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RUI BARBOSA E A FEDERAÇÃO'" Presidência: Reitor DJACIR MENEZES Coordenação: Dr. MIGUEL DE ULHÔA CrNTRA Participantes: Prof. CLÓVIS RAMALHETE Prof. COTRIM NETO Reitor PEDRO CALMON Prof. SILVIO MEIRA Prof. SOUZA BRASIL Presidente - Aberta a sessão. Aguardamos, ainda, as presenças do ProL Evaristo de Moraes e ProL Calmon, que já comunicaram estar a caminho. Iniciamos nossos debates em torno de um tema que interessa diretamente a todos os que tratam de assuntos jurídicos no Brasil. A presidência destes trabalhos seria do Ministro Themistocles Cavalcanti. Estou, apenas, como substituto eventual. Coordenei até então os trabalhos, quando ele nos deu a honra de presidir. Continua impossibilitado de com parecer, o que nos leva a registrar em ata a nossa instalação pelo fato de ele não estar presente. Todos já sabem qual o estilo aqui adotado, porque todos já compare ceram a estas sessões. Darei a palavra àquele que quiser iniciar a discussão em torno do tema Rui e a Federação, independentemente, como está indicado no roteiro traçado no questionário distribuído. Aliás, não se trata de roteiro, dada a liberdade que todos temos nos limite~ desse decálogo de sugestões. Com a palavra o ProL Cotrim Neto. Cotrim Neto - Professor Djacir Menezes e meus queridos colegas, esse tema é sempre atual: o problema da federação. E digo que o problema é atual, porque, hoje em dia, a idéia do federalismo, ao mesmo tempo em que muito se impõe - todos os Estados, sobretudo os dotados de grandes territórios, buscam organizar-se em forma federativa - noutro sentido se defronta com um contraditório e curioso fenômeno: o federalismo está regredindo e o unitarismo, isto é, um comando crescente, emanado do poder central, está se acentuando. Todos nós sabemos que a forma de organização política no estilo de federação é bastante antiga. Entretanto, não tão antiga quanto alguns podem supor. Acredito que a primeira federação que pode ríamos registrar, nos tempos mais próximos de nós, terá sido a que se formou em 1291, em região do que hoje é a Suíça, para obter a união de esforços na oposição à tentativa de imposição de vassalagem de um poder forasteiro. Foi, tal federação, o Eidgenossenschaft, o pacto jurado dos Can tões de Schweizer, de Uri e Unterwald, do final do século XIII. "' Mesa-redonda, realizada pelo Instituto de Direito Público e Ciência Política, no dia 13 de novembro de 1979. K Ci. pol., Rio de Janeiro, 23(2) :83-114, mai./ago. 1980 Mais tarde, a idéia da federação ressurgiu com grande estrondo histórico, quando as antigas treze colônias britânicas àa América do Norte, lutando para obter sua independência, e quando esta já fora quase conquistada, em 1777, organizaram uns" artigos de confederação", que viriam a ser homo logados em 1781, ao tempo em que as colônias já se haviam transformado em Estados soberanos. Esta federação, ou melhor, esse esboço preliminar de federação, forma lizado entre 1777 e 1781, tinha todavia, o nome de "confederação". Todos sabemos, porém, que a discussão entre o que distingue a federação da confederação é meramente acadêmica, e não leva a resultado algum. Souza Brasil - Permita-me observar que, em se tratando da Suíça, é da maior importância, a tal ponto que, no Parlamento suíço, eles usam, obri gatoriamente, a língua dos cantões, que comrõem a confederação. Em deter minados cantões, há uma legislação adjetiva e substantiva, totalmente pró pria daquele cantão. Cotrim Neto - Vou chegar até aí. Voltando aos EUA: quando se formou ou quando se fizeram os "artigos de confederação", tinha-se a intenção de preservar a soberania dos novos treze Estados. Tanto que há uma coisa para a qual pouca gente tem atentado: em 1777 e em 1781, quando se começou o esforço de união entre os Estados, e mais tarde, quando se orga nizou a Constituição dos EUA, em 1787, discutiu-se muito que denomi nação atribuir-se ao Governo central. Seria um Governo da União? Seria um Governo federal? Optou-se pela expressão Governo federal, porque ela continha implícita a preservação dos governos soberanos dos treze estados. Mas a História foi impondo modificações. Então, chegamos a um ponto - e desejo concluir, para não reter sozinho a atenção dos meus colegas - que eu quero registrar: o federalismo moderno não é aquele federalismo dos founding fathers da Constituição americana. Aquele era um federalismo que queria preservar a soberania dos Estados, embora criando um governo federal, com resíduos de poder a ele deferidos por esses mesmos Estados. Entretanto, o federalismo foi-se modificando, no correr dos tempos. Esse federalismo primitivo resultava numa forma de organização do Estado, numa espécie de Estado composto, que se pretendia instituir; enquanto o federalis mo moderno se despe, cada dia mais acentuadamente, das características políticas para se apresentar como uma forma de administração. Por isso, diremos que federalismo moderno é, sobretudo, uma administração descen tralizada. A idéia de soberania dos Estados-membros está desaparecendo, se é que já não desapareceu, no conspecto político organizacional da federação. No que tange ao papel de Rui Barbosa na instauração do federalismo em nosso País, diremos: esse eminente homem público, doublé de jurista, não teve a paternidade da idéia da federação no período monárquico; quando à mesma ele aderiu, o propósito de instituição da monarquia federativa já fora lançado. Se no Brasil, foi o autor de A Província, Tavares Bastos, em 1870 este foi o verdadeiro pregoeiro, foi o homem que fez o estudo orga nizado do ideal federativo. Rui Barbosa entrou, talvez, no último ano da propaganda federalista. 84 R.C.P. 2/80 Presidente - Em 70, Rui estava mais voltado para o problema do ensino e o problema religioso. Cotrim Neto - Exato. Souza Brasil - O parecer sobre o ensino foi dessa época. Cotrim Neto - Foi em 1882, se a memória não me trai. Rui Barbosa que, como eu disse, pegou já em trânsito a idéia do federalismo, iria tornar se o mais eficiente responsável por sua concretização: assim foi que de sua lavra seria o primeiro projeto da Constituição republicana, que o Governo provisório encaminhou à Assembléia Constituinte. E mais tarde, quando reunida essa assembléia do novo regime, ele, embora ministro, ia para seu plenário apresentar verdadeiras lições de federalismo. Todavia, será talvez válido dizer-se que u federalismo de Rui seria mais administrativo que político, em contraposição à idéia de muitos, como os gaúchos, Júlio de Castilhos e outros, que queriam o federalismo com sobe rania dos Estados. Aquela velha idéia, já então superada nos EUA era a que esses, contra Rui, pretendiam implantar no Brasil. Talvez houvesse aí um pouco da influência das idéias separatistas, das quais um dos grandes pregoeiros fora Campos Sales, que entrou no federa lismo vindo do separatismo. Ele entrou na campanha republicana e se elegeu - foi talvez o primeiro republicano no parlamento do Império - vindo do ideal separatista. Clóvis Ramalhete - Ele e Prudente de Morais foram os dois primeiros eleitos pela República. Cotrim Neto - Exato, em 1884. Mas Rui Barbosa ia discutir, na Assem bléia Constituinte, um federalismo racional, um federalismo que respeitaria a administração nos estados, mas sem a idéia - ele combatia expressa mente a idéia - da soberania dos estados, idéia que estava no pensamento de muitos e que ainda em 1912 João Barbalho admitia, nos seus clássicos comentários da Constituição de 1891. Campos Sales, na sua atuação política, ainda falava na "soberania dos estados", uma idéia que nos EUA, por exemplo, estava vencida desde muito, pelo menos desde a vitória da União sobre os secessionistas do Sul. De forma que aqui eu quero colocar o seu pensamento. O grande valor de Rui Barbosa está em ter colocado, nos seus justos termos, o federalismo, que permitia a organização de um forte poder central, sem prejuízo da autonomia das unidades políticas da federação.No meu modo de ver, essa concepção de Rui era, em 1889 e 1890, uma idéia hábil para preservar a unidade do Brasil, sem prejuízo da supressão do unitarismo, que implicava a hipertrofia das extremidades, como se costumava dizer. Hipertrofiava-se o centro, no regime unitário e monárquico, em prejuízo das extremidades, que ficavam atrofiadas. O centro, dizia Tavares Bastos, queria regular até o ar que se respirava. Rui Barbosa colocou o federalismo nos seus justos termos. Nisso vejo toda a grandeza de sua obra. (Os demais debatedores: - Muito bem.) Rui Barbosa e a federação 85 Presidente - Com a palavra o Prof. Clóvis Ramalhete. Clóvis Ramalhete - Penso que, com a minha ligeira intervenção, vamos ver a diferença entre um professor habituado à cátedra e às suas dissertações e o advogado que sou, tenho sido e serei: apenas um advogado. Não obstante este apelido de professor que me dão aqui, tenho sido sempre apenas advogado. Advogado, senhores, é aquele que atendeu, respondeu àquele anúncio de que precisava-se de um jovem no escritório. Atenderam alguns rapazes. E o velho advogado então, abotoando seu robe, disse: "Tive um pesadelo esta noite, mal pude dormir. Um esquilo entrou na minha biblioteca. Eu fui até lá com um lampião de querosene e o vento fechou a porta." Um perguntou: - "E o lampião?" - "Caiu no chão." E outro indagou: - "Pegou fogo nos seus livros?" O terceiro disse: - "E o esquilo?" Então o mestre disse: - "Você é advogado." O advogado é o que não perde de vista o esquilo. O professor pode perder, o professor pode fazer dissertações. O advogado está aqui, desde o começo, pensando em Rui; o advogado tem objetividade como a sentença deve ter. Se a sentença não coincidir com o pedido, a sentença é nula e se o advogado não formular o pedido em conseqüência da dissertação também a petição é inepta. Infelizmente sou um modesto prisioneiro desta unidade lógica da vida judiciária. Rui e a federação. Trata-se da federação aplicada no Brasil e o papel de Rui para aplicação desta federação. Assim entendo a colocação. Vejo o seguinte, contemplando o momento em que Rui penetra na His tória, desfraldada a bandeira da federação. Trata-se da Convenção do Par tido Liberal, na qual o Partido Liberal formulou todo o conceito de reno vação do estado e com o voto dissidente de Rui Barbosa. Na Convenção do Partido Liberal. Estamos ainda na monarquia. O Partido Liberal subiu, subiu, pronto para fazer a abolição da escravatura, sem pensar na queda do trono. Ninguém pensava na queda do trono. Pensou-se na derrubada do ministério, não na reforma do regime. Todos que convergiam para fazer política eram monarquistas. O marechal, Rui Barbosa, todos, tinham pensado só em derrubar o ministério, não em derrubar o regime. Mas a idéia da federação, esta sim, vinha - como acentuou o Cotrim - desde os começos do Brasil independente. Pois, senhores, uma obra demo crática é a organização da convivência de contradições, da convivência de antagonismos. E o antagonismo fundamental que os fundadores do Brasil encontraram foi, de um lado, a necessidaàe da preservação da unidade territorial brasileira e, de outro, a força "centrifugista" do direito público, ex-colonial. 