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109 C O N C EPÇ Õ ES D E H U M A N IZA Ç Ã O EM U TIN Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 1 Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras, 29075-910, Vitória, ES, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: K.M.P. PAULA. E-mail: <kelymppaula@gmail.com>. Artigo elaborado a partir da dissertação de C.P. ROSEIRO, intitulada “Cuidado ao Recém-nascido em UTIN: concepções e práticas de humanização”. Universidade Federal do Espírito Santo, 2010. Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Fundo de Apoio à Ciência e Tecnologia e Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo. ▼ ▼ ▼ ▼ ▼ http://dx.doi.org/10.1590/0103-166X2015000100010 Concepções de humanização de profissionais em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Conceptions of humanization of health professionals in Neonatal Intensive Therapy Units Cláudia Paresqui ROSEIRO1 Kely Maria Pereira de PAULA1 Resumo Considerando-se a importância das estratégias de humanização e intervenção hospitalar no atendimento ao recém- -nascido enfermo, esta pesquisa investigou a concepção de humanização da equipe de profissionais de três Unidades de Terapia Intensiva Neonatal da Região Metropolitana da Grande Vitória, Espírito Santo. Participaram do estudo 29 profissionais de saúde, entre médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e técnicos de enfermagem, os quais responderam a roteiros de entrevistas semiestruturadas. Os dados das entrevistas foram processados pelo software Alceste e submetidos à Análise de Conteúdo. Concluiu-se que os profissionais compreendem o cuidado humanizado a partir do resgate da perspectiva afetiva, em oposição ao modelo médico-tecnicista de atenção à saúde, ou seja, com ênfase nos aspectos emocionais que envolvem sua relação com o bebê e com o trabalho em Neonatologia. A participação da família foi o aspecto mais relevante para os profissionais, que expressaram a importância da permanência dos pais na unidade de terapia e sua participação nos cuidados ao recém-nascido. Palavras-chave: Estratégias; Humanização da assistência; Recém-nascido; Unidades de Terapia Intensiva. Abstract Considering the importance of hospital humanization and intervention strategies in the treatment of the newborn patient, this research investigated the conception of humanization of health professionals in three Neonatal Intensive Care Units in the metropolitan area of Vitória, Espírito Santo. The study included 29 health professionals (doctors, nurses, audiologists, physiotherapists and practical nurses) who were asked to answer a semi-structured interview. Interview data were processed using the Alceste software and submitted to Content Analysis. It was concluded that professionals understand humanized care from an affective perspective, as opposed to the medical-technicist approach of health care with emphasis on the emotional aspects that involve their relationship with the baby and their work in neonatology. Family participation was the most notable aspect in the professional’s view who expressed the importance of parents staying in the Neonatal Intensive Care Units and their participation in providing care to the newborn. Keywords: Strategies; Humanization of assistence; Infant, newborn; Intensive Care Unit. 110 C .P. R O SEIR O & K .M .P. PA U LA Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 A Política Nacional de Humanização (PNH) surge como uma proposta de aprimoramento da qualidade no atendimento à saúde da população, articulando os avanços tecnológicos com o acolhi- mento e destacando o processo subjetivo do ato de cuidado (Brasil, 2005). Para tanto, um conjunto de estratégias busca tornar os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) disparadores de mudanças nos modelos de atenção e gestão das práticas de saúde no País (Brasil, 2004). Na assistência à criança, em âmbito ministe- rial, a Humanização direciona-se mais ao atendi- mento do bebê Pré-Termo (PT) e de Baixo Peso (BP), internado em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). A Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso - Método Canguru (AHRNBP-MC) é o modelo de assistência preconizado, incluído na política governamental a partir de 2000, e propõe um cuidado integral ao Recém-Nascido (RN) e a sua família (Lamy, 2006; Véras, Vieira, & Morais, 2010). Sendo assim, a atenção humanizada ao RN inter- nado em UTIN tem como meta elevar o padrão técnico de atendimento, conjugado