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A matriz teórica do plano eram as ideias do economis ta inglês John Maynard Keynes (1884 1946), que afirmava estarem as raízes da Depressão em uma demanda privada inadequada. Portanto, o governo deveria ampliar a demanda por meio do aumento dos salários e do combate ao desem- prego, financiando a recuperação por meio do crescimento do déficit público, e por uma política de baixas taxas de juros, até que o mercado ampliasse sua demanda por produtos in- dustriais, levando à retomada da produção e do investimento. Quando tal ponto fosse atingido, por meio de política fiscal, o governo equilibraria seu orçamento, zerando o déficit Roosevelt pôs em prática, simultaneamente, uma gran de política emissionista e um vasto programa de obras públicas. A economia foi intencionalmente inflacionada e o país passou por uma febril atividade de construção de usinas hidrelétricas, escolas, hospitais, aeroportos, pontes, edifícios públicos e asfaltamento de estradas que criaram milhões de empregos diretos (pedreiros, engenheiros, ar- quitetos, eletricistas etc ) e indiretos (pessoal administrativo e trabalhadores nos setores de tijolos, telhas, ferro, vidro, madeira, móveis etc ) O New Deal não conseguira recuperar totalmente a economia dos Estados Unidos, mas implantou medidas importantes, mudando a relação entre o Estado e os cida- dãos e garantindo várias normas de proteção social aos habitantes, que atingiram uma qualidade de vida antes inexistente. O número de pessoas desempregadas caiu praticamente pela metade, passando de 14 milhões, em 1933, para 7,5 milhões, em 1937 Já a renda nacional subiu 70% e as exportações, 30%. Contudo, é preciso frisar que a finalidade do New Deal não foi acabar com o capitalismo, e sim preservá-lo. Nesse contexto, criar um Estado de bem- -estar social era uma ótima propaganda para o capitalismo frente ao avanço socialista e, também, para a democracia em relação ao avanço nazista. Desse modo, o capitalismo continuou ativo, com a propriedade privada dos meios de produção e o sistema de lucros De qualquer forma, a recu peração da economia norte-americana só foi concretizada com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que ajudou na expansão de vários setores da economia, especialmente a indústria bélica. No início da guerra, por exemplo, 15% da população estadunidense estava desempregada; no fim do conflito, apenas 1% estava nessa situação. Os Estados totalitários Uma característica singular do período entreguerras foi o aparecimento de regimes ditatoriais de direita, os chama dos Estados totalitários. Esses Estados, que têm por modelo mais detalhado o fascismo italiano e o nazismo alemão, partilhavam elementos comuns, como o nacionalismo, o an- tiliberalismo, o antissocialismo, o militarismo e uma profunda aversão aos processos parlamentares e democráticos. De um modo geral, essas formas de governo podem ser vistas por três ângulos: como resultados das frustrações da Primeira Guerra Mundial; como um modo de fortalecer o Estado intervencionista e como uma solução para as aspi rações de estabilidade da burguesia e das classes médias ante as ameaças revolucionárias socialistas e comunistas. A depressão da década de 1930 acentuou o caráter di- tatorial desses governos e levou à sua proliferação, pois ela associou os problemas econômicos à incapacidade das de- mocracias em solucioná-los Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o totalitarismo inspirou práticas antidemocráticas em diversos países europeus, na América Latina e no Japão. Mais que qualquer outro elemento, o aparecimento desses regimes foi, como veremos, o principal elemento responsável pela eclosão da Segunda Guerra Mundial O fascismo italiano A Itália foi o primeiro país a instalar um governo totalitá- rio, desenvolvendo uma teoria original, o fascismo, que se tornou matriz para os demais regimes autoritários de direita. O país experimentou um enorme sentimento de frustra- ção ao término da Guerra, tendo perdido 700 mil soldados. Além disso, a economia havia se desorganizado, toda a região nordeste do país fora devastada e a pretensão de possuir territórios no Adriático e no Egeu falhou. O governo parlamentar passou a ser considerado, por parcelas cres- centes da população, como incapaz e fraco. Essa sensação aumentou quando a inflação e o desem- prego provocaram seguidas crises sociais que adquiriram caráter revolucionário. Desordens e pilhagens de armazéns pela população esfomeada transformaram-se em episódios cotidianos; os camponeses rebelavam-se ocupando terras desocupadas e exigindo a execução urgente de uma refor- ma agrária. No episódio que passou a ser conhecido como Semana Vermelha, cerca de 600 mil metalúrgicos do norte ocuparam as fábricas, tentando dirigi-las em um sistema de autogestão; em 1920, havia dois milhões de grevistas. As forças políticas tradicionais mostravam-se incapazes de lidar com a situação que se agravava. A burguesia e a classe média aproximaram-se do pequeno Partido Fascista que, com sua