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A depressão e o desejo na Psicanálise

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
INSTITUTO DE PSICOLOGIA 
 
PPRROOGGRRAAMMAA DDEE PPÓÓSS--GGRRAADDUUAAÇÇÃÃOO EEMM PPSSIICCAANNÁÁLLIISSEE 
MMEESSTTRRAADDOO 
 
Pesquisa e Clínica em Psicanálise 
 
 
ÉRICA DE SÁ EARP SIQUEIRA 
 
 
 
A depressão e o desejo na Psicanálise 
Dissertação de Mestrado 
 
 
1 
 
IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO 
 
O presente trabalho foi inspirado em questões derivadas do atendimento 
psicanalítico a uma paciente idosa, acompanhada por, aproximadamente, um ano, no 
Núcleo de Atenção ao Idoso da Universidade Aberta da Terceira Idade (NAI/UNATI), 
durante a Residência em Psicologia Clínico-Institucional no Hospital Universitário 
Pedro Ernesto (HUPE/UERJ), no período de 2001 a 2003. 
A paciente, que chamaremos D., tinha setenta e quatro anos e foi encaminhada 
pela triagem do NAI para a equipe de psicologia, apresentando uma demanda de 
atendimento individual. Desde as primeiras entrevistas, falava, insistentemente, sobre 
estar deprimida e, também, de suicídio, o que nos preocupou e levou a refletir sobre as 
possibilidades de uma intervenção psicanalítica. No decorrer de seu percurso clínico, no 
entanto, a paciente começou a elaborar e questionar sua queixa inicial, a "depressão", 
demonstrando uma abertura ao trabalho analítico e, mais especificamente, ao trabalho 
de luto, como veremos, posteriormente, na discussão do caso. 
Assim, foi o próprio trabalho clínico que nos instigou a retomar e discutir alguns 
conceitos psicanalíticos, afirmando o legado de Freud em sua ênfase na indicação de 
que, na psicanálise, a teoria e a prática são indissociáveis. 
Em Psicanálise: clínica e pesquisa, Luciano Elia enfatiza que toda e qualquer 
pesquisa em psicanálise é, necessariamente, uma pesquisa clínica, não apenas pelo fato 
 
 
2 
 
de utilizar, como “campo”, um espaço terapêutico, que pode ser o consultório, o 
ambulatório ou o hospital. O “campo de pesquisa”, no contexto da psicanálise, é o 
inconsciente, mais propriamente, o sujeito do inconsciente. Logo, “a clínica 
psicanalítica, como forma de acesso ao sujeito do inconsciente, é sempre o campo da 
pesquisa”.1 
 No primeiro capítulo, intitulado "Depressão: fenômeno ou estrutura?", 
pretendemos discutir a questão do diagnóstico em psicanálise e em psiquiatria, a fim de 
delimitar algumas diferenças no enfoque da depressão, termo eminentemente vinculado 
à psiquiatria e não à psicanálise. Entre o olhar clínico da psiquiatria e a escuta 
psicanalítica, procuramos destacar as contribuições da psiquiatria e da psicanálise na 
discussão do diagnóstico de “depressão”. Num segundo momento, propomos aproximar 
a psicanálise e a psiquiatria dos discursos formalizados por Lacan, o discurso do 
analista e o discurso do mestre, respectivamente. Buscamos, ainda, circunscrever, no 
âmbito da psicanálise, a questão da depressão como fenômeno ou estrutura. 
No segundo capítulo, nomeado “A depressão na velhice”, apresentamos um relato 
clínico do caso acima referido, ressaltando alguns aspectos peculiares da depressão na 
velhice, assim como as questões daí extraídas. Esboçamos, também, considerações 
sobre o discurso capitalista, articulando-as com a depressão na velhice. 
 
1 ELIA, L. “Psicanálise: clínica & pesquisa” In: ALBERTI, S. & ELIA, L. (org.) Clínica e pesquisa em 
psicanálise, p. 23. 
 
 
3 
 
Já no terceiro capítulo, intitulado "Luto, melancolia, depressão", tomamos, como 
ponto de partida, o texto de Freud, “Luto e melancolia” (1917 [1915]), a fim de 
percorrer, em outros de seus textos, assim como nas contribuições de Lacan e de 
Melanie Klein, um caminho de delimitação de cada termo em articulação com aspectos 
do caso clínico apresentado. 
Encaminhamos a discussão de algumas questões, que podem ser assim 
formuladas: o que se perde ao perder o outro? Quais são os fatores em jogo no processo 
peculiar de cada reação à perda? Pois tanto o luto quanto a melancolia são “reações” 
diante de uma perda significativa, que pode ser de um ideal ou mesmo de uma 
“abstração”, como afirmava Freud. O luto, porém, diz respeito a um trabalho de 
elaboração diante de uma perda significativa, o que não é patológico. Já no caso da 
melancolia, não há a possibilidade de simbolizar a perda, que remete mais a um ideal. 
Abordamos, no mesmo capítulo, algumas semelhanças e diferenças entre a 
melancolia e a neurose obsessiva, tecendo considerações sobre a pulsão de morte, que 
se manifesta de forma diversa em ambas as estruturas clínicas, respectivamente, como 
pulsão de destruição e pulsão de dominação. 
Discutimos a relação entre depressão e melancolia, a partir de autores 
contemporâneos, como Urania Tourinho Peres e Antonio Quinet, uma vez que, ao longo 
 
 
4 
 
da obra de Freud, estes termos aparecem, muitas vezes, empregados como sinônimos ou 
acoplados em uma única expressão: "depressão melancólica”2. 
De acordo com Peres, podemos dizer que a melancolia é um termo que aparece, 
com freqüência, no mundo grego – em Hipócrates e em Aristóteles –, sendo também 
utilizado pelos autores clássicos da psiquiatria. Já o termo depressão surge mais tarde, 
juntamente com a psiquiatria clássica alemã, advinda do francês a partir do latim. 
Podemos constatar que, atualmente, o termo depressão vem ocupando um espaço cada 
vez maior em nossa cultura, na medida em que toda e qualquer tristeza passa a ser 
chamada de “depressão”. 
Ainda no terceiro capítulo, tomamos a depressão como “covardia moral”, tese de 
Lacan (1974), a partir de Dante e Espinosa, que consideramos central para nossa 
discussão: 
 
 
“A tristeza, por exemplo, é qualificada de depressão ao lhe conferir como 
suporte a alma; ou a tensão psicológica do filósofo Pierre Janet. Não se trata, 
porém, de um estado d’alma, é simplesmente uma falta moral, como se 
expressa Dante e até mesmo Espinosa: um pecado, o que quer dizer, covardia 
 
2 Termos utilizados em: - FREUD, S. “Rascunho N”, AE, v. I, p. 298; ESB, v. I, p.307; “O método 
psicanalítico de Freud”, AE, v. VII, p. 241; ESB, v. VII, p. 240. “Uma neurose demoníaca do século 
XVII”, AE, v. XIX, p. 82; ESB, v. XIX, p. 96. 
 
 
5 
 
moral, que só se situa, em última instância, a partir do pensamento, ou seja, 
do dever de bem-dizer ou de orientar-se no inconsciente, na estrutura”3. 
 
 
Incluímos, também, um breve comentário sobre o conceito de posição depressiva 
de Melanie Klein, associando-o ao trabalho do luto, uma vez que tal teorização aponta 
para um processo inerente à constituição subjetiva, com efeitos sobre a maneira pela 
qual o sujeito irá lidar com perdas futuras, portanto, longe de ser considerado 
meramente patológico. 
No quarto e último capítulo, "O desejo, a falta e a lei", retomamos o grafo do 
desejo, conforme proposto por Lacan, para discutir a relação entre desejo e demanda e, 
por fim, entre depressão e desejo, já que, na depressão, o sujeito cede de seu desejo e, 
conseqüentemente, burla a falta. Finalmente, nos dedicamos a articular psicanálise e 
desejo, no sentido da ética do bem-dizer o próprio desejo e, mais propriamente, a 
contribuição do discurso do analista na consideração do sujeito “deprimido” na clínica 
dos dias de hoje. 
Acreditamos que, através da psicanálise, mais precisamente do discurso do 
analista, podemos resgatar algo da ordem do desejo, na medida em que, estando o 
 
3 LACAN, J. Televisão, p.44. O grifo é nosso. 
 
 
6 
 
objeto a 4 no lugar de agente, o sujeito é instigado a falar e a produzir significantes. 
Operando através da ética do bem-dizer, a falta pode ser reintroduzida e o sujeito vir a 
se deparar com o seu desejo. É, justamente, nessa direção que Lacan propõe “o discurso 
do psicanalista como única saída para a ausência de saída do discurso capitalista”5. 
Indagamo-nos se a depressãonão seria justamente uma forma do sujeito de dizer “estou 
fora” dessa cultura que toma ares de maníaca e onipotente no contexto do discurso 
capitalista. 
Em “O mal estar na cultura” (1930), podemos reconhecer que o “mal-estar” é 
inerente ao sujeito, manifestando-se através da angústia, da tristeza e, até mesmo, da 
própria “dor de existir”6. Atualmente, o sujeito, ao dizer “estou deprimido”, é como se 
nada mais tivesse a dizer, não precisando deparar-se com o próprio desejo e, 
conseqüentemente, com a falta que lhe é estrutural. 
Consideramos que a tendência à “medicalização” da depressão é enganosa, no que 
diz respeito aos “sujeitos deprimidos”, na medida em que se trata de uma promessa 
ilusória de retorno a um estado de “felicidade absoluta”, ou seja, em que nada falta. 
 
4 Este conceito será abordado no decorrer da dissertação. 
5 ALBERTI, S. “Psicanálise: a última flor da medicina”. In: ALBERTI, S & ELIA, L. (org.) Clínica e 
pesquisa em psicanálise, p.46. 
6 Este conceito será abordado no decorrer da dissertação. 
 
 
7 
 
A questão que resta é: se, para Lacan, o desejo advém da falta, o que acontece com 
o sujeito que se diz “deprimido” e que evita lidar com a falta que lhe constitui? Se não 
há falta, ou melhor, se a falta vem a faltar, como o desejo pode se fazer presente? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
 
 
CCAAPPÍÍTTUULLOO II 
 
DDEEPPRREESSSSÃÃOO:: FFEENNÔÔMMEENNOO OOUU EESSTTRRUUTTUURRAA?? 
 