à assistência integral ao bebê e a sua família, por meio do aprimo- ramento da conduta técnica e da postura profis- sional (Brasil, 2002; Kernkraut & Andreoli, 2008). Nesse sentido, partindo da importância da atuação da equipe no contexto hospitalar, vários estudos têm voltado seu interesse para o profissional de saúde e suas percepções sobre o processo de trabalho e a humanização do cuidado (Beck, Gonzalez, Denardin, Trindade, & Lautert, 2007; Costa, Figueiredo, & Shawrich, 2009; Cunha & Benevides, 2012; Henning, Gomes, & Gianini, 2006; Rolim & Cardoso, 2006). Em revisão da literatura, Goulart e Chiari (2010) discutem a humanização a partir de sua concepção como política de saúde e como prática profissional, apresentando-a como um objetivo permanente e como uma meta central a ser buscada em qualquer projeto nessa área. Uma revisão histórica sobre o conceito de humanização foi realizada por Deslandes (2006), que aponta vários fatores de “desumanização” na área da saúde, tanto de ordem estrutural (como a formação profissional biomédica, a organização dos serviços de saúde, a estrutura hierárquica social e de prestação de cuidados) como de ordem intera- cional (relações de conflito, subordinação ou coope- ração entre profissionais e pacientes). Esses fatores são decorrentes, em grande parte, da ênfase dada à técnica e à racionalidade científica, em detrimento dos aspectos mais subjetivos do ato de cuidado na constituição das instituições hospitalares e do saber médico (Costa, et al., 2009; Martins, 2004). Nesse contexto, a norma de AHRNBP-MC surgiu como uma tentativa de mudar a postura na abordagem perinatal, com a humanização da as- sistência prestada. A partir de um equilíbrio no aten- dimento às necessidades biológicas, ambientais e familiares, buscou-se uma adaptação técnica e atitu- dinal que pudesse promover a humanização do atendimento. Dessa forma, a AHRNBP-MC objetiva maior apego entre mãe e criança, incentivo ao aleitamento materno, bem como melhor desenvol- vimento e segurança infantil (Brasil, 2002). Esta pesquisa teve por objetivo geral inves- tigar a concepção de humanização e de cuidado humanizado da equipe de profissionais da UTIN, bem como o relato de suas práticas de assistência ao RN. Sessões de observação foram realizadas nas UTIN para identificar os princípios norteadores da AHRNBP-MC na rotina dos profissionais. Todavia, considerando o propósito deste artigo, descrevem- -se os dados advindos das entrevistas com os pro- fissionais, concernentes a suas concepções de hu- manização bem como seus relatos sobre a assistên- cia ao bebê e família. Método Participantes A pesquisa foi realizada nas unidades neona- tais de três hospitais públicos da Região Metro- politana de Vitória (ES). Participaram do estudo 29 profissionais de saúde atuantes na UTIN, sendo 3 médicos, 3 enfermeiras, 3 fonoaudiólogas, 3 fisiote- rapeutas, 2 psicólogas e 15 técnicas de enferma- gem, compondo uma amostra de conveniência. Em cada hospital foi possível estabelecer a participação 111 C O N C EPÇ Õ ES D E H U M A N IZA Ç Ã O EM U TIN Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 de um representante de cada uma dessas espe- cialidades de nível superior e cinco representantes de nível médio. A idade média dos participantes foi 32 anos (22-49 anos), sendo somente um parti- cipante do sexo masculino;e 5,8 anos o tempo médio de atuação em UTIN, que variou de 1 mês a 20 anos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (CEP/UFES) e pelo Comitê de Ética em Pes- quisa da Secretaria de Saúde (CEP/SESA) do mesmo Estado. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua inclusão na amostra. Instrumentos Foi aplicado um roteiro de entrevista do tipo semiestruturado, incluindo questões sobre con- cepções de humanização e práticas desenvolvidas para humanizar o atendimento na UTIN (e.g. “O que você já ouviu falar sobre humanização na área da saúde?”, “O que é humanização para você?” e “Que ações você realiza no sentido de humanizar seu atendimento na UTIN?”). Entrevistas individuais foram realizadas no horário de trabalho dos profis- sionais, em um ambiente reservado, e gravadas em áudio. Procedimentos Os dados obtidos pelas entrevistas foram transcritos literalmente e submetidos a análise quan- titativa por meio do software Alceste (Camargo, 2005), o qual realiza uma análise lexical de dados textuais, efetuando cálculos sobre a coocorrência de palavras num conjunto de texto (Camargo, 2005; Nascimento & Menandro, 2006). O programa