decidida ação contra os adversários da es- querda (por meio das squadre de camisas negras, grupos paramilitares que enfrentavam com violência os comunis- tas), parecia acenar com um futuro de ordem que acabaria com o “perigo bolchevique”. Ao mesmo tempo, o partido exercia uma oratória de profundo cunho nacionalista, capaz de anular o desencanto pela posição internacional da Itália. B u n d e s a rc h iv M u s e u m K o b le n z A le m a n h a Fig 18 Militantes fascistas com suas camisas negras. Emissionista: que emite papel-moeda em grande quantidade. F R E N T E 2 97 O líder do partido, Benito Mussolini (1883 1945), militou no socialismo quando jovem, mas logo mudou de posição, desenvolvendo uma forte postura nacionalista e militarista, favorável à entrada da Itália na guerra Ferido, usou sua situação de “herói de guerra” para desencadear, por meio do jornal Popolo d’Italia, uma campanha a favor da insta lação de um regime ditatorial para resolver os problemas do país. Em março de 1919, fundou em Milão o embrião do futuro Partido Nacional Fascista (oficialmente fundado em 1921), o qual tirou sua denominação de fascio littorio (“feixe de lictor”), um feixe de varas da árvore bétula branca, que simboliza o poder de punir. Esses feixes são amarrados por correias vermelhas, o que simboliza a força da disciplina, da obediência, da soberania e da união. Muitas vezes, o feixe é ligado a um machado de bronze, que representa o poder de vida e morte. Em Roma, o fascio era carregado por um lictor, o qual abria caminho em meio ao povo nas cerimônias de passagem de poder aos magistrados. Ele era, portanto, um símbolo de autoridade. Fig. 19 Emblema do Partido Nacional Fascista com o fascio ao centro. re p ro d u ç ã o O Partido cresceu rapidamente em meio à situação de anarquia, e os ataques às sedes das organizações de es- querda e aos sindicatos tornaram-se comuns, aumentando a popularidade entre as classes abastadas ou proprietárias. Em outubro de 1922, cinquenta mil fascistas de toda a Itália, usando a camisa negra do partido, seguiram para a capital exigindo o poder, na chamada Marcha sobre Roma. As autoridades mostraram-se impotentes ou coniventes, e o rei Vítor Emanuel III convidou Mussolini para formar um ministério O governo manteve as aparências de monarquia constitucional, mas na prática Mussolini acumulava plenos poderes Nas eleições de 1924, por meio de fraudes e inti midação, os fascistas conquistaram a maioria parlamentar Os opositores do regime foram presos ou assassinados. Em 1925, Mussolini proclamou-se Duce, o supremo condutor da Itália, e a ditadura foi institucionalizada. O Tribunal Especial julgava os dissidentes, a Ovra (polícia política) vigiava a população, a imprensa foi censurada e o Partido Fascista tornou-se o único partido da Itália, fornecendo todos os quadros da administração pública. Fig. 20 Mussolini discursa para a multidão na Marcha sobre Roma. C o le ç ã o p a rt ic u la r Em 1927, foi editadaa Carta do Trabalho, que estabele- ceu as bases do corporativismo. Para cada profissão foram formados dois sindicatos, um operário e outro patronal. As greves foram proibidas e o Estado tornou-se árbitro dos conflitos entre capital e trabalho A luta de classes diluiu- -se na fórmula corporativista, e o ímpeto revolucionário do operariado foi anulado. Em 1929, o Tratado de Latrão resolveu a Questão Roma- na, que se arrastava desde a unificação. O papado recebeu a soberania sobre o Estado do Vaticano e o catolicismo tornou-se religião oficial da Itália Sob o lema “Crer, obedecer, combater”, o regime de dicou-se ao desenvolvimento industrial e agrícola sob uma ativa propaganda de massa, obtendo sucessos significati- vos até o advento da Depressão. A partir de então, a ênfase deslocou-se para o armamentismo e para a expansão ter- ritorial, trazendo a ideia de ressuscitar o Império Romano em toda a sua glória. A Etiópia foi conquistada em 1935 e a Albânia em 1939 A Itália fascista aproximou-se da Alemanha nazista, pela participação na Guerra Civil Espanhola (1936 1939), e tam- bém pela celebração do Eixo Roma-Berlim (1938), tornando a guerra na Europa uma possibilidade concreta. A doutrina fascista Os pontos doutrinários básicos do fascismo, incorpo- rados depois pelo nazismo alemão e em menor escala por outros regimes autoritários, podem ser resumidos desta forma: o totalitarismo, expresso em frases de Mussolini como “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado” O Partido confunde-se com o Estado, refletindo a síntese dos anseios nacionais. Outro princípio fundamental é o nacionalismo, que aparece indissociavelmente ligado ao militarismo. Por esse ponto de vista, a nação, tida como a forma mais avançada de sociedade, deveria buscar sua grandeza, consubstancia- da em frases como “quem tem aço tem pão”, ou “a guerra é para o homem o que a maternidade é para a mulher” Outro elemento é o autoritarismo, segundo o qual a autoridade do chefe era inquestionável e absoluta; o trabalho e a pros peridade eram valores superiores à liberdade. Permeando HISTÓRIA Capítulo 