do ponto de vista político e econômico. De certa forma, a evolução tecnológica não é simétrica, ou
seja, não surge na humanidade como um todo e não se insere de forma igual em todas as sociedades. Vamos
tratar desse problema no próximo item, ao abordarmos a relação entre novas tecnologias digitais e a questão
social.
3.2.3 As novas tecnologias digitais e a questão social
Tendo em vista o papel da tecnologia na construção das modernas sociedades, é preciso entender o impacto
trazido pelas tecnologias digitais surgidas, principalmente, após a segunda metade do século XX. Se
analisarmos a questão tecnológica a partir de um ponto de vista econômico, vamos perceber que os países
mais desenvolvidos conseguem aumentar seu poder de influência ao possuírem maior acesso à tecnologia de
Ha alguns anos ficamos assombrados com a midia, quando, com o final do seculo, deparamo-nos
repentinamente com o que passou a ser chamado de o “bug do milenio”: os chips dos computadores
haviam sido programados para ter uma data de seis digitos e, com a passagem de 1999 para 2000, havia o
risco de que esses chips passassem a informar que estavamos vivendo no ano de 1900, e nao 2000. Havia
o medo de que nossa vida e a sociedade que construímos com tanto cuidado – com nossos governos,
nossos registros de transacoes, nossos equipamentos eletronicos, entre muitas outras coisas – fossem
seriamente prejudicadas (VEEN; VRAKKING, 2009, p. 15). 
- -11
ponta, em especial no âmbito digital. O que vemos é surgir cada vez mais tecnologias de ponta nos principais
países desenvolvidos e menos inserção nos países subdesenvolvidos.
Nesse contexto, vislumbramos duas divisões: uma interna e uma externa.
Divisão interna
Dentro da própria organização social, que coloca de um lado indivíduos que possuem amplo acesso a
tecnologias digitais, e de outro os indivíduos que possuem pouco ou nenhum acesso.
Divisão externa
Dentro do contexto global dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, que põe de um lado os que possuem
sofisticada tecnologia digital, e de outro os que não conseguem acesso a essas tecnologias.
Segundo Sklair (1995), já na década de 1990, os Estados Unidos dispunham de um sólido deknow-how
comércio totalmente computadorizado e de um serviço interligado de dados de exportação e importação para
as empresas nacionais. Isso significa vantagens comerciais e, principalmente, poder de influência no mercado
globalizado. Não há dúvidas de que tal vantagem não é acessível aos países subdesenvolvidos que não
possuem uma sólida rede de informações nem um sofisticado conjunto de tecnologia.
Em um país como o Brasil, vemos uma enorme desigualdade social, presente não somente nos grandes centros
urbanos, mas também nas zonas rurais. De acordo com as pesquisas do CGI-BR (2017), o número de lares
com acesso à internet nos centros urbanos é de 59%, contra 26% nas zonas rurais. Já em relação à renda, a
desigualdade é maior, pois ainda segundo o estudo, apenas 29% dos lares, cuja renda é de até um salário
mínimo, tem acesso à internet, contra 98% com renda de até 10 salários mínimos.
Não são somente os aspectos econômicos que sofrem influência das constantes inovações na tecnologia
digital, mas também os aspectos sociais e educacionais. No próximo tópico, vamos voltar para a questão da
educação, tendo em vista a realidade brasileira e suas alterações.
3.3 Os desafios da sociedade brasileira: a educação
O acesso à educação por parte dos indivíduos é um dos fatores primordiais para se construir uma sociedade
sólida, igualitária e preparada para a atual realidade globalizada. Nos países desenvolvidos, o tema é tratado
com extrema importância, o que demonstra sua centralidade nas estratégias de crescimentonão só individual,
mas também econômico e político dessas nações. Vamos abordar essa temática partir da realidade brasileira,
buscando compreender o papel social da educação no contexto amplo do tecido social. Nosso foco é a
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condição de mudança social presente na educação, seus reflexos na organização social e suas alterações em
vista das novas tecnologias digitais.
3.3.1 O papel social da educação
Não se pode negligenciar a importância da educação na composição geral de uma sociedade, não somente em
relação à formação dos indivíduos, mas também em relação ao desenvolvimento econômico e à igualdade
política. Podemos perceber que o papel social da educação vai muito além da simples inclusão de indivíduos
alfabetizados no mercado de trabalho.
Quando pensamos em educação, não podemos limitar o assunto à erradicação do analfabetismo ou a geração
do máximo de vagas possíveis para crianças de baixa renda. É preciso compreender que outros elementos
estão articulados em um conceito mais amplo de educação. Nossa abordagem, portanto, irá refletir estes três
eixos:
Eixo 1
Educar é ensinar a ler?
Eixo 2
Investir em educação é abrir mais escolas?
Eixo 3
O que comporta o termo educar?
Para o primeiro eixo, é preciso pensar que existiu no Brasil, e de certa forma ainda existe, uma cultura de
associar a educação à erradicação do analfabetismo. No entanto, o mercado de trabalho atual e as diversas
interações sociais exigem mais dos indivíduos do que apenas ler e escrever. É necessário entender que a
educação está permeada de cidadania, conhecimento de direitos e deveres, possibilidades de desenvolvimento
social e profissional. Dessa forma, políticas que visem apenas a erradicação do analfabetismo tendem a criar
grandes massas de indivíduos alfabetizados, mas despreparados para uma vida social mais ampla. Para Gadotti
(1981), os indivíduos não abandonam nunca a condição de analfabetos da realidade, o homem deve ter a
possibilidade de reler sempre sua realidade. Assim, é preciso que a educação lhe dê substrato para isso.
Você sabia?
Em Portugal, existe uma escola pública chamada Escola Básica da Ponte. Nesta escola, 
desde 1976, é praticada uma educação aberta, não tendo aulas de matérias fixas ou 
horários estabelecidos para cada disciplina. Os alunos agrupam-se para estudar temas de 
- -13
Em muitos casos o poder público, dentro de uma visão limitada da importância da educação, provê políticas
públicas voltadas apenas para o aumento das vagas nas escolas públicas. É necessário se pensar o contexto no
qual vive o estudante e desenvolver seu aprendizado. Em geral, as escolas públicas então inseridas em bairros
e comunidades pobres, nas quais os recursos econômicos são escassos e o atendimento público deficitário.
O número de evasão escolar tende a ser muito grande porque os alunos não possuem, em muitos casos, a
estrutura econômico-social necessária para se manter na escola. Uma política pública de aumento de vagas
sem políticas econômicas estruturais que permitam a permanência dos indivíduos na escola acaba por se tornar
inócua e sem resultados. Nesse sentido, a educação não pode ser pensada fora dos contextos mais amplos que
movem a sociedade historicamente. Sobre essa questão comenta Rodrigues (1987):
O que se coloca diante dessa questão é a completa adequação da educação aos constantes movimentos de
mudança da sociedade, ou seja, não se pode pensar a educação de forma engessada e apenas em vista da oferta
de vagas nas escolas, é preciso compreender sua inserção no tecido social.
Englobando tanto o fator de aprendizado do conhecimento quanto do aprendizado da cidadania, percebemos
que o termo educar vai além da simples concepção de letramento, graus de ensino ou aprendizado de
conhecimentos técnicos. A ideia de se educar o indivíduo para a vida social comporta a necessidade de uma
formação humana, social e política, tornando-o capaz de exercer seu papel social enquanto cidadão e suas
habilidades enquanto profissional. A partir dessa perspectiva, a escola, como lugar social de aprendizado e
prática do conhecimento, se torna também um espaço de mudanças sociais. Vamos tratar desse assunto em
nosso próximo item, buscando compreender o papel da escola enquanto instituição de mudanças.
3.3.2 A escola como instituição de mudança social
interesse comum a eles e depois de trabalhado e assimilado aquele tema eles passam 
para outro. Na escola da Ponte, a base da educação está em alterar a organização e 
questionar criticamente práticas educativas dominantes (ALVES, 2001).
No momento em que as fronteiras da participação social se escancaram, igualmente os cercos são
arrebentados. E, nesse momento, a direção do movimento social deve ser compreendida para que este
seja ordenado em função da nova realidade política emergente. A educação escolar, nesse sentido, não
pode ser questionada como se não estivesse presente um novo desenho social. É ele que deve condicionar
a ação das lideranças políticas e educacionais para que, compreendendo o movimento da história,
produzam propostas para a nova realidade histórica (RODRIGUES, 1987, p. 57). 
- -14
A organização social moderna é extremamente estruturada a partir de suas instituições basilares, a política, a
economia, a família, a religião e a educação, e as demais ramificações institucionais estão inseridas nessas
bases sociais. A educação enquanto instituição base da sociedade pode ser utilizada como aparelho estatal ou
como simples campo de formação de mão de obra para o mercado de trabalho.