realiza uma primeira classificação estatística de enunciados simples do corpus (conjunto de texto) estudado, por meio da distribuição das palavras, apreendendo as que lhe são mais características (Cortez, 2006). O corpus analisado foi composto pelas entre- vistas realizadas com os profissionais de saúde, divi- didas em três segmentos referentes às temáticas investigadas: a) concepções de humanização; b) concepções sobre o bebê; e c) práticas de cuidado, totalizando 87 Unidades de Contexto Inicial (UCI). As UCI foram separadas por linhas de comando ou “linhas com asterisco” que informavam a identi- ficação do participante, e variáveis importantes ao delineamento da pesquisa, tais como: hospital onde o profissional trabalhava, idade, cargo, tempo de atuação em UTIN e as referidas temáticas. Em conjunto com a análise do Alceste, foi realizada uma Análise de Conteúdo (Bardin, 2004), como uma forma complementar de tratamento dos dados, buscando realizar uma análise mais com- preensiva do discurso a partir do mapeamento inicial do corpus realizada pelo software. Essa análise conjugada é um procedimento importante, na me- dida em que torna possível aliar à análise estatística do vocabulário de um discurso uma análise abran- gente de seus significados (Nascimento & Menan- dro, 2006). Resultados A partir dos dados das entrevistas dos profis- sionais de saúde, o software Alceste gerou cinco classes, subdividindo as Unidades de Contexto Ele- mentar (UCE) em dois grandes blocos: a) Relacional: agrupando as classes humanização, sentimentos em relação ao trabalho e participação da família, res- pectivamente; e b) Técnico: com as classes estimula- ção oral e cuidados com o ambiente sensorial. Os conteúdos dos dois blocos encontram-se distantes entre si, determinados pelas posições opostas que assumem no plano fatorial, o que permitiu analisar que os aspectos relacionais (valores e sentimentos) ficaram distanciados dos aspectos técnicos quando os profissionais falaram sobre a assistência huma- nizada. O resultado da Análise Fatorial de Cor- respondência (AFC), com a representação gráfica das relações entre as classes e entre suas palavras mais significativas, pode ser visualizado na Figura 1. As três classes reunidas no bloco Relacional (humanização, sentimentos em relação ao trabalho e participação da família) apresentam conteúdos mais próximos entre si, tratando dos valores e senti- mentos dos profissionais em relação à humanização, 112 C .P. R O SEIR O & K .M .P. PA U LA Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 e de sua relação com o bebê e com o trabalho. Na segunda divisão do bloco Relacional, permanecem juntas as classes humanização e sentimentos em relação ao trabalho, o que aponta para uma forte ligação entre as duas. No bloco Técnico encontram-se as classes estimulação oral e cuidados com o ambiente sen- sorial, as quais se apresentam relacionadas, abor- dando questões mais formais da assistência ao bebê como os cuidados padrão e o saber técnico dos profissionais que atendem ao RN internado em UTIN. Trata-se das rotinas e técnicas, direcionadas principalmente a: adequação da luminosidade e ruído do ambiente, estimulação oral, sucção, cuida- do com a manipulação, manutenção da tempe- ratura e procedimentos para amenizar a dor do RN. As classes obtidas a partir do software Al- ceste serão apresentadas de forma mais detalhada, juntamente com a análise de seu conteúdo. Humanização Nessa classe estão colocadas as concepções de humanização dos profissionais entrevistados, o que eles pensam e o que já ouviram falar sobre a temática na área da saúde. As palavras plenas mais Figura 1. Análise Fatorial de Correspondência (AFC): correlação entre palavras significativas nos planos fatoriais. 113 C O N C EPÇ Õ ES D E H U M A N IZA Ç Ã O EM U TIN Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 representativas foram humanização, paciente, doença, humano, tratar, compromisso, mecânica, conjunto, família, equipe, responsabilidade, tecni- cista, diferente, qualidade de vida, amor, bem-estar, sujeito e envolvimento. O entendimento de cuidado humanizado encontra-se em oposição à assistência mecânica e tecnicista, focada na doença. A humanização envol- ve compromisso e responsabilidade, objetivando a qualidade de vida e bem-estar do paciente, consi- derando-o como indivíduo. Trata-se de um cuidado diferente, que busca um tratamento por completo, a partir do trabalho em equipe. Algumas falas ilus- tram essa classe: É uma palavra pesada que teve