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Rui Barbosa e a federação

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RUI BARBOSA E A FEDERAÇÃO'" 
Presidência: Reitor DJACIR MENEZES 
Coordenação: Dr. MIGUEL DE ULHÔA CrNTRA 
Participantes: Prof. CLÓVIS RAMALHETE 
Prof. COTRIM NETO 
Reitor PEDRO CALMON 
Prof. SILVIO MEIRA 
Prof. SOUZA BRASIL 
Presidente - Aberta a sessão. Aguardamos, ainda, as presenças do ProL 
Evaristo de Moraes e ProL Calmon, que já comunicaram estar a caminho. 
Iniciamos nossos debates em torno de um tema que interessa diretamente 
a todos os que tratam de assuntos jurídicos no Brasil. 
A presidência destes trabalhos seria do Ministro Themistocles Cavalcanti. 
Estou, apenas, como substituto eventual. Coordenei até então os trabalhos, 
quando ele nos deu a honra de presidir. Continua impossibilitado de com­
parecer, o que nos leva a registrar em ata a nossa instalação pelo fato de ele 
não estar presente. 
Todos já sabem qual o estilo aqui adotado, porque todos já compare­
ceram a estas sessões. Darei a palavra àquele que quiser iniciar a discussão 
em torno do tema Rui e a Federação, independentemente, como está indicado 
no roteiro traçado no questionário distribuído. Aliás, não se trata de roteiro, 
dada a liberdade que todos temos nos limite~ desse decálogo de sugestões. 
Com a palavra o ProL Cotrim Neto. 
Cotrim Neto - Professor Djacir Menezes e meus queridos colegas, esse 
tema é sempre atual: o problema da federação. E digo que o problema é 
atual, porque, hoje em dia, a idéia do federalismo, ao mesmo tempo em 
que muito se impõe - todos os Estados, sobretudo os dotados de grandes 
territórios, buscam organizar-se em forma federativa - noutro sentido se 
defronta com um contraditório e curioso fenômeno: o federalismo está 
regredindo e o unitarismo, isto é, um comando crescente, emanado do poder 
central, está se acentuando. Todos nós sabemos que a forma de organização 
política no estilo de federação é bastante antiga. Entretanto, não tão antiga 
quanto alguns podem supor. Acredito que a primeira federação que pode­
ríamos registrar, nos tempos mais próximos de nós, terá sido a que se 
formou em 1291, em região do que hoje é a Suíça, para obter a união de 
esforços na oposição à tentativa de imposição de vassalagem de um poder 
forasteiro. Foi, tal federação, o Eidgenossenschaft, o pacto jurado dos Can­
tões de Schweizer, de Uri e Unterwald, do final do século XIII. 
"' Mesa-redonda, realizada pelo Instituto de Direito Público e Ciência Política, 
no dia 13 de novembro de 1979. 
K Ci. pol., Rio de Janeiro, 23(2) :83-114, mai./ago. 1980 
Mais tarde, a idéia da federação ressurgiu com grande estrondo histórico, 
quando as antigas treze colônias britânicas àa América do Norte, lutando 
para obter sua independência, e quando esta já fora quase conquistada, em 
1777, organizaram uns" artigos de confederação", que viriam a ser homo­
logados em 1781, ao tempo em que as colônias já se haviam transformado 
em Estados soberanos. 
Esta federação, ou melhor, esse esboço preliminar de federação, forma­
lizado entre 1777 e 1781, tinha todavia, o nome de "confederação". Todos 
sabemos, porém, que a discussão entre o que distingue a federação da 
confederação é meramente acadêmica, e não leva a resultado algum. 
Souza Brasil - Permita-me observar que, em se tratando da Suíça, é da 
maior importância, a tal ponto que, no Parlamento suíço, eles usam, obri­
gatoriamente, a língua dos cantões, que comrõem a confederação. Em deter­
minados cantões, há uma legislação adjetiva e substantiva, totalmente pró­
pria daquele cantão. 
Cotrim Neto - Vou chegar até aí. Voltando aos EUA: quando se formou 
ou quando se fizeram os "artigos de confederação", tinha-se a intenção de 
preservar a soberania dos novos treze Estados. Tanto que há uma coisa 
para a qual pouca gente tem atentado: em 1777 e em 1781, quando se 
começou o esforço de união entre os Estados, e mais tarde, quando se orga­
nizou a Constituição dos EUA, em 1787, discutiu-se muito que denomi­
nação atribuir-se ao Governo central. Seria um Governo da União? Seria 
um Governo federal? Optou-se pela expressão Governo federal, porque ela 
continha implícita a preservação dos governos soberanos dos treze estados. 
Mas a História foi impondo modificações. Então, chegamos a um ponto -
e desejo concluir, para não reter sozinho a atenção dos meus colegas -
que eu quero registrar: o federalismo moderno não é aquele federalismo 
dos founding fathers da Constituição americana. Aquele era um federalismo 
que queria preservar a soberania dos Estados, embora criando um governo 
federal, com resíduos de poder a ele deferidos por esses mesmos Estados. 
Entretanto, o federalismo foi-se modificando, no correr dos tempos. Esse 
federalismo primitivo resultava numa forma de organização do Estado, numa 
espécie de Estado composto, que se pretendia instituir; enquanto o federalis­
mo moderno se despe, cada dia mais acentuadamente, das características 
políticas para se apresentar como uma forma de administração. Por isso, 
diremos que federalismo moderno é, sobretudo, uma administração descen­
tralizada. A idéia de soberania dos Estados-membros está desaparecendo, se 
é que já não desapareceu, no conspecto político organizacional da federação. 
No que tange ao papel de Rui Barbosa na instauração do federalismo em 
nosso País, diremos: esse eminente homem público, doublé de jurista, não 
teve a paternidade da idéia da federação no período monárquico; quando 
à mesma ele aderiu, o propósito de instituição da monarquia federativa já 
fora lançado. Se no Brasil, foi o autor de A Província, Tavares Bastos, em 
1870 este foi o verdadeiro pregoeiro, foi o homem que fez o estudo orga­
nizado do ideal federativo. Rui Barbosa entrou, talvez, no último ano da 
propaganda federalista. 
84 R.C.P. 2/80 
Presidente - Em 70, Rui estava mais voltado para o problema do ensino 
e o problema religioso. 
Cotrim Neto - Exato. 
Souza Brasil - O parecer sobre o ensino foi dessa época. 
Cotrim Neto - Foi em 1882, se a memória não me trai. Rui Barbosa 
que, como eu disse, pegou já em trânsito a idéia do federalismo, iria tornar­
se o mais eficiente responsável por sua concretização: assim foi que de sua 
lavra seria o primeiro projeto da Constituição republicana, que o Governo 
provisório encaminhou à Assembléia Constituinte. E mais tarde, quando 
reunida essa assembléia do novo regime, ele, embora ministro, ia para seu 
plenário apresentar verdadeiras lições de federalismo. 
Todavia, será talvez válido dizer-se que u federalismo de Rui seria mais 
administrativo que político, em contraposição à idéia de muitos, como os 
gaúchos, Júlio de Castilhos e outros, que queriam o federalismo com sobe­
rania dos Estados. Aquela velha idéia, já então superada nos EUA era a 
que esses, contra Rui, pretendiam implantar no Brasil. 
Talvez houvesse aí um pouco da influência das idéias separatistas, das 
quais um dos grandes pregoeiros fora Campos Sales, que entrou no federa­
lismo vindo do separatismo. Ele entrou na campanha republicana e se 
elegeu - foi talvez o primeiro republicano no parlamento do Império -
vindo do ideal separatista. 
Clóvis Ramalhete - Ele e Prudente de Morais foram os dois primeiros 
eleitos pela República. 
Cotrim Neto - Exato, em 1884. Mas Rui Barbosa ia discutir, na Assem­
bléia Constituinte, um federalismo racional, um federalismo que respeitaria 
a administração nos estados, mas sem a idéia - ele combatia expressa­
mente a idéia - da soberania dos estados, idéia que estava no pensamento 
de muitos e que ainda em 1912 João Barbalho admitia, nos seus clássicos 
comentários da Constituição de 1891. 
Campos Sales, na sua atuação política, ainda falava na "soberania dos 
estados", uma idéia que nos EUA, por exemplo, estava vencida desde muito, 
pelo menos desde a vitória da União sobre os secessionistas do Sul. 
De forma que aqui eu quero colocar o seu pensamento. O grande valor 
de Rui Barbosa está em ter colocado, nos seus justos termos, o federalismo, 
que permitia a organização de um forte poder central, sem prejuízo da 
autonomia das unidades políticas da federação.No meu modo de ver, essa 
concepção de Rui era, em 1889 e 1890, uma idéia hábil para preservar a 
unidade do Brasil, sem prejuízo da supressão do unitarismo, que implicava 
a hipertrofia das extremidades, como se costumava dizer. Hipertrofiava-se 
o centro, no regime unitário e monárquico, em prejuízo das extremidades, 
que ficavam atrofiadas. O centro, dizia Tavares Bastos, queria regular até 
o ar que se respirava. 
Rui Barbosa colocou o federalismo nos seus justos termos. Nisso vejo 
toda a grandeza de sua obra. 
(Os demais debatedores: - Muito bem.) 
Rui Barbosa e a federação 85 
Presidente - Com a palavra o Prof. Clóvis Ramalhete. 
Clóvis Ramalhete - Penso que, com a minha ligeira intervenção, vamos 
ver a diferença entre um professor habituado à cátedra e às suas dissertações 
e o advogado que sou, tenho sido e serei: apenas um advogado. Não 
obstante este apelido de professor que me dão aqui, tenho sido sempre 
apenas advogado. 
Advogado, senhores, é aquele que atendeu, respondeu àquele anúncio de 
que precisava-se de um jovem no escritório. Atenderam alguns rapazes. 
E o velho advogado então, abotoando seu robe, disse: "Tive um pesadelo 
esta noite, mal pude dormir. Um esquilo entrou na minha biblioteca. Eu 
fui até lá com um lampião de querosene e o vento fechou a porta." 
Um perguntou: 
- "E o lampião?" 
- "Caiu no chão." 
E outro indagou: 
- "Pegou fogo nos seus livros?" 
O terceiro disse: 
- "E o esquilo?" 
Então o mestre disse: 
- "Você é advogado." 
O advogado é o que não perde de vista o esquilo. O professor pode 
perder, o professor pode fazer dissertações. O advogado está aqui, desde 
o começo, pensando em Rui; o advogado tem objetividade como a sentença 
deve ter. Se a sentença não coincidir com o pedido, a sentença é nula e se 
o advogado não formular o pedido em conseqüência da dissertação também 
a petição é inepta. Infelizmente sou um modesto prisioneiro desta unidade 
lógica da vida judiciária. 
