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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADES MULTICULTURAIS ............................ 4 2 CENÁRIO PÓS-COLONIAL ........................................................................ 5 3 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA ...................... 8 4 IDENTIDADE CULTURAL ........................................................................ 10 5 IGUALDADE E DIFERENÇA .................................................................... 12 6 UNIVERSALISMO E RELATIVISMO ........................................................ 14 7 QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELIGIÃO ...................................................................... 17 8 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO ......................... 20 9 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA ............................ 29 10 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR .................................................................................... 33 11 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (PNEDH) ................................................................................................ 37 12 OS DIREITOS HUMANOS NA HISTÓRIA ............................................ 40 12.1 Antiguidade ..................................................................................................... 40 12.2 Conquista da Babilônia ................................................................................... 41 12.3 O Império Romano ......................................................................................... 42 13 IDADE MÉDIA ....................................................................................... 44 13.1 Contexto histórico ........................................................................................... 44 13.2 A Justiça na Idade Média ................................................................................ 44 14 IDADE MODERNA ................................................................................ 46 14.1 Revolução Gloriosa e a Petition of Rights ....................................................... 47 14.2 Declaração dos Povos da Virgínea ................................................................. 48 14.3 Declaração de Independência dos EUA ......................................................... 48 14.4 Revolução Francesa ....................................................................................... 49 15 IDADE CONTEMPORÂNEA .................................................................. 50 15.1 Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar ......................... 51 15.2 Liga das Nações e a Criação da ONU ............................................................ 52 3 16 DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E SUA RELAÇÃO 52 16.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos .............................................. 52 16.2 Preâmbulo ...................................................................................................... 53 17 DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO E SUA RELAÇÃO 60 17.1 Carta da ONU ................................................................................................. 60 17.2 Guia prático ‘Campo de ação da sociedade civil e o Sistema dos Direitos Humanos das Nações Unidas. .................................................................................. 61 17.3 Guia de orientação das Nações Unidas no Brasil para denúncias de discriminação étnico-racial ........................................................................................ 61 17.4 Mapa do Encarceramento – Os jovens do Brasil ............................................ 61 17.5 Relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) sobre o Brasil (2012) 62 17.6 Declaração de Durban (2001) ......................................................................... 62 17.7 A organização das Nações Unidas (ONU) ...................................................... 62 17.8 Quais os princípios da ONU? ......................................................................... 62 17.9 Por que a ONU foi criada? .............................................................................. 64 17.10 Como é a estrutura da ONU ........................................................................... 64 17.11 Onde a ONU está sediada .............................................................................. 65 17.12 Como são as reuniões da ONU? .................................................................... 65 17.13 A Assembleia-Geral da ONU .......................................................................... 65 17.14 O Conselho de Segurança da ONU ................................................................ 66 17.15 Conselho Econômico E Social ........................................................................ 68 17.16 Conselho De Tutela ........................................................................................ 68 17.17 Corte Internacional De Justiça ........................................................................ 69 17.18 Secretariado ................................................................................................... 70 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 71 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ................................................................................. 71 4 1 GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADES MULTICULTURAIS O multiculturalismo é conhecido como um fenômeno que estabelece a coexistência de várias culturas em um mesmo espaço territorial e nacional. Ele é muito comum em nossa época, pois graças aos importantes avanços tecnológicos, ao desenvolvimento das comunicações e da interligação de diferentes partes do mundo, todas as sociedades podem receber informação sobre outras. Ao mesmo tempo, o crescimento das migrações e a travessia legal das fronteiras colaboram com a mistura de culturas e sociedades. As relações entre esses ‘’grupos’’ podem ser aceitação e tolerância ou de conflito e rejeição. Isso vai depender da história da sociedade em questão, das políticas públicas propostas pelo Estado e, principalmente, do modo específico como a cultura dominante do território é imposta ou se impõem para todas as outras. A convivência entre culturas diferentes não é uma questão nova, mas que se se intensificou nos últimos anos devido a acontecimentos marcantes. Não é possível entender o multiculturalismo fora do contexto do fenômeno da globalização. O desenvolvimento acelerado dos meios de transporte e das tecnologias de comunicação aproximaram diferentes regiões do mundo, criando redes industriais e financeiras complexas e uma economia multinacional, interdependente e insubmissa às fronteiras nacionais. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos passam a hegemonizar culturalmente todo o planeta. Seus produtos, filmes, músicas e formas de ver as coisas se espalham globalmente gerando o que se chama de “americanização” do mundo. 5 Fonte: diegobrandao.jusbrasil Frente a esse fenômeno de hegemonização dos padrões culturais globais, as culturas tradicionais se fortaleceram, reagindo contra a massificação dos modos de ser. Por outro lado, apesar da massificação, vemos que essas comunidades culturais locais são capazes de se apropriar de partes da cultura americana, transformando-as em uma algo novo e diferente do original. No Brasil, o funk e rap são um exemplo claro dessa possibilidade. Outros processos importantes que influenciam no surgimento das sociedades multiculturais, são as lutas pela independência que ocorrem nas colônias europeias da segunda metade do século XX, especialmentena África e na Ásia. 2 CENÁRIO PÓS-COLONIAL O cenário pós-colonial gera um processo de resgate das culturas tradicionais locais e, ao mesmo tempo, pela ligação histórica, desencadeia um movimento migratório para os países colonizadores. Também os conflitos de ordem étnica, religiosa e política, além das deficiências econômicas, são fatores que aumentam o fluxo migratório. Incentivado por tudo isso e pelo próprio cenário criado pela globalização, esse movimento migratório transforma de modo profundo as nações que receberam os imigrantes, colocando em cheque a capacidade dos estados modernos de gerirem sua nova configuração multicultural. Alguns países democráticos têm buscado promover a aceitação e incorporação de culturas diferentes em seus territórios, valorizando a possibilidade de se constituírem enquanto nações pluriétnicas. No entanto, em outros países, a negação 6 de direitos sociais e a perseguição de minorias culturais são práticas oficiais. Muitas vezes, ainda que exista uma política multiculturalista oficial, a perseguição é praticada por pessoas comuns, inflamadas por um sentimento de nacionalismo e rejeição ao outro. Os ataques violentos organizados por civis aos abrigos de refugiados de origem árabe na Alemanha são um exemplo disso. O multiculturalismo emerge a partir das reivindicações de minorias étnicas que sofrem de opressão histórica em seus territórios, como os negros e as populações indígenas por todo continente americano, incluindo o Brasil. O debate em torno desse tema é muito importante e traz à tona a forma como lidamos, enquanto sociedade, com as diferenças étnicas, culturais e religiosas que nos cercam. De um modo genérico o multiculturalismo pode ser entendido como a gestão de um fenômeno social assentado na refração das culturas postas em maior