que ser usada para nós profissionais da saúde tecnicista, porque nosso paciente está numa posição passiva, submissa, a gente tem que entender que ele depende exclusivamente da gente e que a gente precisa oferecer não só uma medicação, um procedimento, mas um cuidado global (Enfermeira 1). Transformar o espaço hospitalar num espaço mais acolhedor, que possa ir além da doença (Psicóloga 1). Amor, porque se eu não amar o que eu faço não vou conseguir humanizar o que eu faço. Existe muito trabalho mecânico. Eu procuro tratar meu paciente diferente, de uma forma mais humanizada (Técnica de enfermagem 4). Todos os profissionais relataram já ter ouvido algo sobre a Política de Humanização na Saúde, porém expressaram conteúdos voltados mais à hu- manização no contexto da UTIN, provavelmente em decorrência dos treinamentos realizados no setor. Entre as menções, encontram-se questões refe- rentes ao acolhimento à família do bebê, medidas para amenizar a dor, medidas para se adequar o ambiente sensorial da unidade neonatal ao bem- -estar do RN, além dos laços de solidariedade, como apoio à família e compreensão da condição de hos- pitalização apresentada pelo paciente. Outro ponto relacionado à concepção de humanização para os profissionais entrevistados diz respeito aos aspectos da própria assistência, com atenção às especificidades do atendimento em UTIN. Os profissionais ressaltaram os cuidados em relação ao conforto do bebê, seu acolhimento junta- mente com a família, além dos cuidados com o contexto da UTIN, entendido como potencializador de sequelas para o RN. A presença da família foi um aspecto apon- tado pelos participantes como muito importante para a oferta de assistência integral na unidade neonatal, o que pode ser observado na associação entre as classes Humanização e Participação da Família. O bebê não é visto mais como um ser isola- do, mas pertencente à família, a qual deve receber e cuidar de seu novo membro. Dessa forma, a humanização do cuidado ao RN deve priorizar o acolhimento à família e sua participação ativa junto ao bebê. Participação da família Na classe Participação da Família foram expressos os conteúdos referentes à importânciado vínculo familiar e às práticas realizadas para incentivar a permanência dos pais na UTIN, a parti- cipação destes nos cuidados ao bebê e a presença de outras pessoas do grupo familiar, como irmãos e avós. Destacam-se como palavras mais represen- tativas da classe: mãe, pai, avós, conversa, acom- panhar, incentiva, vir, visitas, participação, impor- tância, explicar, família, aleitamento materno, banco de leite, canguru, colo, cuidado, irmão, vínculo, acolhimento, contato e carinho. Verifica-se por meio dos conteúdos levan- tados que os profissionais entendem a importância do contato e da participação dos pais junto ao bebê, apontando, para tanto, algumas ações como: os horários de visita, dos quais os avós e irmãos tam- bém participam; o incentivo ao aleitamento mater- no, com o trabalho do Banco de Leite; e o incentivo à posição canguru, ao colo e aos cuidados diretos. Algumas falas representaram essa classe: Dar orientação, incentivar mãe a estar parti- cipando, vindo todo dia, saber o que está acontecendo, amamentando, em contato 114 C .P. R O SEIR O & K .M .P. PA U LA Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 com o neném. Passando informação para os pais. Quando o bebê pode o canguru, a gente incentiva (Médica 1). Às vezes, eles demoram muito para querer pegar, por medo também. Porque eles ficam doidos para pegar, mas têm medo, aí eu per- gunto: você quer pegar? Coloco no colo de- les e fico falando: nossa que menino lindo. [...] Eu tento estreitar os laços dos pais com os filhos (Fisioterapeuta 2). Na categoria Participação da Família as práticas mais relatadas foram conversar com mãe/ pai, incentivar o contato pelo toque o mais precoce possível, permitir a participação dos pais nos cuida- dos com o bebê e acompanhá-los durante esses cuidados, informar a família sobre as condições do filho, orientar pais e familiares quanto às especifi- cidades da UTIN e do cuidado ao RN. Outras práticas incluíram o incentivo à posição canguru, ao aleita- mento materno e maior participação do pai. Sentimentos em relação ao trabalho Nessa classe encontram-se reunidas as falas que expressam os sentimentos dos profissionais em relação ao bebê, à atuação em terapia intensiva neonatal e ao ambiente de trabalho, retratando como os profissionais se sentem quanto ao trabalho e ao cuidado com os