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“Jaula de Ferro”: ilustração por Laerte, em “Esfinge” No cenário contemporâneo, com foco principal nos países cujo sistema possui matriz essencialmente capitalista, não é incomum visualizar as rotinas e as vidas em si dos indivíduos permeadas por uma jaula de ferro, que os prende a determinadas ações e modos de viver burocraticamente criados, desenvolvidos e mantidos com o passar dos anos e, talvez, das décadas. Primeiramente, vale definir o conceito de “jaula de ferro”, para o desenvolvimento das análises posteriores. “Jaula de ferro” é um conceito adaptado e traduzido de seu original “stahlhartes Gehäuse”, expressão alemã e originalmente utilizada por Max Weber, que consiste, em suma, na existência de um sistema burocrático e organizado com normas (diretas ou indiretas) rígidas, que está presente em diversas instituições e foram consagradas a partir da sociedade formada após a Revolução Industrial. Contudo, essa “jaula de ferro” não se concentra apenas no âmbito institucional, uma vez que também domina a vida individual dos seres, pois atua de forma a direcionar ações sociais de maneira racional, sem que o ser perceba, muitas vezes, que suas ações estão sendo de fato direcionadas. Nesse sentido, ao estar em uma sociedade na qual as ações sociais são condicionadas a determinadas maneiras de agir e sentir, os indivíduos, assim como as instituições, são prisioneiros do sistema, cenário ainda mais presente em sociedades cujo o capitalismo, e, por consequência, as transações econômicas, dominam toda e qualquer ação individual e criativa. Logo, valoriza-se nesse contexto, a combinar a realidade capitalista atrelada ao conceito de “jaula de ferro”, que as ações sejam voltadas e totalmente planejadas para a produtividade e efetividade dos processos. À luz desses conceito, é possível analisar a produção criativa de Laerte, “Esfinge”, uma história em quadrinhos publicada na Revista Piauí em fevereiro de 2007. Inicialmente, nos primeiros treze quadrinhos da obra vê-se a apresentação de uma rotina padrão de um trabalhador, supostamente médio, dentro da sociedade capitalista, na qual aparentemente possui um dia a dia não muito diferente de seus pares em relação à classe social. Após essa apresentação, um episódio ocorre: a mão do personagem é cortada por um personagem místico, similar a um vulto, entretanto sem sangue ou cortes. Nesse momento, a esposa imediatamente deseja levá-lo ao hospital, entretanto o personagem recusa, ainda que tenha perdido uma parte de seu corpo. A primeira interpretação possível do cenário é que o personagem ferido não deseja ir ao hospital por não saber como informar aos médicos o que aconteceu, pois acredita que não será de fato levado a sério devido a maneira pela qual perdeu sua mão. Assim, opta por seguir sua vida, ignorar o ocorrido e continuar com suas ações socialmente aceitas e padronizadas. O episódio anterior não foi único. Período após período o personagem perdia partes do seu corpo, misteriosamente levados por um ser místico, que ele denomina como “Esfinge”. Contudo, vale-se uma observação: a suposta Esfinge sempre aparecia quando ele fazia uma pergunta considerada inconveniente, interpretação feita a partir da fala da Esfinge “Pergunta errada”, que se repete em diversos momentos da tirinha. Situação após situação o personagem continua ignorando o que acontece com seu corpo e não aceitando a ajuda de terceiros, como de sua esposa, colegas de trabalho ou táxi, até que resta somente seus ombros e sua cabeça. Nesse momento, o personagem pergunta “Por quê?... Por que caralho eu tenho que ir para o escritório?” e, curiosamente, a Esfinge aparece e sua resposta é “Pergunta certa. Quer a resposta?”. O personagem, já sem grande parte de seu corpo, “Não”. A partir da apresentação do conteúdo da tirinha, um ponto principal pode ser explorado. Esse se relaciona diretamente à questão da “jaula de ferro”, conceito anteriormente abordado, uma vez que o personagem se recusa a ir ao hospital, ignorando seus problemas pessoais, e, assim, opta por manter sua rotina tradicional e padronizada. Dessa forma, a “jaula de ferro” condiciona e aprisiona o ser, o personagem, a seguir um comportamento já definido por uma sociedade focada no lucro e na efetividade, sem considerar suas eventuais individualidades e questões de saúde, a fim de manter seu papel como engrenagem nesse sistema. Desse modo, “Esfinge”, de Laerte, é uma excelente ilustração de como as “jaulas de ferro” aprisionam os indivíduos em uma rotina já criada e dimensionada, na qual não há a valorização do pessoal e da individualidade, mas sim da produtividade e efetividade a qualquer custo. Além disso, não somente se aplica à dimensão financeira, gerada pelo trabalho, mas também às ações dos seres em todas as instâncias, do familiar ao profissional, atingindo e coordenando também suas maneiras de pensar e interpretar como o mundo vizualizará suas ações e fragilidades, fragilidade que dentro do sistema ,capitalista, que aprisiona os seres em jaulas de ferro, não é considerada, tampouco valorizada, uma vez que representa a fraqueza humana - ainda que isso componha o ser humano. Referências: COUTINHO, Laerte, Esfinge. Piauí, n. 5, fev. 2007. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/esfinge . Acesso em: 2 de dezembro de 2020. NETO, João. Jaulas de ferro.Disponível em: https://blogdoafr.com/articulistas/joao-francisco- neto/jaulas-de-ferro/. Acesso em 2 de dezembro de 2020. WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2004. Acesso em 2 dezembro de 2020, via Eclass. https://blogdoafr.com/articulistas/joao-francisco-neto/jaulas-de-ferro/