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Winnicott
na Escola de São Paulo
Elsa Oliveira Dias
Zeljko Loparic
(orgs.)
© by DWW editorial para a edição em língua portuguesa
1ª. edição: maio de 2011
eISBN: 978-85-62487-07-1 (on line)
Diretores: Elsa Oliveira Dias (elsadias@uol.com.br)
Zeljko Loparic (loparicz@uol.com.br)
Conselho editorial: Ariadne Moraes (ariadne.moraes@uol.com.br)
Caroline Vasconcelos Ribeiro (carolinevasconcelos@hotmail.com)
Conceição A. Serralha (serralhac@hotmail.com)
Eder Soares Santos (edersan@hotmail.com)
Oswaldo Giacoia Junior (ogiacoia@hotmail.com)
Róbson Ramos dos Reis (robsonramosdosreis@gmail.com)
Roseana Moraes Garcia (roseanagarcia@uol.com.br)
Vera Laurentiis (veralaurentiis@terra.com.br)
Coordenação editorial: Meire Cristina Gomes (meire@sbpw.com.br)
Diagramação digital: Microart Com. Editoração Eletrônica Ltda. (www.microart.com.br)
Capa: Sandra Rosa
Texto em conformidade com o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária
Eliana Marciela Marquetis – CRB-8 nº 3573
Winnicott na Escola de São Paulo [recurso eletrônico] / Elsa Oliveira Dias e Zeljko Loparic
(orgs.). – São Paulo : DWW Editorial, 2011.
v.: digital. - (Coleção Psicanálise Winnicottiana)
eISBN 978-85-62487-07-1(on line)
1. Winnicott, D. W. (Donald Woods), 1896-1971. 2. Psicanálise. 3. Psicologia educacional. 4.
Psicologia infantil. I. Dias, Elsa Oliveira. II. Loparic, Zeljko. III. Série.
21 CDD 150.195
370.15
155.4
Índice para catálogo sistemático
Psicanálise 150.195
Psicologia educacional 3790.15
Psicologia infantil 155.4
DWW editorial
Rua João Ramalho, 146 – Perdizes
mailto:elsadias@uol.com.br
mailto:loparicz@uol.com.br
mailto:ariadne.moraes@uol.com.br
mailto:carolinevasconcelos@hotmail.com
mailto:serralhac@hotmail.com
mailto:edersan@hotmail.com
mailto:ogiacoia@hotmail.com
mailto:robsonramosdosreis@gmail.com
mailto:roseanagarcia@uol.com.br
mailto:veralaurentiis@terra.com.br
mailto:meire@sbpw.com.br
http://www.microart.com.br/
CEP 05008-000 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 3676-0635
E-mail: dwweditorial@sociedadewinnicott.com.br
www.dwweditorial.com.br
mailto:dwweditorial@sociedadewinnicott.com.br
http://www.dwweditorial.com.br/
Sumário
Prefácio
Sobre os autores
Parte I
Surgimento do paradigma winnicottiano
De Freud a Winnicott: aspectos de uma mudança paradigmática
Zeljko Loparic
1. O paradigma freudiano
2. A crise do paradigma freudiano e os principais resultados
da pesquisa revolucionária de Winnicott
3. Detalhamento de alguns aspectos teóricos da revolução
winnicottiana
Referências
A irritabilidade (Reizbarkeit) como característica distintiva do
aparelho psíquico de Freud
João Paulo F. Barretta
1. Introdução
2. O aparelho psíquico na primeira tópica (cap. VII de A
interpretação dos sonhos)
3. A característica essencial do aparelho psíquico freudiano: a
Reizbarkeit
4. Os problemas clínicos enfrentados pelo modelo de 1900 e a
solução freudiana
5. Conclusão
Referências
Winnicott e uma psicanálise sem metapsicologia
Leopoldo Fulgencio
1. Introdução
2. Natureza, função e características dos conceitos meta-
psicológicos para Freud
3. Os sentidos do termo metapsicologia na obra de Winnicott
4. Críticas de Winnicott aos conceitos de pulsão de vida
(Lebenstriebe) e de morte (Todestriebe)
5. A redescrição do conceito de instinto e o abandono do
conceito de pulsão (Trieb)
6. A substituição do conceito de pulsão (Trieb)
7. O abandono da noção de aparelho psíquico
8. O abandono do conceito de libido como uma energia
psíquica
9. A substituição da teorização metapsicológica pela factual
Referências
Winnicott e o Middle Group: a diferença que faz diferença
Ariadne Alvarenga de Rezende Engelberg de Moraes
1. Psicanálise britânica
2. Winnicott: dissidência política ou teórica?
3. Rompimento com Klein
4. Winnicott e os teóricos das relações objetais: a diferença
5. A diferença compreendida como contribuição teórica
Referências
Winnicott e Heidegger: relações entre o amadurecimento pessoal e
a acontecência humana
Eder Soares Santos
1. Introdução
2. Relação entre a teoria psicanalítica de Winnicott e a
filosofia de Heidegger
3. Relação entre a teoria do amadurecimento e a psicanálise
tradicional
4. Heidegger e Winnicott: relação de interlocução
5. A acontecência humana e o amadurecimento pessoal:
relação conceitual
6. Mudança de paradigma em Winnicott
7. Considerações finais
Referências
Heidegger e Winnicott: pensadores da origem (Anfang)
Caroline Vasconcelos Ribeiro
Referências
Parte II
Articulação do paradigma winnicottiano
A teoria winnicottiana do amadurecimento como guia da prática
clínica
Elsa Oliveira Dias
1. Introdução
2. A teoria do amadurecimento como guia da ação terapêutica
3. A teoria do amadurecimento
4. Critérios para uma classificação dos distúrbios psíquicos
5. As diferentes naturezas de um mesmo distúrbio segundo a
teoria do amadurecimento
Referências
O ambiente winnicottiano
Conceição A. Serralha de Araújo
1. O ambiente na obra de Winnicott
2. Winnicott e Freud
3. Considerações finais
Referências
Condições traumáticas na relação mãe-bebê
Orestes Forlenza Neto
Referências
A questão do suicídio na teoria de D. W. Winnicott
Flávio Del Matto Faria
Referências
O papel do pai no processo de amadurecimento em Winnicott
Claudia Dias Rosa
1. Introdução
2. A presença do pai no período de dependência absoluta
3. A presença do pai no período de dependência relativa
4. A presença do pai no estágio do concernimento
5. A presença do pai no estágio edípico
Referências
A incerta conquista da morada da psique no soma em D. W.
Winnicott
Vera Regina F. de Laurentiis
Referências
A teoria do amadurecimento pessoal de D. W. Winnicott e a
fisioterapia
Maria Emília Mendonça
1. No que consiste a teoria winnicottiana do amadurecimento
pessoal
2. Os primeiros estágios do amadurecimento pessoal
3. A compreensão dos primeiros estágios do amadurecimento
pessoal e a fisioterapia
4. Cenário atual da prática do fisioterapeuta
5. Vinheta de um tratamento fisioterápico com a presença de
questões complicadoras
6. Como se dá a formação do fisioterapeuta
7. D. W. Winnicott falando diretamente aos fisioterapeutas
8. Possíveis aproximações entre o pensamento de Winnicott e
aspectos da fisioterapia
Referências
Parte III
Exemplares do paradigma winnicottiano
O caso B: a mãe perfeita e a constituição do si-mesmo
Gabriela Galván
Referências
Os elementos masculino puro e feminino puro na clínica: a história
de Vítor
1. Introdução
2. Com um pé em cada canoa
3. Considerações finais
Referências
O manejo de Winnicott no caso Philip
Maria de Fátima Dias
1. Introdução
2. Diagnóstico
3. A história de Philip
4. O manejo
5. Conclusão
Referências
O uso da consulta terapêutica na clínica da tendência antissocial
Roseana Moraes Garcia
1. A tendência antissocial
2. As consultas terapêuticas
3. Luana
4. Primeira entrevista com a mãe
5. Consulta terapêutica com Luana
6. Segunda entrevista com a mãe
7. Comentários
Referências
Um caso clínico: sobre as repercussões derivadas da atitude de
cuidado no início da apresentação de sintomas antissociais
Alice McCaffrey Busnardo
1. O caso clínico de Pedro
2. O Jogo de Varetas
3. Trechos de sessões
4. Desdobramentos
5. Considerações finais
Referências
A construção do eu de crianças cegas congênitas
Maria Lucia Toledo Moraes Amiralian
1. A teoria do amadurecimento e a construção do eu da
criança com cegueira congênita
2. O desenvolvimento emocional primitivo e a criança com
cegueira congênita
3. Considerações finais
Referências
Perto das trevas: a história de um colapso
Edna Pereira Vilete
Referências
A função do falso self na produção de uma diva: o caso Maria
Callas
Alfredo Naffah Neto
1. A diva, que fascina...
2. Maria Callas, vida e obra
3. Mimetizando figuras do mundo por meio do falso self: a
criação da diva
Referências
Prefácio
Com a coletânea Winnicott na Escola de São Paulo, comemoramos o
décimo aniversário da fundação, em 2001, do Centro Winnicott de São
Paulo (CWSP). Várias outras datas, relativas a iniciativas afins que tambémempreendemos em conjunto, merecem ser associadas a essa comemoração:
o início, em 1995, da série ininterrupta de Colóquios Winnicott de São
Paulo, de caráter internacional; a criação formal, também em 1995, na
PUC-SP, do Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas
(GFPP), credenciado junto ao CNPq e hoje sediado na Unicamp; o
lançamento, por esse grupo, em 1999, da revista Natureza humana. Em
2003, o CWSP abriu a Escola Winnicottiana de Psicanálise, transformada,
em 2005, em filial da Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana
(SBPW), fundada nesse mesmo ano com o objetivo de promover o estudo e
o desenvolvimento da psicanálise winnicottiana, bem como a formação de
profissionais que desejam atuar nesse quadro teórico e clínico. Em 2008, a
Sociedade Winnicott ganhou sede própria em São Paulo, que hoje abriga,
além da Escola, a DWW editorial, a editora da Sociedade. Já em 2006,
foram criados os Centros Winnicott do Triângulo Mineiro e de Campinas,
os quais, junto com os mais recentes Grupos Winnicott de Lorena e Belo
Horizonte, desenvolvem, em níveis diferentes, essas mesmas atividades.