Vamos apontar duas questões pertinentes ao nosso estudo. Primeiro, o fato de a educação correr o risco de ser
aglutinada política e ideologicamente como aparelho de estado, ou seja, como instrumento de poder sobre os
indivíduos em sociedade. A educação corre o risco de se tornar um verdadeiro processo de “adestramento” dos
indivíduos, direcionado para determinada ideologia dominante. No século XX, esse processo foi visto em
regimes totalitários como o Nazismo e o Fascismo, bem como em outros regimes ditatoriais. O processo
educativo como um todo, e a escola enquanto instituição, deve resguardar o caráter libertador da educação,
proporcionado pela compreensão do mundo e da dinâmica social. Como argumenta Gadotti (1981, p. 155):
As escolas, bem como as demais instituições educacionais, não podem se tornar “instâncias castradoras” do
senso crítico necessário ao exercício da cidadania, principalmente em nome de uma ideologia dominante ou de
um projeto autoritário de governo.
Figura 4 - O processo educacional não pode se tornar um instrumento ideológico que anule a capacidade do indivíduo de perceber e 
criticar sua realidade social Fonte: Sinart Creative, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de diversos blocos de madeiras espalhados por uma mesa. Eles 
trazem as letras do alfabeto. No centro, há nove blocos, um do lado do outro, formando a palavra "ideologia".
O ato educativo corresponde a este esforço de leitura do meio social, econômico e político. Esta leitura é
um ato de tomada de consciência do nosso mundo, aqui e agora, que visa notadamente ultrapassar as
contradições e os elementos opressivos deste mundo. Sim, porque a educação não pode ser uma outra
coisa a não ser uma obra liberadora do homem e do mundo, operada junto e não um ato individual de
manipulação e de domínio do mundo (GADOTTI, 1981, p. 155). 
- -15
A outra questão que ameaça a educação em seu sentido libertador e formador de cidadania é a transformação
das instituições de ensino em simples formadoras de mão de obra para o mercado financeiro. Não se pode
negar que a necessidade de se preparar para o mundo do trabalho é um fator importante na formação do
indivíduo, porém essa preparação não pode negligenciar a formação crítica e autônoma do sujeito enquanto
agente social.
Anular o papel transformador da escola é anular a própria base de formação crítica do indivíduo,
principalmente se servirapenas aos interesses do mercado financeiro. Em muitos sentidos, o processo de
transformação da educação, em especial da escola e da universidade, em formadora de “técnicos”, tem
seguido um paradigma impresso pela própria dinâmica de desenvolvimento econômico das modernas
sociedades. O modo de produção capitalista, centrado na técnica e na instrumentalização do conhecimento,
empurra o processo educativo para uma formatação tecnicista baseada na demanda de mão de obra.
Na opinião de Rodrigues (1987), quando a educação passa a ser apenas uma ponte entre a vida infantil, não
produtiva, e a vida adulta, produtiva, sendo o indivíduo preparado unicamente para esse fim, ela perde seu
sentido formador. Ainda segundo o autor, quando a educação passa a apenas treinar trabalhadores, ela deixa
de exercer sua função de desenvolvedora de cultura, consciência política e intelectual.
A educação possui papel importante na construção de sociedades economicamente desenvolvidas, no entanto
a ligação entre educação e economia não se dá apenas por vias de dependência. Quando a educação é
direcionada para sua real função, isto é, preparar o indivíduo para a vida em sociedade, para o exercício da
cidadania e para a atividade consciente de suas habilidades profissionais, todo o arranjo restante das
instituições sociais é bem direcionado. No próximo item, vamos abordar brevemente a questão da educação no
mundo digital.
3.3.3 A educação no mundo digital
O processo educacional sofreu enorme influência da evolução tecnológica no campo digital nas últimas
décadas. Esta afirmação parece ser bem clara se tomarmos como ponto de partida as formas como se dá a
Você quer ver?
O filme (LAGRAVENESE, 2007) aborda a questão da Escritores da Liberdade
educação em uma escola da periferia, em um contexto no qual os alunos não têm muitas 
perspectivas sociais e são marginalizados. No entanto, os ideais pedagógicos de uma 
professora que começa a trabalhar com esses alunos os leva a ver o conhecimento como 
uma forma de libertação e descoberta de suas próprias identidades.
- -16
interação entre as instituições de ensino e os indivíduos nos moldes atuais. Vamos pensar, por exemplo, na
modalidade de educação a distância, na forma como este processo educacional tem transformado a relação
entre alunos e professores, entre as instituições de ensino e os indivíduos que buscam uma educação mais
sólida.
É verdade que a educação a distância não é algo que surge com a evolução digital, pois no século XX já
existiam os cursos por correspondência, precursores dos modernos métodos de aprendizado a distância,
porém, com o advento da tecnologia digital, o processo foi alargado exponencialmente. A possibilidade de
uma interação direta, a pesquisa por meio de textos, vídeos, ferramentas interativas, tudo isso representou um
salto gigantesco na possibilidade de alcançar um nível de conhecimento mais aprofundado.
Figura 5 - A utilização de recursos digitais no processo educacional tem alargado as fronteiras da educação, possibilitando maior acesso 
a informações e solidez no aprendizado Fonte: ESB Professional, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma mulher virada para trás, sorrindo, olhando para a câmera. 
Ao fundo, pode-se observar monitores e outra pessoa sentada em frente a um deles.
Em contrapartida, a discrepante desigualdade entre educação acessível a uma parcela mais rica da sociedade,
com amplo acesso à tecnologia digital, em relação à parcela mais pobre, com acesso restrito aos meios
digitais, parece ter aumentado o “fosso” entre as camadas sociais. Ao pensarmos na organização da educação
pública, fica mais fácil vislumbrarmos a fonte do problema. O Estado é o responsável por prover o material
necessário para o bom funcionamento de suas escolas e instituições de ensino, desde a estrutura física,
alimentação, funcionários, até a oferta de tecnologia de ensino e aprendizado.
Você quer ler?
A obra Educação sem Distância: as Tecnologias Interativas na Redução de Distâncias 
 (TORI, 2016), aborda de maneira minuciosa a relação entre em Ensino e Aprendizagem
ensino e tecnologia na moderna educação digital. Tendo como foco a educação à 
distância, o autor Romero Tori trata de forma crítica e bem relacionada a realidade da 
educação por meio das novas tecnologias interativas.
- -17
Essa questão pode ser tratada de forma política, ou seja, de acordo com a visão ideológica dos grupos que
estão no poder, ou pode ser tratada de uma forma social, pensada como ação de Estado em longo prazo. Esta
última opção deve ser atrelada a uma consciência mais ampla do significado da educação enquanto
“investimento” e não como “gasto”.
Tendo tratado da temática da educação e seus reflexos na sociedade como um todo, no próximo tópico, vamos
para outro desafio importante a ser enfrentando, a crise socioambiental e seus desdobramentos no contexto
social.
3.4 Os desafios da sociedade brasileira: a crise socioambiental
Ao abordar o tema da tecnologia, é preciso estender a discussão para a questão do meio ambiente e da relação
entre natureza e sociedade. A transformação da natureza pelas mãos humanas, premissa básica da ação de
trabalho do homem, tornou-se gigantescamente mais abrangente após o surgimento das tecnologias
impulsionadas por energias não renováveis, tais como o carvão, o petróleo, os gases naturais, bem como a
recente energia nuclear, que trouxeram um impacto ambiental nunca antes visto na atuação humana sobre a
natureza.
Vamos agora abordar a questão dos reflexos da vida moderna em relação ao meio ambiente enquanto sistema
complexo, tendo como objetivo o pensar em perspectivas para o uso sustentável dos recursos naturais.
3.4.1 Os reflexos da vida “moderna” no meio ambiente
As conquistas obtidas pela humanidade por meio de sua racionalidade podem ser fartamente observadas no
moderno modo de vida dos grandes centros urbanos. Os avanços tecnológicos nos campos da comunicação,
dos transportes, da economia e da produção industrial e agrícola demonstram como o homem conseguiu
evoluir em sua tarefa de transformar a natureza em prol de seu bem-estar.
Ao longo de quase três séculos de industrialização, a humanidade se deu conta de que a natureza não é
um “pote sem fundo de moedas de ouro”. Ou seja, suas riquezas não são inesgotáveis, ao contrário,
elas têm se exaurido com certa rapidez. Duas questões são preponderantes para compreender a
temática da relação entre sociedade moderna e meio ambiente: primeiro, que é uma questão
socioambiental, não apenas científica ou econômica, pois se estende à própria organização social. É
preciso abordar a desigualdade social relacionada ao uso dos recursos naturais e o impacto do modo de
vida capitalista. Segundo, é uma questão de planejamento em longo prazo, pois pensar no problema
em curto prazo é subestimar o próprio aumento de demanda que o moderno modo de vida exige.
- -18
O problema socioambiental precisa ser discutido dentro da organização política e econômica da
sociedade, sendo, antes de qualquer coisa, um reflexo da própria desigualdade existente na
composição do tecido social. Uma vez que determinadas classes sociais estão mais expostas aos
reflexos da degradação ambiental, seja por meio da falta de saneamento básico, ou por falta de apoio
do setor público na regularização de áreas dignas de moradia, os indivíduos em situação de risco social
estão mais suscetíveis a sofrerem com a questão da degradação ambiental e da poluição nos grandes
centros urbanos. Para Field e Field (2014), a questão ambiental deve ser tratada tanto por parte do
setor público, em investimentos e políticas de prevenção à degradação, quanto por indivíduos que
formam o corpo social.