contato a partir da segunda metade do século XX. O cerne político da questão está na luta por mais justiça social. O ponto de inflexão é posto na democracia. Portanto, uma luta por oportunidades, mais respeito à diferença e menos desigualdade. Enfim, é um fenômeno adensado pela conquista dos direitos civis. Como resultado prático buscam- se melhorias em termos legais, econômicos, políticos sociais e culturais para as denominadas minorias. O multiculturalismo configura-se como política de gestão da multiculturalidade e/ou movimentos culturais demandados pela valorização da diferença como fator de expressão de identidade (s). Este, enquanto movimento de ideias, resulta de um tipo de consciência coletiva para a qual as orientações do agir humano se oporiam a toda forma de centrismos (SEMPRINI, 1999). Assim, esta política afronta as concepções monoculturais das sociedades etnocêntricas. Os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Inglaterra, Espanha e outros mais são exemplos de países onde as sociedades passaram a assumir formalmente a multiculturalidade. Deste feito, tais países engendraram políticas públicas como formas de gestão da pluralidade cultural. A América Latina, e nesta o Brasil, também se pôs diante da necessidade de valorizar a diversidade cultural (UNESCO, 2002). Valorização esta, situada na legislação e na formatação de políticas públicas específicas. Coroando esta política pública encontram-se programas antirracistas. Um lado prático destes consiste em levar professores/as e alunos/as a intervir em casos de 7 “constrangimento racial e cultural”. A dimensão pedagógica do programa tem como finalidade a identificação das práticas racistas sistêmicas implicadas na definição de políticas e práticas de imigração, moradia, emprego e educação. No Brasil é disputado o reconhecimento da diferença através de políticas compensatórias (índios, negros, pessoas com necessidades especiais, mulheres, jovens, idosos, gays, etc.). Não obstante, este reconhecimento é marcado por contradições próprias da formação política e cultural expressa em desigualdades sociais. O Estado brasileiro assumiu a multiculturalidade como um condicionante da estruturação social. Por isso, pôs no corpo da Lei Maior (BRASIL, 1988) este feito cultural como marca da formação social do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei 9394/96, (BRASIL, 1996) trouxe uma concepção de educação para a diversidade cultural. Este processo de reforma estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998). Em outros âmbitos legais foram implantadas políticas públicas na forma de ações afirmativas nas universidades. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto de 2012. Ela garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. O restante (50%) das vagas permanece no processo de seleção universal. A reforma universitária está atravessada por este eixo transversal. Neste processo reformista foi criada a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdades Raciais – SEPPIR e A Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI. Outras reformulações têm sido desenvolvidas para o fortalecimento de grupos sociais discriminados ou postos à margem da sociedade. São políticas encorajadoras das questões multiculturais. Estas, portanto, constroem- se mediante desafios. Porque a expressão dessas desloca poderes. O que tenciona relações antes mantidas em uma aura de naturalização. 8 Fonte: cartacapital 3 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA Nos últimos tempos a cultura tem sido o foco das discussões antropológicas devido ao estudo de sua evolução ser essencial à compreensão da diversidade cultural da espécie humana. Conforme Laraia (1996), o termo “cultura” foi definido pela primeira vez, no final do século XVIII, por Edward Tylor que através do termo germânico “Kultur”, que significava os aspectos espirituais de uma comunidade, com a palavra francesa “Civilization”, que significava as realizações materiais de um povo. Ao tratar do conceito de cultura, a sociologia se ocupa em entender os aspectos aprendidos que o ser humano, em contato social, adquire ao longo de sua convivência. Esses aspectos, compartilhados entre os indivíduos que fazem parte deste grupo de convívio específico, refletem especificamente a realidade social desses sujeitos. Características como a linguagem, modo de se vestir em ocasiões específicas são algumas características que podem ser determinadas por uma cultura que acaba por ter como função possibilitar a cooperação e a comunicação entre aqueles que dela fazem parte. A cultura possui tanto aspectos tangíveis - objetos ou símbolos que fazem parte do seu contexto, quanto intangíveis - ideias, normas que regulam o comportamento, formas de religiosidade. Esses aspectos constroem a realidade social dividida por aqueles que a integram, dando forma a relações e estabelecendo valores e normas. Esses valores são características que são consideradas desejáveis ou indesejáveis no comportamento dos indivíduos que fazem parte de uma cultura, como 9 por exemplo o princípio da honestidade que é visto como característica extremamente desejável em nossa sociedade. As normas são um conjunto de regras formadas a partir dos valores de uma cultura, que servem para regular o comportamento daqueles que dela fazem parte. O valor do princípio da honestidade faz com que a desonestidade seja condenada dentro dos limites convencionados pelos integrantes dessa cultura, compelindo os demais integrantes a agir dentro do que é estipulado como “honesto”. As normas e os valores possuem grandes variações nas diferentes culturas que observamos. Em algumas culturas, como no Japão, o valor da educação é tão forte que falhar em exames escolares é visto comouma vergonha tremenda para a família do estudante. Existe, então, a norma de que estudar e ter bom desempenho acadêmico é uma das mais importantes tarefas de um jovem japonês e a pressão social que esse valor exerce sobre ele é tão forte que há um grande número de suicídios relacionados a falhas escolares. Para nós, no entanto, a ideia do suicídio motivado por uma falha escolar parece ser loucura. Mesmo dentro de uma mesma sociedade podem existir divergências culturais. Alguns grupos, ou pessoas, podem ter fortes valores baseados em crenças religiosas, enquanto outras prefiram a lógica do progresso científico para compreender o mundo. A diversidade cultural é um fato em nossa realidade globalizada, onde o contato entre o que consideramos familiar e o que consideramos estranho é comum. Ideias diferentes, comportamento, contato com línguas estrangeiras ou com a culinária de outras culturas tornou-se tão corriqueiro em nosso dia a dia que mal paramos para pensar no impacto que sofremos diariamente, seja na adoção de expressões de línguas estrangeiras ou na incorporação de alimentos exóticos em nossa rotina alimentar. Uma cultura não é estática, ela está em constante mudança de acordo com os acontecimentos vividos por seus integrantes. Valores que possuíam força no passado se enfraquecem no novo contexto vivido pelas novas gerações, a depender das novas necessidades que surgem, já que o mundo social também não é estático. Movimentos contraculturas, como o punk ou o rock, são exemplos claros do processo de mudança de valores culturais que algumas sociedades viveram de forma generalizada. O contato com culturas diferentes também modifica alguns aspectos de nossa cultura. O processo de aculturação, onde uma cultura absorve ou adota certos 10 aspectos de outra a partir do seu convívio, é comum em nossa realidade globalizada, onde temos contato quase perpétuo com culturas de todas as formas e lugares possíveis. Fonte: portalmie 4 IDENTIDADE CULTURAL A identidade cultural ainda é bastante discutida dentro dos círculos teóricos das Ciências Sociais em face de sua complexidade. Entre as possíveis formas de entendimento da ideia de identidade cultural, existem duas concepções distintas que devemos destacar dentro dos estudos sociológicos mais recentes. Essas concepções de identidade são brevemente explicadas por Anthony Giddens, sociólogo britânico, e nos ajudarão a entender melhor esse conceito. O conceito de identidade refere-se a uma parte mais individual do sujeito social, mas que ainda assim é totalmente dependente do âmbito comum e da convivência social. De forma geral, entende-se por identidade aquilo que se relaciona com o conjunto de entendimentos que uma pessoa possui sobre si mesma e sobre tudo aquilo que lhe é significativo. Esse entendimento é construído a partir de determinadas fontes de significado que são construídas socialmente, como o gênero, nacionalidade ou classe social, e que passam a ser usadas pelos indivíduos como plataforma de construção de sua identidade. Dentro desse conceito de identidade, há duas distinções importantes que devemos entender antes de prosseguirmos. A teoria sociológica distingue duas apreensões: a identidade social e a autoidentidade. 