A caracterização inicial da psicanálise winnicottiana, usada como base
do ensino na Escola Winnicottiana de Psicanálise e das pesquisas dos
membros dos centros e dos grupos da SBPW, foi feita nos trabalhos
desenvolvidos no quadro do GFPP, de acordo com uma linha de pesquisa
desenvolvida por Zeljko Loparic já em meados dos anos 1980. Tendo
fundado, em 1983, no Centro de Lógica da Unicamp, o Curso de
Especialização em Fundamentos Filosóficos da Psicologia e da Psicanálise,
Loparic começou a trabalhar a filosofia e a história da psicanálise usando
um referencial teórico próprio, elaborado com base na 1) teoria kantiana de
resolução de problemas filosóficos e científicos, 2) teoria dos paradigmas e
das mudanças de paradigmas nas ciências factuais de Thomas S. Kuhn,
inserida no horizonte mais amplo de uma teoria da ciência em geral como
atividade de resolução de problemas e 3) fenomenologia heideggeriana da
relação do homem ao ser, tomada como base para a desconstrução da
metafísica e como ponto de partida para a elaboração de um novo tipo de
saber, tanto filosófico como científico, sobre o homem. Kant era empregado
para repensar a estrutura da psicanálise freudiana, Kuhn para dar um
enfoque metodológico e epistemológico preciso ao estudo do
desenvolvimento das teorias e das práticas clínicas psicanalíticas pós-
freudianas, e Heidegger para desconstruir os ingredientes metafísicos da
psicanálise tradicional e lançar os alicerces filosófico-antropológicos para
uma possível ciência psicanalítica pós-metafísica.
Essa linha de pesquisa, enriquecida pelos trabalhos teórico-clínicos de
Elsa Oliveira Dias sobre Winnicott, recebeu um impulso decisivo das
seguintes descobertas fundamentais, feitas ainda na fase informal da
existência do GFPP, no início dos anos 1990, e consolidadas
posteriormente: 1) Winnicott abandonou o Édipo como complexo nuclear
da psicanálise, substituiu a teoria da sexualidade pela teoria do
amadurecimento pessoal e recusou o modo de teorização metapsicológico,
de inspiração kantiana; 2) ao fazer isso, além de trazer muitas outras
contribuições, Winnicott produziu, por uma operação que pode ser
comparada a um Gestalt switch, uma mudança do paradigma da psicanálise
tradicional e 3) o paradigma winnicottiano da psicanálise, não-edipiano,
maturacional e pós-metapsicológico, admite ser aproximado, de maneira
frutífera, do pensamento do ser de Heidegger, em particular, do projeto
heideggeriano de uma antropologia científica pós-metafísica, explicitado
em Seminários de Zollikon, que incluísse uma psicopatologia e uma terapia
no quadro de uma antropologia filosófica, cujas bases foram lançadas na
analítica existencial de Ser e tempo.
Os trabalhos realizados de acordo com essa linha de pesquisa, criada na
Unicamp, transferida em seguida para a PUC-SP e continuada atualmente
na SBPW, por seus membros e colaboradores, foram divulgados de várias
formas – dissertações e teses, livros e artigos em revistas nacionais e
estrangeiras. Um número significativo de artigos saiu na revista Natureza
humana, que, inicialmente, era uma publicação local do GFPP e,
posteriormente transformada em revista internacional de filosofia e
psicanálise, tornou-se órgão oficial da SBPW e da Sociedade Brasileira de
Fenomenologia. Outros artigos encontram-se disponíveis na Winnicott e-
Prints, revista eletrônica da SBPW, especializada em aspectos teórico-
clínicos da psicanálise winnicottiana.
A presente coletânea, que faz parte da Coleção Psicanálise
Winnicottiana, da DWW editorial, contém uma seleção de artigos
representativos da Escola, escolhidos pelos próprios autores. Vários desses
textos foram corrigidos ou parcialmente modificados, pelos próprios
autores, para a presente publicação. A normatização foi feita segundo as
regras da APA e as datas das publicações originais das obras de D. W.
Winnicott seguem a classificação de K. Hjulmand, publicada na Natureza
humana, v. 1, n. 2, 1999 e também em:
http://www.winnicottnaturezahumana.com.br.
Os artigos selecionados foram divididos tematicamente em três grupos:
os que tratam do surgimento do paradigma winnicottiano, os que articulam
essa reformulação da psicanálise e, por fim, os que apresentam casos
clínicos ou de outro tipo que ilustram as ideias de Winnicott. No artigo de
abertura, Loparic reapresenta e desenvolve uma das suas teses principais
relativas a Winnicott: a de que este autor, ao operar a mudança
paradigmática na psicanálise, alterou a estrutura e os ingredientes do mundo
no qual os psicanalistas formulam e resolvem problemas clínicos, bem
como o seu modo de ver e de falar. O artigo de João Paulo F. Barretta trata
da irritabilidade do aparelho psíquico, um dos conceitos essenciais da teoria
freudiana, retomando as críticas apresentadas anteriormente na sua tese de
doutorado e baseadas na analítica existencial de Heidegger. Leopoldo
Fulgencio, na perspectiva aberta por Loparic, desenvolve uma das teses
iniciais e fundamentais da Escola: a de que Winnicott reescreveu a teoria
psicanalítica sem recorrer ao modo de teorização especulativo,
característico da parte metapsicológica da psicanálise freudiana. Ariadne
Alvarenga de Rezende Engelberg de Moraes examina um momento
importante da história da psicanálise britânica, a relação entre Winnicott e o
assim chamado Middle Group. O primeiro grupo temático contém mais dois
artigos, nos quais a relação entre Winnicott e Heidegger é estudada por Eder
Soares Santos e Caroline Vasconcelos Ribeiro: o primeiro traça um paralelo
entre a teoria winnicottiana do amadurecimento pessoal e a fenomenologia
da acontecência humana, exposta em Ser e tempo, e a segunda, à luz da
http://www.winnicottnaturezahumana.com.br/
crítica de Heidegger à psicanálise freudiana, mostra a diferença crucial
entre Freud e Winnicott, e, tomando como fio condutor o conceito de
“história de vida”, examina a distinção entre começo e origem.
O segundo grupo temático é encabeçado pelo artigo de Elsa Oliveira
Dias, que explicita o modo como a teoria winnicottiana do amadurecimento
serve de horizonte teórico para a classificação dos distúrbios psíquicos e
como esta, por sua vez, orienta o diagnóstico e a tarefa clínica que daí
decorre. Seguem-se textos que articulam adicionalmente a versão
winnicottiana da teoria psicanalítica. Conceição A. Serralha de Araújo põe
em evidência o ambiente e as relações ambientais, as quais, segundo
Winnicott, fundamentam as relações objetais, tese que implica ser
impossível classificar a psicanálise winnicottiana, junto com a de Klein e de
Fairbairn, entre as teorias das relações objetais. Orestes Forlenza Neto
revisita outro tema central em Winnicott: o do bebê no colo da mãe e os
traumas que podem acontecer nessa situação. Flávio Del Matto Faria
explicita a teoria winnicottiana do suicídio, assunto relativo à problemática
de aniquilação do indivíduo pelas intrusões ambientais na primeira infância,
tal como compreendidapor Winnicott e praticamente inexistente em Freud.
Claudia Dias Rosa dedica-se ao estudo de um tópico que até o presente
momento recebeu pouca atenção nos estudos winnicottianos fora da Escola:
o papel do pai no processo de amadurecimento, mostrando ser este, ao lado
da mãe, figura essencial na constituição de indivíduos sadios. Vera Regina
F. de Laurentiis, tratando da incerta conquista da morada da psique no soma
em Winnicott, e Maria Emília Mendonça, abordando a relação entre a
psicanálise e a fisioterapia, exploram o tema winnicottiano da
personalização, fechando esse grupo de trabalhos com resultados que vão
além da clínica psicanalítica propriamente dita e que chamam por
confrontações adicionais de Winnicott com outras áreas, entre elas a das
práticas preventivas e da medicina, em particular, a psiquiatria e as
neurociências.
O último grupo temático consiste de estudos de casos entendidos como
exemplares do paradigma winnicottiano, isto é, como exemplos de soluções
bem-sucedidas de problemas clínicos tratados ou examinados à luz da
psicanálise winnicottiana. O artigo de Gabriela Galván reconstrói aspectos
centrais de um dos casos clínicos mais importantes relatados por Winnicott,
o caso B, mostrando a conexão entre uma mãe perfeita e as distorções na
constituição do si-mesmo. O artigo coletivo de Cecilia Luiza Montag
Hirchzon, Maria Cecilia Schiller Sampaio Fonseca e Maria Lucia Toledo
Moraes Amiralian apresenta a aplicação clínica de mais um conceito
original de Winnicott: o dos elementos masculino puro e feminino puro.
Maria de Fátima Dias lança luz sobre um procedimento fundamental da
clínica winnicottiana, o manejo, mediante o relato minucioso de um caso
clínico, o de Philip, de 9 anos, em que a família do menino assumiu o
tratamento, sendo orientada de perto por Winnicott. Roseana Moraes
Garcia, a propósito do tratamento da tendência antissocial, apresenta uma
das mais importantes inovações trazidas por Winnicott para a clínica
psicanalítica: as consultas terapêuticas, ilustrando-a com um bem-sucedido
caso, de sua clínica, de uma menina de 8 anos. Alice McCaffrey Busnardo
traz outro caso clínico relativo à mesma área, discutindo as repercussões da
atitude de cuidado no início do tratamento de sintomas antissociais. Maria
Lucia Toledo Moraes Amiralian mostra a relevância da teoria winnicottiana
do amadurecimento a um campo não estritamente psicanalítico: a
construção do eu de crianças cegas congênitas. Edna Pereira Vilete examina
a experiência vivida e contada pelo escritor William Styron à luz dos
conceitos winnicottianos de colapso e de angústia de aniquilamento, assim
como as condições que presidiram a sua recuperação. Por fim, Alfredo
Naffah Neto analisa um caso que ilustra a função do falso si-mesmo (self)
na produção de uma artista excepcional: Maria Callas.