1.1 - Diagnóstico psiquiátrico e psicanalítico da depressão 
 
Gostaríamos, inicialmente, de destacar a diferença entre o diagnóstico psiquiátrico 
e o diagnóstico em psicanálise, delimitando seus efeitos no enfoque específico da 
depressão. Passamos, em seguida, a discutir o lugar da “depressão” na clínica analítica 
em termos de sua definição como fenômeno ou estrutura. 
Quando falamos no estabelecimento de um diagnóstico psiquiátrico, está implícita 
a referência a um conjunto de sinais e sintomas observáveis, que, por sua vez, devem 
ser agrupados em um determinado quadro psiquiátrico. 
De acordo com Harold Kaplan, em Compêndio de psiquiatria: ciências do 
comportamento e psiquiatria clínica, a psiquiatria privilegia a fenomenologia. Nesse 
sentido, “os psiquiatras aprendem a dominar com mestria a técnica da observação 
precisa e da descrição evocativa, envolvendo o reconhecimento e a definição de sinais e 
 
 
9 
 
sintomas observáveis” 7. Os sinais comportamentais são achados objetivos, observados 
pelo médico e observáveis pela verificação direta do paciente, como por exemplo, o 
afeto rígido e o retardo psicomotor. Os sintomas seriam, por outro lado, as experiências 
subjetivas relatadas pelo paciente, como, por exemplo, o humor deprimido, também 
avaliados objetivamente pelo médico em seu olhar clínico, ou seja, na medida em que 
sejam confirmados por dados observáveis. 
Através da entrevista de anamnese 8, o psiquiatra realiza um diagnóstico 
diferencial e o referencia a uma etiologia, na qual prevalece uma relação linear entre 
causa e efeito, muitas vezes empiricamente comprovada. O paciente é, então, tratado 
através de medicamentos e condutas em acordo com a etiologia de sua doença. O saber 
médico, especialmente o saber psiquiátrico, é responsável pelo estabelecimento e 
reconhecimento da especificidade de sinais e sintomas que determinam uma boa 
avaliação diagnóstica. 
 
7 KAPLAN, H. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica, p. 289. 
8 Anamnese – histórico de sinais e sintomas apresentados ao longo da vida, antecedentes pessoais e 
familiares, assim como os do meio social. Inclui: identificação do paciente, queixa principal e história da 
doença atual, sintomas, antecedentes mórbidos pessoais, hábitos, antecedentes familiares, relacionamento 
e dinâmica familiar, exame físico, exame neurológico, exame psíquico, história de vida e resultado das 
avaliações complementares. (DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos 
mentais, p.45). 
 
 
10 
 
A concepção psiquiátrica da depressão é definida em termos de sinais e sintomas, 
que associados, conforme as descrições do CID 10 9, DSM IV 10 e Compêndios 
Médicos, poderão apontar na direção do estabelecimento de um diagnóstico, que 
orientará a conduta terapêutica, usualmente, a indicação de medicamentos 
antidepressivos. Ao tratamento psicanalítico, quando e se considerado como indicação, 
resta, geralmente, um papel coadjuvante, no âmbito do saber médico. 
Não deixamos de indagar sobre o lugar do tratamento medicamentoso da 
depressão no contexto do trabalho psicanalítico. Podemos dizer que, quando utilizados, 
os medicamentos antidepressivos deveriam, em princípio, viabilizar o tratamento e não 
‘tamponar’ o sintoma e ‘calar’ a dor. Certamente, esta é uma crítica dirigida ao excesso 
de medicalização, principalmente no caso da indicação constituir uma resposta 
“automática” para abafar o mal-estar do sujeito e lhe prometer uma felicidade absoluta, 
da qual a falta é foracluída 11. 
 
9 CID 10 – Classificação dos Transtornos Mentais e de Comportamento, no Código Internacional de 
Doenças 
10 DSM IV – Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, 4ªed.,1994. 
11 Foraclusão – forclusion – termo francês, retirado do âmbito jurídico, que designa um processo 
prescrito, sobre qual não se pode falar mais, pois já não existe legalmente. Estaria “incluído fora”, logo, 
foracluído, sem registro. 
 
 
11 
 
De acordo com Paulo Dalgalarrondo, as síndromes 12 depressivas são, atualmente, 
reconhecidas como um problema prioritário de saúde pública, já que um levantamento 
realizado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) mostrou que a "depressão maior” 
afeta cerca de cinqüenta milhões de pessoas no mundo, sendo considerada a primeira 
causa de “incapacidade” entre todos os problemas de saúde. Do ponto de vista 
psicopatológico, os quadros depressivos têm, como elemento central, o “humor triste”, 
ainda que possam abarcar uma multiplicidade de sintomas afetivos, neurovegetativos, 
ideativos e cognitivos, incluindo sintomas psicóticos e fenômenos biológicos 
associados. 
 Dalgalarrondo apresenta a seguinte classificação psiquiátrica no que tange às 
síndromes depressivas: 1) episódio ou fase depressiva e transtorno depressivo 
recorrente; 2) distimia; 3) depressão atípica; 4) depressão tipo melancólica ou endógena; 
5) depressão psicótica; 6) estupor depressivo; 7) depressão agitada ou ansiosa; e 8) 
depressão secundária. 
No episódio ou fase depressiva e transtorno depressivo recorrente, aparecem 
evidentes sintomas depressivos, tais como: “humor deprimido, anedonia (ausência de 
vontade), fadigabilidade, diminuição da concentração e da auto-estima, idéias de culpa, 
 
12 Síndromes – “agrupamentos relativamente constantes e estáveis de determinados sinais e sintomas; é 
uma definição puramente descritiva de um conjunto momentâneo e recorrente de sinais e sintomas”. In: 
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, p.21. 
 
 
12 
 
de inutilidade e transtornos do sono e do apetite” 13; os mesmos devem estar presentes 
por, pelo menos, duas semanas e não mais do que dois anos, de forma ininterrupta. Os 
episódios duram, geralmente, entre três a doze meses. O episódio depressivo também é 
classificado em leve, moderado ou grave, de acordo com o número, intensidade e 
importância clínica dos sintomas. Já o transtorno depressivo recorrente implicaria a 
apresentação de vários episódios depressivos, nunca intercalados por episódios 
maníacos. 
A distimia é uma forma de depressão crônica, geralmente de intensidade leve, 
muito duradoura, começando no início da vida adulta e durando vários anos.Seus 
sintomas mais comuns são diminuição da auto-estima, fadigabilidade aumentada, 
dificuldade em tomar decisões ou se concentrar, mau humor crônico, irritabilidade e 
sentimentos de desesperança. Tais sintomas devem estar presentes, de forma 
ininterrupta, por, pelo menos, dois anos. 
A depressão atípica é um subtipo de depressão, que pode ocorrer em episódios 
depressivos, de intensidade leve a grave, e no transtorno unipolar ou bipolar. Além dos 
sintomas depressivos gerais, ocorrem também: “aumento de apetite, hipersonia, 
 
13 DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, p.192. 
 
 
13 
 
sensação de corpo muito pesado, sensibilidade exacerbada a indicativos de rejeição, 
reatividade do humor aumentada, fobias e aspecto histriônico – teatralidade” 14 . 
A depressão de tipo melancólica ou endógena é um subtipo de depressão, na qual 
predominam os sintomas classicamente endógenos, sendo sua natureza mais 
“neurobiológica”, ou seja, mais independente dos fatores psicológicos. Os sintomas 
típicos são: “anedonia, hiporreatividade geral, tristeza vital, lentificação psicomotora, 
perda do apetite e de peso corporal, depressão pior pela manhã, insônia terminal, 
diminuição da latência do sono REM e ideação de culpa” 15. 
Já a depressão psicótica é uma depressão grave, na qual ocorrem, associados aos 
sintomas depressivos, sintomas psicóticos, como “delírio de ruína ou culpa, delírio 
hipocondríaco ou de negação de órgãos e alucinações com conteúdos depressivos”16. 
O estupor depressivo é um estado depressivo grave, no qual o paciente permanece, 
durante dias, imóvel e rígido, apresentando um negativismo que se exprime pela 
ausência de respostas às solicitações ambientais, via de regra em estado de mutismo, 
recusando até mesmo o alimento. 
A depressão agitada ou ansiosa é uma depressão com forte componente de 
ansiedade e inquietação psicomotora, na qual o paciente pode se queixar de uma 
 
14 Idem, p.192. 
15 Ibidem, p. 193. 
16 DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, p. 193. 
 
 
14 
 
“angústia intensa” associada aos sintomas depressivos. Em tal quadro, há um sério risco 
de suicídio. 
E, por fim, a depressão secundária é definida como uma síndrome depressiva 
causada, ou fortemente associada, a uma doença ou quadro clínico somático, seja ele 
primariamente cerebral ou sistêmico. Acompanham, com relativa freqüência, síndromes 
e doenças como o hipo ou hipertireodismo, lúpus eritematoso sistêmico, doença de 
Parkinson e acidente vascular cerebral (AVC). 
A classificação das “síndromes depressivas”, acima brevemente retomada, é 
trazida por Dalgalarrondo, existindo, ainda, outras classificações psicopatológicas e 
psiquiátricas sobre a depressão – “transtorno afetivo bipolar, ciclotimia, mania mista 
(sintomas maníacos e depressivos)”17. 
 No DSM IV, “os transtornos depressivos” são assim listados: 1) transtorno maior 
(depressão maior); 2) transtorno dístímico (distimia); e 3) transtorno depressivo, sem 
outra especificação. Já no CID 10, encontramos os “transtornos do humor ou afetivos”, 
dentre eles: 1) transtorno afetivo bipolar; 2) episódio depressivo; 3) transtorno 
depressivo recorrente; 4) transtornos persistentes do humor (afetivos) – ciclotimia, 
distimia etc; 5) outros transtornos do humor (afetivos). 
 