Rui e a federação. Trata-se da federação aplicada no Brasil e o papel de 
Rui para aplicação desta federação. Assim entendo a colocação. 
Vejo o seguinte, contemplando o momento em que Rui penetra na His­
tória, desfraldada a bandeira da federação. Trata-se da Convenção do Par­
tido Liberal, na qual o Partido Liberal formulou todo o conceito de reno­
vação do estado e com o voto dissidente de Rui Barbosa. Na Convenção 
do Partido Liberal. Estamos ainda na monarquia. O Partido Liberal subiu, 
subiu, pronto para fazer a abolição da escravatura, sem pensar na queda 
do trono. Ninguém pensava na queda do trono. Pensou-se na derrubada 
do ministério, não na reforma do regime. Todos que convergiam para fazer 
política eram monarquistas. O marechal, Rui Barbosa, todos, tinham pensado 
só em derrubar o ministério, não em derrubar o regime. 
Mas a idéia da federação, esta sim, vinha - como acentuou o Cotrim -
desde os começos do Brasil independente. Pois, senhores, uma obra demo­
crática é a organização da convivência de contradições, da convivência 
de antagonismos. E o antagonismo fundamental que os fundadores do Brasil 
encontraram foi, de um lado, a necessidaàe da preservação da unidade 
territorial brasileira e, de outro, a força "centrifugista" do direito público, 
ex-colonial. 
86 R.C.P. 2/80 
Ao português colonizador pouco interessava esta unidade, se bem que a 
defendesse, se bem que tivesse plantado fortalezas ao longo da nossa costa, 
da nossa fronteira oeste. Mas ele deu um direito tributário ao Nordeste, 
pois que ali havia uma economia apartada, como deu outro direito tribu­
tário ao Centro, pois que aqui havia outra economia apartada. Este trata­
mento todo isolado tendia a criar aqui as forças da expansão divisionista. 
Os fundadores da Pátria tiveram o problema de fazer a retroversão dessas 
forças "centrifugistas" do direito administrativo colonial para um direito 
unitarista, para salvar a unidade deste País. É este antagonismo que conviveu 
todo o tempo com a monarquia. O Ato Adicional é já a explosão primeira 
da pedida da federação no Brasil e a interpretação do Ato Adicional é a 
reação a isto, em benefício da unidade da herança territorial dada pelos 
portugueses aos brasileiros. Mas o pensamento continua submerso. 
O que havia, no entanto, dentro da elite pensante monárquica? Havia 
sempre - e aí o meu mestre de sempre Djacir vai sentir uma aragem 
amável à sua inteligência - a força das idéias, não apenasmente os demais 
fatores que formam a História, os fatores econômicos, os fatores políticos, 
os fatores militares, mas a força das idéias. Havia uma formação quase 
exclusivamente francesa dos nossos homens. Nós praticávamos um parla­
mentarismo sem conhecer o direito público inglês. Os nossos homens do 
império tinham formação francesa. Leio e releio Uruguai e não encontro 
uma citação inglesa. 
Cotrim Neto - Peço licença para fazer uma exceção com Joaquim Na­
buco, que tinha formação britânica. Ele tal c reconhece em Minha forma­
ção, onde confessa a grande influência de Bagehot na sua formação de 
publicista. 
Clóvis Ramalhete - Excepcionalmente. O Barão de Penedo não é um 
constitucionalista, é um excelente negocista junto a Cesar Roche. É dife­
rente de ser um constitucionalista. Eu estou me referindo à doutrina de 
direito público brasileiro. É francesa, francesa, francesa. 
Presidente - De fato, falavam francês e quase nada de inglês. 
Clóvis Ramalhete - O meu pensamento é sempre acrescentado por 
Djacir Menezes. Por todos os motivos, falava-se francês, estudava-se francês. 
Então, estudava-se direito público de um Estado unitário. Daí o "tatibitati" 
de federalismo nesses autores todos, inclusive Tavares Bastos. Eles não 
sabiam federação. Rui Barbosa, no entanto, porque seu pai tivera uma 
paixão pela democracia inglesa e o induzira a estudar inglês, que ficou 
sendo sua segunda língua, Rui Barbosa formou-se dentro do direito público 
anglo-saxão. Rui Barbosa sabia totalmente o caminho da federação ame­
ricana e sabia parlamentarismo, também, à inglesa. De modo que quando 
o partido de Rui Barbosa, o Liberal, reúne-s.!, e madura estava a idéia para 
a federação não para a República - Rui Barbosa enuncia, em voto em 
separado - e teve 18 acompanhantes com ele na Convenção do Partido 
Liberal -, a federação, cujos princípios por ele descritos são quase uma 
súmula da Constituição americana, ainda na monarquia. E quando Rui 
Barbosa dizia "federação com ou sem o trono" dizia o seu pensamento 
Rui Barbosa e a federação 87 
político. Quando, por acidente da História, foi antecipada a queda do trono, 
o que subiu não foi exatamente a idéia presidencialista; foi, por anexo, a 
idéia presidencialista, acessoriamente à idéia da República. O que emergiu 
foi a idéia da federação que tinha a aspiração difusa da nação brasileira, 
mas tinha, em Rui Barbosa, o seu conhecedor profundo, o seu arquiteto 
capaz, o seu doutrinário exímio. A contribuição de Rui Barbosa para a 
implantação da federação é a contribuição daquele capaz de pôr o doente 
na sala de cirurgia e fazer a cirurgia. Os outros eram clínicos que somente 
estavam dizendo que era preciso a cirurgia mas não saberiam fazê-la. Rui 
era aquele que sabia fazer. 
A propósito da expressão soberania, que merece críticas gerais e teve 
eco nesta sala pela voz autorizada de Cotrim Neto, trata-se, simplesmente, 
de um deslize de terminologia, mas não de conceito, pois que, salvo também 
uma exceção, nenhuma das províncias brasileiras, transformadas em estado, 
pretendeu exercer aquela competência que caracteriza a soberania, que é 
ter personalidade internacional de estado. Então, como nenhuma província 
transformada em estado pretendeu receber ~ expedir embaixadores, trata-se, 
simplesmente, de uma terminologia usada, exatamnte, pelo pauperismo do 
direito público que havia no Império. Em vez de autonomia, se disse sobe­
rania. O próprio Decreto n.O 1, que é uma obra-prima de síntese, feito de 
um jato por Rui Barbosa, e manuscrito, texto esse que se perdeu; é pena, 
os homens do Impériosempre levaram para casa os manuscritos de seus 
decretos, num país que não tinha ainda o conceito de historicismo. Logo 
desse Rui mandou o original para a imprema oficial e um tipógrafo qual­
quer, logo depois de compor, deve ter amassado e jogado fora, esse Decreto 
n.O 1, de que só temos exemplar na publicação das leis do Brasil. 
Souza Brasil - Há um livro de Dunshee de Abranches que ficou conhe­
cido: Atas e atos do Governo Provisório. 
Clóvis Ramalhete - Ali se diz, no art. 1.°, com absoluto rigor doutri­
nário do ponto de vista de Rui Barbosa, constitucionalista, legista, positi­
vista, com absoluto rigor se diz assim: "Fica provisoriamente declarada a 
República." Esse "provisoriamente" é respeito da parte de Rui Barbosa, 
não obstante sua formação anglicana de quo:! o fato produz o direito e não 
o dÍleito produz o fato, não obstante essa formação, Rui Barbosa, ali, 
estava reverenciando a doutrina francesa da soberania popular. Sem o 
conceito abstrato, rousseauniano e falso de que o povo é a raiz do poder, 
sem esse conceito, enquanto o povo não se pronunciasse, a República não 
estava adotada. Então, diz o art. 1.0 de Rui Barbosa desse decreto: "Fica 
provisoriamente declarada a República." A República já estava declarada 
e feita pelo fato consumado e pelo poder jurídico dos fatos. 
Presidente - Esse "provisoriamente" comporta ainda muita exploração 
doutrinária. 
Clóvis Ramalhete - Esse "provisoriamente" significa até que venha a 
Constituinte porque, nos artigos seguintes, ele estabelece a Constituinte. 
No artigo seguinte, ele transforma as províncias em estados e a eles atribui 
poder constituinte. No artigo posterior, ele estabelece a necessidade de uma 
88 R.C.P. 2/80 
Constituinte. Que ela, então, referendasse o ato revolucionário praticado, 
como se a revolução precisasse de Constituinte formal para ganhar eficácia. 
Presidente - Aqui está o decreto. 
Clóvis Ramalhete - Parece que a minha memória não falhou. "Fica 
proclamada provisoriamente e decretada como forma de Governo da Nação 
brasileira a República federativa": A denominação atual de Estado brasi­
leiro, República Federativa do Brasil, retoma as suas origens. Mas era de 
tal modo a formação anglicana e anglo-americana de Rui Barbosa que ele, 
neste próprio decreto, fala que "ficam constituídos os Estados Unidos do 
Brasil", pois que ele tinha essa formação. Teria sido, talvez, o único que 
a tivesse tão acabada, tão profundamente. Vai daí - e aqui já não é Rui 
Barbosa, é efeito de Rui Barbosa, não sobre a federação mas sobre a nossa 
federação de juristas - vai daí o hábito abusivo, deselegante e monótono 
das citações. Rui Barbosa precisou citar num país que só lia franceses, 
num país que não falava inglês, que não sabia juristas ingleses, que não 
conhecia a obra dos constitucionalistas americanos; a cada passo, para 
dizer o que estava fazendo, o que estava acontecendo, Rui precisou citar 
e tornar a citar e citar abundantemente. Aquela necessidade, aquele fim 
último da citação, esvaiu-se, mas ficou, na família forense, a necessidade 
da citação, tão pedante, tão abundante, que faz com que o leitor fique tro­
peçando. E raro encontrar-se um livro depois de Rui que seja como um 
livro de antes de Rui, como Coisas de La Fayette, em que não se cita nada, 
é uma obra clássica. Rui Barbosa sentiu-se compelido a citar para ensinar 
federação e direito público americano a este País, que praticava parlamen­
tarismo sob as luzes dos juristas franceses, Estado unitário. Então, a necessi­
dade de excesso de citações de Rui Barbosa tornou-se um hábito dos nossos 
juristas, em monografias secundárias, fadadas a uma edição e leitura de 
poucos; vem aí uma abundância e um eruditismo, que pensam ser neces­
sário, quando não o é. Se se está escrevendo livros, basta dizer o que se 
pensa, sem citar bibliografia, a não ser que seja o caso de um professor, 
para orientar seus alunos, quando a bibliografia é necessária. Fora disso, 
não vejo necessidade. 