Os trabalhos reunidos nesta coletânea são apenas uma pequena amostra
da produção dos membros da Escola. A totalidade do material encontra-se
disponível nas fontes mencionadas e pode ser identificada nos CV Lattes
dos autores contribuintes, bem como no portal da SBPW:
www.sociedadewinnicott.com.br. Mesmo assim, acreditamos que o leitor
encontrará, neste volume, dados e argumentos suficientes – baseados nas
análises internas da obra de Winnicott tomada no seu todo (esse modo de
proceder é um dos traços distintivos da Escola), nos estudos da história da
psicanálise, nas implicações filosóficas da psicanálise winnicottiana e, por
fim, no material clínico particularmente abundante – para, como indicado
anteriormente, caracterizar a contribuição de Winnicott como uma mudança
http://www.sociedadewinnicott.com.br/
do paradigma da psicanálise, entendendo-se por psicanálise a atividade de
resolução de problemas factuais de um determinado tipo, a saber, de
problemas clínicos.
Em virtude desse resultado fundamental, a leitura de Winnicott praticada
na Escola de São Paulo difere em pontos essenciais de várias outras linhas
de interpretação encontradas na literatura secundária. Em primeiro lugar, a
afirmação de que Winnicott produziu um novo paradigma da psicanálise
implica que ele elaborou uma teoria própria, a qual, assim como a de
Freud, cobre o campo inteiro da psicanálise de modo unitário e articulado –
tese que contradiz todos aqueles, e eles não são poucos, que negam ter
Winnicott uma teoria, chegando mesmo a afirmar que seu pensamento é
apenas fragmentário.
Em segundo lugar, embora Winnicott siga Freud ao apresentar a
psicanálise como uma ciência, uma diferença importante separa esses dois
autores: enquanto Freud constrói a sua disciplina – e a psicologia no seu
todo – como ciência natural, tendo como objeto central de estudo as
pulsões, entidades análogas a forças naturais da física newtoniana, que
agem no interior de um aparelho psíquico pensado segundo o modelo de
uma máquina hidráulica ou de uma entidade biológica, Winnicott toma
como objeto de estudo e de cuidado a natureza humana, que não se
manifesta como uma entidade natural movida por forças, mas como algo
que emerge do nada, preserva a solidão como traço essencial e inerente,
tende a integrar-se numa unidade, para, caso conte com a facilitação
ambiental, tornar-se um ser existente personalizado, capaz de agir no
mundo e até se dar ao luxo de morrer. Essas são as teses pelas quais
Winnicott reposiciona a psicanálise no campo das ciências factuais: a
psicanálise pertence agora ao grupo de ciências humanas, mais
precisamente, ao campo da antropologia, distinto da psicologia quer
naturalista quer não naturalista (por exemplo, a fenomenológica).
Em terceiro lugar, a psicanálise winnicottiana é uma ciência
essencialmente clínica, ou seja, ela é elaborada a partir de problemas que
surgem na clínica psicanalítica – seus conceitos, afirmações e
procedimentos só têm sentido no domínio constituído por esse material – e
é destinada a guiar a resolução desses problemas, isto é, a cura.
Em quarto lugar, por ser uma ciência clínica, a psicanálise winnicottiana
não faz nem pretende fazer nenhuma contribuição direta – Winnicott deixa
isso muito claro – à filosofia, à religião ou à poesia. Essa constatação
contraria, portanto, os leitores que não veem em Winnicott um cientista,
mas um pensador filosofante, como se produzir teorias científicas impedisse
de pensar. Ela tampouco deixa espaço para as teses que misturam Winnicott
com os místicos religiosos em busca do infinito. Opõe-se, por fim, a todas
as tentativas de colocar a sua obra no âmbito da ficção literária. A literatura,
em particular a poesia, dá-nos acesso a toda verdade num flash – Winnicott
concede e valoriza esse ponto, mas adverte que, diferentemente da verdade
científica, a verdade poética não permite acordos intersubjetivos, nem
aplicações no agir humano, inclusive nos procedimentos de cura.
O essencial da contribuição da Escola Winnicottiana de São Paulo aos
estudos winnicottianos pode ser resumido da seguinte forma: a obra de
Winnicott constitui um passo decisivo no progresso da ciência psicanalítica,
da sua forma inicial elaborada por Freud para uma matriz disciplinar que
permite resolver um número de problemas clínicos significativamente
maior, e desenvolver práticas de prevenção e de intervenção social. Como
toda produção que modifica de maneira significativa a direção da pesquisa
numa determinada área, a dos autores reunidos no presente livro suscitou
resistências e ganhou adesões. Os dois lados, cada um a sua maneira,
contribuíram para aumentar o impacto da Escola no campo de estudos sobre
a história e o estado atual da psicanálise tanto no Brasil como no exterior.
Sem dúvida, muitos aspectos do pensamento winnicottiano requerem
articulação e desenvolvimento adicionais. Urge ainda expor a psicanálise ao
diálogo com as ciências do homem de diferentes perspectivas teóricas,
promovendo assim uma reflexão sobre o futuro da disciplina fundada por
Freud. O reconhecimento dessas tarefas, entre várias outras, faz deste
volume apenas um marco num caminho que se estende indefinidamente,
para o desconhecido.
ElsaOliveira Dias
Zeljko Loparic
Sobre os autores
Alfredo Naffah Neto
Psicanalista, mestre em Filosofia pela USP, doutor em Psicologia Clínica
pelo PUC-SP, é professor titular na PUC-SP no Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Clínica, no núcleo de pesquisa: “O método
psicanalítico e as formações da cultura”. Atua, além disso, em consultório
particular como psicanalista e psicoterapeuta de casais e de famílias. Seus
projetos de pesquisa, no momento, versam sobre dois temas: 1)
desenvolvimento da psicopatologia e suas articulações com a técnica na
clínica psicanalítica winnicottiana; 2) articulações entre psicanálise e
música. Suas publicações reúnem vários artigos referentes a esses dois
projetos de pesquisa.
E-mail: naffahneto@gmail.com
Alice McCaffrey Busnardo
Graduação e mestrado pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo (USP). Trabalha como psicanalista em consultório particular e
também é professora no Centro Winnicott de São Paulo e de Campinas.
Doutoranda na PUC-SP sob orientação do Prof. Dr. Zeljko Loparic.
E-mail: alibusnardo@gmail.com
Ariadne Alvarenga de Rezende Engelberg de Moraes
Psicóloga clínica formada pela UNIP-SP. Mestre e doutora em Psicologia
Clínica pela PUC-SP. Membro do Grupo de Pesquisa em Filosofia e
Práticas Psicoterápicas (GFPP/Unicamp/CNPq). Tem artigos publicados em
livros e revistas. Professora do Centro Winnicott de São Paulo. Atende em
consultório particular. Foi professora do curso de psicologia da UNIP e
Universidade Mackenzie.
E-mail: ariadne.moraes@uol.com.br.
Caroline Vasconcelos Ribeiro
Professora adjunta na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Psicóloga pela Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ), mestre
em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), doutora em
Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob
mailto:naffahneto@gmail.com
mailto:alibusnardo@gmail.com
mailto:ariadne.moraes@uol.com.br
orientação do professor Dr. Zeljko Loparic. Membro da Sociedade
Brasileira de Psicanálise Winnicottiana (SBPW) e do Grupo de Pesquisa em
Filosofia e Práticas Psicoterápicas (GFPP/Unicamp/CNPq). Organizou o
vol. 11 do periódico Aprender – caderno de filosofia e psicologia da
educação, dedicado ao estudo da teoria winnicottiana. Organizou, junto
com Suely Aires, o livro: Ensaios de filosofia e psicanálise.
E-mail: carolinevasconcelos@hotmail.com
Cecilia Luiza Montag Hirchzon
Graduação em Ciências Sociais pela FFCLUSP (1960), graduação em
Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP (1970), psicóloga do
Departamento de Psicologia da Aprendizagem do Instituto de Psicologia da
USP (1972 a 1978), formação em Psicanálise pelo Instituto de Psicanálise
da SBPSP (1979), membro associado da SBPSP (1980), professora do
curso de Psicanálise do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes
Sapientae (1980 a 1988), membro associado do Departamento de
Psicanálise do Instituto Sedes Sapientae.
E-mail: cecilu@bol.com.br
Claudia Dias Rosa
Graduada em Psicologia pela PUC-SP, psicanalista, mestre em Psicologia
Clínica pela PUC-SP, doutoranda por essa mesma Universidade, professora
da Escola Winnicottiana de Psicanálise, coordenadora do SAP (Serviço de
Atendimento em Psicanálise) do Centro Winnicott de São Paulo e de
Campinas.
E-mail: claudia@centrowinnicott.com.br
Conceição A. Serralha de Araújo
Graduada em Psicologia pela Universida de Federal de Uberlândia (UFU),
com mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), sob orientação do Prof. Dr. Zeljko Loparic. Professora
adjunta da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Membro
do Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas
(GFPP/Unicamp/CNPq) e do Grupo de Estudo e Pesquisa em Psicanálise
(GEPPSE) da UFTM. Possui vários trabalhos publicados em periódicos
científicos sobre temáticas importantes da psicanálise winnicottiana.
E-mail: serralhac@psicologia.uftm.edu.br
mailto:carolinevasconcelos@hotmail.com
mailto:cecilu@bol.com.br
mailto:claudia@centrowinnicott.com.br
mailto:serralhac@psicologia.uftm.edu.br
Eder Soares Santos
Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É
membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana (SBFW) e
membro do Grupo de trabalho em Filosofia e Psicanálise da Associação
Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF). Atualmente é professor
adjunto na Universidade Estadual de Londrina no Paraná e coordenador do
mestrado em Filosofia da mesma universidade. Publicou, em 2010, o livro
Winnicott e Heidegger: aproximações e distanciamentos. São Paulo: DWW
editorial.
E-mail: edersan@hotmail.com
Edna Pereira Vilete
Formada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas do Estado da
Guanabara (1960 a 1965). Especialização em Pediatria (1965), Pós-
Graduação em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria UFRJ (1969) e
Formação Psicanalítica da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
(filiada à International Psychoanalytical Association) entre 1971 a 1977.
Docente e Didata do Curso de Formação de Psicanalistas da Sociedade
Psicanalítica do Rio de Janeiro desde 1980. Coordenadora de grupos de
Observação da Relação Mãe-Bebê desde 1981, no Rio de Janeiro e Belo
Horizonte. Fundadora do Espaço Winnicott − Estudos em Psicanálise e
Cultura − Rio de Janeiro, destinado à divulgação da obra de Donald
Winnicott em cursos e colóquios. Coordenadora de Grupos de Estudos no
Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. Clínica particular
de Psicanálise desde 1971.