Seria tacanho pensar que a questão socioambiental, ou mesmo a temática da preservação ambiental, está
restrita apenas a zonas de matas virgens, áreas de desmatamento, uso irregular da extração de minérios,
lançamento de poluentes por parte de grandesindústrias e etc. Na realidade, a maior degradação ambiental
está incrustada no coração dos grandes centros urbanos, por meio dos lixões a céu aberto, poluição de rios,
lagoas e córregos, falta de saneamento básico e poluição do ar. A maioria desses problemas é causada pelas
grandes indústrias que, em geral, estão instaladas nas periferias dos grandes centros urbanos.
O aumento das demandas da vida moderna demonstra que a linha ascendente de evolução da tecnologia
empurra a sociedade cada vez mais para uma dependência maior dos recursos naturais (SANTOS, 2000). É
preponderante buscar novas formas de conciliar a demanda social por consumo de bens e serviços com o uso
inteligente dos recursos naturais e do meio ambiente.
A expansão dos grandes centros urbanos tem sido um dos maiores desafios para se estabelecer essa
conciliação, uma vez que a explosão demográfica dessas áreas requer maior destinação de recursos e
infraestrutura. A tendência, segundo pesquisas do IBGE (2018), é que o aumento dos centros urbanos seja
cada vez mais acentuado nas próximas décadas. A perspectiva é que a população do Brasil salte dos atuais
cerca de 208 milhões de pessoas para algo em torno de 230 milhões até 2030.
- -19
Figura 6 - O crescimento dos centros urbanos faz demandar cada vez mais recursos naturais, apresentando uma desigualdade social que 
agrava mais a boa gestão desses recursos Fonte: Fred Cardoso, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma região urbana. Há diversas casas em meio a vegetação em 
um morro. Atrás, ao fundo, pode-se observar prédios e outras construções, demonstrando a desigualdade 
social.
Diante disso, é necessário pensar políticas públicas, ações público-privadas e campanhas de conscientização
que promovam uma mudança nos atuais quadros de poluição e degradação ambiental. Vale ressaltar que essas
ações não podem ser pensadas em curto prazo, mesmo que o problema se apresente como urgente, o
planejamento em longo prazo é a única garantia de que não se crie expectativas irreais em relação à solução do
problema.
No próximo item, vamos discutir algumas perspectivas para se pensar o uso sustentável do meio ambiente e o
uso inteligente dos recursos naturais.
3.4.2 Perspectivas para o uso sustentável do meio ambiente
Vamos abordar a temática da sustentabilidade a partir de dois aspectos correlatos: primeiro, a promoção de
políticas públicas que privilegiem a diminuição da poluição e o uso consciente dos recursos naturais. Segundo,
a questão social a partir do tema da reciclagem e do reaproveitamento de produtos que não podem ser
reciclados, mas podem ter outra destinação que não o lixo.
O planejamento político-social do manejo do lixo nos grandes centros urbanos, bem como o incentivo e
investimento nas áreas de transportes “limpos”, tais como metrôs e ônibus elétricos, são iniciativas que podem
contribuir para a redução da poluição nos grandes centros. Além disso, a criação de leis mais severas e
punitivas relacionadas à degradação do meio ambiente, responsabilizando indústrias e comércios que não
desenvolvam práticas que evitem a poluição. De acordo com Haddad (2015), as políticas públicas que
fomentam novas formas de utilização dos recursos naturais, ou a reutilização de recursos não renováveis,
representam uma desoneração na própria receita pública com o tratamento do lixo.
Em vista da necessidade de conscientização em relação ao descarte correto do lixo e do reaproveitamento de
recursos não renováveis, a questão da reciclagem permeia também a questão social, uma vez que está
diretamente relacionada à vida de inúmeras pessoas que tiram seu sustento do reaproveitamento de materiais
recicláveis.
- -20
Figura 7 - Os modernos processos de reciclagem e reutilização de materiais não renováveis são os principais meios de se amenizar o 
impacto ambiental causado pelo moderno modo de vida Fonte: alphaspirit, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma fotografia editada digitalmente. Há uma pessoa segurando uma tela com 
paisagem verde, animais e construções, tudo colorido. Ao fundo, retratando a realidade, tem-se sacos de lixo 
na parte inferior, prédios inacabados e fumaça, tudo em tom de cinza ou preto.
Em termos gerais, podemos afirmar que o processo de reciclagem possui significativa relevância para a
própria subsistência das indústrias e para a solução do problema socioambiental. Isso porque processa os
resíduos que não seriam aproveitados na produção de novos bens, eliminando um fator colateral da produção,
o excesso de descarte.
Já na questão socioambiental, a reciclagem proporciona uma fonte de renda para os indivíduos que coletam
material nas ruas e nos lixões. Esse trabalho em geral é feito em cooperativas e por meio de centros
comunitários de reciclagem, sendo assim uma forma de inserção de indivíduos cuja possibilidade de estarem
em situação de risco social é muito grande.
Estudo de Caso
Nos últimos anos, várias políticas públicas de incentivo e apoio à profissão de catador de 
materiais recicláveis e reutilizáveis têm sido implantadas pelo Ministério do Meio 
Ambiente (MMA). Uma delas é o Cataforte: “O projeto é realizado no âmbito do 
Programa Pró-Catador, com coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da 
República, visando estruturar e fortalecer as redes de cooperativas e associações de 
catadores de materiais recicláveis, enquanto empreendimentos solidários. O MMA 
participa de Acordo de Cooperação Técnica, firmado em 2013 junto à Fundação Banco 
do Brasil, a Fundação Nacional de Saúde, Funasa, o Ministério do Trabalho e Emprego 
e a Secretaria-Geral da Presidência da República, para implantação do Projeto Cataforte 
– Estruturação de Negócios Sustentáveis em Redes Solidárias, por meio de apoio e 
fomento às ações de inclusão produtiva de catadores de materiais reutilizáveis e 
recicláveis” (MMA, 2018).
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Além da reciclagem de materiais, muitas das cooperativas de catadores promovem cursos de artesanato e
reutilização de materiais não reciclados, mas podem ser utilizados na criação de peças artísticas. Nesse
sentido, aquilo que é descartado pela população pode se tornar um artesanato feito de materiais
reaproveitados, representando mais uma fonte de renda para os catadores e seus familiares.
Assim, essas formas de reutilização de materiais, reciclagem e descarte consciente do lixo contribuem para
amenizar a questão socioambiental e para diminuir o impacto do moderno modo de vida na natureza.
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Conclusão
Chegamos á conclusão de mais um capítulo de nosso estudo, abordando as questões da formação da
Modernidade ocidental e dos desafios da sociedade brasileira. Tendo como substrato o conhecimento
adquirido a partir do estudo, esperamos que você se sinta capaz de refletir sobre sua prática profissional,
buscando aprimorar as competências e habilidades para utilizar os instrumentos técnicos envolvidos em sua
realidade profissional.
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• conhecer os principais pontos característicos da formação de um pensamento moderno, baseado na 
racionalidade e na busca de um conhecimento prático;
• entender como a Modernidade se construiu a partir da vibrante evolução das diversas tecnologias até 
culminar nas atuais tecnologias digitais;
• analisar as questões relativas a crítica da Pós-Modernidade diante de uma crise dos ideais e valores do 
pensamento moderno;
• analisar a questão da educação no problema da desigualdade social e na busca de uma formação crítica 
e libertadora dos indivíduos;
• entender os meandros constitutivos da questão socioambiental e as possíveis perspectivas para sua 
resolução;
• reconhecer a pluralidade dos espaços educacionais, compreendendo e identificando as diversas formas 
pedagógicas, sociais e culturais envolvidas no processo educacional nestes espaços.
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Referências
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ALVES, R. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus, 2001.
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comunicação nos domicílios brasileiros: TIC domicílios 2016. Núcleo de Informação e Coordenação do
Ponto BR. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2017. 
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LAGRAVENESE, R. Escritores da Liberdade. Direção: Richard LaGravenese. Produção: Danny DeVito,
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- -24
LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Editora Nova
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MMA – Ministério do Meio Ambiente. Catadores de Materiais Recicláveis. Brasília, 2018. Disponível em: 
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RIBEIRO, C. A. B. C. Teorias sociológicas modernas e pós-modernas: uma introdução a temas, conceitos e
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VEEN, W.; VRAKKING, B. Homo Zappiens: educando na era digital. Traducao de Vinicius Figueira. Porto
Alegre: Artmed, 2009. 
http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/residuos-solidos/catadores-de-materiais-reciclaveis
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DESENVOLVIMENTO HUMANO E SOCIAL
AS EMPRESAS E A 
CIDADANIA: COMO 
POSSUIR 
RESPONSABILIDADE 
SOCIAL E O RESPEITO 
AO DIFERENTE?
Autoria: Dr. Marcone Costa Cerqueira - Revisão 
técnica: Dra. Karen Barbosa Montenegro de Souza
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Introdução
O complexo contexto social das modernas sociedades é marcado pela interação entre o público e o privado. A
individualidade do sujeito social deve ser resguardada por meio de seus direitos sociais e liberdade política.
Será possível afirmar que essa realidade é percebida em todos os âmbitos da sociedade? É preciso
compreender como a premissa da individualidade e do direito social é exercida nas relações políticas e
econômicas da sociedade.