neonatos. As palavras plenas mais representativas da classe foram cansada, gosto, penso, casa, sinto, colega, trabalho, cansativo, cres- cer, desestimulada, dinheiro, doente, adoro, carga horária, chateada, marido, filhos, neonatologia, escolhi, empenho, melhor, prazer e satisfação pessoal. Sentimentos opostos em relação ao trabalho “se misturam” e se apresentam sobrepostos: por um lado, os profissionais afirmam a escolha pro- fissional pela neonatologia como geradora de satisfação pessoal e prazer e, por outro lado, eles sinalizam as dificuldades de trabalho num serviço de tratamento intensivo e as precárias condições de serviço na área da saúde (trabalho cansativo, desestímulo, carga horária elevada, adoecimento da categoria, dentre outros). Algumas falas são ilustrativas: Eu adoro trabalhar com neonatologia, para gente é questão de satisfação pessoal estar trabalhando com aquilo que a gente gosta. Então, na questão do atendimento do bebê, para a gente é, principalmente, quando a gente vê que aquele bebê pequenininho cheio de problemas está melhorando, está evoluindo, está crescendo, ganhando peso, ficando bem e indo embora para casa. Então, isso é satisfação pessoal mesmo (Médica 1). Eu adoro muito o que eu faço. Então eu fico tranquila no meu ambiente de trabalho e as coisas vão acontecendo. Eu estou ali e eu adoro o que eu faço, então é tranquilo (Fonoaudióloga 1). Aqui é um ambiente um pouco tenso. Tem uma demanda de serviço muito grande, tanto por eu ser responsável por uma equipe e estar orientando, quanto pelas intercor- rências que ocorrem normalmente com os bebês, os nascimentos, a manutenção dos equipamentos. Isso tudo influencia muito e causa um estresse (Enfermeira 2). O trabalho com o RN é apontado como fator positivo, uma vez que os profissionais destacam gostar de trabalhar com bebês/crianças, bem como acompanhar seu desenvolvimento e vê-los sair da UTIN. Por isso, o grupo relatou que se empenha em exercer um atendimento de qualidade. Há também relatos de sentimentos de impo- tência em relação ao grave quadro clínico de alguns bebês, comoção pelo seu estado e de sua família, sensibilidade e responsabilidade pela sua melhora e desenvolvimento, bem como angústia devido ao longo tempo de internação dos pacientes, sua separação da família e iminência da morte. Em consonância com a análise do corpus gerada pelo programa Alceste, dentre as principais dificuldades, os profissionais destacaram que seu trabalho é cansativo, angustiante e que possuem uma alta carga horária, além de problemas de hierarquia e falta de materiais. Estimulação oral Na classe Estimulação Oral foram apre- sentadas as práticas dos profissionais em relação 115 C O N C EPÇ Õ ES D E H U M A N IZA Ç Ã O EM U TIN Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 ao estímulo oral para o aleitamento materno e tam- bém para amenizar a dor do RN. As palavras plenas mais significativas dessa classe foram dedo de luva, sucção, coloco, peito, leite, dieta, estímulo, chupe- tinha, glicose, chorando, boca, sucção não nutritiva, fonoaudióloga, bico, banho, seio materno, medi- cação, punção, enrola, aspirar, acalentar, ninho e procedimento doloroso. O uso da sucção não nutritiva foi a ação mais relatada pelos participantes e cumpre dupla fun- cionalidade: para o desenvolvimento da sucção (e consequentemente para o aleitamento materno) e para amenizar a dor e o estresse do bebê. As técni- cas de sucção não nutritiva, como o dedo de luva e a chupetinha, aparecem como práticas realizadas para ambos os fins. No aleitamento materno, elas foram mencionadas como meio de fazer o bebê desenvolver a sucção, com a estimulação de toda a boca, inicialmente pela dieta por sonda até ser colocado no peito para sugar o leite materno, como destacado a seguir: No caso dos bebês que não estão sugando, o tal do dedinho não nutritivo, uma gotinha de glicose quando eles não querem pegar. Na hora da dieta colocar o dedinho ou o próprio dedo com luva para estimular a sucção dele (Técnica de enfermagem 2). A respeito dos procedimentos para amenizar a dor dos bebês, os profissionais relataram a reali- zação da sucção não nutritiva (com utilização do “dedo de luva”, glicose ou chupeta) e outras técni- cas, como: contenção; ninho; minimização dos estí- mulos ambientais; enrolamento; cuidado no manu- seio; e limite de tentativas nos procedimentos (como na punção venosa). Foi registrada, ainda, a utilização de medicamentos para dor e sedativos de acordo com a prescrição médica. Cuidados com o