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Mario Quintana Da preguiça como método de trabalho

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Mario Quintana
Da preguiça 
como método 
de trabalho
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D A P R E G U I Ç A C O M O M É T O D O D E T R A B A L H O
Crônica atmosférica
Quando começo estas poucas e mal traçadas, 
está fazendo 35 graus à sombra, e vai piorar, graças 
ao Diabo. Isso é mesmo literalmente infernal, por-
que estiola o verde das esperanças novas, planti-
nhas frágeis e sentimentais e que, como sabeis, 
apenas dão flor uns poucos dias por ano, de 24 de 
dezembro a 6 de janeiro. Como vedes vim a cair 
nessa comum vulgaridade de comentar o tempo... 
E a primeira conseqüência dessa pressão atmosfé-
rica foi que não me animei a ir passar os telegra-
mas de feliz Natal e ano-novo.
Não, não quer dizer que me haja esquecido de 
quem quer que seja... Pois na falta de telegrafia 
apelei para a telepatia. De modo que se o Aristarco, 
o Goida, o Lewgoy, o João, a Nega Fulô, a Elizabeth, 
a Terceira, a Eurídice, a Única, a Vera, la de los ojos 
color de uva, o nosso querido diretor, o Ribeiro, o 
Austregésilo de Athayde “o Eterno”, a Bruna, com 
sus ojos color de sulfato de cobre, a Nídia, a Adriana, 
se nenhuma dessas pessoas chegou a receber o 
meu telepatograma é que deve haver algum desar-
ranjo na sua aparelhagem de recepção e não na 
minha transmissora.
Mas, graças a Deus, nem tudo me foram espi-
nhos e suor neste fim de ano.
Pois acabo de descobrir uma volúpia nova. 
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M A R I O Q U I N T A N A
Sosseguem, velhinhos, não é nada disso do que 
vocês estão antegozando... Foi simplesmente que, 
estando eu aparelhado com um vigésimo da “bru-
ta” da Federal, procuro-o no bolso interno esquer-
do do paletó para namorá-lo mais uma vez, talvez 
para hipnotizá-lo... Procuro-o no bolso interno 
direito, procuro-o até naquele bolso de cima re-
servado para o clássico lencinho de ponta virada 
que eu nunca usei porque acho isso uma bestei-
ra... e nada!
Procuro-o por todos os bolsos de todas as cal-
ças, no fundo, dentro e embaixo dos móveis, até 
que, com uma máscara de tragédia grega, chego à 
conclusão fatal: perdi-o!
Aconselho-te, pois, paciente leitor, a comprar 
um bilhete inteiro da próxima extração. Compra-o 
e rasga-o em pedacinhos. E lança-os aos quatro 
ventos do Destino. Verás o que é sensação, verás 
como sacodes a alma dessa medíocre mesmice de 
sempre, e verás como vibras, como vives a vida!
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D A P R E G U I Ç A C O M O M É T O D O D E T R A B A L H O
Inscrição para um portão de cemitério
A morte não melhora ninguém...
Desconfiança
Mas quem sabe se o Diabo não será o Mister 
Hyde de Deus?
Segunda-feira
Esta segunda-feira está parecidíssima com Robert 
Mitchum: está com uma cara sonolenta e oca, uma 
ca ra de teia de aranha.
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M A R I O Q U I N T A N A
Antigamente e agora
Antigamente, era preciso virar todos os retratos 
dos nossos antepassados contra a parede, para não 
continuarem espiando a gente.
Espiando ou espionando, nunca se sabe...
Mas agora, alheios a tudo o mais, eles ficam 
olhando juntamente conosco, noite adentro, as in-
termináveis novelas da TV.
Adolescência
Idade em que a gente lê sem estar pensando 
noutras coisas.
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D A P R E G U I Ç A C O M O M É T O D O D E T R A B A L H O
As três moças de Encruzilhada
Era uma vez três moças que moravam na flores-
cente cidade de Encruzilhada. E, como eram três 
moças muito sérias, faltava-lhes o senso de humor 
e tomavam ao pé da letra o nome de sua cidade 
natal. E nunca sabiam onde ir, o que fazer, o que 
responder...