E-mail: edvilete@uol.com.br
Elsa Oliveira Dias
Psicanalista. Graduação em Psicologia pela PUC-SP. Mestre em Filosofia
pela PUC-SP e doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, com a tese “A
teoria das psicoses de D. W. Winnicott”. Membro do Grupo de Filosofia e
Práticas Psicoterápicas (GFPP/Unicamp/CNPq). Membro do Conselho
Científico de Natureza humana, Revista Internacional de Filosofia e
Psicanálise. Fundadora do Centro Winnicott de São Paulo (CWSP) e
diretora de ensino e formação da Escola Winnicottiana de Psicanálise desse
Centro. Fundadora da Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana.
mailto:edersan@hotmail.com
mailto:edvilete@uol.com.br
Autora de vários artigos sobre D. W. Winnicott, sobre filosofia e
psicanálise, e autora do livro A teoria do amadurecimento de D. W.
Winnicott, publicado em 2003 pela Imago.
E-mail: elsadias@uol.com.br
Flávio Del Matto Faria
Doutor e mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Supervisor clínico do Centro Winnicott de São
Paulo. Psicólogo clínico, psicanalista. Especialista em Psicologia Clínica e
em Psicoterapia de adolescentes. Professor responsável e supervisor clínico
do curso de Psicologia da Universidade São Judas Tadeu. Membro
pesquisador do Grupo de Pesquisa em Filosofia e Práticas Psicoterápicas
(GFPP/Unicamp/CNPq). Coordenador do Programa de Atenção às
Tentativas de Suicídio da Universidade São Judas Tadeu – PROATES.
E-mail: f.faria@uol.com.br
Gabriela Galván
Psicóloga clínica (PUC-SP), mestre em Psicologia pelo IPUSP (Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo), doutoranda em Psicologia no
IPUSP, especialista em Psicologia Hospitalar, docente do Centro Winnicott
de São Paulo e Campinas.
E-mail: galvan@usp.br
João Paulo Fernandes Barretta
Graduação em Psicologia pela Universidade Mackenzie. Mestrado em
Filosofia pela PUC-SP e doutor em Psicologia Clínica pela PUC-SP.
Professor do Centro Winnicott e da Universidade Paulista (UNIP).
E-mail: jpbarretta@hotmail.com
Leopoldo Fulgencio
Graduado no Instituto de Psicologia da USP, com mestrado, doutorado e
pós-doutorado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da
PUC-SP, tendo feito estágio de doutorado em Paris VI - Dennis Diderot.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCCampinas.
Suas publicações mais importantes são: “Freud’s metapsychological
speculations” (The International Journal of Psychoanalysis, 86(1), 99-123,
2005) e “Winnicott’s rejection of the basic concepts of Freud’s
metapsychology” (The InternationalJournal of Psychoanalysis, 88(2), 443-
mailto:elsadias@uol.com.br
mailto:f.faria@uol.com.br
mailto:galvan@usp.br
mailto:jpbarretta@hotmail.com
461, 2007). Este artigo, cuja versão em português está sendo aqui
republicada, foi incluído no anuário do International Journal of
Psychoanalysis, nas suas versões em francês, português e espanhol.
E-mail: ful@that.com.br
Maria Cecilia Schiller Sampaio Fonseca
Formada em Psicologia pela PUC-RJ. Formada em Medicina pela
Faculdade de Medicina e Cirurgia RJ (atual Unirio). Membro Efetivo da
SBPRJ. Membro Associado da SBPSP.
E-mail: macefonseca@uol.com.br
Maria Emília Mendonça
Graduação em Educação Física e Fisioterapia pela Universidade Estadual
de Londrina, PR. Especialização em Ginástica Holística, Método Ehrenfried
pela AEDE, Paris, França. Mestrado em Educação-Currículo, pela PUC-SP,
1999. Doutorado em Psicologia Clínica pela PUC-SP em 2007. É diretora
do Instituto Maria Emília Mendonça, formação, pesquisa e cuidados do
corpo, onde coordena há 25 anos uma equipe multidisciplinar. Publicou, em
2000, pela Editora Summus, SP, o livro Ginástica Holística, história e
desenvolvimento de um método de cuidados corporais, fruto do mestrado.
E-mail: maria.emilia.mendonca@hotmail.com
Maria de Fátima Dias
Psicóloga (CRP 06/19071) pela Faculdade Paulistana; é mestre e doutora
em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Filiada à SBPW (Sociedade Brasileira
de Psicanálise Winnicottiana), é professora dos cursos de formação em
Psicanálise Winnicottiana da SBPW, e do curso de Especialização
Interfaces da Psicanálise de D. W. Winnicott da UNISAL. Palestrante e
professora em diversos cursos de extensão e pós-graduação, tem
experiência em docência e coordenação de cursos na área da psicologia.
Estuda especialmente os temas da integração psicossomática, constituição
da sexualidade e desenvolvimento humano.
E-mail: mfatimadias@uol.com.br
Maria Lucia Toledo Moraes Amiralian
Psicóloga pela PUC-SP, doutora em Psicologia Clínica pelo IPUSP, docente
e orientadora da Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano do IPUSP, docente e orientadora do Centro
mailto:ful@that.com.br
mailto:macefonseca@uol.com.br
mailto:maria.emilia.mendonca@hotmail.com
mailto:mfatimadias@uol.com.br
Winnicott de São Paulo, coordenadora do Laboratório Interunidades de
Estudo das Deficiências (LIDE), do IPUSP, e autora do livro
Compreendendo o cego: uma visão psicanalítica da cegueira e dos artigos:
“Conhecendo a deficiência pela óptica das propostas winnicottianas”,
“Deficiência, um novo olhar: contribuições a partir da psicanálise” e “A
clínica do amadurecimento e o atendimento às pessoas com deficiência”.
E-mail: mltma@usp.br
Orestes Forlenza Neto
Formado em medicina pela USP em 1962. Assistente de ensino da cadeira
de Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade Federal de São Paulo.
Formação psicanalítica pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo. Analista didata pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo. Membro do Centro Winnicott de São Paulo. Vários artigos em
revistas de psicanálise e livros.
Roseana Moraes Garcia
Mestrado em Psicologia Clínica PUC-SP (2004). Doutorado em Psicologia
Clínica PUC-SP (2009). Psicanalista. Professora e supervisora da Sociedade
Brasileira de Psicanálise Winnicottiana.
E-mail: roseanagarcia@uol.com.br
Vera Regina Ferraz de Laurentiis
Psicóloga e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Há anos dedica-se à
pesquisa do tema da integração psique-soma, tendo se especializado
também em instituições como o Sedes Sapientiae e o Centro de Educação
Somática e Existencial. Psicoterapeuta, professora e colaboradora do Centro
Winnicott de São Paulo e Campinas, atuou, entre outros, em equipes
interdisciplinares, atendendo pacientes com distúrbios de alimentação, em
crise psiquiátrica, e adictos. Entre seus principais artigos estão “A
possibilidade de um vir a ser psicossomático”, “A construção do corpo”,
“Corpo, imagem ou devir?”.
E-mail: veralaurentiis@terra.com.br
Zeljko Loparic
Doutor em Filosofia, docente da PUC-SP e Unicamp, fundador da Escola
Winnicottiana de Psicanálise (2003), presidente da Sociedade Brasileira de
Psicanálise Winnicottiana (2005) e diretor da editora DWW editorial
mailto:mltma@usp.br
mailto:roseanagarcia@uol.com.br
mailto:veralaurentiis@terra.com.br
(2009). É autor de livros Ética e finitude (1995), Semântica transcendental
de Kant (2000) e Heidegger (2004), entre outros, bem como de um número
de artigos, principalmente sobre Kant, Heidegger, Freud e Winnicott.
E-mail: loparicz@uol.com.br
mailto:loparicz@uol.com.br
Parte I
Surgimento do paradigma
winnicottiano
De Freud a Winnicott: aspectos de uma mudança
paradigmática1
Zeljko Loparic
1. O paradigma freudiano
Não é fácil dizer o que é a psicanálise. Um esclarecimento possível
consiste em evocar a afirmação de Freud, reiterada por Winnicott, de que a
psicanálise é a ciência de um certo tipo de fatos clínicos. Isso posto, coloca-
se uma nova pergunta, ainda mais difícil: que é uma ciência factual e como
devem ser pensados a estrutura interna e o desenvolvimento de uma tal
disciplina? De acordo com Thomas S. Kuhn, um dos mais influentes
epistemólogos da segunda parte do século XX, uma ciência factual madura
é o quadro no qual se desenvolve uma atividade de resolução de problemas
semelhantes a quebra-cabeças. A estrutura interna desse quadro é
caracterizada por uma maneira de ver o mundo e de falar sobre ele,
compartilhada por um grupo institucionalizado, estruturada como um
paradigma ou uma matriz disciplinar. Um paradigma é composto de:
1) exemplares, isto é, problemas centrais que dizem respeito aos fatos
acessíveis em alguma forma de experiência (observação, experimentação,
clínica), acompanhados de suas soluções e
2) compromissos teóricos, dos quais constam:
a) generalizações usadas como guias na pesquisa,
b) modelo ontológico do domínio estudado (a parte propriamente
“metafísica” dos paradigmas),
c) modelo metodológico (os métodos de pesquisa franqueados, analogias
e metáforas permitidas), e
d) valores, alguns deles epistemológicos – relativos ao modo como deve
ser elaborada e praticada a disciplina em questão (capacidade de formular
problemas, tipo de soluções admitidas, simplicidade, consistência interna e
externa, plausibilidade) –, e outros práticos, relacionados à utilidade social
do saber científico.
O desenvolvimento de uma disciplina desse tipo passa por períodos de
pesquisa normal, cumulativa, realizada de acordo com o paradigma
dominante, seguidos de períodos de crise, provocados pelo aumento de
“anomalias” – problemas considerados relevantes, mas que permanecem
não resolvidos. As crises levam uma parte do grupo a se dedicar à pesquisa
revolucionária visando à constituição de um novo paradigma, obedecendo,
contudo, à condição de preservar a capacidade solucionadora da disciplina.