Como as empresas, pessoas jurídicas, representam seu papel em vista de exercerem sua responsabilidade
social? Em relação às interações sociais, a questão se torna preponderante para se entender a importância da
iniciativa privada na sociedade. A independência social e financeira dos indivíduos também deve ser
acompanhada por uma liberdade de expressão e reconhecimento social. Então, como discutir temas como
políticas de gênero e orientação sexual? Este complexo cenário social será nosso objeto de estudos neste
capítulo.
Vamos começar estudando a responsabilidade social das empresas, sua importância na organização econômica
e sua inserção na questão social. Vamos também abordar a questão da responsabilidade social das ONGs
(Organizações não Governamentais), buscando compreender seu conceito e a forma como elas contribuem
para o arranjo político-social. Em seguida, vamos nos voltar para o tema da responsabilidade do indivíduo
social enquanto agente político, detentor de direitos e deveres. Por fim, o problema a ser abordado será o da
diversidade nos espaços organizacionais, principalmente, em vista da inclusão de direitos de gênero em
relação ao acesso ao trabalho.
Esperamos que você possa compreender, analisar e formar sua opinião sobre os temas abordados, sendo capaz
de refletir sobre sua prática profissional em sua área de atuação.
Bons estudos!
: 53 minutos.Tempo estimado de leitura
4.1 A responsabilidade social nas empresas
As empresas são “pessoas juridicamente constituídas”, sendo assim possuem direitos e deveres resguardados
pelo Estado e pela Constituição, devendo participar da vida social e política da sociedade. Nesse sentido, é
preciso compreender o que seja responsabilidade social, tendo em mente o papel das empresas na questão
social. Essa compreensão deve nos levar a entender o que seja o arranjo político no qual interagem empresas e
- -3
entes políticos diversos, tais como movimentos sociais, indivíduos e o poder público. Vamos começar pela
busca da compreensão do que seja responsabilidade social.
4.1.1 Compreendendo a responsabilidade social
É preciso entender que o tecido social é composto por diferentes níveis de interação, podendo ser econômicos,
políticos e culturais. Esse processo conta com a participação de inúmeros agentes sociais, indivíduos,
empresas, grupos culturais, grupos religiosos, partidos políticos etc. A boa organização de uma sociedade
depende do nível de articulação entre os diversos agentes sociais, assim cada parte deve contribuir para o
respeito aos direitos e deveres das demais. De acordo com Corrêa e Medeiros (2003), a tendência vista na
atuação de uma empresa ética é a adequação de sua conduta aos valores éticos e morais, bem como sociais, da
comunidade na qual está inserida, criando uma identificação com a realidade social do seu meio de atuação.
Figura 1 - Responsabilidade social, das empresas ou dos indivíduos, é a compreensão de que o contexto da sociedade é formado pelas 
ações compartilhadas de todas as suas partes Fonte: Mathias Rosenthal, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos uma ilustração de peças de quebra-cabeça encaixadas. No centro, falta uma 
peça. No lugar, ao fundo, encontramos a palavra "responsabilidade".
Por esse prisma, é possível compreender que cada ente social, seja individual, coletivo ou empresarial, público
ou privado, tem uma responsabilidade no processo de organização político-social, que é margeada por
preceitos éticos, políticos e jurídicos. Não se podem desvencilhar esses três âmbitos da vida social, a ética não
é um campo apenas para indivíduos, cada profissão e agente econômico instituído (empresas) deve
desenvolver os aspectos éticos que preservem a organização social. Lembrando que os âmbitos políticos e
jurídicos também abrangem tanto indivíduos quanto empresas, sejam privadas ou públicas. Dessa forma, o
respeito mútuo, a liberdade política e o direito civil são prerrogativas que pertencem tanto a indivíduos quanto
a empresas e grupos sociais.
A responsabilidade social então é, antes de tudo, o respeito a estruturação social que permite um bom arranjo
político-econômico da sociedade como um todo, bem como a contribuição para o desenvolvimento humano e
- -4
social. Ao pensarmos dessa forma, fica latente a ideia de que a responsabilidade social é uma via de mão
dupla, sendo necessária para o desenvolvimento das partes constitutivas do tecido social, mas também sendo
indispensável para a construção do todo.
Ter consciênciada responsabilidade social é ter consciência de que a sociedade é uma construção coletiva,
mútua, na qual todos os aspectos são compartilhados. Buscando ampliar a compreensão desse tema, no
próximo item vamos focar na esfera econômica enquanto lugar social de responsabilidade e desenvolvimento
da cidadania.
4.1.2 A responsabilidade social e a esfera econômica
Ao tratar da responsabilidade social dentro de uma visão econômico-social é necessário estabelecer duas
questões centrais: primeira, o fato de a esfera econômica ser uma das partes constitutivas do tecido social.
Segunda, que as empresas, sejam do setor produtivo, comércio (varejista e atacadista) ou instituições
financeiras, são “pessoas jurídicas” civilmente estabelecidas detentoras de direitos e deveres.
Em vista da primeira questão, ao se estabelecer o conceito de responsabilidade social na discussão sobre a
esfera econômica, nos baseamos na ideia de que todos os âmbitos sociais estão interligados e cada agente
político, físico (pessoa) ou jurídico (empresa), é responsável por seu desenvolvimento. Por esse ângulo, a
esfera econômica não pode ser entendida apenas como campo de desenvolvimento produtivo, isenta de
participação na construção de bem-estar social e cidadania.
Você quer ler?
A obra (HABERMAS, 1989) aborda por um Consciência moral e agir comunicativo
viés político a interação ética dos indivíduos sociais e suas participações na construção 
de possibilidades de diálogo. O processo de construção coletiva de uma comunidade 
ética por parte dos agentes sociais é denominada Ética Discursiva, mesclando filosofia, 
sociologia e política na construção democrática de instituições públicas e organizações 
sociais.
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Figura 2 - O caráter econômico das empresas, na busca de produtividade e geração de renda, não inviabiliza as ações de cunho social 
que elas podem desenvolver em parceria com a comunidade Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um grupo de pessoas sentado ao redor de uma mesa retangular. 
Há três pessoas na parte superior e três na parte inferior, assim como uma pessoa em cada lado. Em cima da 
mesa, encontramos uma folha grande com a palavra "produtividade". Há, ainda, xícaras de café, uma planta e 
um tablet.
A concepção de responsabilidade está intrinsecamente ligada às ideias de dever e senso ético, no entanto, a
responsabilidade social não é algo imposto por dever, está mais atrelada ao reconhecimento ético de que estar
em sociedade é participar de seu desenvolvimento. A esfera econômica é responsável pela subsistência dos
indivíduos em sociedade, fornecendo não apenas a oportunidade de o sujeito desenvolver suas habilidades
profissionais, mas também prover o sustento próprio e familiar. Pode-se dizer que a interação entre pessoa
física, o indivíduo na condição de trabalhador, e a pessoa jurídica, a empresa enquanto local de trabalho, faz
partilhar um interesse mútuo.
A afirmação nos remete para a segunda questão que lançamos anteriormente: a empresa como sujeito social
tem seus deveres jurídicos para com o trabalhador e o Estado, mas também seus direitos em relação à sua
atuação na sociedade. Como já aludimos, a responsabilidade social não deve ser pensada como um dever que
onera a empresa, ao contrário, é o direito de exercer, assim como os indivíduos particulares, sua contribuição
para o desenvolvimento humano e econômico.
Você sabia?
As empresas brasileiras começaram a intensificar suas atividades sociais a partir da 
década de 1990, coma ideia de “responsabilidade social corporativa”, tendo como foco 
inicial suprir as necessidades de seus empregados e contribuir para a resolução de 
demandas sociais oriundas das comunidades vizinhas ao local onde estavam instaladas. 
Algumas áreas de atuação eram eleitas para receberem as atividades, tais como 
educação, preservação do meio ambiente e saúde (CESAR, 2008).
- -6
Rodrigues (2005) nos chama a atenção para a ideia de comunidade em que as diferentes formas de
responsabilidade sociais desenvolvidas dentro da esfera econômica são interações entre a pessoa jurídica e os
inúmeros níveis sociais que formam a comunidade onde está inserida. Ampliando o conceito, podemos pensar
na responsabilidade social como uma forma de retribuição das empresas por tudo aquilo que o viver social
proporciona ao desenvolvimento de suas atividades. Em outros termos, é o direito de vivenciar uma forma de
cidadania na organização social.
Mantendo nossa compreensão da necessidade de se pensar a responsabilidade social enquanto exercício de
cidadania, tanto individual quanto coletiva, vamos abordar o caso específico das empresas diante da questão
social.
4.1.3 A responsabilidade social das empresas e a questão social
De início, é indispensável definir o que seja “questão social”, tendo em vista que é um tema importante para
qualquer discussão dentro das ciências sociais em geral, inclusive nas ciências sociais aplicadas. De acordo
com Iamamoto e Carvalho (1988), a questão social surge a partir da generalização do trabalho enquanto
atividade livre, regulada por leis e inserida na realidade social dos indivíduos. Partindo disso, a questão social
pode ser entendida como a discussão acerca das condições de vida dos indivíduos enquanto sujeitos
economicamente ativos e detentores de direitos, e das empresas enquanto local de desenvolvimento de tal
atividade.
