Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Umas vivências aí Samuel Shiva Fraga Ramires Seria mentira dizer que li os textos de referências das aulas ou os slides. Porém, eu, sem dúvidas, estive lá. Acredito que esse trabalho não terá as referências que o sr professor gostaria, mas terá alguma, quem sabe até da Wikipédia, um meio controverso de referência, no entanto, confiável ¹. Devo confessar que a primeira metade do curso não me fez sentir identificação. Talvez por tratar mais de características históricas e haver pouca analogia (talvez porque eu tenha prestado menos atenção). A respeito de situações da minha vida em que me senti de formas que foram citadas em sala, eu poderia catalogar absolutamente todos os dias de todos os anos de vida que tenho. No entanto, foi preciso decidir alguns momentos para a analogia necessária. Esse é um documento que será separado em 2 subtítulos, cada um será uma vivência em específico. 1. Trabalho Quando falamos de humilhação em sala, eu me identifiquei com diversos momentos da minha vida acadêmica, claro, mas nada me atinge tanto dessa forma como o trabalho. Desde os 14 eu decidi começar a trabalha, não por necessidade, mas para poder criar algum tipo de independência e usar o meu dinheiro como quisesse (dos 14 aos 16 eu fui às ruas para vender artesanato e à noite trabalhava de garçom durante as férias). Fiz isso em uma cidade interiorana (Mucugê-BA), a apenas 1h de onde eu morava (Andaraí-BA). Desde essa época a ideia de trabalho me atingiu de forma deformada. Ambientes insalubres, mais de 12h seguidas de jornada de trabalho, salário baixo. Tudo isso chegou à tona e, como pessoa jovem iniciando o contato com o estilo de vida trabalhista, eu acreditei que essa era a verdade. Acontece que, quando falamos de humilhação, não há limite para ela em relação a necessidade de comer e pagar as contas. No caso, quando adolescente, o objetivo era exclusivamente beber uma skol beats, um licor, fumar um cigarro e poder pagar pelo lanche das garotas com quem paquerava. Portanto, qualquer sacrifício era visto como insignificante em relação a sensação de pertencimento e liberdade que aquele dinheiro me traria. Hoje, como adulto, me vejo como uma pessoa que faz de tudo para poder comer. Isso é bem literal, visto que sou freelancer e me sustento dessa forma. Atualmente estou em mais de 5 trabalhos. A alta demanda e quantidade de clientes assusta, mas a necessidade fala mais alto. Eu poderia passar páginas e mais páginas reclamando dos trabalhos que executo. Comentando sobre como eles fazem minha jornada de trabalho ser de domingo a domingo, sem folga, sem descanso. Poderia debater a respeito do pagamento mínimo. Porém, há uma situação específica que eu prefiro citar. Atualmente me encontro na condição de monitor (um dos 5 trabalhos). Algo que exige minha presença 2x por semana para dar aula particular através de uma empresa (como terceirizado). Em cálculos recentes percebi estar recebendo o valor de R$15 por 4 horas de trabalho. O que dá cerca de 62% do salário mínimo vigente e não atende ao direito ao SM que deveria ser garantido ². A humilhação no trabalho parece não ter fim. Leva a adoecimentos e exaustão ³. Atualmente me sinto exausto e tudo que consigo pensar a respeito desse trabalho é “demissão”. No entanto, enquanto eles me pagarem R$3,75 a hora e eu trabalho 8h por semana, ainda conseguirei comprar algo para comer. 2. Escola Aos 13 anos me assumi como homem transexual na escola, casa e vida. Não é algo que eu me arrependa de ter feito, mas se soubesse pelo que passaria após, não o faria. No país que mais mata pessoas transexuais ⁴ é realmente difícil pensar em como se assumir. Eu nunca soube que vivo em um mundo LGBTfóbico até me assumir (primeiro: gostar de mulher; segundo: ser um homem trans). Não é como se as evidências não estivessem lá. Quando foi falado a respeito de violência de gênero e sexualidade eu pude perceber diversas situações onde elas aconteceram mesmo antes de eu me assumir, mas não percebi isso. Infelizmente, parece que nasci sem alguns filtros, então, certas “red flags” passam batidas por mim, como todo o bullying e apelidos (sempre associados a lésbicas e coisas do gênero) pelos quais passei. Ao que parece, sofri o chamado Bullying homofóbico ⁵ durante anos e mais anos. Na verdade, é difícil dizer que ainda não sofro, mas os nomes mudaram. O que, quando adolescente eu chamava de bullying, hoje diria ser assédio e até mesmo crime. Apesar de todos os sinais estarem ali, eu nunca os vi eles. Por isso, me assumi sem receios perante a sociedade. O que chocou nesse momento, no entanto, não foi um preconceito vindo de colegas de mesma