86 R.C.P. 2/80 Ao português colonizador pouco interessava esta unidade, se bem que a defendesse, se bem que tivesse plantado fortalezas ao longo da nossa costa, da nossa fronteira oeste. Mas ele deu um direito tributário ao Nordeste, pois que ali havia uma economia apartada, como deu outro direito tribu tário ao Centro, pois que aqui havia outra economia apartada. Este trata mento todo isolado tendia a criar aqui as forças da expansão divisionista. Os fundadores da Pátria tiveram o problema de fazer a retroversão dessas forças "centrifugistas" do direito administrativo colonial para um direito unitarista, para salvar a unidade deste País. É este antagonismo que conviveu todo o tempo com a monarquia. O Ato Adicional é já a explosão primeira da pedida da federação no Brasil e a interpretação do Ato Adicional é a reação a isto, em benefício da unidade da herança territorial dada pelos portugueses aos brasileiros. Mas o pensamento continua submerso. O que havia, no entanto, dentro da elite pensante monárquica? Havia sempre - e aí o meu mestre de sempre Djacir vai sentir uma aragem amável à sua inteligência - a força das idéias, não apenasmente os demais fatores que formam a História, os fatores econômicos, os fatores políticos, os fatores militares, mas a força das idéias. Havia uma formação quase exclusivamente francesa dos nossos homens. Nós praticávamos um parla mentarismo sem conhecer o direito público inglês. Os nossos homens do império tinham formação francesa. Leio e releio Uruguai e não encontro uma citação inglesa. Cotrim Neto - Peço licença para fazer uma exceção com Joaquim Na buco, que tinha formação britânica. Ele tal c reconhece em Minha forma ção, onde confessa a grande influência de Bagehot na sua formação de publicista. Clóvis Ramalhete - Excepcionalmente. O Barão de Penedo não é um constitucionalista, é um excelente negocista junto a Cesar Roche. É dife rente de ser um constitucionalista. Eu estou me referindo à doutrina de direito público brasileiro. É francesa, francesa, francesa. Presidente - De fato, falavam francês e quase nada de inglês. Clóvis Ramalhete - O meu pensamento é sempre acrescentado por Djacir Menezes. Por todos os motivos, falava-se francês, estudava-se francês. Então, estudava-se direito público de um Estado unitário. Daí o "tatibitati" de federalismo nesses autores todos, inclusive Tavares Bastos. Eles não sabiam federação. Rui Barbosa, no entanto, porque seu pai tivera uma paixão pela democracia inglesa e o induzira a estudar inglês, que ficou sendo sua segunda língua, Rui Barbosa formou-se dentro do direito público anglo-saxão. Rui Barbosa sabia totalmente o caminho da federação ame ricana e sabia parlamentarismo, também, à inglesa. De modo que quando o partido de Rui Barbosa, o Liberal, reúne-s.!, e madura estava a idéia para a federação não para a República - Rui Barbosa enuncia, em voto em separado - e teve 18 acompanhantes com ele na Convenção do Partido Liberal -, a federação, cujos princípios por ele descritos são quase uma súmula da Constituição americana, ainda na monarquia. E quando Rui Barbosa dizia "federação com ou sem o trono" dizia o seu pensamento Rui Barbosa e a federação 87 político. Quando, por acidente da História, foi antecipada a queda do trono, o que subiu não foi exatamente a idéia presidencialista; foi, por anexo, a idéia presidencialista, acessoriamente à idéia da República. O que emergiu foi a idéia da federação que tinha a aspiração difusa da nação brasileira, mas tinha, em Rui Barbosa, o seu conhecedor profundo, o seu arquiteto capaz, o seu doutrinário exímio. A contribuição de Rui Barbosa para a implantação da federação é a contribuição daquele capaz de pôr o doente na sala de cirurgia e fazer a cirurgia. Os outros eram clínicos que somente estavam dizendo que era preciso a cirurgia mas não saberiam fazê-la. Rui era aquele que sabia fazer. A propósito da expressão soberania, que merece críticas gerais e teve eco nesta sala pela voz autorizada de Cotrim Neto, trata-se, simplesmente, de um deslize de terminologia, mas não de conceito, pois que, salvo também uma exceção, nenhuma das províncias brasileiras, transformadas em estado, pretendeu exercer aquela competência que caracteriza a soberania, que é ter personalidade internacional de estado. Então, como nenhuma província transformada em estado pretendeu receber ~ expedir embaixadores, trata-se, simplesmente, de uma terminologia usada, exatamnte, pelo pauperismo do direito público que havia no Império. Em vez de autonomia, se disse sobe rania. O próprio Decreto n.O 1, que é uma obra-prima de síntese, feito de um jato por Rui Barbosa, e manuscrito, texto esse que se perdeu; é pena, os homens do Impériosempre levaram para casa os manuscritos de seus decretos, num país que não tinha ainda o conceito de historicismo. Logo desse Rui mandou o original para a imprema oficial e um tipógrafo qual quer, logo depois de compor, deve ter amassado e jogado fora, esse Decreto n.O 1, de que só temos exemplar na publicação das leis do Brasil. Souza Brasil - Há um livro de Dunshee de Abranches que ficou conhe cido: Atas e atos do Governo Provisório. Clóvis Ramalhete - Ali se diz, no art. 1.°, com absoluto rigor doutri nário do ponto de vista de Rui Barbosa, constitucionalista, legista, positi vista, com absoluto rigor se diz assim: "Fica provisoriamente declarada a República." Esse "provisoriamente" é respeito da parte de Rui Barbosa, não obstante sua formação anglicana de quo:! o fato produz o direito e não o dÍleito produz o fato, não obstante essa formação, Rui Barbosa, ali, estava reverenciando a doutrina francesa da soberania popular. Sem o conceito abstrato, rousseauniano e falso de que o povo é a raiz do poder, sem esse conceito, enquanto o povo não se pronunciasse, a República não estava adotada. Então, diz o art. 1.0 de Rui Barbosa desse decreto: "Fica provisoriamente declarada a República." A República já estava declarada e feita pelo fato consumado e pelo poder jurídico dos fatos. Presidente - Esse "provisoriamente" comporta ainda muita exploração doutrinária. Clóvis Ramalhete - Esse "provisoriamente" significa até que venha a Constituinte porque, nos artigos seguintes, ele estabelece a Constituinte. No artigo seguinte, ele transforma as províncias em estados e a eles atribui poder constituinte. No artigo posterior, ele estabelece a necessidade de uma 88 R.C.P. 2/80 Constituinte. Que ela, então, referendasse o ato revolucionário praticado, como se a revolução precisasse de Constituinte formal para ganhar eficácia. Presidente - Aqui está o decreto. Clóvis Ramalhete - Parece que a minha memória não falhou. "Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de Governo da Nação brasileira a República federativa": A denominação atual de Estado brasi leiro, República Federativa do Brasil, retoma as suas origens. Mas era de tal modo a formação anglicana e anglo-americana de Rui Barbosa que ele, neste próprio decreto, fala que "ficam constituídos os Estados Unidos do Brasil", pois que ele tinha essa formação. Teria sido, talvez, o único que a tivesse tão acabada, tão profundamente. Vai daí - e aqui já não é Rui Barbosa, é efeito de Rui Barbosa, não sobre a federação mas sobre a nossa federação de juristas - vai daí o hábito abusivo, deselegante e monótono das citações. Rui Barbosa precisou citar num país que só lia franceses, num país que não falava inglês, que não sabia juristas ingleses, que não conhecia a obra dos constitucionalistas americanos; a cada passo, para dizer o que estava fazendo, o que estava acontecendo, Rui precisou citar e tornar a citar e citar abundantemente. Aquela necessidade, aquele fim último da citação, esvaiu-se, mas ficou, na família forense, a necessidade da citação, tão pedante, tão abundante, que faz com que o leitor fique tro peçando. E raro encontrar-se um livro depois de Rui que seja como um livro de antes de Rui, como Coisas de La Fayette, em que não se cita nada, é uma obra clássica. Rui Barbosa sentiu-se compelido a citar para ensinar federação e direito público americano a este País, que praticava parlamen tarismo sob as luzes dos juristas franceses, Estado unitário. Então, a necessi dade de excesso de citações de Rui Barbosa tornou-se um hábito dos nossos juristas, em monografias secundárias, fadadas a uma edição e leitura de poucos; vem aí uma abundância e um eruditismo, que pensam ser neces sário, quando não o é. Se se está escrevendo livros, basta dizer o que se pensa, sem citar bibliografia, a não ser que seja o caso de um professor, para orientar seus alunos, quando a bibliografia é necessária. Fora disso, não vejo necessidade. O tema Rui Barbosa