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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE ENGENHARIA GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA MECÂNICA GABRIELLE ANDRESSA DELGADO PAZOS INFLUÊNCIA DO TEOR DE CARBONO NA TETRAGONALIDADE DA MARTENSITA E A SUA RELAÇÃO NAS PROPRIEDADES MAGNÉTICAS NITERÓI, RJ 2024 GABRIELLE ANDRESSA DELGADO PAZOS INFLUÊNCIA DO TEOR DE CARBONO NA TETRAGONALIDADE DA MARTENSITA E A SUA RELAÇÃO NAS PROPRIEDADES MAGNÉTICAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Engenharia Mecânica da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Engenheiro Mecânico. Orientador: Geronimo Perez Niterói, RJ 2024 GABRIELLE ANDRESSA DELGADO PAZOS INFLUÊNCIA DO TEOR DE CARBONO NA TETRAGONALIDADE DA MARTENSITA E A SUA RELAÇÃO NAS PROPRIEDADES MAGNÉTICAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Engenharia Mecânica da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Engenheiro Mecânico. Grau: BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Prof. DSc Geronimo Perez – UFF Orientador ___________________________________________ Prof. DSc Sergio Souto Maior Tavares – UFF ___________________________________________ Prof. DSc. Juan Manuel Pardal – UFF ___________________________________________ DSc. Leosdan Figueredo Noris – PUC Niterói, RJ, 2024. Dedico esse trabalho, com muito amor e gratidão, à minha mãe, Jarluce da Motta Delgado Pazos. Não teria chegado até aqui se não fosse por todo seu amor, paciência, dedicação e cuidado. AGRADECIMENTOS Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, por me conceder a oportunidade e capacidade de chegar até o final do curso de engenharia mecânica e por me manter firme, com saúde e determinação perante as dificuldades e obstáculos encontrados durante os meus anos de estudo. À minha mãe, Jarluce, por ser meu grande exemplo e minha principal incentivadora, por toda paciência, amor e carinho incondicionais, sobretudo, nos momentos mais difíceis e estressantes ao longo desses anos. Agradeço por nunca me deixar desistir e sempre me incentivar a superar todo e qualquer obstáculo que aparecer. Ao meu pai, Antônio, pelo apoio, carinho, incentivo e, em especial, por se prontificar a me auxiliar com a revisão do texto e demonstrar tanta felicidade e orgulho com essa vitória. Ao meu namorado, Mateus Vieira, por compartilhar a vida comigo nos bons e nos maus momentos, por toda paciência, apoio e incentivo durante esses anos, especialmente durante a realização desse trabalho. À minha família, sobretudo tios e tias, por todo carinho, preocupação, apoio, torcida e suporte durante todo o tempo, por compartilharem comigo todo esse percurso e tantos outros que virão. Aos meus amigos, por tornarem a faculdade e os estudos mais leves e divertidos e por se tornarem amigos para além da faculdade. Agradeço por fazerem parte dessa jornada e por estarem sempre dispostos a ajudar. Ao meu orientador, Geronimo, por aceitar e enfrentar esse desafio comigo, estar sempre aberto a me auxiliar e pela amizade e parceria durante esse trabalho. Por fim, agradeço aos docentes do curso de Engenharia Mecânica da Universidade Federal Fluminense e todos que estiveram presentes durante esses anos e participaram desse percurso junto comigo de alguma forma. Meus sinceros agradecimentos a todos por tornarem esse período memorável. RESUMO Este trabalho estuda a influência do teor de carbono na tetragonalidade da martensita e sua relação com as propriedades magnéticas. A fim de entender quais são as mudanças na estrutura cristalina que afetam as propriedades magnéticas dos aços durante a têmpera, foram realizadas medições de ferritoscopia, microscopia óptica e microscopia eletrônica de varredura (MEV) em amostras de aços carbono com diferentes teores de carbono (%C): aço Intersticial Free (IF), 1020, 1045, 1060, 1075, 1080 e 1095, e ferro fundido (Fofo) temperados, recozidos e normalizados. Os resultados experimentais sustentam a hipótese de que a maior concentração de carbono resulta em uma maior razão c/a da martensita, tornando-a mais tetragonal. Isso aumenta a anisotropia magnetocristalina e, consequentemente, modifica as propriedades magnéticas do material. Através da ferritoscopia, baseada na permeabilidade magnética, observou-se uma diminuição no sinal magnético à medida em que se aumenta o teor de carbono. Nas amostras temperadas, essa queda de sinal magnético foi maior à medida em que se aumentou o teor de carbono. Palavras-chave: Martensita, Tetragonalidade da martensita, Teor de carbono, Microestrutura, Têmpera, Técnicas magnéticas, Transformação Magnética, Ferritoscopia, Microscopia Óptica, Microscopia Eletrônica de Varredura. ABSTRACT This work investigates the influence of carbon content on the tetragonality of martensite and its relationship with magnetic properties. In order to understand the changes in the crystalline structure that affect the magnetic properties of steels during quenching, measurements of ferritoscopy, optical microscopy, and scanning electron microscopy (SEM) were performed on samples of carbon steels with different carbon contents (%C): Interstitial Free Steel (IF), 1020, 1045, 1060, 1075, 1080, 1095 and cast iron (Fofo), all subjected to quenching, annealing, and normalization. Experimental results support the hypothesis that higher carbon content results in a higher c/a ratio of martensite, making it more tetragonal. This increases magnetocrystalline anisotropy and consequently modifies the magnetic properties of the material. Through ferritoscopy, based on magnetic permeability, a decrease in the values of ferrite percentage measurements was observed as the carbon content increased. In the quenched samples, the drop in magnetic signal was greater as the carbon content increased. Keywords: Martensite, Tetragonality of martensite, Carbon content, Microstructure, Quenching, Magnetic techniques, Magnetic Transformation, Ferritoscopy, Optical Microscopy, Scanning Electron Microscopy. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 2.1: Estrutura cristalina, na esquerda, e amorfa, na direita (Perez, 2007). ....... 3 Figura 2.2: Estruturas Cristalinas dos Metais (Callister JR., 2016) - adaptado. .......... 4 Figura 2.3 Estágios de solidificação de um material policristalino (Callister Jr., 2016) .................................................................................................................................................... 5 Figura 2.4: Diagrama de equilíbrio Fe-Fe3C (Van Vlack, 1964) ................................. 6 Figura 2.5: Representação esquemática da microestrutura de uma liga Fe-C com composição A) hipoeutetóide, B) eutetóide e C) hipereutetóide (Callister Jr., 2016) – adaptado. .................................................................................................................................................... 8 Figura 2.6: Microestrutura de um aço eutetóide. Lamelas da região perlítica bem visíveis.1000x e 750x (Colpaert, 2008). ..................................................................................... 9 Figura 2.7: Representação da formação da perlita a partir da austenita (Callister JR., 2016). .......................................................................................................................................... 9 Figura 2.8: Microestrutura martensítica (Callister Jr., 2016). .................................... 10 Figura 2.9: Diagrama TTT para uma liga ferro-carbono com composição eutetoide.A, austenita, B, bainita, M, martensita, P, perlita (Callister Jr., 2016). ......................................... 11 Figura 2.10: Efeito do teor de carbono nas temperaturas de início (MI) e fim (MF) da transformação de austenita em martensita (Silva e Mei, 2006). ............................................... 12 Figura 2.11: Transformação de Bain e comparação entre a estrutura Cúbica de Corpo Centrado (CCC) e Tetragonal de Corpo Centrado (TCC) (Krauss, 2005) – Adaptado............ 13 Figura 2.12: Efeito do recozimento nas alterações estruturais e nas propriedades mecânicas de um metal trabalhado a frio (Smith e Hashemi, 2019) - Adaptado. .................... 16 Figura 2.13: Campos de barras magnéticas reveladas por limalhas de ferro (Cullity e Graham, 2009). ......................................................................................................................... 18 Figura 2.14: Momentos magnéticos de diferentes materiais (Spaldin, 2011). ........... 20 Figura 2.15: Comportamento dos momentos magnéticos individuais de um material ferromagnético (Grijalba, 2010). .............................................................................................. 21 Figura 2.16: Magnetização de saturação de ferro, cobalto e níquel em função da temperatura (Cullity e Graham, 2009) - Adaptado. .................................................................. 