11 A identidade social refere-se às características atribuídas a um indivíduo pelos outros, o que serve como uma espécie de categorização realizada pelos demais indivíduos para identificar o que uma pessoa em particular é, portanto, o título profissional de médico, por exemplo, quando atribuído a um sujeito, possui uma série de qualidades predefinidas no contexto social que são atribuídas aos indivíduos que exercem essa profissão. A partir disso, o sujeito posiciona-se e é posicionado em seu âmbito social em relação a outros indivíduos que partilham dos mesmos atributos. O conceito de autoidentidade (ou a identidade pessoal) refere-se à formulação de um sentido único que atribuímos a nós mesmos e à nossa relação individual que desenvolvemos com o restante do mundo. A escola teórica do “interacionismo simbólico” é o principal ponto de apoio para essa ideia, já que parte da noção de que é diante da interação entre o indivíduo e o mundo exterior que surge a formação de um sentido de “si mesmo”. Esse diálogo entre mundo interior do indivíduo e mundo exterior da sociedade molda a identidade do sujeito que se forma a partir de suas escolhas no decorrer de sua vida. Diante do que já foi esclarecido, que o conceito de identidade cultural faz alusão à construção identitária de cada indivíduo em seu contexto cultural. Em outras palavras, a identidade cultural está relacionada com a forma como vemos o mundo exterior e como nos posicionamos em relação a ele. Esse processo é contínuo e perpétuo, o que significa que a identidade de um sujeito está sempre sujeita a mudanças. Nesse sentido, a identidade cultural preenche os espaços de mediação entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre o mundo pessoal e o mundo público. Nesse processo, ao mesmo tempo que projetamos nossas particularidades sobre o mundo exterior (ações individuais de vontade ou desejo particular), também internalizamos o mundo exterior (normas, valores, língua...). É nessa relação que construímos nossas identidades. Algumas pessoas consideram a globalização um perigo para a preservação da diversidade cultural, pois acreditam na perda de costumes tradicionais e típicos de cada sociedade, dando lugar às características globais e "impessoais". Com o intuito de tentar preservar a riqueza da diversidade cultural dos países, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) criou a "Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural". 12 A Declaração da UNESCO sobre Diversidade Cultural reconhece as múltiplas culturas como uma "herança comum da humanidade", e é considerada o primeiro instrumento que promove e protege a diversidade cultural e o diálogo intercultural entre as nações. Fonte: pt.slideshare.net Já o Brasil, é um país incrivelmente rico em diversidade cultural, devido a sua extensão territorial e a pluralidade de colonizações e influências que sofreu ao longo do processo de construção da sociedade brasileira. As diferenças são bastante visíveis mesmo entre as diferentes regiões do país: norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul. Nas regiões norte e nordeste, a predominância é das tradições indígenas e africanas, sincretizadas com os costumes dos povos europeus, que colonizaram o país. Na região centro-oeste, onde predomina o Pantanal, existe ainda uma grande presença da diversidade cultural indígena, com forte influência da culinária mineira e paulista. No sudeste e sul destacam-se costumes de origem europeia, com colônias portuguesas, germânicas, italianas e espanholas que, ainda hoje, mantêm a cultura típica de seus países de origem. 5 IGUALDADE E DIFERENÇA Igualdade e diferença são temas velhos a despeito de sua permanência no debate atual. Esses temas estiveram enlaçados com os processos históricos emergentes e alcançaram várias formas de aparição histórico-discursiva que nem http://www.pt.slideshare.net/ 13 sempre combinavam a igualdade como oposto a uma desigualdade naturalizada, que demandava busca de soluções, exemplo disso era na Antiguidade Clássica, cuja igualdade não era universalizável aos “não cidadãos”, aos “bárbaros”, mas sim, apenas aos cidadãos. Os responsáveis pela dignidade do conceito de igualdade de forma mais universal foram as filosofias humanistas dos séculos XVI e XVII, a ética cristã, os Iluminismos do século XVIII e o marxismo do século XIX. Entretanto, a noção de igualdade persistente na cultura ocidental está indissociavelmente ligada ao Cristianismo, o qual enxerga cada homem individualmente, como uma pessoa singular, diferente, mas igualperante Deus e dotado da mesma origem. Assim, a noção de igualdade para o Cristianismo está intimamente ligada à noção de diferença: igualdade porque pela origem comum não há homem superior e nem inferior, e diferença porque na relação entre homem e Deus existe desigualdade entre criatura e Criador. E essa ideia de uma igualdade perante Deus foi ao longo do tempo sendo aperfeiçoada e codificada como igualdade perante a lei. Partindo desse suposto, o princípio de isonomia ou da igualdade, legalmente reconhecido e garantido pelos textos constitucionais dos países com regime político democrático, como é o caso do Brasil, afirma que todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza, porém a estrutura concreta das sociedades, revela as diversidades de ordem cultural, social, de gênero, étnico-racial e as interferências dessas nas condições de vida e de história dessas sociedades e a necessidade da busca de uma igualdade material, substantiva, que perpassa pelo reconhecimento do direito a diferença. Em outras palavras, existem dois tipos de igualdade: a legal ou formal – àquela que está presente em dispositivos jurídicos; e a material – àquela que se consubstancia na vida cotidiana, garantindo que todos os sujeitos usufruam os mesmos direitos e oportunidades. Entretanto, o direito à igualdade material, real, só se legitima quando os direitos às diferenças são respeitados. Com efeito, nas sociedades pluriétnicas, a noção de neutralidade do Estado, nas esferas econômica e social, se traduz na crença de que a mera introdução de dispositivos legais é o suficiente para garantir a existência de uma sociedade harmônica, onde independentemente da diversidade, seria assegurado a todos a efetiva igualdade de acesso aos bens produzidos pela 14 humanidade, mas a discriminação se dá exatamente quando indivíduos são tratados iguais em situações diferentes, e quando diferentes, em situações iguais. Nesse contexto, a discussão de igualdade tem trazido à cena as várias coletividades, as diversas demandas específicas dos grupos excluídos histórica e culturalmente, como as mulheres, os índios, os negros, os homossexuais, os deficientes, etc., que lutam pelo direito às diferenças como pressuposto ao direito à igualdade, ou seja, uma discriminação positiva. 6 UNIVERSALISMO E RELATIVISMO Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, compreendido como um fenômeno do pós-guerra de 1945 em diante houve a necessidade premente de se formalizar, em diversas cartas, declarações e pactos internacionais, um rol mínimo de direitos, individuais e coletivos, que os Estados e as Organizações Internacionais se comprometem a respeitar, manter e promover. O objetivo era fomentar o reconhecimento e a valorização da dignidade da pessoa humana, independentemente, das diversidades culturais e do regime jurídico adotado por cada Estado. Nesse ínterim, foi idealizado um complexo sistema de proteção dos direitos humanos, o qual, num contexto global é exercido pela ONU, e, nas perspectivas regionais, pelas organizações internacionais. Destacam-se os sistemas: europeu, africano, asiático e interamericano. Acredita-se que parte das monstruosas violações aos direitos humanos da era Hitler poderiam ter sido evitadas, caso tais sistemas existissem. Pela adoção do novo paradigma, o qual situa a tutela dos direitos humanos como tema de legítimo interesse internacional, foi necessário restringir o conceito de soberania estatal, a qual se caracterizava, até então, por sua natureza ilimitada. Assim, a proteção dos direitos humanos não deve mais, reduzir-se ao âmbito interno de cada Estado, visto que a violação dos direitos humanos não é um problema doméstico, mas sim, uma questão que afeta toda a comunidade internacional. A concepção universalista, notadamente demarcada a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, oferece como contra-argumentos à crítica relativista, os seguintes: 15 a) No que concerne ao argumento filosófico, os universalistas refutam as visões antropocêntricas e cosmoteleológicas, afirmando que os direitos expressos nas declarações de direitos humanos não têm o condão de abranger todas as nuanças da vida em sociedade. Ainda nesse sentido, os universalistas argumentam que é possível identificar traços comuns em qualquer sociedade, como, por exemplo, a valorização da dignidade da pessoa humana e a proteção contra opressão ou arbítrio. Nessa esteira, afirma-se a ideia de um núcleo mínimo de direitos os quais merecem a salvaguarda em nível global. b) Contra a crítica da imposição da cultura ocidental aos demais povos, como expressão imperialista, os universalistas reagem à postura relativista afirmando que vários Estados promovem graves e generalizadas violações aos direitos humanos, sob a justificativa da manutenção da identidade cultural. O discurso relativista, nesses termos, estaria impregnado de conveniência e segundas intenções, haja vista valer- se como ideologia para oprimir as populações subjugadas por essas práticas vis e inexpugnáveis, e, ao mesmo tempo, para impedir a interferência da sociedade internacional na seara dos direitos humanos. Para reforçar essa crítica, ainda, era imprescindível refutar o argumento da falta de representatividade dos Estados na adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o que para os relativistas era um sinal da arrogância dos países ocidentais. Assim, em 1993, foi adotada a Declaração e Programa de Ação de Viena. Neste acordo internacional houve a tentativa, via normativa, de se afirmar a universalidade como característica intrínseca aos direitos humanos. Para tanto o fórum de Viena contou com a participação de 171 Estados, os quais de forma livre e consensual acordaram que, resguardadas as particularidades culturais, os direitos humanos devem possuir um caráter protetivo de cunho universal, conforme dispõe o seguinte dispositivo: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contexto histórico, cultural e religioso, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais”. 