e a federação, pretendi colocá-lo assim: a federação tem origens, no nosso País, desde as bases coloniais, da divisão de dona tários, e desde o direito público colonial, de que a diversidade da economia brasileira, com açúcar, ao Norte, com ouro, ao Centro, fez com que o direito público colonial português diversificasse esse País, sem pensar em unidade. O pensamento unitarista português esteve, sem dúvida, na Carta do Rei D. João III, criando o Governo Geral. E a primeira Constituição brasileira. Mas as forças "centrifugistas" do Brasil eram um antagonismo à pretensão, à aspiração histórica de manter a unidade territorial. Ao longo do Império, essa contradição, essas duas forças antagônicas estiveram convivendo, ora puxando para o "centrifugismo" tradicional, ora ao centrismo, no seu ato de interpretação. Presidente - Não sente uma certa contradição na atitude de Portugal? Ele queria uma unidade. À metrópole interessava todo o território da Rui Barbosa e a federação 89 Colônia ocidente, mas, ao mesmo tempo, uma união de todas essas regiões não era muito agradável a Portugal. Souza Brasil - O Brasil era composto á dois Estados independentes: Maranhão e Grão-Pará, totalmente independentes da administração daqui. Daí, obrigar os estados a aderirem à independência. Silvio Meira - O Marquês de Pombal peI:SOU mesmo em criar, na Ama zônia, um segundo império. Inclusive, com um palácio. Clóvis Ramalhete - Foi muito enriquece dor o debate, pelos três inter venientes. Então, essas origens do direito colonial brasileiro, criando essas forças centrífugas, aqui, elas estavam em antinomia com a necessidade de manter a unidade territorial e a herança ... (Chega o Professor Pedro Calmon.) Presidente - Chegou o maior publicitário do assunto. (Risos.) Clóvis Ramalhete - Não é para se dar um procronismo histórico do Brasil a criação da idéia da federação. A aspiração de distribuir o poder, ela vinha de antes, mas ela era contraposta pela aspiração da unidade territorial brasileira. Os atos, como o Ato Adicional, depois, como vem a interpretação, a posição colonial que tem o estado do Maranhão, o Estado do Brasil são presenças desse anacronismo, no interior do País. Feita a independência, os nossos autores de direito público, com sua formação francesa, não estavam tão equipados quanto Rui, com sua formação anglo saxônica do direito, falando inglês correntemente, chegando a botar anúncio na porta: "Ensina-se inglês a ingleses." Este homem, com tamanha intimi dade com esse problema, não foi, de modo algum, o protagonista, no sen tido de ter levantado e arrastado o Brasil para a federação, que já estava madura para isso, no povo. Desde antes, desde a convenção do Partido Liberal, ele tinha apresentado a sua idéia de federação, tinha apresentado a eliminação da vitaliciedade no Senado, e outras formas profundas. Quan do, no entanto, viu que a Coroa iria ruir, ele impôs a sua condição: a federação, com ou sem a Coroa, mas com federação. Tinha subido o seu partido. O primeiro ministro derrubado pela República era do seu partido, de quem ele dissentira, imediatamente, porque ele não tinha adotado a federação. Penso que o protagonismo de Rui Barbosa, na federação, é esse: o cirurgião que sabia fazer a operação; os outros seriam os clínicos, que sabiam diagnosticar e indicar a cirurgia, mas não sabiam fazê-la. Rui conhecia a federação exatamente pela intimidade com o direito público inglês e com o direito público americano, principalmente. A facilidade que ele encontrava como se fora sua própria língua. Parece-me esta a contribuição doutrinária que pôde trazer, além da outra, a contribuição da legislação da federação do País, no seu projeto subme tido à Comissão dos 21 e, depois, fora do poder, quando esteve ensinando a este País a função constitucional do Supremo Tribunal Federal. Durante o Império, a Justiça não era propriamente a Justiça como é hoje, como estamos tão acostumados, tão rotineiramente sabendopensar. A Justiça estava muito a serviço do poder, tão centralizado nas mãos deste homem 90 R.C.P. 2/80 sobrante do iluminismo, que foi D. Pedro 11. O Superior Tribunal de Jus tiça não tinha aquela posição sobranceira perante os poderes, perante os fatos. Rui Barbosa, fora do poder, indo manipular o Poder Judiciário que ele concebera, tal como nos EUA, passou a ensinar direito constitucional e concepção e função constitucional do Supremo Tribunal Federal, numa República federativa, numa República presidencial. Parecem, a meu ver, ser estes os pontos principais: Rui doutrinário, sabendo a doutrina da federação; Rui legislador, tendo esboçado a Consti tuição Federal Brasileira, que não foi de todo adotada tal como ele pensou, pois que foi levada por recém-chegados ao federalismo, aos exageros que ele recriminava; depois, Rui advogado, que ensinou à Nação, de baixo para cima, com os pés na rua, o que seja o Supremo Tribunal Federal, o que seja Poder Judiciário, no seu exercício de função controladora do Executivo e do Legislativo. Rui doutrinário, Rui legislador, Rui advogado. Muito obrigado. (Palmas.) Presidente - com a palavra o Professor Silvio Meira. Silvio Meira - Sr. Presidente, prezados mestres, Clóvis Ramalhete disse, há pouco, que não era professor, mas nos deu uma bela aula, agora. Merece o título de professor catedrático. Tenho umas pequenas observações a fazer e, muito embora meu trabalho esteja escrito, não vou ler. Está muito longo. Lerei apenas um trecho ou outro. Quando Cotrim Neto falou a respeito das origens da federação, remon tou à Suíça do século XIII e procurou fixar, historicamente, o início do federalismo, no mundo. Eu iria mais longe ainda e já escrevi um trabalho a respeito, que foi publicado, penso, na Revista da Segurança e Desenvol vimento do Nordeste - creio que também em outras revistas jurídicas -, em que eu defendo a tese de que o federalismo é de origem romana. A própria palavra fedas. Os romanos criaram as primeiras estruturas federa listas. E eu invoco, naquele meu trabalho, entre outras, a opinião de Mon zen, por exemplo, se procurarem no manual de atividades romanas, nos estudos de Monzen e também nos estudos de Paul Kruger, alemão, todos grandes romanistas, vão verificar que os romanos criaram muitas modali dades, com seu gênio criador; inventaram formas variadas de organização política. Desde colonatas, colônias, às províncias. Os fedas, justamente, se basearam na fé e na confiança, uma verdadeira federação. É bem verdade que não se pode comparar uma federação romana nos tempos, com a federação suíça, nem com a americana, nem com as fede rações atuais. Paul La Grasserie, na sua obra específica sobre federalismo aponta cerca de 20 casos de federalismo diferentes. Com maior centrali zação, com menor centralização. Hoje se fala até em federalismo solidário. Há uma adjetivação para o federalismo. Cotrim Neto - Esta expressão foi muito divulgada no Brasil pelo Mi nistro Buzaid, mas é criação do americano Bernard Schwartz: federação Rui Barbosa e a federação 91 solidária, para registrar esta imposição - digamos assim - do poder central sobre as unidades federadas. Silvio Meira - Isso é uma imposição dos tempos modernos. Nós vemos, nos EUA mesmo, o poder central diante da guerra, da necessidade política do momento, assumindo certos poderes centralizadores, surpreendentes para aquela nação, que surgiu como confederação. De forma que a questão tem mil faces. Eu remonto à origem romana historicamente e defendo o ponto de vista que já foi aceito por um professor de São Paulo, um desembargador, cujo nome não lembro, que citou este trecho, extraído do meu trabalho. Cotrim Neto - Eu concordo com sua observação. Eu concordo com as características federativas do Império romano. Apenas eu não as citei, por que, como disse, eu não quis estabelecer procronismo. Silvio Meira - Mas é anterior ao Império, ainda na República. A Re pública foi muito mais fecunda que o Império. O Império centralizou, não tinha propriamente características de federação. Cotrim Neto - Não, aí eu não concordo, porque a tetrarquia que Dio cleciano instituiu era federativa. Presidente - Sem convivência de nações criando um clima internacional, o federalismo não pode absolutamente exprimir o sentido atual da palavra. Souza Brasil - O romano era pragmático, organizava seu sistema de acordo com as peculiaridades locais. Silvio Meira - Mas o objetivo não é este, apenas en passant. Outra observação que eu tinha a fazer ,s quanto à supremacia, digamos assim, da opinião de Tavares Bastos. A respeito, vou ler um pequeno trecho do trabalho que escrevi, em que eu digo que (lendo): "O ideal federativo no Brasil se monta às pri meiras décadas do Império. Em 1831, alguns homens públicos, entre eles A. Ferreira França, sugeriram a instituição àe um Governo federal. Disso é exemplo o projeto apresentado em julho daquele ano à Câmara dos Deputados, em que se lia: 'O Império do Brasil é a associação política dos cidadãos brasileiros de todas as suas províncias, federados por esta Cons tituição.' ,- Vários deputados bateram-se pelo federalismo, entre eles F. Paula Souza e Henrique de Resende. Alves Branco, em 1835, em seu relatório como ministro, assim escrevera: "E sempre foi de minha opinião que o Império precisava ampliar em sua Constituição o elemento federativo, que nela haviam admitido seus ilustres redatores mas nunca foi de minha intenção que o Governo-Geral ficasse destituído de influência e forças necessárias para manter a União." Eu acho que aí é que está o grande ponto sensível da questão. É justa mente esta fixação, este equilíbrio de poderes entre a União e os Estados federados, que dá margem a este fluxo e refluxo histórico, como assinalou Clóvis Ramalhete, desde o Ato Adicional de 1834 até a revisão de 1840 e depois a Constituição de 1891. E nós estamos sempre neste fluxo e refluxo. Abre-se o leque, fecha-se o leque, o Brasil tem vivido assim e