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F R E N T E 2 157 É mentira, é mentira!, gritei tapando os ouvidos Mas Margarida seguia em frente: tio Maximiliano se casou com a inglesa de cachos só por causa do dinheiro, não passava de um pilantra, a loirinha feiosa era riquíssima. Tia Con- suelo? Ora, tia Consuelo chorava porque sentia falta de homem, ela queria homem e não Deus, ou o convento ou o sanatório O dote era tão bom que o convento abriu-lhe as portas com loucura e tudo. “E tem mais uma coisa ain da, minha queridinha”, anunciou Margarida fazendo um agrado no meu queixo. Reagi com violência: uma agre- gada, uma cria e, ainda por cima, mestiça. Como ousava desmoralizar meus heróis? TELLES, L F. A estrutura da bolha de sabão. Rio de Janeiro: Rocco, 1999 Representante da cção contemporânea, a prosa de Lygia Fagundes Telles congura e desconstrói modelos sociais. No trecho, a percepção do núcleo familiar descortina um(a): A convivência frágil ligando pessoas financeiramente dependentes B tensa hierarquia familiar equilibrada graças à pre sença da matriarca. C pacto de atitudes e valores mantidos à custa de ocultações e hipocrisias. D tradicional conflito de gerações protagonizado pela narradora e seus tios E velada discriminação racial refletida na procura de casamentos com europeus. 7 Enem 2012 O senhor Carta a uma jovem que, estando em uma roda em que dava aos presentes o tratamento de você, se dirigiu ao autor chamando-o “o senhor”: Senhora: Aquele a quem chamastes senhor aqui está, de peito magoado e cara triste, para vos dizer que senhor ele não é, de nada, nem de ninguém Bem o sabeis, por certo, que a única nobreza do plebeu está em não querer esconder sua condição, e esta nobreza tenho eu Assim, se entre tantos senhores ricos e nobres a quem chamáveis você escolhestes a mim para tratar de senhor, é bem de ver que só poderíeis ter encontrado essa senhoria nas rugas de minha testa e na prata de meus ca- belos. Senhor de muitos anos, eis aí; o território onde eu mando é no país do tempo que foi. Essa palavra “senhor”, no meio de uma frase, ergueu entre nós um muro frio e triste. Vi o muro e calei: não é de muito, eu juro, que me acontece essa tristeza; mas também não era a vez primeira. BRAGA, R. A borboleta amarela. Rio de Janeiro: Record, 1991. A escolha do tratamento que se queira atribuir a alguém geralmente considera as situações especí- cas de uso social A violação desse princípio causou um mal-estar no autor da carta. O trecho que descre- ve essa violação é: A “Essa palavra, ‘senhor’, no meio de uma frase er gueu entre nós um muro frio e triste”. B “A única nobreza do plebeu está em não querer esconder a sua condição”. C “Só poderíeis ter encontrado essa senhoria nas ru- gas de minha testa”. D “O território onde eu mando é no país do tempo que foi” E “Não é de muito, eu juro, que acontece essa triste- za; mas também não era a vez primeira” Para responder à questão 8, leia o trecho do conto “Linda, uma história horrível”, de Caio Fernando Abreu. (...) – Então quer dizer que o senhor veio me visitar? Muito bem. Ele fechou o isqueiro na palma da mão. Quente da mão manchada dela – Vim, mãe. Deu saudade. Riso rouco: – Saudade? Sabe que a Elzinha não aparece aqui faz mais de mês? Eu podia morrer aqui dentro. Sozinha. Deus me livre. Ela nem ia ficar sabendo, só se fosse pelo jornal. Se desse no jornal. Quem se importa com um caco velho? Ele acendeu um cigarro Tossiu forte na primeira tragada: – Também moro só, mãe. Se morresse, ninguém ia ficar sabendo E não ia dar no jornal ( ) – Deixa eu te ver melhor – pediu (ela). Ajeitou os óculos Ele baixou os olhos No silêncio, ficou ouvindo o tic-tac do relógio da sala. Uma barata miúda riscou o branco dos azulejos atrás dela. – Tu estás mais magro – ela observou. Parecia