22 Figura 2.17: Estrutura de domínios magnéticos (Buschow e De Boer, 2003). .......... 23 Figura 2.18: Processo de magnetização em um material ferromagnético (Cullity e Graham, 2009). ......................................................................................................................... 24 Figura 2.19: Processo de magnetização e movimento de paredes de domínios (Callister Jr., 2016). ................................................................................................................................. 25 Figura 2.20: Curva de histerese magnética (Callister Jr., 2016). ............................... 26 Figura 2.21: Curvas de histerese para materiais magnéticos moles e duros (Callister Jr., 2016). ....................................................................................................................................... 27 Figura 2.22: Anisotropia magnética observada nas curvas de magnetização para as três diferentes famílias de direções cristalográficas num cristal de ferro de estrutura CCC e num cristal de níquel, estrutura CFC (Chiaverini, 2005). ................................................................ 28 Figura 2.23: Esquema ilustrativo do princípio de funcionamento do ferritoscópio (Helmut-Fischer, 2012) – Adaptado. ....................................................................................... 29 Figura 2.24: Caixa com blocos fornecidos pelo fabricante para a calibração do ferritoscópio. ............................................................................................................................ 31 Figura 2.25: O efeito do ataque químico em uma superfície polida de uma amostra de aço sobre a microestrutura observada no microscópio óptico (Smith e Hashemi, 2019) - Adaptado. ................................................................................................................................. 33 Figura 2.26: Desenho esquemático dos componentes básicos do MEV (Dedavid, Gomes e Machado, 2007). ....................................................................................................... 34 Figura 2.27: Difração de raios-X por planos de átomos (A–A’ e B–B’) (Callister Jr., 2016) - Adaptado. .................................................................................................................... 35 Figura 3.1: Composição química da série AISI 1000 de aços carbono simples (wt. %). (Jiles, 1988). ............................................................................................................................. 37 Figura 3.2: Cortadora Metalográfica Teclago CM40. Autoral. ................................. 38 Figura 3.3: Amostras identificadas dispostas em placa de cerâmica. Autoral. .......... 38 Figura 3.4: Forno Mufla da marca Quimis a 992°C. Autoral. ................................... 39 Figura 3.5: Placa de cerâmica contendo as amostras sendo posicionada dentro do forno aquecido. Autoral. .................................................................................................................... 39 Figura 3.6: Amostras normalizadas. Autoral. ............................................................ 40 Figura 3.7: Lixadeira Panambra Struers DP-10 com lixa n° 80. Autoral. ................. 41 Figura 3.8: Politriz Panambra Struers DP-9. Autoral. ............................................... 43 Figura 4.1: Relação entre o teor de carbono e o sinal magnético dos aços temperados, recozidos e normalizados. Autoral. .......................................................................................... 44 Figura 4.2: Fração de cementita conforme teor de carbono da amostra usando a equação 3.1............................................................................................................................... 47 Figura 4.3: Gráfico do sinal magnético em função do teor de carbono das amostras recozidas, normalizadas e temperadas. Neste gráfico foi realizada uma correção onde foi excluída a perda de sinal por fração de cementita, sendo assim as amostras recozidas e normalizadas apresentam valores de sinal para ferrita pura. Autoral. ...................................... 48 Figura 4.4: Gráfico do sinal magnético em função do teor de carbono para as fases ferrita e martensita. ................................................................................................................... 49 Figura 4.5: Comparação entre as frações de ferrita detectadas por ferritoscopia e calculadas por regra da alavanca no diagrama de fases. Autoral ............................................. 50 Figura 4.6: Difratograma de raios-X das amostras temperadas. ................................ 61 Figura 6.1: Difratogramas das amostras temperadas em escalas normalizadas. Autoral. .................................................................................................................................................. 70 LISTA DE TABELAS Tabela 2.1: Valores de Ferrita (em %) dos blocos usados na calibração do ferritoscópio em função do ferrite number. ................................................................................................... 31 Tabela 4.1: Teor de ferrita para cada teor de carbono obtido por ferritoscopia. ........ 46 Tabela 4.2: Análise de microscopia óptica. Lentes 10x (20 um) e 80x (2 um). Autoral. .................................................................................................................................................. 51 Tabela 4.3: Análise de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) em amostras recozidas. Autoral. .................................................................................................................... 56 Tabela A.6.1: Medições do ensaio de ferritoscopia ................................................... 69 LISTA DE SÍMBOLOS Letras romanas a eixo x da célula unitária da estrutura martensítica c eixo z da célula unitária da estrutura martensítica d distância entre planos atômicos, m i corrente elétrica, A H campo magnético, A/m n número de espiras de um solenoide, adimensional M momento magnético, Wbm l comprimento de uma barra magnética, m m pólo magnético de força, Wb n número inteiro, adimensional B indução magnética, T I intensidade de magnetização, T Tc Temperatura de Curie, °C Hc Campo coercitivo, A/m Ms Magnetização de saturação, Wbm Letras gregas α referente a ferrita alfa 𝜃 ânguloentre o feixe incidente e o plano atômico, rad 𝜆 comprimento da onda de raio-X incidente, m µ0 permeabilidade magnética do vácuo, Hm-1 µ permeabilidade magnética, Hm-1 χ suscetibilidade magnética, Hm-1 SUMÁRIO Agradecimentos ........................................................................................................... ix Resumo ........................................................................................................................ xi Abstract ..................................................................................................................... xiii Lista de ilustrações ..................................................................................................... xv Lista de tabelas .......................................................................................................... xix Lista de símbolos ....................................................................................................... xxi Sumário ................................................................................................................... xxiii 1 Introdução ............................................................................................................. 1 1.1 Objetivos ....................................................................................................... 1 2 Revisão bibliográfica ............................................................................................ 2 2.1 Aço Carbono ................................................................................................. 2 2.2 Estrutura cristalina......................................................................................... 3 2.3 Diagrama de equilíbrio Ferro-Carbono ......................................................... 5 2.3.1 Ponto eutetoide ......................................................................................... 7 2.3.2 Perlita ........................................................................................................ 8 2.3.3 Martensita ................................................................................................. 9 2.4 Tratamentos Térmicos ................................................................................. 14 2.4.1 Têmpera .................................................................................................. 