16 Desta forma, pode-se inferir que, se a Declaração de 1948 consagrou a perspectiva ocidental da definição dos direitos humanos, foi em Viena, em 1993, que se efetivou a tese da universalidade, haja vista os amplos debates que se travaram, em uma arena política mais numerosa e representativa das diversas perspectivas regionais e culturais, os quais repercutiram, inclusive, na modificação de algumas tradições ocidentais. c) No que concerne à crítica da supervalorização dos direitos humanos, na perspectiva individual, os universalistas explicam que, em face da fragilidade do indivíduo frente ao Estado, ao capital privado e, até mesmo, à comunidade, era necessário elencar um rol mínimo de direitos que resguardassem a dignidade humana, minimizando os aspectos negativos, inerentes a vulnerabilidade individual, em situações de opressão e desigualdade extrema. Soma-se a isso a inexistência de impedimentos normativos para assunção de deveres, isto é, os direitos consagrados nas declarações de direitos humanos podem ser implementados à luz dos deveres correlatos. Esta interpenetração, direitos-deveres, é salutar e deve ser fomentada para possibilitar uma aproximação entre as culturas, num contexto de aprendizado recíproco. d) Para refutar o argumento do direcionamento geopolítico dos direitos humanos, os universalistas reconhecem a existência desse tipo de práticainstrumentalização-interesse, entretanto acentuam que tal assertiva não é, de forma alguma, exclusiva da seara humanista. Em outros termos, essa censura pode ser estendida a qualquer tema do Direito Internacional, visto que, na Sociedade internacional a correlação de forças não é isonômica, tampouco homogênea, o que facilita a seletividade das normas internacionais de acordo com a influência política. Assim, a crítica deve recair não sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim sobre as próprias características da sociedade internacional, cujos atores principais, Estados, são, ao mesmo tempo, produtores, destinatários e aplicadores da norma internacional, podendo então interpretá-la de modo unilateral para atingir seus fins”. Por derradeiro, rebate-se a crítica “desenvolvimentista” à perspectiva universalista dos direitos humanos, afirmando-se que a inexistência de recursos econômico-financeiros não deve servir de mote a permitir uma postergação ad infinitum do gozo destes direitos. Ademais é preciso lembrar que os direitos previstos 17 nas declarações de direitos humanos são denominados de mínimo ético irredutível ou mínimo existencial, ou seja, compõem o rol mínimo de direitos e garantias que devem ser asseguradas para possibilitar a existência de uma vida digna. Fonte: pulpitocristao Nesse sentido, vislumbra-se que as políticas de Estado devem ser orientadas, para a implementação fático-jurídica dos direitos humanos, os quais, em muitos casos, também são direitos fundamentais, por estarem também previstos nas diversas Constituições estatais. Além disso, é falacioso o argumento de que a existência de riquezas fomenta a implementação dos Direitos Humanos, em especial, os econômicos, sociais e culturais. A realidade dos Estados é demarcada por grandes desigualdades econômicas internas, as quais alijam a grande população do acesso a tais direitos, mantendo o status quo de seletas elites locais. 7 QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELIGIÃO Nos diversos contextos culturais existem fronteiras simbólicas que delimitam, de forma semipermeável, as diferenças entre os indivíduos e grupos sociais. Quando tais fronteiras se tornam rígidas, não permeáveis, e passam a qualificar alguns grupos a partir da desqualificação constante e difusa de outros grupos, percebemos o preconceito em ação, ou seja, a discriminação. Quando estas fronteiras rígidas são alvos de transgressão, percebemos a violência e a intolerância, subjacentes às práticas discriminatórias, em relação aos supostos 'transgressores'. Para a 18 manutenção das desigualdades sociais é fundamental que tais fronteiras sejam respeitadas, não importando o preço pago em termos de sofrimento psíquico. Afinal, sentir-se inferiorizado ou desqualificado por defeitos pressupostos não é, certamente, uma experiência agradável. Apesar dessa fragmentação, gênero, raça, etnia, religião e sexualidade estão intimamente imbricados na vida social e na história das sociedades ocidentais e, portanto, necessitam de uma abordagem conjunta. Para trabalhar estes temas de forma transversal, é fundamental manter uma perspectiva não essencialista em relação às diferenças. A adoção dessa perspectiva justifica-se eticamente, uma vez que o processo de naturalização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição do acesso à cidadania a negros, indígenas, mulheres e homossexuais. Lembremos, por exemplo, que até o início do século XX uma das justificativas para a não extensão às mulheres do direito ao voto baseava-se na ideia de que elas possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. Este imperativo de encontrar no corpo as razões de tais diferenças, ou seja, de essencializá-las ou naturalizá-las, explica-se pela preponderância formal dos princípios políticos do Iluminismo, muito especialmente do princípio da igualdade. Depois da Revolução Francesa, nas democracias liberais modernas, apenas desigualdades naturais, inscritas nos corpos, podiam justificar o não acesso pleno à cidadania. Alguns autores vêm mostrando como discursos homofóbicos, misóginos ou sexistas e racistas estão profundamente articulados. Um dos exemplos mais interessantes diz respeito ao modo pelo qual, na Alemanha nazista, a ascensão do discurso racista afetou não apenas as mulheres judias ou ciganas, consideradas racialmente inferiores. Como se tratava de “proteger” a chamada raça ariana, considerada superior às demais, passou a ser atribuído às mulheres “arianas” o ambíguo estatuto de “mães da raça”. E para cumprir esse papel deveriam ficar fora do espaço público, permanecendo em casa e ocupando-se apenas da tarefa de criar filhos “racialmente puros”. Vê-se aqui como a adoção do racismo como política de Estado acabou implicando a reclusão das mulheres ao espaço doméstico. Vale lembrar que, ainda na Alemanha nazista, o racismo antissemita articulou-se também 19 à discriminação de homossexuais. Vistos, como os judeus, como ameaças à raça ariana, acabaram igualmente sendo enviados a campos de concentração. Além de relações históricas, há em situações bem cotidianas uma espécie de sinergia entre atitudes e discursos racistas, sexistas e homofóbicos. Um exemplo talvez banal: se um adolescente ou aluno manifesta qualquer sinal de homossexualidade, logo aparece alguém o chamando de “mulherzinha” ou “mariquinha”. O que poucos se perguntam é por que ser chamado de mulher pode ser ofensivo. Em que sentido ser feminino é mau? Aqui pode ser visto o modo como a misoginia e a homofobia se misturam e se reforçam. A discriminação em relação às mulheres ou ao feminino articula-se à discriminação dos sexualmente diferentes, daqueles que são sexualmente atraídos por pessoas do mesmo sexo. O sofrimento que emerge dessa situação para adolescentes de ambos os sexos talvez só possa ser realmente avaliado por aqueles que foram submetidos/as a tais processos de estigmatização e marginalização. Além disso, frequentemente o discurso racista utiliza características atribuídas às mulheres para inferiorizar negros/as, indígenas ou outros grupos considerados inferiores: “São mais impressionáveis, mais imprevidentes, mais descontrolados, mais impulsivos” etc. e, como as mulheres, estariam mais próximos da natureza, devendo ser tutelados, ou seja, tratados como crianças, incapazes de exercer plenamente seus direitos políticos. Assim, diferentes desigualdades se sobrepõem e se reforçam. Faz todo o sentido, portanto, discuti-las em conjunto, pois aquele que é considerado como cidadão, o sujeito político por excelência, é homem, branco e heterossexual. Em torno dele constrói-se todo um universo de diferenças desvalorizadas, de “subcidadãos e subcidadãs”. Precisamos, portanto, ir além da promoção de uma atitude apenas tolerante para com a diferença, o que em si já é uma grande tarefa, sem dúvida. Afinal, as sociedades fazem parte do fluxo mais geral da vida e a vida só persevera, só se renova, só resiste às forças que podem destruí-la através da produção contínua e incansável de diferenças, de infinitas variações. As sociedades também estão em fluxo contínuo, produzindo a cada geração novas ideias, novos estilos, novas identidades, novos valores e novas práticas sociais. Não precisamos recuar tanto no tempo para encontrar diferentes formas de organização social e manifestações culturais: nossos antepassados agiam e 20 pensavam de forma muito diversa da nossa. Num passado não muito distante, a situação da mulher no Brasil, por exemplo, era bastante distinta da atual. Os costumes de muitas famílias da nossa oligarquia rural exigiam que os pais escolhessem aquele que desposaria sua filha. Uma série de fatores influía na decisão dos pais e mães: desde aliançasantigas entre as famílias, obrigações recíprocas, promessas feitas, às vezes, antes do nascimento dos filhos e filhas, até mesmo questões como o dote e os interesses econômicos, contando muito pouco o desejo dos filhos e das filhas. Hoje as coisas são bem diferentes e, embora uma série de elementos de diversas ordens interfira na escolha do parceiro(a), o desejo individual é representado pela coletividade como decisivo. A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, mas também no espaço. Se dirigirmos o olhar para os diferentes continentes, encontraremos costumes que nos parecerão, à luz dos nossos, curiosos ou aberrantes. Do mesmo modo que os povos falam diferentes línguas, eles expressam das formas mais variadas os seus valores culturais. O nascimento de uma criança será festejado de forma variada se estivermos em São Paulo, na Guiné-Bissau ou no norte da Suécia: a um mesmo fato aparente – o nascimento – diferentes culturas atribuem significados distintos que são perceptíveis por meio de suas manifestações. 