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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA POR UMA “NOVA ARQUITETURA” NO BRASIL JORGE MACHADO MOREIRA (1904-1992) Paulo Jardim Prof. Dr. Mauro César de Oliveira Santos Orientador Dra. Paola Berenstein Jacques Co-orientadora Outubro 2001 II POR UMA “NOVA ARQUITETURA” NO BRASIL JORGE MACHADO MOREIRA (1904-1992) Paulo Jardim Reg. DRE: 09933731-3 Dissertação submetida ao Corpo Docente do Programa de Pós- Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro – FAU / UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovada em 27 de setembro de 2001, por: Prof. Dr. Mauro César de Oliveira Santos Orientador e Presidente da Banca Examinadora Dra. Paola Berenstein Jacques Co-orientadora Prof. Luiz Paulo Fernandez Conde Prof. Dr. Paulo Afonso Rheingantz Prof. Dr. Pablo Cesar Benetti III Jardim, Paulo, 1952- Por uma “Nova Arquitetura” no Brasil – Jorge Machado Moreira (1904-1992) / Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ, 2001 Xxiv, 256 p. il. Dissertação – Universidade Federal do Rio de Janeiro, FAU/PROARQ 1. Jorge Machado Moreira (1904-1992). 2. Arquitetura Moderna – Século XX. 3. Urbanismo – Século XX. 4. Dissertação (Mestrado – UFRJ/FAU/PROARQ). I. Título IV SUMÁRIO Agradecimentos ................................................................................ ix Prefácio ............................................................................................. xi Introdução ......................................................................................... 1 Figuras ....................................................................................... 13 Depoimento ...................................................................................... 15 Capítulo 1 – Por uma “Nova Arquitetura” mundial ............................ 17 CIAM I a V – 1928 a 1939 .......................................................... 23 Gropius, Bauhaus e Germanófonos nos CIAM I, II e III ....... 27 Le Corbusier e Francófonos nos CIAM IV e V ..................... 44 Frank Lloyd Wright ..................................................................... 63 Jorge Machado Moreira e a Primeira Geração............................ 68 Figuras ....................................................................................... 70 Capítulo 2 – Por uma “Nova Arquitetura” brasileira .......................... 83 Gregori Warchavchik .................................................................. 92 Affonso Eduardo Reidy antes do MESP ..................................... 100 Jorge Machado Moreira antes do MESP .................................... 105 Lúcio Costa antes do MESP........................................................ 107 Razões da Nova Arquitetura ...................................................... 113 MESP ......................................................................................... 117 Depois do MESP ........................................................................ 134 V Figuras ....................................................................................... 137 Capítulo 3 – A “Nova Arquitetura” de Jorge Machado Moreira .......... 149 Marcelo e Milton Roberto ........................................................... 152 Affonso Eduardo Reidy depois do MESP ................................... 154 Jorge Machado Moreira depois do MESP .................................. 156 Oscar Niemeyer depois do MESP .............................................. 163 Jorge Machado Moreira a partir de 1940 .................................... 166 Panorama Mundial nos Anos 1940 ...................................... 167 Projetos de Jorge Machado Moreira nos Anos 1940 ........... 169 Jorge Machado Moreira nos Anos 1950 ..................................... 175 Panorama Mundial nos Anos 1950 ...................................... 175 Projetos de Jorge Machado Moreira no ETUB ..................... 184 Outros Projetos dos Anos 1950 ........................................... 191 Jorge Machado Moreira depois do ETUB ................................... 194 Figuras ....................................................................................... 198 Conclusões ....................................................................................... 219 Referências Bibliográficas ................................................................ 235 Anexos .............................................................................................. 240 Anexo 1 – Razões da Nova Arquitetura ..................................... 241 Anexo 2 – Quadro Sinóptico ....................................................... 253 VI RESUMO JARDIM, Paulo. Por uma “Nova Arquitetura” no Brasil - Jorge Machado Moreira (1904-1992) Orientador: Prof. Dr. Mauro César de Oliveira Santos; Co-orientadora: Dra. Paola Berenstein Jacques. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ, 2001, Dissertação. Por volta de meados do Século XX, a arquitetura brasileira obteve reconhecimento mundial, graças à produção de alguns arquitetos que, desde a década de 1930 abandonaram os métodos acadêmicos e a linguagem eclética dominante e adotaram uma nova maneira de conceber, projetar e construir, se alinhando com as vanguardas arquitetônicas européias, congregadas nos CIAM – Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna. Para os brasileiros, as referência mais fortes eram Walter Gropius e Le Corbusier. As duas visitas que o segundo fez ao Brasil deslanchou uma rápida transformação nas convicções arquitetônicas dos profissionais brasileiros. A vasta e criativa atuação de alguns arquitetos sediados no Rio de Janeiro permitiu o desenvolvimento da chamada Escola Carioca, resultante adoção do léxico purista de Le Corbusier, reinterpretado segundo as tradições locais. Nesse contexto, Jorge Machado Moreira teve atuação importante pela quantidade e pelo porte das obras que projetou e construiu e pelo rigor com que tratou a doutrina da “Nova Arquitetura”. O presente trabalho aborda historicamente a carreira desse arquiteto, procurando identificar a matriz geradora de seu modo de agir arquitetônico e urbanístico. VII ABSTRACT JARDIM, Paulo. Por uma “Nova Arquitetura” no Brasil - Jorge Machado Moreira (1904-1992) Advisor: Prof. Dr. Mauro César de Oliveira Santos; Co-advisor: Dr. Paola Berenstein Jacques. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ, 2001, Dissertation. By the middle of XX Century, Brazilian architecture was worldwide recognized due to the production of some architects that, from the beginning of the 1930s, abandoned the prevailing academic methods and eclectic language. They adopted a new way of conceiving, designing and building, aligning themselves with the European vanguards associated in the CIAM – Congrés Internacionaux d’Architecture Moderne (International Congress of Modern Architecture). For Brazilians, the strongest and principal references were Walter Gropius and Le Corbusier; and the two visits that the later made to Brazil – respectively in 1929 and 1936 – caused a rapid change in Brazilian professional architectural concepts. The widely expansive, creative work of some locally based architects in Rio de Janeiro evolved into the so-called “Carioca School”, as a consequence of the adoption of the purist Le Corbusier’s lexicon reinterpreted under local traditions. In this context, Jorge Machado Moreira played a significant role, especially in the quantity,importance and size of the works he designed and constructed, as well as the accuracy by which he interpreted the “New Architecture” doctrine. The present work is an historical approach to this architect career, and tries to identify the originating matrix of his architectonic and urbanistic way of working. VIII RESUMEN JARDIM, Paulo. Por uma “Nova Arquitetura” no Brasil - Jorge Machado Moreira (1904-1992) Orientador: Prof. Dr. Mauro César de Oliveira Santos; Co-orientador: Dra. Paola Berenstein Jacques. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ, 2001, Diss. La arquitectura brasileña, alrededor de la mitad del siglo XX, obtuvo reconocimiento internacional gracias a la producción de algunos arquitectos que, desde la década del 30 abandonaron los métodos académicos y el lenguaje ecléctico para adoptar una nueva manera de concebir, proyectar y construir, más próxima de las vanguardias arquitectónicas europeas reunidas en los CIAM – Congrés Internationaux d’Architecture Moderne (Congresos Internacionales de la Arquitectura Moderna). Para los arquitectos brasileños las referencias más fuertes eran Walte Gropius y Le Cobusier. Las dos visitas que este último hizo al Brasil desencadenaron una transformación muy rápida en las convicciones arquitectónicas de estos profesionales. La inmensa y creativa actuación de algunos de estos arquitectos radicados en Río de Janeiro permitieron la formación de la “Escuela Carioca”, que incorporó el léxico purista corbusierano adaptándolo a las tradiciones locales. En este contexto Jorge Machado Morerira, debido a la cantidad, importancia y calidad de las obras construidas, y al rigor con que adoptó los principios de la “Nueva Arquitectura”, tuvo una actuación muy importante. Este trabajo aborda históricamente la carrera profesional de este arquitecto tratando de identificar la matriz generadora arquitectónica y urbanística de su forma de actuar. IX AGRADECIMENTOS Esta dissertação, para mim, representa a realização de um projeto tentado várias vezes, mas só agora levado a termo. Sua confecção teve início há pouco tempo, mas sua gestação vem de longa data. Quero deixar registrada