preocupada. – Muito mais magro. – É o cabelo – ele disse Passou a mão pela cabeça quase raspada. – E a barba, três dias. Perdeu cabelo, meu filho ( ) Levantou os olhos, pela primeira vez olhou direto nos olhos dela Ela também olhava direto nos olhos dele Verde desmaiado por trás das lentes dos óculos, subitamente muito atentos. Ele pensou: é agora, nesta contramão. Qua- se falou. Mas ela piscou primeiro. (...) – Mas vai tudo bem? (...) Saúde? Diz que tem umas doenças novas aí, vi na tevê Umas pestes – Graças a Deus – ele cortou. (...) Vou dormir que amanhã cedo tem feira Tem lençol limpo no armário do banheiro. Então fez uma coisa que não faria, antigamente Segurou-o pelas duas orelhas para beijá-lo não na testa, mas nas duas faces. Quase demorada. Aquele cheiro – cigarro, cebola, cachorro, sabonete, cansaço, velhice. Mais qualquer coisa úmida que parecia piedade, fadiga de ver Ou amor Uma espécie de amor ( ) (Ele) Começou a desabotoar a camisa manchada de suor e uísque Um por um, foi abrindo os botões. Acendeu a luz do abajur, para que a sala ficasse mais clara quando, sem camisa, começou a acariciar as manchas púrpuras (...) espalhadas embaixo dos pelos do peito. Na ponta dos dedos, tocou o pescoço. Do lado direito, inclinando a cabeça, como se apalpasse uma semente no escuro. Depois foi dobrando os joelhos até o chão. Deus, pensou, antes de estender a outra mão para tocar no pelo da cadela quase cega, cheio de manchas rosadas. Iguais às do tapete gasto da escada, iguais às da pele do seu peito, embaixo dos pelos. Crespos, escuros, macios (...). LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 16 Literatura contemporânea158 8 PUC-RS 2013 Todas as afirmativas estão corretamente associadas ao excerto e seu contexto, exceto: A Embora a distância que mantêm um do outro, os dois personagens conseguem finalmente compar- tilhar todos os seus segredos. b Perda de peso, queda de cabelos, manchas rosa das, caroço no pescoço são indícios de que o filho está doente. As comparações com a cadela quase cega e com o tapete gasto reforçam o estado de fragilidade do filho. d A precariedade do espaço narrativo, acentuada por elementos sensoriais (cheiros, cores, sons), é igualmente metáfora da relação entre mãe e filho E O autor do excerto também escreveu O ovo apu- nhalado e Morangos mofados, entre outras obras. 9 UFRN 2013 Leia os fragmentos extraídos, respectiva- mente, de Capitães da Areia e de O santo e a porca. Texto 1 Tá com outra, não é? Mas meu Senhor do Bonfim há de fazer com que os dois fique entrevado. Senhor do Bonfim é meu santo AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2009 p. 43 Texto 2 Ah, isso é o que eu não digo. Queria saber, hein? Está bem, saia. Afinal de contas, já o revistei todo. Fora daqui! E que Santo Antônio lhe cegue os olhos e lhe dê paralisia nos dois braços e nas duas pernas duma vez. SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca 22 ed Rio de Janeiro: José Olympio, 2010. p. 106. Os fragmentos trazem cenas que apresentam A um tom anticlerical em virtude de as entidades sagradas serem representadas como seres de ca- ráter vingativo. b um tom cômico em decorrência da forma como as entidades sagradas são tratadas uma situação irônica, visto que o mal que as perso- nagens desejam aos outros também as acometerá. d uma situação humorística, uma vez que as persona- gens sabiam que seus desejos não seriam atendidos. 