8 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO Etnocentrismo, estereótipo, preconceito e discriminação são ideias e comportamentos que negam humanidade àqueles e àquelas que são suas vítimas. A situação tem melhorado graças à atuação dos movimentos sociais e de políticas públicas específicas. E você? Como pode contribuir para a mudança? A reação diante da alteridade faz parte da própria natureza das sociedades. Em diferentes épocas, sociedades particulares reagiram de formas específicas diante do contato com uma cultura diversa à sua. Um fenômeno, porém, caracteriza todas as sociedades humanas: o estranhamento diante de costumes de outros povos e a avaliação de formas de vida distintas a partir dos elementos da sua própria cultura. A este estranhamento chamamos etnocentrismo. Por exemplo, todas as culturas definem o que as pessoas devem levar como vestimenta e adorno. Muitas vezes, a cultura ocidental se negou a ver nas pinturas 21 corporais ou em diferentes adornos e adereços dos grupos indígenas sul-americanos os correspondentes às nossas roupas, e criou-se a ideia de que o “índio” andaria pelado, avaliando tal comportamento como “errado”. Recentemente, com a onda ecológica, o que no passado fora condenado, passou a ser valorizado, ou seja, a nudez de “índios e índias” os colocaria de forma mais salutar em maior contato com a natureza. Nada mais equivocado do que falar do “índio” de forma indiscriminada: o etnocentrismo não permite ver, por um lado, que o “índio” não existe como algo genérico, mas nas manifestações específicas de cada cultura – Bororo, Nhambiquara, Guarani, Cinta-Larga, Pataxó etc. – e por outro, que o “índio” nem anda “pelado” nem está mais próximo da natureza, pela simples ausência de vestimentas ocidentais. Os Zoé, índios Tupi do rio Cuminapanema (PA), por exemplo, utilizam botoques labiais; os homens, estojos penianos e as mulheres, tiaras e outros adornos sem os quais jamais apareceriam em público. São elementos que os diferenciam definitivamente dos animais e que marcam a sua vida em sociedade, da mesma forma que o uso de roupas na nossa cultura. Vê-se, com naturalidade, que mulheres, e atualmente também os homens, furem suas orelhas e usem brincos. Ninguém vê no ato de furar as orelhas um signo de barbárie e o uso de brincos é sinônimo de coqueteria para homens e mulheres. Há pouco tempo, homens que usassem brincos eram tidos como homossexuais ou afeminados. O uso de botoques labiais por diversos grupos indígenas do Brasil não foi, porém, incorporado da mesma forma. Os brincos que as indianas usam no nariz eram vistos com estranheza, pois o nariz não era considerado o lugar “certo” para colocar brincos, segundo o padrão de beleza ocidental predominante no país, até chegarem os piercings, cada vez mais adotados pelos jovens. O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como “certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal” os comportamentos e as formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando sua humanidade. Assim, percebemos como o etnocentrismo se relaciona com o conceito de estereótipo, que consiste na generalização e atribuição de valor (na maioria das vezes negativo) a algumas características de um grupo, reduzindo-o a essas características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É uma generalização de julgamentos subjetivos feitos em relação a um determinado grupo, impondo-lhes o lugar de inferior e o lugar de incapaz no caso dos estereótipos 22 negativos. No cotidiano, temos expressões que reforçam os estereótipos: “tudo farinha do mesmo saco”; “tal pai, tal filho”; “só podia ser mulher”; “nordestino é preguiçoso”; “serviço de negro”; e uma série de outras expressões e ditados populares específicos de cada região do país. Os estereótipos são uma maneira de “biologizar” as características de um grupo, isto é, considerá-las como fruto exclusivo da biologia, da anatomia. O processo de naturalização ou biologização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da cidadania a negros, mulheres e homossexuais. Uma das justificativas até o início do século XX para a não extensão às mulheres do direito de voto baseava-se na ideia de que possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. A homossexualidade, por sua vez, era tida como uma espécie de anomalia da natureza. Nas democracias modernas, apenas desigualdades naturais podiam justificar o não acesso pleno à cidadania. No interior de nossa sociedade, encontramos uma série de atitudes etnocêntricas e biologicistas. Muitos acreditaram que havia várias raças e sub-raças, que determinariam, geneticamente, as capacidades das pessoas. Da mesma forma, pesquisas foram realizadas para provar que o cérebro das mulheres funcionava de modo diferente do cérebro dos homens. Esses temas serão aprofundados nos Módulos Relações de Gênero e Relações Étnico-Raciais. Encontramos um exemplo de intolerância religiosa na relação com o candomblé e outras religiões de matriz africana. O sacrifício animal no candomblé e em outras religiões afro-brasileiras tem sido considerado como sinônimo de barbárie pelos praticantes de outros credos: trata-se, contudo, simplesmente, de uma forma específica para que homens e mulheres entrem em contato com o divino, com os deuses, neste caso, os orixás, cada qual com a sua preferência, no que diz respeito ao sacrifício. Outras religiões pregam formas diversas de contato com o divino e condenam as práticas do candomblé como “erradas” e “bárbaras”, ou como “feitiçaria”, a partir de seus próprios preceitos religiosos. O preconceito de alguns seguimentos religiosos tem levado seus seguidores a atacar, com pedras e paus, terreiros e roças. O espiritismo kardecista, hoje praticado nas mais diferentes partes do Brasil, foi durante muito tempo perseguido por aqueles que, adotando um ponto de vista católico ou médico, afirmavam serem as práticas espíritas próprias de charlatães. Se boa parte 23 dos brasileiros se define como católica, a verdade é que somos um país cruzado por múltiplas crenças. Até mesmo no interior do próprio catolicismo há diferentes práticas religiosas: somos um país plural. A constituição garante a liberdade religiosa e de crença, e as instituições devem promover o respeito entre os praticantes de diferentes religiões, além de preservar o direito não adotam qualquer prática religiosa. No entanto, é bastante comum encontrarmos crianças e adolescentes que exibem com orgulho para seus/suas educadores/as os símbolos de sua primeira comunhão, enquanto famílias que cultuam religiões de matriz africana são pejorativamente chamadas de “macumbeiras”, sendo discriminadaspor suas identidades religiosas. O estereótipo funciona como um carimbo que alimenta os preconceitos ao definir a priori quem são e como são as pessoas. Sendo assim, o etnocentrismo se aproxima também do preconceito, que, como diz a palavra, é algo que vem antes (pré) do conhecimento (conceito), ou seja, antes de conhecer já defino “o lugar” daquela pessoa ou grupo. Um outro significado da palavra “conceito” é “juízo” e, assim sendo, preconceito seria um “prejuízo” para quem o sofre, mas também para quem o exerce, pois não entra em contato com o outro. O preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está profundamente arraigado na sociedade brasileira por essas práticas estarem associadas a negros e negras, grupo historicamente estigmatizado e excluído. Os cultos afro-brasileiros seriam contrários ao “normal e natural” cristianismo europeu. Teremos um módulo dedicado ao estudo das relações étnico raciais e ao estudo histórico, cultural e pedagógico da presença dos negros no Brasil, assim como tratará das reivindicações e das conquistas dos movimentos negros. Para efeito desse exemplo, porém, vale lembrar que expressões culturais como o samba, a capoeira e o candomblé foram, durante décadas, proibidas e perseguidas pela polícia. Isso mostra que essas práticas foram incorporadas aos símbolos nacionais no interior de processos extremamente complexos. O caso mais evidente é o samba, que de “música de negros” passou a ser caracterizado como “música nacional”. As religiões afro-brasileiras, no entanto, ainda enfrentam um profundo preconceito por parte de amplos setores da sociedade: há quem considere o candomblé como uma “dança folclórica”, negando, como consequência, seu conteúdo religioso; há também quem o caracteriza como uma “prática atrasada”. Em ambos os casos, seu caráter religioso é negado e não é tomado 24 em pé de igualdade com outras práticas e crenças. Ora, tanto o candomblé quanto a umbanda são religiões extremamente complexas, de práticas e rituais sofisticados e fazem parte de um sistema místico que da mesma forma que a Bíblia, explica a origem da humanidade, suas relações com o mundo natural e com o mundo sobrenatural. Os grupos que compõem as religiões afro-brasileiras