17 Termos extraídos da Psiquiatria geral (Kaplan & outros). 
 
 
15 
 
Devemos lembrar que nossa intenção é, sobretudo, destacar a orientação geral da 
tradição psiquiátrica de classificação da depressão. Se o termo depressão tem sua 
origem e afirmação no terreno da psiquiatria, é com a psicanálise que a questão de sua 
referência, ao fenômeno ou à estrutura, se impõe, na medida em que se privilegia a 
escuta e o sujeito, sempre do inconsciente. 
 A classificação psicopatológica que escolhemos explorar brevemente serviu-nos 
de apoio para demarcar a forma da psiquiatria conceber e abordar a depressão e 
possibilitar um certo diálogo com a psicanálise, um entrosamento maior entre os dois 
discursos – do mestre e do analista. Antes de passarmos ao enfoque psicanalítico da 
depressão, devemos considerar o modo de operação da psicanálise no que diz respeito 
ao diagnóstico no âmbito da clínica. 
Um dos grandes traços distintivos da psicanálise é trabalhar com a escuta e, 
através do discurso do sujeito, decifrar o sentido de seu sintoma. É a partir do efeito, 
conforme este se apresenta na clínica (a paralisia histérica, por exemplo), que podemos 
questionar algo sobre o sintoma, na medida em que este aponta para o sujeito. O acesso 
ao inconsciente, via de operação da psicanálise, só é possível com a participação ativa 
do sujeito, mais especificamente, através de seu discurso, de suas palavras, de um 
engajamento subjetivo. Logo, é a dimensão subjetiva que é levada em consideração. 
 
 
16 
 
Se a escuta do analista orienta o diagnóstico clínico, trata-se de uma escuta 
particular, que não é meramente objetiva, no sentido de coletar dados, nem subjetiva, no 
sentido de um envolvimento emocional. De acordo com Ana Cristina Figueiredo, “o 
analista deve escutar o seu paciente, sendo chamado a cada intervenção, a cada 
movimento, a decidir sobre a destinação, e, conseqüentemente, sobre o rumo das 
produções discursivas que acolhe” 18. 
A escuta analítica deve ser flutuante, não valorizando a priori nenhum dos 
elementos do discurso do sujeito: é através da atenção flutuante – “atenção ao nível 
sempre igual (ou flutuante) – que Freud procurava seguir a via do inconsciente, aquela 
que só se ouve e só se acompanha entre linhas”19. 
Em As 4+1 condições de análise, ao retomar o texto freudiano “Sobre o início do 
tratamento” (1913), Antonio Quinet (1998) afirma que há quatro condições para a 
realização de uma análise: o tratamento de ensaio, o uso do divã, a questão do tempo e 
do dinheiro. Seriam apenas “condições” e não regras, já que Freud estabelece apenas 
uma regra para a psicanálise: a regra da associação livre, que consiste em deixar o 
 
18 FIGUEIREDO, A.C. & MACHADO, O.M.R. “O diagnóstico em psicanálise: do fenômeno à 
estrutura”, p. 68. 
19 ALBERTI, S. “Psicanálise: a última flor da medicina”. In: ALBERTI, S & ELIA, L. (org.) Clínica e 
pesquisa em psicanálise, p. 53. 
 
 
17 
 
sujeito falar tudo aquilo que lhe vier à cabeça, já que através dessa livre associação 
podemos ter acesso ao inconsciente. 
Em seu trabalho clínico, Freud começou a perceber que precisava deixar falar seus 
pacientes, sem fazer-lhes muitas indagações ou interpretá-los a todo instante. Ao 
indagar a sua paciente Emmy Von N. sobre a origem de suas dores gástricas, ela 
retrucou que ele não deveria perguntar tanto de onde provinha isso ou aquilo, mas que a 
deixasse contar o que tinha a dizer. A partir de então, Freud começou a perceber que era 
importante e fundamental deixar os seus pacientes associarem livremente, expressando 
tudo aquilo que quisessem, pois tal expressão estava sujeita à influência do 
inconsciente. 
Freud dizia a seus pacientes, logo no início do tratamento: 
 
 
“diga tudo o que lhe passa pela mente. Aja como se, por exemplo, você fosse 
um viajante sentado à janela de um vagão ferroviário, a descrever para 
alguém que se encontra dentro as vistas cambiantes do que vê lá fora. 
Finalmente, jamais esqueça que prometeu ser absolutamente honesto e nunca 
deixar nada de fora porque, por uma razão ou outra, é desagradável dizê-
lo.”20 
 
20 FREUD, S. “Sobre o Início do Tratamento”, AE, v. XII, p. 136; ESB, v. XII, p.150. 
 
 
18 
 
 
 
Dessa forma, propor ao paciente falar tudo aquilo que lhe ocorrer, sem qualquer 
julgamento de valor, delimita, assim,uma regra fundamental do trabalho analítico. A 
atualização do inconsciente na superfície do discurso indica que um trabalho 
psicanalítico foi instaurado, quando, por exemplo, o paciente começa a trazer seus 
sonhos para a análise. 
E é, justamente, a partir do discurso do sujeito, no que este mostra de sua posição 
subjetiva, que o analista pode fazer uma suposição diagnóstica. Os ‘tropeços e atos 
falhos’21 apontam para a presentificação do inconsciente, constituindo suas formações. 
Se a psicanálise trabalha com o discurso do sujeito, o que abre a uma pluralidade 
de sentidos, a interpretação é uma ferramenta que permite destacar os significantes – 
“aquilo que representa um sujeito para outro significante” 22. Nesse sentido, não há 
apenas um significante que possa representar o sujeito como um todo, mas significantes 
que se associam à cadeia simbólica, produzindo novos significantes. Retomaremos a 
definição de sujeito mais adiante. 
 
21 Os ‘tropeços’ e os ‘atos falhos’ irrompem, quando o sujeito, ao falar, percebe que algo saiu sem que ele 
tivesse percebido, soando como algo estranho, não pensado. É esta estranheza que permite que o paciente 
comece a se questionar e a trabalhar em análise. (Vide Freud – “Sobre a Psicopatologia da vida cotidiana” 
–1901). 
22 LACAN, J. O seminário, livro 17: O avesso da psicanálise, p.11. Excluído: , 
 
 
19 
 
De acordo com Joel Dor, “é no desdobramento do dizer que se manifestam essas 
referências diagnósticas estruturais, tais quais incisões significativas do desejo que se 
exprimem naquele que fala”23. Segundo o autor, tais referências diagnósticas seriam 
codificadas pelos traços da estrutura, ou seja, semelhantes trajetórias estereotipadas, que 
se apresentam como sendo testemunhas da economia do desejo do sujeito. A estrutura 
do sujeito tem, como característica, um perfil que é determinado pela sua economia do 
desejo. Nesse sentido, a ética da psicanálise estaria relacionada com a ética do bem-
dizer a relação do sujeito com o seu desejo. No fim da análise, este deve poder bem-
dizer o seu desejo, ou seja, reconhecê-lo e, ao mesmo tempo, poder pagar seu preço. Ou 
seja, há uma perda de gozo na análise, que resulta do sujeito poder se deparar com a 
falta e fazer algo com esta. 
No decorrer de uma análise, ao falar, o sujeito também tende a transferir, para a 
figura do analista, o investimento libidinal parcialmente insatisfeito, introduzindo-o em 
uma das suas séries psíquicas. É a transferência, como campo de trabalho do 
inconsciente, que vai habilitar o analista a formular um diagnóstico estrutural. 
Figueiredo estabelece que devemos entender o diagnóstico estrutural como um 
“diagnóstico que se dá a partir da fala dirigida ao analista, logo, sob transferência, na 
qual os fenômenos vão se orientar com referência ao analista como um operador e não 
 
23 DOR, J. Estruturas e clínica psicanalítica, p.21. 
 
 
20 
 
como pessoa”24. O analista opera, portanto, através da transferência, não como um 
leitor dos fenômenos, mas como um “nomeador” do modo de incidência do sujeito na 
linguagem. O diagnóstico é estrutural e não fenomenológico. 
Somente a partir da posição em que é colocado, pela fala do paciente, na 
transferência, é que o analista pode formular uma idéia diagnóstica. Existindo a 
transferência, a fala do sujeito desdobra a sua estrutura. A transferência atualiza, no 
decorrer da análise, um modo de relação do sujeito com o seu desejo, permitindo ao 
analista traçar um diagnóstico. Na verdade, é na transferência que o analista opera e 
pode direcionar uma análise do início ao fim. 
Cabe ao analista facilitar e acolher a instalação da transferência no início de uma 
análise e realizar uma suposição diagnóstica. Para Quinet, a demanda de análise é um 
produto da oferta do analista, pois Lacan afirmava: “com a oferta, criei a demanda”25. 
Nesse sentido, é preciso que a queixa, inicialmente trazida, se transforme em uma 
demanda endereçada ao analista. 
Ocorre que nem sempre a transferência é facilmente instalada, demandando um 
certo tempo, que pode variar de acordo com a subjetividade de cada paciente. Freud 
denominou esse tempo de “tratamento de ensaio” e, posteriormente, Lacan o nomeou 
 
24 FIGUEIREDO, A.C. & MACHADO, O.M.R. “O diagnóstico em Psicanálise: do fenômeno à 
estrutura”, p. 67. 
25 LACAN, J. Écrits, Seuil, Paris, p.617. apud: QUINET, A. As 4 + 1 Condições de análise. p. 20. 
 
 
21 
 
como “entrevistas preliminares”. Trata-se de um tempo necessário e anterior ao 
processo analítico, durante o qual a relação transferencial ainda não está instaurada. 
Nas entrevistas preliminares, o diagnóstico deve permanecer em aberto, já que a 
transferência analítica está em processo de instauração. Só se pode falar em diagnóstico 
sob transferência, ou seja, quando a análise já foi iniciada. 
Segundo Joel Dor: 
 
 
 “o ato diagnóstico é necessariamente, de partida, um ato deliberadamente 
posto em suspenso e relegado a um devir. É quase impossível determinar, 
com segurança, uma avaliação diagnóstica sem o apoio de um certo tempo de 
análise. Mas, é preciso, no entanto, circunscrever, o mais rápido possível, 
uma posição diagnóstica para decidir quanto à orientação da cura.”26 
 
 
A realização de um diagnóstico, em psicanálise, desenrola-se através de uma certa 
suspensão do mesmo (no tempo das entrevistas preliminares) até que possa ser melhor 
circunscrito em um a posteriori, quando a transferência se instaurou. Certamente, uma 
hipótese diagnóstica deve ser delineada o mais breve possível, para que a análise não 
fique desgovernada. 
 