14 2.4.2 Recozimento ........................................................................................... 15 2.4.3 Normalização .......................................................................................... 17 2.5 Magnetismo nos materiais ........................................................................... 17 2.5.1 Material Ferromagnético ........................................................................ 21 2.5.2 Domínios e Histerese Magnética ............................................................ 23 2.6 Anisotropia magnetocristalina..................................................................... 28 2.7 Ferritoscopia ................................................................................................ 29 2.8 Microscopia Óptica ..................................................................................... 31 2.9 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) ............................................ 33 2.10 Difração de Raios-X (DRX) ....................................................................... 34 3 Materiais e Métodos ........................................................................................... 37 3.1 Preparação das amostras ............................................................................. 37 3.2 Tratamentos Térmicos ................................................................................ 39 3.3 Ensaios experimentais ................................................................................ 40 3.3.1 Ferritoscopia ........................................................................................... 41 3.3.2 Avaliação do teor de cementita .............................................................. 41 3.3.3 Microscopia óptica ................................................................................. 42 3.3.4 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) ........................................ 43 3.3.5 Difração de raios-X (DRX) .................................................................... 43 4 Resultados .......................................................................................................... 44 4.1 Ferritoscopia ............................................................................................... 44 4.2 Avaliação do Teor de cementita ................................................................. 47 4.3 Microscopia óptica ...................................................................................... 51 4.4 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) ............................................ 55 4.5 Difração de raios-X (DRX) ........................................................................ 61 5 Conclusões ......................................................................................................... 63 5.1 Sugestões para trabalhos ............................................................................. 64 6 Referências ......................................................................................................... 65 Apêndice A. Resultados experimentais ................................................................... 69 A.1 Resultados da ferritoscopia ......................................................................... 69 A.2 Difratogramas individuais das amostras temperadas .................................. 70 Apêndice B. Procedimento de uso do ferritoscópio ................................................ 71 1 1 INTRODUÇÃO O aço carbono, de estrutura cúbica de corpo centrado (CCC), após tratamento térmico de têmpera transforma-se em martensita, de estrutura tetragonal de corpo centrado (TCC). Sabe- se que maior será a tetragonalidade da martensita quanto maior for o teor de carbono (Tanaka, Maruyama, et al., 2020). Por outro lado, as propriedades magnéticas dos materiais, que são de origem atômica, sofrem influência tanto pelos momentos magnéticos do átomo individual como pelo entorno de cada um dos átomos da rede cristalina. Elas são fortemente influenciadas por fatores como microestrutura, tratamento térmico, composição química e condição mecânica. Isso significa que métodos magnéticos oferecem técnicas ideais para a avaliação da condição de estruturas e componentes de aço (Jiles, 1988). Numa rede cúbica, existe uma simetria cristalina de maior grau do que numa rede tetragonal. Desta forma, após a têmpera, os átomos de ferro estarão com uma organização menos simétrica aumentando a anisotropia magnetocristalina e causando uma variação nas propriedades magnéticas quanto maior o teor de carbono (Talonen, Aspegren e Hänninen, 2004; Jiles, 1988). 1.1 OBJETIVOS Este projeto de pesquisa tem como objetivo principal estudar as propriedades magnéticas após diferentes tratamentos térmicos em amostras de aço com diferentes teores de carbono: IF, 1020, 1045, 1075, 1080 e 1095 e ferro fundido; examinando, dessa forma, como a concentração de carbono nesses aços pode influenciar o comportamento magnético e microestrutural desses tratamentos térmicos. Os seguintes objetivos específicos podem ser listados: • Investigar o comportamento magnético com a variação do teor de carbono dos aços. • Usar o método magnético para detectar a formação de martensita em aços • Relacionar os resultados das medições magnéticas com a tetragonalidade da martensita. 2 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 AÇO CARBONO Aços carbono podem ser definidos como ligas ferro-carbonocom 0,02% a 2% de teor de carbono (Smith e Hashemi, 2019) além de certos elementos residuais resultantes dos processos de fabricação (Chiaverini, 2005). Devido a sua grande variedade, baixo custo e facilidade de fabricação, são amplamente usados nos setores industriais e na manufatura (Smith e Hashemi, 2019). Juntamente com os aços de alta resistência e baixa liga (HSLA), os aços carbono representam cerca de 80% dos aços utilizados no mercado. Quanto ao seu teor de carbono, podem ser subdivididos em aços baixo carbono, aços médio carbono e aços alto carbono. Na literatura, também é possível encontrar uma quarta subdivisão, chamada “aços de ultra alto carbono”. Cada categoria é indicada para um tipo de aplicação diferente devido às diferenças nas propriedades microestruturais, mecânicas e magnéticas (Paulo e Krzak, 2018). Os Aços baixo carbono contém, em média, menos que 0,3% de carbono em sua composição e até 0,4% de manganês. A maior categoria dessa classe abrange produtos laminados planos, como chapas ou tiras, geralmente laminados a frio e submetidos a recozimento. Esse tipo de aço é comumente utilizado na fabricação de painéis para carrocerias de automóveis, chapas de flandres e produtos de arame. Em placas e perfis estruturados de aço laminado, os teores de carbono podem atingir cerca de 0,30% de carbono e até 1,5% de manganês. São materiais adequados para aplicações diversas, como estampagem, forjamento, produção de tubos sem costura e fabricação de chapas para caldeiras. A microestrutura típica inclui a ferrita e a perlita (Paulo e Krzak, 2018). Aços médio carbono contém de 0,30% a 0,60% de carbono e manganês de 0,60% a 1,65%. Na literatura também se encontra teores de carbono de 0,20% a 0,50% para essa subdivisão. O aumento do teor desses dois elementos permite que esse aço seja utilizado na condição temperado e revenido. São usados em trilhos, rodas de trem, eixos, engrenagens, virabrequins, acoplamentos e forjados (Paulo e Krzak, 2018). Aços alto carbono contém cerca de 0,60% a 1% de carbono com teores de manganês variando de 0,30% a 0,90%. Costumam ser usados em aplicações que demandam alta resistência e dureza, como para materiais de mola, onde a rigidez e a capacidade de recuperar 3 sua forma original são necessárias, e fios de alta resistência, onde a combinação de força e durabilidade é importante para atender a exigências específicas em diversos setores industriais. Por fim, aços de ultra alto carbono possuem teores de carbono geralmente acima de 1,5%. Esta concentração muito alta de carbono confere dureza excepcional, tornando-os adequados para aplicações onde a resistência ao desgaste é uma consideração crítica, como na fabricação de algumas ferramentas de corte, facas extremamente duráveis e outros componentes sujeitos a desgaste intenso (Paulo e Krzak, 2018). 