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TEXTOS PIMENTEL, Figueiredo. Conto s da Carochinha. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma Editora, 1956. CONTOS DA CAROCHINHA LIVRO PARA CRIANÇAS Escolhida coleção de sessenta e um contos populares, morais e proveitosos, de vários países, traduzidos e recolhidos diretamente da tradição oral POR FIGUEIREDO PIMENTEL DEDICATÓRIA A Maria Sant’Ana Dedico-te este livro, que fiz pensando em ti e para ti. Pediste-me que escrevesse algumas novelas pequenas para leres à noite, antes de conciliares o sono. Dei-te contos de autores de nomeada. Não te agradaram. Por isso escrevi-o, na esperança de conseguir o fim que desejo. São histórias para crianças, mas todas têm um fundo moral, muito proveitoso, ensinando que a única felicidade está na Virtude, e que a alegria só vem de uma vida honesta e serena. Aprende de cor estas historietas. E mais tarde, conta-as na tua voz harmoniosa, num estilo teu, com imagens tuas, a teus filhos, no berço, à hora d o sono, ou nos serões do lar, durante as longas noites de frio e chuva. Não lhes contes, a eles, a minha história – que é a história triste dos Desgraçados. Cria-os no Bem, cria-os na Virtude, incutindo-lhes o amor de Deus e o amor do próximo. Ensina-os a rezar por todos aqueles que sofrem, por todos aqueles que padecem. E lembra-te que a vida de família é a única feliz, que o lar é o único mundo onde se vive bem, onde a Mulher, boa, santa, pura, carinhosa, impera como rainha. ALBERTO. PREFÁCIO Toda a gente conhece os “Contos da Carochinha”. São essas histórias que todos nós ouvimos em pequenos, e que sabem as crianças todas de todos os países. […] Não se achavam, porém, devidamente colecionados em volume para uso das crianças. As obras, nesse gênero, que havia em português, ou eram mal escritas, e até imorais, ou destinavam-se ao estudo da nossa nacionalidade. O sr. Figueiredo Pimentel, reunindo-os, prestou relevante serviço à juventude. Lendo alguns deles em francês, espanhol, italiano, a l emão e ing lês, co lhendo out ros diretamente da tradição oral, contou-os a seu modo, em linguagem fácil, estilo correntio sem termos bombásticos e rebuscados, como convém para o fim a que a obra é destinada. Fez assim um “excelente trabalho de grande utilidade para as escolas, porque, ao mesmo tempo em que deleita as crianças, interessando-as com a narração de contos morais muito bem traçados, lhes desperta os sentimentos do Bem, da Religião e da Caridade, principais elementos da educação da infância”, como escreveu o Diário de Notícias, desta Capital. […] PIMENTEL, Figueiredo. Contos da Carochinha. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma Editora, 1956. A FORMIGUINHA Uma formiguinha, tendo acordado muito cedo, escuro ainda, para trabalhar na armazenagem de suas provisões de inverno, saiu de casa. Nevava. Mas havia chegado à rua, uma pequenina gota de neve, caída naquele instante, enregelou-se, prendendo-lhe os pezinhos. A formiguinha pôs-se a chorar, vendo-se presa, julgando que ia morrer, até que, ao meio- dia, o sol, fundindo a neve, consegui livrar-se. Então a formiguinha dirigiu-se à neve e disse-lhe: - Neve! Como és tão forte que os meus pezinhos prendes?! A neve respondeu: 1 - Mais forte é o sol, que me derrete. A formiguinha dirigiu-se ao sol: - Sol! Tu és tão forte, que derretes a neve, a neve que meus pezinhos prende?! O sol respondeu: - Mais forte é a parede que me tapa! A formiguinha dirigiu-se à parede: - Parede! Tu és tão forte, que tapas o sol, o sol que derrete a neve, a neve que os meus pezinhos prende?! A parede respondeu: - mais forte é o rato que me rói! A formiguinha dirigiu-se ao rato: - Rato! Tu és tão forte, que róis a parede, a parede que tapa o sol, o sol que derrete a neve, a neve que os meus pezinhos prende?! O rato respondeu: - mais forte é o gato que me come! A formiguinha dirigiu-se ao gato: - Gato! Tu és tão forte, que comes o rato, o rato que rói a parede, a parede que tapa o sol, o sol que derrete a neve, a neve que os meus pezinhos prende?! O gato respondeu: - Mais forte é o cão que me morde! A formiguinha dirigiu-se ao cão: - Cão! Tu és tão forte, que mordes o gato, o gato que come o rato, o rato que rói a parede, a parede que tapa o sol, o sol que derrete a neve, a neve que os meus pezinhos prende?! O cão respondeu: - Mais forte é o homem que me bate! A formiguinha dirigiu-se ao homem: - Homem! Tu és tão forte, que bates no cão, o cão que morde o gato, o gato que come o rato, o rato que rói a parede, a parede que tapa o sol, o sol que derrete a neve, a neve que os meus pezinhos prende?! O homem respondeu: - Mais forte é a morte que me mata! A formiguinha dirigiu-se À morte: - Morte! Tu és tão forte, que matas o homem, o homem que bate no cão, o cão que morde o gato, o gato que come o rato, o rato que rói a parede, a parede que tapa o sol, o sol que derrete a neve, a neve que os meus pezinhos prende?! A morte respondeu: - Sou tão forte, que mato reis, fidalgos, ricos e pobres, escravos e senhores, homens e mulheres, nivelando tudo e fazendo todos iguais! Sou tão forte que te mato!... E matou a formiguinha... PIMENTEL, Figueiredo. Contos da Carochinha. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma Editora, 1956, p. 350-2. 2 BILAC, Olavo. Poesias Infantis. RJ: Francisco Alves. 1929. [1904] Ao Leitor Quando a casa Alves & Cª me incumbiu de preparar este livro para uso das aulas de instrução primária, não deixei de pensar, com receios, nas dificuldades grandes do trabalho. Era preciso fazer qualquer coisa simples, acessível à inteligência das crianças; e quem vive e escrever, vencendo dificuldades de forma, fica viciado pelo hábito de fazer estilo. Como perder o escritor a feição que já adquiriu, e as suas complicadas construções de frase, e o seu arsenal de vocábulos peregrinos, para se colocar ao alcance da inteligência infantil? Outro perigo: a possibilidade de cair no extremo oposto – fazendo um livro ingênuo demais, ou, o que seria pior, um livro, como tantos há por aí, falso, cheio de histórias maravilhosas e tolas que desenvolvem a credulidade das crianças, fazendo-as ter medo de coisas que não existem. Era preciso achar assuntos simples, humanos, naturais, que, fugindo da banalidade, não fossem também fatigar o cérebro do pequenino leitor, exigindo dele uma reflexão demorada e profunda. Mas a dificuldade maior era realmente a da forma. Em certos livros de leitura que todos conhecemos, os autores, querendo evitar o apuro do estilo, fazem períodos sem sintaxe e versos sem metrificação. uma poesia infantil conheço eu, longa, que não tem um só verso certo! Não é irrisório que, querendo educar o ouvido da criança, e dar-lhe o amor da harmonia e da cadência, se lhe dêem justamente versos errados, que apenas são versos por que rimam, e rimam quase sempre erradamente? Não sei se consegui vencer todas essas dificuldades. O livro aqui está. É um livro em que não há animais que falam, nem fadas que protegem ou perseguem crianças, nem as feiticeiras que entram pelos buracos das fechaduras; há aqui descrições da natureza, cenas de família, hinos ao trabalho, à fé, ao dever; alusões ligeiras à história da pátria, pequenos contos em que a bondade é louvada e premiada. Quanto ao estilo do livro, que os competentes o julguem. Fiz o possível para não escrever de maneira que parecesse fútil demais aos artistas e complicada demais ás crianças. Se a tentativa falhar, restar-me-há o consolo de ter feito um esforço digno. Quis dar à literatura escolar do Brasil um livro que lhe faltava. O.B. A Pátria Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança! não verás nenhum país como este! Olha que céu! que mar! que rios! que floresta! A Natureza, aqui, perpetuamente em festa, É um seio de mãe a transbordar carinhos. Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos, Que se balançam no ar, entre os ramosinquietos! Vê que luz, que calor, que multidão de insetos! Vê que grande extensão de matas, onde impera Fecunda e luminosa, a eterna primavera! Boa terra! jamais negou a quem trabalha O pão que mata a fome, o teto que agasalha... Quem com seu suor a fecunda e umedece, vê pago o sue esforço, e é feliz, e enriquece! Criança! não verás país nenhum como este: Imita na grandeza a terra em que nasceste! Ave Maria Meu filho! termina o dia... A primeira estrela brilha... Procura a tua cartilha, E reza a Ave Maria! O gado volta aos currais... O sino canta na igreja... Pede a Deus que te proteja E que dê vida a teus pais! Ave Maria!... Ajoelhado, Pede a Deus que, generoso, Te faça justo e bondoso, Filho bom, e homem honrado; Que teus pais conserve aqui Para que possas, um dia, Pagar-lhes em alegria O que sofreram por ti. Reza, e procura o teu leito, Para adormecer contente; Dormirás tranqüilamente, Se disseres satisfeito: “Hoje, pratiquei o bem: Não tive um dia vazio, Trabalhei, não fui vadio, E não fiz mal a ninguém.” O Leão e o Camundongo 3 (fábula de Esopo) Um camundongo humilde e pobre Foi um dia cair nas garras de um leão. E esse animal possante e nobre Não o matou por