Quando bem-sucedida, essa pesquisa não cumulativa termina em conversão
da parte ou da totalidade do grupo a uma nova maneira de ver o mundo e de
falar sobre ele, comparável a um Gestalt switch perceptivo ou a uma
mudança revolucionária de um regime político, seguida de um novo período
de pesquisa normal. As mudanças nos paradigmas ocorrem, portanto, como
revoluções científicas que substituem os paradigmas (figuras do mundo,
“regimes” teóricos) velhos, em crise, pelos novos, considerados mais
promissores por resolverem tanto os problemas principais já solucionados
como as anomalias e por aumentarem, dessa forma, o poder de resolução de
problemas da ciência em questão.2
Mesmo que a psicanálise tradicional não possa ser considerada uma
ciência factual madura, parece-me frutífero olhar para ela na perspectiva
kuhniana, procurando por formas incipientes de um paradigma e por crises,
seguidas de pesquisa revolucionária.3 Procedendo assim, é possível dizer
que o exemplar principal da disciplina criada pela pesquisa revolucionária
de Freud é o complexo de Édipo, a criança na cama da mãe às voltas com
os conflitos, potenciais geradores de neuroses, que estãorelacionadas à
administração de pulsões sexuais em relações triangulares. A generalização-
guia central é a teoria da sexualidade, centrada na ideia da ativação
progressiva de zonas erógenas, pré-genitais e genitais, com o surgimento de
pontos de fixação pré-genitais. O modelo ontológico do ser humano,
explicitado na parte metapsicológica da teoria, comporta um aparelho
psíquico individual, movido por pulsões libidinais, e outras forças psíquicas
determinadas por leis causais. A metodologia é centrada na interpretação do
material transferencial à luz do complexo de Édipo ou de regressões aos
pontos de fixação. Os valores epistemológicos básicos são os das ciências
naturais, incluindo explicações causais, e o valor prático principal é a
eliminação do sofrimento decorrente dos conflitos internos pulsionais, do
tipo libidinal.
Considerando a importância do exemplar do Édipo na psicanálise de
Freud, convém chamar o seu paradigma de edípico ou triangular. Se
levarmos em conta a natureza sexual da situação edípica, a matriz
disciplinar de Freud pode ser designada como sexual.4
2. A crise do paradigma freudiano e os principais resultados da
pesquisa revolucionária de Winnicott
A psicanálise passou por várias reformulações pelo próprio Freud e seus
seguidores, efetuadas no mais das vezes sob pressão de fatos clínicos. Nas
pesquisas de Winnicott, contudo, o paradigma freudiano como tal entra em
crise, dando lugar à busca por um novo paradigma. O motivo principal da
crise foi o acúmulo de problemas clínicos – entre eles as manifestações da
tendência antissocial e da psicose infantil – que não podiam ser
compreendidos teoricamente nem tratados clinicamente no quadro do
paradigma edípico de Freud, mas que, segundo Winnicott, não deviam ser
eliminados do campo de aplicação da psicanálise.5
Desde 1923, Winnicott constatou a existência de várias manifestações do
que ele posteriormente chamará de tendência antissocial: num extremo, a
avidez (greediness) e a enurese, e, no outro, a delinquência, os distúrbios de
caráter e todos os tipos de psicopatia, incluindo ainda os casos de furto e as
mentiras. A psicanálise da época costumava explicar a delinquência pela
culpa originada de uma ambivalência inconsciente insuperável, a saber, pelo
ódio persistente dirigido à pessoa amada. A ideia básica era a existência de
um sentimento de culpa muito forte, que não podia encontrar saída nem na
sublimação nem na reparação, de modo que a única alternativa era o
indivíduo destruir algo a fim de poder sentir-se culpado. Em outras
palavras, a etiologia da delinquência era vista em termos da luta no mundo
interno do indivíduo, transferida na forma de um acting-out destrutivo, que
perturbava o setting analítico. Por essa razão, Winnicott, tal como os outros
psicanalistas, encaminhava os casos antissociais a clínicas não
psicanalíticas (1989a/1993, p. 439). Ao mesmo tempo, contudo, ele não
conseguia se convencer que se tratava de um erro de seleção de casos (de
aplicação da psicanálise), vendo nisso uma séria limitação da teoria e uma
grave falha da técnica psicanalítica. Concluindo, assim como antes dele
fizeram August Aichhorn e Sándor Ferenczi, que a psicanálise deveria
adaptar sua técnica às necessidades da criança com tendência antissocial ou
do psicopata “sem se transformar em puro manejo, ou seja, sem perder o
seu título de psicanálise” (1965b/1983, p. 115).
Desde essa mesma época, Winnicott deu-se conta, com base em
inúmeros casos clínicos, que crianças sofrendo de distúrbios psíquicos mais
variados, em particular as crianças psicóticas, “revelavam dificuldades no
seu desenvolvimento emocional na infância, mesmo como bebês”, fato que,
segundo ele, dificilmente podia ser encaixado na teoria do complexo de
Édipo (1965b/1983, p. 157). Ele expôs esses casos aos colegas em “artigos
assustados”, reunidos posteriormente num único trabalho: “Apetite e
desordem emocional”, de 1936. Passado o susto, Winnicott acabou
rejeitando a regra básica da metodologia freudiana, a saber, a que exige a
interpretação do material transferencial à luz do complexo de Édipo ou de
regressões aos pontos de fixação da libido a fases pré-genitais.6 Mais uma
vez, a ortodoxia psicanalítica estava em crise.
Na percepção de Winnicott, a principal dificuldade da psicanálise
tradicional em tratar dos casos de tendência antissocial e de psicose decorria
do fato de ela pensar a etiologia dos distúrbios psíquicos em termos
relacionados aos conflitos “pulsionais” intrapsíquicos, deixando de ver que,
pelo menos nesses casos, a patologia ou a anormalidade estava
primariamente no ambiente e só secundariamente na criança. Em outras
palavras, Winnicott entendeu que era necessário mudar a etiologia dos
distúrbios em questão. A partir do início dos anos 1940, ele passara a
sustentar que a tendência antissocial, os comportamentos delinquentes e os
distúrbios de caráter (psicopatias) decorrentes eram causados pela falha
ambiental ocorrida num estágio de dependência relativa, no qual o
indivíduo já adquirira uma organização egoica suficiente para perceber o
fato da deprivação (deprivation) efetiva (perda de um objeto ou de um
quadro de referência que já foi experienciado como bom e disponível) e
para avaliar que a responsabilidade pela perda era do ambiente (que este
ficou lhe devendo algo). Dessa forma, a etiologia tradicional, baseada nos
conceitos de pulsão e de conflito interno, foi substituída pela compreensão
em termos de necessidade pessoal de asseguramento e de perda de
confiança no ambiente, com a consequente crise relativa ao autocontrole e à
identidade pessoal.7
Quanto à psicose, aproximadamente na mesma época,8 Winnicott chegou
à “inesperada conclusão de que a esquizofrenia era uma espécie de doença
provocada por uma deficiência ambiental” (1958a/2000, p. 239). A
esquizofrenia se origina – esta é a tese que Winnicott começará a defender
apoiado, de novo, em dados colhidos na sua intensa clínica pediátrica – no
estágio de dupla dependência, ou seja, no período no qual o indivíduo em
desenvolvimento ainda não adquiriu a capacidade de ter consciência da sua
dependência do ambiente externo e de se dar conta das falhas deste
(1965b/1983, pp. 123-124). Daí se segue – cito agora um texto tardio de
1969 – que “a teoria psicanalítica precisava ser desenvolvida ou
modificada, se é que o analista quer ter esperanças de tornar-se capaz de
lidar com fenômenos esquizoides no tratamento dos pacientes”
(1989a/1993, p. 198). Num outro trabalho, escrito no mesmo ano, Winnicott
enunciara a mesma tese em termos que revelam claramente a sua
preocupação com a inércia intelectual dos psicanalistas, devida à formação
ortodoxa e aos hábitos de trabalho desses profissionais, que impedem o
progresso da psicanálise:
Para fazer progresso no sentido de uma teoria operacional da psicose, os psicanalistas devem
abandonar toda a ideia da esquizofrenia e da paranoia, tal como vistas em termos de regressão, a
partir do complexo de Édipo. A etiologia desses distúrbios leva-nos inevitavelmente a estágios
que precedem o relacionamento de três corpos. O corolário estranho é que existe, na raiz da
psicose, um fator externo. É difícil para os psicanalistas admitir isto, após todo o trabalho que
tiveram chamando a atenção para os fatores internos, ao examinarem a etiologia da
psiconeurose. (1989a/1993, p. 191)
Foi por considerações desse tipo, relacionadas essencialmente à
capacidade de a psicanálise resolver problemas clínicos no seu quadro
teórico – e não por análises abstratas, de cunho especulativo,
exemplificadas pela obra de Lacan9 –, que surgiu a matriz disciplinar da
psicanálise winnicottiana, substancialmente diferente da de Freud. Cabe
destacar, contudo, que a mudança do paradigma freudiano foi elaborada por
Winnicott de maneira a preservar “as pontes que levam da teoria mais
antiga para a mais nova” (1989a/1993, p. 198). Tratava-se de “retornar ao
meio ambiente sem perder tudo o que fora ganho pelo estudo dos fatores
internos” (1989a/1993, p. 439).
Que modificações seriamnecessárias para assegurar o progresso da
psicanálise nos campos assinalados? Em primeiro lugar, era preciso
abandonar o paradigma edípico, baseado, conforme vimos, no papel
estruturante do complexo de Édipo e na teoria da sexualidade concebida
como a teoria-guia da psicanálise. O novo exemplar proposto por Winnicott
é o bebê no colo da mãe, que precisa crescer, isto é, constituir uma base
para continuar existindo e integrar-se numa unidade. A generalização-guia
mais importante é a teoria do amadurecimento pessoal, da qual a teoria da
sexualidade é apenas uma parte. Se supusermos que a mudança
winnicottiana do paradigma freudiano aconteceu, como diria Kuhn, de
forma análoga a um Gestalt switch, ela não podia limitar-se a pontos
isolados, devendo abranger todo o campo teórico da psicanálise. É fácil
mostrar que, de fato, Winnicott também introduziu um novo modelo
ontológico do objeto de estudo da psicanálise, centrado no conceito de
tendência para a integração, para o relacionamento com pessoas e coisas, e
para a parceria psicossomática. A sua metodologia preserva a tarefa de
verbalização do material transferencial, admitindo, contudo, apenas
interpretações baseadas na teoria do amadurecimento, sem recurso à
metapsicologia freudiana, e incluindo também o manejo da regressão à
dependência e do acting-out dos antissociais. O valor principal é a
eliminação de defesas endurecidas, paralisadoras do amadurecimento, e a
facilitação para que agora aconteça o que precisava ter acontecido, mas não
aconteceu; bem como que se junte o que permaneceu ou se tornou
dissociado, ou mesmo cindido. O sofrimento decorrente de conflitos,
internos ou externos, deixa de ser o fundamental, fica em segundo plano,
considerado parte da vida sadia.