Oliveira Viana, 92 R.C.P. 2/80 aliás, salienta isso com muita precisão e continua vivendo isso: a abertura e o trancamento, a centralização excessiva e a descentralização excessiva. Depois da República, Campos Sales, por exemplo, era francamente sepa ratista. Vemos isto na própria palavra soberania - e as palavras têm o seu peso - no Decreto n.O 1, que as palavras mudam com o tempo. Assim como naquele tempo se falava em divórcio, e a palavra hoje tem outra cono tação, em projetos de Teixeira de Freitas, Nabuco e outros, o divórcio era o desquite; assim, a palavra soberania, analogicamente, era muito usada. Mas houve um tal excesso, depois da proclamação da República, que Rui Barbosa como que recolheu as velas e censurava: "Não há mais federação que nos baste", dizia ele. Hoje, todos são federalistas, mais do que os federalistas históricos. (Lendo): "A federação estava na raiz da formação brasileira. Emergia de uma federação geográfica, em que as províncias, distribuídas em obediência a fatores territoriais e telúricos, como que se acomodavam em limites na turais, sujeitos, aqui e ali, a retificações. Os rios, as montanhas, os climas, os antecedentes históricos regionais concorriam para isso. O difícil seria, em nosso entender, conciliar a monarquia com a federação, o que alguns ainda tentaram." Neste ponto eu peço licença para discordar do mestre professor Rama lhete. Eu acho que a legislação fiscal nada tem a ver contra os ideais fede rativos. Pelo contrário. Se a Corte legislava de uma forma para o Nordeste, porque ali a produção era uma e de outra forma para Minas, porque lá a produção era outra, numa seria a agricultura, noutra o ouro, eu acho que isto é mais um elemento que contribui para a federação, mais um ingre diente: Porque federação não é unitarismo e justamente teria que haver essa diversidade. Clóvis Ramalhete - Falei no sentido de que contribuía para o "centri fugismo". Si/via Meira - Eu creioque V. Ex.a alegou, se bem entendi, que o português não tinha noção da unidade - digamos assim - política do Brasil, tanto assim que havia - o Cotrim reforçou isto - grande sepa ração entre a Amazônia, o estado do Maranhão e o resto do Brasil. Sempre existiu, de fato, mas isto não me parece seja obstáculo à idéia federativa. Tanto assim - e aí cabe num desses conceitos de federação - que em outros terrenos, e noutros campos, a diversidade exige também, às vezes, as variantes legislativas. É o caso do processo da I República. O processo não era unitário. Só se pode considerar unitário em 1934 e com o Código de Batista Martins em 1939. Havia essa diversidade de regiões e de estados. Mesmo o Código Civil, houve quem se batesse, quando Beviláqua apre sentou seu projeto, contratado por Epitácio Pessoa, no início do século, em 1900, houve quem se batesse pela diversidade de codificação no Brasil, que cada estado tivesse um código civil, como ocorre no México e como na Argentina Alberti queria também. Alberti lutou por isso, porque ele queria que cada unidade federativa tivesse o seu código civil. De forma que, Rui Barbosa e a federação 93 no meu entender, esta legislação tributária fiscal não era um fato negativo contra a unidade brasileira, dentro dessa concepção federativa. O que é preciso pôr em destaque é que, na federação, cada unidade mantém sua autonomia, suas características rróprias, muito embora a União sobre todas impere. Rui Barbosa estudou muito bem isto, aliás, em seus arrazoados, principalmente nas razões finais, como advogado do Amazonas, quando pleiteou o Ato Setentrional. De maneira que não se coloque a União como antagonista dos estados e vice-versa. (Lendo): "Em 1885, muitos parlamentares, entre eles Joaquim Nabuco, apresentaram projeto instituindo o "regime federal". Iniciativa essa que se renovou em 1888, como bem assinala Aristides Milton: 1 "A idéia federativa, no entanto, foi tomando corpo, dia a dia, a ponto de servir de fundamento a um Foto em separado, que membros ilustres do partido liberal redigiram. numa reunião solene, convocada pelos chefes para refundição do respectivo programa." No fim do Império a federação era pregada abertamente. O próprio Ministro Saraiva apresentara ao imperador um programa de federação, que fora aceito, em princípio. O Visconde de Ouro Preto, todavia, chefiando o ministério, refugara a idéia. Em todos esses eventos, como líder de idéías novas, tomou papel saliente Rui Barbosa, muito embora inicialmente fosse um federalista monárquico. Ele mesmo afirmou que fora federalista antes de tornar-se republicano. O papel de Rui é muito significativo nessa fase histórica, através da imprensa e do parlamento, antes e depois de implantado o regime repu blicano. Isso sobressai de seus próprios escritos. Através deles vamos tentar reconstituir o seu pensamento. Enquanto Rui desejava a federação com a Coroa ou sem ela, Joaquim Nabuco não admitia a federação sem a mo narquia.2 Em artigos publicados no Diário de Notícias, de 4 de outubro de 1889, salienta Rui Barbosa que num Estado como o Brasil, com imensa área e com diversidade de climas e de constituições geológicas, "uma natureza adaptável a todos os costumes", era necessário variar também o sistema de administração local, ilimitadamente. Entendia que sob a monarquia unifi cada os municípios definhariam sempre "adstritos ao princípio da unifor midade mecânica, que atrofia a vida local". Punha em realce, apontando o vício histórico que perdurou por muito tempo: "Enquanto a nomeação arbitrária, ou a escolha sobre listas tríplices, subordinar, direta ou indire tamente, os presidentes à influência da administração central, as assem bléias provinciais serão sempre corporações dependentes e subalternas." E concluía afirmando não poder haver entre nós reorganização municipal séria, "inteligente, fecunda, antes da federação". Acho que a chave do federalismo, o ponto mais sensível das constituições é, justamente, aquele 1 A Constituição do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1898. p. VIII. ~ Veja Bitar, Orlando. Presença de Rui Barbosa. Belém, 1956. p. 11: e Oliveira Viana. Ocaso do Império. 2. ed. p. 110. 94 R.C.P. 2/80 que se refere à partilha tributária. Através de uma partilha tributária pode se acabar com uma federação ou pontificar uma federação. É o ponto sensível. Penso, mesmo, que as constituições têm três, quatro ou cinco pontos sensíveis. Fala-se muito em mudar a Constituição do Brasil, convocar uma constituinte, fazer uma nova Constituição. Mas, às vezes, um simples artigo de uma Constituição pode fazer uma revolução. De nada adianta fazer uma Constituição inteira. Quem lê os Anais das Constituições Brasi leiras fica encantado com os debates magníficos. São as mesmas questões que voltam. Mas há dispositivos, como os que dizem respeito à interven ção que são também pontos sensíveis. Os poderes da União e os poderes dos estados, aqueles poderes que não cabem à União e que já vêm desde a Constituição de 1891, precisamente os poderes que cabem ou não aos estados. Vimos que, no início da República, houve questões muito sérias, no que diz respeito aos impostos interestaduais. Felizmente isso foi destruído e o próprio Rui Barbosa concorreu para evitar que cada estado da federação tributasse à sua maneira, prejudicando os demais estados federativos. Clóvis Ramalhete - Permita-me interromper. No voto em separado de Rui Barbosa, na convenção do Partido Liberal, ele chegou ao detalhe de vetar o imposto interestadual, visto que ele propunha a federação. Veja, então, é uma das cláusulas mais importantes da Constituição americana esta, muito experimentada pelos tribunais e controlada pela Suprema Corte americana. Até nesse detalhe de Rui, no seu voto em separado, ter tratado da matéria, se vê a intimidade dele, prepara cio desde cedo, para a obra de ser o criador da federação, como legislador que era. Silvio Meira - Neste meu trabalho que é muito longo e que vou entregar ao Sr. Presidente, eu analisei o papel de Rui na imprensa. (Lendo): "Em outro artigo, no mesmo Diário de Notícias, do dia 17 de junho de 1889, pouco antes da proclamação da República, escrevia: 'Me dida no seu princípio, essencialmente liberal, a federação é, ao mesmo tempo, nas circunstâncias atuais do País, uma reforma eminentemente con servadora.' A monarquia era unitária e conservadora e vivia parasitaria mente da seiva das localidades, gerando "o descontentmento, a desconfiança, o desalento, cujo derradeiro fruto é o separatismo, que, se nas províncias fracas ainda não se atreveu a formular-se como voto geral, pronuncia-se franco e altanado naquelas, a que a riqueza vai dando a independência do sentir." Seria, portanto, a federação, um meio de salvação nacional, uma bandeira à espera de um partido, a qual, se "o liberal continuar a deixar no chão, pode amanhã estar legitimamente nas mãos do conservador". Rui punha em primeiro plano o ideal da federação e em segundo plano a monarquia. Combatia o unitarismo, a centralização exagerada, e buscava, através da federação, neutralizar idéias separatistas, que se prenunciavam em províncias mais poderosas economicamente. O difícil, em nosso entender, é o relacionamento, o equilíbrio entre a União e os estados federados, as duas forças, centrífuga e centrípeta, em conflito. E os primeiros homens da república, alguns apenas, levavam a Rui Barbosa e a federação 95 exagero os seus ideais federalistas, procurando arrastar a nação para os caminhos da confederação. Nosso processo político fora diferente do argentino e do norte-americano. Devíamos partir de um estado unitário para uma federação que chamaría mos dativa: enquanto a Argentina e os EUA se constituíram com a união de estados antes confederados, o grau de poderes, a partilha tributária, a competência legislativa, constituem os limites constitucionais em que se exercem as atribuições federais e estaduais.Na realidade, a pregação de Rui tomou outros