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Compulsões e Obsessões, uma neurose de futuro - Barros

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PARA LER FREUD 
Organização de Nina Saroldi 
COMPULSÕES 
E OBSESSÕES 
DECT E TR (o AT ATT 
Por Romildo do Rêgo Barros 
 
 
 
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA 
= 
2012 
 
 
 
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Copyright &> Romildo do Rêgo Barros. 2012 
Capa e Projeto grafico de miolo 
Gudnucto de Artes At Saude 
CIP-BRASIL, CATALOGAÇÃO NA FONTE 
SINDIÇATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, R] 
Barros, Romildo do Rego 
B28c Compulsões « obsessões: uma neurose de [oturo/ Romildo 
do Rego Barros. — Rlo de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 
(Para Ler Freud) 
Inchui bibltogesha 
ISBN 978-83.200.0859-1 
L Freud, Sigmund, 1856-1039. 2. Psicanálise. 3. Transtorno 
olssessivo-cormpaisivo, E Titulo. IL. Série. 
CDD: 1350.1932 
123677 CDU: 159.964,23 
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento au 
Erunsmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia 
autorização por escrito. 
Texio revisado segundo v novo Acordo Ortognifico da Língua Pormuguesa. 
Direitos desta edição adquiridos pela 
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA 
Um selo da 
EDITORA JOSE OLYMPIO LTDA. 
Rua Argentina, 171 — 20021-380 — Rio de Janeiro, RJ = Tel.; 2585-2900 
Seja um leltor preferencial Record, 
Cadustre-se e receha inlórinações sobre nossos 
lançamentos e nossas promoções. 
Atendimento é venda dire au leitor: 
muiretoltrecord-com.br ou (21) 2383-2002. . 
Impresso no Brasil 
22 
Para Marta do Rosário, Juana, Isabel, 
Francisco e Alice. 
Para meus amigos da Escola Brasileira de Psicanálise. 
 
 
 
 
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AGRADECIMENTOS 
Uma parte do que estã contido neste livro provém 
do seminário que coordenei há alguns anos sobre as 
obsessões. Agradeço a todos os que participaram dele, 
em particular a Maria Elisa Delecave Monteiro: sem sua 
ajuda, este trabalhado dificilmente seria realizado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
- SUMÁRIO esa 
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Apresentação da coleção 17) 
Prefácio 15. 
Introdução ” 
Umencontro: Freud eo 
Homem dos Ratos 25 
O complemento do sintoma 34 
O sentido das obsessões 39 
: A fantasia do obsessivo 46 
Ata, repetição e tempo 56 
Repetição 59 
; Angústia 87 
| Uma religião sem perdão 58 
! À esperança é à probabilidade: 
y religião e ciência T 
: ( que é uma religião privada 73 
Ê O cerimonial 78 
Algumas diferenças entre a neurose 
eareigião 82 
Tempos modernos 84 
A família 85 
Transforatações na familia tradicional 89 
Dessacralização da ciência 94 
Dectinio da culpa, predomínio da 
vergonha 95 
Crise atual do sentido 
 
 
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Aneurose obsessiva na época 
das TOC 
As compuisões 
Leonard Shelby, sujeito 
contemporáreo 
Lima nova olsessão, uma nova 
psicanálico 
Bibliografia 
Cronologia de Sigmund Freuil 
Outros títulos da coleção 
no 
112 
114 
7 
120 
125 
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO 
Em 1939, morria em Londres Sigmund Freud. Hoje, 
passadas tantas décadas, cabe perguntar por que ler 
Freud e, mais ainda, quala importância de lançar uma 
coleção cujo objecivo é despertar a curiosidade a respeito 
de sua obra, 
Será que vale a pena ler Freud porque ele criou um 
campo novo do saber, um ramo da psicologia situado 
entre a filosofia e a medicina, batizado de psicanálise? 
Será que o lemos porqueele criou, ou reinventou, con- 
ceitos como os de inconsciente e recalque, que ultrapas- 
saram as fronteiras do campo psicanalítico e invadiram 
nosso imaginário, ao que tudo indica, definitivamente? 
Será que devemos ler o mestre de Viena porque, apesar 
de todos os recursos farmacológicos e de toda a ampla 
oferta de terapias no mercado atua! ainda há muitos que 
acreditam na existência da alma (ou de nlgo semelhante), 
e procuram o divã para tratar de suas dores? 
Será que vale a pena ler Freud porque, como dizem os 
que compartilham sua lingua-mãe, ele é um dos grandes 
estilistas da língua alemã, razão pela qual recebeu, inçlu- 
sive, o Prêmio Goethe? 
Será que seus casos clínicos ainda são lidos por curio- 
sidade “histórico-mundana”, para conhecer as “bizarri- 
ces” da burguesia austriaca do final do século XIX e do 
início do XX? 
 
 
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Será que, em tempos narcisistas, competitivos e exibi- 
cionistas como os nossos, é reconfortante ler um inves- 
tigador que não tem medo de conlessar seus Iracassos, e 
que elabora suas teorias de modo sempre abe-to à crítica? 
Será que Freud é lido porque é raro encontrar quem 
escreva como se conversasse com q leitor, fizendo dele, 
na verdade, um interlocutor? 
É verdade que, tanto tempo depois da morte de Freud, 
muita coisa mudou. Novas configurações familiares e 
culturais e o progresso da tecnociência, por exemplo, 
questionam suas teorias e pôem em xeque, sob alguns 
aspectos, sua relevância. 
Todavia, chama a atenção o Tato de, a despeito de todos 
os anestésicos — químicos ou não — que nos protegem do 
contato com nossas mazelas físicas e psíquicas. ainda haver 
gente que se disponha a deitar-se num divã e simplesmente 
falar, falar, repetir e elaborar, extraindo “a seco” um sentido 
de seu desejo para além das fórmulas prontas é dos cor- 
solos que o mundo consumista oferece — a partir de 1,99. 
Cada um dos volumes desta coleção se dedica a apre- 
sentar um dos textos de Freud, selecionado segundo q 
critério de importância no âmbito da obra e, ao mesmo 
tempo, de seu interesse para a discussão de temas con- 
temporâneos na psicanálise e Tora dela. Exceção à regta 
são os três volumes temáticos — histeria, neurose obses- 
siva, e complexo de Edipo —, que abordam, cada um, um 
espectro de textos que seria empobrecido se comentado 
em separado. No volume sobre a histeria, por exemplo, 
vários casos clínicos e artigos são abordados, procurando 
refazer o percurso do tema na obra de Freud. 
12 
 
Acada autor foi soliciado que apresentasse de maneira 
didática o texto que lhe coube, contextualizando-o na 
obra, e que, num segundo momento, enveredasse pelas 
questões que ele suscita em nossos dias, Não necessa- 
riamente psicanalistas, todos têm grande envolvimento 
com a obra de Freud, para além das orientações institu- 
cionais ou políticas que dominam os meios psicanalíticos: 
Alguns já são bem conhecidos do leitor que se interessa 
por psicanálise, outros são prolessores de filosofia ou 
de áreas afins, que fazem uso da obra de Freud em seus 
respectivos campos do saber. Pediu-se, na contramão dos 
tempos narcisistas, que valorizassem Freud por si mesmo 
e encorajassem a leitura de sua obra, por meto da arte de 
escrever para os não iniciados. 
A editora Civilização Brasileira e eu pensamos em tudo 
isso ao planejarmos a coleção, mas a resposta à pergunta 
“por que ler Freud?” é, na verdade, bem mais simples: 
porque é muito bom ler Freud. 
NINA SAROLDI 
Coordenadora da coleção 
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PREFÁCIO 
O livro do psicanalista Romildo do Rêgo Barros trata 
de um assunto que — por sua forte incidência na popu- 
lação e seu caráter muitas vezes pitoresco e anedútico 
— tem recebido muita atenção da mídia e alimentado 
debates em meios diversos. O sucesso do flme Melhor é 
impossivel — que mostrava Jack Nicholson escolhendo 
as pedras do calçamento nas quais podia pisar — e o 
interesse pelas “manias” do cantor Roberto Carlos (e de 
outras celebridades) são indices da popularidade do tema, 
Alinhado à proposta desta coleção, Romildo escolhe o 
caso clínico conhecido como “O Homem dos Ratos” como 
ho condutor do livro, desvendando os mecanismosque 
compõem néurose obsessiva e chegando ao debate sobre 
as obsessões em nossos dias. Em relação a esse ponto, 
logo no início o autor se pergunta se ainda existe a neu- 
rose obsessiva tal como foi pensada por Freud, questão 
que não abandonará até o final do volume, Companhia 
constante do autor na caracterização da neurose obsessiva 
é o psicanalista Jacques Lacan. 
O caso clínico nos conta a história de um jovem advo- 
gado perseguido pela lembrança de um relato que ouvira 
no época em que prestara serviço militar — não se trata 
de algo vivido diretamente por ele — de uma tortura pra- 
ticada no Oriente;a introdução de um rato vivo no ânus 
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do supliciado. Aos poucas, no desenrolar do iratamento, 
desvela-se a associação entre essa imagem e o intenso 
afeto que sentia pelo pai e por uma certa dama. Emerge 
daanálise de Freuda observação da intensa ambivalência 
de sentimentos do jovem Lânzer, que se manifestava tan- 
to na expressão de prazer que exibia ao falar da tortura 
quanto nas manifestações de amor extremado pelo paí 
e na fantasia de que ele — ou a certa dama — fossem 
torturados daquela forma. 
Comentando Freud, Romildo afirma que o obsessivo 
se sente estranho, alheio aos seus próprios pensamentos. 
Esta é a manobra por meio da qual ele consegue lidar 
com a ambivalência dos sentimentos, separando “do amor 
o fundo de ódio que o sustenta”, Processo semelhante 
aparece no que tange tanto ao esquecimento quanto à 
lembrança na neurose obsessiva: 0 sujeito se lembra do 
que fez, mas não se reconhece como autor da ação. 
Romildo observa que, se o recalque realizado pela 
histérica caracteriza uma espécie de vitória do esque- 
cimento, O que se vê na neurose obsessiva não é exata- 
mente esquecimento,-mas sim uma separação entre.a 
representação ideativa e o afeto que deveria sc ligar a ela. 
Segundo o autor, a autocensura do neurótico obsessivo 
é uma tentativa de autoterapia. E se vale de Hamlet para 
ilustrar como a dúvida em fazer ou não fazer se articula 
com a ambivalência entre o amor e o ódio: ao mesmo 
tempo que está determinado a matar Cláudio para vingar 
a morte do pai, a hesitação de Hamlet em faze-lo quando 
este se apresenta indefeso, rezando, revela umcerto gozo 
como sofrimento sobrenatural do pal. 
16 
saulo fundamenta! n no tie do obsessivo 
é o deslocamento: mecanismo este que, levado ao extre- 
mo, tem como consequência a paralisia dos poderes de 
decisão do sujelto, Nesse momento Romildo evoca Lacan 
e a lórmula que ilustra.a saga do. obsessivo de objeto à 
objeto, numa série potencialmente infinita que não o, 
permite chegar a nenhum que seja o único ou o melhor; 
que possa interromper-o “deshle” de objetos que sempre. 
encontram outro equivalente, De volta ao caso clínico de 
Freud, quando este informa a Lânzer o valor da sessão, 
ele imediatamente associa: “tantos [lorins, tantos ratos”. 
Esse procedimento serve ao obsessivo de escudo contra o 
próprio desejo. Enquanto desliza de objeto em objeto ele 
ganha uma especie de habeas corpus psíquico, não precisa 
se colocar como desejante, Voltando ao homem dos ratos, 
ao criar “dogmas” do tipo “algo acontecerá com meu pai 
se eu me casar com a dama”, ele não diz nem se quer se 
casar com a dama nem se quer que algo suceda ao pai. 
E, por falar em dogmas, o autor trabalha a associação feita 
por Freud entre neurose obsessiva. e religião, mostrando 
como a primeira funciona como uma religião — e uma 
justiça — privada, na qual atos repetitivos e sem sentido 
aparente visam “esconjurar” algum tipo de ameaça. 
De volta ao filme Melhor é impossivel, todos os rituais 
e oapego à rotina do personagem de Jack Nicholson ser- 
viam para que ele evitasse, por um lado, o encontro com 
seu próprio desejo pela mulher para a qual não consegue 
encontrar um equivalente e, por outro, com o desejo que 
essa mulher poderia dirigir a ele, Como assinala Romildo, 
 