a importância que dou, quero homenagear e quero agradecer a muitas pessoas – colegas e familiares – que me ajudaram no caminho que me trouxe até aqui e na construção desta minha pequena obra: Meus colegas de Universidade: Prof. Ulysses Burlamaqui (in memoriam) e Prof. Luiz Paulo Conde: catalisadores de potenciais, diretores entusiasmados da minha FAU/UFRJ; Prof. Jorge Czajkowski: antigo parceiro, me mostrou que arquitetura ia muito além da régua e do compasso, do prumo e do nível; Prof. Mauro Santos: orientador que orienta e segura as ondas para não quebrarem de mau jeito; Dra. Paola Berenstein Jacques: co-orientadora, não sei o que seria deste trabalho sem sua ajuda; Profa. Elizabete Martins: incentivadora constante, entusiasta incontrolável, você é 10; Prof. Milton Feferman: crítico implacável dos lugares comuns e das frases feitas; iconoclasta inveterado; obrigado por me ajudar a duvidar de algumas verdades; Professores Paulo Afonso Rheingantz, Pablo Benetti, Sílvio Colin, Mauro Nogueira e Margareth Pereira: me ajudaram a esclarecer aspectos específicos do trabalho, colaboraram com a literatura (na falta de uma biblioteca decente); acreditam na arquitetura e na importância de estudá-la com seriedade; X Henrique Houayek: o homem das imagens que aparecem neste volume; Colegas do PROARQ: companheiros com quem partilhei a realização deste projeto; Meus alunos, todos eles, desde 1978 até hoje: me provocando e me forçando a me posicionar no embate cotidiano da produção da arquitetura, afinal, nossa grande paixão; Meus familiares: Meu pai Ruy Moraes (in memoriam): sempre o admirei, pela atitude correta diante da vida e da profissão de médico e professor; achava pitoresca sua desajeitada maneira de amar; Minha mãe Celeste Maria: difícil comentar; quem a conhece sabe que palavras dizem pouco da figura mais importante de toda minha vida; a pessoa com o maior talento para viver que eu jamais encontrei, e que enxerga longe, apesar da pouca visão; Rachel: companheira de todos os momentos, sempre valorizando minhas poucas qualidades e tentando corrigir (sem muito sucesso) meus inúmeros vícios e defeitos (eu amo você!); Meus filhos, Felipe, Eduardo (revisor implacável) e Luisa: meus únicos projetos bem realizados; pessoas que amo imensamente, nas quais vejo aperfeiçoadas as qualidades do ser humano – pelo menos, não vejo neles muitos dos defeitos que vejo em mim; Meu irmão Eduardo (last, but not least): atualmente para mim um dos maiores pensadores da cultura brasileira; é um privilégio poder pegar no telefone e discutir coisas, desde as mais banais até as mais relevantes; obrigado também pela ajuda com o alemão. A todos, meu sincero agradecimento. PREFÁCIO DEL RIGOR EN LA CIENCIA ...EN AQUEL IMPERIO, el Arte de la Cartografía logró tal Perfección que el mapa de una sola Provincia ocupaba toda una Ciudad, y el mapa del Imperio, toda una Provincia. Con el tiempo, esos Mapas Desmesurados no satisficieron y los Colegios de Cartógrafos levantaron un Mapa del Imperio, que tenía el tamaño del Imperio y coincidia punctualmente con él. Menos Adictas al Estudio de la Cartografía, las Generaciones Siguientes entendieron que ese dilatado Mapa era Inútil y no sin Impiedad lo entregaron a las Inclemencias del Sol y de los Inviernos. En los desiertos del Oeste perduran despedazadas Ruinas del Mapa, habitadas por Animales y por Mendigos; en todo el País no hay otra reliquia de las Disciplinas Geográficas. SUÁREZ MIRANDA: Viajes de varones prudentes, Libro cuarto, cap. XLV, Lérida, 1658. Jorge Luis Borges El Hacedor. Emecé Editores S.A., 1960; 1996, p.119. PREFÁCIO xii Não é de hoje meu interesse e minha vontade de aprofundar mais cuidadosamente e detalhadamente o estudo da obra do arquiteto Jorge Machado Moreira (1904-1992). Há muitos anos freqüento quase cotidianamente a Ilha do Fundão, portanto, convivo com o fruto de seu trabalho, embora tenha dedicado a ele pouco mais do que uma visão leiga. Um dos primeiros contatos que tive com o trabalho de Jorge Machado Moreira – não foi o primeiro, vim a descobrir depois – foi em 1970, quando ingressei nessa Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Ninguém passa indiferente por este edifício; ninguém passa indiferente pelo Campus da UFRJ da Ilha do Fundão – eu também não passo indiferente por esse lugar. O espaço da Cidade Universitária e o espaço do Edifício da FAU propiciam ao visitante vivências espaciais pouco convencionais. São espaços que se distinguem do restante da cidade, seja pelo arranjo lógico das edificações e do traçado viário (conspurcado no ano 2000 pela invasão equivocada do trecho final da Linha Amarela), seja pelo porte e escala monumental dos espaços vazios e dos volumes edificados, características que são rapidamente apreendidas mesmo por um visitante pouco atento. Em mim, jovem estudante, pós-adolescente, foi intensa a impressão que causaram esses espaços, esses edifícios. Naquela época, em outros lugares do planeta já se contestavam, e já eram dadas como mortas por muitos arquitetos, as doutrinas da arquitetura moderna. Por aqui, muitos colegas acreditavam que ainda era possível se viver dos louros conquistados pela genialidade e criatividade sem paralelo da arquitetura brasileira produzida nos 30 ou 40 anos anteriores, que teria culminado com a construção de Brasília. É verdade que a ditadura militar tinha interrompido esta produção, mas tão logo fosse vencido o inimigo reacionário, iríamos retomar a trilha de glória que nossos colegas tinham aberto com tanta competência – era o que se pensava. Entendi o Edifício da FAU como uma aula em si.Ainda hoje constato, vendo trabalhos feitos por alunos, que para muitos dos que freqüentam essas salas, ele continua sendo uma aula. Com certeza a aula que este edifício dá hoje é muito diferente daquela que PREFÁCIO xiii deu nas décadas de 1960 e 1970. Um edifício feito para abrigar a própria Faculdade de Arquitetura não é um edifício qualquer. Vejo uma analogia com o jogo de palavras que há no nome Bauhaus – literalmente “casa da construção”. Aqui seria a “casa da construção de construtores de casas” (como se diria isto em alemão?). A pessoa que concebeu esse edifício quis demonstrar didaticamente em cada detalhe sua maneira de ver e de fazer arquitetura. Deveria, portanto, ser um exemplo da arquitetura a ser praticada por quem ali estudasse. Jorge Machado Moreira nunca foi, de fato, professor, mas através de sua obra e, especialmente através do Edifício da FAU, influiu indiretamente na formação de várias gerações de arquitetos que estudaram nessa Faculdade. No Brasil, há poucos casos de edifícios projetados especificamente para abrigarem Escolas de Arquitetura. O Rio de Janeiro abriga três deles. O primeiro é a Sede da Real Academia de Belas Artes, projetado por Grandjean de Montigny (1776-1850), em 1817, na Travessa das Belas Artes, hoje demolido, seu terreno é ocupado por um estacionamento. Outro edifício é a Escola Nacional de Belas Artes (atual Museu Nacional de Belas Artes), na Av. Rio Branco, projetado em 1902 por Adolfo Morales de los Rios (1858-1928). Finalmente, o atual Edifício na Ilha do Fundão, do qual estamos falando. Apesar desta singularidade, ainda não foi feito um estudo que relacione cada um destes edifícios, as idéias subjacentes às concepções que os geraram e a influência que eles exercem sobre os profissionais que neles se formam. O visitante que apenas rapidamente passa pela Ilha do Fundão fica impactado pelo porte e pela escala monumental dos espaços, tanto os externos como os internos. O usuário que vai sempre ali, superado este impacto inicial, percebe logo a racionalidade que determina todos os aspectos de sua concepção e de sua execução. A mão do projetista, que agiu como um geômetra, é percebida em todos os lugares e no lugar todo. Percorrer os andares de cada edifício é como andar sobre uma planta ampliada para a escala natural. Olhando o chão, as paredes e os tetos, enxergo os eixos, os detalhes básicos que se repetem, a aritmética dos forros, e dos azulejos e cerâmicas, formando módulos e sub-módulos, numa cadência ritmada e interminável. A situação se assemelha ao conto Del Rigor de la Ciencia (Do Rigor da Ciência), de Jorge Luis Borges, no qual o narrador discorre sobre a obsessão pela minúcia que alguns PREFÁCIO xiv cartógrafos desenvolveram em um antigo império. Esta obsessão os levou a fazê-los tão grandes e perfeitos que acabaram por se superpor ao próprio local mapeado. Hoje ainda se poderiam encontrar fragmentos deles em alguns lugares do país (Borges: 1960, 160). Nos projetos de Jorge Machado Moreira ocorre o processo inverso: a cada passo, o usuário tropeça nos riscos e nos instrumentos de desenho deixados sobre a prancheta, que se corporificam em matéria geometricamente controlada. A mesma racionalidade aplicada ao edifício, entendido como construção, se mostra também no arranjo das funções em blocos especializados. A distribuição dos setores em blocos pretende organizar os usos segundo uma lógica baseada na compreensão do programa. Os volumes que abrigam as circulações permitem que as funções se articulem com clareza cristalina, oferecendo ainda, como um generoso brinde, a formação de pátios ajardinados que amenizam os percursos, revelando também nesta estratégia a racionalidade que domina os espaços cobertos. Esta lógica visível, que decorre do entendimento do espaço projetado como a resposta a uma equação, me levou apressadamente a identificar aquilo que via como a essência do que seria a própria arquitetura moderna. Ou seja, se existia uma arquitetura tipicamente moderna, seria aquela. Este seria o modelo