ambiente sensorial Nessa categoria encontram-se os conteúdos referentes ao manejo do meio ambiente da UTIN e dos procedimentos, com ações visando à adequação da luminosidade, do nível sonoro e da manipulação com o bebê. Destacaram-se como palavras mais representativas da classe: luz, incubadora, barulho, procedimento, ruído, tenta, manuseio, evitar, ilu- minação, horário, alarme, claridade, portinhola, es- curo, dormir, manuseio mínimo, lavar as mãos, higienização, luz apagada e diminuir. Assim, os par- ticipantes associaram o cuidado humanizado às intervenções direcionadas ao ambiente sensorial da unidade neonatal, contemplando a adequação da luminosidade, sonoridade e manipulações do RN, como descrito a seguir: Eu termino o atendimento e apago a luz. Procuro chamar todo mundo, você tem que atender um neném, aí vamos lá. Você tem que fazer o quê? Você tem que aferir sinais, examinar? Aí, o que eu faço, todo mundo faz; eu faço a fisioterapia, vou posicionar, apagar a luz e aí ninguém mais vai mexer nele (Fisioterapeuta 3). Não bater com a portana incubadora, evitar bater no berço, tem berço comum lá tam- bém, que a gente evita. Ter calma, pegar, ter cuidado de não estar dando pancada na incubadora, batendo a caneta ou prancheta; a gente faz o mínimo possível, para não ter ruído (Técnica de enfermagem 10). Várias práticas foram mencionadas para adequar o ambiente sensorial da UTIN à proposta de um ambiente humanizado. Quanto às ações para adequar a iluminação na UTIN, os participantes relataram: apagar as luzes quando os cuidados são finalizados; cobrir a incubadora com paninhos ou lençóis; utilizar toquinhas cobrindo os olhos dos bebês; diminuir a luz; utilizar proteção ocular em bebês quando em fototerapia; realizar agrupamento de cuidados; e intercalar lâmpadas (iluminação individualizada). Outras medidas importantes envolvem cobrir o rosto do bebê e lateralizá-lo para diminuir a intensidade da luz sobre seu rosto. Quanto às ações para diminuir o nível de ruído na UTIN, os profissionais apontaram os seguintes cuidados: manusear delicadamente a incubadora (não bater, esbarrar ou escrever no equi- pamento); abrir e fechar as portinholas com cuida- do; desligar alarmes prontamente; evitar conversas; falar baixo; promover “horários de silêncio”; e orientar a equipe a deixar o celular no modo silen- 116 C .P. R O SEIR O & K .M .P. PA U LA Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 cioso. Ainda, os profissionais relataram a utilização de protetor auricular no RN em ocasiões de barulho extremo. Várias ações já assinaladas também foram referidas pelos profissionais como práticas exercidas ao executar procedimentos e manipular os bebês: lavar as mãos e ter higiene; conversar com o bebê; respeitar o estado comportamental do bebê (por exemplo, não manipulá-lo quando está em sono profundo); organizar o bebê no leito; observar os parâmetros clínicos do bebê; separar o material com antecedência; manter a boa postura do bebê; res- peitar o mínimo manuseio; e realizar os procedi- mentos em bloco (agrupar os cuidados). Além des- sas práticas, a equipe mencionou o planejamento do procedimento, a delicadeza ao realizar os mo- vimentos, a espera para o bebê se acalmar após a intervenção, e a mudança de decúbito. Discussão No presente estudo, o qual se propôs a inves- tigar as concepções de humanização dos profis- sionais atuantes em UTIN, verificou-se que os pro- fissionais entrevistados concebem a assistência humanizada como um modo de atenção que se contrapõe ao modelo médico-tecnicista e funda- mentado numa perspectiva medicalizante e hospi- talocêntrica de saúde (Deslandes, 2006; Martins, 2004). Atualmente, o profissional questiona o pro- cesso de despersonalização institucional, que reduz o paciente a sua patologia, bem como sua submis- são ao saber médico e a priorização de procedi- mentos tecnológicos (Silveira, Camargo, & Crepaldi, 2010; Costa et al., 2009). O discurso dos profissionais em relação às concepções e práticas de humanização encontra- -se dividido em aspectos relacionais versus aspectos técnicos. Entende-se que essa divisão entre aspectos relacionais e aspectos técnicos decorre da confi- guração dos processos de atenção à saúde, que se baseia historicamente na valorização dos meios tecnológicos e na execução de tarefas padronizadas e rotinizadas, em detrimento dos aspectos subjetivos do cuidado. O resgate dos fatores relacionais e subjetivos do cuidado à saúde constitui, ainda, um grande desafio para a assistência nessa