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na neurose obsessiva o Outro pode existir, só não pode é 
desejar! É esse ideal de impessoalidade que torna alguns 
sujeitos obsessivos tão adequados ao trabalho e ao [un- 
cionamento burocráticos. Este tipo de atividade lhes dá 
u sensação confortável de embala dos acontecimentos, 
O sujeito obsessivo, eia o autor, tem grande difi- 
culdade de associar livremente em análise. 4 retificação 
subjetiva, a responsabilização do sujeito que é visada ao. 
longo do tratamento é difícil para o obsessivo porque nele. 
culpa e respunsabilidade estão colados, A procrastinação 
típica do comportamento obsessivo se traduz muito cla- 
ramente, segundo Romildo, na expressão “amanhã sem 
falta”, que indicaria um dia sem contingência, sem a falta 
que move o desejo, ou seja, um perfeito dia de São Nunca! 
O autor observa que no tempo de Freud não se pro- 
curava um psicanalista por problemas emocionais, como 
ocorre apora que a psicanálise já (oi devidamente incor- 
porada à cultura. Não é raro um pnreumologista, por 
exemplo, sugerir que os problemas respiratórios de um 
paciente têm origem emocional. Na origem-da sicandlise, 
ao contrário, as histéricas procuravam Freud porque 
a medicina não dava conta de determinados sintomas 
físicos, enquanto os obsessivos O procuravam porque se 
sentiam tomados por “espíritos” ou pensamentos-que 
pareciam ter se encarnado-neles à-revelia. 
Caminhando para o final do livro, Romildo se vale 
dos sociólogos Zygmunt Bauman e Gilles Lipoveisky — 
além de Jacques Lacan e sua teoria do declínio da fun- 
ção paterna — para caracterizar as mudanças de nosso 
18 
tempo; Seu exame se detém, sobretudo, na família, em 
sua importância como lócus de transmissão simbólica 
e guardia da impossibilidade do incesto. Analisando as 
transformações recentes do estatuto jurídico da família 
no Brasil, especificamente, o psicanalista aponta para a, 
mudança de erifase dos “laços de sangue” para os fatores , 
socioafetivos que ligam seus membros. Desse modo, a 
família contemporânea passa a fundamentar suas relações 
em outras bases, menos dependentes de contratos so- 
civafetivos sancionados pelo Estado ou de compromissos 
assumidos na esfera religiosa. Essa mudança, ressalta o 
autor, tráz novos desafios à clínica psicanalítica atual. 
Romildo retoma um assunto abordado por vários 
putros autores desta coleção, o que, aliás, é prova de sua 
perunência: a passagem da culpa como afeto de base para 
avergonha nos sujeitos que procuram a psicanálise hoje, 
Aliás, não só nos que procuram a clínica, mas também nos 
que não à procuram, o que faz da vergonha um novo afeto 
dominante na vida social, De acordo com o psicanalista, 
aculpa remete à relação com o outro, às asperezas e aos 
desafios que a alteridade coloca a todos inevitavelmente. 
Avergonha, por sua vez, pode ser dividida em duas: uma 
antiga, variante da culpa e, portanto, ligada indiretamente 
so outro, é uma nova, ligada, sobretudo, a si mesmo, sem 
um endereçamento visível ao outro. À “nova vergonha” é 
ligada ao sentimento de insuficiência, corolário do enco- 
rajamento social da performance positiva e exuberante 
o tempo todo, em todas as áreas da vida, Para usar uma 
gíria que, a meu ver, resume bem essa ordem do supereu 
contemporâneo, todos devem “bombar”, e quem não 
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“bomba” se sente diminuído, fora do jogo, à sombra do 
espetáculo. 
Romildo termina seu livro retornando à questão 
colocada no início — a de saber se ainda existiria a 
neurose obsessiva identificada por Freud. Examina as 
compulsães na época dos TOCs (Transtornas Obsessivo- 
Compulsivos) e se interrogaa respeito do estatuto que 
elas assumem em nossos dias medicalizados e apressados. 
Para ele, não se trata de duvidar de sua permanência 
como forma de sofrimento psíquico, mas sim de saber se 
as compulsões em suas variadas formas (texicomanias, 
distúrbios alimentares) ainda compõem uma unidade 
clínica e — a pergunta que não quer calar — se aqueles 
que solrem desse mal ainda vão procurar a psicanálise 
como tratamento, 
NINA SAROLDI 
Organizadora da coleção 
INTRODUÇÃO 
Obsessões e compulsões sempre existiram, muito 
antes de Freud, no final do século XIX, lazer delas uma 
unidade clínica. 
De repente, um comportamento ou uma série de 
comportamentos se-isola dos demais, constitui-se em 
uma nova cadeia separada das outras, e tem-se uma 
nova lógica, que não obedece à que aparentemente rege 
o conjunto da vida do sujeito, O mesmo pode ocorrer 
com o pensamento, que subitamente passa a manter com 
os objetos e com os outros uma relação parecida com 
a magia, porque não se vê — e sem Freud nem sequer 
se sabetia disso — qual é a mediação que opera entre 
os dois. É o que se pode ver, por exemplo, em certas 
formas de causalidade, do tipo “se faço isso, acontecerá 
tal coisa”, ou o seu negativo, “se não faço, acontecerá tal 
outra”, sem que se possa saber o que uma coisa terka a 
ver com a outra. É como se as consequências clos atos 
fossem internas a eles e automáticas, sem nenhuma qutra 
instância que as determine, como seria o caso de uma lei 
positiva, de um juiz, de uma escolha do próprio sujeito 
ou até mesmo do acaso. 
Freud, que se considerava um homem de ciência, pro- 
curou encontrar uma lógica que-tornasse compreensível 
essa estranheza, e com isso pôde afirmar a existência do 
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inconsciente, 20 mesmo tempo coerente com a história 
do sujeito e índice de sua relação com a alteridade. 
Afirmar a existência do inconsciente provocou efeitos 
inéditos tanto na clínica quanto na cultura O primeiro 
deles é a possibilidade de trazer a própris estranheza 
para o âmbito da responsabilidade do sujeito. Entre a 
causa e o efeito, diria Freud a cada um de nós, interpõe- 
se q teu desejo. Com isso, muitos dos comportamentos e 
pensamentos cujos sentidos e cuja intenção eram opacos . 
passama fazer parte daquilo que pode ser assumido peto 
sujeito como seu, mesmo que não saiba explicá-los. 
Esse é O princípio mais geral do método de Freud. 
à Invenção do inconsciente Ireudiano dependeu do 
funcionamento prático de um dispositivo, que-simples- 
mente põe em contato um que fala e outro que se dispõe 
a ouvir. Nada mais. À diferença da invenção desse in- 
consciente em relação às outras formas de inconsciências 
e subjacências da mente que foram surgindo ao longo | 
da história se deve sobretudo ao fato de que ela visa a 
alcançar a responsabilidade do sujeito. 
Grosso modo, a terapia criada por Freud, seguiu, desde 
a sua lorma inicial, um rotetro bem preciso que começa 
no mal-estar experimentado pelo sujeito, provindo, como 
se exprímia Freud na época referindo-se às obsessões, da 
“mesalliançe entre o estado emocional e a representação 
associada”! Em seguida passa pelo esclarecimento do 
enigma, por meio do enunciado de um desejo é final. 
'$. Freud; “Obmessões e fobtas” (1805), Obms Psicológicas Completas de 
Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Lmago, 1996, vol UH, p. 80. 
mente, como num salto, desemboca no desaparecimento 
do sintoma. Em um certo sentido, a eficácia do método 
consiste pura e simplesmente na sua aplicação. 
Esse método, criado inicialmente como resposta para 
a questão do sujeito histérico, tenta romper o isolamento 
em que sesitua o sintoma. Para isso, Freud deu ao sintoma 
um caráter histórico, através.de-um peculiar manejo do 
tempo segundo o qual o passado está de certa forma na. 
dependência do futuro. Evidentemente, essa nova manei- 
ra de encarar 0 tempo exigiu que Freud fizesse, em algum 
momento do seu percurso, uma diferença entre a exatidão 
dy faro resgatado e a verdade do passado em permanente 
criação, Essa é a base que val levar Freud a produzir uma 
tevria-da fantasia, espaço de realidade capaz de absorver 
esse novo movimento temporal, 
Dentre os cinco casos clínicos mais extensos publi- 
endos por Freud, há um que se destaca: pela quantidade 
de detalhes; pelo curioso fato de Freud não ter destruído 
as anvlações como era seu costume, o que loi chamado 
pelo editor inglês de “inexplicável exceção a essa regra” > 
e pela extensa reprodução do diálogo entre o analista e o 
paciente, de tal maneira que, ao final da leitura, teremos 
aprendido sobre a neurose obsessiva como se estivêsse- 
mos assistindo ao diálogo entre Freud e aquele que ficou 
para sempre conhecido como O Humem dos Ratos. 
Um livro sobre a neurose obsessiva poderia, eviden- 
temente, tomar diferentes caminhos. Vários deles seriam 
 