e tudo que dele se distanciasse, estaria se distanciando do autenticamente moderno. À medida que ia conhecendo os outros edifícios dentro da Cidade Universitária – o Centro de Tecnologia, o Hospital Universitário, o Alojamento de Estudantes, o Instituto de Pediatria e Puericultura –, esta impressão apenas se acentuava. Nos outros edifícios, percebia a mesma lógica a presidir o arranjo dos espaços e a concepção construtiva. Mas percebia também que, entre todos, os dois melhores eram o Instituto de Pediatria Puericultura e o Edifício da FAU. Nestes dois exemplares, o sentido lógico alcançava suas mais claras expressões, denunciado pela clara articulação dos blocos edificados e dos pátios, pela francamente perceptível hierarquização dos espaços e dos elementos da composição e pelo rigor construtivo. Durante o curso de Arquitetura, conheci e fui aluno de muitos arquitetos que participaram da equipe projetista do ETUB – Escritório Técnico da Universidade do Brasil, responsável por estes projetos: Orlando Magdalena, João Henrique Rocha, PREFÁCIO xv Donato Mello Júnior, Renato Sá, Arlindo Gomes, Carlos Alberto Boudet, Paulo Sá. Em sua maior parte, eram arquitetos “de prancheta” e “de canteiro”. Praticavam e ensinavam aquela arquitetura, porque acreditavam nela, achavam que ela “dava certo”, “funcionava”. Donato era o único com perfil mais próximo do modelo de um pesquisador acadêmico. Mesmo assim, se mostrava entusiasmado ao descrever o detalhamento das escadas do Edifício da FAU (talvez tenha sido este trabalho seu maior projeto). O que transparecia de seus relatos e das aulas destes colegas professores era a necessidade de sempre deixar à lógica e à racionalidade os critérios de decisão para determinar a forma que um edifício deveria tomar. Com poucos semestres cursados na faculdade, tomei conhecimento de que havia pelo mundo afora arquitetos como, por exemplo, Kenzo Tange, que praticavam uma arquitetura moderna à moda oriental, ou Marcel Breuer, Louis Kahn, Alvar Aalto e outros, muitos outros, que davam à arquitetura, ainda que essencialmente moderna, uma expressão extremamente particular. Ao mesmo tempo, as revistas estrangeiras mostravam que novos ventos arquitetônicos sopravam, vindos do sul da Europa e dos Estados Unidos. Venturi, Moore, Graves e Rossi, entre outros, viravam os dogmas modernos pelo avesso, e produziam obras tão desafiadoramente diferentes daquelas feitas pelos filhos dos CIAM, que era impossível ficar indiferente a elas. Comecei a questionar a validade e a atualidade daquela arquitetura moderna brasileira. Na época, o Governo Federal, através do BNH produzia sucessivamente enormes “monstrengos” a que chamava conjuntos habitacionais. Milhares de apartamentos compactos eram construídos nos vazios deixados na expansão das cidades rumo a suas periferias. A lógica destes projetos era baseada, pode-se dizer, quase exclusivamente na economia. Lançava-se mão de um “sub-urbanismo” com origem no padrão das superquadras de Brasília, adaptado aos orçamentos apertados dos programas habitacionais populares. Em 1978, numa pesquisa de avaliação destes conjuntos, constatei pessoalmente como era falso aquele modelo. O ruído da implosão de Pruitt Igoe, relatada por Jencks, em The Language of Post-Modern Architecture (A Linguagem da Arquitetura Pós-moderna) (Jencks: 1977), soava como a trilha sonora da queda da arquitetura moderna do pedestal onde ainda alguns arquitetos insistiam em mantê-la. PREFÁCIO xvi Ultimamente, tenho ouvido com inconveniente freqüência, de alguns colegas, e mesmo de alguns estudantes, um discurso de rejeição sumária a tudo que se refira ao moderno. É um discurso panfletário e, a meu ver, ultrapassado. Se isto ocorresse há 10 ou 20 anos atrás, ainda se compreenderiapois, nesta época, a crítica ao movimento moderno não havia se consolidado, a ponto de se poder distinguir nele os aspectos positivos dos negativos. Chamava atenção a degradação da paisagem urbana em todo o mundo. Era muito fácil associar esta degradação ao movimento moderno, pois a mais intensa urbanização que a humanidade já presenciou se deu concomitantemente ao apogeu deste movimento. No entanto, cabe ressalvar, como faz Frampton: “O reconhecimento da perda de identidade cultural que a urbanização trouxe consigo foi retomado com grande intensidade em meados da década de 1960, quando os arquitetos começaram a perceber que os códigos redutivos da arquitetura contemporânea tinham levado ao empobrecimento do ambiente urbano. Contudo, o modo exato como se deu este empobrecimento – até que ponto ele se deve às tendências abstratas presentes na própria racionalidade cartesiana ou, alternativamente, à inexorável exploração econômica – é uma questão crítica e complexa que ainda precisa ser ponderadamente resolvida.” (Frampton: 1992; 1997, 353) A saída que se mostrou mais eficaz, no lugar de sua simples contestação, foi uma atitude mais inclusiva, que permite olhar criticamente o movimento moderno. Esta atitude decorre diretamente da compreensão de que, ao contrário do fim da história pretendido pelos vanguardistas mais radicais, o movimento moderno foi mais um período na história da arquitetura, e que a contribuição que trouxe ainda está longe de se esgotar. Hoje, parece ser unanimidade a contestação ao urbanismo funcionalista, que segrega funções em setores especializados da cidade, e acaba dando ao sistema viário uma perversa prioridade que oprime a escala do pedestre. Ao mesmo tempo, o “Estilo Internacional”, que, de certa maneira, é uma degeneração dos princípios racionalistas modernos, perde terreno para uma gradativa e cada vez mais acentuada expressão individual e local das edificações. No entanto, não resta dúvida que este mesmo movimento revolucionou a estética de toda a humanidade, e incorporou à arquitetura métodos e processos industriais sem os quais seria impossível produzir edificações no ritmo que a crescente população mundial tem demandado, no que pese o fato de que grande parte desta população ainda não disponha de uma habitação PREFÁCIO xvii digna. Esta corrente, que se manifesta nos mais variados pontos do planeta, acabou sendo rotulada como Regionalismo Crítico, e inclui nomes e expressões formais tão variados como Ando, no Japão, Siza, em Portugal, Meier, nos Estados Unidos, Nouvell, na França, entre outros. Em resumo, “as culturas regionais e nacionais precisam atualmente, mais do que nunca, ser, em última instância, constituídas como manifestações localmente moduladas da ‘cultura mundial’.” (Frampton: 1992; 1997: 382) Ao mesmo tempo, face à dinâmica da sociedade global e a ineficácia demonstrada por qualquer instrumento de controle e planejamento, só nos resta aceitar nossa limitação a territórios mais restritos. “Numa sociedade hipnotizada pelo consumismo, o equilíbrio das condições eco-ontológicas talvez só possa ser alcançado através da estratégia da criação de enclaves descontínuos, ou seja, fragmentos delimitados nos quais uma certa simbiose cultural e ecológica possa prevalecer a despeito do caos circundante.” (Frampton: 1992; 1997, 416). Levando-se em conta que esta sociedade a cada dia incorpora em seu cotidiano uma tecnologia de informação crescentemente interativa, é possível que os indivíduos determinem os limites de seus enclaves menos em função da proximidade física com o vizinho de porta e mais em função das afinidades com outros que estejam do outro lado do mundo, mas ao alcance de apenas um instantâneo clique de seu mouse. Esta nova atitude arquitetônica valoriza novamente a história. Agora, no entanto, esta valorização se dá de forma diferente do distante respeito antigamente dirigido aos Serlio e Vignola. Sem desprezar os clássicos do passado, a história que alimenta a arquitetura hoje inclui todas as manifestações relevantes na formação da cultura, sejam elas eruditas ou populares. Valorizam-se eventos que tenham importância para um grande número de pessoas, mas não se desprezam coisas que tenham significado apenas para um grupo restrito de indivíduos ou uma pequena comunidade. É nesta perspectiva que se torna a cada dia mais importante conhecer e atribuir o adequado valor às manifestações de nossa cultura. No lugar de glorificar de forma ufanista os modernos brasileiros ou de condená-los preconceituosamente, é PREFÁCIO xviii importante colocá-los adequadamente no lugar que merecem ocupar na história da arquitetura. Nesta perspectiva, parece não restar qualquer dúvida sobre a relevância de se estudar a obra de Jorge Machado Moreira. Em 1993, Giuseppina Pirro Moreira, viúva de Jorge Machado Moreira, confiou ao NPD – Núcleo de Pesquisa e Documentação – a guarda de seu acervo, que incluía centenas de desenhos e fotografias. O conjunto abrangia todo o trabalho feito pelo arquiteto fora do ETUB, incluindo desenhos desde os tempos de estudante na Escola Nacional de Belas Artes, até os últimos projetos, feitos em parceria com ela própria, Giuseppina. As fotografias destinavam-se majoritariamente a publicação em revistas nacionais e estrangeiras. A parte relativa à Ilha do Fundão, material produzido no ETUB – Escritório Técnico da Universidade do Brasil –, continua pertencendo ao arquivo da Prefeitura da Cidade Universitária. Nesta época eu dividia com Jorge Paul Czajkowski a coordenação do Núcleo, criado em 1982 com o apoio do saudoso diretor e professor Ulysses Burlamaqui. Jorge comandava diretamente os pesquisadores e eu me empenhava para viabilizar operacionalmente o trabalho da equipe. Diria que foi uma dupla que funcionou. A incorporação desta nova coleção representou um acréscimo enorme de peças ao acervo do NPD. Assim que