26 DOR, J. Estruturas e clínica psicanalítica, p. 15. 
 
 
22 
 
O que autoriza o analista a estabelecer um diagnóstico é a transferência, que 
permite ao inconsciente emergir na própria atualidade da sessão, demonstrando a forma 
de relação do sujeito com o seu desejo. 
 
 
 
 
 
 
 
1.2 - A psicanálise e a psiquiatria – os discursos do analista e do mestre 
 
“A Psicanálise é, antes, o avesso da Medicina” 27. 
 
Marco Antonio Coutinho Jorge (1983) afirma que há, no discurso médico, uma 
objetividade científica que exclui a subjetividade do sujeito, tanto daquele que o enuncia 
como daquele que o escuta. A fala do sujeito é ouvida para ser descartada em seguida, 
depreendendo-se daí a função silenciadora do discurso médico, que, ao se valer apenas 
de seus próprios elementos, abole tudo o que nele não possa se inscrever. Ou seja, o 
discurso médico opera reduzindo o sentido dos diferentes ditos do sujeito àquilo que é 
 
27 CLAVREUL, J. A ordem médica: poder e impotência do discurso médico, p.9. 
 
 
23 
 
passível de ser neste inscrito. Uma "falta de ar”, juntamente com uma “dor no peito” e 
“uma angústia por dentro”, podem ser reduzidos ao sinal clínico da dispnéia. Do mesmo 
modo, “um peso na cabeça”, “uma ardência na testa” e “um latejamento na cabeça”, 
“um pensamento que não pára de martelar” são reduzidos ao sinal clínico da cefaléia. 
Lacan já afirmava que “não existe relação médico-doente”, pois, assim como o 
doente é definido, no discurso médico, como “homem + doença” 28, o homem torna-se o 
“doente – doença”; aliás, não haveria, nem mesmo, a "relação médico-doença”. Apenas 
seria possível a “relação instituição médica–doença”, na medida em que médico e 
doente são destituídos de sua subjetividade. A instituição médica – lugar da totalidade 
do discurso médico – prevalece sobre a figura do médico, que é apenas seu anônimo 
representante, bem como a doença – objeto constituído pelo discurso médico –, 
enquanto o homem seria, unicamente, o "anônimo terreno no qual a doença se 
instala”29. Dessa forma, o médico não se dirigeao doente, mas ao homem 
presumidamente “normal” e “são” que ele era e que deve voltar a ser. 
Se há uma dessubjetivação presente na relação entre médico e doente, o primeiro 
somente intervém e fala enquanto lugar-tenente da instituição médica, ou seja, 
enquanto instrumento do discurso médico. O médico só existe, portanto, em sua 
 
28 JORGE, M. A. C. “Discurso médico e discurso psicanalítico”. In: CLAVREUL, J. A ordem médica: 
poder e impotência do discurso médico, p. 13 
29 Idem, p. 13. 
 
 
24 
 
referência constante ao saber médico e à instituição médica. Sendo assim, Jorge (1983) 
afirma que o médico se anula enquanto sujeito perante a exigência de objetividade 
científica, na qual só se autoriza por ser “ele próprio o menos possível”30. 
Posteriormente, veremos que o analista tampouco está implicado como sujeito, mas sim 
como objeto a, diferença fundamental da posição de objetividade científica adotada pelo 
médico. 
O apagamento da subjetividade do médico31 pode ser melhor percebido na lógica 
institucional asilar, no caso da psiquiatria, considerando que o estilo das observações do 
prontuário do doente é impessoal, independente do sujeito que o entrevistou. A 
dessubjetivação também é revelada pela rareza do encontro entre médico e doente, este 
último ficando sob os cuidados de uma equipe médica. 
Jorge afirma que a receita médica é, também, uma ordem médica, no sentido em 
que prescreve um enunciado dogmático: “coma isso, não beba aquilo, não fume, 
 
30 CLAVREUL, Jean. “Nosologies et strustures”. In: Lettres de l’ École freudienne, nº 21. Les mathèmes 
de la psychanalyse, Paris, 1977, p.261, apud: JORGE, M. A. C. “Discurso médico e discurso 
psicanalítico”. In: CLAVREUL, J. A ordem médica: poder e impotência do discurso médico, p.11. 
31 Certamente, nem todos os médicos (psiquiatras) agem dessa forma. O que pretendemos enfatizar é a 
oposição radical entre os discursos do mestre e do analista. E, como veremos mais adiante, o discurso do 
mestre não eqüivale, necessariamente, ao do psiquiatra, mas aquele que, no lugar de agente, adota a 
posição de mestria frente ao outro. O discurso do mestre é mais comum entre os médicos “cientificista”. 
 
 
25 
 
repouse, faça exercícios...”32. A ordem médica é, sobretudo, uma ordem jurídica, 
eqüivalendo a uma sanção legal no campo jurídico – aquele cujo organismo se afasta da 
norma instituída pela ordem médica recebe uma sanção, que se destina a fazer com que 
retorne para o interior da mesma, assim como o criminoso, que sofre uma sanção penal 
ao cometer um delito. 
O discurso médico/psiquiátrico é, portanto, um discurso dominante, utilizando o 
outro para impor seus ditames, suas leis e seus ideais – posição de mestria. É justamente 
aí que se estabelece uma distinção radical entre a psicanálise e a psiquiatria, pois a 
psicanálise põe em questão o princípio superegóico de uma ordem perante a qual se 
deve curvar, tanto na relação com os poderes públicos quanto na cura individual. A 
posição assumida pelo médico-psiquiatra seria a do sujeito que "sabe", base da sugestão 
hipnótica. A psicanálise não propõe esse discurso de mestria, portanto, não decide ou 
impõe o que é melhor para cada sujeito em particular. 
No decorrer de sua obra, Freud passa a valorizar, não mais a sugestão hipnótica, 
mas a escuta do sujeito em sua associação livre, regra fundamental da psicanálise. É a 
passagem de uma posição de compreensão para a de interpretação, e ainda de um 
“sujeito que sabe”, própria do médico, para a do sujeito suposto saber, lugar do 
psicanalista. 
 
32 JORGE, M. A. C. “Discurso médico e discurso psicanalítico”. In: CLAVREUL, J. A ordem médica: 
poder e impotência do discurso médico, p.14. 
 
 
26 
 
Em As 4 + 1 condições de análise, Quinet afirma que o sujeito suposto saber é 
definido, por Lacan, “como uma subjetividade correlata ao saber como efeito 
constituinte de uma transferência estabelecida” 33. E ainda, no início de seu ensino, 
como “aquele que é constituído pelo analisante na figura de seu analista”34. Ou seja, 
podemos dizer que o sujeito suposto saber diz respeito a uma suposição do analisando 
de que o analista é aquele que sabe tudo ou que detém todas as respostas para quaisquer 
questões. Porém, o analista não deve identificar-se com essa posição de saber, o que 
seria um erro, um equívoco, visto que “a posição do analista não é a de saber, nem 
tampouco a de compreender o paciente, pois se há algo que ele deve saber é que a 
comunicação é baseada no mal-entendido” 35. Portanto, “sua posição, muito mais do que 
a posição de saber é uma posição de ignorância, não a simples ignorância ignara, mas a 
ignorância douta” 36. Esta última seria um convite não apenas à prudência, mas também 
à humildade, de se precaver contra o que seria a posição de um saber absoluto. 
Para Lacan, segundo Clavreul, o discurso médico está próximo do discurso do 
mestre. Configurando a produção de um discurso totalitário, exclui a diferença, único 
modo pelo qual a subjetividade pode se manifestar. Por meio de um vocabulário ao qual 
 
33 LACAN, J. “La méprise du sujet supposé savoir”, Scilicet, nº 1, Seuil, 1968, p.39. apud: QUINET, A. 
As 4 + 1 Condições de análise, p.31 
34 Idem, p.31. 
35 Ibidem, p.31. 
36 Idibidem, p.31. 
 
 
27 
 
o doente não tem acesso, o discurso médico opera reduzindo o sentido dos diferentes 
ditos do sujeito àquilo que é passível de ser inscrito no mesmo. Tal operação visa 
estabelecer uma identidade e podemos pensar no quanto o discurso em torno da 
“depressão” apaga as diferenças entre sujeitos, englobando-os em uma mesma categoria 
– “deprimidos” –, que deve ser tratada da mesma forma. Para a psicanálise, por outro 
lado, é a singularidade que está em jogo, devendo a queixa de “depressão" ser escutada 
em sua dimensão significante. 
 A psicanálise privilegia a alteridade, já que o sujeito está sempre na relação com 
o Outro 37 – sejam seus pais, a lei, o laço social – desde seu advento. Já o discurso 
médico/psiquiátrico é baseado na univocidade, em detrimento da pluralidade de sentido 
– característica da língua e, portanto, da psicanálise. A medicina utiliza-se dos signos – 
“aquilo que representa alguma coisa para alguém que saiba lê-lo”38 – e precisa, 
portanto, do médico para decifrá-los em sua relação com um código que remete a uma 
compreensão unívoca. Os sinais e sintomas significam, assim, alguma coisa apenas 
para o médico, que sabe ler, olhar e decodificar o que significam. 
 
37 O Outro é um termo utilizado por Lacan a fim de designar um lugar simbólico – o significante, a lei, a 
linguagem, o inconsciente – que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora de maneira intra-
subjetiva em sua relação com o desejo. O Outro, com letra maiúscula, é o grande Outro (A), opondo-se ao 
pequeno outro (a), lugar da alteridade especular, referindo-se, portanto, ao outro imaginário. 
38 LACAN, J. O Seminário, livro 17: o avesso da psicanálise, p. 11. Excluído: – O
 
 
28 
 
Para aprofundar a compreensão da diferença entre o discurso da psicanálise – 
discurso do analista – e o da psiquiatria – discurso do mestre –, é preciso retomar uma 
importante contribuição de Lacan. No Seminário 17, o autor formaliza os quatro 
discursos – “teoria dos quatro discursos” – como reguladores do laço social: 1) discurso 
do mestre; 2) discurso da histérica; 3) discurso da universidade; e 4) discurso do 
psicanalista. 
Segundo Sonia Alberti (2000), com essa formulação, o psicanalista tem ao seu 
alcance um importante referencial com consistência teórica e que lhe permite, de dentro 
de seu próprio campo, examinar e dialetizar sua função no campo social. 
Em cada umdos discursos, há o lugar do agente, que leva um outro a agir por 
aquele, produzindo algo, o produto. O agente está sempre sustentado em uma verdade, 
que é particular a cada um dos discursos. Estes lugares são, assim, distribuídos: 
 
 
__agente__ _outro__ 
verdade produto 
 
 
 
 
29 
 
É a verdade que sustenta o agente do discurso e o agente só faz discurso, quando 
se dirige a um outro, fazendo-o trabalhar. Se o resultado é um produto, há também algo 
que se perde desta produção, que é o gozo ou, mais especificamente, o objeto a, do qual 
abordaremos logo em seguida. 
A partir das construções de Lacan, podemos pensar que, na realidade, existem 
nada menos que dezesseis posições que podem ser tomadas pelo sujeito nos diferentes 
laços sociais em que transita, na medida em que o sujeito pode estar em qualquer uma 
das posições de cada discurso. Analisaremos, brevemente, os discursos do mestre e do 
analista, a fim de confirmar sua associação com a psiquiatria e a psicanálise, 
respectivamente. 
 