'5. Freud: “Notas sobre um caso de nevrose obsessiva” (O Homen dos Ratos), 
Obras Corpleias, Rão de Janeiro, Imago, 1977, vol. X, p. 253.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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férteis. O relato freudiano da análise do Homem dos 
Ratos, que celebrou em 2009 o seu centenário, serviu-me 
para não deixar de lado elementos essenciais, e por isso 
pareceu-me adequado utilizá-lo como eixo ao redor do 
qual se comporia um perfil daquilo que Freud pensou 
sobre a neurose obsessiva, e do que poderemos pensar 
na nossa época. 
Cem anos depois, existirá ainda hoe a neurose 
obsessiva tal como foi isolada por Freud? Nesta época 
dos Transtornos Obsessivo-Compulsivos, os TOCs, dis- 
persos e plurais como outros aspectos centrais da cultura 
do nosso tempo, existirá ainda a neurose como unidade? 
Será que o psicanalista de hoje ainda aprende a analisar 
com Freud? São algumas das perguntas que norteiam 
este trabalho, mesmo quando não aparecem claramente, 
“e 
UM ENCONTRO: FREUD E O HOMEM DOS RATOS 
A neurose obsessiva é, indubitavelmente, o tema mais * 
Interessante é compensador da clinica analítica 
Um jovem senhor de formação universitária apresentou- 
se a mim com a asserção de que sempre havia sofrido 
de obsessões, desde a infância, mas com intensidade 
especial nos últimos quatro anos, Os aspectos prínci- 
pais de seu distúrbio eram medos de que algo pudesse 
acontecer a duas pessoas de quem ele gostava muito: 
seu pai e uma dama a quem admirava. Além disso, ele 
estava consciente de impulsos compulsivos, tats como, 
por exemplo, um Impulso de cortar a garganta com uma 
lamina; posteriormente criou proibições, às vezes em 
conexão com coisas um tanto sem Importância? 
É com essas palavras que Freud nos apresenta um dos 
seus mais célebres pacientes: o Jovem advogado Ernst 
Lânzer, analisado durante pouco menos de um ano a 
partir de 1º de outubro de 1907 e que ficou conhecido 
“como O Homem dos Ratos, nome usado de início por 
Freud quando se referia a ele na intimidade. 
5. Prewd: “Inibições, sintumas e ungustia”, Obras Completas de 
- Sion) Erval, Rb de Janeiro, Imago, 1996, vol. XX. p. J13. 
“S Frevd "Notas sobre um caso de nevrose obsessiva” (O Hamera dos Ratos), 
- Umas Completas, Rio de Juneiro, lmago, 1977, vol. N. p. 163, 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Lánzer ganhou o seu nome psicanalítico a partir do relato 
que Freud ouviu no segunda encontro, e que se tornou um 
dos eixos de toda a história: trata-se de uma tortura particu- 
larmente atroz praticada no Oriente e que fora comunicada 
ao paciente de Freud por um certo capitão Nemeckzek, 
partidário dos castigos corporais, na época em que Lânzer 
prestava o serviço militar. À tortura consistia na introdução 
de um rato vivo no ânus do supliciado. A-cena foi narrada 
com grande dificuldade, com várias interrupções angus- 
tiadas, obrigando Freud a completar algumas passagens. À 
certa altura, O paciente pediu a Freud paraser poupado de 
contar-lhe os detalhes. O pedido, como se pode supor, foi 
recusado pelo analista, que comenta em seu texto sobre q 
caso: “ele podia, igualmente, pedir-me para lhe dar a lua"? 
Não Toi exatamente o horror da cena emsi que reteve a 
atenção do analista, sas uma estranha expressão que viy 
no rosto do paciente durante o relato, descrita como um 
= “horror ao prazer todo seu do qual ele mesmo.não estava 
ciente”º A combinação dos dois sentimentos opostos, 
horror e prazer, ilustra com perfeição a duplicidade que 
Freud já conhecia desde o começo dos seus trabalhos, e da 
quala neurose obsessiva dará v exemplo mais completo: 
De onde provém o prazer que uma narrativa de horror, 
pode provocar? Como explicar com uma mesma origem. 
sentimentos que deveriam excluir-se? 
O termo ambivalência, proposto pelo psiquiatra suiço 
Eugen Bleuler em 1911 para nomear determinados sinto-: 
mas da esquizofrenia e reconhecido em seguida por Freud 
 
*S. Freud: O Homem dus Ratos, p. 1714, 
PIbichema, 
como um mecanismo próprio de todo sujeito, servirá mais 
tarde para caracterizar essa montagem afetiva de dupla 
valência como manifestação de um conflito. 
Segundo a explicação de Freud, os polos da ambiva- 
fência aferiva são, de um lado, o amor (que no-caso-de 
Lônzer-em-relação no pai era de grande intensidade) e 
do outro um ódio de força comparável, mas-mantido-no- 
inconsciente: “em algum lugar no período pré-histórico. 
de sua infância, ambos os opostos ter-se-iam separado 
um deles, habitualmente o ódio, teria sido reprimido” 
Se Lânzer exprime simultaneamente horror € prazer, 
terá pensado Freud, isso se deve ao fato de que um mesmo 
objeto causa.as dois sentimentos, que até são necessários 
um ao outro: O horror.cemete ao.prazer, que por-sua-vez 
realimenta o horror. A saída imediata para o paradoxo, 
que em princípio o paralisaria, é um certo distanciamento 
por parte do sujeito, que trata à cena, assim como os pen- 
samentos e sentimentos decorrentes, como se não [fossem 
seus, mas impostos de fora, O Homem dos Ratos, por 
exemplo, que logo após o seu relato imaginou a tortura 
sendo aplicada “a uma dama que ele admirava”, ou seja, 
ao objeto do seu amor é desejo, fez questão de explicar 
que “esses pensamentos. lhe eram totalmente alheios e 
repulsivos"“ Essa é a maneira-obsessiva de dar testemu-|) 
nho da existência do Inconsciente como alteridade. e de; ) 
sentar separar-do amor.o fundo de ódio que o sustenta.” 
Do lado de Freud ocorre algo muito importante: a demons-: 
tração, quase palpável, de como a função do analista se cria a / 
“idea, p. 340, ga 
idem, pe 171. an 
tr
en
d 
pa
ço
 
 
 