área, sobre- tudo nas instituições hospitalares (Ferreira, 2005). As concepções de humanização dos pro- fissionais de saúde aproximam-se dos princípios norteadores da PNH, fundamentando-se na valorização das relações interpessoais, na conside- ração do outro como sujeito, nos elementos altruís- tas do cuidado e na assistência junto às famílias, e entendendo a humanização como elemento oposto ao modelo médico-tecnicista. Nessas concepções, a prevalência dos aspectos relacionais vai ao en- contro da proposta da política ministerial que res- salta a mudança no modelo de atendimento em saúde, com o aprimoramento das relações entre profissionais e usuários (Brasil, 2002; 2004). Os resultados destacados se assemelham aos encontrados por Rolim e Cardoso (2006) e Beck et al. (2007), os quais apontam que a assistência humanizada era percebida por profissionais de saúde a partir do resgate dos aspectos emocionais, do fortalecimento das relações interpessoais e do aprimoramento dos sentimentos internos, caracte- rizando o cuidado integral. Tais fatores são consi- derados importantes na produção de mudanças na cultura assistencial, primando-se pela qualidade e integralidade do atendimento ao bebê e sua família. Os profissionais entendem a humanização a partir de uma reconfiguração da relação paciente- -profissional, por meio de uma assistência centrada no respeito ao outro como sujeito, em uma melhor comunicação e orientação do paciente e sua família, e, sobretudo, em seu acolhimento. Esses princípios, pautados nos valores de solidariedade e alteridade, são considerados importantes para a mudança da cultura assistencial (Alves, Deslandes, & Mitre, 2009; Brasil, 2002; 2005). Os profissionais destacaram a importância da presença e participação dos pais durante a internação do bebê, estabelecendo uma relação entre atenção humanizada ao RN enfermo e par- ticipação da família, resultado também encontrado nos estudos de Henning et al. (2006) e de Rolim e Cardoso (2006). Isso se estabelece por meio de ações de apoio e promoção de condições que facili- tem um contato mais próximo com o filho e uma participação mais efetiva dos pais nos cuidados. 117 C O N C EPÇ Õ ES D E H U M A N IZA Ç Ã O EM U TIN Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 As práticas relatadas pelos profissionais com objetivo de promover a participação da família também foram encontradas nos estudos de Henning et al. (2006), com destaque para o forne- cimento de informações claras aos pais e incentivo à sua participação nos cuidados assistenciais. Con- tudo, as autoras apontam as dificuldades que os profissionais apresentaram, seja para ouvir a deman- da da família em relação ao bebê, seja para respon- der aos questionamentos acerca dos procedi- mentos de que as mães participavam. A posição canguru foi destacada pelos pro- fissionais como uma forma de obter maior aproxi- mação entre o bebê e os pais, por meio do contato direto pele a pele, em que não se troca somente calor, mas também carinho e aconchego. Da mesma maneira, o aleitamento materno, além da função primordial de nutrição do RN, indispensável para seu ganho de peso e futura alta, foi referido como uma forma de aproximar mãe e bebê, promovendo a construção de vínculos afetivos entre a díade (Lamy Filho et al., 2008; Venâncio & Almeida, 2004). A concepção de humanização dos profis- sionais esteve também relacionada a seus senti- mentos e percepções em relação ao bebê atendido e a seu trabalho em neonatologia. O trabalho em equipe também foi apontado como um aspecto da humanização, na medida em que os profissionais apresentam objetivos comuns e atuam de forma interdisciplinar (Goulart & Chiari, 2010; Oliveira, Lopes, Vieira, & Collet, 2006). Os profissionais ressaltaram que, no coti- diano de trabalho, o desestímulo é grande, devido principalmente à falta de valorização do trabalhador, o que contribui para o processo de adoecimento dos profissionais de saúde (Brasil, 2002; Goulart & Chiari, 2010; Rolim & Cardoso, 2006). Nessa dire- ção, Oliveira et al. (2006) apontam que, para o aten- dimento não se tornar mecanizado e desumano, além dos aspectos relacionados ao bebê e família, é imprescindível considerar que a humanização tam- bém inclui as relações profissionais e as condições do ambiente de trabalho. Os resultados desta pesquisa são semelhan- tes aos de Beck et al. (2007), os quais indicaram que os profissionais de enfermagem, a despeito do grau de satisfação com o ambiente de trabalho, re-clamavam melhores condições