O tema Rui Barbosa e a federação, pretendi colocá-lo assim: a federação 
tem origens, no nosso País, desde as bases coloniais, da divisão de dona­
tários, e desde o direito público colonial, de que a diversidade da economia 
brasileira, com açúcar, ao Norte, com ouro, ao Centro, fez com que o direito 
público colonial português diversificasse esse País, sem pensar em unidade. 
O pensamento unitarista português esteve, sem dúvida, na Carta do Rei 
D. João III, criando o Governo Geral. E a primeira Constituição brasileira. 
Mas as forças "centrifugistas" do Brasil eram um antagonismo à pretensão, 
à aspiração histórica de manter a unidade territorial. Ao longo do Império, 
essa contradição, essas duas forças antagônicas estiveram convivendo, ora 
puxando para o "centrifugismo" tradicional, ora ao centrismo, no seu ato 
de interpretação. 
Presidente - Não sente uma certa contradição na atitude de Portugal? 
Ele queria uma unidade. À metrópole interessava todo o território da 
Rui Barbosa e a federação 89 
Colônia ocidente, mas, ao mesmo tempo, uma união de todas essas regiões 
não era muito agradável a Portugal. 
Souza Brasil - O Brasil era composto á dois Estados independentes: 
Maranhão e Grão-Pará, totalmente independentes da administração daqui. 
Daí, obrigar os estados a aderirem à independência. 
Silvio Meira - O Marquês de Pombal peI:SOU mesmo em criar, na Ama­
zônia, um segundo império. Inclusive, com um palácio. 
Clóvis Ramalhete - Foi muito enriquece dor o debate, pelos três inter­
venientes. 
Então, essas origens do direito colonial brasileiro, criando essas forças 
centrífugas, aqui, elas estavam em antinomia com a necessidade de manter 
a unidade territorial e a herança ... 
(Chega o Professor Pedro Calmon.) 
Presidente - Chegou o maior publicitário do assunto. (Risos.) 
Clóvis Ramalhete - Não é para se dar um procronismo histórico do 
Brasil a criação da idéia da federação. A aspiração de distribuir o poder, 
ela vinha de antes, mas ela era contraposta pela aspiração da unidade 
territorial brasileira. Os atos, como o Ato Adicional, depois, como vem a 
interpretação, a posição colonial que tem o estado do Maranhão, o Estado 
do Brasil são presenças desse anacronismo, no interior do País. Feita a 
independência, os nossos autores de direito público, com sua formação 
francesa, não estavam tão equipados quanto Rui, com sua formação anglo­
saxônica do direito, falando inglês correntemente, chegando a botar anúncio 
na porta: "Ensina-se inglês a ingleses." Este homem, com tamanha intimi­
dade com esse problema, não foi, de modo algum, o protagonista, no sen­
tido de ter levantado e arrastado o Brasil para a federação, que já estava 
madura para isso, no povo. Desde antes, desde a convenção do Partido 
Liberal, ele tinha apresentado a sua idéia de federação, tinha apresentado 
a eliminação da vitaliciedade no Senado, e outras formas profundas. Quan­
do, no entanto, viu que a Coroa iria ruir, ele impôs a sua condição: a 
federação, com ou sem a Coroa, mas com federação. Tinha subido o seu 
partido. O primeiro ministro derrubado pela República era do seu partido, 
de quem ele dissentira, imediatamente, porque ele não tinha adotado a 
federação. Penso que o protagonismo de Rui Barbosa, na federação, é esse: 
o cirurgião que sabia fazer a operação; os outros seriam os clínicos, que 
sabiam diagnosticar e indicar a cirurgia, mas não sabiam fazê-la. Rui 
conhecia a federação exatamente pela intimidade com o direito público 
inglês e com o direito público americano, principalmente. A facilidade que 
ele encontrava como se fora sua própria língua. 
Parece-me esta a contribuição doutrinária que pôde trazer, além da outra, 
a contribuição da legislação da federação do País, no seu projeto subme­
tido à Comissão dos 21 e, depois, fora do poder, quando esteve ensinando 
a este País a função constitucional do Supremo Tribunal Federal. Durante 
o Império, a Justiça não era propriamente a Justiça como é hoje, como 
estamos tão acostumados, tão rotineiramente sabendopensar. A Justiça 
estava muito a serviço do poder, tão centralizado nas mãos deste homem 
90 R.C.P. 2/80 
sobrante do iluminismo, que foi D. Pedro 11. O Superior Tribunal de Jus­
tiça não tinha aquela posição sobranceira perante os poderes, perante os 
fatos. Rui Barbosa, fora do poder, indo manipular o Poder Judiciário que 
ele concebera, tal como nos EUA, passou a ensinar direito constitucional 
e concepção e função constitucional do Supremo Tribunal Federal, numa 
República federativa, numa República presidencial. 
Parecem, a meu ver, ser estes os pontos principais: Rui doutrinário, 
sabendo a doutrina da federação; Rui legislador, tendo esboçado a Consti­
tuição Federal Brasileira, que não foi de todo adotada tal como ele pensou, 
pois que foi levada por recém-chegados ao federalismo, aos exageros que 
ele recriminava; depois, Rui advogado, que ensinou à Nação, de baixo para 
cima, com os pés na rua, o que seja o Supremo Tribunal Federal, o que seja 
Poder Judiciário, no seu exercício de função controladora do Executivo e 
do Legislativo. 
Rui doutrinário, Rui legislador, Rui advogado. 
Muito obrigado. 
(Palmas.) 
Presidente - com a palavra o Professor Silvio Meira. 
Silvio Meira - Sr. Presidente, prezados mestres, Clóvis Ramalhete disse, 
há pouco, que não era professor, mas nos deu uma bela aula, agora. Merece 
o título de professor catedrático. 
Tenho umas pequenas observações a fazer e, muito embora meu trabalho 
esteja escrito, não vou ler. Está muito longo. Lerei apenas um trecho ou 
outro. 
Quando Cotrim Neto falou a respeito das origens da federação, remon­
tou à Suíça do século XIII e procurou fixar, historicamente, o início do 
federalismo, no mundo. Eu iria mais longe ainda e já escrevi um trabalho 
a respeito, que foi publicado, penso, na Revista da Segurança e Desenvol­
vimento do Nordeste - creio que também em outras revistas jurídicas -, 
em que eu defendo a tese de que o federalismo é de origem romana. A 
própria palavra fedas. Os romanos criaram as primeiras estruturas federa­
listas. E eu invoco, naquele meu trabalho, entre outras, a opinião de Mon­
zen, por exemplo, se procurarem no manual de atividades romanas, nos 
estudos de Monzen e também nos estudos de Paul Kruger, alemão, todos 
grandes romanistas, vão verificar que os romanos criaram muitas modali­
dades, com seu gênio criador; inventaram formas variadas de organização 
política. Desde colonatas, colônias, às províncias. Os fedas, justamente, se 
basearam na fé e na confiança, uma verdadeira federação. 
É bem verdade que não se pode comparar uma federação romana nos 
tempos, com a federação suíça, nem com a americana, nem com as fede­
rações atuais. Paul La Grasserie, na sua obra específica sobre federalismo 
aponta cerca de 20 casos de federalismo diferentes. Com maior centrali­
zação, com menor centralização. Hoje se fala até em federalismo solidário. 
Há uma adjetivação para o federalismo. 
Cotrim Neto - Esta expressão foi muito divulgada no Brasil pelo Mi­
nistro Buzaid, mas é criação do americano Bernard Schwartz: federação 
Rui Barbosa e a federação 91 
solidária, para registrar esta imposição - digamos assim - do poder central 
sobre as unidades federadas. 
Silvio Meira - Isso é uma imposição dos tempos modernos. Nós vemos, 
nos EUA mesmo, o poder central diante da guerra, da necessidade política 
do momento, assumindo certos poderes centralizadores, surpreendentes 
para aquela nação, que surgiu como confederação. 
De forma que a questão tem mil faces. Eu remonto à origem romana 
historicamente e defendo o ponto de vista que já foi aceito por um professor 
de São Paulo, um desembargador, cujo nome não lembro, que citou este 
trecho, extraído do meu trabalho. 
Cotrim Neto - Eu concordo com sua observação. Eu concordo com as 
características federativas do Império romano. Apenas eu não as citei, por­
que, como disse, eu não quis estabelecer procronismo. 
Silvio Meira - Mas é anterior ao Império, ainda na República. A Re­
pública foi muito mais fecunda que o Império. O Império centralizou, não 
tinha propriamente características de federação. 
Cotrim Neto - Não, aí eu não concordo, porque a tetrarquia que Dio­
cleciano instituiu era federativa. 
Presidente - Sem convivência de nações criando um clima internacional, 
o federalismo não pode absolutamente exprimir o sentido atual da palavra. 
Souza Brasil - O romano era pragmático, organizava seu sistema de 
acordo com as peculiaridades locais. 
Silvio Meira - Mas o objetivo não é este, apenas en passant. 
Outra observação que eu tinha a fazer ,s quanto à supremacia, digamos 
assim, da opinião de Tavares Bastos. 
A respeito, vou ler um pequeno trecho do trabalho que escrevi, em 
que eu digo que (lendo): "O ideal federativo no Brasil se monta às pri­
meiras décadas do Império. Em 1831, alguns homens públicos, entre eles 
A. Ferreira França, sugeriram a instituição àe um Governo federal. Disso 
é exemplo o projeto apresentado em julho daquele ano à Câmara dos 
Deputados, em que se lia: 'O Império do Brasil é a associação política dos 
cidadãos brasileiros de todas as suas províncias, federados por esta Cons­
tituição.' ,-
Vários deputados bateram-se pelo federalismo, entre eles F. Paula Souza 
e Henrique de Resende. Alves Branco, em 1835, em seu relatório como 
ministro, assim escrevera: "E sempre foi de minha opinião que o Império 
precisava ampliar em sua Constituição o elemento federativo, que nela 
haviam admitido seus ilustres redatores mas nunca foi de minha intenção 
que o Governo-Geral ficasse destituído de influência e forças necessárias 
para manter a União." 
Eu acho que aí é que está o grande ponto sensível da questão. É justa­
mente esta fixação, este equilíbrio de poderes entre a União e os Estados 
federados, que dá margem a este fluxo e refluxo histórico, como assinalou 
Clóvis Ramalhete, desde o Ato Adicional de 1834 até a revisão de 1840 e 
depois a Constituição de 1891. E nós estamos sempre neste fluxo e refluxo. 