compaixão. Ora, tempos depois, passeando descuidoso, Numa armadilha o leão caiu: Urrou de raiva e dor, estorceu-se furioso... Com todo o seu vigor as cordas não partiu. Então, o mesmo fraco e pequenino rato Chegou: viu a aflição do robusto animal, E, não querendo ser ingrato, Tanto as cordas roeu, que as partiu afinal... Vede bem: um favor, feito aos que estão sofrendo, Pode sempre trazer em paga outro favor. E o mais forte de nós, do orgulho esquecendo, Deve os fracos tratar com caridade e amor. 4 A FORMIGA E A NEVE Uma vez uma formiga, que andava pelos campos, ficou com as perninhas presas na neve. - Oh neve valente que meus pés prende! Exclamou a formiga, e a neve respondeu: - Sou valente, mas o sol me derrete. A formiga voltou-se para o sol: - Oh, sol valente que derrete a neve que meus pés prende! E o sol respondeu: - Sou valente, mas a nuvem me esconde. A formiga voltou-se para a nuvem: - Oh nuvem valente que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! E a nuvem respondeu: - Sou valente, mas o vento me desmancha. A formiga voltou-se para o vento: - Oh vento valente que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! E o vento respondeu: - Sou valente, mas a parede me pára. A formiga voltou-se para a parede: - Oh parede valente que pára o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! E a parede respondeu: - Sou valente, mas o rato me fura. A formiga voltou-se para o rato: - Oh rato valente que fura a parede que pára o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! E o rato respondeu: - Sou valente, mas o gato me come. A formiga voltou-se para o gato: - Oh gato valente que come o rato que fura a parede que pára o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! E o gato respondeu: - Sou valente, mas o cachorro me pega. A formiga voltou-se para o cachorro: - Oh cachorro valente que pega o gato que come o rato que fura a parede que pára o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! E o cachorro respondeu: - Sou valente, mas a onça me devora. A formiga voltou-se para a onça: - Oh onça valente que devora o cachorro que pega o gato que come o rato que fura a parede que pára o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! E a onça respondeu: - Sou valente, mas o homem me caça. A formiga voltou-se para o homem: - Oh homem valente que caça a onça que devora o cachorro que pega o gato que come o rato que fura a parede que pára o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! E o homem respondeu: - Sou valente, mas Deus pode comigo. A formiga voltou-se para Deus: - Oh Deus valente que pode com o homem que caça a onça que devora o cachorro que pega o gato que come o rato que fura a parede que pára o vento que desmancha a nuvem que esconde o sol que derrete a neve que meus pés prende! Deus respondeu: - Formiguinha, acaba com essa história e vai furtar. É por isso que a formiga vive sempre na maior atividade, furtando, furtando. - Ora, até que enfim ouvi uma história que merece grau dez! gritou Emília. Está muito bem arranjada, e sem rei dentro, nem príncipes, nem olho furado, nem burro bravo. Ótima! Meus parabéns a tia Nastácia. - Também, gostei bastante, disse Narizinho. Só que não concordo com o fim. A formiga não furta. As coisas que há no mundo são tão dela como nossas e de todos os outros animais. Por que considerar gatuninha a formiga? Dona Benta explicou: - A gente vê aí o dedo das contadeiras de histórias. São em geral donas de casa, ou amas, ou cozinheiras, criaturas para as quais as formigas não passam dumas gatuninhas, porque vivem invadindo os etageres e guarda-comidas no mundo. Se fosse escrita por um filósofo, a história não teria esse fim, porque os filósofos nem sabem que há guarda- comidas no mundo. Só enxergam o céu, as estrelas, as leis naturais, etc. Mas as tias Nastácias sabem muito bem das formiguinhas que furtam açúcar. - E é mesmo, sinhá, confirmou a preta. Outro dia, esqueci de tampar a terrina de doce de laranja, e quando foi de manhã estava pretinha de formigas. As bobas se deixam grudar na calda e morrem afogadas. Bem feito! Quem manda serem gatuninhas? - Então você também é gatuna, disse Emília, porque furta as laranjas da laranjeira para fazer doce. - Mas a laranjeira é da gente, Emília, é da casa – é ali de dona Benta. Quem tira o que é seu não furta. - E onde está a escritura da Natureza que deu a laranjeira à dona Benta? Gritou Emília pregando um soco na mesa. LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945, p. 96-8. 5
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