caminhos, tanto assim que, depois de proclamada a República, em discurso no Congresso Constituinte de 16 de dezembro de 1890,3 dizia, já um tanto amargurado: "Eu era, senhores, federalista, antes de ser republicano. Não me fiz republicano senão quando a evidência irrefragável dos acontecimentos me convenceu de que a monarquia se incrustara irredutivelmente na resistência à federa ção. Esse non possumus dos partidos monárquicos que presidiram a admi nistração do País no derradeiro estágio do Império está na oposição obce cada, inepta, criminosa de uns, na fraqueza imprevidente e egoística de outros contra as aspirações federalistas da Nação. A federação teria demo rado o advento do regime republicano por pouco tempo; mas teria poupado à República as dificuldades de organização, com que temos arcado e con tinuaremos a arcar talvez por não breves dias." Eis aí. Rui sentia que a monarquia estava fadada a esboroar-se, ma~ a sua derrocada poderia ter sido adiada, se fosse admitida a federação. dando tempo ao tempo a fim de que a nação se preparasse para o novo regime. As dificuldades encon tradas nos primeiros momentos foram imensas. Os implantadores da Repú blica tiveram, no entanto, o bom senso de chamar para a mais grave função, a de plasmador da nova ordem jurídica, o eminente jurisconsulto baiano. Rui, porém, desencantava-se com os novos rumos e afirmava: "Já não há senão federalistas. Já os federalistas antigos se vêem desbancados e corridos pelo fanatismo dos conversos. Já muitas vezes os mais intransigentes no serviço do princípio triunfante são os que ontem embaraçavam as pretensões mais módicas da reforma federativa. Federação tornou-se moda, entusiasmo, cegueira, palavra mágica, a cuja simples invocação tudo há de ceder, ainda que a invoquem mal, fora de propósito e em prejuízo da federação mesma." E fazendo um paralelo com o processo evolutivo norte-americano, salien tava: "Nós, ao revés, que passamos da centralização imperial a um regime de federação ultra-americana, isto é, que passamos da negação quase abso luta da autonomia ao gozo da autonomia quase absoluta, nós vociferamos ainda contra a avareza das concessões do projeto que, oferecendo-nos uma descentralização mais ampla do que a dos EUA, incorre, todavia, no vício de não no-la dar tão ilimitado quanto a imaginação sem margens dos nossos teoristas." E remata: "Ontem, de federação, não tínhamos nada. Hoje, há federação que nos baste." 3 Anais da Constituinte de 1890-1891. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional. 96 R.C.P. 2/80 Ponto sensível, nessa matéria, é a tributação. Os impostos de exportação e importação eram objeto de contenda entre as unidades federativas, que o disputavam e a União, que os desejava. Daí entendermos que o fundamental é encontrar o meio-termo, o equilíbrio de forças, para que a federação não seja absorvida pela União, transformando-se em Estado unitário e, ao revés, os estados não estendam a sua autonomia às raias da soberania. Cremos que os primeiros tempos da República foram decisivos para a sobrevivência do Brasil como nação una, territorial e politicamente, e o papel desempenhado por Rui Barbosa foi de extraordinária significação. Pregava, ensinava, combatia, liderava, muito embora encontrando resis tência e oposições. Seus ideais eram puros, enxergava longe nos horizontes da história. (Interrompendo a leitura): Como se vê, Rui era mais federalista do que monarquista. Queria a federação com a coroa ou sem a coroa. Agora, como o seu projeto foi emendado e depois quase todos pregavam a federa ção com excesso, confundindo soberania com autonomia, Rui mudou a direção de sua luta, combatendo aqueles que queriam desvirtuar a federa ção, e isso não apenas logo depois da proclamação da República. Ainda em 1916, num discurso em Buenos Aires, ele criticava as federações mas dizia que não havia outro regime para os países americanos a não ser o da federação. (Continuando a leitura): "Passados 26 anos, em 1916, em conferência no salão de La Prensa, de Buenos Aires, a 20 de julho, voltava ao velho tema, já ralado pela experiência: "Não posso dizer que a República e a federação encontrassem, no meu país, um terreno onde hajam prosperado. Mas nem por isso votaria, hoje, senhores, pela substituição, aliás, a meu ver, impossível, de uma e de outra. Sejam quais forem as conseqüências, essas duas formas políticas me parecem, hoje, irretratáveis no Brasil. Não há por onde, nem como, nem com que se \'olte às antigas." Reconhece as falhas do regime, mas considera-o, mesmo assim, insubs tituível: "Mas, com todas as suas imperfeições, alterações e degradações, esses dois princípios de organização não têm, ali presentemente, sucedâneos concebíveis. Com a República e a federação, ou haveremos de nos salvar ou de perecer. Podemos, devemos reconstituí-Ias e saneá-las. É o que com o nosso revisionismo queremos." (Interrompendo a leitura): No início da r,epública, velhos monarquistas como Cândido de Oliveira e Andrade Figueira, este principalmente, se envolveram em movimentos de restauração da monarquia. Andrade Figueira esteve exilado na Europa, foi um lutador, ainda sonhava com essa possi bilidade. Rui Barbosa, não, sempre teve os pés no chão e a visão exata do futuro do nosso país. (Continuando a leitura): "Rui considerava a República, para as nações do continente americano, uma instituição inevitável. Mas punha em realce os defeitos da prática republicana no Brasil, com o uso, pelos estados, de uma meia soberania, com desequilíbrio de forças, em que as unidades ora invadiam atribuições da União, ora abriam mão das próprias, favorecendo Rui Barbosa e a federação 97 a centralização. E pregava a revisão, ideal esse, aliás, que vinha de longe, porquanto, desde 1892, já se batia pela revisão do texto constitucional, que fora desfigurado em alguns aspectos pela Constituinte. Vide carta a Pardal Mallet, 1892.4 Em 1897, perguntava aos organizadores da República: "Que tendes alcançado até hoje? Um acanhado círculo de ambiciosos proclamou-se à nação, superpôs-se à maioria, eliminou as oposições, negou a reparação federal aos estados oprimidos e oprimiu com força federal os estados orga nizados, desconheceu o papel constitucional dos tribunais, abateu o nível representativo, emancipou o Executivo da lei, e submeteu-o aos mandões de camarilha, fez do imposto a goela do déficit e do erário o seu ventre insaciável, enxovalhou, na ferragem da demagogia francesa, a incruenta sublimidade das instituições americanas, explorou o estado de sítio, as leis de exceção, os golpes de estado, e acabou arremessando contra a liberdade, a propriedade, a segurança da existência, elementos fundamentais de toda civilização, os instintos atrozes da rebanhada terrorista."5 E, em 1898, pre gava: "Mas, a nosso ver, a República não necessita de ser reformada unica mente na sua política, senão também na sua constituição." E mais adiante: "Rompamos com a seita das pequenas pátrias. O Brasil quer a grande ... " E, em outro passe: " ... organizou-se em sistema constitucional a nossa ruína e assentaram-se as bases da dissolução do País, contra a qual, desde 1831, se reclamava a federação como o melhor preventivo". E ainda: "A unidade nacional estremece combalida por todos os lados. O egoísmo loca lista ganha terreno incomensurável. Todos os laços da União vão-se des dando e partindo."6 Eis aí, em linhas gerais, como se distanciava o ideal de Rui Barbosa da realidade nacional. A República e a federação geraram problemas em nossa história constitucional, com os fluxos e refluxos periódicos, ora a centrali zação, ora a descentralização, quase sempre ambas de forma desarrazoada e em desacordo com a realidade. Os males persistem e até se agravam. A nação cresceu, mas a federação ainda não encontrou o seu exato ponto de equilíbrio entre o poder central e o das unidades federativas. Basta um paralelo entreos poderes atuais da União e os dos estados no texto consti tucional em vigor, com maior ênfase na partilha tributária, para verificar-se que a federação ainda é um ideal não atingido com total êxito nesta nação. A palavra de Rui, todavia, aí está: sempre viva, perene." É bem verdade que o desenvolvimento econômico gera distorções na federação. Vemos, por exemplo, os programas desenvolvimentistas, hoje em dia, que falam em regiões, regiões geoeconômicas do Nordeste, a Sudene, a Amazônia com a Sudam, outra, a Sudepe etc. São conglomerados de estados, de zonas geoeconômicas como que colocadas entre as unidades federativas e o poder maior da União, porque há necessidade de se desen- 4 Lacombe. Américo J. O Pensamento vil'o de Rui Barbosa. São Paulo, Livraria Martins, 1944. p. 74. 5 O Partido Republicano Conservador. 1897. p. 94. " Projetos e esperanças. A Imprensa, 5 ou!. 1898. 