foram entregues, os rolos de desenhos eram abertos um a um com grande curiosidade, revelando a personalidade e os talentos de Jorge Machado Moreira. A maior parte dos desenhos era de seu próprio punho, mesmo as pranchas de grandes formatos, predominantemente técnicas – projetos executivos e detalhes de obra. Como já era esperado, a maior parte dos desenhos era referente às etapas de anteprojeto, projeto executivo e detalhamento. Eram impecáveis em sua paginação e legibilidade. Um dos desenhos que mais me chamou a atenção foi o detalhe em seção horizontal de uma fachada, na escala 1/1. A largura da prancha tinha a mesma dimensão que a fachada do edifício, sendo esta dimensão obtida pela emenda sucessiva de várias folhas de papel manteiga. Seu manuseio era semelhante ao de uma Toráh1. O desenho, a mão livre, em escala, mostrava todos os encaixes e 1 Toráh – Bíblia judaica, escrita em pergaminhos, emendados lado a lado, enrolados em dois bastões, PREFÁCIO xix dispositivos de movimentação das folhas de veneziana e vidro. Uma prova eloqüente da obsessão do autor pelo zelo construtivo, mostrando neste aspecto sua afinidade com Mies van der Röhe, um de seus inspiradores, que dizia que “Deus estava nos detalhes” (Röhe ap Huxtable: 2001, A14). Do primeiro apanhado deste material, resultou um artigo de Alex Nicolaeff, publicado na revista AU n° 49, de agosto/setembro de 1993. N icolaeff já conhecia bem o trabalho de Moreira pois, além de seu contemporâneo, conviveu com ele no Conselho Estadual de Tombamento do Estado do Rio de Janeiro, entre 1977 e 1979. É um artigo curto que mais descreve do que comenta a obra do arquiteto, valorizando sempre sua conduta ética: “Cidadão e arquiteto, Jorge Moreira espelhou sua obra nos conceitos romanos de ‘caráter’ e ‘decoro’, recomendados no texto de Vitrúvio.” (Nicolaeff: 1993) A idéia de montar uma exposição com o materialdesta coleção surgiu como conseqüência lógica. Esta, porém, só viria a se realizar em 1999, montada no Centro de Arquitetura e Urbanismo, vinculado à Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro, durante o mandato do Prof. Luiz Paulo Conde como Prefeito da Cidade. A exposição teve curadoria de Jorge Czajkowski, que também organizou o catálogo (Czajkowski, 1999). Todas as obras expostas pertencem à coleção da Dra. Giuseppina Pirro Moreira. O texto “Razão ao Cubo”, de Roberto Conduru, que abre o catálogo, é a análise mais extensa publicada até hoje sobre Jorge Machado Moreira e sua obra (Conduru: 1999). O catálogo praticamente reproduz as peças expostas. O critério da curadoria de expor apenas peças do acervo do NPD / FAU, deixou de lado todo o acervo pertencente ao ETUB. Para compensar esta situação, as obras deste período foram mostradas através de fotografias e desenhos utilizados em publicações especializadas – na maioria revistas nacionais e estrangeiras da época da construção. Os desenhos desta fase, feitos em grande quantidade, tanto pelo próprio um em cada extremidade. Ainda hoje utilizado nas sinagogas, em cerimônias religiosas. PREFÁCIO xx Jorge Machado Moreira, como pela equipe por ele chefiada, ficaram inteiramente de fora da exposição e do catálogo que a acompanha. Também ficaram de fora os desenhos técnicos direcionados mais especificamente para a execução de obra, mesmo aqueles pertencentes ao próprio acervo sob os cuidados do NPD. Entende-se o critério para se deixar estes desenhos de fora: seu apelo visual é de fato pobre e seu interesse é restrito ao público mais especializado. Por outro lado, ganharam destaque os trabalhos do início da carreira do arquiteto e os estudos preliminares para as residências unifamiliares e para os edifícios multifamiliares realizados para clientes particulares. Os estudos preliminares mostrados na exposição e em seu catálogo são excelentes objetos de análise. Com o estudo preliminar, o arquiteto convence o cliente da sua arquitetura; com estes desenhos se estabelece o pacto inicial, através do qual cliente e arquiteto se associam para travar a batalha da construção da edificação. Destacam-se neste conjunto os desenhos das Residências Ceppas e Corrêa da Costa, do início dos anos 1950. Uma destas me traria uma rara experiência, que me faria recordar coisas acontecidas muitos anos atrás. Conhecer esta coleção de desenhos e fotografias me permitiu rever, agora com outros olhos, uma obra que marcou minha infância. Era comum então, nos finais de semana, meus irmãos e eu nos amontoarmos no banco de trás do velho Dodge 1948 de meu pai, e passearmos pela cidade. Certos pontos por onde passávamos eram prenunciados e depois saudados com grande entusiasmo: os pontos de que mais me lembro eram o “Hospital do Papai”, na Rua Voluntários da Pátria, a “Garrafinha” do Guaraná Champagne na Praia de Botafogo, e a não menos saudada “Casa Feia”, perto do canal da Rua Visconde de Albuquerque, quase chegando na Praia do Leblon. Vendo fotos e desenhos de Jorge Machado Moreira, constatei que esta era nada menos do que um dos mais importantes de seus projetos – a Residência de Antônio e Rosinda Ceppas, hoje demolida para dar lugar a um edifício de apartamentos. Devo confessar que naquela época eu entrava no coro de meu irmãos, e também saudava aquela estranha construção como a “Casa Feia”. Mas, para não faltar com a verdade, devo afirmar também que aquela estranheza me fascinava, e via nela traços de afinidade com outras duas casas também na Visconde de Albuquerque, antes da Rua PREFÁCIO xxi Felix Pacheco. Uma era projeto de Oscar Niemeyer, feita para o ex-ministro Leonel Miranda e a outra, vizinha, de Sérgio Bernardes, feita para Jadir de Souza. Em 1957, quando se mudou para minha vizinhança uma família que viria a se tornar amiga da minha, fiquei fascinado por poder visitar a qualquer hora aquela casa de traços retilíneos que vinha sendo construída ali, perto da minha – sem contar, é claro, que estes vizinhos eram pessoas ótimas. Parecia em tudo com a “Casa Feia” do final do Leblon. E de feia não tinha nada. Os espaços amplos, iluminados, a vista generosa da Lagoa Rodrigo de Freitas, o arranjo lógico dos ambientes, tudo era radicalmente diferente daquela casa onde eu morava. Esta tinha sido mandada construir em 1925, um projeto de Januzzi, com estilo de chalé, e que por esta época, já sofrera pelo menos duas grandes reformas que descaracterizaram seu desenho original. Aquela outra casa, tão diferente da minha, era projeto de Carlos Frederico Ferreira que, como funcionário do IAPI, já tinha desenhado alguns conjuntos residenciais populares e praticava uma “Nova Arquitetura”, na qual prevaleciam critérios racionais em sua concepção. Acho que vem desta época meu encanto e meu interesse pela arquitetura. Jorge Machado Moreira já estava presente em meus registros e eu ainda não tinha consciência disto. Pouco depois do falecimento de Jorge Machado Moreira, Donato Mello Júnior. publicou na revista Projeto (Mello Júnior: 1993), uma biografia do arquiteto, com o qual conviveu no ETUB, destacando a importância de sua obra e ressaltando seu compromisso com a categoria. O artigo encerra assim: “Por certo, algum arquiteto, algum dia, fará da obra projetada e da parte executada o objeto de uma tese de mestrado ou de doutorado. Fica a idéia; documentos e obras não faltam in loco, além de divulgação dos depoimentos possíveis da equipe.” (Mello Júnior: 1993) Aí está, professor, minha contribuição. PREFÁCIO xxii Jorge Machado Moreira: Cidade Universitária da Ilha do Fundão (1949) (ap Czajkowski: 1999, 131) Espaços que se distinguem do restante da cidade pelo arranjo lógico das edificações e do traçado viário, ou pelo porte e escala monumental dos espaços vazios e dos volumes edificados Jorge Machado Moreira: Faculdade Nacional de Arquitetura – atual Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Reitoria (1957) (ap Czajkowski, 1999, 148,154) A mão do projetista, que agiu como um geômetra, é percebida em todos os lugares e no lugar todo. Percorrer os andares do edifício é como andar sobre uma planta ampliada para a escala natural. Olhando o chão, as paredes e os tetos, enxergo os eixos, os detalhes básicos que se repetem, a aritmética dos forros, e dos azulejos e cerâmicas, formando módulos e sub- módulos, numa cadência ritmada e interminável. Jorge Machado Moreira: Instituto de Puericultura (1949) (ap Czajkowski: 1999, 132-133) À medida que ia conhecendo os outros edifícios dentro da Cidade Universitária, percebia a mesma lógica a presidir o arranjo dos espaços e a concepção construtiva. Mas percebia também que entre todos, os dois melhores eram o Instituto de Puericultura e o Edifício da FAU. Nestes dois exemplares, o sentido lógico alcançava suas mais claras expressões. PREFÁCIO xxiii Jorge Machado Moreira: __________ () A largura da prancha tinha a mesma dimensão que a fachada do edifício, sendo esta dimensão obtida pela emenda sucessiva de várias folhas de papel manteiga. Seu manuseio era semelhante ao de uma Toráh. O desenho, a mão livre, em escala, mostrava todos os encaixes e dispositivos de movimentação das folhas de veneziana e vidro Capa do Catálogo da Exposição de Jorge Machado Moreira – Centro de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (1999) A idéia de montar uma exposição com o material desta coleção surgiu como conseqüência lógica. Esta, porém, só viria a se realizar em 1999, montada no Centro de Arquitetura e Urbanismo, vinculado à Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro, nomandato do Prof. Luiz Paulo Conde como Prefeito da Cidade. A exposição teve curadoria de Jorge Czajkowski, que também organizou o catálogo. Jorge Machado Moreira: Residência