10 O período entreguerras98 todo o discurso fascista, há um forte discurso marcado pela luta contra os comunistas, apontados como culpados pelo caos e anarquia mundiais e o enfraquecimento da nação. A expansão das ideias fascistas A partir do exemplo italiano, os regimes autoritários de direita espalharam-se pela Europa. Em 1923, na Turquia, Mustafá Kemal depôs o sultão e instaurou uma ditadura que modernizou o país, baseada em princípios nacionalistas e progressistas. A influência religiosa islâmica foi eliminada e a Turquia tornou-se um Estado laico. Kemal adotou o título de Ataturk, o pai de todos os turcos. Portugal passou por uma série de crises e instabili dades políticas até que o general Carmona, ocupando a presidência, entregou o controle da economia a Oliveira Salazar, ferrenho adversário do liberalismo, do socialismo e da democracia. Em 1932 o salazarismo consolidou-se, apoiando-se no nacionalismo, no cristianismo e nos valores familiares tradicionais. Os novos países que surgiram em razão do colapso do Império Austro-Húngaro, ou da desagregação do Império Russo, logo passaram a ter regimes autoritários sustentados por aspirações nacionalistas e expansionistas Esse foi o caso da Hungria (1924), da Polônia (1926), da Iugoslávia (1929), da Grécia (1935), da Bulgária (1934), da Romênia (1938), da Áus tria (1933), e dos países bálticos, Lituânia, Letônia e Estônia. Partidos fascistas também foram fundados em outros países. Na Irlanda, a Associação dos Camaradas do Exérci- to, em 1931; e na Bélgica, o Partido Rexista, em 1935. O nazismo alemão A derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial le- vou à abdicação do kaiser e à proclamação da República, em 9 de novembro de 1918. O Partido Social-Democrata for- mou um governo provisório, e encaminhou-se politicamente para a constituição de um regime constitucional e liberal Tendências separatistas e agitações radicais eclodiam por todo o país. Decididos a preservar a unidade do país e a ordem interna, os social democratas aproximaram-se do exército, especialmente após o levante de dezembro de 1918. Os bolcheviques alemães, liderados por Karl Liebcknet e Rosa Luxemburgo, tomaram Berlim. Os rebeldes foram derrotados e seus líderes fuzilados. Seguiu-se a erradicação dos bolchevistas em toda a Alemanha Em 1919, formalizou-se a República de Weimar, de ten dência federalista, liberal, democrática e parlamentarista O problema básico da República foi que ela nasceu sob condições estabelecidas no Tratado de Versalhes, sendo associada à derrota e à humilhação nacional. Logo, difun- diram-se crenças de que o exército alemão era invencível, e que a derrota devia-se a uma punhalada nas costas, des- ferida por traidores e bolchevistas; portanto a sobrevivência da República dependia, em última análise, do seu sucesso em lidar com os problemas econômico-sociais Sempre que havia alguma crise, os movimentos golpistas, fossem de direita ou de esquerda, ganhavam forças. Até 1924, a situação da República de Weimar foi deli cada. Insurreições e movimentos armados estouravam por toda parte Na Baviera, em novembro de 1923, um grupo do recém criado Partido Nacional Socialista dos Trabalha- dores Alemães (abreviadamente, Partido Nazista), liderado pelo general Ludendorff, antigo chefe do Estado-Maior do Exército, e por Adolf Hitler, tentou um golpe fracassado (o Putsch de Munique) Hitler (1888 1945) nasceu na Áustria, onde viveu até 1913 Mudou se para Munique e lutou na Primeira Guerra, sendo ferido duas vezes e condecorado por bravura Em 1919 aderiu ao pequeno partido, assumindo sua liderança, desenvolvendo temas antissemitas e pregando contra as restrições de Versalhes O partido, que até então se pare- cia com muitas outras organizações radicais do período, foi reorganizado por Hitler e passou a contar com organi- zações paramilitares, as SA (Seções de Assalto) e as SS (Seções de Segurança) Fig 21 Adolf Hitler D e s a ra n h ic e M u s e u m K o b le n z A le m a n h a O fracasso do golpe de 1923 valeu-lhe oito meses de prisão, onde escreveu Mein Kampf (Minha luta), o livro no qual expunha a doutrina nazista. Velhos mitos do imaginário germânico foram rejuvenescidos com um novo significa- do: o antissemitismo, a raça superior, o pangermanismo, o neopaganismo, o Estado forte, a regeneração nacional e o nacionalismo exaltado. Hitler estabeleceu também a no- ção de espaço vital, ou seja, o domínio do Leste Europeu, indispensável ao desenvolvimento alemão. O Partido Nazista oscilava de acordo com a situação econômica: conseguiu mais de dois milhões de votos em 1924, mas menos de um milhão em 1928. Entre 1924 e 1929, a República de Weimar viveu seu período áureo. As agitações cessaram, a prosperidade foi restaurada e a eleição do antigo comandante do Exérci- to durante a Primeira Guerra, general Hindenburg, como presidente em 1925, trouxe para a República o apoio da aristocracia e dos militares. Laico: que não pertence ao clero nem a uma ordem religiosa, leigo. F R E N T E 2 99
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