As empresas são as promotoras da possibilidade de subsistência dos indivíduos dentro de um sistema
político-econômico capitalista no qual o meio de produção é privado e disponibilizado para a atividade
produtiva. Nesse arranjo social, as empresas constituem-se como mediadoras entre a esfera econômica
e a política, uma vez que representam a realização de um dos principais direitos sociais dos indivíduos,
o direito ao trabalho.
Além disso, as empresas como entes econômicos possuem interesses específicos, principalmente em
vista da acirrada concorrência por mercado e lucro. No entanto, como já salientamos, sua inserção na
comunidade social tem como base sua condição de participante da realidade política. Ao desenvolver
suas atividades, a empresa usufrui dos mecanismos que compõem o tecido social, tendo
responsabilidade ética sobre o desenvolvimento do bem-estar humano e econômico.
A responsabilidade social das empresas se constitui como participação compensatória por sua inserção na
dinâmica de constituição da sociedade, ou seja, uma ação promotora de desenvolvimento social e cidadania.
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Podemos indicar diversas iniciativas que constituem essa ação tais como, projetos sociais voltados ao
desenvolvimento educacional de jovens e adultos, preservação de parques, áreas de lazer e de esportes,
disponibilização de recursos para revitalização de áreas degradadas ou moradia de pessoas de baixa renda.
Outro lado a ser destacado é a possibilidade de ação puramente ideológica que algumas empresas podem
empreender a partir da responsabilidade social. Nesse sentido, investidas em um espírito claramente
corporativista, algumas empresas se valem das ações sociais para angariar poder político e lançar uma crítica
ao poder estatal. Como argumenta Cesar (2008):
É necessário discernir o que seja uma responsabilidade social consciente, comprometida com a resolução da
questão social, e o que seja uma política puramente mercadológica de imposição ideológica. No entanto, não
se pode negligenciar o importante papel que as empresas têm no desenvolvimento humano e social dos
grandes centros urbanos. As empresas como sujeitos sociais ativos são promotoras de cidadania, agindo em
parceria com o poder público e os diversos movimentos sociais.
Na busca da ampliação da promoção da cidadania, do bem-estar e do desenvolvimento social a partir da
responsabilidade social, é necessário discutir o papel das ONGs e sua inserção na sociedade, o que vamos
fazer em nosso próximo tópico.
Estudo de Caso
Experiências de parceria entre poderpúblico e iniciativa privada podem ser 
desenvolvidas de forma criativa e que incentivem a adesão de vários setores sociais. Um 
bom exemplo é a promoção de leis que incentivem a responsabilidade social e 
reconheçam de forma direta as empresas e organizações que cumprem sua parte. É o 
caso de alguns estados brasileiros como o Rio Grande do Sul, que por meio da Lei n. 
11.440/00, concede certificados de responsabilidade social para empresas estabelecidas 
no estado que desenvolvem projetos e ações em vista do bem-estar social (WERLANG, 
2003).
Na esteira dessa mobilização, várias entidades empresariais passaram a mobilizar, sensibilizar e ajudar as
corporações a gerirem seus negócios, de modo sustentável e “politicamente correto”. Com isso, as
empresas intensificam suas críticas à ineficiência do Estado na administração da crise econômico-social,
mas, ao mesmo tempo, reconhecem a sua incapacidade de responder sozinhas aos graves problemas
sociais que assolam o país (CESAR, 2008, p. 28). 
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4.2 Responsabilidade social das ONGs
A sociedade não é constituída apenas de pessoas físicas e jurídicas, sendo estas distintas do Estado enquanto
ente político, há ainda as organizações civis que constituem a atuação política e social dos indivíduos.
Podemos entender a realidade como necessária para a preservação das liberdades sociais e promoção da
cidadania em seus diversos níveis. Essas organizações civis não ligadas ao aparelho estatal nem ao mercado
financeiro são identificadas como Organizações não Governamentais (ONGs), detentoras de um papel
importante na sociedade e na promoção da responsabilidade social. Vamos conhecer a constituição e parcela
na responsabilidade social dessas organizações, começando por definir sua natureza e atuação.
4.2.1 O que é uma ONG?
Dentro de uma moderna concepção de corpo político, podemos afirmar que existem duas esferas distintas, a
esfera estatal, o Estado enquanto ente político estabelecido por meio de uma Constituição; e a esfera civil, a
sociedade civil constituída por pessoas físicas e jurídicas. Nesse arranjo, dentro da sociedade civil diversos
grupos sociais se organizam para exercerem seus direitos políticos, sociais e econômicos, tendo total
autonomia para direcionarem suas atuações em sociedade, dentro do que lhes permite a ordenação jurídica do
Estado.
Dessa maneira, podemos entender que as Organizações não Governamentais são organizações constituídas por
indivíduos particulares que partilham de uma mesma concepção de mundo e sociedade e que exercem seus
direitos sociais e políticos, bem como sua cidadania, em vista de tal concepção. Partindo da premissa básica de
independência em relação ao aparelho estatal, essas organizações arrogam a condição de agentes sociais ativos
e politicamente engajados em lutas por direitos humanos e dos animais, preservação do meio ambiente,
direitos das minorias étnicas e raciais e na promoção do direito à igualdade de gênero, dentre outras ‘bandeiras
sociais’.
Você sabia?
As primeiras formas de organizações não governamentais eram conhecidas como 
organizações “sem fins lucrativos”. Surgidas ainda no período logo após a Segunda 
Guerra Mundial, eram direcionadas a projetos de ajuda e filantropia junto a setores 
carentes. Só a partir da década de 1970 é que surge a maior parte das ONGs na América 
Latina (GONH, 2000).
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Figura 3 - As ONGs possuem grande capacidade de promover o bem-estar social, a inclusão de minorias marginalizadas, cidadania em 
comunidades carentes e outras áreas da sociedade Fonte: Nelosa, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, há mãos segurando grandes letras vermelhas. Elas formam a palavra "inclusão".
Como nos aponta Roche (2002), as ONGs podem ter uma abrangência nacional ou internacional, no entanto, a
tendência é de que estas últimas acabem por consolidar sua atuação em longo prazo, primeiro, por terem uma
inserção mais diversificada em países distintos, e, segundo, por terem um maior poder de captação de
recursos. Diante disso, um quadro político-econômico pode ser observado na constituição dessas
organizações. Tendo em vista que não estão atreladas ao poder estatal em nenhum nível, elas defendem a
concepção ideológica que melhor responde à sua concepção de sociedade. Dessa forma, podem se tornar
agentes políticos direcionados para determinada propagação ideológica, tanto na crítica ao mercado financeiro
e ao próprio Estado.
A questão presente nesse direcionamento é a possibilidade de cooptação de determinadas Organizações não
Governamentais por grupos ideológicos empenhados na disputa de mercado econômico ou na desestabilização
de governos. É um cenário que não pode ser negligenciado por uma visão idealista das ONGs, como se fossem
completamente isentas de influência política ou econômica. Também não pode ser ponto de generalização
depreciativa, ou seja, em todos os âmbitos sociais as interações políticas são mediadas por ideologias e
concepções de sociedade, não significando que isso inviabilize tais organizações.
Na visão de Gonh (2000), o campo da defesa da cidadania é o mais recente na atuação das ONGs na realidade
latino-americana, tendo por isso um forte crescimento nas formas de organização da sociedade civil e dos
movimentos sociais populares. É preciso então discutir o caráter social das ONGs e seu papel na promoção da
responsabilidade social e do desenvolvimento humano e econômico. No próximo item, vamos abordar a
responsabilidade social dessas organizações dentro do cenário político.
Você quer ler?
O livro Organizacoes nao governamentais e terceiro setor: criacao de ONGs e 
 (TACHIZAWA, 2014) aborda de maneira muito clara e objetiva estrategias de atuacao
os diversos processos de criação, desenvolvimento e gestão de uma ONG. O autor trata 
tanto de aspectos sociais, quanto políticos e jurídicos, sendo por isso uma discussão 
abrangente, principalmente, ao que tange a questão da responsabilidade social.
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4.2.2 A responsabilidade social das ONGs no cenário político
Nenhum cenário político é isento de disputas sociais, ideológicas e econômicas, no entanto, essa realidade é,
em certo sentido, necessária para o exercício da cidadania e dos direitos sociais. Uma sociedade na qual as
disputas políticas e ideológicas não são possíveis é uma sociedade fechada, autoritária e castradora, uma vez
que o princípio da possibilidade de expressão de ideias políticas é o fundamento dos modernos Estados
democráticos de direito.
Figura 4 - A liberdade política e o exercício dos diversos direitos sociais só são possíveis em uma sociedade na qual a livre expressão de 
ideias é um fundamento da organização social Fonte: Eugenio Marongiu, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de pessoas participando de um movimento. Há três mulheres em 
primeiro plano, segurando um cartaz. A mulher do meio está com a boca aberta, em sinal de estar falando 
algo. Ao fundo, pode-se observar uma multidão com bandeiras e faixas.