 
O discurso do mestre: 
 
 S1 S2 
 S a 
 
Quando o mestre fala no lugar do agente (S1), ele precisa do outro (S2), do escravo 
(Hegel) – que detém o saber sobre sua posição para produzir a mais-valia (Marx) – o 
 
 
30 
 
objeto a, o resto, ou o gozo que o mestre retira do trabalho do outro. Segundo Alberti, o 
lugar do escravo seria o de identificar-se com o lugar do outro, ou seja, ocupando-se do 
saber, trabalhando e estudando para o mestre. O sujeito aparece no lugar da verdade, 
porém, através do sujeito barrado, dividido. A existência do discurso do mestre implica 
em que o sujeito, por definição barrado, tenha, no laço social, o lugar da verdade – “não 
a verdade única, mas sim uma verdade que surge no instante em que desaparece em um 
intervalo de significantes (S1-S2)” 39. 
A noção de sujeito barrado, fendido ou dividido, é bastante utilizada por Lacan, 
pois, para o autor, o sujeito não é senão sua própria divisão 40. Freud já falava em 
clivagem do eu, termo introduzido em 1927 para designar um fenômeno próprio do 
fetichismo e da psicose. Designa a coexistência de duas atitudes contraditórias no eu, 
uma que leva em conta a realidade e outra que a nega, colocando, em seu lugar, a 
produção do desejo. Não é raro utilizarmos a expressão sujeito do desejo, quando nos 
referimos ao sujeito da psicanálise – o sujeito é o desejo, na medida em que ele é 
determinado pelos seus desejos, pelo inconsciente, fundado pelo Outro. O sujeito 
aparece, para Lacan, no intervalo entre dois significantes, sendo impossível destacar 
apenas um significante que o determine – o sujeito se encontra no ‘pequeno’ espaço que 
separa o S1 do S2. 
 
39 ALBERTI, S. Esse sujeito adolescente, p. 166. 
40 FINK, B. O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo, p. 67. 
 
 
31 
 
Através da associação entre o discurso médico/psiquiátrico e o discurso do 
mestre, podemos entender que é, justamente, a tomada de posição de mestria que os 
aproxima. Ou seja, muitas vezes, o psiquiatra se identifica com esse lugar de saber e de 
poder absoluto, tal como o agente do discurso do mestre na teoria de Lacan. 
 
 
O discurso do analista: 
 
a S 
S2 S1 
 
O analista no lugar de agente, como objeto a, causa de desejo – “falta-a-ser”41 –, 
dirige-se ao sujeito barrado, instigando-o a falar a fim de produzir um discurso – 
significantes mestres (S1) –, sendo sustentado em um saber (S2), que está no lugar da 
verdade – não-toda, pois, segundo Lacan, as palavras sempre faltam. O lugar da 
verdade é o lugar marcado pelo real, conceito este que discutiremos mais adiante. 
 
41 “falta-a-ser” – lugar ético, que diz respeito ao desejo do analista e implica que sempre há algo a saber. 
In: ALBERTI, S. Esse sujeito adolescente, p.169. 
 
 
32 
 
 O objeto a foi considerado pelo próprio Lacan como sua única e verdadeira 
invenção. Designado pela primeira letra do alfabeto, nomeação mínima que se pode dar 
a algo42, é o objeto essencialmente perdido, impossível de ser simbolizado e pertencente 
ao real. Instaura a falta estrutural do sujeito, advinda de sua entrada no campo da 
linguagem, em que algo se perde, ocorrendo a interdição da plena satisfação, limitando 
a libido à legalização do desejo. O objeto a circunscreve a perda, sendo a condição para 
o surgimento do desejo, pois, para Lacan, é da falta que o desejo pode advir. A falta, 
como objeto a, é “apenas a presença de um cavo, de um vazio, ocupável, nos diz Freud, 
por não importa que objeto, e cuja instância só conhecemos na forma de objeto perdido, 
a minúsculo”43. A partir de então, tal objeto passa a ser o objeto causa de desejo, pois é 
esta falta fundamental e instituinte que movimenta o ser humano a estar sempre 
desejando. 
Segundo Alberti, ao situar o saber no lugar da verdade, no discurso do analista, 
Lacan coloca que “este saber tem a estrutura da ficção, como toda e qualquer verdade, 
pois o saber que efetivamente está em jogo é o discurso do analista, que é o saber do 
próprio sujeito, que questionado, fabrica o produto: significantes seus, próprios, que no 
 
42 JORGE, M.A.C. Seminário Teórico-Clínico de Psicanálise do Mestrado da UERJ, no segundo semestre 
de 2004. 
43 LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, p. 170. 
 
 
33 
 
percurso vai deixando cair” 44. É, por essa razão, que a psicanálise só pode ser realizada 
através da fala, já que supõe o sujeito falante. Ou ainda: “O analista fica no lugar de 
‘simples’ objeto, ou seja, é o analisando, o verdadeiro sujeito da operação” 45. É 
importante ressaltarmos que o analista não está no lugar de qualquer objeto, mas de um 
objeto causa de desejo, já que se ocupa do objeto a. Segundo Alberti, “o desejo do 
analista é exclusivamente o de fazer com que a análise se produza, tal como um artista 
que, através de sua obra, quer produzir efeitos em seu leitor ou observador” 46. O desejo 
do psicanalista implica que sempre há um saber a ser construído pelo sujeito. 
O discurso do analista é constituído e fundamentado no fato de se dirigir ao 
sujeito, pois “o sujeito é o outro ao qual o agente do discurso endereça seu ato” 47, ou 
seja, o sujeito em questão é o próprio analisando. 
Podemos considerar que “a função eminentemente silenciosa do analista não 
apenas faculta, mas também promove a proliferação da fala do sujeito, o analista não 
constituindo, pois, obstáculo à emergência do desejo”48. Pois, o analista deve instigar o 
 
44 ALBERTI, S. Esse sujeito adolescente, p 168. 
45 Idem, p 168. 
46 Ibidem, p. 168. 
47 ALBERTI, S. “Psicanálise: a última flor da medicina”. In: ALBERTI, S & ELIA, L. (org.) Clínica e 
Pesquisa em Psicanálise, p.51. 
48 JORGE, M.A.C. O discurso médico e discurso psicanalítico. In: CLAVREUL, Jean. A ordem médica: 
poder e impotência do discurso médico, p. 19. 
 
 
34 
 
sujeito a produzir suas próprias associações, operando pela via do desejo – ética da 
psicanálise – ética de bem-dizer a relação do sujeito com o seu desejo. 
É o discurso do analista o avesso do discurso do mestre, ou, como é possível 
dizer, a psicanálise é, antes, o avesso da medicina 49, não apenas pelas suas posições 
(agente, outro, produto e verdade) literalmente ao avesso nos discursos, nas quais o 
discurso do analista é o avesso do discurso do mestre, mas, porque essa ‘inversão’ 
produz resultados divergentes e opostos. 
É importante ressaltar que tanto o discurso do mestre, aqui tomado como 
referência do médico psiquiatra, como o discurso do psicanalista, têm sua importância, 
lembrando que a psicanálise nasceu da medicina, conformeafirmava Lacan: 
 
 
“Freud pensava que ele fazia ciência. Ele não fazia ciência, ele estava 
produzindo certa prática que pode ser caracterizada como a última flor da 
medicina. Essa última flor encontrou refúgio aqui porque a medicina tinha 
tantos meios de operar, inteiramente repertoriados de saída, regrados, que ela 
teve que se encontrar com o fato de que havia sintomas que não tinham nada 
a ver com o corpo, mas somente com o fato de que o ser humano é afligido, 
se eu posso dizer, pela linguagem50”. 
 
 
49 Idem, p. 9. 
50LACAN, J. “Entretien avec des étudiants”, p. 18. apud: ALBERTI, S. “Psicanálise: a última flor da 
medicina”. In: ALBERTI, S & ELIA, L. (org.) Clínica e Pesquisa em Psicanálise, p. 49. 
 
 
35 
 
 
Certamente, a psicanálise nasce de um certo “resto” da medicina, no sentido do 
que não encontrava resposta, quando situado no âmbito da explicação médica. É o caso 
do sintoma histérico, que Freud irá delimitar, posteriormente e de maneira original, 
como psíquico e ligado ao mecanismo da conversão. 
 
 
1.3 - Depressão: fenômeno ou estrutura? 
 
Devemos voltar à questão que orienta este capítulo e que diz respeito ao enfoque 
da depressão como um fenômeno ou como uma estrutura propriamente dita. 
Nossa proposta é explorar, inicialmente, o que entendemos por fenômeno em 
psicanálise. Freud parte do fenômeno, mas este não está no fundamento de sua 
teorização, ao menos não exclusivamente. Em “As pulsões e suas vicissitudes”, Freud 
afirma que o “verdadeiro início da atividade científica consiste sobretudo na descrição 
dos fenômenos que são em seguida reunidos, ordenados e inseridos em relações”51. 
Em “Construções em análise”, Freud também assinala que: 
 
 
51 FREUD, S. “As pulsões e suas vicissitudes”, AE, v. XIV, p. 113 ; ESB, v. XIV, p. 123. 
Excluído: In: FIGUEIREDO, 
A.C. & MACHADO, O.M.R. “O 
diagnóstico em Psicanálise: do 
fenômeno à estrutura”, p. 68.
Excluído: In: FIGUEIREDO, 
A.C. & MACHADO, O.M.R. “O 
diagnóstico em Psicanálise: do 
fenômeno à estrutura”, p. 68.
 