Abre-se o leque, fecha-se o leque, o Brasil tem vivido assim e Oliveira Viana, 
92 R.C.P. 2/80 
aliás, salienta isso com muita precisão e continua vivendo isso: a abertura 
e o trancamento, a centralização excessiva e a descentralização excessiva. 
Depois da República, Campos Sales, por exemplo, era francamente sepa­
ratista. Vemos isto na própria palavra soberania - e as palavras têm o seu 
peso - no Decreto n.O 1, que as palavras mudam com o tempo. Assim 
como naquele tempo se falava em divórcio, e a palavra hoje tem outra cono­
tação, em projetos de Teixeira de Freitas, Nabuco e outros, o divórcio era 
o desquite; assim, a palavra soberania, analogicamente, era muito usada. 
Mas houve um tal excesso, depois da proclamação da República, que Rui 
Barbosa como que recolheu as velas e censurava: "Não há mais federação 
que nos baste", dizia ele. Hoje, todos são federalistas, mais do que os 
federalistas históricos. 
(Lendo): "A federação estava na raiz da formação brasileira. Emergia de 
uma federação geográfica, em que as províncias, distribuídas em obediência 
a fatores territoriais e telúricos, como que se acomodavam em limites na­
turais, sujeitos, aqui e ali, a retificações. Os rios, as montanhas, os climas, 
os antecedentes históricos regionais concorriam para isso. O difícil seria, 
em nosso entender, conciliar a monarquia com a federação, o que alguns 
ainda tentaram." 
Neste ponto eu peço licença para discordar do mestre professor Rama­
lhete. Eu acho que a legislação fiscal nada tem a ver contra os ideais fede­
rativos. Pelo contrário. Se a Corte legislava de uma forma para o Nordeste, 
porque ali a produção era uma e de outra forma para Minas, porque lá a 
produção era outra, numa seria a agricultura, noutra o ouro, eu acho que 
isto é mais um elemento que contribui para a federação, mais um ingre­
diente: Porque federação não é unitarismo e justamente teria que haver essa 
diversidade. 
Clóvis Ramalhete - Falei no sentido de que contribuía para o "centri­
fugismo". 
Si/via Meira - Eu creioque V. Ex.a alegou, se bem entendi, que o 
português não tinha noção da unidade - digamos assim - política do 
Brasil, tanto assim que havia - o Cotrim reforçou isto - grande sepa­
ração entre a Amazônia, o estado do Maranhão e o resto do Brasil. Sempre 
existiu, de fato, mas isto não me parece seja obstáculo à idéia federativa. 
Tanto assim - e aí cabe num desses conceitos de federação - que em 
outros terrenos, e noutros campos, a diversidade exige também, às vezes, 
as variantes legislativas. É o caso do processo da I República. O processo 
não era unitário. Só se pode considerar unitário em 1934 e com o Código 
de Batista Martins em 1939. Havia essa diversidade de regiões e de estados. 
Mesmo o Código Civil, houve quem se batesse, quando Beviláqua apre­
sentou seu projeto, contratado por Epitácio Pessoa, no início do século, 
em 1900, houve quem se batesse pela diversidade de codificação no Brasil, 
que cada estado tivesse um código civil, como ocorre no México e como 
na Argentina Alberti queria também. Alberti lutou por isso, porque ele 
queria que cada unidade federativa tivesse o seu código civil. De forma que, 
Rui Barbosa e a federação 93 
no meu entender, esta legislação tributária fiscal não era um fato negativo 
contra a unidade brasileira, dentro dessa concepção federativa. 
O que é preciso pôr em destaque é que, na federação, cada unidade 
mantém sua autonomia, suas características rróprias, muito embora a União 
sobre todas impere. Rui Barbosa estudou muito bem isto, aliás, em seus 
arrazoados, principalmente nas razões finais, como advogado do Amazonas, 
quando pleiteou o Ato Setentrional. De maneira que não se coloque a 
União como antagonista dos estados e vice-versa. 
(Lendo): "Em 1885, muitos parlamentares, entre eles Joaquim Nabuco, 
apresentaram projeto instituindo o "regime federal". Iniciativa essa que se 
renovou em 1888, como bem assinala Aristides Milton: 1 "A idéia federativa, 
no entanto, foi tomando corpo, dia a dia, a ponto de servir de fundamento 
a um Foto em separado, que membros ilustres do partido liberal redigiram. 
numa reunião solene, convocada pelos chefes para refundição do respectivo 
programa." 
No fim do Império a federação era pregada abertamente. O próprio 
Ministro Saraiva apresentara ao imperador um programa de federação, que 
fora aceito, em princípio. 
O Visconde de Ouro Preto, todavia, chefiando o ministério, refugara a 
idéia. 
Em todos esses eventos, como líder de idéías novas, tomou papel saliente 
Rui Barbosa, muito embora inicialmente fosse um federalista monárquico. 
Ele mesmo afirmou que fora federalista antes de tornar-se republicano. 
O papel de Rui é muito significativo nessa fase histórica, através da 
imprensa e do parlamento, antes e depois de implantado o regime repu­
blicano. Isso sobressai de seus próprios escritos. Através deles vamos tentar 
reconstituir o seu pensamento. Enquanto Rui desejava a federação com a 
Coroa ou sem ela, Joaquim Nabuco não admitia a federação sem a mo­
narquia.2 
Em artigos publicados no Diário de Notícias, de 4 de outubro de 1889, 
salienta Rui Barbosa que num Estado como o Brasil, com imensa área e 
com diversidade de climas e de constituições geológicas, "uma natureza 
adaptável a todos os costumes", era necessário variar também o sistema de 
administração local, ilimitadamente. Entendia que sob a monarquia unifi­
cada os municípios definhariam sempre "adstritos ao princípio da unifor­
midade mecânica, que atrofia a vida local". Punha em realce, apontando o 
vício histórico que perdurou por muito tempo: "Enquanto a nomeação 
arbitrária, ou a escolha sobre listas tríplices, subordinar, direta ou indire­
tamente, os presidentes à influência da administração central, as assem­
bléias provinciais serão sempre corporações dependentes e subalternas." 
E concluía afirmando não poder haver entre nós reorganização municipal 
séria, "inteligente, fecunda, antes da federação". Acho que a chave do 
federalismo, o ponto mais sensível das constituições é, justamente, aquele 
1 A Constituição do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1898. p. VIII. 
~ Veja Bitar, Orlando. Presença de Rui Barbosa. Belém, 1956. p. 11: e Oliveira 
Viana. Ocaso do Império. 2. ed. p. 110. 
94 R.C.P. 2/80 
que se refere à partilha tributária. Através de uma partilha tributária pode 
se acabar com uma federação ou pontificar uma federação. É o ponto 
sensível. Penso, mesmo, que as constituições têm três, quatro ou cinco 
pontos sensíveis. Fala-se muito em mudar a Constituição do Brasil, convocar 
uma constituinte, fazer uma nova Constituição. Mas, às vezes, um simples 
artigo de uma Constituição pode fazer uma revolução. De nada adianta 
fazer uma Constituição inteira. Quem lê os Anais das Constituições Brasi­
leiras fica encantado com os debates magníficos. São as mesmas questões 
que voltam. Mas há dispositivos, como os que dizem respeito à interven­
ção que são também pontos sensíveis. Os poderes da União e os poderes dos 
estados, aqueles poderes que não cabem à União e que já vêm desde a 
Constituição de 1891, precisamente os poderes que cabem ou não aos 
estados. Vimos que, no início da República, houve questões muito sérias, 
no que diz respeito aos impostos interestaduais. Felizmente isso foi destruído 
e o próprio Rui Barbosa concorreu para evitar que cada estado da federação 
tributasse à sua maneira, prejudicando os demais estados federativos. 
Clóvis Ramalhete - Permita-me interromper. No voto em separado 
de Rui Barbosa, na convenção do Partido Liberal, ele chegou ao detalhe de 
vetar o imposto interestadual, visto que ele propunha a federação. Veja, 
então, é uma das cláusulas mais importantes da Constituição americana 
esta, muito experimentada pelos tribunais e controlada pela Suprema Corte 
americana. Até nesse detalhe de Rui, no seu voto em separado, ter tratado 
da matéria, se vê a intimidade dele, prepara cio desde cedo, para a obra de 
ser o criador da federação, como legislador que era. 
Silvio Meira - Neste meu trabalho que é muito longo e que vou entregar 
ao Sr. Presidente, eu analisei o papel de Rui na imprensa. 
(Lendo): "Em outro artigo, no mesmo Diário de Notícias, do dia 17 de 
junho de 1889, pouco antes da proclamação da República, escrevia: 'Me­
dida no seu princípio, essencialmente liberal, a federação é, ao mesmo 
tempo, nas circunstâncias atuais do País, uma reforma eminentemente con­
servadora.' A monarquia era unitária e conservadora e vivia parasitaria­
mente da seiva das localidades, gerando "o descontentmento, a desconfiança, 
o desalento, cujo derradeiro fruto é o separatismo, que, se nas províncias 
fracas ainda não se atreveu a formular-se como voto geral, pronuncia-se 
franco e altanado naquelas, a que a riqueza vai dando a independência do 
sentir." Seria, portanto, a federação, um meio de salvação nacional, uma 
bandeira à espera de um partido, a qual, se "o liberal continuar a deixar 
no chão, pode amanhã estar legitimamente nas mãos do conservador". 
Rui punha em primeiro plano o ideal da federação e em segundo plano 
a monarquia. Combatia o unitarismo, a centralização exagerada, e buscava, 
através da federação, neutralizar idéias separatistas, que se prenunciavam 
em províncias mais poderosas economicamente. 
O difícil, em nosso entender, é o relacionamento, o equilíbrio entre a 
União e os estados federados, as duas forças, centrífuga e centrípeta, em 
conflito. E os primeiros homens da república, alguns apenas, levavam a 
Rui Barbosa e a federação 95 
exagero os seus ideais federalistas, procurando arrastar a nação para os 
caminhos da confederação. 
Nosso processo político fora diferente do argentino e do norte-americano. 