98 R.C.P. 2/80 volver economicamente aquelas áreas. Então, estão se criando esses blocos dentro da federação brasileira. Em resumo, era o que eu pretendia dizer, muito embora ainda houvesse muito a falar. Muito obrigado. Presidente - Com a palavra o Professor Miguel de Ulhôa Cintra. Miguel de V/hôa Cintra - Sr. Presidente, nada tenho a acrescentar ao que foi dito, apenas gostaria de salientar que esta mesa-redonda vai fechar com chave de ouro, pela presença de tão ilustres mestres, o ciclo de reuniões deste ano. Nós estamos desenvolvendo uma pesquisa, no Instituto, sobre o federalismo e suas distorções e esta mesa-redonda, sem dúvida, irá marcar o ponto alto desse trabalho, pois que ela passará a fazer parte do mesmo. Nada mais tenho a acrescentar. Muito obrigado. Presidente - Com a palavra o Professor Souza Brasil. Souza Brasil - Preliminarmente, peço licença para fazer minhas as pala vras do Dr. Miguel de Ulhôa Cintra. Em se tratando de figuras tão ilustres, declaro que nossa atuação terá que ser auxiliar. O auxiliar, aí, em home nagem ao prof. Silvio Meira, latinista emérito. De qualquer maneira, queria trazer à colação certos aspectos apenas complementares ao que já foi aqui tão brilhantemente exposto. Por exem plo, na Constituição vigente nada mais faz que reproduzir textos anteriores - textos, não o todo, talvez com única exceção a de 37, quando houve uma tentativa de militarismo no Brasil - estabelece-se que não pode ser discutido, devendo ser arquivado, de ofício, qualquer projeto apresentado a uma das Casas do Congresso, visando abolir a federação e a república. Isso é de importância fundamental para a nossa doutrina da Escola Superior de Guerra, que é baseada, essencialmente, em objetivos nacionais. Até bem pouco tempo, antes da Constituição de 67, eram objetivos meramente didá ticos e, hoje, não o são mais. A Constituição de 67, enquanto não substi tuída, estabelece, expressamente, de maneira taxativa e categórica que in cumbe ao Conselho de Segurança Nacional fixar objetivos nacionais per manentes, no Brasil, e as bases da política nacional. Como no Brasil as leis são feitas e não são cumpridas, é posslVel que isto não esteja sendo cumprido também. Mas, hoje em dia, já está incorporado à Constituição. Pela nossa doutrina, os objetivos nacionais encontram-se, explícita ou im plicitamente, dentro das constituições políticas. Ora, por causa disso, exata mente, um desses objetivos é a federação. Este é de tal maneira resguar dado pelo próprio texto constitucional que não se pode tocar na federação. Pode-se tocar em tudo. Silvio Meira - Permita-me uma observação: é estranho que a última Lei de Segurança Nacional não inclua, entre os delitos contra a segurança, atentar contra a federação. E eu escrevi um artigo no Jornal do Commercio sobre isso. Passa por cima da federação. Souza Brasil - t uma boa lembrança. O problema, então, ficou dessa maneira bem posto. Hoje, evidentemente, tendo em vista a situação do nosso INDIPO, houve uma reunião de eminen tes professores de direito. t pena que aqui não esteja o Professor Diogo Lordeiro de Melo, que não é muito conhecido dos senhores porque não é Rui Barbosa e a federação 99 bacharel em direito, mas é o diretor executivo do nosso IBAM - Instituto Brasileiro de Administração Municipal que tem uma experiência, na matéria, infinitamente superior a muitas outras pessoas. Em conferência aqui profe rida, abrindo o curso da nossa Escola de Administração Pública, eu estando presente, fiquei tão impressionado que sugeri ao Professor Átila da Silveira Ramos, coordenador de estudos brasileiros, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que o convidasse a repetir a conferência, naquele cenáculo. Ele a fez, com enorme sucesso. Essa conferêncÍ1, em síntese, justifica, em gran de parte, o que disse o nosso querido Professor Clóvis Ramalhete, aliás nosso querido mestre, já que não gosta do título de professor. Hoje em dia - não falo do ponto de vista histórico, evidentemente - no Brasil, a federa ção é um mito, porque o Governo tem tamanhos poderes, fora da legislação normal, que pode - só há um estado, no Brasil, que pode resistir, até certo ponto, vitoriosamente, a uma pressão do Governo federal, que é São Paulo -, por exemplo, alterar a alíquota do ICM e com esta simples alte ração ele condena à ruína qualquer estado do Brasil. Outra coisa que o Governo federal pode fazer. Houve uma evolução ou, se quiserem, uma involução extremamente grave, que é a seguinte: hoje em dia - isso nos choca a nós bacharéis em direito - ao lado da lei, há norma. Por exemplo, o nosso Banco Central, que, hoje, está dirigido por um colega nosso, o Car los Geraldo, em grande parte, baixa instruções normativas, que, para as entidades sujeitas ao Banco, são leis e se elas não as cumprirem o banco intervém e não podem apelar para a Justiça. Então, vejam bem como isso mudou muito. A situação atual, no Brasil c no mundo, é completamente diferente daquilo que nós aprendemos. Então, o Banco Central baixa uma instrução normativa. Agora, por exemplo, ordenou que baixassem os juros. Juros, todos nós sabemos, é uma fixação jurídica, tem que haver um con senso mútuo, a lei disciplina. Pois bem, ordenou que baixasse tantos por cento. Quem não baixar, as penalidades já estarão chovendo sobre os in fratores. Silvio Meira - Permita-me um aparte. Os depósitos populares, creio que abaixo do salário mínimo, passados três ou quatro meses, o indiviJuo pro cura, o banco recolheu, cancelou a carteira. São milhões. É uma apropria ção indébita. Souza Brasil - Para nós ainda formados na antiga escola, é uma apro priação indébita. De modo que a conferência do Professor Diogo foi, real mente, muito interessante, porque ele mostra o que é a federação, hoje em dia, como ela funciona entre nós. Bem ou mal, não importa indagar no momento. Cotrim Neto - Permita-me um novo registro. A propósito da sua obser vação de que não se pode apelar para a Justiça, peço vênia para discordar. Sobretudo agora, em função da Emenda Constitucional n.O 8 - o famoso "pacote de abril" - foi acrescentado à competência do Supremo Tribunal Federal, foi acrescentado, não, foi desenvolvido o que já estava na Consti tuição de 67. O Supremo pode apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de quaisquer disposições normativas. De forma que, eventualmente, não 100 R.C.P. 2/80 será estranha à competência, ao exame do Supremo uma deliberação dessa ordem normativa do Banco Central, lesiva de direitos subjetivos que a pró pria Constituição preveja. Souza Brasil - Estou de inteiro acordo. Apenas, até hoje, não se fez isso. O que se diz na prática, na teoria, é outra coisa. A instituição financeira sabe muito bem que se se rebelar contra o Banco Central poderá ganhar até no Supremo Tribunal Federal, mas estará condenada a desaparecer. O Ban co Central não aceitará, de maneira alguma, que um exemplo desses vá prejudicar o que ele tem como sendo a sua política certa e acertada, em matéria financeira. É o grande problema entre a teoria e a prática.É este problema que tem que ser visto por nós. Temos que viver, hoje, o drama que todo o mundo está vivendo. As situações se complicam, se apresentam de maneira cada vez mais diferenciadas. Não é só o Banco Central. Nesse jornalzinho que distribuí aos senhores, da Associação dos Servidores Civis, da qual sou presidente do Conselho Deliberativo, há, também, instruções normativas do Dasp, que, na realidade, criam direitos, geram direitos. Por exemplo: o anterior diretor-geral do Dasp era um homem que não cumpria sentenças, não cumpria deliberações do Poder Judiciário. O atual diretor, nosso colega, Dr. José Carlos Freire, figura muito simpática e competente, ao chegar, encontrou as suas gavetas atulhadas de sentenças que apenas o antigo diretor-geral engavetava e não as cumpria. Ele, agora, com muitE! hE!bi lidade, para não colocar mal ninguém, desengavetou e as está cumprindo, tranqüilamente. Esta é a realidade, realidade triste, dolorosa, mas é a reali dade. Uma realidade, inclusive, para um jurista eminente, como é o nosso querido Clóvis Ramalhete, em que há uma disparidade tremenda pra o funcionalismo público em que o funcionário público estatutário tem mais vantagens e direitos e não tem o 13.° salário e o que é contratado, pela CLT, o possui, na mesma situação. Eu sou professor do Estado, era pro fessor pela CLT e tinha o 13.° salário. Era professor titular, no Pedro lI, e não tinha o 13.°. Quando se perguntou isso ao diretor-geral do DASP, ele respondeu da maneira mais simples: o Governo não tem dinheiro para F gar. Então, vejam bem, prezados colegas e amigos, como a situação realmen te é uma situação concreta, em que nós temos que estudar doutrinariamente. Está muito bem, Rui Barbosa o fez admimvelmente e temos que estudar, na prática, como funciona essa teoria. Como vêem, não disse nada de novo, apenas complementei, com a devida vênia, as admiráveis intervenções anteriores. Muito obrigado. Clóvis Ramalhete - Presidente Djacir Menezes, desejo voltar àquela minha posição de prisioneiro, que é o advogado, o defensor das liberdades e, no entanto, se confessa. O advogado é prisioneiro da lógica das sentenças e é escravo da lógica das petições iniciais. Ele há que apresentar os fatos, fazer a argumentação e formular o pedido. O juiz, na lógica das sentenças, há que fazer o resumo da causa a fundamentação do seu decísio e, ao fim, a conclusão sentensiva. RI/i Barbosa e a federação 101 Por deformidade pessoal, no exercício apenas da advocacia - tendo sido só advogado, há 40 anos, à frente de uma banca de advocacia liberal, so brevivente de uma profissão liberal-, pela primeira vez, e com que angústia vivi esse tempo, entrei para o Poder Público, sem nenhuma intimidade com os chamados canais competentes. Mas estou voltando aqui a usar da palavra na minha condição de advogado prisioneiro da lógica. Rui e a federação é de que se está tratando. Cotrim Neto - Se me permite uma interrupção. O nosso colega Rama lhete enfatiza muito a sua condição de advogado e diz que não é professor e repele a generosidade com que o condecoram por vezes, qualificando-o de professor Ramalhete. Mas eu quero chamar - já que o tema é federalismo - atenção para dois fatos. Num recente trabalho, A History of American Law, o americano Lawrence Friedman destaca este fato: o federalismo americano, na Conven ção de 1787, em Filadélfia, foi obra de advogados. Em cinqüenta e poucos convencionais, trinta e poucos eram advogados. Foram eles que construíram o federalismo americano que é o modelo, digamos assim, embora hoje muito alterado, do federalismo moderno. E Rui Barbosa, o patriarca do federalis· mo brasileiro, como nós estamos comentando, também sempre se apresentou como advogado. No seu discurso de posse no Instituto dos Advogados Brasileiros, Rui Barbosa assim se exprimiu: Várias vezes fui convidado para o magistério, para a docência; entretanto, não me sinto inclinado para a docência, porque eu sou, sobretudo, advogado. E este advogado, como Clóvis