Ceppas (1951) ap Czjakowski: 1999, 55) Vendo fotos e desenhos de Jorge Machado Moreira, constatei que esta era nada menos do que um dos mais importantes de seus projetos – a Residência de Antônio e Rosinda Ceppas PREFÁCIO xxiv Oscar Niemeyer: Residência Leonel Franca (1953) (ap JB ago 2001) Via traços de afinidade com outras duas casas também na Visconde de Albuquerque, antes da Rua Felix Pacheco. Uma é projeto de Oscar Niemeyer, feita para o ex-ministro Leonel Miranda Carlos Frederico Ferreira: Residência Helena e Aluísio Reis (1957) (Moraes, 1957) Aquela casa de traços retilíneos que vinha sendo construída ali, perto da minha, parecia em tudo com a “Casa Feia” do final do Leblon. E de feia não tinha nada. Era projeto de Carlos Frederico Ferreira que, como funcionário do IAPI, já tinha desenhado alguns conjuntos residenciais populares e praticava uma “Nova Arquitetura”, na qual prevaleciam critérios racionais em sua concepção. INTRODUÇÃO A história é o que uma época considera digno de nota em outra. Jakob Burckhardt INTRODUÇÃO 2 O objetivo desse trabalho é estudar a obra do arquiteto Jorge Machado Moreira, com o intuito de atribuir a ela a devida importância na arquitetura brasileira e mundial. Até hoje, foram publicados somente dois trabalhos que abordam especificamente a obra de Jorge Machado Moreira. O primeiro é o artigo intitulado Jorge Moreira, de Alex Nicollaeff, publicado na revista Arquitetura & Urbanismo, n° 48, de ago/set 1993. Trata-se de trabalho curto, no qual as ilustrações mostram os projetos mais conhecidos do arquiteto, e dão sustentação a um texto que privilegia a descrição, sem se aprofundar em análises mais detalhadas. O mérito desse artigo foi divulgar o trabalho do arquiteto, reunido pela primeira vez de forma organizada. Durante sua carreira, muitos de seus projetos foram publicados em livros e revistas especializadas, mas nunca havia sido feito um apanhado geral do conjunto de suas obras projetadas. O segundo e último trabalho sobre Jorge Moreira é o Catálogo da Exposição de sua obra, realizada em 1999, sob curadoria de Jorge Paul Czajkowski, no Centro de Arquitetura e Urbanismo da Prefeitura do Rio de Janeiro. O Catálogo reproduz a maior parte das peças expostas na ocasião, e tem um texto de abertura de Roberto Conduru, com o título Razão ao Cubo. O autor baliza a carreira de Moreira entre dois marcos – o inicial, a Sede do MESP e o final, o Campus da Ilha do Fundão –, e1 destaca que estes marcos são referências não apenas na obra do arquiteto, mas da própria arquitetura moderna brasileira. No que diz respeito à caracterização de sua expressão, classifica Jorge Machado Moreira como “um exemplo de artista filiado à vertente construtiva da arte moderna, não só por sua adesão à forma pós-cubista abstrata e racional, mas também por sua crença na possibilidade de transformação social com a nova ordem plástica e por sua atuação profissional comprometida com o bem público.” (Conduru, 1999, 14) Neste texto, que é até hoje o trabalho de maior fôlego escrito sobre Jorge Machado Moreira, Conduru, para dar sustentação à análise que faz da obra do arquiteto, INTRODUÇÃO 3 recorre seguidamente aos argumentos do próprio Moreira, expressos no Depoimento que escreveu em 1980 para servir de verbete na Enciclopédia Contemporary Architects, Londres, St. James Press. O Depoimento aparece como texto de abertura do Catálogo. Conduru não questiona o arquiteto, e toma como verdade o auto-retrato que Jorge Machado Moreira faz ali. Pelo texto, é mais do que evidente sua intenção de se colocar no panorama da arquitetura como filiado a Le Corbusier: “De maior significação, porém, foi o contato mantido com Le Corbusier, em 1936, quando veio ao Rio de Janeiro a convite do Ministério de Educação e Saúde. Teve grande importância o convívio, durante cerca de três semanas, que com ele tiveram os arquitetos do grupo encarregado de projetar o edifício do ministério, do qual eu fazia parte, e que influiu decisivamente em minha formação profissional.” (Moreira: 1980) Ao tomar esta afirmação como verdade absoluta e não duvidar dela, qualquer análise de sua obra será tendenciosa e deixará de lado influências importantes que podem ter ocorrido em sua formação. A análise contida nas páginas seguintes procura examinar a biografia do arquiteto desde sua formação como estudante, dando uma especial atenção ao atribulado período por volta de 1930 e 1931, quando Lúcio Costa dirigiu a Escola Nacional de Belas Artes e teve Gregori Warchavchik como um dos mais importantes professores no curso de arquitetura. O próprio Moreira inicia seu texto destacando a importância que o russo teve em sua conversão aos valores da “Nova Arquitetura”, que defendeu por toda sua vida profissional. Buscar o significado e a importância de Warchavchik neste momento será fundamental para entender os primeiros passos não só de Jorge Machado Moreira, mas de toda uma geração de arquitetos que teve com ele sua iniciação à “nova maneira de conceber, projetar e construir” (Moreira: 1980). O professor Warchavchik era imigrado da Europa e mantinha contatos com a vanguarda européia. Passa a ser fundamental, portanto conhecer melhor o próprio Warchavchik e o conteúdo da doutrina que ensinava a seus alunos, para se INTRODUÇÃO 4 entender o real significado de sua influência naqueles jovens estudantes. A análise histórica se mostra, assim, como o único método que permite juntar coerentemente os fatores que conformaram aquele determinado momento e que esclarece como ocorreram seus desdobramentos. Uma dificuldade que se apresenta ao historiador, logo ao se deparar com seu objeto de estudo, é o de estabelecer os limites deste objeto. Esta definição será tão mais nítida quanto mais claro for o objetivo que se deseja alcançar no estudo. No presente caso, o objetivo principal é situar a obra de Jorge Machado Moreira dentro da arquitetura mundial em geral e a brasileira em particular. Para tanto, por razões de método e de organização, este objetivo foi subdividido em três: − identificar as origens dos conceitos fundamentais da obra de Jorge Machado Moreira ; − descrever o processo de adoção destes conceitos pelo arquiteto e por seus contemporâneos; − estabelecer comparações de seu trabalho na fase madura com os de seus contemporâneos e identificar suas especificidades. Os limites do estudo, portanto, se delineiam a partir de seu foco, ou seja, a própria obra e biografia do arquiteto. A partir daí, dois cortes podem ser traçados. O primeiro corte seria no sentido temporal, usualmente chamado pelos historiadores de corte vertical. Nesta abordagem, se busca alinhar eventos, de forma aproximadamente cronológica, na busca da identificação das origens, dos fatos caracterizadores e dos desdobramentos e conseqüências (se houver) do que se está estudando. O segundo corte, usualmente chamado de horizontal, busca estabelecer comparações com eventos simultâneos ou contemporâneos. Tem como objetivo justificar a inclusão, por afinidade, do objeto estudado em um conjunto mais amplo, visando destacar suas peculiaridades. Na introdução a Viena Fin-de-Siècle, Carl E. Schorske, ao descrever um método semelhante adotado na pesquisa que resultou no livro mencionado, faz uma interessante metáfora: INTRODUÇÃO 5 “... o historiador procura situar e interpretar temporalmente o artefato, num campo onde cruzam duas linhas. Uma é vertical, ou diacrônica, com a qual ele estabelece a relação de um texto ou um sistema de pensamento com expressões anteriores no mesmo ramo de atividade cultural(pintura, política, etc.). A outra é horizontal, ou sincrônica; com ele, o historiador avalia a relação do conteúdo do objeto intelectual com as outras coisas que vêm surgindo, simultaneamente, em outros ramos ou aspectos de uma cultura. O fio diacrônico é a urdidura, e o sincrônico é a trama do tecido da história cultural. O historiador é o tecelão, mas a qualidade do tecido depende da firmeza e cor dos fios.” (Schorske:1961: 17) Ou seja, é preciso ser cuidadoso na seleção do material que servirá para criar o tecido histórico. Uma conceituação clara é portanto indispensável. Para o presente estudo, entende-se que a arquitetura é um fenômeno cultural complexo. Adota-se a concepção vitruviana de arquitetura, que mesmo datando do Século I, e sendo a primeira definição de que se tem notícia sobre esta disciplina, permanece válida até hoje. Segundo Vitrúvio: “A arquitetura está dividida em duas partes: uma das quais trata da construção de muralhas e das obras públicas e, a outra, dos edifícios privados, ... E isso deve ser realizado de modo que os atributos de solidez (firmitas), da utilidade (utilitas) e da beleza (venustas) se encontrem.” (VITRUVIUS) Na seqüência do texto acima (De Arquitetura – Dez Livros sobre Arquitetura – Livro 1 – Parte III), Vitrúvio especifica o que enuncia na frase acima: “Terá o atributo da solidez (firmitas) quando a profundidade dos alicerces atingir camadas rígidas do solo e a escolha criteriosa de todos os materiais for feita sem mesquinharia; o da utilidade (utilitas), quando se chegar a uma distribuição vantajosa e adequada entre as regiões de acordo com seu gênero, cada coisa em seu lugar; e o da beleza (venustas), quando o aspecto da obra for agradável e elegante, devido à justa proporção de todas as partes.” (Vitruvius) INTRODUÇÃO 6 Vitrúvio, sabiamente, não prioriza um atributo ou declara que um prevaleça sobre os demais, residindo neste aspecto de interdependência dos atributos a complexidade da arquitetura. Em outra definição de arquitetura, bem mais recente e mais próxima temporalmente, Lúcio Costa complementa os