Para acabar com essa dúvida atroz, depois de 
infindáveis hesitações, resolveram o seguinte: a 
primeira sempre diria “sim”, a segunda que não e a 
terceira responderia com ar sonhador:
— Talvez...
Ora, um dia a Morte apareceu à primeira, e a 
moça disse que sim.
A Morte a levou.
No outro dia a Morte apareceu à segunda e esta 
disse que não.
— Como ousas contrariar-me? — a Morte retru-
cou. — Eu sou a única Potestade do Céu e da Terra 
a quem ninguém pode dizer “não”.
E levou a moça.
Enfim, no terceiro dia, a Morte apresentou-se à 
última das três — e a moça ficou olhando, olhando 
a cara da Morte e finalmente suspirou:
— Talvez... 
E a Morte retirou-se, danada da vida.
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M A R I O Q U I N T A N A
O velho
O que eu mais temo — escrevi eu em um dos 
meus agás — não é o Sono Eterno, mas a possibi-
lidade de uma insônia eterna — o que seria uma 
verdadeira estopada, um suplício sem fim. Porém, 
em uma das minhas costumeiras noites de sonho 
acordado, o meu amigo morto me pediu um cigar-
ro, e disse-me:
— Não é como tu pensas, todos nós trabalha-
mos numa série infinita de escritórios (cada gera-
ção de mortos num deles) onde a gente se entrega 
a um sério trabalho de estatística: tem-se de anotar 
a chegada de cada um e comunicar-lhe o respecti-
vo número, pois isso de nomes é mera convenção 
terrena. O pior são os que atrapalham a escrita, 
morrendo antes do tempo — ou porque se mata-
ram ou por culpa dos médicos, e estes ainda são 
culpados quando fazem os doentes morrer depois 
da hora, numa espécie de sobrevida artificial, já 
que os médicos (diga-se em sua honra) julgam cri-
minosa a prática da eutanásia... Uma pena!
— E fora do expediente, o que fazem vocês?
— Bem, a hora do almoço não deixa de ser di-
vertida por causa dos Santos: põem-se a discutir 
acaloradamente qual deles fez na Terra o maior 
número de milagres e outras futilidades.
— E nos serões, eles jogam prenda?
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D A P R E G U I Ç A C O M O M É T O D O D E T R A B A L H O
— Mais respeito, seu vivo!... Bem! nos serões 
eles fazem concursos para ver quem é que diz de 
cor mais versículos da Bíblia. Uma bobagem! Todo 
mundo sabe que o único que sabe a Bíblia de cor, 
tintim por tintim, é o Diabo.
— E Deus? Me conta como é Ele...
— Ah, o Velho? Desconfio que certa vez O vi...
— Só certa vez? Mas Ele não está sempre no 
Céu?
— Bem, tu deves compreender que Ele se preo-
cupa principalmente com os vivos. O Velho está 
quase sempre é na Terra, lidando com os assuntos 
humanos. Ele e o Diabo. Sim, os dois vivem a 
maior parte do tempo na Terra.
— Ora, eu pensava que vocês soubessem mais 
do que nós... Mas conta-me lá como foi que des-
confiaste de ter visto o Velho?
— Foi há tempos, eu era recém-chegado, quan-
do uma tarde apareceu de surpresa no escritório 
um velhinho muito simpático. Com as mãos às cos-
tas, curvava-se sobre cada mesa, inspecionando o 
nosso trabalho, por sinal que me atrapalhei, errei 
uma palavra. Ele bateu-me confortadoramente no 
ombro, como quem diz: “Não foi nada... não foi 
nada...” Ao retirar-se, já com a mão no trinco da 
porta, virou-se para nós e abanou: “Até outra vez 
se Eu quiser!”
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M A R I O Q U I N T A N A
Olhinhos azuis
As menininhas não devem sair sozinhas à noite. 