partir da assimetria que hã entre as posições doanalista e do 
analisante. Longe de identificar-se com o capitão Nemeckzek, 
mas recusando ao mesmo tempo o duvidoso pader que lhe 
oferecia o paciente de dispensá-lo de falar dos assuntos que 
ocupavam oseu pensamento e o [aziam sofrer e gozar, Freud 
erigiu uma instância simbólica que submetia os dois parceiros. 
Apesar de não ter nenhum gosto pessoal pela crueldade, como 
dissea Lânzer, Freud não podia “conceder-lhe algo que estava 
além de (suas) forças”. Isso vai muito além de uma simples 
manobra para evitar a agressividade do Homem dos Ratos, 
que, como Freud sabe melhor do que ninguém, manifestar- 
se-à infalivelmente, cedo ou tarde. 
A ambivalência do Homem dos Ratos mostra, talvez com 
um certo exagero que se deve à própria gravidade do caso, que 
ossentimentos humanos não são simples, mas, pelo contrário, 
constituem sínteses instáveis. Por sua vez, o ato Ireudiano de 
situar o dispositivo cla análise como um terceiro, acima dos 
capriçhos da crueldade ou do amor, cria as condições para a 
exterioridade que faz da análise um encontro único entre dois 
seres humanos, capaz de operar, se tudo funcionar bem, sem 
ceder demasiado às ilusões da intersubjetividade. 
A manobra de Freud é complexa. Na verdade, ele não 
está dizendo ingenuamente que os dois parceiros são iguais 
perante a lei (não se precisa da psicanálise para isso), ou que 
estão celebrando um contrato que permite que essa igualda- 
de [uncione na prática, como o pretende uma ideologia bem 
própria dos nossos dias de democracia de consurnidores. 
Freud sabe bem que, do lugar de onde fala, sua palavra 
serã ouvida de acordo com as experiências, as fantasias é os 
sentimentos de Lânzer. Como afirmou certa vez em outro 
28 
contexto, ora será considerado mestre, ora pai ou educador, 
" asvezes inimigo, outras vezes a imagem do Íracasso... E isso 
determinaa assimetria fundamental do encontro, O impor- 
ante é mostrar na prática que não são Os seus interesses ou 
preconceitos pessoais que contam, e que, por conseguinte, 
o paciente não estará a serviço do seu capricho. 
Se não ocupa de fato o lugar que de alguma forma qº 
situaria como um sucedâneo do capitão que goza com 
p tormento alheio, e se tampouco se contenta com uma 
mera atitude de ajuda humanitária, resta a Freud inven- 
tar um lugar inédito” de onde poderá ouvir o retato do 
Homem dos Ratos e devolver-lhe em seguida, como in- 
terpretação, os efeitos de gozo da cena. É como se Freud 
rivesse dito ao seu paciente: a exigência de que você não 
: imerrompa.o.seu relato provém do próprio dispositivo 
; ae o faz falar. Este é um dos ea mais claros na 
comn uma narrativa a Es ema decorrência 
quase natura] de uma prática metódica da retórica. 
Elegendo a psicanálise coma um terceiro entre o seu 
paciente e ele próprios, Freud demonstra que o desejo que 
o mobiliza, e que ele próprio personifica, inclui'q que 
diz o seu paciente, e isso impede que coincida com a sua 
vontade pessoal. 
A Junção que Lacan chamará mais tarde de “desejo 
do analista" serve de suporte para a análise, sobretudo 
nos momentos em que rareia à produção de sentido. 
“Sobruo lugar ocupado por Freud, ver ). Lacan! O mito inelivicuel do neunkico, 
Riu de jairo. Jorge Zabar Editor, 2008, p 27. 
CE). Lacan O semináedo Quero PE == Os puros comecitos fumdanmentaáis alo 
pstcoralise. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editors, 1998, p. 260: “O desejo do 
analista não é um desejo puro. E um desejo de obter a Jifeec ias alosulis ta, 
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Enquanto o semtido se produz, e novas configurações se 
sucedem como os vidrinhos coloridos de um caleidoscó- 
pio, por meio das associações entre as palavras e os fatos 
que compõem a-trama de qualquer destino, a função do 
analista é bem mais discreta, quase não faz ruido. 
O que Lânzer vai ensinar a Freud, fundamentalmente, | 
é que ao lado da sequência quase infindável de significa- 
ções — por exemplo, as que se sucedem a partir da palavra | 
rato —, hã uma constante, que, embora inerte, causa o | 
deslizamento das significações: essa constante é o próprio | 
sujeito como rato, como significação última dessa palavra. 
Ou seja: a associação livre, regra de ovro da prática 
analítica, não é tão livre nem tão sem limite como se pode 
pensar. Um desses limites, sem dúvida o principal, surge 
quando o próprio sujeito aparece como um equivalente 
do objeto. No caso de Lânzer, essa equivalência pode se 
expressar assim: “Eu sou um rato,” 
O acerto da manobra freudiana com o Homem dos 
Ratos vai se verificar pouco depois, à medida que a análise 
for progredindo, é a confrontação própria do imaginário 
neurótico for sendo substituída pela produção do saber 
inconsciente, que irrompe como algo externo. Em outros 
termos, dá-se uma passagem, desde a impressão que expe- 
rimentara Lanizer ao ler, antes de buscara análise a obra - 
freudiana Psicopatologia da vida cotidiana, mé a surpresa 
de produzir ele próprio um saber de qualidade única, que, 
embora desconhecido, é vivido como lembrança. 
Se isso [uncionou, é porque se transmitiu para Lânzer | 
algo como um enigma escavado no deseja ce Freud. Não | 
terá sido adoutrina como um saber acabado o que mobi- 
30 
lizou o Homem dos Ratos, mas justamente os seus furos, 
isto é, aquilo que Freud desejava saber e não sabia. Lacan 
chamará esse momento, necessário ao desencadeamento 
do processo analítico, de “histerização do discurso”! 
para indicar uma modificação na posição do sujeito que. 
lhe permita falar a partir da sua divisão, e não somente, 
como seria quase natural no caso das obsessões, das suas, 
defesas, Isso É de certo modo um retorno à histeria, lin- 
gua daquala neurose obsessiva constitui, como pensava 
Freud, um dialeto, e pode ser ilustrado por algumas 
passagens da análise do Homem dos Ratos. 
Primeiramente, a inclusão do seu corpo por meio da an- 
gústia, associada ao medo de que algo aconteça ao pai e à dama 
pela qual se interessa. Em seguida, tem-se a entrada em cena 
do pai, não mais como simples objeto de ambivalência — a... 
ser protegido do desejo de morte por-parre-do-sujeito — mas 
como o Quiro ao qual o sujeito atribui ao mesmo tempo um 
, gozo e uma dívida não paga. Isto é, um Outro.capaz de.ser 
destinatário de-uma-questão vu de uma queixa. 
A partir desse ponto, Lânzer está em análise. Uma das 
condições fundamentais estava cumprida: o saber, não 
compleso como num tratado ou como algo que se acu- 
mula, mas como suposição, ou-seja, como uma produção 
cujo verdadeiro tempo é o futuro; Curiosamente, mas 
sem dúvida não por acaso, a quinta sessão se inicia com o 
anúncio, por parte do paciente, de que devia falar de algo 
que vinha da sua infância: o medo, que “persistira por 
“4. Lacan: O seminario, Nero 17 — O avesso de psicanálise, Rio de Janeiro, 
Jorge Zahar Editor, 1992. p. HM. 
ES Freud: O Homem dos Ratos, p 160, 
31 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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roda a sua vida”, de que os seus pensamentos pudessem | 
ser lidos pelos pais.! 
No quario encontro com Freud,“ o paciente conta as . 
circunstâncias da morte do pai, causada por um enfisema. 
Linzer havia perguntado ao médico qual erao perigo que o 
pai corria e recebera a informação de que “o perigo estaria 
superado na noite de depois de amanha”. Ao acordar no 
dia seguinte, um amigo lhe disse que o pai havia morrido 
durame a sua ausência, e a enfermeira Ike contou que - 
alguns dias antes de morrer o pai o chamar pelo nome; 
Lânzer se recriminou por estar ausente na hora da morte | 
do pai. A partir desse momento experimentou alpo estranho, . 
uma espécie de negação da morte. O paciente, apesar de. 
saber que o paí estava morto, agia como se ainda estivesse 
vivo, sem nenhum sentimento de terror ou de culpa, apenas 
com uma pequena autorrecriminação. Quando ouvia, uma | 
piada, por exemplo, pensava: “Preciso contar essa a papai”, 
quando alguém batia a sua porta, dizia: “É papai que está: 
chegando” Algum tempo depois, Freud ouviria com assom- 
bro a informação de que o pai do seu paciente estava morto, 
na verdade, hávta nove anos! É o encontro de Freud coma . 
temporalidade bem própria da neurose obsessiva, que, como | 
vamos ver mais adiante, [az dela uma parolegia bem atual. | 
Enquanto o Homem dos Ratos simplesmente fazia | 
de conta que O pai estava vivo, não era torturado pela. 
culpa nem pela angustia. isso se deu apenas a partir de . 
um segundo momento, quando, por ocasião da morte de | 
 
DS. Premal: O Homero dhes Rufus, p. 182 
“Ibidem, po 178179, 
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uma tia, ouviu o comentário do viúvo: “Outros homens 
se permitem toda indulgência possível. Eu, porém, vivi 
apenas para esta mulher." 
jmediaramente Lânzer pensou que o tio estava fazendo 
“ alusão à uma infidelidade conjugal do pai. Instalou-se, 
então, uma certeza. Não adiantava que o tio dissesse que. 
não estava fazendo nenhuma referência ao pai dele. Não « 
“ era mais possível neutralizar o efeito das suas palavras. 
Foi a partir desse segundo momento que sua suposta 
negligência na noite da morte do pai retornou, não mais 
“ como uma leve inquietude mas como condenação. 
Podem-se destacar os três momentos dessa sequência- 
| + opecadodo pai, que toma forma a partir da revelação 
"involuntária do tio; 
* fantasias de culpa, que giram em torno do que Freud 
chama de “tratar a si próprio como um criminoso”; 
| * autocensuras das quais o sujeito não consegue 
| se libertar, é que constituem uma manifestação 
essencial da nevrose de Lúnzer. 
Cada um desses momentos é necessário ao seguinte 
e depende do anterior. À sequência, que tem um [uncio- 
namento interno períeito, contrasta no entanto com o 
: simples bom-senso, expresso em uma fala como a do tio: 
“Eu não estava me referindo ao seu pai” Na verdade, o 
que a intervenção involuntária do tio [orneceu a Lãânzer 
foi o que Freud chamava de ponte verbal, ou seja, um 
 
Pibidem, p. 179, 
33
 
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significante que faz com que outros se sucedam, para, - 
no conjunto, compor os “delírios obsessivos”, conforme | 
a expressão freudiana. () fato de.o pai ter morrido não | 
impedia que um mal pudesse lhe acontecer, é isso sera, 
responsabilidade do filho. 
O complemento do sintoma 
Além desse elemento da direção do tratamento aponta- 
do por Freud, pode-se ver aqui uma importante diferença 
de mecanismo entre a histeria e a neurose obsessiva. 
Enquanto na primeira privileglá-se o recalque. repre- 
sentado pela vitória do esquecimento, na segunda se, 
separa a representação ideativa do afeto correspondente —' 
* observação clássica de Freud sobre as obsessões —* de” 
' talmaneira que a insistência da lembrança, para usar os 
: termos de Nieizsche, pode perfeitamente conviver com 
Em uma das sessões, o Homem dos Ratos usa uma. 
citação de Nietzsche em Pura além da bem e do mal para - 
ilustrar o estado em que se encontra: “Eu ofiz, diz minha - 
Lembrança: Eu não posso ter feito isso, diz meu Orgulho, | 
e permanece inexorável. No final... à Lembrança cede” 
O paciente concluiu: “A minha Lembrança não cedeu , 
nesse ponto." Estava se -relerindo a um zcontecimento - 
da sua infância, que diz ter ocorrido antes dos B anos de. 
idade, quando descarregara uma espingarda de brinquedo ' 
na testa do irmão, de quem tinha ciúmes. 
Essa dosagem RR 
ada o 46 dna rd 
do obsessivo diante do analista, apontada por Freud em. 
1923: 9 sujeito quer que O analista lhe diga à que nãos 
culpado da falta da qual ele le próprio se se jo se acusa.“ 
: a manutenção do orgulho, 
Confrontado com esse labirinto, representado pelas 
contradições sem saída do seu paciente, Freud deu ao 
Homem dos Ratos algo parecido com um curso, chamado 
porele próprio de “um primeiro vislumbre dos princípios 
básicos da terapia psicanalítica”. * 
Freud tinha, evidentemente, outras saidas: ficar pru- 
dentemente calado, ou, na pior das hipóteses, assumir a 
posição que Lacan chamou de inquisitorial, por meio da 
qual o analista Lenta extrair a “má vontade fundamental” 
do sujeito” Em vez disso, preferiu mais uma vez apresen- 
tara análise como um terceiro, ou seja, como um dispo- 
 sitivo mais ou menos estável, que não está inteiramente 
É oito ao humor ou capricho do momento. 
 