 
36 
 
 
 “não são os fenômenos que são confirmados ou infirmados pela clínica, mas 
sim as construções do analista, naquilo que elas têm de uma certa apreensão 
do que acontece com o paciente e naquilo em que elas, como toda construção, 
são obra também do analista e estão sujeitas à revisão”52. 
 
 
Segundo Antonio Quinet, Lacan foi considerado um psiquiatra fenomenológico no 
sentido jaspersiano – relação de compreensão da fenomenologia de Jaspers –, que seria 
“dar seu sentido humano às condutas que observamos nos nossos doentes e aos 
fenômenos mentais que eles nos apresentam” 53. A noção de compreensão seria 
efetivada a partir da vivência do doente, base da própria da fenomenologia, ou seja, 
“aquilo pelo qual se manifesta a vivência particular dos doentes tal como ela se 
apresenta à consciência deles: o que o indivíduo sente” 54. 
Quando Lacan começa em 1953 o que intitula como seu "ensino” inicia sua 
reflexão sobre a psicanálise a partir da função da fala e do campo da linguagem, 
deixando de ser considerado jaspersiano. Desde então, começa a elaborar a tese do 
 
52 FREUD, S. “Construções em análise”. apud: FIGUEIREDO, A.C. & MACHADO, O.M.R. “O 
diagnóstico em Psicanálise: do fenômeno à estrutura”, p. 69/70. 
53 QUINET, A. “Fenomenologia e psicanálise” In: LIMA, J.C. Psicoses entre nós, p. 37. 
54 Idem, p.37. 
Excluído: P
 
 
37 
 
inconsciente estruturado como uma linguagem, estabelecendo, dessa maneira, a noção 
de estrutura que determina o sujeito. 
A própria noção de compreensão não pode ser aplicada à psicanálise, que opera, 
justamente, a partir de um “mal-entendido”, não cabendo ao analista compreender seu 
paciente. No Seminário sobre as psicoses, Lacan afirma de forma veemente: “comecem 
por não compreender, partam da idéia de que existe um mal entendido fundamental” 55. 
Quanto a isso, Quinet reafirma igualmente que “só a partir dessa posição será possível 
fazer o paciente nos dar o sentido que ele atribui ao que está dizendo” 56. Assim, 
podemos entender que, no discurso do analista, cabe ao analisando trabalhar, produzir 
os próprios significantes e não ao analista, que, no lugar de objeto a, deve instigar o 
sujeito a trabalhar em análise. 
Lacan enfatiza a noção de estrutura – estrutura da linguagem – e o inconsciente 
como sendo estruturado como uma linguagem, verdadeiro “tesouro dos significantes”, 
no qual um significante se atrela a um outro significante, produzindo diferentes 
amarrações simbólicas. 
Não devemos, entretanto, descartar o fenômeno, conforme indica Quinet, pois este 
está interligado à estrutura. Diz o autor sobre o fenômeno: “longe de ser uma questão 
que não interessa para a psicanálise, é uma questão fundamental na medida em que o 
 
55 Ibidem, p.37. 
56 Idibidem, p.37. 
 
 
38 
 
fenômeno remete à própria estrutura” 57. Exemplifica com um caso de psicose, no qual a 
alucinação verbal – “aparição do significante no real”58 – é um fenômeno que remete à 
estrutura psicótica, baseada na foraclusão do Nome-do-Pai 59, uma vez que o que foi 
foracluído do simbólico retorna no real. 
Assim, é a partir do fenômeno que podemos pensar em uma estrutura. 
Retomaremos tal elo, quando discutirmos a depressão como um estado ou um 
fenômeno, distinção que remete, em última instância, a uma determinada estrutura 
clínica – neurose ou psicose. 
 
Lacan propõe uma maneira de pensar e fazer o diagnóstico a partir dos modos de 
amarração dos três registros - real- simbólico-imaginário - no nó borromeano. 
Sua teorização referente a uma tripartição estrutural – real, simbólico, imaginário 
(RSI) –, presente desde uma conferência de 1953, realizada na fundação da Sociedade 
Francesa de Psicanálise e intitulada “O simbólico, o imaginário e o real”, foi objeto de 
contínua investigação e reelaboração até o fim de seu ensino. Vale ressaltar que a ordem 
 
57Idibidem, p. 43. 
58Idibidem, p. 39. 
59 Foraclusão (forclusion) - termo francês usado no âmbito jurídico para designar um processo prescrito 
(preclusão - preclusion), do qual não se pode mais falar, pois o mesmo não mais existe legalmente. 
Conceito utilizado por Lacan para designar um mecanismo específico da psicose, através do qual se 
produz a rejeição de um significante (Nome-do-Pai), que está, portanto, foracluído. Vide página 6. 
 
 
39 
 
de apresentação dos três registros foi alterada desde a conferência inicial (SIR) até o 
seminário de 1974-75, (RSI). 
Em RSI, Lacan mostra que os três registros não podem ser isolados, pois são 
indissociáveis entre si, trazendo, portanto, um novo conceito: o nó borromeano ou 
cadeia borromeana. Delimita a propriedade borromeana da estrutura psíquica como um 
tipo de nodulação entre os elos. São pelo menos três elos e amarrados uns aos outros de 
forma tal que, se cortarmos apenas um, os demais se desligam simultaneamente. O nó 
borromeano serve para demonstrar o caráter indissociável dos três registros e sua 
articulação na estrutura. Lacan afirmou que o nó borromeano lhe caiu como um “anel 
no dedo”, “na medida em que, através dele, pôde demonstrar algo que seria impossível 
expressar com palavras: a propriedade (ou a qualidade) borromeana demonstra o fato de 
que tudo começa no três, de que é preciso pelo menos três para que a estrutura se dê”60. 
O real é um termo utilizado como substantivo por Lacan, introduzido em 1953 e 
extraído, simultaneamente, do vocabulário da filosofia e do conceito freudiano de 
realidade psíquica, para designar uma realidade fenomênica, que é imanente à 
representação e impossível de simbolizar. O real designa a realidade própria da psicose, 
na medida em que é composto dos significantesforacluídos do simbólico. Ele diz 
respeito ao que não possui representação possível, que está fora do simbólico, não 
 
60 JORGE, M.A.C. “Inconsciente e linguagem: o simbólico”. In: Fundamentos da Psicanálise de Freud a 
Lacan: as bases conceituais, p. 94/95. 
 
 
40 
 
havendo, portanto, palavras para dizê-lo – remete ao excesso inassimilável, ao 
traumático e ao impossível, sendo, portanto, aquilo que escapa à análise e constitui os 
limites da nossa experiência. É aquilo que “retorna sempre no mesmo lugar”61. Em 
outras palavras, o real é da ordem do não-sentido, do nonsense. 
O simbólico é um termo extraído da antropologia e empregado como substantivo 
masculino por Lacan (1936-1953) para designar um sistema de representação baseado 
na linguagem, isto é, em signos e significações que determinam o sujeito à sua revelia. 
Remete à própria psicanálise, que está fundamentada na eficácia de um tratamento que 
se apoia na fala e no inconsciente como tesouro dos significantes. É a amarração 
simbólica que permite que um significante se atrele a um outro significante, produzindo 
um sentido. O simbólico diz respeito ao "saber em jogo na própria experiência 
analítica”62 e é responsável, portanto, pelas “transformações mais profundas para o 
sujeito”63. É simbólico aquilo que é da ordem do duplo-sentido, da ambigüidade. 
O imaginário é um termo derivado do latim imago (imagem) e empregado como 
um substantivo na filosofia e na psicologia para designar aquilo que se relaciona com a 
imaginação, isto é, com a faculdade de representar coisas em pensamento, 
 
61 JORGE, M.A.C. “Inconsciente e linguagem: o simbólico”. In: Fundamentos da Psicanálise de Freud a 
Lacan: as bases conceituais, p. 96. 
62 Idem, p. 94. 
63 Ibidem, p. 94. 
 
 
41 
 
independentemente da realidade. Utilizado por Lacan, a partir de 1936, o termo é 
correlato da expressão estádio do espelho e designa uma relação dual com a imagem do 
semelhante e de si mesmo. 
Lacan concebe o estádio do espelho partindo da observação do psicólogo Henri 
Wallon (1879-1962), como uma teoria que revela o papel da alteridade na constituição 
do eu. Situado entre os seis e os dezoito primeiros meses de vida, é um momento no 
qual a criança antecipa o domínio da sua unidade corporal através de uma identificação 
com a imagem do semelhante, que, geralmente, é a mãe, e pela percepção de sua 
imagem no espelho. Ocorre, portanto, quando ainda não há a representação de um corpo 
unificado. É por ocasião da entrada nesse estádio que se estabelece um tipo de relação 
com o outro (a) – chamada imaginária. O corpo do outro, então unificado, torna-se 
modelo de representação para si mesmo, um eu-ideal. É o terreno que prepara o advento 
do corpo simbólico. 
O estádio do espelho de Lacan pode ser relacionado ao conceito de narcisismo 
em Freud, ou seja, a captura amorosa do sujeito pela sua imagem é uma experiência 
formadora do eu. A partir dessa concepção, Lacan afirma que “o eu é um outro”, na 
medida em que se funda a partir da relação com o outro. 
 
 
42 
 
O registro do imaginário está diretamente vinculado ao simbólico, na medida em 
que preenche as lacunas entre um significante e o outro, permitindo uma significação 
particular a cada sujeito, e, portanto, sendo responsável pela produção de sentido. 
 
