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Parecer_n_07-2010-AGU

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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCIJRADORIA-GERAL FEDERAL
PROCI RADORIA FEDERAM- NA FENDAÇÃO ESCOI-A NACIONAI. DE ADMINISTERAÇAO PÚBLICA
PARECER AGU/PGF/PF-ENAP n" 07/2010
INTERESSADO: Diretoria de Desenvolvimento Gerencial
ASSUNTO: Utilização de filmes do circuito comercial e trechos de filmes nos cursos presenciais ou
virtuais da ENAP
Senhora Diretora de Desenvolvimento Gerencial,
RELATÓRIO
Foi recebida, por esta Procuradoria Federal, consulta
formal cujo objetivo é dirimir questões relacionadas à utilização de videos e filmes
como parte integrante do material dos cursos presenciais ou virtuais da Escola Nacional
de Administração Pública - ENAP, tendo em vista o seu potencial de provocar reflexão
e discussão entre os alunos de uma maneira mais lúdica.
2. Diante das questões concernentes aos direitos autorais, a
área consulente indaga acerca das restrições e possibilidade de uso, incorporação ou
reprodução no material didático da ENAP, das seguintes obras audiovisuais:
1) Filme.s do circuito comercial apresentados na integra em sala de aula
presencial ou virtual, citando as fontes de autoria;
2) Filmes do circuito comercial apresentados em trechos editados, em
sala de aula presencial ouvirtual, citando as fontes de autoria;
3) Filmes do circuito comercial apresentados em trechos de 20 a 30
minutos, em sala deaula presencial ouvirtual, citando asfontes de autoria,
4) Filmes do circuito comercial apresentados em trechos até 03 minutos,
emsalade aula presencial ouvirtual, citando as fontes de autoria;
5) Filmes outrechos de filmes disponibilizados por seus responsáveis na
intemet, em ambientes como o Youtube',
É o que cumpre relatar.
ANALISE jurídica
4. Preliminarmente, cumpre-se reiterar que o exame desta
Procuradoria Federal é feito nos termos do art. 17 da Lei Complementar n° 73/93,
subtraindo-se do âmbito dacompetência institucional deste Órgão Jurídico, delimitada
em lei, análises que importememjuízo de conveniência e oportunidade.
5. Isto posto, é preciso, de plano, reconhecer que os filmes
do circuito comercial referidos na consulta em epígrafe constituem obras audiovisuais,
assim definidas pelo artigo T da Lei n° 9.610/98, a qual disciplinou juridicamente o
tema dos direitos autorais no país:
Artigo 1° - São obras intelectuais protegidas as criações do
espirito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer
suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no
futuro,tais como:
(...)
VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as
cinematográficas;
6. Desta feita, inequivocamente se pode afirmar que aos
filmes do circuito comercial se aplicarão os dispositivos legais presentes neste diploma
legal, responsável pela tutela da proteção e utilização dos direitos autorais, conforme
nos ensina Delia Lipszyc:
"O direito de autor destina-se a proteger a forma representativa, a
exteriorização e seu desenvolvimento em obras concretas aptas a
serem reproduzidas, representadas, executadas, exibidas,
radiofonizadas etc., segundo o gênero a que pertençam"' (Apud
Plínio, p.38)
7. A propósito daproteção do direito de autor, o artigo 29 do
supramencionado diploma legal estabelece a obrigatoriedade de autorização prévia e
expressa doautor daobra, por quaisquer modalidades, nas hipóteses a seguir;
I - a reprodução parcial ou integral;
(...)
VIU - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou
científica, mediante:
(...)
(g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo
assemelhado;
8. Indaga-se, entretanto, se existe alguma mitigação a estes
dispositivos, permitindo-se sua reprodução e exibição sem a obrigatoriedade. A resposta
é afirmativa Neste sentido, é forçoso nos remeter ao artigo 46 da Lei de Direitos
Autorais, o qual elenca uma série de hipóteses em que os direitos autorais não são
estritamente protegidos:
Artigo 46 - Não constitui ofensa aos direitos autorais:
(...)
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de
obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando
de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo
principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da
obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos
interesses dos autores:
9. Perceba-se que o mencionado inciso não faz qualquer
distinção entre as obras literárias e audiovisuais, de forma que não há de se falar em
qualquer tratamento diferenciado para estas últimas. Assim, afirma-se que a reprodução
' Apud CABRAL, Plínio. A Lei de Direitos Autorais- comentários. 5'. ed. São Paulo: Rideel, 2009. p.
38.
de excertos de filmes do circuito comercial em material didático a ser disponibilizado
pela ENAP é permitida e não constitui ofensa aos direitos autorais no termo do inciso
VIII do artigo46 da Lei de DireitosAutorais.
10. A possibilidade do uso efêmero de pequenos trechos de
obra audiovisual coincide, ademais, com o avanço das técnicas pedagógicas, as quais se
valem destes recursos em prol da fixação e interiorização dos conteúdos estudados a
partir de plataformas mais estimulantes e interativas. Ora, se o docente pode se valer de
um trecho de obra literária para suscitar debate em sala de aula, poderá, outrossim,
empregar pequeno trecho editado de obra audiovisual sem constituir ofensa ao direito
autoral.