Devíamos partir de um estado unitário para uma federação que chamaría­
mos dativa: enquanto a Argentina e os EUA se constituíram com a união 
de estados antes confederados, o grau de poderes, a partilha tributária, 
a competência legislativa, constituem os limites constitucionais em que se 
exercem as atribuições federais e estaduais.Na realidade, a pregação de Rui tomou outros caminhos, tanto assim que, 
depois de proclamada a República, em discurso no Congresso Constituinte 
de 16 de dezembro de 1890,3 dizia, já um tanto amargurado: "Eu era, 
senhores, federalista, antes de ser republicano. Não me fiz republicano 
senão quando a evidência irrefragável dos acontecimentos me convenceu 
de que a monarquia se incrustara irredutivelmente na resistência à federa­
ção. Esse non possumus dos partidos monárquicos que presidiram a admi­
nistração do País no derradeiro estágio do Império está na oposição obce­
cada, inepta, criminosa de uns, na fraqueza imprevidente e egoística de 
outros contra as aspirações federalistas da Nação. A federação teria demo­
rado o advento do regime republicano por pouco tempo; mas teria poupado 
à República as dificuldades de organização, com que temos arcado e con­
tinuaremos a arcar talvez por não breves dias." Eis aí. Rui sentia que a 
monarquia estava fadada a esboroar-se, ma~ a sua derrocada poderia ter 
sido adiada, se fosse admitida a federação. dando tempo ao tempo a fim 
de que a nação se preparasse para o novo regime. As dificuldades encon­
tradas nos primeiros momentos foram imensas. Os implantadores da Repú­
blica tiveram, no entanto, o bom senso de chamar para a mais grave função, 
a de plasmador da nova ordem jurídica, o eminente jurisconsulto baiano. 
Rui, porém, desencantava-se com os novos rumos e afirmava: "Já não há 
senão federalistas. Já os federalistas antigos se vêem desbancados e corridos 
pelo fanatismo dos conversos. Já muitas vezes os mais intransigentes no 
serviço do princípio triunfante são os que ontem embaraçavam as pretensões 
mais módicas da reforma federativa. Federação tornou-se moda, entusiasmo, 
cegueira, palavra mágica, a cuja simples invocação tudo há de ceder, ainda 
que a invoquem mal, fora de propósito e em prejuízo da federação mesma." 
E fazendo um paralelo com o processo evolutivo norte-americano, salien­
tava: "Nós, ao revés, que passamos da centralização imperial a um regime 
de federação ultra-americana, isto é, que passamos da negação quase abso­
luta da autonomia ao gozo da autonomia quase absoluta, nós vociferamos 
ainda contra a avareza das concessões do projeto que, oferecendo-nos uma 
descentralização mais ampla do que a dos EUA, incorre, todavia, no vício 
de não no-la dar tão ilimitado quanto a imaginação sem margens dos nossos 
teoristas." E remata: "Ontem, de federação, não tínhamos nada. Hoje, há 
federação que nos baste." 
3 Anais da Constituinte de 1890-1891. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional. 
96 R.C.P. 2/80 
Ponto sensível, nessa matéria, é a tributação. Os impostos de exportação 
e importação eram objeto de contenda entre as unidades federativas, que o 
disputavam e a União, que os desejava. Daí entendermos que o fundamental 
é encontrar o meio-termo, o equilíbrio de forças, para que a federação não 
seja absorvida pela União, transformando-se em Estado unitário e, ao revés, 
os estados não estendam a sua autonomia às raias da soberania. 
Cremos que os primeiros tempos da República foram decisivos para a 
sobrevivência do Brasil como nação una, territorial e politicamente, e o 
papel desempenhado por Rui Barbosa foi de extraordinária significação. 
Pregava, ensinava, combatia, liderava, muito embora encontrando resis­
tência e oposições. Seus ideais eram puros, enxergava longe nos horizontes 
da história. 
(Interrompendo a leitura): Como se vê, Rui era mais federalista do que 
monarquista. Queria a federação com a coroa ou sem a coroa. Agora, 
como o seu projeto foi emendado e depois quase todos pregavam a federa­
ção com excesso, confundindo soberania com autonomia, Rui mudou a 
direção de sua luta, combatendo aqueles que queriam desvirtuar a federa­
ção, e isso não apenas logo depois da proclamação da República. Ainda 
em 1916, num discurso em Buenos Aires, ele criticava as federações mas 
dizia que não havia outro regime para os países americanos a não ser o 
da federação. 
(Continuando a leitura): "Passados 26 anos, em 1916, em conferência 
no salão de La Prensa, de Buenos Aires, a 20 de julho, voltava ao velho 
tema, já ralado pela experiência: "Não posso dizer que a República e a 
federação encontrassem, no meu país, um terreno onde hajam prosperado. 
Mas nem por isso votaria, hoje, senhores, pela substituição, aliás, a meu 
ver, impossível, de uma e de outra. Sejam quais forem as conseqüências, 
essas duas formas políticas me parecem, hoje, irretratáveis no Brasil. Não 
há por onde, nem como, nem com que se \'olte às antigas." 
Reconhece as falhas do regime, mas considera-o, mesmo assim, insubs­
tituível: "Mas, com todas as suas imperfeições, alterações e degradações, 
esses dois princípios de organização não têm, ali presentemente, sucedâneos 
concebíveis. Com a República e a federação, ou haveremos de nos salvar 
ou de perecer. Podemos, devemos reconstituí-Ias e saneá-las. É o que com 
o nosso revisionismo queremos." 
(Interrompendo a leitura): No início da r,epública, velhos monarquistas 
como Cândido de Oliveira e Andrade Figueira, este principalmente, se 
envolveram em movimentos de restauração da monarquia. Andrade Figueira 
esteve exilado na Europa, foi um lutador, ainda sonhava com essa possi­
bilidade. Rui Barbosa, não, sempre teve os pés no chão e a visão exata 
do futuro do nosso país. 
(Continuando a leitura): "Rui considerava a República, para as nações 
do continente americano, uma instituição inevitável. Mas punha em realce 
os defeitos da prática republicana no Brasil, com o uso, pelos estados, de 
uma meia soberania, com desequilíbrio de forças, em que as unidades ora 
invadiam atribuições da União, ora abriam mão das próprias, favorecendo 
Rui Barbosa e a federação 97 
a centralização. E pregava a revisão, ideal esse, aliás, que vinha de longe, 
porquanto, desde 1892, já se batia pela revisão do texto constitucional, 
que fora desfigurado em alguns aspectos pela Constituinte. Vide carta a 
Pardal Mallet, 1892.4 
Em 1897, perguntava aos organizadores da República: "Que tendes 
alcançado até hoje? Um acanhado círculo de ambiciosos proclamou-se à 
nação, superpôs-se à maioria, eliminou as oposições, negou a reparação 
federal aos estados oprimidos e oprimiu com força federal os estados orga­
nizados, desconheceu o papel constitucional dos tribunais, abateu o nível 
representativo, emancipou o Executivo da lei, e submeteu-o aos mandões 
de camarilha, fez do imposto a goela do déficit e do erário o seu ventre 
insaciável, enxovalhou, na ferragem da demagogia francesa, a incruenta 
sublimidade das instituições americanas, explorou o estado de sítio, as leis 
de exceção, os golpes de estado, e acabou arremessando contra a liberdade, 
a propriedade, a segurança da existência, elementos fundamentais de toda 
civilização, os instintos atrozes da rebanhada terrorista."5 E, em 1898, pre­
gava: "Mas, a nosso ver, a República não necessita de ser reformada unica­
mente na sua política, senão também na sua constituição." E mais adiante: 
"Rompamos com a seita das pequenas pátrias. O Brasil quer a grande ... " 
E, em outro passe: " ... organizou-se em sistema constitucional a nossa 
ruína e assentaram-se as bases da dissolução do País, contra a qual, desde 
1831, se reclamava a federação como o melhor preventivo". E ainda: "A 
unidade nacional estremece combalida por todos os lados. O egoísmo loca­
lista ganha terreno incomensurável. Todos os laços da União vão-se des­
dando e partindo."6 
Eis aí, em linhas gerais, como se distanciava o ideal de Rui Barbosa da 
realidade nacional. A República e a federação geraram problemas em nossa 
história constitucional, com os fluxos e refluxos periódicos, ora a centrali­
zação, ora a descentralização, quase sempre ambas de forma desarrazoada 
e em desacordo com a realidade. Os males persistem e até se agravam. A 
nação cresceu, mas a federação ainda não encontrou o seu exato ponto de 
equilíbrio entre o poder central e o das unidades federativas. Basta um 
paralelo entreos poderes atuais da União e os dos estados no texto consti­
tucional em vigor, com maior ênfase na partilha tributária, para verificar-se 
que a federação ainda é um ideal não atingido com total êxito nesta nação. 
A palavra de Rui, todavia, aí está: sempre viva, perene." 
É bem verdade que o desenvolvimento econômico gera distorções na 
federação. Vemos, por exemplo, os programas desenvolvimentistas, hoje 
em dia, que falam em regiões, regiões geoeconômicas do Nordeste, a Sudene, 
a Amazônia com a Sudam, outra, a Sudepe etc. São conglomerados de 
estados, de zonas geoeconômicas como que colocadas entre as unidades 
federativas e o poder maior da União, porque há necessidade de se desen-
4 Lacombe. Américo J. O Pensamento vil'o de Rui Barbosa. São Paulo, Livraria 
Martins, 1944. p. 74. 
5 O Partido Republicano Conservador. 1897. p. 94. 
" Projetos e esperanças. A Imprensa, 5 ou!. 1898. 
98 R.C.P. 2/80 
volver economicamente aquelas áreas. Então, estão se criando esses blocos 
dentro da federação brasileira. Em resumo, era o que eu pretendia dizer, 
muito embora ainda houvesse muito a falar. Muito obrigado. 
Presidente - Com a palavra o Professor Miguel de Ulhôa Cintra. 
Miguel de V/hôa Cintra - Sr. Presidente, nada tenho a acrescentar ao 
que foi dito, apenas gostaria de salientar que esta mesa-redonda vai fechar 
com chave de ouro, pela presença de tão ilustres mestres, o ciclo de reuniões 
deste ano. Nós estamos desenvolvendo uma pesquisa, no Instituto, sobre 
o federalismo e suas distorções e esta mesa-redonda, sem dúvida, irá marcar 
o ponto alto desse trabalho, pois que ela passará a fazer parte do mesmo. 
Nada mais tenho a acrescentar. Muito obrigado. 
Presidente - Com a palavra o Professor Souza Brasil. 
Souza Brasil - Preliminarmente, peço licença para fazer minhas as pala­
vras do Dr. Miguel de Ulhôa Cintra. Em se tratando de figuras tão ilustres, 
declaro que nossa atuação terá que ser auxiliar. O auxiliar, aí, em home­
nagem ao prof. Silvio Meira, latinista emérito. 