possuem o conhecimento de um código que se expressa por intermédio da religião, desconhecido por outros setores da população. Enquanto códigos e expressões culturais de determinados grupos, as diferentes religiões afro-brasileiras devem ser olhadas com respeito. Fonte: megaarquivo.files.wordpress Além das práticas religiosas, em nossa sociedade, existem práticas que sofrem um profundo preconceito por parte dos setores hegemônicos, ou seja, por parte daqueles que se aproximam do que é considerado “correto” segundo os que detêm poder. Seguindo essa lógica, as práticas homossexuais e homoafetivas, são condenadas, vistas como transtorno, perturbação, perversão ou desvio da “normal e natural” heterossexualidade. Aqueles e aquelas que manifestavam desejos diferentes dos comportamentos heterossexuais, além de condenados por várias religiões, foram enquadrados(as) no campo patológico e estudados(as) pela medicina psiquiátrica que buscava a cura para aquele mal. Foi necessária a contribuição de outros campos do conhecimento para romper com a ideia de “homossexualismo” como doença e construir os conceitos de homossexualidade e de orientação sexual, incluindo a sexualidade como constitutiva da identidade de todas as pessoas. O preconceito contra pessoas com orientação sexual diferenciada vem sendo fortemente combatido pelo Movimento LGBT. Consideradas, no passado, um pecado pela religião (e por muitos até hoje), uma doença pela medicina, um desvio de conduta 25 pela psicologia, as práticas homoeróticas, nas últimas décadas, têm contribuído para a superação do estigma que as reprova e persegue. Embora se trate de um grupo social ainda fortemente estigmatizado, é inegável que a atuação dos movimentos sociais tem provocado mudanças no imaginário e agregado conhecimentos sobre a homossexualidade, de maneira a tirá-la da “clandestinidade”. Há pouco mais de uma década, era impensável a “Parada do Orgulho Gay”, atualmente denominada Parada LGBT, por exemplo, que ocorre em boa parte das grandes cidades brasileiras. Cada vez mais vemos homossexuais ocupando a cena pública de diferentes formas. A atual luta pela parceria civil constitui uma das muitas bandeiras dos movimentos homossexuais com apoio de vários outros movimentos sociais. No conjunto das conquistas político-sociais da atuação do Movimento LGBT, se enquadra a sensibilização da população de modo geral para as formas de discriminação por orientação sexual, que tem levado estudantes a abandonarem a escola, por não suportarem o sofrimento causado pelas piadinhas e ameaças cotidianas dentro e fora dos muros escolares. Esses mesmos movimentos têm apontado a urgência de inclusão, no currículo escolar, da diversidade de orientação sexual, como forma de superação de preconceitos e enfrentamento da homofobia. Questões de gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua combinação direcionam práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade contemporânea. Se o estereótipo e o preconceito estão no campo das ideias, a discriminação está no campo da ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de discriminar, de negar oportunidades, de negar acesso, de negar humanidade. Nessa perspectiva, a omissão e a invisibilidade também são consideradas atitudes, também se constituem em discriminação. O predomínio de livros didáticos e paradidáticos em que a figura da mulher é ausente ou caracterizada como menos qualificada que o homem contribui para uma imagem de inferioridade feminina, por um lado, e superioridade masculina, por outro. É o caso dos livros em que a mulher ocupa os lugares de menos prestígio, como, por exemplo, a organização e limpeza da casa, ou quando aparece como ajudante nas atividades masculinas, como enfermeiras e garçonetes. Silenciosamente, vão sendo demarcados, com uma linha nada imaginária, os lugares dos homens e os lugares das mulheres. E os homens e as mulheres que fugirem desse roteiro pré-definido terão seus valores humanos ameaçados ou violados. O grupo social, respaldado por um 26 conjunto de ideias machistas, exercerá seu controle e fortalecerá os mecanismos de exclusão e negação de oportunidades iguais. É importante destacar que há mudanças acontecendo. No que se refere às mulheres, por exemplo, historicamente em situação de desigualdade com relação aos homens, sua entrada progressiva no mercado de trabalho, seu acesso a ambientes antes considerados “masculinos” e, inclusive, a predominância feminina em determinadas profissões liberais se deram em meio a um processo de transformação pautado, entre outros fatores, pelas demandas dos movimentos feministas, muito vigorosos em todos os países ocidentais, nas últimas décadas. Esse processo veio acompanhado de uma profunda discussão sobre a construção das feminilidades e masculinidades nos diferentes processos de educação e pela organização política das mulheres na luta contra o preconceito e as discriminações e pela construção da igualdade. A superação das discriminações implica a elaboração de políticas públicas específicas e articuladas. Os exemplos relativos às mulheres, aos homossexuais masculinos e femininos, às populações negra e indígena tiveram a intenção não apenas de explicitar que as práticas preconceituosas e discriminatórias – misoginia, homofobia e racismo – existem no interior da nossa sociedade, mas também que essas mesmas práticas vêm sofrendo profundas transformações em função da atuação dos próprios movimentos sociais, feministas, LGBT, negros e indígenas. Tais movimentos têm evidenciado o quanto as discriminações se dão de formas combinadase sobrepostas, refletindo um modelo social e econômico que nega direitos e considera inferiores mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis, negros, indígenas. A desnaturalização das desigualdades exige um olhar transdisciplinar, que, em vez de colocar cada seguimento numa caixinha isolada, convoca as diferentes ciências, disciplinas e saberes para compreender a correlação entre essas formas de discriminação e construir formas igualmente transdisciplinares de enfrentá-las e de promover a igualdade. 27 Fonte: pedrovallsfeurosa Daquilo que vimos refletindo até aqui, fica evidente que a escola é instituição- parte da sociedade e por isso não poderia se isentar dos benefícios ou das mazelas produzidos por essa mesma sociedade. A escola é, portanto, influenciada pelos modos de pensar e de se relacionar da/na sociedade, ao mesmo tempo em que os influência, contribuindo para suas transformações. Ao identificarmos o cenário de discriminações e preconceitos, vemos no espaço da escola as possibilidades de particular contribuição para alteração desse processo. A escola, por seus propósitos, pela obrigatoriedade legal e por abrigar distintas diversidades (de origem, de gênero, sexual, étnico-racial, cultural etc.), torna-se responsável juntamente com estudantes, familiares, comunidade, organizações governamentais e não governamentais, por construir caminhos para a eliminação de preconceitos e de práticas discriminatórias. Educar para a valorização da diversidade não é, portanto, tarefa apenas daqueles que fazem parte do cotidiano da escola; é responsabilidade de toda a sociedade e do Estado. Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma educação cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Reconhecemos, porém, que a escola tem uma antiga trajetória normalizadora e homogeneizadora que precisa ser revista. O ideal de homogeneização levava a crer que os estudantes negros, indígenas, transexuais, lésbicas, meninos e meninas deveriam se adaptar às normas e à normalidade. Com a repetição de imagens, linguagens, contos e repressão aos comportamentos “anormais” (ser canhoto, por exemplo) se levariam os “desviantes” à integração ao grupo, passando da minimização à eliminação das diferenças (defeitos). E o que seria normal? Ser homem-macho? Ser mulher feminina? Ser negro quase 28 branco? Ser gay sem gestos “afetados”? Espera-se que o discriminado se esforce e adapte-se às regras para que ele, o diferente, seja tratado como “igual”. Nessa visão, “se o aluno for eliminando suas singularidades indesejáveis, será aceito em sua plenitude” (Castro, 2006). Essa concepção de educação justificou e justifica, ainda hoje, a fala de educadores e educadoras, os quais, ainda que reconheçam a existência de discriminações dentro e fora da escola, acreditam que é melhor “ficar em silêncio”. Falar do tema seria acordar preconceitos antes adormecidos, podendo provocar um efeito contrário: em vez de reduzir os preconceitos, aumentá-los. E, nos silêncios, no “currículo explícito e oculto”, vão se reproduzindo desigualdades. Quando a escola não oferece possibilidades concretas de legitimação das diversidades (nas falas, nos textos escolhidos, nas imagens veiculadas na escola etc.) o que resta aos alunos e alunas, senão a luta cotidiana para adaptar-se ao que esperam deles(as) ou conformar-se com o status de “desviante” ou reagir aos xingamentos e piadinhas e configurar entre os indisciplinados? E, por último, abandonar a escola. A diversidade está presente em cada entrelinha, em cada imagem, em cada dado, nas diferentes áreas do conhecimento, valorizando-a ou negando-a. É no ambiente escolar que as diversidades podem ser respeitadas ou negadas. É da relação entre educadores, entre estes e os educandos e entre os educandos que nascerá a aprendizagem da convivência e do respeito à diversidade. “A diversidade, devidamente reconhecida, é um recurso social dotado de alta potencialidade pedagógica e libertadora. A sua valorização é indispensável para o desenvolvimento e a inclusão de todos os indivíduos. Políticas socioeducacionais e práticas pedagógicas inclusivas, voltadas a garantir a permanência, a formação de qualidade, a igualdade de oportunidades e o reconhecimento das diversas orientações sexuais e identidades de gênero [e étnico- raciais], contribuem para a melhoria do contexto educacional e apresentam um potencial transformador que ultrapassa os limites da escola, em favor da consolidação da democracia” (Texto-base da Conferência Nacional de LGBT – Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, 2008) É no ambiente escolar que os/as estudantes podem construir suas identidades individuais e de grupo, podem exercitar o direito e o respeito à diferença. 