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IFSC / LCE / Biologia 3 – Microbiologia 1 1 Introdução A ciência da Microbiologia [do grego: mikros (“pequeno”), bios (“vida”) e logos (“ciência”)] é o estudo dos organismos microscópicos e de suas atividades. Preocupa-se com a forma, a estrutura, a reprodução, a fisiologia, o metabolismo e a identificação dos seres microscópicos. Inclui o estudo da sua distribuição natural, suas relações recíprocas e com outros seres vivos, seus efeitos benéficos e prejudiciais sobre os homens e as alterações físicas e químicas que provocam em seu meio ambiente. Em sua maior parte, a Microbiologia trata com organismos microscópicos unicelulares. Nas assim chamadas formas superiores de vida, os organismos são compostos de muitas células, que constituem tecidos altamente especializados e órgãos destinados a exercer funções específicas. Nos indivíduos unicelulares, todos os processos vitais são realizados numa única célula. Independentemente da complexidade de um organismo, a célula é, na realidade, a unidade básica da vida. Todas as células vivas são basicamente semelhantes. Conforme já foi visto, elas compõem-se de protoplasma (do grego: a primeira substância formada), um complexo orgânico coloidal constituído principalmente de proteínas, lipídeos e ácidos nucleicos; o conjunto é circundado por membranas limitantes ou parede celular, e todos contêm um núcleo ou uma substância nuclear equivalente. Todos os sistemas biológicos têm as seguintes características comuns: 1) habilidade de reprodução; 2) capacidade de ingestão ou assimilação de substâncias alimentares, metabolizando-as para suas necessidades de energia e de crescimento; 3) habilidade de excreção de produtos de escória; 4) capacidade de reagir a alterações do meio ambiente (algumas vezes chamada de "irritabilidade"), e 5) suscetibilidade à mutação. Os princípios da Biologia podem ser demonstrados através do estudo da Microbiologia, pois os microrganismos têm muitas características que os tornam instrumentos ideais para a pesquisa dos fenômenos biológicos. Os microrganismos fornecem sistemas específicos para a investigação das reações fisiológicas, genéticas e bioquímicas, que são a base da vida. Eles podem crescer, de maneira conveniente, em tubos de ensaio ou frascos, exigindo, assim, menos espaço e cuidados de manutenção do que as plantas superiores e os animais. Além disso, crescem rapidamente e se reproduzem num ritmo muito alto; algumas espécies bacterianas demonstram quase 100 gerações num período de 24 horas. Os processos metabólicos dos microrganismos seguem os padrões que ocorrem nos vegetais superiores e nos animais. As leveduras, por exemplo, utilizam a glicose, basicamente do mesmo modo que as células dos tecidos de mamíferos, revelando que o mesmo sistema enzimático está presente nestes organismos tão diversos. Em Microbiologia pode-se estudar os organismos em grande detalhe e observar seus processos vitais durante o crescimento, a reprodução, o envelhecimento e a morte. Modificando-se a composição do meio ambiente, é possível alterar as atividades metabólicas, regular o crescimento e, até alterar alguns detalhes do padrão genético, tudo sem causar a destruição do microrganismo. Os principais grupos de microrganismos são os protozoários, fungos, algas e bactérias. Os vírus, apesar de não serem considerados vivos, têm algumas características de células vivas e por isso são estudados como microrganismos. Este texto irá abordar IFSC / LCE / Biologia 3 – Microbiologia 2 temas sobre bactérias, fungos e vírus, uma vez que algas e protozoários já foram vistos em etapa anterior. 1.1 Posição dos microrganismos no mundo vivo A Microbiologia estuda alguns organismos que são predominantemente semelhantes ao vegetais , outros que são similares aos animais e, um terceiro grupo que tem características aos animais e vegetais. Visto que não existem organismos que não pertencem, naturalmente, a nenhum destes dois reinos, foi proposta a criação de novos reinos que os pudessem incluir. Uma dessas primeiras proposições foi feita em 1866 pelo zoólogo alemão E. H. Haeckel. Este autor sugeriu que um terceiro reino incluísse os microrganismos que, tipicamente não poderiam ser classificados como vegetais ou animais. Esses organismos foram chamados de protistas e colocados no reino Protista, constituído unicamente por seres unicelulares. Assim, ao se falar de modo geral em protistas, compreendem-se bactérias, algas, fungos e protozoários, excluindo-se os vírus que não são organismos celulares. Mediante os progressos do conhecimento da ultra-estrutura celular, os microrganismos puderam ser divididos em duas categorias: procariotos e eucariotos. Esta divisão baseia-se nas diferenças de organização da maquinaria celular, já vistas neste curso. As algas azuis (cianofíceas) e as bactérias são