De qualquer maneira, queria trazer à colação certos aspectos apenas 
complementares ao que já foi aqui tão brilhantemente exposto. Por exem­
plo, na Constituição vigente nada mais faz que reproduzir textos anteriores 
- textos, não o todo, talvez com única exceção a de 37, quando houve 
uma tentativa de militarismo no Brasil - estabelece-se que não pode ser 
discutido, devendo ser arquivado, de ofício, qualquer projeto apresentado 
a uma das Casas do Congresso, visando abolir a federação e a república. 
Isso é de importância fundamental para a nossa doutrina da Escola Superior 
de Guerra, que é baseada, essencialmente, em objetivos nacionais. Até bem 
pouco tempo, antes da Constituição de 67, eram objetivos meramente didá­
ticos e, hoje, não o são mais. A Constituição de 67, enquanto não substi­
tuída, estabelece, expressamente, de maneira taxativa e categórica que in­
cumbe ao Conselho de Segurança Nacional fixar objetivos nacionais per­
manentes, no Brasil, e as bases da política nacional. Como no Brasil as 
leis são feitas e não são cumpridas, é posslVel que isto não esteja sendo 
cumprido também. Mas, hoje em dia, já está incorporado à Constituição. 
Pela nossa doutrina, os objetivos nacionais encontram-se, explícita ou im­
plicitamente, dentro das constituições políticas. Ora, por causa disso, exata­
mente, um desses objetivos é a federação. Este é de tal maneira resguar­
dado pelo próprio texto constitucional que não se pode tocar na federação. 
Pode-se tocar em tudo. 
Silvio Meira - Permita-me uma observação: é estranho que a última 
Lei de Segurança Nacional não inclua, entre os delitos contra a segurança, 
atentar contra a federação. E eu escrevi um artigo no Jornal do Commercio 
sobre isso. Passa por cima da federação. 
Souza Brasil - t uma boa lembrança. 
O problema, então, ficou dessa maneira bem posto. Hoje, evidentemente, 
tendo em vista a situação do nosso INDIPO, houve uma reunião de eminen­
tes professores de direito. t pena que aqui não esteja o Professor Diogo 
Lordeiro de Melo, que não é muito conhecido dos senhores porque não é 
Rui Barbosa e a federação 99 
bacharel em direito, mas é o diretor executivo do nosso IBAM - Instituto 
Brasileiro de Administração Municipal que tem uma experiência, na matéria, 
infinitamente superior a muitas outras pessoas. Em conferência aqui profe­
rida, abrindo o curso da nossa Escola de Administração Pública, eu estando 
presente, fiquei tão impressionado que sugeri ao Professor Átila da Silveira 
Ramos, coordenador de estudos brasileiros, da Universidade Federal do Rio 
de Janeiro, que o convidasse a repetir a conferência, naquele cenáculo. Ele 
a fez, com enorme sucesso. Essa conferêncÍ1, em síntese, justifica, em gran­
de parte, o que disse o nosso querido Professor Clóvis Ramalhete, aliás 
nosso querido mestre, já que não gosta do título de professor. Hoje em dia 
- não falo do ponto de vista histórico, evidentemente - no Brasil, a federa­
ção é um mito, porque o Governo tem tamanhos poderes, fora da legislação 
normal, que pode - só há um estado, no Brasil, que pode resistir, até 
certo ponto, vitoriosamente, a uma pressão do Governo federal, que é São 
Paulo -, por exemplo, alterar a alíquota do ICM e com esta simples alte­
ração ele condena à ruína qualquer estado do Brasil. Outra coisa que o 
Governo federal pode fazer. Houve uma evolução ou, se quiserem, uma 
involução extremamente grave, que é a seguinte: hoje em dia - isso nos 
choca a nós bacharéis em direito - ao lado da lei, há norma. Por exemplo, 
o nosso Banco Central, que, hoje, está dirigido por um colega nosso, o Car­
los Geraldo, em grande parte, baixa instruções normativas, que, para as 
entidades sujeitas ao Banco, são leis e se elas não as cumprirem o banco 
intervém e não podem apelar para a Justiça. Então, vejam bem como isso 
mudou muito. A situação atual, no Brasil c no mundo, é completamente 
diferente daquilo que nós aprendemos. Então, o Banco Central baixa uma 
instrução normativa. Agora, por exemplo, ordenou que baixassem os juros. 
Juros, todos nós sabemos, é uma fixação jurídica, tem que haver um con­
senso mútuo, a lei disciplina. Pois bem, ordenou que baixasse tantos por 
cento. Quem não baixar, as penalidades já estarão chovendo sobre os in­
fratores. 
Silvio Meira - Permita-me um aparte. Os depósitos populares, creio que 
abaixo do salário mínimo, passados três ou quatro meses, o indiviJuo pro­
cura, o banco recolheu, cancelou a carteira. São milhões. É uma apropria­
ção indébita. 
Souza Brasil - Para nós ainda formados na antiga escola, é uma apro­
priação indébita. De modo que a conferência do Professor Diogo foi, real­
mente, muito interessante, porque ele mostra o que é a federação, hoje em 
dia, como ela funciona entre nós. Bem ou mal, não importa indagar no 
momento. 
Cotrim Neto - Permita-me um novo registro. A propósito da sua obser­
vação de que não se pode apelar para a Justiça, peço vênia para discordar. 
Sobretudo agora, em função da Emenda Constitucional n.O 8 - o famoso 
"pacote de abril" - foi acrescentado à competência do Supremo Tribunal 
Federal, foi acrescentado, não, foi desenvolvido o que já estava na Consti­
tuição de 67. O Supremo pode apreciar a inconstitucionalidade, em tese, 
de quaisquer disposições normativas. De forma que, eventualmente, não 
100 R.C.P. 2/80 
será estranha à competência, ao exame do Supremo uma deliberação dessa 
ordem normativa do Banco Central, lesiva de direitos subjetivos que a pró­
pria Constituição preveja. 
Souza Brasil - Estou de inteiro acordo. Apenas, até hoje, não se fez isso. 
O que se diz na prática, na teoria, é outra coisa. A instituição financeira 
sabe muito bem que se se rebelar contra o Banco Central poderá ganhar até 
no Supremo Tribunal Federal, mas estará condenada a desaparecer. O Ban­
co Central não aceitará, de maneira alguma, que um exemplo desses vá 
prejudicar o que ele tem como sendo a sua política certa e acertada, em 
matéria financeira. É o grande problema entre a teoria e a prática.É este 
problema que tem que ser visto por nós. Temos que viver, hoje, o drama 
que todo o mundo está vivendo. As situações se complicam, se apresentam 
de maneira cada vez mais diferenciadas. Não é só o Banco Central. Nesse 
jornalzinho que distribuí aos senhores, da Associação dos Servidores Civis, 
da qual sou presidente do Conselho Deliberativo, há, também, instruções 
normativas do Dasp, que, na realidade, criam direitos, geram direitos. Por 
exemplo: o anterior diretor-geral do Dasp era um homem que não cumpria 
sentenças, não cumpria deliberações do Poder Judiciário. O atual diretor, 
nosso colega, Dr. José Carlos Freire, figura muito simpática e competente, 
ao chegar, encontrou as suas gavetas atulhadas de sentenças que apenas o 
antigo diretor-geral engavetava e não as cumpria. Ele, agora, com muitE! hE!bi­
lidade, para não colocar mal ninguém, desengavetou e as está cumprindo, 
tranqüilamente. Esta é a realidade, realidade triste, dolorosa, mas é a reali­
dade. Uma realidade, inclusive, para um jurista eminente, como é o nosso 
querido Clóvis Ramalhete, em que há uma disparidade tremenda pra o 
funcionalismo público em que o funcionário público estatutário tem mais 
vantagens e direitos e não tem o 13.° salário e o que é contratado, pela 
CLT, o possui, na mesma situação. Eu sou professor do Estado, era pro­
fessor pela CLT e tinha o 13.° salário. Era professor titular, no Pedro lI, 
e não tinha o 13.°. Quando se perguntou isso ao diretor-geral do DASP, ele 
respondeu da maneira mais simples: o Governo não tem dinheiro para F­
gar. Então, vejam bem, prezados colegas e amigos, como a situação realmen­
te é uma situação concreta, em que nós temos que estudar doutrinariamente. 
Está muito bem, Rui Barbosa o fez admimvelmente e temos que estudar, 
na prática, como funciona essa teoria. 
Como vêem, não disse nada de novo, apenas complementei, com a devida 
vênia, as admiráveis intervenções anteriores. 
Muito obrigado. 
Clóvis Ramalhete - Presidente Djacir Menezes, desejo voltar àquela 
minha posição de prisioneiro, que é o advogado, o defensor das liberdades 
e, no entanto, se confessa. O advogado é prisioneiro da lógica das sentenças 
e é escravo da lógica das petições iniciais. Ele há que apresentar os fatos, 
fazer a argumentação e formular o pedido. O juiz, na lógica das sentenças, 
há que fazer o resumo da causa a fundamentação do seu decísio e, ao fim, 
a conclusão sentensiva. 
RI/i Barbosa e a federação 101 
Por deformidade pessoal, no exercício apenas da advocacia - tendo sido 
só advogado, há 40 anos, à frente de uma banca de advocacia liberal, so­
brevivente de uma profissão liberal-, pela primeira vez, e com que angústia 
vivi esse tempo, entrei para o Poder Público, sem nenhuma intimidade com 
os chamados canais competentes. Mas estou voltando aqui a usar da palavra 
na minha condição de advogado prisioneiro da lógica. Rui e a federação é 
de que se está tratando. 
Cotrim Neto - Se me permite uma interrupção. O nosso colega Rama­
lhete enfatiza muito a sua condição de advogado e diz que não é professor 
e repele a generosidade com que o condecoram por vezes, qualificando-o de 
professor Ramalhete. 
Mas eu quero chamar - já que o tema é federalismo - atenção para 
dois fatos. Num recente trabalho, A History of American Law, o americano 
Lawrence Friedman destaca este fato: o federalismo americano, na Conven­
ção de 1787, em Filadélfia, foi obra de advogados. Em cinqüenta e poucos 
convencionais, trinta e poucos eram advogados. Foram eles que construíram 
o federalismo americano que é o modelo, digamos assim, embora hoje muito 
alterado, do federalismo moderno. E Rui Barbosa, o patriarca do federalis· 
mo brasileiro, como nós estamos comentando, também sempre se apresentou 
como advogado. 
No seu discurso de posse no Instituto dos Advogados Brasileiros, Rui 
Barbosa assim se exprimiu: Várias vezes fui convidado para o magistério, 
para a docência; entretanto, não me sinto inclinado para a docência, porque 
eu sou, sobretudo, advogado. E este advogado, como Clóvis Ramalhete, foi 
o patriarca do federalismo brasileiro. 