para a assistência ao paciente, principalmente no que diz respeito à falta de materiais para a execução do cuidado. A conscientização do profissional sobre sua realidade, com o desenvolvimento de um processo crítico pe- rante sua atuação profissional, é apontada como meio importante para a transformação do cuidado (Goulart & Chiari, 2010; Oliveira et al., 2006). Assim, esses estudos atestam a premissa de que o profis- sional é elemento fundamental para a humanização do atendimento, defendendo a realização de inves- timentos nos serviços de saúde, número suficiente de pessoal, melhor salário e condições adequadas de trabalho. A realidade expressa no discurso dos partici- pantes aponta a importância da promoção de ações direcionadas ao “cuidado do cuidador”, que con- templem a criação de espaços onde eles possam expressar suas vivências das situações cotidianas nas UTIN. Além disso, é importante oferecer treinamen- to para manejarem situações estressantes, num pro- cesso de educação permanente (Beck et al., 2007; Henning et al., 2006; Rolim & Cardoso, 2006). Destacando-se o profissional de saúde como elo fundamental no processo de cuidado, após a conclusão da pesquisa, foram realizados encontros com as equipes dos três hospitais para devolutiva dos dados analisados. Além disso, em parceria com outros pesquisadores e profissionais das unidades neonatais, foram ministradas palestras aos profis- sionais de saúde abordando a temática da humani- zação e práticas de cuidado em UTIN. A Unidades de Terapia Intensiva Neonatal é caracterizada como um ambiente de superestimu- lação para o RN (alto nível de ruído, luminosidade e manipulação), geralmente não contingente às res- postas dos bebês e incompatível com sua capaci- dade de autorregulação. Desse modo, a UTIN consti- tui fonte de stress e desorganização para o bebê, podendo gerar danos a seu desenvolvimento (Als et al., 2004; Aylward, 2009). Os cuidados em diminuir a iluminação e o nível de ruído e em manipular corretamente o bebê foram apontados como meio de proporcionar me- nos stress para ele, além de protegê-lo quanto a 118 C .P. R O SEIR O & K .M .P. PA U LA Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 109-119 I janeiro - março 2015 possíveis sequelas ou problemas em seu desen- volvimento (Brasil, 2002; Hennig et al., 2006). As dificuldades para a execução das práticas de dimi- nuição do nível de ruído e iluminação na UTIN e a consequente resistência em realizá-las plenamente, foram justificadas pela necessidade de monito- ramento constante dos parâmetros dos bebês, pela grande quantidade de pessoas circulando na UTIN, e pela falta de bom senso de alguns profissionais. Quando se pensa na qualidade de vida dos RN internados em UTIN, percebe-se a necessidade de intervenções no ambiente sensorial da unidade neonatal, com vistas a diminuir o nível de estimu- lação, garantindo-lhes uma melhor maturação física e neurológica (Als et al., 2004; Aylward, 2009). A estimulação, quando adequada, proporciona benefícios para o bebê, tornando-se assim de extre- ma relevância a adequação do nível dos estímulos à condição evolutiva do RN e às suas necessidades individuais (Brasil, 2002; Lamy, Gomes, Gianini, & Henning, 2005). A assistência humanizada supõe uma rees- truturação do serviço de saúde, conjugando “tecno- logia” e “fator humano e de relacionamento”, con- figurando duas formas de cuidar que se inter-rela- cionam na prestação do atendimento ao paciente (Deslandes, 2004). A AHRNBP-MC pode ser caracte- rizada pela qualificação do cuidado baseada na postura da equipe de saúde diante do bebê e sua família, não limitando a assistência aos conheci- mentos técnico-científicos. Desse modo, o profis- sional será capaz de contribuir de forma integrada, tanto para a diminuição dos efeitos deletérios da internação sobre o desenvolvimento da criança, quanto para a constituição de uma significativa rede de apoio à família, auxiliando no enfrentamento dos recorrentes estressores presentes na UTIN. Referências Als, H., Duffy, F. H., McAnulty, G. B., Rivkin, M., Vajapeyam, S., Mulkern, R. V., ..., Eichenwald, E.C. (2004). Early experience alters brain function and structure. Pediatrics, 113(4), 846-857. Alves, C. A., Deslandes, S. F., & Mitre, R. M. A. (2009). Desafios da humanização no contexto do cuidado da enfermagem pediátrica de média e alta complexidade. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, 13(1), 581-94. Aylward, G. P. (2009). 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