Lacan utiliza as categorias psiquiátricas de forma peculiar, tratando-as 
estruturalmente. Dos tipos descritivos, busca extrair a estrutura do sujeito, cernindo no 
discurso de cada paciente aquilo que, funcionando como um operador estrutural, 
organiza o modo de cada sujeito lidar com a castração simbólica. 
À luz dos postulados psicanalíticos, Lacan busca reduzir as categorias nosológicas 
da psiquiatria, inicialmente, a dois grandes campos – neurose e psicose - e, 
posteriormente, com a topologia dos nós, faz uma única concepção de estrutura com 
diferentes modos de amarração. 
De acordo com Quinet, em As 4 + 1 condições de análise, é a partir do simbólico 
que podemos fazer o diagnóstico diferencial estrutural, considerando os três modos de 
negação do Édipo, correspondentes às estruturas clínicas: neurose, psicose e perversão. 
Partindo do legado de Freud, Lacan considera a castração como o ponto a partir do 
qual a estrutura se organiza e toma o complexo de Édipo como um ‘operador da 
estrutura’. A castração passa a ser vista como uma lei e o falo como um significante – 
da falta. A lei à qual o significante está submetido é a lei da castração simbólica, que 
 
 
43 
 
instaura a falta estrutural, presente para cada sujeito a partir de sua entrada no mundo da 
linguagem – com exceção do psicótico, para o qual a falta está foracluída. Assim, é em 
torno da falta na estrutura que o sujeito se organiza. 
É no contexto do complexo de Édipo que, dependendo de como o sujeito lida com 
a castração, o resultado será distinto e se delimitarão as diferentes estruturas clínicas na 
psicanálise. Logo, é importante retomar, brevemente, os três tempos do Édipo, divisão 
proposta por Lacan no Seminário 5, na seção intitulada "A lógica da castração”. 
No primeiro tempo do Édipo, há uma atribuição fálica da criança pela mãe, que a 
toma como “objeto de desejo”. Reconhecida na posição fálica, a criança assim se 
identifica imaginariamente como objeto de desejo materno, tentando satisfazer o desejo 
da mãe. Ao mesmo tempo, a criança vai realizando uma atribuição fálica ao mundo que 
lhe cerca – primazia do falo. A castração remete à descoberta progressiva da criança de 
que é insuficiente para recobrir totalmente o desejo materno. Se a criança se identifica 
ao "ser o falo” para a mãe, é, somente, em um momento posterior, através do Nome-do-
Pai 64, que a criança terá acesso à referência fálica. 
 
64 Nome-do-pai: termo criado por Lacan em 1953 e conceituado em 1956, designando o significante da 
função paterna. É o significante primordial que representa a função paterna, que barra o acesso ao gozo 
entre mãe e filho, delimita uma lei, um inscrição que implica em uma subtração do gozo. O sujeito passa 
a ser marcado pela falta, pela impossibilidade de ter tudo, de gozar de tudo, o que viabiliza, 
paradoxalmente, o acesso ao próprio desejo. 
 
 
44 
 
O segundo tempo é o que Lacan chama de “momento privativo do complexo de 
Édipo”, quando o pai intervém efetivamente como privador da mãe. O pai aparece, 
agora, como onipotente, já que é aquele que priva a mãe do objeto de seu desejo, ou 
seja, regula a relação da criança com a mãe. Se interdita a mãe de tomar a criança como 
objeto de seu desejo, “o que é castrado, no caso, não é o sujeito e sim a mãe”65. 
 Trata-se do estádio nodal do Édipo, pois a lei do pai aparece de forma 
semivelada, através do discurso da mãe. Há o primeiro aparecimento da lei, onde “a 
mãe é dependente de um objeto, que já não é simplesmente o objeto de seu desejo, mas 
um objeto que o Outro tem ou não tem”.66 
Em “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos”, de 
1925, Freud assinala que o complexo de castração é dissimétrico na menina e no 
menino. A menina “viu, sabe que não tem e quer tê-lo”, o que explicaria o “complexo 
de masculinidade”. 
É possível dizer que a diferença anatômica entre os sexos é importante, mas não 
dispensa sua subjetivação, ou seja, só é inscrita no a posteriori, quando a criança 
simboliza esta distinção, posicionando-se ativa ou passivamente. A atividade, segundo 
Freud, estaria ligada à posição masculina e a passividade, à feminina. 
 
65 LACAN, J. O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente, p. 191. 
66 Idem, p. 199. 
Excluído: –
Excluído: - As
 
 
45 
 
Não obstante, tanto para a menina quanto para o menino, é preciso a ‘aceitação’ 
de que não se tem:“... para tê-lo, primeiro é preciso que tenha sido instaurado que não 
se pode tê-lo, de modo que a possibilidade de ser castrado é essencial na assunção do 
fato de ter o falo”.67 
A ameaça de castração é, portanto, um ato simbólico que diz respeito a uma 
ameaça imaginária, onde o agente é real – o pai ou a mãe. 
Freud ressalta que: “enquanto que nos meninos, o complexo de Édipo é destruído 
pelo complexo de castração, nas meninas ele se faz possível e é introduzido pelo 
complexo de castração”.68 Ou seja, o menino sai do complexo de Édipo pela ameaça da 
castração – de ser castrado pelo pai – e a menina entra, justamente, após constatar o 
“não ter” e dirigir seu apelo ao pai. A saída da menina do complexo de Édipo seria, 
então, algo mais enigmático, “obscuro e cheio de lacunas”69. 
 Lacan postula que “a terceira etapa é tão importante quanto a segunda, pois é dela 
que depende a saída do Édipo” 70. Aqui, o falo aparece como o objeto desejado pela mãe 
 
67 Ibidem, p. 200. 
68 FREUD, S. “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos”, AE, v. XIX, p. 
275; ESB, v. XIX, p. 285. 
69 FREUD, S. “A dissolução do complexo de Édipo”, AE, v. XIX, p. 185; ESB, v. XIX, p. 197. 
70 LACAN, J. O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente, p. 200. 
Excluído: –
Excluído: - A
 
 
46 
 
e não apenas como objeto do qual o pai pode privar. Nesse sentido, “o pai pode dar à 
mãe o que ela deseja e pode dar porque o possui”71. 
O pai aparece aqui como um pai potente e real, como aquele que tem. A saída do 
Édipo ocorre pela identificação com o pai, como aquele que tem o falo. Lacan afirma: 
“É por intervir como aquele que tem o falo que o pai é internalizado no sujeito como 
Ideal do eu – I(A), e que, a partir daí, não nos esqueçamos, o complexo de Édipo 
declina” 72. 
O desfecho é distinto na menina e no menino. Para Lacan, o caso da menina é 
mais simples: “Ela não tem que fazer uma identificação, nem guardar esse título de 
direito à virilidade (menino). Ela, a mulher, sabe onde ele está, sabe onde deve ir buscá-
lo, o que é do lado do pai, e vai em direção àquele que o tem”73. O menino, por sua vez, 
se identifica com o pai como o “possuidor de pênis” e sua saída do complexo de Édipo 
se faz possível pela ameaça de ser castrado pelo pai. 
Para Lacan, o “não-ter” da mulher lhe confere certas vantagens no amor, situando-
a na ordem da sublimação ou da criação. Esta teria uma facilidade maior para criar algo 
em torno do nada, sendo a sublimação ligada à capacidade de “elevar o objeto à 
dignidade da Coisa” (1959/60). 
 
71 Idem, p. 200. 
72 Ibidem, p. 201. 
73 Idibidem, p. 202. 
 
 
47 
 
A posição feminina é situada, por Lacan, no lugar do indecidível entre o que é 
“para todo homem” – a castração possível – e o que lhe advém de sua “particularidade 
negativa” – impossível a castrar –, no sentido de que já é castrada, logo, não se pode 
castrar o que não tem. 
A castração é, portanto, uma função simbólica e real na constituição do sujeito, 
encaminhando-o em direção ao seu desejo. É porque algo falta ao sujeito, que este pode 
vir a desejar. A partir da castração, três estruturas clínicas são possíveis – neurose, 
psicose e perversão – três modos de negação do Édipo. 
Para a psicanálise, as estruturas clínicas demonstram o modo de relação do sujeito 
com o seu desejo. Na neurose, o sujeito nega a castração através do recalque74 
(Verdrängung), ou seja, há uma separação entre afeto e idéia, sendo que esta última é 
mantida afastada da consciência por ser “indesejável”; o sintoma neurótico seria, 
justamente, o retorno do recalcado em uma forma simbolizada. Na perversão, o sujeito 
desmente a castração (Verleugnung) – recusa, renegação –, isto é, refuta a inexistência 
do falo na mãe; o menino, por exemplo, recusa-se a reconhecer a percepção já que esta 
o levaria a aceitar sua própria castração, sendo o fetichismo um substituto possível do 
 
74 Recalque – designa o processo que visa a manter, no inconsciente, todas as idéias e representações 
ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do funcionamento psíquico, 
transformando-se, portanto, em uma fonte de desprazer. Para Freud, o recalque é constitutivo do núcleo 
original do inconsciente. 
 
 
48 
 
falo materno. Já no caso da psicose, há a foraclusão do Nome-do-pai, mecanismo 
específico que remete à rejeição desse significante (Verwerfung) – “o eu rechaça a 
representação insuportável ao mesmo tempo que o seu afeto” 75. Nenhum traço é 
conservado e a falta permanece foracluída. 
De acordo com essa leitura, podemos considerar alguns pontos principais: 1) o 
diagnóstico em psicanálise é um diagnóstico estrutural, que se baseia ‘nos ditos dos 
pacientes articulados ao dizer’76, estando o analista aí incluído a partir da transferência; 
2) há apenas uma estrutura – a estrutura da linguagem, que provoca diferentes ‘efeitos’ 
no sujeito; 3) o sintoma seria o ponto de amarração, ou ainda, uma modalidade de 
amarração por onde o sujeito se situa na estrutura; 4) para que possamos realizar um 
diagnóstico diferencial entre as estruturas clínicas – neurose, psicose e perversão –, 
devemos conhecer as possíveis formas de amarração do sujeito na estrutura: recalque 
(Verdrängung), foraclusão (Verwerfung) e renegação (Verleugnung), respectivamente. 
A partir do percurso realizado em nossa discussão, podemos dizer que a depressão 
não é, por si mesma, uma estrutura, apresentando-se mais como um fenômeno ou um 
estado – ‘estado depressivo’ –, que pode se manifestar tanto em sujeitos neuróticos 
quanto psicóticos. 
 
75 LIMA, J.C.S. Psicoses entre nós, p. 15. 
76FIGUEIREDO, A.C. & MACHADO, O.M.R. “O diagnóstico em psicanálise: do fenômeno à estrutura”, 
p. 81. 
 