10 Unicamp 2018 Leia a seguir dois excertos de Terra Sonâmbula, de Mia Couto. Muidinga não ganha convencimento. Olha a planície, tudo parece desmaiado. Naquele território, tão despido de brilho, ter razão é algo que já não dá vontade. [...] – Sabe, miúdo, o que vamos fazer? Você me vai ler mais desses escritos. Mas ler agora, com esse escuro? – Acendes o fogo lá fora. – Mas, com a chuva, a lenha toda se molhou – Então vamos acender o fogo dentro do machimbombo. Juntamos coisa de arder lá mesmo. Podemos, tio? Não há problema? – Problema é deixar este escuro entrar na cabeça da gente. Não podemos dançar nem rir. Então vamos para dentro desses cadernos Lá podemos cantar, divertir COUTO, Mia. Terra sonâmbula. Rio de Janeiro: Record, 1993 p 10 e 152 a) No primeiro excerto, descreve-se arelação da per sonagem com o espaço narrativo. Considerando o conjunto do romance, caracterize a identidade narrativa de Muidinga em relação a esse espaço e explique por que o território era “despido de brilho”. ) No segundo excerto, o diálogo das duas perso- nagens principais do romance aborda a questão da leitura e sua função para a situação existencial dos protagonistas Explique o que seriam os “es- critos” e “cadernos” mencionados e por que neles os protagonistas poderiam “cantar e divertir”. F R E N T E 2 159 1 UFJF/Pism 2020 Leia o poema abaixo para responder à questão: Meu povo, meu poema Meu povo e meu poema crescem juntos como cresce no fruto a árvore nova No povo meu poema vai nascendo como no canavial nasce verde o açúcar No povo meu poema está maduro como o sol na garganta do futuro Meu povo em meu poema se reflete como a espiga se funde em terra fértil Ao povo seu poema aqui devolvo menos como quem canta do que planta (GULLAR, Ferreira Toda Poesia José Olympio: Rio de Janeiro, 2000 ) Marque a alternativa INcORRETA a respeito do poe- ma acima: A Trata-se de um texto que pode ser rotulado como poema participante ou poesia engajada b O texto apresenta forte adesão à temática de inte resse da coletividade, o que afasta o eu poético do individualismo sentimental. c A ideia núcleo do poema é a da transformação. A esse núcleo estão associadas as metáforas do poema. d Plantar equivale no poema à tarefa de abrir mão do presente em benefício do futuro. E O eu poético parece inclinado a unir os requintes do formalismo de vanguarda à linguagem dos can- tadores populares. 2 Enem PPL 2017 Sou um homem comum brasileiro, maior, casado, reservista, e não vejo na vida, amigo nenhum sentido, senão lutarmos juntos por um mundo melhor. Poeta fui de rápido destino Mas a poesia é rara e não comove nem move o pau de arara. Quero, por isso, falar com você de homem para homem, apoiar-me em você oferecer-lhe meu braço que o tempo é pouco e o latifúndio está aí matando [...] Homem comum, igual a você, [...] Mas somos muitos milhões de homens comuns e podemos formar uma muralha com nossos corpos de sonhos e margaridas. FERREIRA GULLAR Dentro da noite veloz. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013 (fragmento). No poema, ocorre uma aproximação entre a realida- de social e o fazer poético, frequente no Modernismo. Nessa aproximação, o eu lírico atribui à poesia um ca- ráter de A agregação construtiva e poder de intervenção na ordem instituída. b força emotiva e capacidade de preservação da me- mória social. c denúncia retórica e habilidade para sedimentar so- nhos e utopias. d ampliação do universo cultural e intervenção nos valores humanos. E identificado com o discurso masculino e questiona- mento dos temas líricos. Textos para a questão 3. Texto I “Menino do Rio” (Caetano Veloso, Cinema Transcendental, 1979.) Menino do Rio Calor que provoca arrepio Dragão tatuado no braço Calção corpo aberto no espaço Coração, de eterno flerte Adoro ver-te (...) O Havaí, seja aqui Tudo o que sonhares Todos os lugares As ondas dos mares Pois quando eu te vejo Eu desejo o teu desejo Texto II “Haiti” (Caetano Veloso e Gilberto Gil, Tropicália 2, 1993.) ( ) E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina 111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos ( ) Pense no Haiti, reze pelo Haiti Exercícios propostos