* S, Proud: “As neuropsicoses de delesa” (1894), Obras Compleçais, Rho de 
* Janeiro, Image, 199, vol. LL, p, 39. 
ibidem, p. 187. 
US. Freud: “O Ego e o Hd”, Obras Complesas, Rio de Janeiro, Ingo, v. XEX, p. 67: 
2 ES, Freud: O Homem dos Ratos, p.I79, 
= “Lacan: O seminario, livro | — Os escritos tecnicas de Freud, Ric de Janeiro, 
Jorge Zahar Editor, 2009, p. 45. 
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Fiz então algumas pequenas observações sobre as dife- Í explicação, diz: “Expliquei que não era a informação que 
renças psicológicas entreo consciente e o inconsciente, e - possuia este efeito, mas sim a descoberta do conteúdo 
sobre o fato de que toda coisa consciente estava sujella a | consciente ao qual a autocensura estava de fato ligada" =. 
um processo de desgaste. no passo que aquilo que erain- - 4 partir daí, O paciente deixa de apenas comunicar a 
consciente era relativamente imutável, Husirei os meus co- | Freud o seu intenso sofrimento é passa a apresentar um 
mentários indicando as antiguidades que se encontravam ce: 
. sp "“gintoma que, em psicanálise, exige que um certo lugar , 
o redor, em minha sala. Eram, com efeito, disse eu, apenas ES indies araisoa 
objetos achados nem mimulo, é o enterramento deles tinha": venha sido a Ev ! na o , : 
sido o meio de sua preservação: a destruição de Pompeia so - Isso explica bem ERRAR nasanálises ENS tE ohsessi- 
estava começando agora que ela fora enterrada: “vos tem-se às vezes a impressão de que o dispositivo somente 
“atinge o funcionamento esperado depois de uma passagem 
* pela transferência negativa, soba forma de uma desconfiança 
“qu hosulidade, que de [ato torna mais clara a lunção que é | 
Conforme a teoria psicanalítica, eu lhe disse, todo medo é lada ao analista: 0. bom parceiro do obsessivo, 0 parçeiro. 
correspondia a um desejo primeiro, agora reprimido; - confiável e suficientemente estável, é aquele que sobreviveu. 
por conseguinte, éramos obrigados a acreditar no exato - à força do seu ódio, E aquele que serviu de suporte quando 
contrário daquilo que ele afirmara, Isto tembém se-ajus- |: vacilou o sistema de forças idealimente equivalentes do amor 
taria a uma outra exigência teórica, ou seja, a de que o: « dy ódio. É aquele cuja entrada em cena representou para o 
inconsciente deve ser o exato contrário do consciente =. sujeito o que ele tem feito tudo para evitar. 
É Nas entrevistas preliminares como obsessivo, porexem- 
- Como bom obsessivo, O paciente mostrou um grande” pj, aesiste-se muijas vezes à uma espécie de confronto 
interesse pelas explicações, opondo-lhes sempre algumas: direto entre pensamento e angústia, ficando o corpo em um 
vidas. que como todo: 4 np: res R 
duvitns: Cometeti Dc no "gps pNEeEa dns segundo plano. É o que Freud descrevia como uma “erotl=, o 
lapso, esclareceu a posição do sujeito no diálogo. Lanzer NE ienifi E VA 
: zação do pensamento”, que significa tratar o pensamento , 
 
E, um pouco mais adiante: 
 
 
perguntou: “como podia justificar-se a informação de“ À : 
: a = A maneira de um € róge | ip? 
que a autocensura (...) tenha um efeito terapéutico”. Ora, *: Ra à java, Corpo, crágeno. cujo limite 6.9 angustia. 1 
“ Pamicularmente importante na neurose obsessiva, represen- 
não fora isso que Freud dissera, mas a questão dá uma a siena 
ideia da função da autocensura na neurose obsessiva: é > taum avanço do erótico sobre o pensamento, e disso decorre 
uma tentativa de autoterapia. Freud, retomando a sua a em opneisgo subjetiva Fechada, replcia de pensamentos 
“ privados: ideias sem sentido aparênte, desafios cuja solução 
= emágica (se faço isso, ocorrera aquilo), desejos em forma de 
profecias ou de temores etc. Dessa combinação complexa de 
 
25, Freud: O Homem das Raros, p. 180. 
=bidem, p, 183. 
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afetos e pensamentos podem sair conclusões que funcionam | 
para o sujeito como sentenças judiciais. Coro era o caso de - 
um paciente meu que, a cada vez que acreditava ter cometido * 
alguma gafe ou engano, era tomado por uma intensa ver- e . 
ha e saía indo uma espécie de jaculatória privada: | 
Gi o E cortar o DE eis opescoço.. O SENTIDO DAS OBSESSÕES 
Freud alíviou a angústia do Homem dos Ratos com : 
uma certa frequência, chegando mesmo certa vez a lhe | 
dizer; “Você é um bom sujeito” Em outro momento, fez ' 
um elogio ao bom caráter do seu paciente. É 
É importante lêmbrar que se trata de uma condução - 
bem delicada, de um caso difícil. Quando Freud diz que : 
o Homem dos Ratos era delirante, não está exagerando. : 
De fato, Lânzer estruturou uma sequência de imagens :a ausência da premissa menor, capaz de dar sentido à 
obsessivas, pensamentos mágicos, rituais, desejos e me-Telação entre a premissa maior e a conclusão. Sem ela, à 
dos de retaliação quase completamente isolada da vida - “conclusão parecerá sem lógica ou misteriosa. 
corrente, por isso Freud se permite falar em delírio. Em um silogismo completo, do tipo todo À é B. Todo 
A análise de Lánzer durou de outubro de 1907 a setem- 'BeC. Logo, todo À EC, a conclusão de que A é É depende 
bro de 1908, e; ao final, Freud o considerava curado. Em - “da condição dada por B, Sendo B, A é forçosamente €, 
1923, acrescentou so seu relato esta nota: “A saúde mental: pois todo B é €. 
do paciente foi-lhe restabelecida pela análise sobre a qual”, No caso de Ernst Lânzer, não se vê muito bem em que o 
relatel nestas páginas. Como tantos outros jevens valorosos “casamento com a dama acarretaria à infortúnio do pai, que 
e promissores, ele morreu na Primeira Guerra Mundial "*- “alias já estava morto havia nove anos, Entre uma afirmação 
A nota freudiana, que é ao mesmo tempo uma homena- je a outra hã umabismo, O mérito de Freud loi perceber que 
gem póstuma, sela o destino de Ernst Lânzer, enlaçando - Justamente nesse abismo há uma afirmação escondida, que 
três momentos fundamentais da sua vide: a neurose, a «“Sclrecerá o conjunto é tornará compreensível a ligação 
lise a TAnE -Jemire o casamento do sujeito € O infortúnio do pai.” 
q 
“rg, Freud: O Homem dos Ratos, p. 228 
E Mais de uma vez nu seu celaso Freud estabelece uma relação inversa emré 
Sos scmimentas de Lánzer pelo prai e pela dana: “Seu ódio pela dama estava “ideia, pu 224. Ver igualmente ). Lacan: “O mito individad domeiróico p- 2: Cincrsclmente Ligado seu aleiçuamemo so e de modo innetsu, seu dio 
Cespe O Hina GR EA E Pelo poi sc ofciçuamento à dama Freud, S: O Homem dos Ratos, p. 239. 
Se eu casar com a dama... a meu pai 
ocorrera algum infortúnio” 
Freud tratou essa frase enigmática do Homem dos Ratos 
 
 
 
 
 
 
 
 
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“como uma espécie de silogismo cuja particularidade é- 
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Lanzer tem acesso a0 primeiro termo (se caso. com | A dimensão misteriosa do segundo termo é ésclare- 
dama...) e ao terceiro (... algo acontecera com meu pai), ma cida pela interpretação de Freud. Pode-se dizer que não 
não ao segundo, tratado por Freud como aquilo que lo 5 na neurose obsessiva, mas em geral, a primeira tarefa - 
recalcado do silogismo. Q raciveínio completo, que incly que Freud se deu foi tornar patente o segundo termo do 
q sentido inconsciente, seria, nos termos de Freud, 0 sé silogismo. Esse [bi à primeiro sentido da interpretação. 
guinie: "Se meu pai estivesse vivo, ele estaria tio furios O que impede que o segundo termo se torne patente é 
com minha intenção de casar-me com a dama (..).que er a fato de que conduz à revelação de um gozo do sujeito, 
teria outra explosão de raiva contra ele, desejando-lhe tod: Hamlet não pode admitir que na verdade goza com o tor- 
mal possível; c graças à onipotência dos.meus desejos essa onto sobrenatural que o pai estará solrendo. Enquanto 
males acabariam inevitavelmente por incidir sobre ele, fes Cláudio não for morto, o pai de Hamlet vai vagar como 
Ou seja, o que acontecerá com o pai provém de alg: mama penada, é isso dependerá de um ato que só 0 
que o filho faria, A interpretação freudiana, que visa; iho pode realizar. O que está recalcado é a ideia de que, 
resgatar o segundo termo, corresponce ao enunciad: «om isso, val fazer sofrer o pai. Localizar esse termo final 
do desejo recalcado do próprio sujeito, que semanifesy 45 silogismo equivalea trazer à fala um desejo incons- 
como temor. Essa é a estrutura completada interpretação ciente: Por sua-vez, o Homem dos Ratos tem o poder de, 
analítica quando visa a resgatar sentido, casando-se com a dama, infligtr solrimento ao seu pal, 
Hãalgo parecido em Hamlet, na cenaem que o petso Ele tem a posição do julgador final. 
nagem, ao avistar o inimigo Cláudio desarmado rezandr O esclarecimento dessa função de-goza não é uma 
na capela do palácio, pode enfim cumprir a promessa feité k «consequência natural do esclarecimento do sentido, mas 
ao espectro do pai, de vingá-lo matando o usurpador, ” efe efeito de uma manobra da transferência, que é o conjunto 
matando Cláudio, terá cumprido a sua tarefa. Mas, com de-senrimentos, repetições e pensamentos que ligam a 
o Inimigo está Tr ezando, sua morte o conduzirá pr ovavel paciente acanalista e determin tamem boa partca continul 
mente ao céu. Hamlet terá então ajudado à salvá-lo, em dade do trabalho analítico: Desde o começo, como se sabe, 
vez de lhe dar o merecido castigo: Mas; se não o matar a psicanálise produz sentido, mas na verdade a revelação 
perpetuará o sofrimento do pai, cujo repouso eterné da posição de gozo do sujeito se dá com o surgimento do 
depende de a justiça ser [eita. Esta última parte, ausentt; que há de sem sentido no-sintoma, ou seja, com q surgl- 
na ruminação mental do personagem, situa o elemente mento do sintoma como reivindicação pulsional. É uma 
que faltava na ambivalência de Hamlet. observação Irequente: os sujeitos em análise não mudam a 
partir de um ideal — relígioso, político, ético, ou o que seja 
—, mas de.algo novo nas suas formas de.obter satisfação. 
 