organismos procariotos. Entre os microrganismos eucariotos estão os protozoários, os fungos e as demais algas (as células animais e vegetais são, também eucarióticas). Os vírus, isolados entre os microrganismos, são deixados de lado neste esquema de organização celular. Um outro sistema de classificação, o sistema dos cinco reinos, foi proposto por Robert H. Whittaker (1969), baseado no modo pelo qual o organismo obtém nutrientes de sua alimentação. Este sistema é, agora, amplamente aceito porque considera relações evolutivas e é compatível com os recentes estudos bioquímicos, genéticos e ultra- estruturais, os quais sugerem que a endossimbiose (viver junto, um no interior do outro) hereditária levou até a célula eucariótica, tal como ela é conhecida, a partir de uma variedade de unidades procarióticas, desenvolvendo-se desde um ancestral procariótico comum. Os microrganismos, portanto, são encontrados em três dos cinco reinos: reino Monera (bactérias e cianobactérias), reino Protista (algas microscópicas e protozoários) e reino Fungi (leveduras e bolores). Até 1977, a idéia prevalecente era de que os organismos procariotos, por causa da sua simplicidade estrutural, eram os ancestrais de eucariotos mais complexos. Com as pesquisas de Carl Woese e seus colaboradores, ficou comprovado que os procariotos e eucariotos evoluíram por vias completamente diferentes a partir de uma forma ancestral comum, como mostra a figura 1. Estes pesquisadores utilizaram uma técnica que compara o arranjo nucleotídico do RNAr entre diferentes organismos. Por exemplo, se as sequências de ribonucleotídeos de 2 tipos de organismos diferem em grande extensão, a relação entre ambos é muito distante; ou seja, os organismos divergiram há muito tempo de um ancestral comum. Porém, se as sequências mostram mais similaridades, os organismos estão intimamente relacionados e têm um ancestral comum relativamente recente. Os eucariotos possuem um tipo geral de sequência e os IFSC / LCE / Biologia 3 – Microbiologia 3 procariotos, um segunto tipo. Dentre os procariotos, alguns têm um terceiro tipo de sequência, que difere dos anteriores. Com isso, concluiu-se que há 2 tipos principais de bactérias, designadas de arqueobactérias e eubactérias. A figura 1 mostra um esquema das vias pelas quais os organismos vivos evoluíram, como deduzido através de estudos comparativos e RNA ribossômico. Figura 1: Representação das vias pelas quais os organismos vivos evoluíram, como deduzido através de estudos comparativos de RNA ribossômico. As três maiores ramificações evolucionárias são mostradas como arqueobactrérias, eubactérias e eucariotos. Entre as eubactérias pelo menos dez linhas de descendentes distintos ocorrem; nas arqueobactérias, pelo menos três. No caso dos eucariotos, há evidências de que certas eubactérias Gram-negativas invadiram células eucarióticas primitivas e evoluíram como organelas intracelulares chamadas mitocôndrias. Cloroplastos, as organelas fotossintéticas de células de plantas, parecem ter evoluído de maneira similar, a partir de uma cianobactéria. (fonte: Pelczar etal., 1996) 1.2 Distribuição dos Microrganismos na Natureza Os microrganismos se encontram em praticamente todos os lugares da natureza. São transportados por correntes aéreas desde a superfície da Terra até as camadas superiores da atmosfera. Mesmo os microrganismos típicos dos oceanos podem ser achados a muitos quilômetros de distância, no alto de montanhas. São encontrados em sedimentos no fundo do mar, em grandes profundidades. São carregados por correntes fluviais e até mares; e, se dejetos humanos contendo bactérias patogênicas forem despejados em correntes de água, a doença pode disseminar-se de um lugar para outro. Os microrganismos ocorrem mais abundantemente onde puderem encontrar alimentos, IFSC / LCE / Biologia 3 – Microbiologia 4 umidade e temperatura adequadas para seu crescimento e multiplicação. Uma vez que as condições que favorecem a sobrevivência e o crescimento de muitos microrganismos são as mesmas sob as quais vivem as populações humanas, é inevitável que vivamos entre grande quantidade de microrganismos. Eles estão no ar que respiramos e no alimento que ingerimos. Estão na superfície de nosso corpo, em nosso trato digestivo, na boca, no nariz e em outros orifícios naturais. Felizmente, a maioria dos microrganismos é inócua para o homem, e este tem meios de resistir à invasão daqueles que são potencialmente patogênicos. 