2.2 ESTRUTURA CRISTALINA Para como a composição química dos metais, especialmente o teor de carbono, influencia suas propriedades mecânicas e magnéticas, bem como sua resposta à têmpera, é realizada uma revisão dos conceitos relacionados à estrutura cristalina dos metais. Figura 2.1: Estrutura cristalina, na esquerda, e amorfa, na direita (Perez, 2007). Os materiais sólidos podem ser classificados como cristalinos ou não cristalinos (amorfos) dependendo da estrutura em que seus átomos ou íons estão organizados (Figura 2.1). Os materiais cristalinos, como no caso dos metais, são caracterizados por um arranjo repetitivo ao longo de grandes distâncias atômicas, no qual cada átomo se liga a seus átomos vizinhos mais próximos quando ocorre a solidificação. Essa ordenação está diretamente relacionada à minimização de energia, visto que os padrões cristalinos apresentam uma energia mais baixa do que os aleatórios ou amorfos. Nos metais, as estruturas cristalinas simples mais comuns são: cúbica de face centrada (CFC), cúbica de corpo centrado (CCC) e hexagonal compacta (HCP). A Figura 2.2 ilustra essas estruturas, onde cada átomo ou íon é tido como uma esfera sólida com diâmetro bem definido. (Callister Jr., 2016; Petrescu, Petrescu, Et Al., 2000). 4 Figura 2.2: Estruturas Cristalinas dos Metais (Callister JR., 2016) - adaptado. A maioria dos materiais cristalinos é composta por um conjunto de pequenos cristais ou grãos, que os classifica como materiais policristalinos. O conceito de grão pode ser definido como um domínio cristalino, onde os átomos estão organizados em posições simétricas repetitivas na mesma orientação. Os estágios do processo de solidificação do material são esboçados na Figura 2.3. No início, pequenos cristais ou núcleos formam-se em diversas posições com orientações aleatórias (Figura 2.3 a). Em seguida, os grãos crescem à medida que átomos do líquido são progressivamente adicionados à sua estrutura (Figura 2.3 b). Próximo ao término da solidificação, as extremidades dos grãos adjacentes barram o crescimento da região de contato entre eles (Figura 2.3 c). Por fim, após a conclusão da solidificação, o material apresenta regiões de fronteira entre grãos vizinhos, denominadas contornos de grãos, marcados pela linha contínua na Figura 2.3 d (Callister Jr., 2016). A orientação cristalográfica dos grãos individuais em materiais policristalinos pode ser aleatória. Mesmo com a direção preferencial de cada grão, o material como um todo pode se comportar isotropicamente. Dessa forma, as propriedades medidas em uma direção representam uma média dos valores direcionais. Essas orientações cristalográficas preferenciais, comuns nos materiais policristalinos, dão origem a chamada textura cristalográfica. Essa textura cristalográfica pode ser produzida pela solidificação controlada ou pela conformação mecânica a frio, que deixa os grãos mais alongados (Petrescu, Petrescu, et al., 2000; Callister Jr., 2016). 5 Figura 2.3 Estágios de solidificação de um material policristalino (Callister Jr., 2016) 2.3 DIAGRAMA DE EQUILÍBRIO FERRO-CARBONO Sob as condições de pressão atmosférica, a maioria dos metais mantém uma estrutura estável à temperatura ambiente até atingir seu ponto de fusão. O ferro é uma exceção, podendo exibir mais de uma fase, dependendo da temperatura. Dessa forma, o diagrama de equilíbrio Ferro-Carbono permite a compreensão das transformações que ocorrem no ferro e suas ligas em diferentes condições térmicas. O diagrama também destaca as fases fundamentais como ferrita, austenita, e cementita, fornecendo informações sobre as microestruturas resultantes em diversos processos térmicos. O diagrama de equilíbrio Fe-C destaca a ferrita e a grafita como as fases termodinamicamente mais estáveis em temperatura ambiente. O diagrama de fases Fe – Fe3C (cementita) é mais adequado para a análise de aços carbono e de baixa liga, mostrando a precipitação da cementita quando o limite de solubilidade do carbono é ultrapassado na ferrita ou austenita. Apesar da maior estabilidade termodinâmica da grafita, na prática, especialmente em tratamentos térmicos, é a cementita ou seus precursores carbetos que predominam na microestrutura dos aços (Silva e Mei, 2006; Callister Jr., 2016). 6 Figura 2.4: Diagrama de equilíbrio Fe-Fe3C (Van Vlack, 1964) Abaixo de 912°C, o ferro puro possui uma estrutura CCC e é conhecido como ferrita, ou “ferro alfa” (α-Fe). Nessa fase, somente pequenas concentrações de carbono são solúveis; a solubilidade máxima é de 0,022 %p, a 727ºC. A limitada solubilidade é atribuída à configuração e ao tamanho das posições intersticiais na estrutura CCC, o que torna desafiador acomodar átomos de carbono. Apesar de sua presença em concentrações relativamente baixas, o carbono exerce uma influência significativa nas propriedades mecânicas da ferrita. Essa fase ferro- carbono específica é relativamente macia e pode adquirir propriedades magnéticas em temperaturas inferiores a 768°C (CallisterJr., 2016). Entre 912°C e 1394°C, a estrutura CFC é a mais estável e o ferro é conhecido por “ferro gama” (γ-Fe) ou austenita. Possui capacidade para dissolver a maior quantidade de carbono em relação às demais formas alotrópicas do ferro. Isto ocorre devido a estrutura CFC da austenita possuir interstícios octaédricos de tamanho relativamente grande para acomodar os átomos de carbono com certa comodidade, apesar de esta estrutura possuir um fator de empacotamento maior que a CCC. Sua solubilidade máxima, 2,14 %p, ocorre a 1147°C, cerca de 100 vezes maior do que o valor máximo para a ferrita CCC. A fase austenita é uma fase não- 7 magnética, também denominada paramagnética. Acima de 1394°C o ferro retorna à estrutura CCC e, apesar de ser idêntico ao ferro alfa, é conhecido por “ferro delta” (Callister Jr., 2016; Chiaverini, 2005). Quando a temperatura diminui abaixo de 727°C e excede o limite de solubilidade para o carbono na ferrita alfa, que é de 0,022%, ocorre a formação de outro composto conhecido como cementita (Fe3C), conforme Figura 2.4. A cementita é um carboneto de ferro que precipita quando o carbono em excesso, que não pode mais ser mantido em solução na ferrita alfa, se combina com o ferro. Essa fase é paramagnética (não magnética) e extremamente dura, contribui significativamente para a elevada dureza e resistência dos aços de alto teor de carbono. No entanto, a presença da cementita também está associada a uma menor ductilidade do material. Apresenta uma estrutura cristalina ortorrômbica (Chiaverini, 2005). Por fim, observa-se que o ponto de fusão do ferro puro é 1538°C e, à medida que se aumenta o teor de carbono a temperatura de fusão diminui. Em 1147°C, a solubilidade do carbono é máxima e, à medida que cai a temperatura, a quantidade solúvel no ferro gama torna- se menor até chegar em 0,77% em 727°C. Assim, são observadas duas fases acima desta temperatura, o ferro gama sob a forma de austenita e o carbono sob a forma de cementita. 2.3.1 PONTO EUTETOIDE É o ponto no qual uma fase sólida se transforma em duas outras fases sólidas em uma única temperatura. No diagrama da Figura 2.4 esse ponto pode ser encontrado para uma composição de 0,76 %p C e uma temperatura de 727°C (Callister Jr., 2016). Aços eutetóides são aqueles com aproximadamente 0,76% C, como os aços da série SAE 1080. Aços hipoeutetóides são aqueles que possuem carbono abaixo de 0,76% C, constituídos de ferrita e perlita. Por fim, aços hipereutetóides são aqueles que possuem carbono acima de 0,76% e abaixo de 2%. Acima de 2% são conhecidos como ferro fundido (FoFo) (Colpaert, 2008). A Figura 2.5 representa essas microestruturas. Nos aços hipoeutetóides, a ferrita é dúctil e tenaz. Por isso, esses aços são deformáveis em temperatura ambiente quanto maior for a porcentagem de ferrita. Já nos hipereutetóides, a cementita torna esses aços mais quebradiços ao serem deformados (Colpaert, 2008). O elevado teor de carbono nos aços forma carbonetos, que são extremamente duros. Logo, quanto maior o teor de carbono, mais duro será o aço. Esse aumento de dureza corresponde, também, a uma 8 tração mais elevada, menor ductilidade e por consequência, maior dificuldade de ser dobrado e menor resistência ao impacto (Callister Jr., 2016). Figura 2.5: Representação esquemática da microestrutura de uma liga Fe-C com composição A) hipoeutetóide, B) eutetóide e C) hipereutetóide (Callister Jr., 2016) – adaptado. 2.3.2 PERLITA A perlita é uma microestrutura que consiste em uma mistura mecânica de duas fases, ferrita e cementita, dispostas alternadamente em finas lâminas, raramente superior a um milésimo de milímetro de espessura. As propriedades mecânicas da perlita são, portanto, intermediárias entre as da ferrita e da cementita, dependendo, no entanto, do tamanho das partículas de cementita. Essa disposição de camadas dá a perlita um aspecto “tigrado”, facilmente observado na Figura 2.6. (Silva e Mei, 2006). As propriedades mecânicas da perlita são influenciadas pela espessura de suas lamelas e esta, por sua vez, está condicionada à velocidade de sua formação. A espessura é limitada pela distância na qual o carbono se difunde no tempo disponível. A proporção de perlita em um aço aumenta de 0% para ferro puro até 100% para um aço eutetoide (0,76% de carbono). Além disso, possui elevada resistência a tração, com aproximadamente 740 MPa. 9 Figura 2.6: Microestrutura de um aço eutetóide. Lamelas da região perlítica bem visíveis.1000x e 750x (Colpaert, 2008). A transformação da austenita em perlita inicia-se nos contornos dos grãos, progredindo em direção ao centro, conforme a Figura 2.7. Essa distribuição é esperada, já que os átomos nos contornos dos grãos apresentam maiores energias em comparação com os átomos dentro dos grãos. Além disso, átomos ao redor de defeitos na microestrutura, como imperfeições, fornecem locais propícios para a nucleação de reações (Chiaverini, 2005; Colpaert, 2008). Figura 2.7: Representação da formação da perlita a partir da austenita (Callister JR., 2016). 