É perigoso. Podem encontrar o conde Drácula e é 
sabido o amor que ele tem pelas menininhas, sen-
timento por elas correspondido, pois o conde, com 
aquele seu amplo manto negro, lhes faz lembrar o 
Superman, o Batman, os heróis das histórias em 
quadrinhos. Ora, no último sábado uma delas fugiu 
de casa para ir gastar seus troquinhos na venda da 
esquina — enquanto os pais, os criados, os visitan-
tes, todo o mundo se achava hipnotizado pela no-
vela da TV. Eis senão quando surge inesperada-
mente,diante da menininha, vocês já adivinharam 
quem: o irresistível conde! Mal deu tempo para a 
menininha respirar: desdobrou amplamente diante 
dela, como as asas de uma enorme borboleta no-
turna, o seu manto negro forrado de veludo verme-
lho, enquanto a menininha tremia ao mesmo tem-
po de medo e prazer. Despediu-se da menininha 
com um paternal beijo na testa, olhou-a bem nos 
olhos, suspirou fundo e disse:
— Sabes? Os teus olhinhos são duas jóias. (Eram 
na verdade duas jóias: de um azul-inocência, pare-
cia até que o céu é que estava olhando por detrás 
deles para a gente...)
— Mas como seria possível, meu velho — des-
culpava-se Drácula naquela mesma noite com o 
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D A P R E G U I Ç A C O M O M É T O D O D E T R A B A L H O
seu amigo Frankstein —, como seria possível, com 
dois olhinhos só, fazer um par de abotoaduras?
Diálogo
Dois monólogos intercalados.
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M A R I O Q U I N T A N A
Crônica platina
Tento em vão desatar um nó cego do meu sapa-
to. Heloísa aconselha-me:
— Para desatar um nó cego basta pensar numa 
velha bem mexeriqueira.
Dito e feito! O nó desata-se.
— Em quem pensaste? — indaga Elena.
— Ora, em quem mais havia de ser? Na tia 
Joaquina... A nossa querida tia Joaquina!
A propósito: até inventei que tia Joaquina, todas 
as noites, antes de adormecer, pergunta-se, como 
uma boa escoteira: “Será que hoje não esqueci de 
fazer o meu bom mexerico?” 
Deus me perdoe, mas uma invenção não quer 
dizer que não seja verdadeira: às vezes uma anedo-
ta popular, atribuída a alguém, define-lhe mais o 
caráter do que qualquer testemunho objetivo.
Ora, ora! Estas mal traçadas eram para ser notas 
de viagem... e o leitor não podia adivinhar que vim 
a Buenos Aires para comprar livros e para uma 
visita prometida a Jorge Luis Borges. Ele não esta-
va, fora fazer conferências em Tóquio e depois nos 
States, ninguém sabe ao certo.
Procuraram, os da embaixada, ensejar-me um 
encontro com Ernesto Sábato. Esquivou-se. Decerto 
confundiu-me com um repórter. Não sou repórter, 
as informações aborrecem-me, não acredito na ob-
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D A P R E G U I Ç A C O M O M É T O D O D E T R A B A L H O
servação direta, não sei o que fazer quando me 
apresentam a uma paisagem.
Mas foi um oásis a visita à Cidade das Crianças, 
idealizada por Perón. Tudo ali é feito na medida 
da pequena estatura da criançada e da sua imen-
surável fantasia. Vi ali mais uma das estátuas 
eqüestres do indefectível general San Martín. Mas 
em miniatura, cavalo e cavaleiro. Ele, o general, 
tinha a altura de um menino de oito anos. Assim, 
sim!
Outro oásis: o reencontro com Berta Singerman, 
ainda em plena atividade no palco, com aquele seu 
velho sonho, tão bem realizado: ser o elo de liga-
ção entre a poesia e o povo. Pois o povo não tem 
tempo ou não tem meios para comprar livros, ou 
simplesmente não tem o hábito da leitura.
Este o sonho da Berta: a comunicação oral da 
poesia, ante milhares de pessoas (e não, como ho-
je, a poesia impressa, para leitura a sós, nos gabi-
netes), a poesia tal como se apresentava na 
Antigüidade e na Idade Média. E ainda hoje, nas 
regiões não alfabetizadas do Brasil, poetas do ser-
tão cantam a sua poesia nos mafuás — quem foi 
que disse que o povão não gosta de poesia?
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