Nesse sentido, as ONGs desempenham uma função política na organização de uma sociedade aberta e
democrática, possibilitando o exercício da cidadania e o engajamento político e social de diferentes áreas da
sociedade civil. Como agentes políticos constituídos, as ONGs compartilham com indivíduos, empresas e
instituições públicas o espaço social no qual desenvolvem suas atividades. Sendo assim, elas também possuem
uma responsabilidade social que pode ser exercida de diversas formas. Na perspectiva sociológica de Giddens
(2012), os agentes sociais expressam um pertencimento à sociedade na medida em que marcam suas posições
ideológicas e políticas, o que se dá a partir do compartilhamento do espaço sociopolítico.
Ao pensar no próprio caráter social das ONGs podemos imaginarque elas se limitam à disputa política ou ao
embate ideológico, porém, a inserção de tais organizações na vida dos indivíduos em diversos níveis sociais
facilita uma ação mais abrangente. Diversos trabalhos sociais são desenvolvidos por ONGs inseridas em
comunidades carentes áreas de risco. Seja na área da saúde, da educação, na promoção de projetos culturais,
oficinas de ensino profissionalizante, no incentivo ao esporte e ao lazer, as ONGs conseguem diversificar um
apoio social, político e humano que o poder público e a iniciativa privada não são capazes de proporcionar.
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No entanto, as ONGs precisam manter uma autonomia para serem organizações não cooptadas pelo mercado
financeiro ou por ideologias de governo ou instituições econômicas. De acordo com a opinião de Coutinho
(2011), este é um dilema a ser enfrentado:
A responsabilidade social de ONGs verdadeiramente engajadas com seus ideais políticos e princípios éticos
não deve ser anulada por disputas sociais de interesse de setores privados ou públicos. Mesmo não
representado uma ampla mudança na precária realidade social percebida nos grandes centros urbanos e zonas
rurais de diversas regiões do país, as atuações das ONGs representam um enorme impulso no exercício da
cidadania e na promoção do bem-estar social e humano.
Em vista disso, discutir a ampliação dessas atuações como prática de responsabilidade social é preponderante
para a consolidação de iniciativas autônomas vindas da sociedade civil organizada. Tendo em mente que a
atuação das ONGs não exime o poder público de suas obrigações para com a ampliação e promoção dos
direitos sociais, nem as empresas do exercício de sua responsabilidade social enquanto agentes sociais.
Nesse cenário, o indivíduo, cidadão possuidor de direitos e liberdades sociais e políticas, deve ter a
consciência de seu papel na promoção de uma sociedade mais igualitária. Será este o assunto de nosso
próximo tópico, cidadania e responsabilidade social.
4.3 A responsabilidade social e cidadania
Mantendo nosso entendimento de que a responsabilidade social é algo que cabe a todo sujeito político, seja
pessoa física, jurídica, instituição pública ou organização social, vamos nos ocupar da figura do indivíduo
nesse contexto. Dentro de uma sociedade coesa e bem organizada, os indivíduos possuem a possibilidade de
desenvolverem suas habilidades intelectuais, morais e profissionais com liberdade para exercerem suas ações
sociais, religiosas, de lazer e de estudos. Vamos tomar essa discussão a partir dos focos da ação social, do
engajamento político e do exercício da cidadania.
4.3.1 O indivíduo enquanto agente social
Quanto mais dependente do financiamento institucional, mais limitada a atuação das ONGs, que se
deparam com um duplo dilema: se aceitam o financiamento, muito dificilmente não sucumbem à lógica
do seu patrocinador; se permanecem autônomas, mais dificuldades terão para manter suas atividades
(COUTINHO, 2011, p. 104). 
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A perspectiva de uma participação do indivíduo na vida social é possível a partir da concepção de que todo ser
humano tem o direito inalienável de exercer suas habilidades particulares com total liberdade e dentro de um
ordenamento jurídico que permita o respeito ao próximo e ao bem público. Em outros termos, o indivíduo
humano é um fim em si mesmo, não podendo ser instrumento de manipulação social de qualquer ordem, seja
política, econômica, religiosa, ou que vise mantê-lo sob restrição de sua liberdade de expressão.
Ao apontar para a existência de uma ação social por parte do indivíduo, buscamos indicar que o campo
político é antes de qualquer coisa um organismo dinâmico. Tal dinamicidade se expressa por meio das
inúmeras manifestações sociais, culturais, políticas organizadas e intelectuais, sendo dessa forma promotora
de mudanças.
Figura 5 - As diversas ações sociais dos indivíduos organizados, seja por via de expressões culturais ou movimentos políticos, 
contribuem diretamente para a mudança da sociedade Fonte: arindambanerjee, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma pessoa gritando em um megafone. Ela está à direita da 
foto, veste lenço na cabeça e uma bandeira amarrada ao pescoço. Ao fundo, pode-se observar a presença de 
outras pessoas, assim como prédios e construções.
O indivíduo que exerce sua ação dentro desse contexto está participando de forma direta da construção social,
mesmo que não se dê conta disso, todas as suas interações com outros indivíduos são ações políticas. Essa
realidade é algo que passa despercebido pela maioria das pessoas, por achar que ação política é apenas aquela
empreendida por meio de instituições públicas ou organizações partidárias.
Sendo assim, para efeito de distinção e esclarecimento, podemos afirmar que ação social é toda interação entre
os indivíduos em seu convívio mútuo em sociedade. Na medida em que tais ações ocorrem no contexto de um
ordenamento mediado por leis, direitos e deveres, afetando-o diretamente, elas constituem-se como ações
políticas. De acordo com o filósofo grego Aristóteles (1997), a política é a ciência do bom ordenamento das
cidades e da salutar interação entre os indivíduos, tendo cada qual a possibilidade de desenvolver suas
habilidades e a busca da vida feliz. Buscando aprofundar a compreensão sobre a ação política dos indivíduos,
vamos discutir a relação entre responsabilidade social e engajamento político.
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4.3.2 A responsabilidade social como engajamento político
O engajamento político pode ser compreendido como uma adesão voluntária do indivíduo a determinada
organização que desenvolva uma atuação direta no ordenamento político-social. No entanto, como buscamos
demonstrar no tópico anterior, as ações sociais dos indivíduos, por si só, já constituem ações políticas
empreendidas no ordenamento da sociedade.
O que colocamos em foco aqui é exatamente a tomada de consciência política por parte dos indivíduos e o
entendimento de que todo agente social possui uma responsabilidade social. Nesse sentido, o engajamento
político enquanto responsabilidade social é a busca dos indivíduos em exercerem de forma direta os direitos
sociais e políticos que lhes permitem a livre expressão, associação de ideias e organização, tendo em vista o
bem-estar e o desenvolvimento da sociedade.
Para Carrara (2005), a reflexão e a atuação política direcionam para um conhecimento científico das questões
sociais, sendo construído por meio da relação entre governos, organizações da sociedade civil, instituições de
pesquisa etc. Por esse prisma, entendemos que o engajamento político é desenvolvido por indivíduos em
diversos níveis sociais, uma vez que exista uma motivação para a compreensão de determinada questão que se
coloca como premente na resolução dos problemas sociais.
A responsabilidade social compartilhada por empresas, organizações sociais e cidadãos é, de certa forma,
diluída nas diversas interações político-sociais existentes em sociedade. Um indivíduo pode fazer parte da
diretoria de uma empresa, cuja função é gerir iniciativas voltadas para a ação social desenvolvida por esta
instituição. Ao mesmo tempo em que desenvolve tal trabalho, ele pode ainda pertencer a alguma ONG de
defesa dos direitos humanos, ou de uma associação de bairro que cobre do poder público melhorias na região
onde mora.
Sendo assim, o engajamento político, diferente da ação social cotidiana, tem fundamento uma compreensão
mais aprofundada das relações sociais, sendo neste sentido uma atuação mais direta no ordenamento da
sociedade. O nível de consciência política do indivíduo influenciará diretamente no nível de engajamento que
terá dentro de sua atuação enquantoagente social. Uma vez construída esta consciência política, o indivíduo
se torna mais conhecedor de seu papel no ordenamento social e de sua responsabilidade para com o bem-estar
e desenvolvimento da sociedade como um todo.
Esse direcionamento da responsabilidade social é o primeiro passo para o pleno exercício da cidadania e de
todos os seus direitos sociais e políticos. Vamos tratar da questão da cidadania no próximo item.
4.3.3 A cidadania: possibilidades e limites
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Em sentido amplo, podemos entender que cidadania é a pertença do indivíduo a um corpo político, jurídico e
socialmente constituído por meio de ordenamentos. Dessa forma, o indivíduo não pode ser impedido de
exercer sua liberdade de expressão, sua concepção religiosa, suas preferências e orientações culturais, bem
como suas habilidades profissionais.
No entanto, a cidadania não é algo passivo, ou seja, uma condição cedida pelo Estado político constituído, ela
é ativa no sentido de se fazer indispensável na própria construção do corpo político e na legitimação do poder
público. Sendo assim, o indivíduo exerce sua cidadania de forma ativa ao reivindicar seus direitos, bem como
ao retribuir à sociedade as condições das quais ele usufrui.