2.3.3 MARTENSITA Um aço resfriado muito lentamente a partir do campo austenítico apresentará, à temperatura ambiente, uma ou mais fases, tais como ferrita e cementita, dependendo do seu teor 10 de carbono. Porém, se o resfriamento do aço a partir da região austenítica for muito rápido, aparecerão outros constituintes metaestáveis, como a bainita e a martensita, que não são previstos no diagrama de fases ferro-cementita. (Silva e Mei, 2006). A martensita é uma fase que ocorre quando as ligas Fe-C são austenitizadas e temperadas, resfriadas de forma suficientemente rápida para evitar a difusão do carbono. Qualquer difusão que possa ocorrer resultará na formação das fases ferrita, ou ferrita e cementita. Na martensita, todos os átomos de carbono permanecem como impurezas intersticiais, criando uma solução sólida supersaturada que pode se transformar rapidamente em outras estruturas quando aquecida a temperaturas onde a difusão é significativa. A transformação da martensita ocorre por meio de um mecanismo de cisalhamento, resultando principalmente em uma morfologia em forma de placas ou de agulhas. Além disso, a fase branca observada na Figura 2.8 é a austenita retida que não se transformou durante a têmpera (Callister Jr., 2016; Totten, 2006). Figura 2.8: Microestrutura martensítica (Callister Jr., 2016). O diagrama de transformação, tempo e temperatura, também conhecido como diagrama TTT, representado pela Figura 2.9, fornece as temperaturas críticas e as taxas de resfriamento necessárias para a formação das fases microestruturais específicas, como perlita, bainita e martensita para uma liga ferro-carbono eutetoide. O início da transformação martensítica é marcado pela linha horizontal contínua identificada por M(início), enquanto as 11 outras duas linhas horizontais tracejadas marcam o percentual da transformação da austenita em martensita, identificadas por M(50%) e M(90%) (Callister Jr., 2016). Figura 2.9: Diagrama TTT para uma liga ferro-carbono com composição eutetoide. A, austenita, B, bainita, M, martensita, P, perlita (Callister Jr., 2016). À medida que o teor de carbono no aço aumenta, observa-se uma redução nas temperaturas de início e fim da formação da martensita durante o resfriamento (Figura 2.10). Um exemplo prático desse efeito é um aço contendo 0,8% de carbono, que, quando resfriado rapidamente até a temperatura ambiente, poderá apresentar uma fração de austenita não transformada, denominada de "austenita retida" (Silva e Mei, 2006). A martensita em aços carbono simples é uma fase metaestável que se forma quando a austenita cúbica de face centrada (CFC) passa por uma transformação alotrópica para uma estrutura tetragonal de corpo centrado (TCC). Essa tetragonalidade é causada por uma distorçãona célula unitária do ferro, resultando em uma solução sólida intersticial supersaturada de 12 carbono em ferro TCC. Como resultado, a martensita exibe uma configuração estrutural muito diferente da ferrita CCC (Smith e Hashemi, 2019; Callister Jr., 2016). Figura 2.10: Efeito do teor de carbono nas temperaturas de início (MI) e fim (MF) da transformação de austenita em martensita (Silva e Mei, 2006). A partir da faixa de temperatura da austenita, durante o resfriamento rápido, mais átomos de carbono podem supersaturar na ferrita. Em aços com alto teor de carbono, a estrutura CCC da ferrita transforma-se em uma estrutura TCC. À medida que o teor de carbono aumenta, assume-se que um dos eixos TCC (chamado de eixo c) torna-se mais longo, enquanto os outros dois (eixos a e b, onde a = b) tornam-se mais curtos. Os parâmetros de rede c e a da martensita TCC sugerem variar linearmente com o teor de carbono (Liu, Ping, et al., 2017; Lu, Yu e Sisson, 2017). Em outras palavras, à medida que o teor de carbono aumenta, maior a tetragonalidade (quociente c/a entre os eixos) da estrutura martensítica. A equação 2.1 mostra como a tetragonalidade, c/a, é linearmente dependente do teor de carbono [C] (% em peso) e implica que para um teor nulo de carbono a estrutura é CCC, sem qualquer distorção (Bhadeshia e Honeycombee, 2006). 𝑐 𝑎 = 1 + 0,045%𝑝𝐶 (2.1) 13 Chen et al., (1980) especularam que a perturbação local na tetragonalidade pode ser provocada pelas grandes tensões residuais presentes na transformação martensítica. Na Figura 2.11 pode-se observar as semelhanças entre a estrutura CCC e a estrutura TCC. Figura 2.11: Transformação de Bain e comparação entre a estrutura Cúbica de Corpo Centrado (CCC) e Tetragonal de Corpo Centrado (TCC) (Krauss, 2005) – Adaptado. A martensita é a microestrutura mais dura e mais resistente entre as demais, contudo, é igualmente a mais frágil, exibindo ductilidade desprezível. Sua dureza está diretamente ligada ao teor de carbono. Ao contrário dos aços perlíticos, acredita-se que sua dureza não derive da microestrutura, mas sim da eficiente disposição dos átomos intersticiais de carbono, que restringem o movimento das discordâncias, associada a um número relativamente reduzido de sistemas de escorregamento (onde as discordâncias se movem) existentes na estrutura TCC (Callister Jr., 2016). 14 2.4 TRATAMENTOS TÉRMICOS No presente trabalho serão realizados os tratamentos térmicos de têmpera, normalização e recozimento. Sendo assim, é feita uma breve introdução sobre os conceitos associados aos tratamentos térmicos utilizados no trabalho. Os tratamentos térmicos, em geral, consistem em uma série de procedimentos de aquecimento realizados sob condições controladas, como temperatura, tempo, atmosfera e velocidade de resfriamento, visando modificar as propriedades do aço ou de outros materiais. Os diversos tipos de aços possuem propriedades específicas relacionadas à sua estrutura, e ao submeter o material a um tratamento térmico, sua estrutura é modificada, resultando em mudanças nas características do material (Chiaverini, 2005). Alguns dos principais objetivos desse processo incluem aprimorar a usinabilidade, ductilidade, propriedades de corte, resistência à corrosão, resistência ao desgaste, resistência ao calor, alívio de tensões, aumento da resistência mecânica, ajuste da dureza e alteração das propriedades elétricas e magnéticas (Chiaverini, 2005). 2.4.1 TÊMPERA A têmpera é um tratamento térmico que consiste em aquecer o material acima da temperatura de austenitização e, em seguida, resfriá-lo rapidamente em meio aquoso (como água pura, água salgada ou água com adição de polímeros), óleo ou ar. Além desses, outros gases como nitrogênio, hélio e argônio também podem ser utilizados para o resfriamento. A mudança do meio de têmpera modificará as velocidades de resfriamento de um mesmo material. Esse resfriamento deve ser suficientemente rápido para evitar transformações perlíticas e bainíticas no material, e obter uma estrutura martensítica metaestável (Silva e Mei, 2006; Colpaert, 2008). Seu propósito principal é aumentar a dureza do aço, elevando tanto o limite de escoamento quanto a resistência à tração, compressão e desgaste. Nesse processo, a resistência elétrica também é ampliada, no entanto, ocorre a diminuição da resistência ao choque, alongamento, estricção e ductilidade, resultando em um material mais frágil (Colpaert, 2008). As técnicas de têmpera usadas para meios líquidos incluem a têmpera por imersão e a têmpera por pulverização. A têmpera por imersão, na qual a peça é submersa em um meio de têmpera agitado ou não agitado, é a mais amplamente empregada. A peça pode ser temperada 15 diretamente da temperatura de austenitização para a temperatura ambiente (têmpera direta) ou para uma temperatura acima da temperatura MS, onde é mantida por um período especificado, seguida pelo resfriamento em um segundo meio a uma taxa de resfriamento mais lenta (têmpera por tempo ou têmpera interrompida) (Totten, 2006). A têmpera proporciona ainda, aos aços duros, a capacidade de manter de maneira mais eficaz o magnetismo, ou seja, permanecer imantados de forma mais intensa quando expostos a um campo magnético. Em virtude disso, os ímãs permanentes, como os utilizados em magnetos, agulhas de bússolas, entre outros, são frequentemente fabricados a partir de aço temperado (Colpaert, 2008). 