29 Faz-se necessário contextualizar o currículo, “cultivar uma cultura de abertura ao novo, para ser capaz de absorver e reconhecer a importância da afirmação da identidade, levando em conta os valores culturais” dos(as) estudantes e seus familiares, favorecendo que estudantes e educadores(as) respeitem os valores positivos que emergem do confronto dessas diferenças, possibilitando, ainda, desativar a carga negativa e eivada de preconceitos que marca a visão discriminatória de grupos sociais, com base em sua origem étnico-racial, suas crenças religiosas, suas práticas culturais, seu modo de viver a sexualidade. Trata-se, portanto, de tarefa transdisciplinar, pela qual todos os educadores e educadoras são responsáveis. Cada área do conhecimento pode e tem a contribuir para que as realidades de discriminação sejam desveladas, seja recuperando os processos históricos, seja analisando estatísticas, seja em uma leitura crítica da literatura ou na inclusão de autores de grupos discriminados ou que abordem o tema. Seja, ainda, na análise das ciências biológicas e naturalização das desigualdades. Espera-se, portanto, que uma prática educativa de enfrentamento das desigualdades e valorização da diversidade vá além, seja capaz de promover diálogos, a convivência e o engajamento na promoção da igualdade. Não se trata, simplesmente, de desenvolver metodologias para trabalhar a diversidade e tampouco com “os diversos”. É, antes de tudo, rever as relações que se dão no ambiente escolar na perspectiva do respeito à diversidade e de construção da igualdade, contribuindo para a superação das assimetrias nas relações entre homens e mulheres, entre negros e brancos, entre brancos e indígenas entre homossexuais e heterossexuais e para a qualidade da educação para todos e todas. É no ambiente escolar que crianças e jovens podem se dar conta de que somos todos diferentes e que é a diferença, e não o temor ou a indiferença, que deve atiçar a nossa curiosidade. E mais: é na escola que crianças e jovens podem ser, juntamente com os professores e as professoras, promotores e promotoras da transformação do Brasil em um país respeitoso, orgulhoso e disseminador da sua diversidade. 9 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA É no período pós-guerra que surge o Direito Internacional dos Direitos Humanos como uma tentativa de situar os direitos fundamentais na base da ordem 30 internacional contemporânea. Para que esse objetivo fosse alcançado, seria necessária uma universalização e internacionalização desses direitos, ou seja, a questão dos Direitos Humanos deveria ir além das fronteiras dos Estados Nacionais. Esse processo de internacionalização acabou gerando o surgimento de um sistema normativo internacional, voltado para a proteção e amparo dos direitos fundamentais. O sistema internacional de proteção dos direitos humanos dialoga com os sistemas nacionais para a garantia e o respeito aos direitos e às liberdades fundamentais dos indivíduos. Todavia, se o Estadose torna negligente frente ao compromisso de promoção dos Direitos Humanos, o sistema internacional possui legitimidade para cobrar desses Estados. Essa legitimidade tem lugar, sobretudo, quando se estabelece uma efetiva relação do Estado Nacional com a ordem internacional, no sentido de garantia dos direitos fundamentais. De outra maneira: quando o Estado aceita o aparato internacional. Nessa perspectiva, a intervenção internacional é uma medida que reflete apenas em um auxílio ou em um complemento à proteção interna desses direitos. O processo de internacionalização dos direitos humanos desencadeia a democratização do cenário internacional, uma vez que surge a sociedade civil internacional, composta por organizações não governamentais e por indivíduos, que passam a poder acionar órgãos internacionais em casos de violação dos direitos humanos. Por essas razões, a dimensão da cidadania no exercício de garantia dos direitos humanos, sobretudo no plano internacional, sugere que o favorecimento do acesso às Cortes internacionais a indivíduos ou grupos organizados, não só contribui para a efetivação dos direitos humanos, como se realiza, propriamente, o entendimento de que o sistema internacional de proteção desses direitos envolve um sistema legal juridicamente vinculante, podendo ser exigível, portanto, diretamente pela cidadania. É preciso, no entanto, refletir sobre como a proteção dos direitos humanos costuma se realizar no interior de ordenamentos jurídicos internos dos Estados democráticos e, sobretudo para os objetivos deste trabalho, na democracia brasileira. As declarações francesas de 1789 e americana de 1776, no início da idade contemporânea, trazem a ideia de cidadania apoiada em um discurso liberal, em que os direitos fundamentais se relacionavam à ideia de liberdade, segurança e 31 propriedade. Estabeleciam, desse modo, os direitos civis e políticos. Já no período entre guerras, surge a preocupação com o discurso social da cidadania, sendo valorizada a ideia de igualdade (na dimensão dos direitos sociais e econômicos), como uma tentativa de eliminar a exploração econômica conforme tratava a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, da extinta República Soviética Russa. A separação entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais acerca da cidadania tem fim com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Aquele texto reúne todos os tipos direitos fundamentais, que agora não podem mais ser pensados isoladamente. Além disso, a Declaração Universal estabelece que os Direitos Humanos são universais e inerentes aos seres humanos. Somando esses dois aspectos, a Declaração de 1948 traz a concepção contemporânea de cidadania. Representando uma nova dimensão sobre o que passa a ser um sujeito de direito: a partir de então, se fala em categorias de direitos, segundo suas condições particulares. Nessa linha, ganha relevo discussões sobre os direitos das mulheres, dos grupos raciais e de quaisquer sujeitos que costumam ser discriminados ou constitua alguma espécie de minoria que precise de uma dimensão de afirmação de seus direitos. É preciso pensar, nesse cenário, se a Constituição brasileira de 1988 acolhe essa nova dimensão de cidadania, tal como descrita. A Constituição brasileira adota a indivisibilidade dos direitos humanos. Ou seja, ela proclama ser inconcebível separar os direitos civis e políticos dos direitos sociais, econômicos e culturais. Nesse quesito, ela atende a concepção de cidadania que se delineou. No que diz respeito ao alcance universal dos Direitos Humanos, a Carta de 1988 também está em consonância com a concepção contemporânea de cidadania, tendo em vista que seu texto afirma que todos são iguais e que os direitos fundamentais são inerentes à pessoa humana. A Constituição brasileira também concebe os direitos fundamentais como um tema de interesse internacional. Além disso, a ordem constitucional estabelecida em 1988 acolhe aquela nova dimensão de sujeito de direito, concreto e categorizado, segundo suas particularidades. Em seu texto, fica clara a divisão em capítulos dedicados a categorias como idosos, crianças e adolescentes, direitos dos índios, entre outros, dessa maneira propondo um tratamento específico para esses grupos. Dessa forma, a Constituição brasileira parece dialogar fortemente com essa nova dimensão de sujeito de direito 32 internacional, e propriamente com a nova concepção de cidadania, tal como apresentada. Para além disso, é possível analisar a responsabilidade do Estado na consolidação da cidadania brasileira observando três elementos essenciais da ideia de cidadania no cenário da discussão sobre Direitos Humanos refletidos na Constituição brasileira: a indivisibilidade e a universalidade da ideia de direitos humanos, e a característica de especificidade dos sujeitos de direito. A Constituição brasileira assegura todos os tipos de direitos fundamentais e garante a efetividade de seus preceitos. Por essa razão, a todos esses direitos são assegurados a mesma garantia de proteção na ordem jurídica interna. A Carta de 1988 também estabelece o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, dessa forma, vinculando os Poderes Públicos ao dever de promover esses direitos de forma plena e efetiva. Quanto à universalidade dos direitos fundamentais, o Estado brasileiro leva isso em consideração em relação a todos os indivíduos. Além disso, o país é obrigado a observar plenamente na ordem interna os acordos internacionais firmados que tratam dos direitos e garantias fundamentais e que foram ratificados pelo Estado brasileiro. Uma reflexão sobre Direitos Humanos, sobretudo quando se pensa a democracia brasileira e seu passado (recente) de autoritarismo, passa pela necessidade de se analisar a responsabilidade do Estado na consolidação da cidadania no Brasil. A Constituição Federal de 1988 é considerada, por muitos, um marco da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no