11. Por oportuno, é preciso notar que a utilização de pequenos
trechos de obras audiovisuais desperta e aguça a curiosidade dos alunos a respeito
destas, incentivando inclusive a sua posterior aquisição ou locação, o que, de fato, não
representa prejuizo injustificado aos autores, mas, pelo contrário, pode lhe servir de
divulgação e auxílio na exploração comercial das obras.
12. Contudo, posto que não haja uma definição normativa ou
jurisprudência^ para"pequeno trecho", é preciso ter emmente o bom senso, visto quea
extensão do trecho deverá sempre guardar proporcionalidade com o total da obra, de
modo que as perguntas formuladas pela área consulente não serão facilmente
respondidas, tendo em vista as diferenças de duração entre as obras em questão.
13. Lembra-nos Pedro Paranaguá e Sérgio Branco que existe
no meio universitário, a despeito do silêncio da lei, a presunção de que "pequeno
trecho" corresponderia a 10% ou 20% da obra, baliza empregada pelos estudantes e
^ Ao longo da primeira quinzena de outubro consultamos sistematicamente, sem sucesso, os bancos de
dados eletrônicos de jurisprudência presentes nas páginas eletrônicas do Supremo Tribunal Federal,
Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça de São Paulo.
professores. Contudo, os autores alertam que "não é a extensão da cópia que deve
constituir o critério mais relevante para se autorizar sua reprodução, mas certamente o
uso que sefará daparte copiada".^
14. Joni Amorim e Dilermando Júnior, valendo-se dos
ensinamentos de Moskowitz, identificam quatro elementos que devem ser ponderados
quando da utilização de obra;
"(1)o propósito da utilização, o queinclui diferenciar o uso comercial
do uso educacional em contextos específicos; (2) a natureza do
trabalho original; (3) a proporção, ou porcentagem, do trabalho
original que se utilizará; e (4) o efeito da utilização de um trabalho
original relativamente ao mercado potencial para tal trabalho, o qual
seria copiado total ouparcialmente"."
15. É importante, portanto, ter emconta não apenas a extensão
dos trechos pretendidos, mas também sua finalidade dentro do programa pedagógico.
Apenas a título de exemplo, valemo-nos do enunciado do inciso III do mesmo artigo
sob estudo:
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de
comunicação, de passagem de qualquer obra, para fms de estudo,
crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir,
índicando-se o nome do autor e a origem da obra;
16. Ou seja, é preciso que os docentes observem a adequação
entre a utilização destes trechos audiovisuais e a finalidade pedagógica a ser atingida,
resguardadas também as indicaçõesde autoria. A utilização, portanto, justifíca-se
apenas na medida em que auxilia o aprendizado, não podendo extrapolar os fms
pedagógicos previamente estabelecidos, tampouco a finalidade estatutária da fundação.
^PARANAGUÁ, Pedro; BRANCO, Sérgio. Direitos Autorais. Rio deJaneiro: FGV, 2009. p. 77.
" AMORIM, Joni de Almeida; PIVA JÚNIOR, Dilermando. Estratégias e Políticas de Gestão para
Ensino à Distância. Trabalho apresentado no 16° CIAED - Congresso Internacional ABED de Educação
à Distância, realizado entre 31 de agosto a 03 de setembro de 2010, em Foz do Iguaçu - Paraná.
17. Ainda acerca desta questão, ensina-nos Hildebrando
Pontes:
"Em que pese o direito de citação corresponder a uma limitação,
universalmente aceita, não pode ser utilizado contrariamente ás suas
finalidades. A citação de 'passagens de qualquer obra' serve para
atender às finalidades de 'estudo, crítica ou polêmica'. Cumpre a
fiincão de destacar pequenos e curtos fragmentos retirados de
diferentes obras gráficas, sonoras, audiovisuais e virtuais. Em razão
disso, deve ser usada com parcimônia, voltada para exercer o papel de
mero suporte, de um simples reforço, que vem sublinhar, dar ênfase ao
que se está produzindo intelectualmente."^ (grifos nossos)
18. Outro ponto merecedor de destaque neste parecer refere-se
à necessidade de prévia e expressa autorização do autor ou titular dos direitos autorais
nos casos de execução pública, consoante o disposto no artigo 68 da Lei de Direitos
Autorais:
s
Artigo 68 - Semprévia e expressaautorização do autor ou titular, não
poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou
literomusicaise fonogramas, em representações e execuções públicas.
(•••)
Par. 2°. - Considera-se execução pública a utilização de composições
musicais ou literomusicais, mediante a participação de artistas,
remunerados ou não, ou a utilização de fonogamas e obras
audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer
processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer
modalidade, e a exibição cinematográfica.
Par. 3° - Consideram-se locais de freqüência coletiva os teatros,
cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou
associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e
industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis,
clinicas, ho.spitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta,
fúndacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre,
marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se apresentem, executem
ou transmitam obras literárias, artísticas ou cientificas.
PONTES, Hildebrando. Os Contratos de Cessão de Direitos Autorais e as Licenças Virtuais
Creative Commons. 2a. ed. Belo Horizonte: Dei Rey, 2009. p. 62.