2.4.1.1 TEMPERABILIDADE Denomina-se temperabilidade a capacidade de endurecer o material durante o resfriamento rápido (têmpera), ou seja, por transformação martensítica a uma determinada profundidade. Para aumentar a temperabilidade, deve-se retardar a formação da ferrita, ou seja, deslocar a curva TTT para tempos mais longos (Silva e Mei, 2006). Importante destacar que "temperabilidade" ou a profundidade de endurecimento não se relacionam diretamente com a dureza máxima alcançável no aço, que é quase exclusivamente determinada pelo seu conteúdo de carbono. Em contraste, a profundidade de endurecimento é mais influenciada pelo tamanho dos grãos austeníticos e pela presença de elementos de liga do que pelo conteúdo de carbono. Além disso, a "temperabilidade" está igualmente associada à conquista da maior tenacidade, dependendo da microestrutura formada durante o resfriamento. Assim, conhecer a temperabilidade dos aços é crucial, pois o principal objetivo do tratamento térmico do aço é atingir a maior dureza e a maior tenacidade possíveis. Isto é feito controlando a velocidade de resfriamento, alcançando uma profundidade específica ou em toda a seção transversal do material, e reduzindo ao mínimo as tensões causadas pelo resfriamento (Chiaverini, 2005). 2.4.2 RECOZIMENTO Quando processos de conformação de metais, como laminação, forjamento, extrusão e outros, são executados a frio, o material de trabalho apresenta diversas discordâncias e defeitos, e os grãos são esticados e deformados. Como resultado, o metal trabalhado fica consideravelmente mais resistente, mas menos maleável. Em muitos casos, a redução da maleabilidade do metal trabalhado a frio não é desejada, sendo necessário um metal mais 16 maleável. Para alcançar esse objetivo, o metal trabalhado a frio é submetido a aquecimento em um forno. Se o metal for aquecido a uma temperatura suficientemente alta e mantido por tempo adequado, sua estrutura passará por uma série de transformações denominadas: (1) recuperação, (2) recristalização e (3) crescimento de grãos. A Figura 2.12 esquematiza essas mudanças estruturais à medida que a temperatura do metal aumenta, acompanhadas pelas respectivas alterações nas propriedades mecânicas. Este tratamento de reaquecimento que amolece um metal trabalhado a frio é chamado de recozimento (Smith e Hashemi, 2019). Figura 2.12: Efeito do recozimento nas alterações estruturaise nas propriedades mecânicas de um metal trabalhado a frio (Smith e Hashemi, 2019) - Adaptado. No recozimento total ou pleno, os aços hipoeutetóides e eutetóides são aquecidos na região da austenita cerca de 40°C acima da fronteira austenita-ferrita, mantidos pelo tempo necessário na temperatura elevada e, em seguida, resfriados lentamente até a temperatura ambiente, geralmente no forno em que foram aquecidos. Para os aços hipereutetóides, é comum a austenitização na região de duas fases, austenita mais cementita (Fe3C) cerca de 40°C acima da temperatura eutetoide (Smith e Hashemi, 2019). 17 Já o recozimento de processo, muitas vezes referido como alívio de tensões, amolece parcialmente os aços de baixo carbono trabalhados a frio, aliviando as tensões internas provenientes do trabalho a frio. Este tratamento, geralmente aplicado a aços hipoeutetóides com menos de 0,3% C, é realizado a uma temperatura abaixo da temperatura eutetóide, normalmente entre 550°C e 650°C (Smith e Hashemi, 2019). Neste trabalho foi utilizada uma temperatura de 1000 ºC, que garante aquecimento na região do campo austenítico para hipoeutetóides e hipereutetóides. Somente o ferro fundido teve a austenitização no campo das duas fases, austenita e cementita. 2.4.3 NORMALIZAÇÃO A normalização é um tratamento térmico que envolve a austenitização do aço seguida por resfriamento ao ar parado ou agitado. Este processo produz microestruturas uniformes de ferrita e perlita fina (menor espaçamento entre as lamelas). Diferente do recozimento, usa temperaturas mais altas, o que dissipa a maioria dos carbonetos e leva a grãos de ferrita mais finos e perlita com menor espaçamento interlamelar. Como resultado, aços normalizados geralmente têm maior dureza e resistência, mas menor ductilidade do que os aços recozidos (Krauss, 2005). É comumente aplicada em aços carbono e ligados, especialmente após processos de forjamento a quente. Ajuda a refinar o grão e a uniformizar microestruturas que se tornam grosseiras devido às altas temperaturas do forjamento. Em aços de alto carbono, pode afetar a formação de cementita e perlita, dependendo da temperatura de austenitização utilizada (Krauss, 2005). O resfriamento ao ar na normalização varia conforme o tamanho da seção do aço, afetando a microestrutura final. Em seções maiores, a taxa de resfriamento é mais lenta, podendo causar tensões residuais, enquanto seções menores podem resfriar rapidamente, levando à formação de bainita ou martensita em aços com maior endurecibilidade (Krauss, 2005). 2.5 MAGNETISMO NOS MATERIAIS Para entender o comportamento magnético dos aços, é feita uma breve introdução de conceitos básicos associados com o magnetismo utilizados neste trabalho. Segundo Chikazumi (1978), a expressão mais evidente do magnetismo ocorre na 18 forma da força de atração ou repulsão entre dois ímãs, a qual é influenciada pelo inverso do quadrado da distância entre eles. Adicionalmente, destaca-se a força gerada por uma corrente elétrica agindo sobre um ímã. Tanto correntes elétricas quanto polos magnéticos são capazes de gerar um campo magnético, usualmente definido como uma área no espaço onde os polos magnéticos experimentam uma força resultante (Chikazumi, 2009). A Figura 2.13 representa um experimento no qual limalhas de ferro são dispostas ao redor de barras magnéticas, evidenciando a trajetória dos campos magnéticos. Figura 2.13: Campos de barras magnéticas reveladas por limalhas de ferro (Cullity e Graham, 2009). Ao aplicar uma corrente elétrica i (A) a um longo solenoide (fio condutor enrolado helicoidalmente com densidade de n espiras por metro), um campo magnético uniforme H é gerado em seu interior, definido por 𝐻 = 𝑛𝑖 𝑙 (2.2) Uma unidade muito utilizada de campo magnético no sistema internacional (SI) é ampere por metro (𝐴/𝑚). Quando uma barra magnética de comprimento 𝑙 (𝑚) é posicionada em um campo magnético uniforme H, um momento magnético M é gerado, definido por 𝑀 = 𝑚𝑙 (2.3) 19 com unidade de weber metro (Wbm), sendo m (Wb) o pólo magnético de força. A geração de um momento magnético também pode ocorrer quando uma corrente elétrica percorre uma curva fechada (Chikazumi, 2009). No contexto da aplicação de um campo magnético em um material, diversos conceitos de magnetização podem ser explorados, incluindo um conjunto de momentos magnéticos elementares, um deslocamento de polos magnéticos e uma corrente intrínseca. A intensidade da magnetização pode ser determinada por meio da indução eletromagnética, um fenômeno que resulta na indução de tensão em uma bobina de fio condutor quando um campo magnético é aplicado perpendicularmente à sua seção transversal. Essa tensão, que varia conforme a densidade de fluxo magnético no tempo (dB/dt), aumenta quando um material magnético é introduzido na bobina (Chikazumi, 2009). O termo B, também denominado indução magnética, pode ser definido como 𝐵 = 𝐼 + 𝜇0𝐻 (2.4) ou, também, utilizando o conceito de correntes intrínsecas, 𝐵 = 𝐼 + 𝜇0(𝐻′ + 𝐻) (2.5) Essa relação esclarece por que a tensão de indução eletromagnética aumenta com a introdução do material magnético, pois o campo magnético gerado pelas correntes intrínsecas é adicionado ao campo magnético externo. Se a magnetização for diretamente proporcional ao campo magnético aplicado, com um fator de proporcionalidade denominado de suscetibilidade magnética (χ), podemos expressar isso como 𝐵 = (χ + 𝜇0)𝐻 (2.6) 𝐵 = 𝜇𝐻 (2.7) 20 𝜇 = 𝐵 𝐻 (2.8) onde 𝜇 representa a permeabilidade magnética, uma propriedade do material de grande interesse para os experimentos mostrados posteriormente; e 𝜇0 é a permeabilidade magnética do vácuo que tem o valor de 4𝜋 × 10−7 henrys por metro (𝐻𝑚−1). Ela é definida pela relação entre a indução magnética B e o campo magnético H e indica a capacidade de um material específico de responder a um campo magnético aplicado. Em termos práticos, quanto maior a permeabilidade magnética de um material mais fortemente magnetizado ele pode ser em resposta a um campo magnético externo e mais eficientemente ele pode amplificar ou concentrar esse campo magnético (Chikazumi, 2009). A indução magnética B e a intensidade do campo magnético I têm unidade Tesla (T). Ambas μ e χ têm unidades de Hm−1. A permeabilidade relativa pode ser definida como �̅� = 𝜇/𝜇0, e a suscetibilidade relativa como �̅� = 𝜒/𝜇0, sendo ambas adimensionais (Chikazumi, 2009). Ao observar os momentos magnéticos em um material específico, é possível categorizá-lo em uma das classes ilustradas na Figura 2.14. A intensidade da magnetização do material está diretamente vinculada ao grau de alinhamento dos seus momentos magnéticos atômicos. Figura 2.14: Momentos magnéticos de diferentes materiais (Spaldin, 2011). 