idade, mas o vindo de professores. Esse sim foi o verdadeiro impacto, principalmente porque, quando se é adolescente, adultos são detentores da razão e poder. Então, se um professor falava que meu nome não era Samuel, mas sim qualquer outro, ou que eu não deveria usar o banheiro masculino (pela minha própria segurança, diziam eles), ou até mesmo que eu deveria usar vestidos, não haviam argumentos contra. Eu não conseguia me impor e deixar claro quem sou. Hoje, obviamente, é muito diferente, já que sou um homem adulto, que se sustenta, trabalha, estuda e já vivenciou diversas situações de dificuldades e transfobia. No entanto, é horrível sempre que penso a respeito de ter orgulho de ser como sou. Eu tenho, sou orgulhoso da minha identidade de gênero e sexualidade, sou orgulhoso da minha neurodivergência, sou orgulhoso de tudo em mim, mas eu preferia não ser nada disso. Não é que eu não me orgulhe, esse orgulho está aqui, vívido. Porém, ciente de tudo que passou e tudo que está por passar por mim e que irá me fazer mal, me maltratar e, quem sabe, me levar à morte, seria melhor não ser nada disso. A repressão começa desde cedo e ela funciona. Pessoas LGBTs têm medo de se assumir ⁶. Sair do armário, algo que deveria ser libertador (e até é) se torna uma verdadeira tortura e risco de vida. Mas, no final das contas, é tudo culpa da vítima (socialmente). Ser LGBT é uma escolha e ter “trejeitos” que levam à morte também (contém ironia). Referências: 1. RIBEIRO, A. L. R., & GOTTSCHALG-DUQUE, C. Wikipédia e enciclopédia britânica: Informação confiável?, 2012. Revista Brasileira De Biblioteconomia E Documentação, 7(2), 172–185. Recuperado de https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/161. Acesso em: 5 jul. 2023 VIEIRA1, M. V.; CHRISTOFOLETTI, R. Confiabilidade no uso da Wikipédia como fonte de pesquisa escolar. Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, n. 15, 2017. DOI: 10.22633/rpge.v0i15.9351. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/rpge/article/view/9351. Acesso em: 5 jul. 2023. 2. Muniz, M. K. D. C. B. (2010). O direito fundamental ao salário mínimo digno: uma análise à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. LTr. Acesso Disponível em: http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_MunizMK_1.pdf. Acesso em: 5 jul. 2023. 3. SCHLINDWEIN, V de LDC. Histórias de vida marcadas por humilhação, assédio moral e adoecimento no trabalho. Psicol Soc [Internet]. 2013; 25(2):430–9. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/T8P65R3y679gXhDbYhKxjds/. Acesso em: 5 jul. 2023. AGUIAR, C. V. N.; SILVA, E. E. da C.; CARVALHO, B. R. de; FERREIRA, J. C. M.; & JESUS, K. C. O. de. (2017). CULTURA ORGANIZACIONAL E ADOECIMENTO NO TRABALHO: UMA REVISÃO SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE CULTURA, BURNOUT E ESTRESSE OCUPACIONAL. Revista Psicologia, Diversidade E Saúde, 6(2), 121–131. https://doi.org/10.17267/2317-3394rpds.v6i2.1157. Acesso em: 5 jul. 2023. 4. Santos, J. O., & Krawczak, K. W. (2017). Brasil, o país que mais mata: uma análise crítica acerca da violência contra travestis e transexuais. Salão do Conhecimento. Acesso em: 5 jul. 2023. 5. SILVA, J. P. da, & BARRETO, N. S. (2013). Violência escolar: problematizando a relação entre o bullying e a homofobia. Revista Fórum Identidades. Disponível em: https://web.archive.org/web/20180517011830id_/https://seer.ufs.br/index.php/forumid entidades/article/viewFile/1883/1642. Acessoem: 5 jul. 2023. PEREIRA, G. R., VARELA, C. M., & SILVEIRA, G. P. (2015). O fenômeno do bullying homofóbico nas instituições de ensino: o direito à igualdade sexual e o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/161 https://periodicos.fclar.unesp.br/rpge/article/view/9351 http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_MunizMK_1.pdf https://www.scielo.br/j/psoc/a/T8P65R3y679gXhDbYhKxjds/ https://doi.org/10.17267/2317-3394rpds.v6i2.1157 https://web.archive.org/web/20180517011830id_/https://seer.ufs.br/index.php/forumidentidades/article/viewFile/1883/1642 https://web.archive.org/web/20180517011830id_/https://seer.ufs.br/index.php/forumidentidades/article/viewFile/1883/1642 10(2), 1489-1506. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6202605. Acesso em: 5 jul. 2023. 6. da Silva, L. V., & Barbosa, B. R. S. N. (2016). Sobrevivência no armário: dores do silêncio LGBT em uma sociedade de religiosidade heteronormativa. Estudos de religião, 30(3), 129-154. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6342616. Acesso em: 5 jul. 2023. https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6202605 https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6342616
Compartilhar