1.3 Áreas de aplicação da Microbiologia Existem numerosos aspectos no estudo da Microbiologia, que são divididos em duas áreas principais: a microbiologia básica e a microbiologia aplicada. A microbiologia básica estuda a natureza fundamental e as propriedades dos microrganismos. Preocupa-se com assuntos relacionados aos seguintes temas: ❖ características morfológicas (forma e tamanho das células, composição química, etc.); ❖ características fisiológicas (necessidades nutricionais específicas e condições necessárias ao crescimento e reprodução); ❖ atividades bioquímicas (modo de obtenção de energia pelos microrganismos); ❖ características genéticas (hereditariedade e variabilidade das características); ❖ características ecológicas (ocorrência natural dos microrganismos no ambiente e sua relação com outros organismos); ❖ potencial de patogenicidade dos microrganismos e ❖ classificação (relação taxonômica entre os grupos do mundo microbiano). Na microbiologia aplicada estuda-se como os microrganismos podem ser usados ou controlados para várias finalidades práticas. Os pricipais campos de aplicação da microbiologia incluem: medicina, alimentos e laticínios, agricultura, indústria e ambiente. Na área industrial, por exemplo, os microrganismos são utilizados na síntese de uma variedade de substâncias químicas, desde o ácido cítrico até antibióticos mais complexos e enzimas. Certos microrganismos são capazes de fermentar material orgânico animal e humano, produzindo gás metano que pode ser coletado e usado como combustível. A biometalurgia explora as atividades químicas de bactérias para extrair minerais, como cobre e ferro de minérios de baixa qualidade. A indústria do petróleo têm utilizado bactérias e seus produtos, como os exopolissacarídeos presentes externamente à célula bacteriana, para aumentar a extração do petróleo de rochas reservatório. Na área ambiental, estuda-se a utilização de microrganismos que podem degradar poluentes específicos, como herbicidas e inseticidas. IFSC / LCE / Biologia 3 – Microbiologia 5 A microbiologia médica trata dos microrganismos causadores de doenças humanas (patogênicos, além de estar relacionada com a prevenção e o controle das doenças. Juntamente com a engenharia genética, têm pesquisado a produção de enzimas bacterianas que dissolvam coágulos sangüíneos, vacinas humanas utilizando vírus de insetos e testes laboratoriais rápidos para diagnóstico de infecção viral, entre tantas outras aplicações possíveis nesta área. A microbiologia dos alimentos está relacionada com as doenças que podem ser transmitidas pelos alimentos, como por exemplo, infecções causadas por salmonelas, intoxicações causadas por estafilococos e clostrídios. Relaciona-se também com aspectos positivos, com a utilização de microrganismos na produção de alimentos/bebidas (queijos, pães, cervejas, etc.). 1.4 A Evolução da Microbiologia A Microbiologia começou quando se aprendeu a polir lentes, feitas a partir de peças de vidro, e a combiná-las até produzir aumentos suficientemente grandes que possibilitassem a visualização dos microrganismos. Durante o século XIII, Roger Bacon postulou que a doença era produzida por seres vivos invisíveis. A sugestão foi novamente feita por Fracastoro de Verona (1483-1553) e por Von Plenciz, em 1762, mas estes autores não dispunham de provas. No início de 1658, um monge chamado Kircher se referiu a "vermes" invisíveis a olho desarmado nos corpos em decomposição, no pão, no leite e em excreções diarréicas. Em 1665, Robert Hooke viu e descreveu células em um pedaço de cortiça. Estabeleceu o fato de que os organismos de "animais e plantas, complexos que sejam, são compostos de algumas partes elementares que se repetem freqüentemente" - citação não devida a Hooke, mas originada da descrição de Aristóteles sobre a estrutura celular das coisas vivas, datadas do século IV a.C. Embora não tenha sido, provavelmente, o primeiro a ver as bactérias e os protozoários, o holandês Antony Van Leeuwenhoek (1632-1723), foi o primeiro a relatar suas observações, com descrições precisas e desenhos. A palavra bactéria vem do termo bacterium, que foi introduzido pelo alemão C.G. Ehrenberg, em 1828, como uma denominação genérica para certos tipos bacterianos representativos. Deriva da palavra grega que significa "pequeno bastão". A palavra micróbio foi introduzida em 1878 pelo cirurgião francês, Charles-Emmanuel Sedillot. 1.4.1 Geração Espontânea versus Biogênese A descoberta dos microrganismos focalizou o interesse científico sobre a origem dos seres vivos. No que se refere às formas superiores de vida, Aristóteles (384-322 a.C.) pensava que os animais podiam se originar, espontaneamente, do solo, de plantas e de outros animais diferentes, e sua influência ainda atingiu o século XVII. Era aceito como fato, por exemplo, que as larvas podiam ser produzidas pela exposição da carne a o calor e ao ar, embora Francesco Redi (1626-1697) duvidasse do mesmo. Ele realizou uma experiência na qual colocou carne numa jarra coberta com gaze. Atraídas pelo odor da carne, as moscas puseram seus ovos sobre a cobertura e, destes, emergiram as larvas. Esta experiência e outras parecem ter resolvido o assunto,
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