Ramalhete, foi o patriarca do federalismo brasileiro. Clól'is Ramalhete - Também eu não sou nada original, dizendo que na companhia de Rui Barbosa eu me sinto bem. (Risos.) Mas, voltando a Rui e a federação, na crítica tão realística, tão verdadeira, a propósito dos pontos fracos em que uma federação pode ser ferida de morte está, no seu parecer, entre outros, a partilha das rendas nacionais. l'<Ias ouvi, principalmente, a sua cominação, que vem ao encontro das minhas cogitações, da minha inquietação, quanto aos rumos da federação, quando menciona, en passant, a Sudene e a Sudam, um certo regionalismo. Mais como um cientista político e jurídico do que como jurista, eu desejo fazer certas constatações. Numa definição ortodoxa jamais coube à federa· ção brasileira a definição ortodoxa de um pacto entre estados indestrutívei, que gera um poder central que os coordena. Este esboço não esgota a reali dade institucional brasileira, porque não se hla num terceiro nível de poder posto na Constituição para os municípios. Vejam bem a originalidade da federação brasileira. Nós fizemos a federa ção e pusemos na Constituição os municípios. E pusemos, possivelmente, por atendimento àquele fator que Loewenstein definiu como sendo forças pré-constituintes. São forças sociais que conduzem o delegado constituinte, que não as pode desrespeitar, sob pena de invalidar o seu trabalho consti tuinte. O município antecedeu o Brasil, o município foi na constituinte bra sileira escolhido para emendar a Constituição Quando ele outorgou a Cons· 102 R.C.P. 2/80 tituição, entregou-a aos municípios para debatê-la, votá-la e emendá-la. Houve a Emenda de Itu, como houve o fuzilamento de Frei Caneca, porque o município é anterior ao Brasil independente. Então, na nossa federação já existia, abaixo dos estados, poder instituído e depois legitimado pela Constituição ou por tais poderes municipais, na estrutura do poder de estado brasileiro. No momento, e mencionado pelo professor Silvio Meira, tem estado nas minhas meditações, meu caro Djacir Menezes, presidente, jurista e sociólogo, que é possível que a nossa geração de brasileiros esteja colocando em bor rão, por instinto, por esta força instintiva que o povo tem, uma formulação de poder que se vai situar, terminando flutuando entre o estado e a União. É possível, ainda que certos exércitos do poder central - pois o antago nismo existe na federação: é a oposição constante e insolúvel do poder local e do poder central - é possível que a forma de poder que se vai colocar entre os estados e o poder central, sem retirar dos estados a sua autonomia, é possível que seja instituído às expensas do poder central, pois vemos, presentemente, que o poder central planeja regiões, está planejando o Nor deste, está planejando o Oeste, está planejando o Norte. Souza Brasil - Se me dá licença para um esclarecimento, o Professor Dauro de Abreu Dalari, em trabalho recentíssimo, publicado por ocasião do jubileu áureo do Dr. Afonso Arinos, propõe uma nova classificação da federação, exatamente como V. Exa. vem fazendo. Ele põe, entre os estados e a União, as regiões sócio-econômicas e no corpo municipal as regiões metropolitanas. Veja bem V. Exa. que, n:almente, o tema é da maior atualidade. Clóvis Ramalhete - Quando eu falei de maneira impessoal, não foi só por modéstia compulsiva, mas também pela verificação da realidade. É possível que esta nossa geração atual esteja concebendo uma formação de entre-poderes, disse eu, pois que juristas aqui, ali e acolá estão formulando isto. Cotrim Neto - Se me permite, Dr. Clóvis Ramalhete, nos EUA, hoje em dia, há um grande debate a respeito deste assunto agora focalizado pelo professor Souza Brasil, com referência à concitação de Dalari. Nos EUA tem-se comentado muito a inadequação da Constituição americana de 1787 à atual estrutura da sociedade americana. Quando se fez a Constituição de Filadélfia, em1787, que precedeu a organização dos EUA como federação, o que só ocorreria em 1879, em março, apenas havia nos EUA seis cidades com mais de 8.000 habitantes. Eram Filadélfia, Nova Iorque, Baltimore, Salem e mais umas duas ou três. Eram seis ou oito cidades com mais de 8.000 habitantes; por volta de 1787, apena,> 3% da população dos EUA, que estava em cerca de 4.000.000 de habitantes, viviam nos centros urbanos. No entanto hoje, nos EUA, há aquelas megalópoles, como Chicago, como Nova Iorque, como Los Angeles, e a estrutura do poder americano tem di ficuldades em se adequar, em se ajustar a esta nova realidade social. Clóvis Ramalhete - A sua observação pode ser traduzida, em termos teóricos, como sendo que o fato cria o direito. Rui Barbosa e a federação 103 Cotrim Neto - Exato. Clóvis Ramalhete - O direito não cria o fato. Então, fatos novos forçam a evolução do direito, na direção em que os fatos e os princípios estão in· dicando. Mas eu estava tentando acabar de formular a constatação de que a nossa geração, pela mão de economistas, de técnicos, de juristas, de generais, de presidentes da República, de administradores de toda a escala, de formula dores de teorias políticas de solução para o problema brasileiro, a nossa geração está aparentemente esboçando, de modo instintivo e ainda não consciente, em decorrência da realidade brasileira, da unidade sócio-eco nômica do Nordeste, da unidade do Norte, das precisões do Oeste e do significado do Sudeste brasileiro, tentando formular entes de poder. Então, é possível a formulação de um centro de poder entre o poder do estado e o poder central, fora da ortodoxia da federação, tal como fora da ortodoxia da federação a inclusão dos municípios abaixo dos estados na nossa Cons tituição. A ele serão outorgadas certas competências do poder central. O poder central está planejando as regiões. E só se explica a formação deste centro de poder se ele receber, tiradas do poder entraI, certas incumbências que a ele tocam. Desejo encerrar minha intervenção, fazendo a constatação de que a fe deração sobrevive, não obstante o pessimismo com que se está encaranco aquilo que não passa de transformações das concepções jurídicas e políticas. A federação sobrevive e está sobrevivendo. O que está acontecendo de"e ser, se não me engano, a prevalência do Poder Executivo no estado central, por necessidade dos próprios problemas contemporâneos, pela sua natureza técnica, pela velocidade da formação das temões, pela velocidade da neces sidade das respostas. Por tudo isso existe uma prevalência do Executivo no poder central, o que não significa, de modo algum, a extinção da capacidade de autogoverno das regiões, seja nos estados, seja nos municípios. O planejamento e a liberdade é con\'ivência que é uma incumbência da nossa geração em termos de ciência política. Nos EUA, a competência constitucional do presidente de zelar pelo fiel cumprimento das leis, dando-lhe até mesmo poderes de declaração de estado de guerra entre estados, por acaso fez sucumbir a federação america na? N"ão. São problemas ocasionais ou de conjuntura que fazem esta exa cerbação do uso do poder. Após a hecatombe da bolsa de 29, a crise desceu dos cofres plutocratas até a classe operária, e levou anos para chegar lá. Mas chegou. Em 1934, 1935, nos EUA, já havia a volta às cidades, contado!> aos milhões os desempregados, barrados por arames farpados e metralhado ras e, em 33 dos estados americanos, havia a declaração da lei marcial pelo presidente dos Estados, pelo presidente da República e intervenção do exér cito, em função da cláusula da Constituição americana de que incumbe ao presidente a fiel execução das leis. Ora, por acaso, diante dessa crise su cumbiu definitivamente a federação? Não. São fatos ocasionais, conjun turais da História que para nós, numa geração, soma toda a nossa vida, 104 R.C.P. 2/80 mas para a vida nacional é um pequeno espaço, uma diástole do poder respondendo a realidades surgentes. Parece-me que a federação sobrevive e sobreviverá. Ela simplesmente é apta a estas alterações que os fatos estão ditando. E no Brasil, principalmen te, a realidade brasileira impôs aos nossos primeiros constituintes o reconhe cimento do poder local, enfim, que é o município e que é insolúvel. É uma força pré-constituinte e que se impõe ao constituinte, que é capaz de dissol ver constituintes, se aqueles constituintes se reunirem para mandar apagar do mapa político brasileiro os municípios. Não é possível fazê-lo. De tal modo, também, estas outras forças pré-constituintes estão formulando estes poderes regionais no Brasil de que a nossa geração tem sido, em linguagem de balbucio e sem nitidez, a primeira a sugerir. Nada disto, no entanto, significa a crise definitiva e o ocaso da federação. Significa, pelo contrário, apenas o seu dinamismo e a sua vitalidade, sua aptidão de adaptar-se às mutações da realidade. Presidente - Vamos, agora, ouvir a palavra sempre acatada, sábia, ilus tre, repassada de baianidade a respeito do assunto que muito nos interessa. Pedro Calmon - Meu querido amigo Djacir Menezes, mestre Clóvis Ramalhete, Silvio Meira, Cotrim Neto, Souza Brasil, vou dizer a propósito uma palavra, inevitavelmente, original. Parte dos meus primeiros estudos. Em 1934 - nem todos eram nascidos nesta mesa-redonda - (risos) disputei a docência livre da Universidade do Brasil (,Om a tese sobre a federação e o Brasil. Estudei profundamente o pensamento de Rui Barbosa. Vivi dentro da órbita que ele ocupou no seu gênero, político baiano que fui. De modo que a minha palavra responde a vários dos quesitos reunidos no temário e quero dizer o seguinte. Prestem atenção a isto: a federação proposta por Rui Barbosa não obedeceu a nenhum esquema ideológico arrebatado à literatura da especialidade. Ele foi, a este propósito, o expositor de uma velha teoria esposada por seu pai, João José Barbosa de Oliveira, cuja explosão na Bahia corresponde à revolta de 7 de novembro de 1837, cha mada a Sabinada. O