 
“ibidem, p; 238. 
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3: 
Se-me caso com a dama, diria o Homem dos Ratos : 
após assimilar a interpretação, acontecerá algo com o * 
meu pai... segundo o meu desejo. Querer casar-se coma * 
dama inclui querer que algo aconteça com o pai. 
Hamlet, por sua vez, diria mais ou menos assim se não 
matar Cláudio no momento em que-reza, punoos dois, o int- 
migo, que já não terá garantida a sua ida para o céu, eo meu 
pai, que deverá penar ainda um tempo até encontrar o sossego, 
Se Hamlet mata o padrasto no momento em que este -: 
está rezando, estará certamente cumprindoa missão que . 
lhe fot confiada e resgatando a honra do pai. Mas estará 
também prestando um serviço a Cláudio. Ha uma fala 
de Hamlet que exprime o dilema: a 
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Agora que está rezando, poderia cair sobre ele. E é o que 
farei agora... Mas assim ele irá direro para o céu, e seria essa 
a minha vingança? Será melhor referir, Um infame assas- 
sina meu pal e eu, filho dele, envio o malletor para o céu, | 
Ol Isto seria premiar e remunerar, mas nunca vingança * 
 
O dilema, na verdade, é bem mais complexo. O pai 
de Hamlet fora morto em falta, “na grosseira fartura de 
inchado pão: com todas as suas culpas em plena Nor, = 
são louçãs quando uma planta no mês de maio! E quem, 
exceto Deus, sabe como saldou a conta?”.* 
Por outro lado, o espirito paterno espera ser vingado 
para ter paz, mas essa paz está hipotecada à maneira pela : 
qual o pai saldou sua cônia, o que Hamlei, por não ser . 
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“MW, Shakespeare, Mader, avo E, cena LL, Obra Completa, vol, E. Rio de 
Janciro, Nova Aguilar, L9B9. p, SEL, 
“Ibidem. 
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42 
 
Deus, não vai conhecer. Isso, porém, não o impede de 
à sintomatizá-la como inadimplência. 
Em certo sentido, pouco importaria se Cláudio [osse 
para 0 céu ou para O inferno. O importante era que losse 
' morto, que a vingança se cumprisse. Mas, para que a 
vingança seja completa, Hamlet não pode cumpri-la no: 
“ momento em que a sua vitima se purifica pela oração, * 
* apesar de ser a ocasião mais propícia. Será preciso, par- 
“tanto. que o pal de Hamlet continue a vagar sem paz, 
Levando a vingança ao seu limite lógico, Hamlet fará 
paradoxalmente sofrer o pai, que terá que continuar 
| rondando como um espectro. Isso nos mostra, de forma 
“ exemplar, como a dúvida em fazer ou não fazer se articula 
com a ambivalência entre o amor e o ódio. 
Somente é possível sair da dúvida se o sujeito de al- 
guma forma assumir uma determinação externa como 
“ sua, a ponto de se entregar a um ato que, por definição, 
: lhe escapa. Como diz Lacana respeito do ato que Hamlet 
“ finalmente executa: “Este ato, [Hunlet] realiza-o, de certo 
: modo. apesar de si próprio. Existe um nível do sujeito no 
qual podemos dizer que (...) ele não é mais que o avesso: 
* de uma mensagem que nem sequer ta sua” 
A certeza da interpretação é homóloga à do ato. Não 
* no sêntido de que com ela se chega ao ato que estaria na 
origem das palavras, segundo a explicação mítica conhe- 
cida, mas porque a palavra interpretativa interrompe as 
associações. É ao mesmo tempo a introdução de um saber 
que diverge da série obsessiva — dai o seu efeito possível 
 
*). Lican: Sluthesprare, Direis, Dedebind Joyce, Lisbon, Asstrio & Alvim, 
1988, q. 73, 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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de surpresa —, e de uma certeza que não é a mesma que 
a repetição obsessiva aparenta, 
Se v Homem dos Ratos prevê que algo vai acontecer. 
ao pai se casar com a dama, de onde lhe vem igualmente, 
a certeza? De qual lugar está falando? | 
Em outro caso clínico relatado por Freud, da criança: 
Iobica que ficou conhecida como o Pequeno Hans, há: 
uma passagem em que, tendo tomado conhecimento das: 
interpretações de Freud, a criança pergunta ao pai, que 
era quem dirigia as entrevistas: “O Professor conversa” 
com Deus? Parece que já sabe tudo de antemão!” Apesar | 
da aparência, não se trata de uma pergunta religiosa. O. 
que Hans — tão bom lógico quanto Aristóteles, segundo, 
dizia Lacan — queria saber, não sem um ligeiro toque de 
ironia, é de onde a fala de Freud extraia a sua eficiência,., 
A análise tem um compromisso com o sentido. A ques-:: 
tão é onde ele se produz e qual é o seu limije. À interpre-:: 
tação analítica acarreta tanto uma produção de sentido! 
quanto seu rompimento ao situar o seu limite, No final! 
das contas, a questão é do que fazer o não sentido que a: 
saber, não há interpretação sem ruptura dessa suposição. ; 
O Homem dos Ratos impôs a Freud justamente ai 
questão sobre o limite da produção de sentido: até que 
ponto o esclarecimento da interpretação, por si só, rompe: 4 
com o deslocamento incessante das associações que, em: 
principio, teriam o sentido como produção final? 
*5. Freud: “Análise de uma Fobias cms um menino de cinco anos” (O pequeno” 
Hans), Obras Completas, Rio de Jameiro, Ingo, 1977, vel. X, p. 52, 
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É uma ilusão, e nada mais, achar que 0 acréscimo de | 
"sentido wa wanslormao sujeito. Pelo contrário, à transformação. Ea 
do sujeito se dá na ruptura com.o.sentido prévio aintecpre-! 
tação. No caso do Homem dos Ratos, primeiro sentido, 
 
| de início tão indiscutível quanto uma superstição, é: “Se eu 
caso com a-dama, acontecerá alguma coisa com meu pai” 
Se entre à primeira e a terceira afirmações aparece, por 
força da interpretação, algo que tem à ver com o desejo do 
sujeito. situado em um segundo termo, o primeiro sentido, 
que parece tão certo, começa à vacilar, À interpretação a 
“partir do desejo do sujeito separa, desagrega a relação nrá- 
gica entre O casamento de Lânzer e 0 infortúnio do pai. O 
que no pensamento mágico parecia indissociável pode ser 
' separado pela interpretação, que dissolve o sentido prévio. 
A interpretação dá sentido à perplexidade-do Homem 
“ dos Ratos com o segundo-termo: você deseja que algotuim ocorra a seu pai, mesmo amando-o profundamente. 
Mas, ao mesmo tempo, rompe-se. o.sentido. que havia na 
ligação entre O casamento. com.a dama e o infortúnio do 
 
própria prática do sentido engendra. Em outros termos; Pat À produção de sentido engendra. o-não sentido, que. 
se a [rase que produz sentido tem origem na suposição de. 
 
por sua vez conduz a uma nova produção de sentido. 
O primeiro efeito dessa disjunção que à interpretação 
| provoca se dá no plano dos aletos: provavelmente uma certa 
angústia, ou um sentimento de estranheza. Uma interpretação 
que simplesmente completa 0 que já se sabia seguramente não 
é uma interpretação analítica. Pode servir para aliviar, é até 
à gjudar taticamente no prosseguimento da análise, mas não é 
| interpretação. Ereud exigia da interpretação que provocasse 
surpresa, mesmo que se acompanhasse, por vezes, de uma 
constatação paradoxal do tipo “eu sempre soube clisso”. 
 
 
 
| que mostram a importância desse recurso. Par exemplo, 
* o deslizamento de ratas para florins (“ao responder a uma 
; pergunta, disse-lhe o valor de meu honorário por uma 
“ hora de tratamento; ele disse para'si próprio — segundo 
A FANTASIA DO OBSESSIVO É eu soube, seis meses mais tarde: “tantos florins, tantos 
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Pura invenção de teu espírito. O delírio é muito: Raten (prestações) —, que Freud entende a parir do 
habil nessas quiméricas criações. erotismo anal. Ou ainda a qualificação que dá ao pai, 
“ que perdera no jogo uma soma em dinheiro que não lhe 
* pertencia, de Spielratte (“rato de jogo”, jogador, no alemão 
“ coloquial)” E, finalmente, 0 próprio sujeito: “ele próprio, 
* porém, tinha sido um sujeitinho asqueroso e suja, sempre 
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Há nas obsessões um privilégio do deslocamento, 
como apontou Freud: “(..) é característica intrínseca, Yi rder as pessoas quando enfurecido, e fora as- 
ótico. ivo, fazer a. pronto amo A 
saio ia e desloca-: suistadoramente punido pordf-lófeito. Fei verdade cne “ ele podia ver no rato “uma imagem viva de si mesmo!.Y der 
mento. Destarte, a paralisia dos seus poderes de decisão” Vê-se aqui uma torção do ter para o ser, que nos mostra 
vai-se gradualmente estendendo por todo o terreno do que, como último termo da série de equivalências entre 
comportamento do paciente." “ os objetos, que os torna de início intercambiáveis, achá-se 
No mesmo sentido, Lacan fala da “meronimia per-” sempre O próprio sujeito. 
manente da qual a sintomática do obsessivo é o exemplo; No seu seminário sobre à translerência, dé 1960-61, 
encarnado” * ú Laçan discute essa dificil questão do objeto das obsessões 
Quando Lacan diz que a metonímia é um recurso: e das compulsões. Para isso, deixou-nos uma fórmula 
privilegiado nas obsessões, está nos indicando que.nes-: que ilustra O percurso incessante do sujeito na fantasia 
sa neurose o sujeito se organiza contra a significação, * obsessiva, por melo de uma série potencialmente infinita 
tornando potencialmente infinito o deslizamento das? dos objews de desejo, sem que chegue a nenhum que 
conexões entre as palavras. Há no relato várias passagens: passa pretender ser o único ou o melhor. Esta é a fórmula: 
É Ac O (a, a dº, 0.) 
NW, Shakespeare: “Humler”, ato ML. cena RV; Olá Completa. vol. 1, Rio des 
Janeiro, Nova Aguilar, 1989, p. 385. 3 PS Frevd O Homem dos Ratos, p: 213 
!4, Freud: O Hueucor dus Rates, p. 242. Ver iguaimente S: Freud: “Aros “5 “Ibidem. p. 212. 
sivos € prikicas religiosas”, Glas Completas, vol. EX, p. 129. A “Ibidem, po 218, : 
»), Lacan: O seminario, lero 8 — A transferência, Rho de Janeiro, Jorge Zahar? “Até onde set, a Kórmula sO foi usada por Lacon nessa ocasião. Ver 7 Lscan: 
Editor, 1992, p 250. N A transferência, Rio de janeiro, Jorge Zohar Editor, 1992, p. 38. 
 