Figura 6 - O exercício da cidadania, enquanto luta por direitos e melhorias sociais, se constituem como relação ativa do indivíduo frente 
ao poder político constituído do Estado Fonte: Old box studio, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um homem segurando uma bandeira. Atrás, há um paredão 
policial com profissionais armados.
A responsabilidade social dos indivíduos como agentes políticos se expressa na prática de uma cidadania
consciente, promotora do bem-estar comum e da manutenção do bom ordenamento da sociedade. Nesse
contexto, as possibilidades de se exercer a cidadania estão atreladas diretamente ao nível de responsabilidade
dos indivíduos, ou seja, cada cidadão é responsável por contribuir para a ampliação e garantia dos direitos
civis e sociais.
Em uma sociedade na qual os indivíduos não expressam preocupação em supervisionar o poder público,
exigindo deste o cumprimento de todos os direitos civis e sociais, a desigualdade social é profundamente
arraigada. Tal realidade pode ser vista em diversas sociedades atuais, principalmente naquelas em que a
disputa econômica é mais acirrada. Como nos aponta Coutinho (2011):
A luta pela “cidadania” desvinculou-se da proposta de transformação social, e o discurso tornou-se
perfeitamente compatível com uma sociedade antagonicamente dividida em classes sociais e sua
incessante necessidade de reprodução do capital. […] A cidadania exigiria um elo de natureza diferente:
um sentimento direto de participação numa comunidade baseada na lealdade (de homens livres, com
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Em um contexto social no qual o exercício da cidadania não está atrelado a um senso ético de
responsabilidade social por parte dos indivíduos, torna-se difícil construir instituições, tanto públicas quanto
privadas, que se voltem para o bem-estar comum, o desenvolvimento social e a promoção dos direitos sociais
e civis. Tendo em vista esta importante temática, pensar a responsabilidade social na promoção dos direitos
sociais e civis dos indivíduos, em sociedade ou nas diversas instituições que a compõem, vamos abordar a
questão da diversidade nos espaços organizacionais em nosso próximo tópico.
4.4 A questão da diversidade nos espaços organizacionais
A compreensão da responsabilidade social como contribuição para o desenvolvimento humano e social no
contexto político, compartilhado por indivíduos, empresas e instituições, nos leva a indagar qual o lugar da
diversidade na organização da sociedade. Não apenas no âmbito público, mas também nas relações privadas
de cunho produtivo, a questão da política de gênero é um tema muito importante e de difícil abordagem a
partir do aspecto da diversidade. Os espaços organizacionais são lugares nos quais esta temática tem se
desenvolvido, sendo assim, vamos discutir neste tópico o que é a política de gênero e sua relação com a
garantia dos direitos sociais.
4.4.1 O que é política de gênero?
As sociedades são compostas por diferentes grupos, cada qual expressando uma concepção de mundo, de certo
e errado, seja por influência de princípios religiosos, políticos ou intelectuais, estes grupos buscam expressar
seu modo de vida no contexto mais amplo das relações sociais. De certa forma, alguns grupos conseguem
impor sua concepção sobre o restante da sociedade, tornando-se assim influenciadores dos demais. Segundo
Ortiz (2015), é preciso buscar um novo paradigma para se compreender a relação entre os agentes sociais em
uma sociedade pós-moderna e globalizada, uma vez que as relações de dominação e antagonismo social
mudaram consideravelmente.
No entanto, como temos sustentado até agora, as relações sociais são desenvolvidas dentro de um
ordenamento político que permite uma mediação entre os diversos interesses particulares e de grupo, bem
como entre as diversas concepções de mundo e modos de vida. Mantemos ainda coadunada a esta visão, a
ideia de que a responsabilidade social é fruto da interação social mediada pelos meandros constitutivos do
corpo político.
direitos protegidos por lei comum) a uma civilização como patrimônio comum (COUTINHO, 2011, p.
20). 
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Nota
O mesmo que: anexa, apensa, pegada, ligada, adjunta, adstrita, contígua, unida.
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A discussão exige definir qual seja realmente o papel de mediação dos poderes públicos e políticos em relação
à disputa social entre os diversos grupos. Em vista da já citada influência que um determinado grupo consegue
sobre os demais, vemos surgir em diversos níveis sociais concepções hegemônicas do que seja uma conduta
aceitável nas relações entre os indivíduos. Para reforçar nossa afirmação, trazemos a opinião de Furlani (2005):
Durante muito tempo, a hegemonia de concepções sociais machistas, patriarcais e religiosas fez prevalecer
uma enorme desigualdade entre os gêneros, masculino e feminino, nas interações sociais e na constituição do
poder político na sociedade. Em muitos casos, isso se reflete em preconceitos, discriminação e até mesmo
agressão social. Segundo Toneli e Adrião (2005), ao se analisar o discurso machista de fundamentação da
hierarquia social masculina, percebe-se a concepção ideológica de que para ser “homem” é preciso se
diferenciar dos opostos de fragilidade, ou seja, da imagem de mulheres e crianças. Nesse sentido, ser homem é
ser dominador e galgar postos sociais hierárquicos.
A discriminação de gênero é um problema que afeta praticamente todas as sociedades modernas,
sendo, porém um dos grandes temas atuais de discussão, mudanças de paradigmas e evolução nas
relações políticas e sociais. No entanto, avanços nessa discussão não são conseguidos sem a
participação da grande parcela da comunidade, muito menos sem o engajamento político de indivíduos
e instituições públicas e privadas.
Nesse sentido é necessário reforçar a importância da responsabilidade social, e o dever do Estado em
garantir o espaço social necessário para as discussões, conscientizações e ações que visem ampliar a
abordagem dessa questão.
A mediação do poder público deve se fazer efetiva na ampliação e defesa dos direitos sociais dos
indivíduos, principalmente daqueles grupos que sofrem com a discriminação de gênero ou de qualquer
outro tipo. Faz-se necessário incluir nessa discussão de gênero a situação dos indivíduos que não se
reconhecem em sua constituição sexual física.
Os padrões de normalidade tidos como hegemônicos, que definem certas identidades como “normais” em
detrimento deoutras, forneceu os contornos para as políticas de identidade num contexto cultural de
disputa de poder-saber ao definir certos grupos como subordinados e hierarquicamente inferiores
(FURLANI, 2005, p. 223). 
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Seja masculino ou feminino, o indivíduo que não se reconhece homem, tendo um corpo masculino, e a
mulher que não se reconhece tendo um corpo feminino, possuem o direito de buscar a orientação
sexual que lhes permita ter uma vida plena, ativa e socialmente produtiva.
Em vista das argumentações apresentadas, podemos compreender que políticas de gênero são as iniciativas do
poder público que visem mediar as relações sociais entre indivíduos, buscando estabelecer igualdade de
direitos sociais e civis independentemente da ideologia de gênero, orientação sexual e preceitos
discriminatórios. Vamos nos deter mais cuidadosamente na questão dos direitos sociais e política de gêneros
no próximo item.
4.4.2 Os espaços organizacionais e a ampliação da política de gênero
A garantia de igualdade de oportunidades no mercado de trabalho é um dos principais pontos de discussão na
temática das políticas de gênero. A sociedade civil tem sido levada a participar das diversas discussões que se
desenvolvem em inúmeros níveis sociais. Seja nas ONGs que defendem os direitos das mulheres, da
comunidade LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex) ou nas universidades
e centros de pesquisas sociais, o fomento de subsídios que permitam avanços nas políticas de gênero tem
permitido uma maior participação dos agentes sociais diversos.
Quando tratamos deste aspecto do direito social ao mundo do trabalho, dentro da discussão de políticas de
gênero, se faz necessário estabelecer algumas definições e limites. Primeiro, precisamos entender o que são
espaços organizacionais; segundo, buscar compreender a inserção da mulher nesse cenário produtivo; e
terceiro, trazer para a discussão a questão da transexualidade como tema para a compreensão da política de
gêneros.
Em uma definição mais ampla, podemos dizer que os espaços organizacionais são os espaços de promoção
dos direitos sociais de acesso ao mundo do trabalho e desenvolvimento de habilidades profissionais. São as
diversas áreas de trabalho nas quais os indivíduos desenvolvem suas aptidões profissionais, inserindo-se no
mercado produtivo e garantindo sua subsistência e de seus dependentes.
O caráter marcadamente sexista da sociedade tradicional vem cedendo lugar a diversas mudanças no quadro
de profissões antes destinadas apenas aos homens, ou seja, mais mulheres têm ocupado espaços que antes
pertenciam apenas ao sexo masculino.
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Figura 7 - Diversos avanços foram conseguidos na questão da política de gêneros, possibilitando às mulheres ocupares espaços que 
antes eram vistos como exclusivamente masculinos Fonte: Shestakoff, Shutterstock, 2021.
 #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma mulher de uniforme e braços cruzados à esquerda. Ela está 
olhando para a direita e com um leve sorriso no rosto. Ao fundo, pode-se observar diversos containers 
coloridos empilhados.
Essa mudança de paradigma na ocupação de espaços organizacionais é importante não só para a questão da
subsistência, mas, principalmente, para a promoção da independência social da mulher. Ao alcançar uma
independência financeira, a mulher também alcança uma independência social em relação à tradicional
organização familiar. A antiga imagem da mulher como simples dona de casa, responsável por ficar em casa
tomando conta dos filhos, dependendo do trabalho do marido enquanto provedor do sustento da família sofre
profundas mudanças. A equiparação dos direitos sociais entre homens e mulheres proporciona também uma
igualdade de condições políticas de disputa social na organização da sociedade.