problema é: quem semeou os fundamentos da federação no Brasil? Respondo: D. João III, rei de Portugal. Que tinha isto com o ideal federa tivo de Rui Barbosa? Respondo: uma coerência histórica perfeitamente níti da. Note-se, antes do Brasil já havia as condições indispensáveis para uma federação. Por quê? Porque o Brasil ainda era uma palavra, porque as re giões não se conheciam entre si, todas eram atraídas pelo Governo de Lisboa que as dirigia. Pois bem, quem deu ao Brasil a sua realidade prática foi o rei de Portugal. Quando o Príncipe Regente D. João transferiu a corte para o Rio de Janeiro, o primeiro cuidado que teve - dificuldade essa que foi resolvida pela sagacidade de Manoel Jacinto Nogueira da Gama, depois marquês de Baependi - foi organizar uma peça que nunca houvera antes, o orçamento do Brasil. Qual era o orçamento do Brasil, no tempo da colô nia? Não existia. Havia o da Bahia, o de Pernambuco, o da Paraíba, o do Pará, o do Maranhão. Não havia orçamento nacional. Leia-se isso na bio grafia do Marquês de Baependi, por Joaquim José da Rocha (1851). Em Rui Barbosa e a federação 105 1.811, ele propôs a primeira lei, a primeira norma, reunindo os orçamentos das regiões, para formar a despesa e a receita de que o Governo se utilizaria para governar o Brasil. Em 1811. Quer dizer, até então, não havia no Brasil, senão uma idéia ou um fato que ia criando em torno de si, enfim, do Legislativo, mas que não correspondia a uma verdade política. O Brasil formou-se, evidentemente, ainda sem ser nação, por outros ele mentos: o mesmo português emigrante, o preto intervindo, o índio recuando, a semelhança do meio físico, o clima, o Brasil se formou; mas, antes dele, havia a capitania hereditária. Quando se fez a monarquia, qual a sua pri meira providência? Foi instrumentar essa divisão histórica em capitanias, como a base para construir a nação. O Príncipe Regente D. João, depois, D. JoãoVI - Decreto de 15 de dezembro de 1815 - lança, funda, cria o Reino Unido. O Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. E, pelo mesmo ato, eleva as capitanias à categoria de províncias. Leia-se a Carta de 25 de março de 1824, a Constituição do Império. Lá, se diz: as províncias do Brasil. Há um capítulo sobre as províncias du Brasil. Representavam por se nadores eleitos pelas províncias do Brasil, de acordo com a população, e a Câmara dos Deputados, que personificava o povo brasileiro, na sua unidade moral, na sua unidade cívica. Mas as províncias figuravam. Evidentemente, quando a monarquia quase se dissolve, com a abdicação de D. Pedro I, surge, forte, o ideal regionalista. Por quê? POlque esta era a grande verdade, obscurecida pelo entusiasmo da Independência, pela adesão nacional à In dependência. A grande verdade é esta: o Brasil, antes de ser nação, era província, antes de ser a unidade nacional, era um conglomerado, que pode mos chamar de federativo, aplicando a linguagem jurídica, mas não havia a idéia federativa. De qualquer maneira, funcionava como se fora federação. Quem superintendia as capitanias? O vice-rei, o governador-geral. Dava ele as ordens e elas as cumpriam, na parte relativa ao Exército, à defesa da terra. No demais, todas estavam subordinadas diretamente a Lisboa. Em Pernambuco, esse ideal federativo apresentava-se na Revolução de 1817 e na Revolução de 24, aquela em que é imolado Frei Caneca. Na Bahia, a independência é feita pela Província, independentemente da Nação. No Sul, há a adesão pacífica e festiva a D. Pedro I. Na Bahia, uma luta feroz contra a guarnição portuguesa, em que homens e mulheres - como Maria Quité ria, por exemplo - de armas na mão, em 2 de julho, conquistam a capital, impondo a independência, com a adesão ao Governo do Rio de Janeiro. De qualquer maneira, o resíduo regional permanece, como um elemento básico da emancipação. Vem o Governo de D. Pedro I, governo autoritário, centralista, que repugna ao regionalismo. Silvio Meira citou Ferreira Fran ça, naquela proposta de 1831, para que se criasse a federação no Brasil. A federação era a resposta ao autoritarismo central. Era o princípio democrá tico. naturalmente republicano, de toda a maneira colorido com a realidade geopolítica, em resposta ao centralismo monárquico. Este sentimento da separação do Brasil de que sobre a nação estava a província é a base da Guerra dos Farrapos, em 1835, e da Sabinada, em 1837. Quando cai o Padre Feijó que, de algum modo, aceitava o princípio 106 R.C.P. 2/80 federalista, já em parte adotado em 1834, pela reforma da Constituição, pelo Ato Adicional, em boa parte patrocinado por Bernardo Pereira de Vasconcelos, quando cai o Padre Feijó, rebenta, na Bahia, a revolta local e cria-se a República Bahiense, sob a chefia de Sabino da Rocha Vieira, que dá o nome ao movimento: a Sabinada. Por que a isso me refiro? Porque Rui Barbosa, menino, bebeu essa atmosfera, respirou esse clima, o da reação local contra o centralismo imperial. E esse clima foi marcado, sobretudo, com a Lei de 3 de dezembro de 1841, a famosa lei do partido conservador e de Soares de Souza, que centralizou a política. Por quê? O presidente da pro víncia era nomeado pelo imperador, o chefe de polícia pelo imperador. Nomeados os delegados de polícia, os delegedos presidiam às eleições e as províncias foram enlaçadas por uma centralização, esperta, maliciosa, téc nica, dentro da qual reboja o protesto democrático, que vai estourar em 1888, com o voto em separado, no Congresso, do Partido Liberal, presidido pelo Visconde de Ouro Preto, quando Rui Barbosa e Manoel Vitorino se batem pela federação das províncias. A federação, para Rui Barbosa, era um retrocesso histórico, aquele movimento latente, na política baiana, com ex pressões como esta - eu falei em política baiana, ou leio, nos jornais do tempo, isto é um problema de política baiam. Era a política baiana contra a política brasileira, no sentido de ser realidade subjacente. Era a província. Ora, dizer-se que ele pensava assim, porque, na América do Norte, a federação tinha sido um grande exemplo, porque no livro de História estava muito bem escrito, porque o exemplo do federalista Jefferson, ou do federa lista Hamilton constituía uma grande lição? Não. Ele era autêntico. Ele re presentava a política regional, estrangulada pela centralização monárquica e que a federação, com a monarquia, sem ela ou contra ela, como expressou Rui no famoso discurso no Politeama baiano, era o sentimento regional da Bahia. O que figurava, portanto, em 1888, 1889, era a geração esmagada pela reação centralista e que se dizia democrática e queria, então, ou a mo narquia na confederação ou a república também na confederação, mas de qualquer maneira em que as forças regionais fossem respeitadas. Esta é a explicação do problema. Portanto, não se precisa derrubar uma biblioteca para citar-se autores, não se necessita fazer o cotejo de opiniões nem recor rer às fontes alienígenas do direito público. Verifica-se que este era um ~entimento regional, apurado na Bahia, em Pernambuco, um pouco no Pa raná, no Rio Grande do Sul. Distingo, logo que se proclamou a República, a atitude de Rui Barbosa da de seus contemporâneos. Rui Barbosa era um federalista e eu o chamaria, com certo rigor cientí fico, de histórico, dados os precedentes. Campos Sales era o federalista tipo filosófico. Com aquela referência à soberania dos estados, no prólogo da Constituição de São Paulo, etc. ele obedecia à filosofia federalista de que seu irmão, Alberto Sales, foi um dos intérpretes equívocos. Quer dizer, é um federalismo que eu chamaria de teórico. Prudente de Morais, e um pouco depois Campos Sales, seguir-se-ia criando a política dos governadores. O desdobramento do poder e sua articulação estabeleceram o que eu chamaria de federalismo prático, esse federalismo que tanto decepcionou Rui Barbo- Rui Barbosa e a federação 107 sa, porque a utilização dele beneficiou, não o poder central, como no Impé rio, mas a União manobrando os estados e tudo aquilo que deformou, cor rompeu e destruiu a República Velha. I\las o que Rui Barbosa pretendia era dar - na federação - aos estados uma dignidade correspondente à sua importância na formação da nacionali dade. Ele exagerou, todavia, com aquela idéia infeliz de chamar o Brasil de Estados Unidos do Brasil, no Decreto n.O 1, de 15 para 16 de novembro de 1889. Esta fórmula de que o Brasil seria como os Estados Unidos da Amé rica do Norte, Estados Unidos do Brasil, é um lema que hoje, na serenidade do r;osso juízo, à luz da lâmpada do nosso gabinete de estudos, se nos apresenta pitoresca, fantástica, infantil. Em primeiro lugar, Estados Unidos do Brasil, que só conheceram a nova situação no Diário Oficial, em que as províncias não concorreram com coisa nenhuma para que tal se fizesse. O Decreto n.O 1, da República, é um solilóquio. Foi inventado por Rui Barbosa, na madrugada em que o Diário Oficial pedia, com urgência, os autógrafos que o Marechal Deodoro não chegou a conhecer. Por quê? Porque esta':a de cama, asmático e aflito, e Rui o fez, naturalmente com o apoio de Glicé rio e Campos Sales, que mandaram para o Diário Oficial aquela filiação gratuita de Estados Unidos do Brasil, mas tão importante que no dia 17 de novembro - porque a Bahia custou a reconhecer a República, a Bahia era monárquica - o irmão de Deodoro, Hermes da Fonseca, chegou a mobili zar, a mandar ordens para as guarnições do norte. Não havia república lá. Clóvis Ramalhete - A república era feita por grupos de estudantes. Pedro Calmon - Pois é. No dia 17, porém, se soube que o Imperador tinha embarcado. Souza Brasil - Foi uma noite histórica. Clól·is Ramalhete - Realmente, o Major Sólon, convidando D. Pedro a se retirar do Paço, foi quem fez a República. E por um acidente histórico, quando D. Pedro II tomou o caminho junto do mar para ir ao Paço, en quanto a parada do marechal
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