 
 
 
46 : 47 
 
* ratos). Ou para prestações — de Ratten (ratos) para , 
* 
 
 
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Relativamente simples e fácil de ser traduzida em. dos objetos do desejo, postos em série e tendo como traço 
palavras, é uma aplicação da fórmula geral proposta por. comum a referência a um ubjeto padrão, a 
Lacan para a fantasta, $<>a, bem mais conhecida e que: O sujeito, como se pode ver, apareçe em dois lugares: 5 
apresenta a fantasia como o conjunto das relações entre: como Outro, de de onde julga o valor de cada objeto, e de Vas 
sujeito e objeto. Na modalidade obsessiva, o Qutro está, objeto final da série de substituições. Ea versão obsessiva) < 
no.lugar do sujeito, e, no lugar do objeto, Lacan, em vez: E adido subjetiva. à 
de um.sô objeto, escreveu uma sequência, de talmanetra: O movimento pelo qual o sujeito desliza de objeto a + 
que não seria abusivo dizer.que q objeto: daobsessão é a- objeto se funda no que Lacan chama de “equivalências 
sua própria sucessão, que tende idealmente: ao. infinito. eróticas”. O falo, como moeda-padrão, como esteio, como 
Isso signífica que o sujeito obsessivo investe bem mais a unidade de medida, é o que dá a essa troca permanente 
série dos objetos do que um deles tomado isoladamente. — ce caráter erótico. 
Explicando a segunda parte da sua [órmua, que define Ora, o ideal para o obsessivo é que esse movimento fos- 
o objeto da obsessão, Lacan diz que é ee infinito, que nunca houvesse um ponto de parada, pois, 
* enquanto se mantém o deslizamento não se impõe para ele 
“a questão do seu desejo, que pode se manter impossível. 
Como diz Lacan, 
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a formulação do segundo termo da fantasia do obsessivo - 
faz bem precisamente alusão ao faro de que os objetos: 
são para ele, como objetos do desejo, posos em função 
de certas equivalências eróticas — o que temos o habito - A fórmula que é a sua, à propósito do pagamento dos 
de assinalar quando falamos da erotização do scu mun-: ; . 
3 honorários, tantos ratos, tantos florins, não passa de uma 
do, e especialmente do seu mundo intelectual (..),0 0 é: 
& DISTA E ilustração particular da equivalência permanente de 
justamente 0 que está subjacente à equivalência instau-: dos os obijexos naquilo que é umaespécie de smercado, 
raca entre os objetos no plano erótico, O » é, de alguma : Raros Era 
maneira, à unidade de medida, onde o sujeito acomoda : do metabolismo dos objetos no
s sintomas. Ele se inscre- 
pequ 
latente, numa espécic de a fu eno a, ou seja, à função dos objetos de seu - ve, de maneira
 mais ou menos 
dsda " ii unida
de comum de padrão-ouro.** 
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Os objetos assinalados por Lacan coma letra « ainda 3 Sm exemplo clínico: um sujeito não consegue sy de- 
não têm aqui o sentido que terão dois anos mais tarde, no ! cidir por uma única mulher, pois cada uma que encontra 
seminário sobre a angústia, Trata-se aqui simplesm ente, tem defeitos que a anterior não tinha, mas ao mesmo 
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* Ibidem. p- so. =lhidem, p. 230 
48 ale . fossas ai EN 
 
 
 
 
 
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tempo tem qualidades que são uma novidade para ele. À eviacéu um encontro com a não equivalência do objeto, ou, 
falta de poder metalorizar a passagem de uma mulher pára dito-de outra forma, com o limite do estelo.fálico. Para o. 
a outra — o que lhe permitiria suportar a perda das qua-: obsessivo, esse objeto não equivalente é o da demanda do. 
lidades da parceira que acabou de deixar —, ele produziu” “Quiro, à ser ao mesmo tempo. buscada e evitada 
uma espécie de cenário imaginário, no qd seservt da A partir disso, podemos entender a procrastinação 
lémbrança de como era o ato sexual com a primeira e com, como uma tentativa de tornar infinito o deslizamento dos - 
isso se inspira para o encontro com a segunda. É claro; “objetos de amor, de údio ou do pensamento, é a dúvida * 
que um dos efeitos dessa manobra é que ele não poderá: como uma pergunte a respeito da correspondência entre 
considerar separadamente cada uma das mulheres, o que! cada objeto e o padrão falo (nos termos da fórmula de 
faz com que, no fundo, sejam indiferenciadas. Vemos afa: | acan, essapergunta poderia ser formulada assim: Será 
origem da Irequente autorrecriminação — que, aliás, está: que este objeto particular, este “a”, equivale realmente a 07). 
longe de ser justa, que os obsessivos fazem a si próprios Em ambos os sintomas — que ocorreu a Lacan cha- 
bem como ouvem dos parceiros amorosos, de serem frios mar de “traços de caráter"? —, pode-se supor um Outro 
ou sem sentimentos, “capaz de ntestar o valor do objeto a partir do seu próprio 
Trata-se de uma-estratégia que visa a evitar o surgi= desejo, e alias é esta suposição o que faz deles sintomas 
mento de um objeto sem equivalência, sem valor de troca, neuróticos. O que hã de próprio da neurose obsessiva é 
que interrompe a série e já não pode ser substituído. “a tentativa de anulara dimensão desejante do Qutro, que 
Ouvi recentemente uma expressão que ilustra perfei- será substituída, espera 0 sujeito, pelo deslizamento sem. 
tamente essa estratégia: alguém me falou da “paixão pelo! 'fimdos objetos ou dos pensamentos, que passam assim a 
círculo” que inspira sua vida, e que definia — trata-se de“ ver um caráter abs rabsoluto. lustra-se aqui o conhecido ideal 
alguém habituado ao trabalho científico — como “a ex de impessoa impessoalidade, que torna certos sujeitos obsessivos 
pectativa de que a repetição se cumpra e se instaure uma, tão adequados às exigências do funcionamento burocrã- 
jo ; rotina”. Não é dificil entender que há aqui uma duplicação: tico. Vem igualmente daí a importância dos cerimoniais, 
Ea do tempo: enquanto o tempo das coisas acontecerem é 0) atos supostamente idênticos e à rigor sem sentido. Essa 
Sesi futuro, no sentido de que a repetição visa sempre na tentativa de anulação do Outro tem também como resul. 
| que está por vir, O tempo onde se situa O sujeito é a espera tado, por estranho que pareça, a sua elevação ao absoluto. 
h que é O presente possível. 
Isso tem-uma-relação.com a estrutura do ato —. contr: k a “Ver, 0 esse respelio, as comentários de Lacan em O senindrio, Hiro 10 e À 
vqualo obsessivo constrói mma espécie de caricatura, ques ese a E di Era ol abi In Escrltos, Rlo de 
são os atos compulsivos, O ato que 0 sujeito obsessivo tenta? Júmiro, Jorge Zuliar Editor, 1998, p. 313. 
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sedan e dcrpaca irei it pel e Sia pari 
utero ai de Ler lu qo posa ch mt, pi 
estabelecer e enunciar a relação que existe entre o casa dO Da pis elijeáo do Outro E Aos pode 
mento com a dama e o infortúnio do pai. 4 fórmula dede di sobre o sujeito, sob a forma da demanda * 
“inc 
Lacan deixa entrever à manobra que Q sueito faz para Q que 9 obsessivo tenta evkar é o envolvimento do 
produzir a fantasia, e mostra como isso inclut uma posta eu corpo como objeto de troca nas suas relações com 
 
 
 
 
 
A ção paía o próprio sujetio: no “o Outro, e, mais precisamente, nas suas relações com a 
4 A partir dessa lógica, creio que é mais fácil entende man da do Ouiro; O corpo pode ser entendido aqui 
epa "em uma dupla acepção: como localização do gozo do 
 Hãuma estrutura semelhante, ou até mesmo uma Cr ro, do qual o sujeito seria objeto, e como localização 
monotonia na sintomatologia do sentido. Não háça partia angústia do sujeito. À relação que o obsessivo man- 
dela, muita dilerença entre casar-se com a dama, acontecer, com O corpo, como um objeto a ser reivindicado 
algo com o pat, e pagar ou não as 3,8 coroas que se EnaE do Outro, permite entender a obsessão, não somente 
a o int omo uma variante da histeria, como indicou Freud, mas 
não poder saber à quem devia a remessa do pincenê Quê mb ém como uma defesa contra ela. Além da separação 
encomendara nu epoca do serviço militar.” Tudo loag) ve o obsessivo faz entre representação e afeto; apontada 
tem uma estrutura parecida. O que esses sintomas têm Mor Ereud como um fator etológico fundamental nas 
comum é a indicação de QuE o plano da fantasia 0 sujeitos, secsões, haveria outra correlata: entre a mente como 
obsessivo fala do lugar do Outro, Falar desse lugar deixa y do sintoma e o corpo como lugar da angústia. 
no obsessivo a esperança de que algo possa ser feito sem Se a histerização do obsessivo se dá pela emergência 
que o seu desejo-sela posto emtquesião: "Se me caso con, angastia, o analista é inicialmente chamado para con- 
a dama (ninguém sabe se desejo ou nãv a dama), acomecerd: qr vcse afeto, não propriamente para decifrar o sintoma. 
algo com meu pai (ninguém sabe se quero ou não que COMEÇ ço tem uma relação coma particular dificuldade de se 
algo ao meu pai)” Existe uma espécie de passagem auto! 
mática do primeiro para o terceiro termo, de:tal maneim! 
que o segundo, exatamente onde q desejo do sujeito está 
em questão, não precisa nem deve ser explicitado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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“Nu seu seminirio sobrea identificação, Luci disngue as modilidades 
histérica s obsessiva no rekição comu demanda do Outro; “O acento É posta 
dulurentemento squundo as duas vertentes da nesirose, Para o obsessivo, 
Bu acento é posto sobre a demanda du Outro, tomado como objeto de seu 
= desejo, Pará o histórico, o acento é posto sobre 0 objeto do Outro, tomado 
vá como suporie da sua demanda” Seminario A identificação, incdito, aúla de 
E MU de mato de 1952. 
 