Clól'is Ramalhete - Também eu não sou nada original, dizendo que na 
companhia de Rui Barbosa eu me sinto bem. (Risos.) 
Mas, voltando a Rui e a federação, na crítica tão realística, tão verdadeira, 
a propósito dos pontos fracos em que uma federação pode ser ferida de 
morte está, no seu parecer, entre outros, a partilha das rendas nacionais. 
l'<Ias ouvi, principalmente, a sua cominação, que vem ao encontro das 
minhas cogitações, da minha inquietação, quanto aos rumos da federação, 
quando menciona, en passant, a Sudene e a Sudam, um certo regionalismo. 
Mais como um cientista político e jurídico do que como jurista, eu desejo 
fazer certas constatações. Numa definição ortodoxa jamais coube à federa· 
ção brasileira a definição ortodoxa de um pacto entre estados indestrutívei, 
que gera um poder central que os coordena. Este esboço não esgota a reali­
dade institucional brasileira, porque não se hla num terceiro nível de poder 
posto na Constituição para os municípios. 
Vejam bem a originalidade da federação brasileira. Nós fizemos a federa­
ção e pusemos na Constituição os municípios. E pusemos, possivelmente, 
por atendimento àquele fator que Loewenstein definiu como sendo forças 
pré-constituintes. São forças sociais que conduzem o delegado constituinte, 
que não as pode desrespeitar, sob pena de invalidar o seu trabalho consti­
tuinte. O município antecedeu o Brasil, o município foi na constituinte bra­
sileira escolhido para emendar a Constituição Quando ele outorgou a Cons· 
102 R.C.P. 2/80 
tituição, entregou-a aos municípios para debatê-la, votá-la e emendá-la. 
Houve a Emenda de Itu, como houve o fuzilamento de Frei Caneca, porque 
o município é anterior ao Brasil independente. 
Então, na nossa federação já existia, abaixo dos estados, poder instituído 
e depois legitimado pela Constituição ou por tais poderes municipais, na 
estrutura do poder de estado brasileiro. 
No momento, e mencionado pelo professor Silvio Meira, tem estado nas 
minhas meditações, meu caro Djacir Menezes, presidente, jurista e sociólogo, 
que é possível que a nossa geração de brasileiros esteja colocando em bor­
rão, por instinto, por esta força instintiva que o povo tem, uma formulação 
de poder que se vai situar, terminando flutuando entre o estado e a União. 
É possível, ainda que certos exércitos do poder central - pois o antago­
nismo existe na federação: é a oposição constante e insolúvel do poder local 
e do poder central - é possível que a forma de poder que se vai colocar 
entre os estados e o poder central, sem retirar dos estados a sua autonomia, 
é possível que seja instituído às expensas do poder central, pois vemos, 
presentemente, que o poder central planeja regiões, está planejando o Nor­
deste, está planejando o Oeste, está planejando o Norte. 
Souza Brasil - Se me dá licença para um esclarecimento, o Professor 
Dauro de Abreu Dalari, em trabalho recentíssimo, publicado por ocasião 
do jubileu áureo do Dr. Afonso Arinos, propõe uma nova classificação da 
federação, exatamente como V. Exa. vem fazendo. Ele põe, entre os estados 
e a União, as regiões sócio-econômicas e no corpo municipal as regiões 
metropolitanas. Veja bem V. Exa. que, n:almente, o tema é da maior 
atualidade. 
Clóvis Ramalhete - Quando eu falei de maneira impessoal, não foi só 
por modéstia compulsiva, mas também pela verificação da realidade. É 
possível que esta nossa geração atual esteja concebendo uma formação de 
entre-poderes, disse eu, pois que juristas aqui, ali e acolá estão formulando 
isto. 
Cotrim Neto - Se me permite, Dr. Clóvis Ramalhete, nos EUA, hoje 
em dia, há um grande debate a respeito deste assunto agora focalizado pelo 
professor Souza Brasil, com referência à concitação de Dalari. Nos EUA 
tem-se comentado muito a inadequação da Constituição americana de 1787 
à atual estrutura da sociedade americana. Quando se fez a Constituição de 
Filadélfia, em1787, que precedeu a organização dos EUA como federação, 
o que só ocorreria em 1879, em março, apenas havia nos EUA seis cidades 
com mais de 8.000 habitantes. Eram Filadélfia, Nova Iorque, Baltimore, 
Salem e mais umas duas ou três. Eram seis ou oito cidades com mais de 
8.000 habitantes; por volta de 1787, apena,> 3% da população dos EUA, 
que estava em cerca de 4.000.000 de habitantes, viviam nos centros urbanos. 
No entanto hoje, nos EUA, há aquelas megalópoles, como Chicago, como 
Nova Iorque, como Los Angeles, e a estrutura do poder americano tem di­
ficuldades em se adequar, em se ajustar a esta nova realidade social. 
Clóvis Ramalhete - A sua observação pode ser traduzida, em termos 
teóricos, como sendo que o fato cria o direito. 
Rui Barbosa e a federação 103 
Cotrim Neto - Exato. 
Clóvis Ramalhete - O direito não cria o fato. Então, fatos novos forçam a 
evolução do direito, na direção em que os fatos e os princípios estão in· 
dicando. 
Mas eu estava tentando acabar de formular a constatação de que a nossa 
geração, pela mão de economistas, de técnicos, de juristas, de generais, de 
presidentes da República, de administradores de toda a escala, de formula­
dores de teorias políticas de solução para o problema brasileiro, a nossa 
geração está aparentemente esboçando, de modo instintivo e ainda não­
consciente, em decorrência da realidade brasileira, da unidade sócio-eco­
nômica do Nordeste, da unidade do Norte, das precisões do Oeste e do 
significado do Sudeste brasileiro, tentando formular entes de poder. Então, 
é possível a formulação de um centro de poder entre o poder do estado e o 
poder central, fora da ortodoxia da federação, tal como fora da ortodoxia 
da federação a inclusão dos municípios abaixo dos estados na nossa Cons­
tituição. A ele serão outorgadas certas competências do poder central. O 
poder central está planejando as regiões. E só se explica a formação deste 
centro de poder se ele receber, tiradas do poder entraI, certas incumbências 
que a ele tocam. 
Desejo encerrar minha intervenção, fazendo a constatação de que a fe­
deração sobrevive, não obstante o pessimismo com que se está encaranco 
aquilo que não passa de transformações das concepções jurídicas e políticas. 
A federação sobrevive e está sobrevivendo. O que está acontecendo de"e 
ser, se não me engano, a prevalência do Poder Executivo no estado central, 
por necessidade dos próprios problemas contemporâneos, pela sua natureza 
técnica, pela velocidade da formação das temões, pela velocidade da neces­
sidade das respostas. 
Por tudo isso existe uma prevalência do Executivo no poder central, o que 
não significa, de modo algum, a extinção da capacidade de autogoverno das 
regiões, seja nos estados, seja nos municípios. O planejamento e a liberdade 
é con\'ivência que é uma incumbência da nossa geração em termos de ciência 
política. Nos EUA, a competência constitucional do presidente de zelar pelo 
fiel cumprimento das leis, dando-lhe até mesmo poderes de declaração de 
estado de guerra entre estados, por acaso fez sucumbir a federação america­
na? N"ão. São problemas ocasionais ou de conjuntura que fazem esta exa­
cerbação do uso do poder. Após a hecatombe da bolsa de 29, a crise desceu 
dos cofres plutocratas até a classe operária, e levou anos para chegar lá. 
Mas chegou. Em 1934, 1935, nos EUA, já havia a volta às cidades, contado!> 
aos milhões os desempregados, barrados por arames farpados e metralhado­
ras e, em 33 dos estados americanos, havia a declaração da lei marcial pelo 
presidente dos Estados, pelo presidente da República e intervenção do exér­
cito, em função da cláusula da Constituição americana de que incumbe ao 
presidente a fiel execução das leis. Ora, por acaso, diante dessa crise su­
cumbiu definitivamente a federação? Não. São fatos ocasionais, conjun­
turais da História que para nós, numa geração, soma toda a nossa vida, 
104 R.C.P. 2/80 
mas para a vida nacional é um pequeno espaço, uma diástole do poder 
respondendo a realidades surgentes. 
Parece-me que a federação sobrevive e sobreviverá. Ela simplesmente é 
apta a estas alterações que os fatos estão ditando. E no Brasil, principalmen­
te, a realidade brasileira impôs aos nossos primeiros constituintes o reconhe­
cimento do poder local, enfim, que é o município e que é insolúvel. É uma 
força pré-constituinte e que se impõe ao constituinte, que é capaz de dissol­
ver constituintes, se aqueles constituintes se reunirem para mandar apagar 
do mapa político brasileiro os municípios. Não é possível fazê-lo. De tal 
modo, também, estas outras forças pré-constituintes estão formulando estes 
poderes regionais no Brasil de que a nossa geração tem sido, em linguagem 
de balbucio e sem nitidez, a primeira a sugerir. Nada disto, no entanto, 
significa a crise definitiva e o ocaso da federação. Significa, pelo contrário, 
apenas o seu dinamismo e a sua vitalidade, sua aptidão de adaptar-se às 
mutações da realidade. 
Presidente - Vamos, agora, ouvir a palavra sempre acatada, sábia, ilus­
tre, repassada de baianidade a respeito do assunto que muito nos interessa. 
Pedro Calmon - Meu querido amigo Djacir Menezes, mestre Clóvis 
Ramalhete, Silvio Meira, Cotrim Neto, Souza Brasil, vou dizer a propósito 
uma palavra, inevitavelmente, original. Parte dos meus primeiros estudos. 
Em 1934 - nem todos eram nascidos nesta mesa-redonda - (risos) disputei 
a docência livre da Universidade do Brasil (,Om a tese sobre a federação e 
o Brasil. Estudei profundamente o pensamento de Rui Barbosa. Vivi dentro 
da órbita que ele ocupou no seu gênero, político baiano que fui. De modo 
que a minha palavra responde a vários dos quesitos reunidos no temário e 
quero dizer o seguinte. Prestem atenção a isto: a federação proposta por 
Rui Barbosa não obedeceu a nenhum esquema ideológico arrebatado à 
literatura da especialidade. Ele foi, a este propósito, o expositor de uma 
velha teoria esposada por seu pai, João José Barbosa de Oliveira, cuja 
explosão na Bahia corresponde à revolta de 7 de novembro de 1837, cha­
mada a Sabinada. 
O problema é: quem semeou os fundamentos da federação no Brasil? 