19. A simples leitura do artigo em questão, descontextualizada
do espírito de sua sistemática legal, importaria em uma interpretação necessariamente
equivocada dos propósitos da vedação.
20. Primeiramente, é importante notar a significativa ausência
da menção a "escolas" na enumeração do parágrafo terceiro, apesar da expressa
previsão de "órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacional e estatal",
onde evidentemente a ENAP se enquadraria. É evidente que esta ausência possui uma
especial razão de ser, em razãoda finalidade desta exibição.
21. Trata-se aqui, ainda uma vez, de uma deferência
concedida ao seu emprego para fins didáticos, diferenciando-as da mera exibição e
utilização de obras audiovisuais. Portanto, caso a escolaopte por exibir obra audiovisual
em sua integralidade, ou ainda, exibir obra que não possui expressa finalidade didática,
como um festival de cinema, por exemplo, deverá necessariamente procurar obter
prévia e expressa autorização do autor da obra.
22. É preciso também considerar que a inteligência do artigo
nos remete ao entendimento de que se reporta à utilização de obras audiovisuais em seu
inteiro teor, distante, portanto, da permissão legal de utilização dos pequenos trechos
concedida pelo inciso VIII do artigo 46.
23. Por último, cuidamos da disponibilização de filmes ou
trechos de filmes em ambientes como o youtube. Por oportuno, é importante mencionar
que cada serviço possuirá termo de uso correspondente, influenciado pelo elemento
alienígena de conexão à legislação do país onde se encontra a sede legal da empresa
virtual - no caso em questão nos Estados Unidos, de modo que, para os fins desta
consulta, remeter-nos-emos ao termo apresentado na página eletrônica correspondente.
Diz o mencionado termo:
o Conteúdo é oferecido a Você NO ESTADO EM QUE SE
ENCONTRA. Você pode acessar o Conteúdo para sua informação e
uso pessoal exclusivamente dentro da funcionalidade fornecida pelo
Serviço e, conforme permitido nestes Termos de Serviço. Você não
poderá baixar qualquer conteúdo, a menos que você veja um
"download" ou por um link similar exibido pelo YouTubeno Serviço
para esse Conteúdo. Você não poderá copiar, reproduzir, distribuir,
transmitir, exibir, vender, licenciar ou explorar qualquer Conteúdo
para quaisquer outros fins sem o prévio consentimento escrito do
YouTube ou os licenciadores do respectivo Conteúdo. O YouTube e
os seus licenciadores reservam todos os direitos que não estejam
expressamente cedidos no epara oServiço epara o Conteúdo®, (grifos
nossos)
24. Em que pese a postura restritiva quanto à utilização
diversa daquela prevista para o uso pessoal, não é razoável imaginar que, numa sala de
aula, 40 alunos possam legalmente acessar ao mesmo tempo a página eletrônica do
serviço, a partir de seus computadores pessoais, e, por outro lado, não se permita a
projeção dessa consulta por meio de telão para todos os alunos. Ademais, em um
ambiente virtual de aprendizado, seria possível inclusive prever os links para a exibição
do conteiido desejado, novamente sem incorrer em ilegalidade.
25. Novamente, aqui há de se atentar para a finalidade
buscada pela exibição ou transmissão da obra audiovisual presente na página eletrônica.
Caso ela se coadune com a finalidade didático-pedagógica promovida pela missão
estatutária da escola, poderá se falar em uso efêmero, permitido em lei. Contudo, é
importante observar que nem todas as obras audiovisuais à disposição no sítio
eletrônico em questão respeitam os direitos autorais, de modo que se sugere a realização
de prévio exame a respeito sua regularidade.
CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, ressalvados os juízos de
conveniência e oportunidade não sujeitos ao crivo desta Procuradoria Federal, sugere-se
a adoção das seguintes medidas:
' http://www.youtube.eom/t/tenns. Acesso em 18/10/2010.
(a) A utilização, incorporação ou reprodução no material
didático da ENAP de filmes do circuito comercial é permitida
nos termos do inciso VIII do artigo 46 da Lei n" 9.610/98, desde
que utilizados "pequenos trechos", não definidos legalmente,
para fins exclusivamente didáticos;
(b) Veda-se a utilização, incorporação ou reprodução de
filmes do circuito comercial apresentados na íntegra,
ressalvados os casos em que se obtenham prévio e expresso
consentimento do autor; e,
(c) A utilização de filmes ou trechos de filmes
disponibilizados por seus responsáveis em ambientes virtuais
como o youíuhe deverá ser analisadade acordo com o termo de
utilização disposto pelo sitio eletrônico correspondente,
respeitado o disposto para os itens acima, quando da sua
finalidade didático-pedagógica.
Com as considerações pertinentes, encaminhe-se o
presente parecer à Diretoria de Desenvolvimento Gerencial para conhecimento e
providências necessários.
m
Brasília, 18 de outubro de 2010.
DANIEL B. DE OLIVEIRA BABINSKI
PROCURADOR-CHEFE DA ENAP
Mat. SIAPE 1806934

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