21 2.5.1 MATERIAL FERROMAGNÉTICO Ferro, cobalto e níquel são exemplos notáveis de materiais ferromagnéticos, caracterizados por uma alta suscetibilidade magnética relativa, variando entre 102 e 106 (Chikazumi, 2009), mesmo na ausência de um campo magnético aplicado. Essa propriedade é atribuída ao ordenamento espontâneo de momentos magnéticos dentro desses materiais, que pode ser explicado pela mecânica quântica e a interação entre momentos magnéticos de átomos vizinhos (Gomes, 2015). Esses momentos magnéticos são consequência dos comportamentos dos elétrons individuais, conforme descrito por Callister Junior (2016). Cada elétron em um átomo apresenta momentos magnéticos provenientes de seu movimento orbital ao redor do núcleo e de seu spin. Dentro de cada átomo, ocorre um cancelamento dos momentos magnéticos, tanto nos orbitais quanto nos spins. Por exemplo, o momento magnético de um elétron com spin "para cima" neutraliza o de outro elétron com spin "para baixo".Assim, o momento magnético total de um átomo resulta da combinação dos momentos magnéticos de todos os seus elétrons, considerando tanto os efeitos orbitais quanto os de spin, e levando em conta qualquer cancelamento que possa ocorrer. Em átomos onde todos os orbitais e subníveis estão completamente ocupados por elétrons, como é o caso dos gases nobres, há um cancelamento completo de ambos os tipos de momento magnético. Consequentemente, materiais formados por átomos com todos os seus orbitais preenchidos não podem ser magnetizados de forma permanente (Callister Jr., 2016). Por outro lado, spins não emparelhados produzem momento magnético resultante e originam o ferromagnetismo. Figura 2.15: Comportamento dos momentos magnéticos individuais de um material ferromagnético (Grijalba, 2010). 22 Adicionalmente, os materiais ferromagnéticos possuem domínios magnéticos, que são agrupamentos de átomos cujos momentos magnéticos individuais estão alinhados na mesma direção, funcionando como pequenos ímãs permanentes. Na ausência de um campo magnético externo, os momentos magnéticos desses domínios estão distribuídos aleatoriamente. Contudo, quando expostos a um campo magnético externo, os domínios tendem a se alinhar com esse campo (Grijalba, 2010), conforme ilustrado na Figura 2.15. 2.5.1.1 TEMPERATURA DE CURIE A elevação da temperatura de um sólido resulta em um aumento na magnitude das vibrações térmicas dos átomos. Os momentos magnéticos atômicos são livres para girar; dessa forma, com o aumento da temperatura, o maior movimento térmico dos átomos tende a tornar aleatórias as direções de quaisquer momentos que possam estar alinhados. A temperatura de Curie, nomeada em homenagem ao físico francês Pierre Curie, representa a temperatura na qual um material ferromagnético perde suas propriedades ferromagnéticas e se torna paramagnético. Em outras palavras, é a temperatura acima da qual o material não pode manter a sua magnetização de forma espontânea. Ela varia conforme o material (Cullity e Graham, 2009; Callister Jr., 2016). A Figura 2.16 representa graficamente a magnetização de saturação do ferro, cobalto e níquel, assim como a Temperatura de Curie (𝑇𝑐) de cada um. Figura 2.16: Magnetização de saturação de ferro, cobalto e níquel em função da temperatura (Cullity e Graham, 2009) - Adaptado. 23 Em temperaturas inferiores à temperatura de Curie, os domínios magnéticos dentro do material ferromagnético estão alinhados de forma que o material exibe uma forte magnetização. Isso ocorre porque as interações entre os spins dos elétrons nos átomos são fortes o suficiente para manter uma orientação comum, superando a agitação térmica. A magnetização de saturação é máxima a 0 K, temperatura na qual as vibrações térmicas são mínimas (Callister Jr., 2016). Quando o material é aquecido até a temperatura de Curie, a energia térmica se torna suficiente para perturbar a ordem magnética. Isso significa que a energia térmica interfere nas interações entre os spins, fazendo com que eles se desorientem e o alinhamento magnético se perca. Acima dessa temperatura crítica, o material entra em um estado paramagnético. Nesse estado, os spins ainda respondem a campos magnéticos externos, mas não mantêm um alinhamento espontâneo. A resposta magnética é muito mais fraca e não é permanente, desaparecendo assim que o campo magnético externo é removido (Callister Jr., 2016). 2.5.2 DOMÍNIOS E HISTERESE MAGNÉTICA Um material ferromagnético é constituído por diversos domínios magnéticos, cada um orientado diferentemente em termos de sua magnetização, como mostrado na Figura 2.18. Figura 2.17: Estrutura de domínios magnéticos (Buschow e De Boer, 2003). Dentro de cada domínio, a magnetização segue uma direção preferencial. A soma total dos momentos magnéticos de todos estes domínios resulta em uma magnetização efetivamente nula no material. A área que marca a transição entre domínios adjacentes é conhecida como parede de domínio, que se caracteriza por ter uma largura específica e apresenta uma mudança gradual na orientação da magnetização entre domínios vizinhos (Morgan, 2013). 24 Figura 2.18: Processo de magnetização em um material ferromagnético (Cullity e Graham, 2009). Na Figura 2.18 acima, em (a) destaca-se uma seção cristalina com dois domínios magnéticos distintos, separados por uma parede de domínio, resultando em uma magnetização líquida igual a zero nessa área. Com a introdução de um campo magnético H, conforme ilustrado em (b), um dos domínios se expande em detrimento do outro, movendo a parede do domínio e alterando a orientação magnética. Em (c) a parede do domínio é completamente deslocada, e em (d), sob um campo mais intenso, a magnetização do material alinha-se paralelamente ao campo aplicado, atingindo a magnetização de saturação (MS). Durante todo esse processo, a intensidade da magnetização de cada região permanece constante; a variação ocorre apenas na direção da magnetização (Cullity e Graham, 2009). A magnetização de saturação (MS) é o estado alcançado por um material magnético quando todos os seus momentos magnéticos estão alinhados na máxima extensão possível sob a influência de um campo magnético externo. Neste ponto, o material atingiu sua magnetização máxima e não pode ser mais magnetizado, independentemente do aumento da intensidade do campo magnético aplicado (Callister Jr., 2016). Durante a magnetização de um material ferromagnético a indução B não possui um comportamento linear em relação ao campo H existente. Esse comportamento da magnetização inicial pode ser observado na Figura 2.19: 25 Figura 2.19: Processo de magnetização e movimento de paredes de domínios (Callister Jr., 2016). A Figura 2.19 acima demonstra a curva de magnetização inicial que descreve a trajetória desde a magnetização inicial zero até alcançar a magnetização de saturação Ms, que está associada a uma indução de saturação Bs e como seus domínios se comportam em cada etapa da curva. A magnetização e a movimentação das paredes dos domínios são influenciadas pela presença de tensões e imperfeições na estrutura cristalina do material, tais como vacâncias, inclusões, discordâncias e limites de grãos. Estas imperfeições funcionam como obstáculos para o deslocamento das paredes dos domínios magnéticos durante a magnetização, resultando em um aumento da energia requerida para o processo. Isso torna a magnetização um fenômeno descontínuo e irreversível (Morgan, 2013). Após atingir essa magnetização de saturação, quando o campo magnético aplicado H é reduzido pela mudança na direção do campo, a curva não retorna ao seu curso original. Isso evidencia a natureza irreversível do processo de magnetização. Ao retirar o campo, o retorno às condições iniciais resulta em um efeito de histerese, notável na Figura 2.20, com o campo B defasado em relação ao campo H, sendo este fenômeno explicado pelo movimento das paredes do domínio, conforme mencionado anteriormente (Morgan, 2013). Essa magnetização residual, 26 após a retirada do campo magnético externo, é conhecida como remanência. Em outras palavras, é a capacidade do material de manter uma certa quantidade de magnetização, mesmo sem a influência de um campo magnético externo (Smith e Hashemi, 2019). Figura 2.20: Curva de histerese magnética (Callister Jr., 2016). Os materiais ferromagnéticos podem ainda, dependendo da forma de sua curva de histerese, ser classificados em dois grandes grupos: • Materiais magnéticos