Respondo: D. João III, rei de Portugal. Que tinha isto com o ideal federa­
tivo de Rui Barbosa? Respondo: uma coerência histórica perfeitamente níti­
da. Note-se, antes do Brasil já havia as condições indispensáveis para uma 
federação. Por quê? Porque o Brasil ainda era uma palavra, porque as re­
giões não se conheciam entre si, todas eram atraídas pelo Governo de Lisboa 
que as dirigia. Pois bem, quem deu ao Brasil a sua realidade prática foi o 
rei de Portugal. Quando o Príncipe Regente D. João transferiu a corte para 
o Rio de Janeiro, o primeiro cuidado que teve - dificuldade essa que foi 
resolvida pela sagacidade de Manoel Jacinto Nogueira da Gama, depois 
marquês de Baependi - foi organizar uma peça que nunca houvera antes, 
o orçamento do Brasil. Qual era o orçamento do Brasil, no tempo da colô­
nia? Não existia. Havia o da Bahia, o de Pernambuco, o da Paraíba, o do 
Pará, o do Maranhão. Não havia orçamento nacional. Leia-se isso na bio­
grafia do Marquês de Baependi, por Joaquim José da Rocha (1851). Em 
Rui Barbosa e a federação 105 
1.811, ele propôs a primeira lei, a primeira norma, reunindo os orçamentos 
das regiões, para formar a despesa e a receita de que o Governo se utilizaria 
para governar o Brasil. Em 1811. Quer dizer, até então, não havia no Brasil, 
senão uma idéia ou um fato que ia criando em torno de si, enfim, do 
Legislativo, mas que não correspondia a uma verdade política. 
O Brasil formou-se, evidentemente, ainda sem ser nação, por outros ele­
mentos: o mesmo português emigrante, o preto intervindo, o índio recuando, 
a semelhança do meio físico, o clima, o Brasil se formou; mas, antes dele, 
havia a capitania hereditária. Quando se fez a monarquia, qual a sua pri­
meira providência? Foi instrumentar essa divisão histórica em capitanias, 
como a base para construir a nação. O Príncipe Regente D. João, depois, 
D. JoãoVI - Decreto de 15 de dezembro de 1815 - lança, funda, cria 
o Reino Unido. O Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. E, pelo mesmo 
ato, eleva as capitanias à categoria de províncias. Leia-se a Carta de 25 de 
março de 1824, a Constituição do Império. Lá, se diz: as províncias do 
Brasil. Há um capítulo sobre as províncias du Brasil. Representavam por se­
nadores eleitos pelas províncias do Brasil, de acordo com a população, e a 
Câmara dos Deputados, que personificava o povo brasileiro, na sua unidade 
moral, na sua unidade cívica. Mas as províncias figuravam. Evidentemente, 
quando a monarquia quase se dissolve, com a abdicação de D. Pedro I, 
surge, forte, o ideal regionalista. Por quê? POlque esta era a grande verdade, 
obscurecida pelo entusiasmo da Independência, pela adesão nacional à In­
dependência. A grande verdade é esta: o Brasil, antes de ser nação, era 
província, antes de ser a unidade nacional, era um conglomerado, que pode­
mos chamar de federativo, aplicando a linguagem jurídica, mas não havia 
a idéia federativa. De qualquer maneira, funcionava como se fora federação. 
Quem superintendia as capitanias? O vice-rei, o governador-geral. Dava ele 
as ordens e elas as cumpriam, na parte relativa ao Exército, à defesa da 
terra. No demais, todas estavam subordinadas diretamente a Lisboa. Em 
Pernambuco, esse ideal federativo apresentava-se na Revolução de 1817 e 
na Revolução de 24, aquela em que é imolado Frei Caneca. Na Bahia, a 
independência é feita pela Província, independentemente da Nação. No Sul, 
há a adesão pacífica e festiva a D. Pedro I. Na Bahia, uma luta feroz contra 
a guarnição portuguesa, em que homens e mulheres - como Maria Quité­
ria, por exemplo - de armas na mão, em 2 de julho, conquistam a capital, 
impondo a independência, com a adesão ao Governo do Rio de Janeiro. 
De qualquer maneira, o resíduo regional permanece, como um elemento 
básico da emancipação. Vem o Governo de D. Pedro I, governo autoritário, 
centralista, que repugna ao regionalismo. Silvio Meira citou Ferreira Fran­
ça, naquela proposta de 1831, para que se criasse a federação no Brasil. A 
federação era a resposta ao autoritarismo central. Era o princípio democrá­
tico. naturalmente republicano, de toda a maneira colorido com a realidade 
geopolítica, em resposta ao centralismo monárquico. 
Este sentimento da separação do Brasil de que sobre a nação estava a 
província é a base da Guerra dos Farrapos, em 1835, e da Sabinada, em 
1837. Quando cai o Padre Feijó que, de algum modo, aceitava o princípio 
106 R.C.P. 2/80 
federalista, já em parte adotado em 1834, pela reforma da Constituição, 
pelo Ato Adicional, em boa parte patrocinado por Bernardo Pereira de 
Vasconcelos, quando cai o Padre Feijó, rebenta, na Bahia, a revolta local e 
cria-se a República Bahiense, sob a chefia de Sabino da Rocha Vieira, que 
dá o nome ao movimento: a Sabinada. Por que a isso me refiro? Porque 
Rui Barbosa, menino, bebeu essa atmosfera, respirou esse clima, o da reação 
local contra o centralismo imperial. E esse clima foi marcado, sobretudo, com 
a Lei de 3 de dezembro de 1841, a famosa lei do partido conservador e de 
Soares de Souza, que centralizou a política. Por quê? O presidente da pro­
víncia era nomeado pelo imperador, o chefe de polícia pelo imperador. 
Nomeados os delegados de polícia, os delegedos presidiam às eleições e as 
províncias foram enlaçadas por uma centralização, esperta, maliciosa, téc­
nica, dentro da qual reboja o protesto democrático, que vai estourar em 
1888, com o voto em separado, no Congresso, do Partido Liberal, presidido 
pelo Visconde de Ouro Preto, quando Rui Barbosa e Manoel Vitorino se 
batem pela federação das províncias. A federação, para Rui Barbosa, era um 
retrocesso histórico, aquele movimento latente, na política baiana, com ex­
pressões como esta - eu falei em política baiana, ou leio, nos jornais do 
tempo, isto é um problema de política baiam. Era a política baiana contra a 
política brasileira, no sentido de ser realidade subjacente. Era a província. 
Ora, dizer-se que ele pensava assim, porque, na América do Norte, a 
federação tinha sido um grande exemplo, porque no livro de História estava 
muito bem escrito, porque o exemplo do federalista Jefferson, ou do federa­
lista Hamilton constituía uma grande lição? Não. Ele era autêntico. Ele re­
presentava a política regional, estrangulada pela centralização monárquica 
e que a federação, com a monarquia, sem ela ou contra ela, como expressou 
Rui no famoso discurso no Politeama baiano, era o sentimento regional da 
Bahia. O que figurava, portanto, em 1888, 1889, era a geração esmagada 
pela reação centralista e que se dizia democrática e queria, então, ou a mo­
narquia na confederação ou a república também na confederação, mas de 
qualquer maneira em que as forças regionais fossem respeitadas. Esta é a 
explicação do problema. Portanto, não se precisa derrubar uma biblioteca 
para citar-se autores, não se necessita fazer o cotejo de opiniões nem recor­
rer às fontes alienígenas do direito público. Verifica-se que este era um 
~entimento regional, apurado na Bahia, em Pernambuco, um pouco no Pa­
raná, no Rio Grande do Sul. Distingo, logo que se proclamou a República, 
a atitude de Rui Barbosa da de seus contemporâneos. 
Rui Barbosa era um federalista e eu o chamaria, com certo rigor cientí­
fico, de histórico, dados os precedentes. Campos Sales era o federalista tipo 
filosófico. Com aquela referência à soberania dos estados, no prólogo da 
Constituição de São Paulo, etc. ele obedecia à filosofia federalista de que seu 
irmão, Alberto Sales, foi um dos intérpretes equívocos. Quer dizer, é um 
federalismo que eu chamaria de teórico. Prudente de Morais, e um pouco 
depois Campos Sales, seguir-se-ia criando a política dos governadores. O 
desdobramento do poder e sua articulação estabeleceram o que eu chamaria 
de federalismo prático, esse federalismo que tanto decepcionou Rui Barbo-
Rui Barbosa e a federação 107 
sa, porque a utilização dele beneficiou, não o poder central, como no Impé­
rio, mas a União manobrando os estados e tudo aquilo que deformou, cor­
rompeu e destruiu a República Velha. 
I\las o que Rui Barbosa pretendia era dar - na federação - aos estados 
uma dignidade correspondente à sua importância na formação da nacionali­
dade. Ele exagerou, todavia, com aquela idéia infeliz de chamar o Brasil de 
Estados Unidos do Brasil, no Decreto n.O 1, de 15 para 16 de novembro de 
1889. Esta fórmula de que o Brasil seria como os Estados Unidos da Amé­
rica do Norte, Estados Unidos do Brasil, é um lema que hoje, na serenidade 
do r;osso juízo, à luz da lâmpada do nosso gabinete de estudos, se nos 
apresenta pitoresca, fantástica, infantil. Em primeiro lugar, Estados Unidos 
do Brasil, que só conheceram a nova situação no Diário Oficial, em que as 
províncias não concorreram com coisa nenhuma para que tal se fizesse. O 
Decreto n.O 1, da República, é um solilóquio. Foi inventado por Rui Barbosa, 
na madrugada em que o Diário Oficial pedia, com urgência, os autógrafos 
que o Marechal Deodoro não chegou a conhecer. Por quê? Porque esta':a 
de cama, asmático e aflito, e Rui o fez, naturalmente com o apoio de Glicé­
rio e Campos Sales, que mandaram para o Diário Oficial aquela filiação 
gratuita de Estados Unidos do Brasil, mas tão importante que no dia 17 de 
novembro - porque a Bahia custou a reconhecer a República, a Bahia era 
monárquica - o irmão de Deodoro, Hermes da Fonseca, chegou a mobili­
zar, a mandar ordens para as guarnições do norte. Não havia república lá. 
Clóvis Ramalhete - A república era feita por grupos de estudantes. 
Pedro Calmon - Pois é. No dia 17, porém, se soube que o Imperador 
tinha embarcado. 
Souza Brasil - Foi uma noite histórica. 
Clól·is Ramalhete - Realmente, o Major Sólon, convidando D. Pedro a se 
retirar do Paço, foi quem fez a República. E por um acidente histórico, 
quando D. Pedro II tomou o caminho junto do mar para ir ao Paço, en­
quanto a parada do marechal

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