 
49 
 
Para Quinet (1999), o que encontramos, na clínica, são “estados depressivos”, que 
ocorrem em algum momento na vida de um sujeito e apresentam uma história subjetiva 
precisa. Em outras palavras, não há como falar em “a depressão”, principalmente dentro 
da perspectiva estrutural da psicanálise. Freud, no entanto, não deixou de fazer alusão à 
depressão, como veremos no próximo capítulo. 
A depressão seria, assim, um fenômeno que pode ser analisável, na medida em 
que se apresente como um sintoma diante do qual o sujeito se interroga. Pode aparecer 
nas diferentes estruturas clínicas – neurose e psicose –, ligando-se a um momento 
significativo para o sujeito. 
 Se a depressão, como fenômeno, pode remeter a uma determinada estrutura 
clínica, elegemos, em nossa pesquisa, tomar como ponto de partida a depressão, 
apresentando-se numa estrutura clínica vinculada à neurose, associando com o caso 
clínico, que relatamos no próximo capítulo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
50 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO II 
AA DDEEPPRREESSSSÃÃOO NNAA VVEELLHHIICCEE 
 
 
51 
 
 
2.1 - Apresentação do caso clínico: “ou eu mato meu marido ou ele me mata” 
 
D. tem 74 anos e foi encaminhada pela triagem do Núcleo de Atenção ao Idoso 
(NAI) da Universidade Aberta da Terceira Idade (UNATI/UERJ), para a equipe de 
psicologia, apresentando, desde o início, uma demanda de atendimento individual. 
Comparece, em sua primeira entrevista, muito bem vestida e arrumada e fala de 
sua história de vida e da razão que a levou a buscar ajuda. Conta sobre o quanto vem se 
sentindo “deprimida” e sem vontade de fazer nada e que, há muito tempo, não acha 
“graça” na vida. Sente-se “desanimada” e sem disposição desde que seu marido faleceu, 
há sete anos. 
O marido morreu subitamente, devido a uma parada cardíaca que não pôde ser 
revertida pelos médicos. Até os dias atuais, D. refere que a perda lhe é inaceitável e queacredita que tenha sido um erro médico. Ressente-se por não ter tido tempo de se 
despedir do marido e reconhece que, desde então, não conseguiu mais chorar, tendo se 
tornado “uma pessoa fria e congelada”. 
As queixas trazidas por D., nas entrevistas preliminares, referiam-se a uma falta de 
vontade de viver, a um desânimo permanente, que fora nomeado, pela mesma, como 
uma “depressão”. 
 
 
52 
 
 Inicialmente, a “depressão” constitui uma queixa sintomática, diante da qual a 
paciente não se implica subjetivamente. É um sintoma que lhe incomoda, fazendo com 
que se “sinta mal” e ela quer eliminá-lo sem saber por que se sente assim. 
Em certa ocasião, diz: “aqui é o único lugar onde posso me queixar”, indicando 
que começa a haver um certo endereçamento ao trabalho analítico, apesar de ainda não 
existir uma demanda de análise. Nesse momento, a paciente ia às sessões, sobretudo 
para se queixar, não se implicando ainda no que era trazido. A relação transferencial 
ainda não havia se instalado e é esta que assinala o início do trabalho da análise, pois 
atualiza o modo de relação do sujeito com o seu desejo. 
Ao longo de seu percurso clínico, questões importantes foram emergindo no 
discurso de D., possibilitando a instauração do trabalho analítico. Uma de suas falas é 
determinante: “ou eu mato meu marido ou ele me mata” 77. Pela primeira vez, seus 
olhos se enchem de lágrimas e ela diz o quanto se sente “sufocada” por não conseguir, 
até hoje, chorar pela morte do seu marido. 
A frase em questão aponta, inicialmente, para uma identificação narcísica com o 
marido morto: ao se matar, poderia matar o seu marido e tudo aquilo que o ligava a ele. 
Tratar-se-ia de uma melancolia, ou, mais especificamente, de traços melancólicos em 
uma histeria? Deixaremos a questão em suspenso até que possamos retornar a ela. 
 
77 Essa frase da paciente será retomada posteriormente na discussão do caso. 
 
 
53 
 
D. relata que, inúmeras vezes, pensou em se suicidar, acreditando que esta seria a 
única forma de eliminar seu sofrimento. Ao ser indagada sobre se havia pensado em 
como realizaria este ato, ela responde que sim – com um tiro na cabeça, pois no coração 
poderia “errar”. 
O risco de um suicídio, remetendo a uma possível gravidade do caso, acarretava 
preocupação e instigava à reflexão. Uma pergunta começou a se impor: ao risco de 
suicídio, poderíamos contrapor a possibilidade de um trabalho pela palavra que 
viabilizasse uma mudança de posição? 
Outra pergunta surgiu posteriormente: até que ponto a preocupação com a 
gravidade do caso, ligada ao risco de suicídio, poderia ser articulada a própria 
insistência da paciente em torno deste tema? D. costumava perguntar à analista se a 
gravidade do seu caso lhe causava preocupação. Sua insistência no tema do suicídio 
também começou a sugerir uma estrutura neurótica – histérica, o que discutiremos 
mais adiante. 
Não descartada a gravidade de seu sofrimento, bem como o próprio risco de 
suicídio, a analista oferece sua escuta, deixando em suspenso as questões relacionadas 
ao tema. 
Se, no início de seu tratamento, D. apenas afirmava “estou deprimida", "a vida não 
tem graça e não tenho mais vontade de viver”, sem implicação subjetiva, 
 
 
54 
 
progressivamente, ela começa a indagar sobre a razão de sua depressão. Reconhecia 
que, mesmo tendo tudo na vida, continuava a se sentir “deprimida”. Com tal 
questionamento, que era, ao mesmo tempo, estranheza, começou a haver uma abertura 
ao trabalho. D. passa a se perguntar por que se sente “deprimida”, mudança que a 
conduz a trabalhar em análise. 
Ao falar da falta de vontade de viver, de sua “revolta” com o marido, que havia 
falecido, D. mostrava um sorriso, a princípio, misterioso, mas que parecia, às vezes, um 
sorriso gozador, irônico. Ao longo do trabalho analítico, este sorriso foi, aos poucos, 
sendo esclarecido, pois ela própria começa a indagar: “por que será que sorrio, quando é 
difícil falar?”. 
Em determinada sessão, diz: “sabe, às vezes, sorrio para fugir de mim, pois é 
muito difícil me encarar”. Afirma que acredita que, na vida, as pessoas devem se 
mostrar fortes diante dos outros, para que não percebam que não estão tão bem – chama 
isso de se fazer de “tartaruga”. A analista pontua a palavra “tartaruga” e ela diz que a 
tartaruga tem uma couraça protetora, que serve de escudo protetor e dá a idéia de força 
para quem olha. A associação livre, que começa a partir de seu sintoma, vai produzindo 
e revelando nexos valiosos em seu discurso. 
D. conta que sempre sentiu a obrigação de ser a “fortaleza” da família e que seus 
filhos e netos lhe cobram estar sempre bem. Relata que o marido sempre fora a sua 
 
 
55 
 
fortaleza e que este fazia tudo por ela. Logo que ele faleceu, havia depositado a mesma 
expectativa no neto, já que havia cortado relações com o seu filho. 
 “Quem é a minha fortaleza agora?”, D. pergunta à analista, revelando o lugar 
desta na transferência, desejando que a analista viesse a ocupar este lugar de ser a sua 
“fortaleza”. Evidentemente, não cabe à analista responder ou oferecer qualquer 
asseguramento, mas acolher esta fala e poder fazer prosseguir o trabalho analítico. 
D. relata que tem uma neta, também psicóloga e, provavelmente, da mesma idade 
que a analista. Acha que deve ser muito difícil ouvir tantas “coisas pesadas” dos outros, 
sendo ainda tão jovem. Estaria a analista aberta a escutar aquilo que tinha a dizer, eis a 
indagação implícita. De início, a resistência era revelada pela falta de confiança na 
analista e, muitas vezes, por uma certa ironia presente na observação sobre a idade da 
analista, demonstrando não acreditar que alguém da idade da neta poderia tratá-la. 
Do lado da analista, houve, por algum tempo, uma preocupação relacionada à 
expectativa de demovê-la da idéia de suicídio, portanto, de salvá-la. Na medida em que 
estes aspectos foram sendo trabalhados tanto em supervisão como em análise pessoal, o 
trabalho analítico desliza da fala sobre suicídio para outras questões, até então não 
faladas. 
Em um momento delicado, quando D. faz girar, enfaticamente, seu discurso em 
torno do tema do suicídio e chega a afirmar que quer se matar para se juntar ao marido, 
 
 
56 
 
a analista a encaminha para atendimento psiquiátrico, que será mantido ao longo de seu 
percurso analítico. O psiquiatra receita um antidepressivo tricíclico (Nortriptilina) e 
mantém o acompanhamento médico em paralelo ao trabalho analítico. Durante o 
período mais crítico, o atendimento psicanalítico passa a ser realizado duas vezes por 
semana, assegurando à paciente um espaço de fala, em que pudesse ser acolhida. 
Sobre a consulta com o psiquiatra, D. diz que não conseguiu “enganá-lo”, pois 
este disse que ela não havia ainda enterrado o seu marido. Ela se emociona ao falar 
disso e acha que ele tem razão, que precisaria enterrá-lo. 
D. canaliza para sua análise a questão que surge no contato com o psiquiatra, cuja 
intervenção lhe faz enigma, questionando-se sobre o porquê de não conseguir ‘enterrar’ 
o seu marido. Até então, a morte do marido era encarada como um abandono, o qual 
tinha muita dificuldade de aceitar. 
Cabe dizer que a paciente sentiu-se acolhida pelo psiquiatra, que, além oferecer 
uma resposta medicamentosa (que veio a viabilizar, ainda mais, a análise), faz uma 
intervenção que lhe “faz questão”. Podemos dizer que o psiquiatra usou o discurso do 
analista, que instiga e causa desejo, e não o discurso do mestre, extremo do discurso do 
“médico cientificista” e da lógica da medicalização, que responde ao “mal-estar” do 
sujeito tentando tamponá-lo. 
 
 
57 
 
No caso de D., havia uma enorme dificuldade de elaboração do luto pela morte do 
marido, uma vez que esta não conseguia nem chorar sua perda. Estava sempre bem 
vestida e bonita, com um sorriso um pouco irônico,

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