Em virtude da importância da relação mãe-bebê na psicanálise de
Winnicott, passei a chamar o seu paradigma de dual. Visto que a
generalização-guia é a teoria do amadurecimento, sugeri ainda que chamá-
lo de maturacional.10 Este termo não deve ser tomado no sentido
exclusivamente biológico, pois, além do lado anatômico-fisiológico, o
desenvolvimento humano tem, ainda, o lado pessoal. Winnicott é claro:
O que temos aí é uma braçada de anatomia e de fisiologia e, acrescentado a isto, um
potencial para o desenvolvimento de uma personalidade humana. Existe uma tendência geral
voltada para o crescimento físico, e uma tendência ao desenvolvimento na parte psíquica da
parceria psicossomática; existem, tanto na área física quanto na psíquica, tendências hereditárias,
e estas, do lado da psique, incluem as tendências que levam à integração ou à conquista da
totalidade. A base de todas as teorias sobre o desenvolvimento da personalidade humana é a
continuidade, a linha da vida, que provavelmente tem início antes do nascimento efetivo do bebê
[...]. (1987a/1988, p. 79)
Ao longo de uma pesquisa conduzida no quadro desse novo paradigma
(e que se estendeu por décadas), Winnicott ofereceu uma articulação
detalhada de duas das suas teses teóricas mais importantes sobre a etiologia
dos distúrbios psíquicos: 1) que o processo fundamental perturbado não é o
desenvolvimento sexual, mas o amadurecimento emocional, e 2) que o fator
externo, isto é, o ambiente facilitador, tem uma importância decisiva no
surgimento dos distúrbios psíquicos. Em primeiro lugar, Winnicott detalhou
os três modos básicos de perturbação do processo de amadurecimento: a
não constituição do si-mesmo, a repressão dos instintos e a perda do objeto
e/ou a perda do quadro de referência já constituído, com a consequente
perda do si-mesmo. Esse desenvolvimento teórico tornou-se, por sua vez, a
base das suas considerações sobre a classificação dos distúrbios psíquicos e
a divisão destes em três categorias básicas, enumeradas aqui na
semiordem11 de seu surgimento durante o processo maturacional: 1) as
psicoses, 2) as depressões reativas e as psiconeuroses e 3) a tendência
antissocial seguida ou não de delinquência e de distúrbios de caráter.12 Em
segundo lugar, Winnicott abordou, em diversos estudos, a etiologia de cada
uma dessas formações em razão de falhas ambientais ocorridas em
diferentes fases do processo de amadurecimento, mostrando, em detalhe,
que as psicoses decorrem da privação da facilitação ambiental na fase de
dependência absoluta, e mesmo relativa, do bebê com relação à mãe-
ambiente facilitador, que as psiconeuroses e as depressões reativas se
devem ao não atendimento ou mesmo à repressão dos instintos nas fases do
concernimento13 ou do Édipo, e que a tendência antissocial é antes uma
reação à deprivação, isto é, à perda da facilitação ambiental já
experienciada como boa e avaliada como uma falha do ambiente
(1989a/1993, p. 440).
Com base em seus estudos sobre a classificação dos distúrbios e a
etiologia destes, Winnicott ampliou e modificou substancialmente o
conceito de clínica psicanalítica, descrevendo três variedades básicas de
“psicoterapia”: a das psicoses, a das depressões reativas e das neuroses, e a
da tendência antissocial (1984a/1995, cap. 27). A variedade da psicoterapia
para as psicoses caracteriza-se, sobretudo, por uma organização complexa
do holding, que permite a regressão à dependência, fenômeno
essencialmente distinto da regressão aos pontos de fixação da libido. No
caso das psicoses, a clínica tradicional revela-se inapropriada precisamente
devido ao erro teórico que consiste em confundir esses dois tipos de
regressão, pois considera “que o termo ‘adaptação às necessidades’ no
tratamento de pacientes esquizoides e no cuidado do lactente significa
satisfazer os impulsos do id” (1965b/1983, p. 217), o que, segundo
Winnicott, é inteiramente inadequado. A segunda variedade, a das
depressões reativas e das neuroses, vale-se do setting clássico desenhado
por Freud e trabalha com interpretação. A terceira, a da tendência
antissocial, na medida em que compete à psicanálise propriamente dita, e
não ao manejo familiar ou social em geral, consiste em admitir a atuação do
paciente como parte da transferência, entendendo que se trata de um sinal
de esperança que precisa ser compreendido como tal e valorizado
positivamente (1965b/1983, p. 217).
3. Detalhamento de alguns aspectos teóricos da revolução
winnicottiana
A fim de preparar a minha análise da teoria da sexualidade elaborada por
Winnicott como parte integrante da sua teoria do amadurecimento, convém
aprofundar alguns pontos teóricos do seu paradigma.14 As diferenças com
Freud servirão de evidências adicionais de que Winnicott produziu uma
mudança na psicanálise que pode ser caracterizada como revolução
científica num sentido próximo ao de Kuhn.
Começo pelo modelo ontológico do objeto de estudo da psicanálise.
Enquanto a psicanálise tradicional estuda o psiquismo humano15 –
concebido metapsicologicamente (especulativamente) como um aparelho
movido a pulsões dirigidas para objetos (o papel central do relacionamento
objetal sendo a satisfação) –, a winnicottiana jamais se distancia da
“relação” factual indivíduo-ambiente, o indivíduo sendo caracterizado pela
tendência para o amadurecimento e o ambiente, investido do papel de
facilitador dessa tendência. De acordo com o preceito de manter abertas as
pontes entre o paradigma antigo e o novo, Winnicott esforçar-se-á por
preservar o que for possível da teoria antiga e, sobretudo, a eficácia clínica
da psicanálise. Nesse espírito, os conceitos de pulsão, de “relação de
objeto”, de aparelho psíquico, de inconsciente etc. serão reinterpretados,
isto é, transpostos para a linguagem experiencial do paradigma
winnicottiano. Tal transposição não é uma simples tradução – visto que os
conceitos metapsicológicos de Freud são, por definição, especulativos, isto
é, não aplicáveis diretamente à experiência clínica –, mas algo semelhante a
uma paráfrase para um campo semântico essencialmente diferente: o da
linguagem que se quer essencialmente descritiva.
O lugar do conceito especulativo de pulsão é ocupado por, pelo menos,
três conceitos radicalmente distintos entre si, todos referentes à experiência
possívelde um bebê humano: 1) o de necessidade (need) do indivíduo
humano de ter um ambiente favorável no qual possa continuar crescendo,
tornar-se alguém (um si-mesmo), e entrar em contato com objetos, e
relacionar-se com eles de diversas maneiras, 2) o de instinto (instinct) ou de
impulso (drive) biológico, de onde se originam as pressões em direção de
objetos externos, e 3) o de desejo (wish), que investe ou cria objetos,
apoiado em sonhos ou fantasias mais ou menos sofisticadas.16 Como sugeri
num trabalho anterior, as necessidades e instintos podem ser englobados
sob o título de urgências e a vida humana pode ser caracterizada pela
urgencialidade, ao invés de pela pulsionalidade (cf. Loparic, 2001b).
Há quem sustente que os termos “instinct” e “drive” de Winnicott são
emprestados das traduções inglesas do termo “Trieb” de Freud, comumente
vertido em português por “pulsão”. Essa interpretação é um sério engano,
como se pode concluir facilmente da comparação das teses de Winnicott
sobre os instintos com a doutrina das pulsões de Freud. Destacarei apenas
três diferenças. Os instintos, diz Winnicott, “são impulsos [drives]
biológicos poderosos que vão e vêm na vida do lactente ou da criança e que
exigem ação” (1988/1990, p. 57). Trata-se, portanto, da animalidade do ser
humano.17 Na obra madura de Freud, as pulsões não são impulsos
biológicos factuais, mas entidades especulativas que existiriam na fronteira
entre o físico e o psíquico ou, então, forças psíquicas de caráter mítico. Em
segundo lugar, o vaivém dos instintos na vida de um indivíduo (a
alternância entre os estados tranquilos e excitados) só passa a fazer sentido,
segundo Winnicott, depois que esse indivíduo integrar seus estados
excitados como internos, o que ocorre na fase de concernimento, portanto,
já bastante longe das fases iniciais. O si-mesmo (the self) tem que “preceder
o uso do instinto pelo si-mesmo” (1971a/1975, p. 137). Em Freud, as
pulsões agem em pleno direito no interior do psiquismo humano desde o
início, por serem seus elementos constitutivos. Em terceiro lugar, Winnicott
rejeita o dualismo pulsional de Freud. A introdução dos conceitos de pulsão
de vida e de morte é o principal “deslize teórico” de Freud, responsável por
graves deficiências da psicanálise tradicional (M. Klein inclusive): a
incapacidade de compreender o processo de amadurecimento pessoal e a
produção das teorias da morte e da agressão, inaceitáveis, porque “falsas”.18
A introdução dos conceitos de necessidade, instinto e desejo permitiu a
Winnicott dar um outro passo extremante importante: redefinir as relações
do indivíduo humano não somente com seus “objetos”, isto é, com outros
seres humanos, mas com seu mundo, de início também essencialmente
humano.19 Como disse anteriormente, todo ser humano necessita estar
alojado (assentado) em um ambiente – em outras palavras, habitar um
ambiente20 – que lhe facilite a resolução das tarefas específicas da fase do
amadurecimento em que se encontra; entre elas, a tarefa de estabelecer,
preservar ou modificar suas relações com objetos.
Essas relações, por seu turno, podem ser de vários tipos radicalmente
diferentes: egoicas, instintuais e desejantes. As primeiras são estabelecidas
para atender às necessidades do processo de integração como tal, os objetos
sendo usados como apoio, consolo, meios para fins, aquilo que concerne à
criança, inspira compadecimento, suscita cuidados etc. Nas relações
instituais, busca-se a diminuição da tensão instintual e a recompensa na
forma do prazer.21 As relações de desejo perseguem várias metas, mais
sofisticadas e, no entanto, talvez menos fundamentais. Em todos os casos, é
a relação com o ambiente – o assentamento nele – que possibilita as
relações objetais, sejam elas de dependência, de satisfação instintual ou de
desejo acompanhado de fantasia.