conceitos milenares acima e dá uma forma mais contemporânea à formulação: “Pode-se definir arquitetura como construção concebida com a intenção de ordenar e organizar plasticamente o espaço, em função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica e de um determinado programa. Estabelecidos, assim os vínculos necessários da intenção plástica com os demais fatores fundamentais em causa, e constatada a simultaneidade e constância dessa múltipla presença na própria origem e durante o transcurso da elaboração arquitetônica, o que lhe justifica a classificação tradicional na categoria das Belas Artes, pode-se então abordar mais de perto a questão no propósito de elucidar, com o apoio do testemunho histórico e da experiência contemporânea, como procede o arquiteto ao conceber e projetar.” (Costa 1995: 245-258) A definição de Lucio Costa é menos sintética, e pouco acrescenta, em essência aos elementos relacionados por Vitrúvio. O mais interessante em sua formulação é a explicitação de três aspectos que em Vitrúvio não estavam explícitos, apesar de poderem ser deduzidos através de análise criteriosa de seu texto. O primeiro aspecto é a referência a uma determinada época. Vitrúvio entende a história como fonte de referência básica, à qual o arquiteto deve lançar mão para justificar seu trabalho. Entre os saberes dos quais o arquiteto deve dominar, “Um amplo conhecimento de história é necessário porque, entre as diversas partes do trabalho do arquiteto, há muitas idéias fundamentais cuja aplicação ele deve ser capaz de justificar. Por exemplo, suponha-se que o uso de estátuas de mármore de mulheres em vestes longas, chamadas Cariátides, no lugar de colunas ...” (Vitruvius: Livro I, Capítulo 2) INTRODUÇÃO 7 O texto prossegue, dando as razões históricas para o uso deste elemento arquitetônico. Mais adiante, ao exemplificar o uso adequado das ordens arquitetônicas, fica claro que o conhecimento da história tem como finalidade a consolidação da tradição: “A conveniência (adequação) é a perfeição de estilo que se obtém quando um trabalho é feito inquestionavelmente segundo os princípios aprovados. Estes decorrem das prescrições, do uso e da natureza.” (Vitruvius: L. I – Cap. 2) Lúcio Costa, por sua vez, admite uma dinâmica na história, impensável vinte séculos antes, e entende que cada época deve produzir uma arquitetura que lhe seja compatível. Um segundo aspecto, este também implícito em Vitrúvio, que Lúcio Costa destaca é a simultaneidade dos fatores a serem considerados no transcurso da elaboração arquitetônica. Por último, cabe chamar a atenção para a inclusão da disciplina na “categoria das Belas Artes”. Com esta afirmação, Lúcio Costa dá à arquitetura sua dimensão de fenômeno cultural, portanto inter-relacionada com a sociedade e o meio em que é produzida. É segundo esta ótica que vai ser feito o estudo a seguir. Consciente dos riscos que a aceitação de tal complexidade impõe, melhor arriscar do que cair em simplismos observados em tantos estudos que desconsideram algumas das dimensões vitruvianas. Os autores de tais estudos, nesse processo simplificatório, reduzem a arquitetura apenas a sua dimensão tecnológica ou estética, excluindo as demais e a rica complexidade daí decorrente. Outro erro que deve ser evitado é a visão preconceituosa e a aceitação de simplificações grosseiras. Sem desmerecer a importância que Paolo Portoghesi tem na crítica e na história da arquitetura, chega a ser ridículo afirmar que “a arquitetura que obedece ao estatuto do funcionalismo nasce, por assim dizer, por partenogênese, ...” (Portoghesi: 1982, 13). Nesta afirmação, Portoghesi ignora toda discussão que se travava na Europa desde meados do século XIX sobre a renovação que vinha se processando nas artes em geral e na arquitetura em particular, e destitui do modernismo toda a incontestável carga intelectual que possui. INTRODUÇÃO 8 As três subdivisões do objetivo principal, definidas no início deste capítulo, correspondem aos três capítulos principais da presente dissertação. Caberia aqui explicitar os detalhes metodológicos aplicados na elaboração deste trabalho. Tarefa ingrata quando o trabalho em questão é uma reflexão pessoal com base essencialmente em pesquisa bibliográfica. Fazendo novamente alusão à metáfora já citada de Schorske, na busca dos melhores fios para tecer a trama desta história, muito se coletou, bastante se descartou pela falta de pertinência ao tema e pela pouca contribuição que traria à compreensão do processo histórico e cultural em estudo. Restou ao fim um conjunto que inclui, entre outros, os clássicos já consagrados, cuja leitura atual foi enriquecida com a vasta produção recente sobre o tema. Hoje, vencida por completo a fase modernista da arquitetura, vários autores têm-se debruçado sobre as obras, os projetos e os escritos deste período. Com isto, pode-se avaliar toda essa enorme produção com menos parcialidade e menos paixão, como se analisa qualquer outra época da história. Sempre que disponível, se buscou recorrer às fontes primárias, ou seja, edições originais, suas traduções ou reproduções consideradas as mais fiéis. No trato com a referência histórica houve o cuidado de respeitar e valorizar sua própria historicidade, ou seja, considerar o fato estudado dentro do contexto em que ocorreu. Esta conduta visa essencialmente não estabelecer qualquer critério apriorístico na análise dos fatos. Ao contrário, tem como objetivo explicitar as condições em que os mesmos se deram em suas respectivas épocas. O presente estudo adota como fio condutor o próprio Depoimento que Jorge Machado Moreira redigiu em 1980 para a Enciclopédia Contemporary Architects. Noentanto, em vez de tomá-lo como verdade, procurou-se desconstruí-lo e usar cada fragmento resultante dessa desconstrução para conferir seu significado, fosse ele explícito, implícito ou, por outro lado, omitido ou contestado pelo autor. Da análise que surgiu daí, verifica-se que o reconhecimento da “maior significação que teve Le Corbusier em sua formação” não deixa de ser uma verdade, mas omite um aspecto de enorme importância na construção da maneira arquitetônica de agir do arquiteto. Percebe-se que a influência de Warchavchik foi fundamental em sua INTRODUÇÃO 9 formação, ao trazer para a ENBA sua visão arquitetônica calcada nos ideais apregoados pela Bauhaus, pelos arquitetos de língua alemã, os holandeses, russos e outros europeus que fundamentavam suas opções construtivas e estéticas na ideologia socialista. Antes mesmo de conhecer a “Nova Arquitetura” defendida pelos CIAM, Jorge Machado Moreira já demonstrara que a atitude racionalista fazia parte de seu modo de projetar, o que pode ser observado nos seus primeiros projetos, ainda como estudante. O funcionalismo construtivista alemão foi, portanto, aceito por ele com total naturalidade. Faltava apenas adaptar-se a uma nova expressão estética, o que foi feito sem dificuldades. O estudo da obra do arquiteto mostrou que sua maneira de tratar os problemas construtivos, proveniente dessa vertente alemã, e ensinada por Warchavchik, permaneceu até o fim de sua carreira. No entanto, a estética de seus projetos passaria por várias transformações. No primeiro de seus projetos conhecidos – a Residência – publicada em revista antes de 1930, o estilo chalé mostra que as lições da academia eram respeitadas e seguidas. A partir de sua conversão aos princípios da “Nova Arquitetura” dos CIAM, entre 1930 e 1931, adotou a estética praticada principalmente por Gropius, com forte influência neoplástica; esta fase se prolongou até próximo a 1940. A presença da linguagem inspirada em Le Corbusier, com quem conviveu em 1936, na elaboração dos projetos do MESP e da Cidade Universitária da Mangueira, só apareceria em sua obra a partir dos anos 1940, e permaneceria até encerrar sua carreira no ETUB, em 1962. De Le Corbusier, adotou a visualidade dos projetos puristas anteriores a 1929, e desprezou as manifestações mais livres, brutalistas e personalistas posteriores àquela data. Depois que se afastou do serviço público, talvez influenciado pela parceria com a esposa Giuseppina Pirro, experimentou a linguagem que Mies van der Rohe adotara em seus projetos experimentais dos anos 1920 e também algumas das formas menos contidas do mestre Le Corbusier. Sempre, é bom destacar, tendo como referência técnica e construtiva os projetos de Gropius. Esquematicamente, na fase mais produtiva de sua carreira, que vai de 1940 a 1962, INTRODUÇÃO 10 recorrendo à tríade vitruviana (firmitas – utilitas – venustas), seria possível representar a modelagem de sua própria doutrina pelo diagrama abaixo: O primeiro capítulo, aborda os primeiros encontros dos CIAM, os quais Jorge Machado Moreira declara no Depoimento fazerem parte do movimento ao qual estava integrado, que visava a implantação de uma “Nova Arquitetura”. Situadas no contexto europeu, as vanguardas artísticas e arquitetônicas encontraram neste instrumento um mecanismo para enfrentar o conservadorismo da Academia. Os personagens principais desses encontros – Walter Gropius e Le Corbusier – são estudados, de modo a caracterizar suas respectivas contribuições neste movimento. Procurou-se destacar seus pontos em comum e suas divergências, que se manifestavam no CIAM, refletindo as tendências em geral do debate europeu. Frank Lloyd Wright, mencionado no Depoimento de Moreira, também é visto, de modo a situar sua importância em relação ao movimento que se desenrolava na Europa e a importância que teve na formação do arquiteto brasileiro. O segundo capítulo trata do processo através do qual as idéias da vanguarda européia