Segundo pesquisas do IBGE (2018), o número de mulheres na faixa etária entre os 15 e os 24 anos, inseridas
em atividades no mercado de trabalho, teve um aumento de 46,9%, em 2014, para 48%, em 2016. Apesar de
ser um aumento moderado, a perspectiva de novos avanços é fomentada pela incessante preocupação das
diversas organizações sociais em pressionar o poder público na implantação de mais políticas voltadas para a
igualdade de gênero.
Os avanços conquistados pelas mulheres em vista da igualdade de direitos sociais em relação aos homens têm
trazido para o centro das discussões outro tema polêmico e fortemente marcado por discriminação e
preconceito. A questão dos direitos sociais dos transexuais é um debate que tem se intensificado, mas continua
marcado por polarizações sociais e inúmeras reações contrárias por parte dos setores mais tradicionais da
sociedade.
Você quer ver?
O documentário (CHNAIDERMAN, 2015), aborda a De gravata e unha vermelha
questão social da sexualidade a partir da perspectiva dos transexuais e travestis. O 
acirrado embate social é demonstrado a partir da história de vida de indivíduos que 
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De acordo com Braga (2010), os indivíduos que passam por intervenções para alteração de características
sexuais no corpo, tais como travestis e transexuais, sofrem forte discriminação ao frequentarem lugares
cotidianos de seu convívio social, como por exemplo, padaria, supermercado e locais públicos.
Essa realidade tem levantado a preocupação de organizações sociais voltadas para a defesa de direitos sociais
de indivíduos que não se reconhecem no sexo contido em suas características físicas. Ou seja, indivíduos cuja
genitália não condiz com a orientação sexual que os realiza enquanto sujeitos. Principalmente no que diz
respeito ao direito ao trabalho e à participação da vida produtiva da sociedade, muito ainda precisa ser
avançado neste aspecto de discussão de direitos sociais.
A primeira barreira que se coloca na discussão sobre este tema é o reconhecimento da mudança de sexo, ou
seja, a transexualidade enquanto política de gênero. Aspectos como o reconhecimento do nome social para o
exercício da vida civil, o acesso aos lugares destinados ao gênero no qual a orientação do indivíduo se encaixa
são discussões ainda incipientes, mas que têm ganhado fôlego nos últimos anos, mesmo que por vias de um
embate social ferrenho, principalmente contra visões tradicionais hegemônicas que classificam os gêneros de
forma depreciativa. Peres (2005) aponta o seguinte quadro:
conseguiram se inserir em diversas áreas sociais, na cultura, na moda e na indústria do 
entretenimento. A temática da discriminação, do preconceito e da falta de oportunidade 
para as pessoas transexuais é discutida de forma clara, sem caricaturas sociais e dentro 
de um aspecto político.
Você o conhece?
Michel Foucault foi um importante filósofo do século XX, tendo escritos sobre assuntos 
relacionados ao poder político, a história das instituições psiquiátricas, a relação entre 
dominação social e a punição, bem como a história da sexualidade. Em todas as suas 
obras, ele tangencia a questão do poder das convenções sociais sobre o corpo dos 
indivíduos, como forma de dominação política e moral. Seus escritos contribuíram e 
ainda fomentam diversas abordagens sobre a questão da sexualidade e das políticas de 
gênero (FOUCAULT, 1988).
O modo como assimilamos os significados dados aos corpos e às sexualidades, assim como aos gêneros,
ainda estão muito influenciados pela visão essencialista, que naturaliza certos padrões de
comportamentos como sendo da ordem da normalidade, desqualificando outros como sendo da ordem do
pecado, do crime e da doença (PERES, 2005, p. 61). 
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Essavisão depreciativa sobre o diferente, principalmente na tradicional divisão de gêneros, tem dificultado a
inserção de transexuais em espaços organizacionais mais tradicionais. É preciso ainda aprofundar as pesquisas
e discussões sobre o tema, tendo o cuidado de pensá-lo como inseridos na ampla discussão das políticas de
gênero e igualdade de direitos sociais.
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Conclusão
Chegamos ao término do estudo sobre a responsabilidade social e o respeito ao diferente nas empresas, nas
organizações sociais e na relação dos indivíduos. Com todo o conhecimento adquirido e as reflexões
provocadas ao longo da disciplina, esperamos que você seja capaz de qualificar sua prática profissional.
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• compreender a questão da responsabilidade social a partir da ação das empresas no contexto amplo da 
sociedade, não apenas no âmbito produtivo, mas principalmente na promoção do bem-estar social e 
humano;
• entender o papel social e político da ONGs dentro da sociedade, tendo como foco a responsabilidade 
social destas organizações enquanto agentes políticos;
• analisar o papel social dos indivíduos enquanto agentes políticos, detentores e promulgadores de 
cidadania;
• compreender o que é política de gênero, suas principais discussões e o fator de responsabilidade social 
que representa a garantia dos direitos sociais independentemente de gênero ou orientação sexual.
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Referências
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	Introdução
	1.1 Indivíduo, sociedade e exclusão: conceitos e enquadramentos
	1.1.1 O indivíduo e a consciência coletiva
	1.1.2 A exclusão social e seus desafios
	1.1.3 As manifestações culturais e a legislação brasileira
	1.2 O processo de socialização e as instituições sociais
	1.2.1 As instituições sociais humanas
	1.2.2 As instituições e os indivíduos: a família enquanto primeira instituição social do homem
	1.2.3 Moldando o ser humano: as instituições religiosas e a escola
	1.3 O Estado e suas representações sociais
	1.3.1 Por uma definição de Estado
	1.3.2 As ações do Estado na vida social
	1.3.3 As formas de ação e organização do Estado
	1.4 Trabalho, sociedade e economia – I
	1.4.1 O trabalho numa perspectiva ontológica
	1.4.2 O trabalho através da história
	Modo de produção primitivo
	Modo de produção escravista
	Modo de produção asiático
	Modo de produção feudal
	Modo de produção capitalista
	1.4.3 Pensando o trabalho criticamente
	Conclusão
	Referências
	Introdução
	2.1 Trabalho, sociedade e economia - II
	2.1.1 As constantes “revoluções industriais” e o processo autodestrutivo da tecnologia
	2.1.2 Globalização e processo produtivo: o mundo é uma grande indústria
	2.1.3 O trabalhador frente à globalização da produção
	2.2 Trabalho, sociedade e economia - III
	2.2.1 Do liberalismo ao neoliberalismo: as políticas econômicas hegemônicas
	2.2.2 A globalização do mercado e as livres áreas de comércio: U.E, Mercosul e Nafta
	2.2.3 Dos mais pobres aos mais ricos: a questão social frente à distribuição de renda
	2.3 O desenvolvimento humano social no Brasil: a questão da terra - I
	2.3.1 Propriedade agrária no Brasil: das capitanias aos grandes latifúndios
	2.3.2 A reforma agrária como problema social e político
	2.3.3 A disputa social no campo e seus reflexos no contexto social das cidades
	2.4 O desenvolvimento humano social no Brasil: a questão da terra - II
	2.4.1 O direito a terra e a terra por direito: a questão indígena
	2.4.2 A questão social das comunidades quilombolas e a herança colonial brasileira
	Conclusão
	Referências
	Introdução
	3.1 A construção da Modernidade Ocidental - I
	3.1.1 Traçando os caminhos da Modernidade
	3.1.2 A tecnologia como fruto dos novos caminhos da Modernidade
	3.1.3 A ciência como marca da Modernidade
	3.2 A construção da Modernidade Ocidental - II
	3.2.1 Um passo à frente da Modernidade: a chamada Pós-Modernidade
	3.2.2 A tecnologia no campo digital
	3.2.3 As novas tecnologias digitais e a questão social
	3.3 Os desafios da sociedade brasileira: a educação
	3.3.1 O papel social da educação
	3.3.2 A escola como instituição de mudança social
	3.3.3 A educação no mundo digital
	3.4 Os desafios da sociedade brasileira: a crise socioambiental
	3.4.1 Os reflexos da vida “moderna” no meio ambiente
	3.4.2 Perspectivas para o uso sustentáveldo meio ambiente
	Conclusão
	Referências
	Introdução
	4.1 A responsabilidade social nas empresas
	4.1.1 Compreendendo a responsabilidade social
	4.1.2 A responsabilidade social e a esfera econômica
	4.1.3 A responsabilidade social das empresas e a questão social
	4.2 Responsabilidade social das ONGs
	4.2.1 O que é uma ONG?
	4.2.2 A responsabilidade social das ONGs no cenário político
	4.3 A responsabilidade social e cidadania
	4.3.1 O indivíduo enquanto agente social
	4.3.2 A responsabilidade social como engajamento político
	4.3.3 A cidadania: possibilidades e limites
	4.4 A questão da diversidade nos espaços organizacionais
	4.4.1 O que é política de gênero?
	4.4.2 Os espaços organizacionais e a ampliação da política de gênero
	Conclusão
	Referências

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