Brasil, importando, desse modo, em uma redefinição do Estado e dos direitos fundamentais no país, após longos vinte e um anos de ditadura militar. A importância com o bem-estar social e a preservação da dignidade humana é tão expressiva que a Constituição eleva alguns direitos e garantias fundamentais ao patamar de cláusulas pétreas. A Carta de 1988 inova ao extrapolar os limites dos direitos individuais e tutelar também os direitos coletivos (direitos que se aplicam a classes ou categorias sociais). Além disso, ela estabelece a aplicabilidade imediata das normas que dizem respeito aos direitos fundamentais. Aquilo que Flávia Piovesan chama de um “constitucionalismo concretizador dos direitos fundamentais”. Os direitos sociais também são tratados na Constituição com a mesma dimensão. O artigo 6º da Constituição estabelece uma série de direitos, como à educação, à saúde 33 e ao trabalho, entre outros. Não obstante, o importante é ressaltar que a Constituição estabelece “uma ordem social com um amplo universo de normas que enunciam programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pelo estado e pela sociedade”. Por outro lado, além da ordem social, a Constituição de 1988 também estabeleceu uma ordem econômica, marcada pelo intervencionismo estatal em prol do bem-estar social. Isto corresponderia, em linhas gerais, ao modelo de “Estado de Bem-Estar Social. Fonte: ibradd 10 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR Direitos humanos é uma expressão que abrange diversas concepções e abordagens em torno de um conjunto de direitos que fazem parte da própria natureza humana e da dignidade a ela inerente. A proteção a tais direitos é resultado de um lento processo histórico que foi se reconhecendo legislativamente a partir dos imperativos sociaispostos ao longo do tempo. No entanto, ressalte-se que este processo ainda está em evolução, tendo em vista que em algumas sociedades ainda se identificam poucos avanços em relação aos direitos humanos. Bobbio (2004) destaca que os direitos humanos são históricos, modificáveis, suscetíveis de constante transformação e alargamento de seus horizontes, relacionando-se à própria civilização humana em seus diferentes níveis sociais de desenvolvimento. Dessa forma, torna-se essencial discutir acerca deste 34 conceito para que se possa compreendê-lo em sua amplitude diante das constantes transformações histórico-sociais, bem como sua relação intrínseca com a educação. Os direitos humanos podem ser definidos como um conjunto de instituições que concretizam, em cada tempo histórico, as necessidades sociais relacionadas à sua dignidade. Tais necessidades devem ser reconhecidas positivamente pelo ordenamento jurídico conferindo a estes direitos o caráter de universalidade. Nesse sentido, Pérez Luño (1999) leciona que os direitos humanos são um “[...] conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretiza as exigências da dignidade, da liberdade, da igualdade humana”. No entanto, embora o reconhecimento dos direitos humanos e sua consequente positivação em algumas regulamentações, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, tenham se expandido ao longo dos anos, ainda se vislumbram constantes afrontas a tais direitos evidenciando-se a necessidade de constante observância dos dispositivos postos visando o respeito e a garantia de proteção a todos em suas diversidades. Para Gorczevski (2005), os direitos humanos são universais, absolutos e inerentes ao homem, não dependendo de concessão por parte do Estado, entretanto, apesar de inerentes à natureza humana, o “[...] seu reconhecimento e proteção é o resultado de um longo processo histórico, que ocorreu de forma lenta e gradual, passando por várias fases e, eventualmente, com alguns retrocessos”. Os direitos humanos trazem o sentido de igualdade entre os sujeitos ao representarem o reconhecimento de que todos são dignos do mesmo respeito, independentemente de diferenças biológicas ou sociais. Não há, pois, distinção entre os sujeitos de direitos. Ainda que não se identifique um conceito único de tais direitos, pode-se indicar um núcleo central comum: a ideia de universalidade. Esta característica de universalidade é essencial para se chegar à uma definição de direitos humanos, pois, sem atribuir a estes o caráter de universalidade, corre-se o risco de criarem-se fragmentações em sua titularidade, concebendo-se a existência de direitos cabíveis apenas a determinados grupos sociais. Assim, falar que os direitos humanos apresentam a característica da universalidade, significa dizer que os mesmos são inerentes a todos os homens, pelo simples fato de serem humanos, em todas as épocas e espaços sociais, devendo ser respeitados indistintamente. Nesse contexto, a lei escrita positiva tais direitos, 35 tornando-se igualmente aplicável a todos. Segundo Gorczevski (2009) os direitos humanos constituem-se em valores superiores existentes no mundo axiológico concretizados por meio dos direitos fundamentais positivados. Tem-se, portanto, a necessidade de evidenciar a distinção entre direitos fundamentais e direitos humanos, tendo em vista as constantes concepções de serem termos sinônimos. Os direitos humanos são direitos naturais cabíveis a todos os homens, independente de nacionalidade, enquanto que os direitos fundamentais se referem à positivação destes direitos nos respectivos ordenamentos jurídicos pátrios. Pode-se afirmar que os direitos fundamentais nascem da positivação dos direitos humanos, significa a consolidação dos direitos naturais do indivíduo na ordem jurídica positiva. A positivação por meio da letra da lei constitui-se em maior garantia ao sujeito, tendo em vista a concretização da tutela jurídica destes direitos pelo Estado, que assume o dever de observá-los e respeita-los como fundamento da igualdade e respeito aos seus cidadãos. Fonte: patriciapaulausp No entanto, apesar da existência de inúmeros instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, estes ainda são constantemente violados desencadeando situações de violência e caos social em algumas situações. As condições mínimas para a existência digna são comumente inobservadas, direitos fundamentais como a vida e a liberdade são desrespeitados pelos próprios sujeitos, destacando-se ainda as situações de omissão e afronta aos direitos humanos pelo próprio Estado como na deterioração do meio ambiente, na desigualdade social, no desemprego e na omissão diante da criminalidade (RAYO, 2004). O respeito aos direitos humanos é, portanto, indispensável à sobrevivência do próprio homem no planeta, observando-se que não nos são dados pelo Estado ou construídos a partir da luta de terceiros, mas são construídos pelo cotidiano https://jus.com.br/tudo/desemprego 36 social. Estes direitos acompanham a evolução social, sendo alvo de contínuas mudanças e refletindo as lutas e necessidades dos sujeitos. Dessa forma, estes direitos precisam de instrumentos que colaborem na sua conscientização para uma efetiva aplicabilidade dos mesmos. A educação é certamente um dos instrumentos mais poderosos de consolidação dos direitos humanos. Como prática social, a educação em direitos humanos constitui-se em política transformadora da sociedade e do homem, trazendo em si a possibilidade de superação de fenômenos como a pobreza, a violência, a desigualdade e a exclusão social. Assim, o processo educativo traz em si a potencial formação humana e promoção dos direitos humanos. A educação constitui-se em instrumento que possibilita a promoção dos direitos humanos visto que é parte integrante da dignidade humana por formar e conscientizar socialmente o indivíduo para o exercício pleno de sua cidadania. Pode-se dizer que a educação é pressuposto fundamental para o indivíduo realizar-se plenamente como ser humano na sociedade. Em se tratando de direitos humanos a educação assume papel considerável, pois abrange a função de humanizar o humano (SAVIANI, 1989). No entanto, educar não se trata apenas de depositar ou transmitir conteúdos dissociados da realidade vivenciada pelo aluno, esta prática, reconhecida por Freire (1997). Dessa forma, ao evidenciar o papel preponderante da educação na consolidação dos direitos humanos faz-se necessário destacar que aquela se refere a um processo educativo crítico, participativo, que visa a superação dos contextos de alienação e opressão a que estão submetidos os sujeitos no contexto capitalista. Este processo, que habilita o indivíduo para a conscientização do contexto sócio histórico em que vive e seu consequente questionamento, perpassa necessariamente pelo estudo e reflexão constante da temática relativa aos direitos humanos. A educação para os direitos humanos deve contribuir: Para o fortalecimento do respeito aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano. Ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e sua dignidade; a prática da tolerância, do respeito à diversidade de gênero e cultura, da amizade entre todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, étnicos e religiosos. 37 E a possibilidade de todas as pessoas participarem efetivamente de uma sociedade livre. Assim, os princípios da igualdade e da não discriminação devem nortear a educação em direitos humanos de maneira que, neste contexto, desenvolvam-se atividades que considerem a experiência e o contexto social vivenciado pelos alunos, permitindo que os mesmos compreendam e atendam às suas necessidades a fim de buscar as devidas soluções compatíveis com o ordenamento jurídico na garantia de proteção aos direitos humanos. Dessa
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