e, conseqüentemente as obras construídas segundo estas idéias, foram tomando corpo no Brasil. São fundamentais as figuras dos paulistas Oswald de Gropius Firmitas Le Corbusier Venustas CIAM Utilitas JMM INTRODUÇÃO 11 Andrade, Mário de Andrade e do russo Gregori Warchavchik. Destaca-se também a importância da passagem de Lúcio Costa pela direção da ENBA em 1930-31. São tratados os trabalhos de início de carreira de Jorge Machado Moreira e de Affonso Eduardo Reidy, bem como os primeiros exercícios de projeto de caráter contemporâneo de Lúcio Costa. Ainda nesse capítulo, se aborda todo o episódio do MESP, desde os projetos do concurso, passando pelo primeiro projeto da equipe comandada por Lúcio Costa, os dois projetos de Le Corbusier e os projetos finais da equipe depois da volta de Le Corbusier à Europa. O terceiro capítulo se situa no período posterior ao projeto do MESP, na qual os arquitetos brasileiros desenvolveram expressões próprias e deram grande contribuição ao desenvolvimento da “Nova Arquitetura”. Sempre estabelecendo paralelos com o panorama mundial e com a produção brasileira, a obra do arquiteto Jorge Machado Moreira é abordada em profundidade, de modo a, finalmente, tentar estabelecer sua posição relativa neste cenário. Para não estender em demasia o pano de fundo sobre o qual se pretende situar a obra de Moreira, restringiram-se os paralelos apenas àqueles demais colegas com quem partilhou o projeto do MESP. Do mesmo modo, no panorama internacional, procurou-se situar o trabalho dos brasileiros com relação ao debate que se travou no âmbito dos CIAM e com a obra de Le Corbusier. Todo o trabalho de pesquisa se fundamentou na literatura existente, recorrendo-se apenas eventualmente a entrevistas com pessoas que, de um modo ou de outro, partilharam algum momento de sua carreira, e a algum material de arquivo, consultado principalmente no acervo do NPD/FAU/UFRJ. Portanto este trabalho pode ser visto como uma revisão bibliográfica, no qual as fontes consultadas tiveram suas respectivas historicidades destacadas. Por essa razão, procurou-se sempre, ao citar outros autores, indicar a data da versão original do documento, além daquela efetivamente disponível. As obras arquitetônicas, por se tratarem de produtos culturais, foram grifadas em itálico do mesmo modo como recomendam as Normas Técnicas para citação de obras escritas. Cada capítulo abre com a transcrição do Depoimento escrito em 1980 por Jorge INTRODUÇÃO 12 Machado Moreira, sendo destacada graficamente a parte que será abordada nas páginas seguintes; e tem, no final, um conjunto de figuras com legendas, que correspondem, aproximadamente, ao texto escrito, permitindo uma segunda ou terceira leitura do conjunto. INTRODUÇÃO 13 Chalé em Petrópolis (Reis Filho: 1970; 1973, 51) Jorge Machado Moreira: Residência (s/d) (ap Czajkowski: 1999, 37) No primeiro de seus projetos conhecidos – a Residência – publicada em revista antes de 1930, o estilo chalé mostra que as lições da academia eram respeitadas e seguidas. Walter Gropius: Bloco de Alojamentos da Sede da Bauhaus em Dessau (1925) (ap Kahn: 2001, 24) Jorge Machado Moreira: Edifício Tapir (1939) (ap Czajkowski: 1999, 73) A partir de sua conversão aos princípios da “Nova Arquitetura” dos CIAM, entre 1930 e 1931, adotou a estética praticada principalmente por Gropius, com forte influência neo-plástica; esta fase se prolongou até próximo de 1940. Le Corbusier: Sede do MESP no terreno da Praia de Santa Luzia. (1936) (ap Costa: 1995, 122) Jorge Machado Moreira: Faculdade Nacional de Arquitetura (1957) (ap Czajkowski: 1999, 154) A presença da linguagem inspirada em Le Corbusier, com quem conviveu em 1936, durante a elaboração dos projetos do MESP e da Cidade Universitáriada Mangueira, só apareceria em sua obra a partir dos anos 1940, e permaneceria até encerrar sua carreira no ETUB, em 1962. De Le Corbusier, adotou a visualidade dos projetos puristas anteriores a 1929, e desprezou as manifestações mais livres, brutalistas e personalistas posteriores àquela data. INTRODUÇÃO 14 Mies van der Rohe: Casa de Campo em Concreto – projeto (1923) (ap Johnson: 1947; 1978,33) Jorge Machado Moreira: Restaurante no Parque do Flamengo ( 1962) (ap Czajkowski: 1999, 117) Depois que se afastou do serviço público, talvez influenciado pela parceria com a esposa Giuseppina Pirro, experimentou a linguagem que Mies van der Rohe adotara em seus projetos experimentais dos anos 1920 Le Corbusier: Maison aux Mathes (1935) (ap Boesiger & Girsberger: 1967, 71) Jorge Machado Moreira: Residência Ornellas ( 1970) (Czajkowski: 1999, 21) E também algumas das formas menos contidas do mestre Le Corbusier DEPOIMENTO DEPOIMENTO 16 DEPOIMENTO1 Depoimento elaborado para a enciclopédia Contemporary Architects, Londres, St. James Press, 1980. 1 Iniciei minha vida profissional em 1932, integrado no movimento – do qual começara a participar ativamente como estudante – para implantação de uma nova arquitetura, conforme vinha ocorrendo em muitos países, como conseqüência da campanha mundial movida pelos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAM, desde 1928. O movimento na Escola Nacional de Belas Artes, onde eu fazia o curso de arquitetura, teve início em 1931, quando Lúcio Costa nomeado diretor, empenhou-se em reformar o ensino, “implantando a nova maneira de conceber, projetar e construir”. Gregori Warchavchik, pioneiro da arquitetura moderna no Brasil, então contratado como professor, exerceu grande influência nos estudantes, contribuindo para seu interesse e entusiasmo pela iniciativa de Lúcio Costa. A vinda de Frank Lloyd Wright ao Rio de Janeiro, naquele ano, e a ação aqui desenvolvida, foi importante para consolidar esse movimento. 2 Concluído o curso, fui trabalhar numa companhia construtora. Senti imediatamente dificuldades para fazer arquitetura como passara a entendê-la. Decidi, então, subordinar minha permanência à liberdade de projetar. Aceita a condição, pude exercer a profissão como desejava, durante o tempo em que lá permaneci. A exigência de liberdade para projetar mantenho até hoje. Ela não traduz o propósito de impor meu ponto de vista. Procuro, através do diálogo como o cliente, achar a solução adequada que atenda às suas aspirações, sem contudo fazer concessões contrárias aos princípios que, como arquiteto, me cabem defender. Esse critério nunca foi motivo para abandonar um trabalho. Encontro sempre argumentos para justificar minhas opiniões, fazendo o cliente compreender que estou agindo em defesa de seus interesses. Em 1937 passei a ter meu escritório de arquitetura. 3 Na minha vida profissional tive o privilégio de conhecer pessoalmente Frank Lloyd Wright, Walter Gropius, Richard Neutra, Mies van der Rohe, Marcel Breuer, Kenzo Tange e Phillip Johnson. De maior significação, porém, foi o contato mantido com Le Corbusier, em 1936, quando veio ao Rio de Janeiro a convite do Ministério de Educação e Saúde. Teve grande importância o convívio, durante cerca de três semanas, que com ele tiveram os arquitetos do grupo encarregado de projetar o edifício do ministério, do qual eu fazia parte, e que influiu decisivamente em minha formação profissional. 4 Nos anos decorridos desde aquela época, nossa arquitetura tem sentido as conseqüências da evolução das condições sociais, políticas e econômicas do país, que se refletiram na maneira de exercermos a atividade profissional. Não influíram, entretanto, em meu modo de sentir a arquitetura e de considerar sua importância. Para mim, fazer arquitetura é idealizar a obra visando resolver, com intenção plástica, o problema proposto, de acordo com a época, os materiais e as possibilidades técnicas; analisando e considerando os fatores externos que nela influem; respeitando imposições e hábitos do meio; detalhando e articulando todos os elementos e buscando sempre a verdade, quanto à sua finalidade e função, tanto na forma como no uso dos materiais. Dou toda assistência à construção para que a obra seja realizada tal como a imaginara e, quando concluída, o cliente sinta seu desejo satisfeito e eu minha tarefa corretamente cumprida. Preocupo- me com a ambiência da obra projetada e sua significação no contexto em que será inserida; construída, passa a constituir um elemento da paisagem urbana, cuja harmonia deve ser assegurada. Por essa razão, todo arquiteto deve ter preocupação urbanística. De acordo com esse princípio, tenho procurado, através de uma participação bastante ativa, colaborar no estabelecimento de regulamentações e normas urbanísticas que estruturem a cidade e orientem seu desenvolvimento, sem prejuízo da paisagem natural e dos testemunhos materiais de sua história, cujos remanescentes nos cabe preservar. 5 Espero que lutas e decepções, próprias da vida profissional, nunca me façam esmorecer nem abandonar os ideais que me animam e sempre se atualizam, para melhor servir à arquitetura e à profissão, em qualquer atividade e em qualquer circunstância. Jorge Machado Moreira 1 Transcrito de CZAJKOWSKI, J. P., org. Jorge Machado Moreira. Rio de Janeiro, Centro de Arquitetura e Urbanismo, 1999. Numeração de parágrafos não consta do original. CAPÍTULO 1 Por uma “Nova Arquitetura” mundial “Well, now that he (Le Corbusier) has finished one building, he’ll go write four books about it. All they (French people) are interested is in fashion. Fashion and perfume and sauce. They ruin perfectly good food with their sauces. “No, I am not interested in meeting Mr. Le Corbusier. ” Corbu’s influence in this country is just terrible, and he has no business here.” “I am very sorry. I’m quite busy and I have no desire to meet or entertain Herr Gropius. What he stands for and what I stand for are poles apart. Our ideas could never merge. In a sense, we’re professional enemies – but he’s an outside enemy. At least I am in my own country.” “By all means, bring him (Mies van der Rohe) up!” Frank Lloyd Wright 1935, ap Edgar Tafel, in Years with Frank Lloyd Wright – Apprentice to Genius 1979; 1985 CAPÍTULO 1 – Por uma “Nova Arquitetura” mundial 18 DEPOIMENTO1 Depoimento elaborado para a enciclopédia Contemporary Architects, Londres, St. James Press, 1980. 