 
 
 
 
 
 
 
“S. Ercud: O Hynca das Ratos, po 173, 
 53 
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fazer um obsessivo começar a associar é de conseguir q acurra, será necessário que o sujeito faça mais ma vêz 
permita o surgimento de um saber que não estã previsi o percurso que o levou à produção do seu sintoma: Isso 
Como estofo, pode-se pensar na etiologia de base propos: juj um novo encontro com a alteridade que pautou a 
por Freud para a neurose obsessiva: um excedente de go sua vida ea cuja Talta respondeu. Essa falta.pode-ser-en-. 
um gozo excessivo ou demasiado precoce, que tem a w; tendida aqui tanto-no sentido daquilo. que-faltaao Outro 
com a frequente conservação da memória no obsessiy — e que v sujeito se sente obrigado a suprir — quanto . 
Ele-não esqueceu nada, mas a lembrança não lhe served ac que faltou ao Outro mé dizer, ou seja, como uma . 
quase nada, senão como tortura. Uma fórmula pode res: fa de saber no Outro, e, finalmente, como o pecado do. 
mir a maneira de o obsessivo descreve: a sua lembraty, Quiro que é é transmitido Bo sujeito, Como ocorre com a 
excessiva e inútil; “Eu cometi, mas não sou 0 Ra dívida do pai de Lánzer. 
Quando Freud dizia que q obsessivo pede ao.a pi 
que lhe diga que não é culpado daquilo de que ele pró gg 
se acusa, pode-se entender. que o que é pedido ao small 
é que a angústia seja aplacada. a 
Existe um segundo momento -importante- naanálio 
o da responsabilização do sujeito, que-é.a retificaçã 
subjetiva por excelência, Não é uma oper ração mui, 
simples para -o obsessivo, .na medida em que exige ed 
 
se separem dois elementos que, nele, estão colados: cup 
e responsabilidade, 
Responsabilizar um obsessivo pressupõe elerivamen: 
um aplacamento da sua angústia, e uma certa elucidaçã 
da [unção da-culpa, que Freud chamou certa vez de gi 
riante tópica” da angústia. á 
Igualmente, a separação entre culpa.e responsabi 
dade, nepessária ao andamento do dispositivo analític! 
implica uma mudança de posição do-sujeito. em els 
à sua lantasia. k 
Se 9 tratamento analítico se estrutura como uma né 
rose, mesmo que artificial, é na medida em que, para q 
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O ato sintomático do obsessivo st funda nas duas 
é manifestações fundamentais da obsessão: a dúvida e a 
É E procrastinação: A relação entre elas determina a própria 
utura desses aLos. 
ATO, REPETIÇÃO E TEMPO É À Enquajioi a dúvida é a maneira de que dispõe o su- 
ivo para aproximar-se (como quem seafas- 
— Por que à dança da chuva sempre dd certo? * ATOS) de um. obeso de desejo, a 
— Porque os índios só param de dançar quando chove. : a — procrastin ação representa o prazo que se deu O sujeito 
E para assumir esse desejo. Juntando os dois, temos uma 
É resultante que representa bem a estratégia do obsessivo 
A neurose é para Freud sucedânta dé um ato.. É diante do desejo: torná-lo impossivel, como dizia Lacan. 
No caso dos obsessivos, podemos pensar em três É Enquanto a duvida tem a forma de uma questão sobre 
diferentes planos onde tsso se dá: 9 ato-cempulsivo, no: É o valor do objeto, à procrastinação pereniza a própria 
qual se recusa o pensamento; o pensamento obsessiva, É questão, que a rigor só poderá ser respondida fora do tem- 
no qual se recusa o,ato, e, por último, o que. interessa po. A procrastinação diz respeito a um futuro que pode 
particularmente à clínica, o fracasso deste regurso: É É nunça chegar. Como dizia Lacan no seminário O desejo e 
atos contra O sintoma, o sintoma contra a angústia, ea sua interpretação, “é sempre para amanhã que o obsessivo 
angústia contra à gozo que está implicade na demanda'S reserva O engajamento do seu verdadeiro desejo". * 
do objeto sem equivalência. É uma lorma de inventar um futuro jmune.à contin- 
Freud define o pensamento obsessivo como “aquele 2 gência, uma vez que o sujeito pretende controlar tudo que 
cuja função é a de representar um ato regressivamente? É 
Se, para o chamado homem primitivo, usado várias vezes : 
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: visam evitar a dimensão traumática, É o “amanha sem fal- 
por Freud como referência extrema juntamente com a É ta”, que entendido ao pé da letra, passa a ser um amanhã 
criança, não haveria uma grande diferença entre pensa-: que somente chegará quando justamente for eliminada a 
mento e ato, na neurose obsessiva haveria uma espécie + falta que está nos [undamentos do desejo, Ou seja, nunca. 
de repressão do perssamertto para o ato, que é o máximo) Da mesma forma comu o sujeito, para se livrar da 
possivel isento de pensamento. à contingência, inventa um tempo exclusivo para o seu 
& sintoma que é o futuro absoluto ao qual conduz a pro- 
 
 
“GS, Freud: O Hontcm dos Ratos, p. 247. E “Auta de 10 de junho de 1059, seminário inédito. 
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o separa da realização doseu ato. Eliminar a contingência 
RI crastinação, para evitar as consequências do ato, inventa. .nta, coma habitual perspicácia, que Lânzer inventara 
caricaturas de atos, que um certo analisante, falando das | moeda-padrão, a “moeda-rato”, que passa a ser, para 
suas próprias compulsões, definiu como "uma maneira o sujeito e só para ele, O equivalente universal das trocas. 
de agir sem agir”. A dimensão essencial cas obsessões, Não há aqui simplesmente uma correspondência meto- 
então, como se pode observar na história do Homem dos: nímica entre florins e ratos, que alias vai bastante longe 
Raros, é a criação permanente de sucedâneos: sucedâneo O na experiência psicanalítica de Lânzer. Existe igualmente 
do tempo por meio da procrastinação, e do ato por meio; uma marcação do tempo: uma sessão equivale a tantos * 
dos atos sintomáticos e dos rituais e cerimoniais privados florins, que se escoam durante uma determinada duração 
Freud nos conta, à esse respeito, o curioso hábito: | do tempo, e Isso equivale ao escormento de tantos ratos, 
que tinha o Homem dos Ratos de contar até um certa | vistos como objetos anais. 
número, “40 ou 50”, para preencher o intervalo que há 
entre o relâmpago € o trovão.” Com essa manobra vãa: 
peculiar, o sujeito tentava criar uma equivalência entre. 
mo e unidade de tempo. Em vez de suportar o intervalo: 
vazio entre 0 relâmpago eo trovão, que poderia provocar: Ox atos obsessivos e compulsivos se repetem. Às vezes, 
Eee sujeito se impõe a obrigação de contar: o barulho, | é necessário que sejam regulados nos menores detalhes, 
rm ecedor do trovão, que es só ir a tantos pav É pará evitar a surpresa e a contingência, 
trsrnncia, passa a gor: fat ein Quente efetua contagem, a Segundo Lacan, a definição que deu Freud da re- 
: e a etnia ipa aus nad ss petição provém de certo modo do que escreveu Soren 
| e pensnr cia aBto metano Fi o E. essões, É Kierkegaard, apesar de Freud, salvo engano, não se ter 
nr com proa estereotipados certos inaeid interessado pelo filósofo dinamarquês: 
are O PAROU imaginária Há um problema com o termo repetição no próprio 
de perda do controle, “título do livro de Kierkegaard, porque em dinamarquês Uma seriação de objeios pode equivaler, portanto, à ã ; ! à 
Lishrmanejo do tempo. Um Honieseroplo disso, na atual o não quer dizer exatamente repetição, mas 
o. Hr em ie ai Re baço GE TAGE DEAR Repetição em psicanálise, então, é uma retomada? 
Freud comunica o preço da sessão, e o paciente o converte cu diria Ei i da 
mentalmente: “tamos lorins, tantos ratos” * Freud co- Sa TROS QUA au, SE GRE cer 
repetição? O prefixo dinamarquês gjen significa de novo, 
novamente, e a segunda parte da palavra — tagelsen —, 
tomar. À dificuldade de tradução fez com que em fran- 
 
 
 
 
 
 
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“O Homen dos Revs, p. MM. 
“Tbidem, p. 213. 
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cês, por exemplo, a obra de Kierkegaard de 1843 fossé maneira de resolvê-la. A partir daí, ninguém põe em dis- 
inicialmente traduzida como La Répétition, e, na última cussão se os histéricos solrem ou não de reminiscência, 
tradução, como La Reprise, isto é, a retomada. ÉTalvez já não se cite tanto a frase, mas o fato é que para 
Kierkegaard deu a seguinte definição do termo: "a reto “os psicanalistas ela equivale a algo cujo sentido já não se 
mada (Gjentagelsen) é uma reminiscência para a frente” * discute, embora possa ter sido inicialmente um enigma, 
Repetição e reminiscência são um mesmo movimentos Freud inventou a psicanálise, poderíamos até dizer de 
mas em sentidos opostos: aquilo de que alguém se lembra “maneira condensada, porque descobriu que os histéricos 
já se fni, é uma retomada para trás, enquanto a repetição, so frem de reminiscência. Para abordar a reminiscência 
ou a retomada, é uma reminiscência para a frente. e histérica, Freud inventou um tempo que não existia é 
Como se sabe, Freud fez em 1893 umaafirmação que que vai constituir a base da causalidade em psicanálise. 
se tornou célebre: “Os histéricos sofrem una A primeira interpretação dada por Freud, na verdade, 
reminiscência foi a própria invenção do seu dispositivo prático, que tem 
A frase significa, em uma primeira leitura, que 6% uma consonância com a estrutura temporal da neurose 
histéricos produzem sintomas a partir de acontecimentos: histérica. Isso quer dizer que o dispositivo Íreudiano foi 
e experiências que já passaram, tornando-os de algum 1 construido como uma tentativa de esclarecer a estrutura 
forma presentes; mas, se tomarmos à frase um poueg da repetição, Não por acaso, q próprio dispositivo é em 
mais literalmente, ela quererá igualmente dizer que Os parte repetição, é algo que já se conhece, mas que, de 
histéricos sofrem de reminiscência porque fazem da remi: repente, pode engendrar algo novo. 
niscência sofrimento e sintoma: aquilo que era reminis: Além da dimensão temporal, a psicanalise parte de 
cência, O que deveria ser reminiscência, é translorma q uma hipótese fundamental, segundo a qual as remi- 
pelo histérico em sintoma, que passa a ser uma forma; niscências se expressam tanto por meio da Tala, ou de 
 
particular de reminiscência. Himagens mentais, quanto por meto de uma disfunção no 
Aclínica

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