Darei alguns exemplos de relações egoicas com objetos que apresentam
uma das mais importantes contribuições de Winnicott à teoria psicanalítica
das relações objetais. Na fase da primeira mamada teórica, em virtude da
sua tendência inata para o amadurecimento, o bebê humano, amparado pela
mãe-ambiente subjetivo, vai resolvendo as três tarefas fundamentais do
período inicial do seu amadurecimento: integra-se no tempo e no espaço,
aloja-se no corpo (a sua primeira morada) e inicia o relacionamento com os
objetos. No caso desta última tarefa, o amparo da mãe-ambiente consiste na
apresentação de objetos ainda não objetificados: em primeiro lugar, ela
mesma e seu corpo (mais precisamente, uma parte dele: o seio) como objeto
subjetivo e, em segundo lugar, os seus substitutos, também enquanto
objetos subjetivos. Em outras palavras, nessa situação inicial ainda não
existe a relação com a mãe-objeto como tal, pois ainda não existem dois
entes separados que possam ser relacionados um com o outro. “É
axiomático”, escreve Winnicott, “que não há relação com o objeto
subjetivo” (1989a/1993, p. 221). Trata-se da identificação primária do bebê
com a mãe, pela qual ele é a mãe (o seio).
Em seguida à fase inicial, o ambiente já não é mais simplesmente a mãe,
mas o espaço potencial entre a mãe e o bebê, sustentado, contudo, pela
mãe-ambiente. Nesse “entre” os dois, acontece um desenvolvimento
extremante importante no relacionamento objetal dos bebês: a mãe-objeto
subjetivo e parcial (seio) passa a ser substituída e simbolizada por objetos
transicionais. Na fase do concernimento (estou pulando várias fases;
algumas delas serão consideras a seguir), posterior à separação já
consumada da mãe subjetiva, o ambiente é o círculo benigno, isto é, ainda é
a mãe-ambiente – só que, desta vez, na qualidade de ambiente externo
percebido como tal –, dedicada a sustentar no tempo o uso excitado pelo
bebê dela mesma como mãe-objeto externo, ou seja, aceitando ser objeto do
uso instintual do bebê. E assim por diante, até a mãe tornar-se objeto do
desejo da criança já na fase fálica ou edípica.
Elaborando essas análises, Winnicott desenvolveu uma teoria do
amadurecimento baseada em várias distinções fundamentais, inexistentes
ou, pelo menos, não trabalhadas de maneira satisfatória em textos da
psicanálise tradicional. A mais decisiva delas é a diferença entre o objeto e
o ambiente (mundo), com a ênfase sobre o ambiente enquanto condição
não-objetual possibilitadora de objetos, que é o fundamento de uma outra: a
distinção entre relação com objeto e relações com o ambiente. Dessa forma,
Winnicott abandona um elemento fundamental do componente ontológico
da psicanálise tradicional: a relação sujeito-objeto – embutida tanto na
teoria freudiana da pulsão como na da identificação, e que continua
presente nas fórmulas dos teóricos das relações objetais (Fairbairn) e
mesmo na posição idiossincrática de Lacan –, abrindo essa disciplina para
uma dimensão ontológica essencialmente nova. Essa mudança só pode ser
devidamente apreciada à luz da ontologia fundamental de Heidegger, em
particular, da sua crítica da relação sujeito-objeto e do seu conceito de ser-
no-mundo como modo se ser possibilitador de todas as relações com os
outros seres humanos e com as coisas.
A distinção entre ambiente (mundo) e objeto no ambiente permite ainda
que se estude, de maneira organizada, vários tipos de ambiente – mãe-
ambiente, espaço potencial, mundos interno e externo, círculo benigno,
família, escola, ambiente social – e diversos tipos de objeto – objetos
subjetivos, transicionais, lúdicos, instintuais (“pulsionais”), externos,
internos etc.
A teoria do amadurecimento permite uma reelaboração das posições
tradicionais sobre esses temas, caso elas existam. Por um lado, fica possível
a distinção entre modos sadios (ativos, maduros) e não sadios (reativos,
imaturos) de alojamento em ambientes. Os modos sadios podem ser
ilustrados pelas capacidades do bebê de sair do colo materno, habitar o
espaço potencial, sonhar com um clube, mover-se no círculo benigno da
fase do concernimento etc.; já os modos não sadios, pela tendência de se
agarrar ao colo da mãe, a incapacidade de brincar, de sonhar,pela tendência
para fanstasying, a inibição em virtude da quebra do círculo benigno, o
humor depressivo, bem como defesas ou regressões causadas por conflitos
instintuais nas relações familiares.
Por outro lado, Winnicott distingue entre relacionamento sadio e reativo
com objetos. Pertence ao primeiro tipo chupar o polegar (veremos isso a
seguir), usar objetos externos para atender às necessidades egoicas, usar
objetos em ações que visam à satisfação instintual, poder ser responsável,
poder ser agressivo etc. Da mesma forma, não saber substituir o seio
materno, fetichizar o objeto transicional e não saber escolher entre objetos
são exemplos de modos patológicos (reativos) de relacionamento objetal.
Todos esses conceitos de relação só recebem significado preciso se forem
referidos às fases sucessivas do acontecer maturacional, caracterizadas por
tarefas específicas a serem resolvidas por cada indivíduo, os objetos sendo
de diferentes tipos, de acordo com o grau de amadurecimento alcançado
pelo indivíduo.
Embora continue usando, como observei, as expressões “objeto” e
“relação com objeto” do jargão psicanalítico, sobretudo quando discute com
psicanalistas as relações instintuais com objetos do mundo externo,
Winnicott emprega os termos “pessoa” e “relação pessoal” ou
“interpessoal” cada vez que deseja enfatizar que está tratando de relações
dos seres humanos entre si. De resto, o uso indiscriminado do termo
“objeto” reforça a tendência para o naturalismo objetificante que passou a
dominar as relações inter-humanas e a teorização sobre os seres humanos
nos dias de hoje, apesar de inaceitável tanto do ponto de vista teórico
(filosófico)22 como moral.23 Aos impasses teóricos somam-se os técnicos,
que impedem, para muitos psicanalistas ortodoxos, aceitar e valorizar
positivamente a contribuição pessoal dos pacientes na relação clínica
definida por condições especiais e controladas – o caráter impessoal do
setting tradicional foi também objeto de constantes críticas de Winnicott.24
Por tudo isso, quando se discute a psicanálise em geral e, em particular, a de
Winnicott, creio ser oportuno evitar falar em “relações de objeto” nos
contextos em que se diz algo sobre relacionamentos entre pessoas (entre um
si-mesmo e um outro si-mesmo) e mesmo sobre coisas que não são meros
“objetos externos objetivamente percebidos”, como são as de uso cotidiano
ou as obras de arte.25
Pelos mesmos motivos, convém ter cautela – sempre tomando o cuidado
de não produzir colapso de comunicação – ao usar os termos “sujeito” e
“relação sujeito-objeto”. No início da vida, o bebê humano não é um
sujeito, pois nem ao menos existe como alguém independente. Ele precisa
chegar a existir antes de poder executar qualquer operação mental ou
acional elaborada (ter necessidade instintual, desejar, projetar, pensar, atuar
etc.), antes, portanto, de criar capacidades que são tradicionalmente – na
filosofia e, por influência desta, na psicanálise – tomadas como traços
essenciais da subjetividade humana. Mesmo os adultos escapam
cotidianamente da condição de sujeito, pois, na maioria das vezes, cuidam
dos problemas das suas vidas apoiados na identidade primária, adquirida
muito cedo no processo de amadurecimento pela identificação com a mãe-
objeto facilitada pelos cuidados da mãe-ambiente, anteriormente ao
desenvolvimento da capacidade representacional. A intra-humanidade da
dupla mãe-bebê é anterior à intersubjetividade. Tal como o de objeto, o
conceito de sujeito usado na psicanálise é ambíguo e fonte de confusões
teóricas e clínicas graves.
Além de ter abandonado o conceito de pulsão e modificado de maneira
radical o de relação objetal, Winnicott também substituiu o conceito
freudiano de aparelho psíquico por integração ou identidade pessoal,
resultado do “desenvolvimento emocional da pessoa individual” – tema
principal da teoria winnicottiana do amadurecimento humano.26 É verdade
que Winnicott continuou usando os termos metapsicológicos freudiano que
designam as instâncias psíquicas, mas ele lhes atribuiu outras acepções.
Depois de ter deixado claro que “ego” é um termo teórico sem sentido
determinado na linguagem cotidiana – “usado por conveniência, com
sentido acordado” entre os psicanalistas –, Winnicott o emprega, tal como
faz a psicologia do ego, para falar da “evolução do ego, incluindo o
conceito de tendência para a integração, para a capacidade de
relacionamento com objetos e para a parceria psicossomática” (1989a/1993,
p. 371). Essa tendência atinge um momento decisivo na fase do “EU SOU”,
na qual é criada a diferença entre o si-mesmo e o mundo exterior como tal,
permitindo que o indivíduo se experiencie, pela primeira vez, habitado por
instintos e se torne, com o tempo, responsável por estes. O termo “id” passa
a designar a vida instintual no sentido de um conjunto de funções corpóreas
“registradas, catalogadas, experienciadas e finalmente interpretadas pelo
funcionamento do ego”, isto é, pelo processo integrativo.27 Sendo assim,
sem o ego não há o id – tese que difere radicalmente da afirmação ortodoxa
de o ego ser um desdobramento do id. Finalmente, depois de ter
reconhecido que o termo “superego”, por não fazer parte da linguagem
cotidiana, pode também ser usado “de qualquer maneira que decidirmos”,
Winnicott propõe a distinção entre dois usos: o de Freud e o dele próprio,
feito na teoria do amadurecimento. Em Freud, o “superego” designa algo
que pertence especificamente “à passagem do complexo de Édipo”, mas
que, não obstante, é construído gradualmente pela evolução dos
mecanismos intrapsíquicos que supostamente datam do início da vida do
indivíduo (1989a/1993, p. 355). Segundo a teoria winnicottiana do
amadurecimento, esses mecanismos do funcionamento mental primitivo
“não devem ser chamados de superego”. Cabe, ao invés disso, atentar para a
diferença “entre a idade pré-autônoma e a idade autônoma” e para a
“jornada que vai da dependência à independência” (1989a/1993, p. 355). É
ao longo dessa transição, mais precisamente na fase do concernimento –
isto é, ainda na relação dual, pré-edípica –, que o indivíduo adquire vários
elementos que constituirão a parte essencial da moralidade adulta, a
começar por uma capacidade de reconhecer o outro enquanto outro: a
capacidade de sentir-se pessoalmente responsável (“concernido”) pelos
danos causados ao ambiente decorrentes do uso excitado da mãe-objeto.