1 Iniciei minha vida profissional em 1932, integrado no movimento – do qual começara a participar ativamente como estudante – para implantação de uma nova arquitetura, conforme vinha ocorrendo em muitos países, como conseqüência da campanha mundial movida pelos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAM, desde 1928. O movimento na Escola Nacional de Belas Artes, onde eu fazia o curso de arquitetura, teve início em 1931, quando Lúcio Costa nomeado diretor, empenhou-se em reformar o ensino, “implantando a nova maneira de conceber, projetar e construir”. Gregori Warchavchik, pioneiro da arquitetura moderna no Brasil, então contratado como professor, exerceu grande influência nos estudantes, contribuindo para seu interesse e entusiasmo pela iniciativa de Lúcio Costa. A vinda de Frank Lloyd Wright ao Rio de Janeiro, naquele ano, e a ação aqui desenvolvida, foi importante para consolidar esse movimento. 2 Concluído o curso, fui trabalhar numa companhia construtora. Senti imediatamente dificuldades para fazer arquitetura como passara a entendê-la. Decidi, então, subordinar minha permanência à liberdade de projetar. Aceita a condição, pude exercer a profissão como desejava, durante o tempo em que lá permaneci. A exigência de liberdade para projetarmantenho até hoje. Ela não traduz o propósito de impor meu ponto de vista. Procuro, através do diálogo como o cliente, achar a solução adequada que atenda às suas aspirações, sem contudo fazer concessões contrárias aos princípios que, como arquiteto, me cabem defender. Esse critério nunca foi motivo para abandonar um trabalho. Encontro sempre argumentos para justificar minhas opiniões, fazendo o cliente compreender que estou agindo em defesa de seus interesses. Em 1937 passei a ter meu escritório de arquitetura. 3 Na minha vida profissional tive o privilégio de conhecer pessoalmente Frank Lloyd Wright, Walter Gropius, Richard Neutra, Mies van der Rohe, Marcel Breuer, Kenzo Tange e Phillip Johnson. De maior significação, porém, foi o contato mantido com Le Corbusier, em 1936, quando veio ao Rio de Janeiro a convite do Ministério de Educação e Saúde. Teve grande importância o convívio, durante cerca de três semanas, que com ele tiveram os arquitetos do grupo encarregado de projetar o edifício do ministério, do qual eu fazia parte, e que influiu decisivamente em minha formação profissional. 4 Nos anos decorridos desde aquela época, nossa arquitetura tem sentido as conseqüências da evolução das condições sociais, políticas e econômicas do país, que se refletiram na maneira de exercermos a atividade profissional. Não influíram, entretanto, em meu modo de sentir a arquitetura e de considerar sua importância. Para mim, fazer arquitetura é idealizar a obra visando resolver, com intenção plástica, o problema proposto, de acordo com a época, os materiais e as possibilidades técnicas; analisando e considerando os fatores externos que nela influem; respeitando imposições e hábitos do meio; detalhando e articulando todos os elementos e buscando sempre a verdade, quanto à sua finalidade e função, tanto na forma como no uso dos materiais. Dou toda assistência à construção para que a obra seja realizada tal como a imaginara e, quando concluída, o cliente sinta seu desejo satisfeito e eu minha tarefa corretamente cumprida. Preocupo- me com a ambiência da obra projetada e sua significação no contexto em que será inserida; construída, passa a constituir um elemento da paisagem urbana, cuja harmonia deve ser assegurada. Por essa razão, todo arquiteto deve ter preocupação urbanística. De acordo com esse princípio, tenho procurado, através de uma participação bastante ativa, colaborar no estabelecimento de regulamentações e normas urbanísticas que estruturem a cidade e orientem seu desenvolvimento, sem prejuízo da paisagem natural e dos testemunhos materiais de sua história, cujos remanescentes nos cabe preservar. 5 Espero que lutas e decepções, próprias da vida profissional, nunca me façam esmorecer nem abandonar os ideais que me animam e sempre se atualizam, para melhor servir à arquitetura e à profissão, em qualquer atividade e em qualquer circunstância. Jorge Machado Moreira 1 Transcrito de CZAJKOWSKI, J. P., org. Jorge Machado Moreira. Rio de Janeiro, Centro de Arquitetura e Urbanismo, 1999. Numeração de parágrafos não consta do original. CAPÍTULO 1 – Por uma “Nova Arquitetura” mundial 19 A leitura da frase de abertura do Depoimento de Jorge Machado Moreira (1904- 1992) mostra que no início de sua vida profissional, em 1932, havia um movimento para implantar uma “Nova Arquitetura” e que este movimento era objeto de uma campanha mundial movida pelos CIAM – Congrès Internationaux d’Architecture Moderne (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna). Quando ele se afirmava “integrado no movimento” é preciso aprofundar um pouco o entendimento deste movimento para ver de que forma ele aí se inseria. Sua carreira se desenrolou simultaneamente à existência dos CIAM e somente isto já justifica estabelecer um paralelo entre sua carreira e estes Congressos. Além disto, o próprio arquiteto induz a esta visão ao se afirmar integrado ao movimento. De fato, como se verá no desenvolvimento desta dissertação, toda a atuação de Jorge Machado Moreira se deu tendo os CIAM como referencial. O que se procurará mostrar é que desde o início de sua carreira, ele adotou a cartilha moderna, mas enquanto este movimento foi se consolidando e, simultaneamente, abrindo o leque de alternativas formais, sua postura projetual foi adquirindo um caráter mais ortodoxo, à medida que lhe eram confiados projetos de maior porte. Uma primeira questão que se apresenta a partir da leitura do Depoimento é a seguinte: se havia um movimento para implantar uma “Nova Arquitetura”, pode-se concluir, de imediato, que havia uma “Velha Arquitetura” à qual a “Nova” se opunha, e com a qual Jorge Machado Moreira certamente não se identificava. Que “Nova Arquitetura” seria esta? E por que a “Velha Arquitetura” – se ela existia, de fato – deveria ser substituída? Tinha perdido sua validade? Evidentemente, a “Nova Arquitetura” a que Jorge Machado Moreira se referiu é a arquitetura moderna, mas ele em momento algum de seu texto menciona esta palavra – moderno. Ela aparece apenas indiretamente, como uma das letras da sigla CIAM. Neste seu Depoimento, que serve como fio condutor desta dissertação em forma de ensaio, ele procura dar sua própria definição do que seria esta sua arquitetura, sendo que no parágrafo 4 ele chegou a um enunciado bastante explícito. Isto, porém, será abordado apenas mais adiante. Aqui nos interessa, a princípio, CAPÍTULO 1 – Por uma “Nova Arquitetura” mundial 20 identificar as bases sobre as quais ele construiu sua idéia de arquitetura. Diz o Depoimento, que este movimento para implantar a “Nova Arquitetura“ era um movimento mundial. Novas questões se apresentam: importa saber, no seu entender, que mundo seria este, que território cobria? Sendo este movimento mundial, como afirma, seria correto admitir que no mundo todo a “Velha Arquitetura” tinha perdido sua validade? E a “Nova Arquitetura” seria ela válida para qualquer lugar? Imediatamente, chama a atenção o fato dos CIAM, que defendiam a “Nova Arquitetura”, terem todos acontecido, até aquela época, na Europa, reunindo predominantemente arquitetos europeus. Portanto, caberia questionar se eram idênticos os panoramas da arquitetura no Brasil e no mundo, a ponto de se manterem válidas aqui as recomendações dos CIAM formuladas no Velho Mundo. Cabe ainda questionar se Jorge Machado Moreira tinha consciência das contradições e das disputas internas existentes entre os membros do CIAM e, caso tivesse conhecimento, como se posicionava diante delas. Seriam unânimes as resoluções dos CIAM? É mais do que razoável supor que havia princípios gerais suficientemente fortes para que estes arquitetos se identificassem como parceiros na mesma luta, a ponto de se reunirem em um Congresso, cujo nome por si só já identificava um posicionamento. Não era um Congresso de Arquitetura simplesmente, mas um Congresso Internacional, o que indica a pretensão de que sua abrangência e suas resoluções teriam validade ampla e geral. E também não era um Congresso que reunisse qualquer arquiteto, mas somente aqueles inequivocamente “Modernos”. Mas, é também natural supor que houvesse divergências e contradições internas. O Depoimento não deixa indicações sobre a existência destes conflitos, ao contrário, faz parecer que dali emanava um corpo doutrinário sólido. Mas, como se verá adiante, havia várias tendências, que predominaram em determinadas fases e submergiram em outras. Além disto, as circunstâncias mundiais sofreriam tal mudança desde 1928 até 1959 – período compreendido entre o primeiro e o último CIAM – que certamente isto se refletiria no interior dos Congressos em seus documentos e resoluções. Portanto, a afirmação de “ser integrado ao movimento” pode ter um caráter muito mais múltiplo do que a objetividade cartesiana que o texto de Moreira
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