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Coleção de Artes Liberais Vol 1 Trivium e Quadrivium-214-216

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As quatro artes do número e da realidade
observações dos planetas, das estrelas e dos seus movimentos, notando 
quais estavam à frente dos outros, sempre em relação à Terra, baseado 
principalmente na observação da duração de seus ciclos. Antes de tudo 
um esquema já fora estabelecido: havia mais de um céu. Havia o das 
estrelas fixas e um para cada planeta, pelo menos. Assim como haviam 
sido distinguidos o mundo sublunar do mundo supralunar. O sublunar 
era aquele imediatamente abaixo da esfera da Lua, onde habitam os 
entes sujeitos ao ciclo das mutações — sujeitos à geração e à corrupção. 
Nele habitamos nós, os seres humanos. O mundo supralunar é o dos 
astros, não sujeitos à geração nem à corrupção. Hoje em dia, afirma-se 
que o mundo supralunar está, sim, sujeito à corrupção, mas em uma 
escala de tempo tão longa, que os torna quase eternos.
Essa percepção de que os céus possuíam uma estabilidade que o 
mundo terreno não possui conduziu os estudiosos a perceber que os 
céus marcam e são causa dos grandes ciclos de mutação na Terra e, a 
partir daí, conduziría aos postulados mais específicos e audaciosos da 
astrologia.
Acontece que essa possibilidade nunca foi desmentida de todo; pelo 
contrário, quanto mais o homem voltou-se para o céu, sempre este lhe 
apontou algo. Mostrou-lhe as épocas certas para o sucesso nas colheitas, 
guiou-lhe em viagens marítimas para além dos seus continentes, e até 
sinalizou da chegada do Messias, como consta nas Escrituras Sagradas.
Ainda enfocando o aspecto material, Cassiodoro elenca o essencial 
aos estudos astrológicos e astronômicos. A primeira coisa é o estudo da 
posição esférica, que diz respeito à compreensão da esfera celeste e da 
nossa posição como observadores.
A totalidade material do cosmos é expressa, portanto, por uma 
imensa esfera, comportando outras menores, num total de 9 esferas, 
desde a esfera das estrelas fixas, o firmamento, até o centro, onde estão 
os elementos Fogo, Ar, Água e Terra, cuja compreensão não deve ser 
tomada em sentido literal; tratam-se símbolos que expressam princípios 
cosmológicos.
Com relação aos planetas, a esfera da Lua é a menor, e a de Saturno 
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Quadrivium
a maior; entre élas situam-se os demais planetas: Mercúrio, Venus, Sol, 
Marte e Júpiter. Sol e Lua são também planetas, neste esquema, pois 
também apresentam um movimento contrário ao da esfera do primeiro 
céu, o que move as estrelas.
A partir desse esquema, pode-se passar ao estudo dos movimentos 
das esferas, modo pelo qual conhecemos o nascimento (oriente) e o 
ocaso (ocidente) de constelações e de astros menos ou mais afastados 
da Terra. Hemisfério sobre a Terra é o estudo do que está acima do 
observador em dada época; hemisfério sob a Terra trata do céu oculto 
de nossa visão pela Terra, isto é, aquele que é visto pelos antípodas do 
observador.
Pelo número orbital se conhece o período de movimento dos astros; 
na precedência, se conhecem movimentos ditos inesperados dos astros; 
regresso ou recuo é o estudo de astros que parecem se mover em dois 
sentidos, devido ao reconhecimento de um dos movimentos da esfera 
e de outro no sentido contrário; repouso, momento em que algumas 
estrelas parecem repousar; Magnitude do Sol, da Lua e da Terra, é o 
estudo que demonstra as diferenças de tamanho dos astros; Eclipse do 
Sol e Eclipse da Lua, o estudo dos momentos em que um ou outro são 
ocultados, do Sol pela Lua, ou sempre que a Lua é ocultada pela sombra 
da terra. Isso, em síntese, é parte material desses estudos.
Cabe ainda, como se trata de uma arte liberal, não apenas apresentar 
a Astronomia como se listássemos as coisas do universo, numa visão 
epicurista, mas falar da origem e do reflexo desses estudos para a alma 
humana. Para isso, vamos nos valer de um estudo mais cuidadoso, 
principalmente no que diz respeito a etapas históricas da tradição que 
permitiu ao homem o conhecimento do céu.
Os primeiros observadores não imaginaram serem os astros apenas 
brilhos ou luzes, mas sim criaturas com personalidade, que transitavam 
em um curso próprio. Os sábios descreveram os astros todos como 
possuidores de características e o Cosmo como se povoado e operado 
por criaturas vivas. A mitologia grega narra que o titã Atlas suporta o 
céu nas costas, por exemplo, o qual também foi sustentado por Hércules 
em um de seus trabalhos.
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As quatro artes do número e da realidade
Cada astro é um personagem de uma narrativa a ser interpretada pelo 
homem. As constelações guardam a memória dos deuses e das criaturas 
mitológicas. Assim ilustra Francisco Marotta num dos capítulos de 
“Sinfonia Cósmica, Mitologia Celeste”, do qual apresentamos um bom 
trecho:
“O Navio Argo
‘Quando Jasão do Pélion lançou o Navio ao mar...’, teve início a mais 
fantástica, arriscada e — ao mesmo tempo — proveitosa viagem da História 
Mitológica! Foi conquistado o Tosão de Ouro e as proezas foram tantas que o 
nosso Jasão reclamou um reino, e o navio, o famoso Navio Argo, mereceu um 
lugar de destaque no grandioso Museu celeste, para onde os nossos ancestrais 
enviavam — em exposição permanente — tanto os heróis como os frutos de 
suas fabulosas façanhas. (...).
Argos foi o que hoje chamaríamos de armador e o que deu nome ao navio. 
Jasão foi quem assumiu seu comando e o principal interessado da Viagem. 
Os tripulantes se tornariam em breve tempo ‘mundialmente’ conhecidos como 
Argonautas... mas que equipagem de ‘elite’!
Além de Jasão, o capitão, (Argos como todos os armadores preferiu ficar 
em terra para gozar o produto de sua indústria), Hércules, o famoso e famélico 
herói de doze Trabalhos, Orfeu, que com sua Lira — que já tinha vencido o 
inflexível Plutão — encantaria as próprias encantadoras Sereias, salvando assim 
a tripulação toda (pois os heróis sucumbem humanamente aos Encantos), 
Decalião, que já havia praticado a navegação quando, com a sua esposa Pirra, 
tinha pilotado a Arca durante os longos nove dias daquele Dilúvio extra bíblico 
da Mitologia Grega, Castor e Polux, os afetuosos gêmeos inseparáveis, Lincéu, 
o telescópio e Raio-X de bordo (pois sua vista além de neblina atravessava 
também as muralhas) e que mais tarde seria morto por Castor, que com seu 
gêmeo Polux iriam raptar Febe e Hilaira no dia anterior aos seus casamentos 
com Lincéu e seu irmão, e Pirithoo e Telamon e Tifis (o Timoneiro) e mais 
outros 44 Valentes, todos em “ótima forma” como diriamos em nossos dias, e, 
ainda, com pelo menos uma pitada de iniciativa dos deuses em suas vidas ou 
em suas façanhas.
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