Nessa perspectiva, o superego impessoal freudiano da censura, da
culpabilização e da necessidade de punição em termos de lei passa a figurar
como traço do falso si-mesmo ou até mesmo como indício de desvios
patológicos.
Dessa reformulação (no quadro da teoria do amadurecimento) da teoria
estrutural da mente elaborada por Freud decorrem importantes
consequências, tanto para a teoria psicanalítica da origem e do sentido da
moralidade – a sua origem é pré-edípica e o seu sentido desvinculado da lei,
inclusive da lei de incesto – como para a teoria da cultura. “Freud, na sua
topografia da mente, não encontrou lugar para a experiência cultural”,
afirmou Winnicott em 1966 (1988/1990, p. 133). Dois anos mais tarde, ele
estenderá essa crítica a todos os psicanalistas que trabalham no paradigma
freudiano, dizendo que a “abordagem ortodoxa” do ser humano, feita em
termos da metapsicologia, “não concedeu nenhum lugar para a experiência
cultural” (1989a/1993, p. 160). A experiência cultural é um fenômeno que
não acontece no aparelho psíquico, mas no espaço potencial, numa área
entre a mãe e o bebê que não é nem externa (física) nem intrapsíquica, mas
que, não obstante, deve ser pensada como parte da organização do si-
mesmo do bebê. Aberto na fase de transicionalidade (com base na
experiência de confiabilidade do ambiente), esse espaço é inicialmente
ocupado por relacionamentos objetais do tipo não orgiástico, a saber, pelo
brincar, atividade criativa e excitante, não por ser impulsionada pelos
instintos, mas por refletir a precariedade que, na experiência do bebê,
caracteriza o jogo livre entre o mundo subjetivo e o mundo objetivamentepercebido (1988/1990, p. 77).
Uma outra mudança conceitual importante merece ser destacada. De
acordo com a sua visão de que a psicanálise precisa de diferentes tipos de
linguagem, Winnicott praticamente limitou o uso do conceito de
inconsciente freudiano à descrição de excitações instintuais e fantasias
correspondentes que, por serem reprimidas, não são acessíveis à
consciência, e, nesse sentido específico, não integradas (1988/1990, p. 67).
Trata-se de fatos objetivos da vida psíquica, de algo que foi reprimido por
ser inaceitável à consciência, mas que tende a se tornar consciente e que,
levantadas as resistências, pode se tornar consciente. Entretanto, o conceito
freudiano de inconsciente reprimido não pode ser usado para falar das
dissociações e das cisões identificadas por Winnicott em pacientes
psicóticos e outros. Nesses casos, o inconsciente é algo não-mental e
mesmo não-psíquico: a dissociação e a cisão não dizem respeito à não-
aceitabilidade de estados mentais pela consciência ou pelo intelecto, quer
teórico quer prático, mas à não-integração ou, ainda, à desintegração
pessoal e/ou psicossomática – falha concebida seja como uma parada do
amadurecimento seja como uma perda de aquisições já realizadas. Dito em
uma outra linguagem, mais próxima de Heidegger: o inconsciente
winnicottiano consiste no não-acontecido (mas que precisava acontecer) e
no “desacontecido” (mas que precisava continuar sendo); em algo, portanto,
que precisa ser vivido ou revivido e que não necessita de elaboração
representacional ou simbólica.
Exemplo típico do inconsciente winnicottiano não-acontecido e não-
mental são “os cortes no fio da continuidade do si-mesmo”, relacionados às
repetidas fases de reação prolongada a uma intrusão ambiental durante o
parto. Os indivíduos traumatizados devido principalmente à demora desse
processo continuam precisando reencenar os cortes acontecidos, isto é,
nascer pela primeira vez de verdade. Para tanto, buscam oportunidades para
regredir à dependência, mas precisamente a um estado intrauterino, tanto na
vida real (por exemplo, a falsa homossexualidade) como na análise (como a
compulsão a ter uma mão na testa, representando o corpo da mãe). Ao
oferecer o setting adequado para esses “não-nascidos”, o analista propicia a
atuação (acting-out) de traços mnemônicos relativos ao nascimento e
preservados na memória corporal, fenômeno clínico que difere radicalmente
das brincadeiras de crianças que contêm simbolismos ligados ao nascimento
e das fantasias de adultos que, conscientemente ou não, relacionam-se com
o nascimento. Os pacientes desse grupo, em particular os psicóticos,
tendem, diz Winnicott, a “reviver” a experiência do nascimento reativando
certas funções corpóreas e “passando ao largo de fantasias que se
expressam por símbolos” (1958a/2000, p. 272). Esse esforço em desfazer a
não-integração é radicalmente distinto não somente de processos
conscientes, mas também de processos primários no sentido de Freud.
Uma outra ilustração do conceito de winnicottiano de inconsciente não-
mental é dada pela produção, na fase do concernimento (cujo ápice se situa
por volta dos dois anos e meio), de uma ordem ou padrão no mundo interno
mediante um “trabalho que não é mental nem intelectual”. Trata-se de uma
tarefa psicossomática intimamente relacionada “à tarefa da digestão, que
também se realiza à margem do entendimento intelectual, o qual pode
acontecer ou não” (1988/1990, p. 97).
Ao se livrar da teoria freudiana das pulsões, Winnicott abandonou
também a busca do prazer como princípio determinante da vida humana.
Sem ignorar que os indivíduos humanos também procuram obter prazer, ele
nega que isso ocorra, como sustenta Freud, em virtude de um princípio de
funcionamento causal do aparelho psíquico. O indivíduo humano não se
relaciona com outras pessoas por buscar o prazer, mas por precisar da
presença e da confiabilidade dos outros para que sejam atendidas as suas
necessidades egoicas e por necessitar que sejam satisfeitas as suas tensões
instintuais. Neste último caso, “satisfazer” significa, em primeiro lugar,
aplacar ou acalmar; o termo “acalmar” tomado no sentido descritivo e não
metapsicológico (diminuição da pressão “pulsional”). O prazer não fica de
fora, mas tem o sentido de “recompensa” pela satisfação encontrada no
clímax da exigência do instinto (1988/1990, p. 57).
Winnicott também opera várias mudanças importantes no componente
metodológico da matriz disciplinar da psicanálise. Em primeiro lugar,
recusa a teorização metapsicológica, que trabalha com conceitos
especulativos, não testáveis no domínio de dados clínicos, e opta pela
teorização de tipo “empírico”, a que procede “pela observação dos fatos,
pela construção da teoria e seus testes, e pela modificação da teoria de
acordo com a descoberta de novos fatos” (1996a/1997, p. 23). Em segundo
lugar, Winnicott distingue diferentes modos de construção de teorias
empíricas, levando em conta os fatos tratados e a linguagem empregada.
Um desses modos, característico da teoria freudiana das relações instintuais
da fase do Édipo ou das fases ainda mais tardias, vale-se da objetificação do
“material clínico” – isto é, trata os fenômenos clínicos como fatos da
natureza, pertencentes ao mundo externo refletido no psicanalista-espelho –
e emprega uma linguagem também objetificante. Sem abandonar por
completo esse procedimento, Winnicott introduziu de maneira sistemática
um modo de teorização diferente,28 que corresponde a uma atitude
participativa e não-objetificante do analista, empregando uma linguagem de
comunicação direta, também não-objetificante. Essa linguagem é usada
para trazer a palavra aos fatos pertencentes aos mundos próximos da
origem, isto é, para descrever os ambientes nos quais se constitui o ser dos
bebês humanos no período inicial do processo de amadurecimento – que vai
da fase chamada primeira mamada teórica ao estágio do concernimento,
inclusive – ou para descrever os estados muito regredidos de adultos.29
Segundo Winnicott, a “linguagem dos instintos” não pode dizer tudo o que,
na psicanálise, precisa ser dito sobre o ser humano. Usada na caracterização
de fases anteriores à edípica, ela torna-se “errada” (1988/1990, p. 52). Ao
atentar para a multiplicidade de mundos criados e habitados pelo seres
humanos ao longo do processo do amadurecimento, assim como para a
diversidade de objetos e relações com os quais se veem envolvidos,
Winnicott reconheceu a necessidade de usar a multiplicidade dos dizeres30 a
fim de falar desses mundos. Embora desconfiasse de quem se compraz em
introduzir palavras novas, ele modificou radicalmente o vocabulário da
psicanálise. Os termos winnicottianos tais como “solidão essencial”,
“continuidade do ser”, “ambiente”, “confiabilidade”, “experiência do
nascimento”, “colo da mãe”, “objeto subjetivo”, “dois em um” (relação dual
mãe-bebê), “objeto transicional”, “holding”, “manejo”, “apresentação de
objeto”, “uso do objeto”, “brincar”, “estágio de concernimento”,
“moralidade inata”, “senso de responsabilidade”, “experiência cultural”,
“privação”, “deprivação”, “tendência antissocial”, “jogo de rabisco”,
“regressão à dependência”, mesmo sem serem inicialmente cunhados por
ele, são apenas alguns dos que mudaram radicalmente a paisagem
intelectual da psicanálise dos nossos dias.
Seria um engano pensar que essas considerações, de natureza abstrata e
mesmo filosófica, estejam aqui fora do lugar. Winnicott, tal como Freud, é
um pensador radical. A sua obra exige leitores igualmente decididos,
dispostos a levar em conta todos os aspectos importantes do seu novo
paradigma e a romper, quando necessário, com usos estabelecidos.
Referências31
Babich, B. E. (2001). Proceedings of the 35th Annual Heidegger Conference. New York: Fordham
University.
Caldwell, L. (Org.). (2005). Sex and Sexuality. Winnicottian Perspectives. London: Karnac.
Dias, E. O. (2003). A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de Janeiro: Imago.
Dias, M. de F. (2005). Um estudo da teoria winnicottiana da sexualidade.

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