moles: são caracterizados pela facilidade com que se magnetizam e desmagnetizam; • Materiais magnéticos duros: exibem uma maior resistência tanto à magnetização quanto à desmagnetização. Os materiais magnéticos moles permitem uma movimentação mais fácil das paredes dos domínios magnéticos, resultando em menor dissipação energética duranteos processos de magnetização e desmagnetização. Esses materiais são normalmente utilizados nos núcleos de transformadores, motores e geradores, fins para os quais são necessárias alta permeabilidade, baixo campo coercitivo (Hc) e ciclos de histerese reduzidos (Morgan, 2013; Chikazumi, 2009). Após serem magnetizados, os materiais magnéticos duros tendem a resistir a influências desmagnetizantes, incluindo campos magnéticos externos e o próprio campo magnético interno. Isso é devido à maior dificuldade no movimento das paredes dos domínios magnéticos nesses materiais, levando a ciclos de histerese mais amplos e um alto campo 27 coercitivo (Hc), características desejáveis para ímãs permanentes em vários tipos de medidores elétricos, alto-falantes e outros dispositivos (Morgan, 2013; Chikazumi, 2009). O campo coercitivo (Hc) refere-se à intensidade do campo magnético necessário para reduzir a magnetização de um material para zero após a magnetização ter sido saturada. Um baixo Hc indica que o material pode ser facilmente magnetizado e desmagnetizado, enquanto um mais elevado indica que o material é mais resistente à desmagnetização. Os aços, quando temperados, tem um acréscimo na coercividade Hc (Cullity e Graham, 2009). A Figura 2.21 apresenta as curvas de histerese características para cada um dos grupos citados acima. Figura 2.21: Curvas de histerese para materiais magnéticos moles e duros (Callister Jr., 2016). As perdas energéticas por histerese ocorrem devido à energia necessária para alternar as paredes dos domínios magnéticos durante os processos de magnetização e desmagnetização. Elementos como impurezas, defeitos na estrutura cristalina e precipitados nos materiais magnéticos moles funcionam como obstáculos que dificultam o movimento das paredes dos domínios nesses ciclos de magnetização, resultando em um aumento das perdas de energia por histerese. Além disso, a deformação plástica, que eleva a densidade de discordâncias, também contribui para o aumento dessas perdas. De modo geral, a área contida dentro do laço de 28 histerese representa a quantidade de energia dissipada devido à histerese magnética (Smith e Hashemi, 2019). 2.6 ANISOTROPIA MAGNETOCRISTALINA Os materiais cristalinos têm os átomos ordenados em arranjos periódicos, isto gera direções preferenciais para algumas propriedades, tal como as mecânicas e as magnéticas. No caso das propriedades magnéticas, esta é chamada anisotropia magnetocristalina, onde as curvas de magnetização podem ser diferentes segundo a direção da aplicação do campo magnético. Num monocristal, existem direções preferenciais de magnetização, as chamadas “direções de fácil magnetização”, estas se dão em algumas das direções cristalográficas. Na Figura 2.22 observa-se a anisotropia magnética existente num cristal de ferro de estrutura CCC e num cristal de níquel, estrutura CFC, para as três diferentes famílias de direções cristalográficas. A anisotropia magnetocristalina existente nos cristais de simetria cúbica é menor do que em simetrias mais complexas. Por exemplo, a anisotropia será maior para estruturas tetragonais, cujo grau de simetria é menor. Figura 2.22: Anisotropia magnética observada nas curvas de magnetização para as três diferentes famílias de direções cristalográficas num cristal de ferro de estrutura CCC e num cristal de níquel, estrutura CFC (Chiaverini, 2005). 29 2.7 FERRITOSCOPIA Esta técnica de medição não destrutiva oferece uma significativa vantagem em comparação com outras, uma vez que o equipamento utilizado é portátil, permitindo a realização de medidas não apenas em ambientes laboratoriais, mas também em campo. Além disso, a operação do aparelho é simples e rápida, visto que basta realizar o contato do medidor no corpo de prova, movê-lo para longe do material e observar o valor do percentual de ferrita exibido no visor do equipamento. (Pardal, 2009). O ferritoscópio, instrumento usado nesse ensaio, mede a quantidade de ferrita na faixa de 0,1% a 80% ou de 0 a 120 FN (ferrite number). Ele opera através do princípio de indução magnética, no qual um núcleo de ferro com uma bobina de excitação aplica uma corrente alternada de baixa frequência (168 Hz) gerando um campo magnético oscilante, como mostrado na Figura 2.23. Quando um dos polos da sonda se aproxima de uma amostra de aço, os grãos de ferrita presentes no material reforçam o campo magnético alternado. A intensidade dessa diferença de voltagem reflete o componente magnetizável na estrutura cristalina, tornando, dessa forma, possível calcular o teor da fase ferromagnética. No entanto, vale ressaltar que o método não distingue entre ferrita delta e martensita de deformação devido a suas respostas magnéticas semelhantes (Maréchal, 2011; Helmut-Fischer, 2012). Figura 2.23: Esquema ilustrativo do princípio de funcionamento do ferritoscópio (Helmut-Fischer, 2012) – Adaptado. 30 Além disso, o ferritoscópio é muito utilizado para quantificar austenita retida. O ensaio parte do princípio de que a austenita retida é paramagnética, enquanto a ferrita e a martensita são ferromagnéticas (Carvalho, 2013). A martensita magnética e a austenita paramagnética são duas formas cristalinas de materiais que apresentam propriedades magnéticas distintas. A martensita é uma fase cristalina ferromagnética caracterizada por apresentar um arranjo cristalino tetragonal distorcido, que lhe confere uma alta magnetização, porém menor que a magnetização da ferrita. Por outro lado, a austenita é uma fase cristalina paramagnética na qual os átomos não possuem um arranjo magnético definido, resultando em uma baixa magnetização (Battistini, Benasciutti e Tassi, 1994). Talonen et al., (2004) compararam diferentes métodos para medir o teor de martensita alfa induzida por deformação em aços austeníticos e concluíram que as leituras do ferritoscópio podem ser convertidas para os teores reais de martensita α utilizando a equação (2.9) a seguir: 𝑐∝′(𝑚𝑎𝑠𝑠%) = 1.7 × 𝐹 (2.9) Onde Cα’ é a fração volumétrica da martensita e F é a fração volumétrica de ferrita. Em outras palavras, esta equação indica que a ferrita tem mais sinal magnético do que a martensita; e que, para a martensita e a ferrita terem mesmo sinal magnético, a martensita deve ter uma massa 1.7 vezes maior do que a da ferrita. Segundo o manual do equipamento, esta equação se aplica quando a amostra analisada é de estrutura martensítica. Esta equação não é adequada para aplicação neste estudo devido à observação de que o sinal magnético da martensita varia conforme o teor de carbono. Portanto, é necessário considerar que esta equação pode ser aprimorada para uma análise mais precisa. A calibração do instrumento é realizada com a utilização de blocos fornecidos pelo fabricante onde o teor de ferrita em cada um desses blocos é conhecido, como mostrado na Tabela 2.1, permitindo assim garantir a calibração do ferritoscópio antes de seu uso. 31 Figura 2.24: Caixa com blocos fornecidos pelo fabricante para a calibração do ferritoscópio. Tabela 2.1: Valores de Ferrita (em %) dos blocos usados na calibração do ferritoscópio em função do ferrite number. Bloco Ferrita (%) Base 100 0,53 FN 0,67 1,26 FN 1,70 10,6 FN 11,6 52,9 FN 42,2 130 FN 86 2.8 MICROSCOPIA ÓPTICA A metalografia óptica é utilizada para analisar detalhes internos de materiais como metais e outros materiais no nível micrométrico, com ampliação de até 2000×. Por meio dela são obtidas informações sobre tamanho de grãos, fases presentes, danos e defeitos internos (Smith e Hashemi, 2019). As investigações desse tipo que utilizam o microscópio óptico são frequentemente chamadas metalográficas, uma vez que os metais foram os primeiros materiais a serem examinados com o emprego dessa técnica (Callister Jr., 2016). O procedimento se inicia com o preparoda superfície da amostra através de etapas múltiplas e detalhadas, incluindo desbastes que removem arranhões e camadas deformadas, 32 seguidas por polimentos para eliminar arranhões menores e alcançar uma superfície lisa e sem marcas. Posteriormente, a superfície polida é tratada com agentes químicos de ataque, escolhidos de acordo com o material, criando sulcos nos contornos de grão devido ao ataque ser mais reagente nestas áreas (Smith e Hashemi, 2019). Além disso, quando a microestrutura de uma liga bifásica vai ser examinada, seleciona-se, em geral, um reagente que produza uma textura diferente para cada fase, de tal modo que as diferentes fases possam ser distinguidas umas das outras (Callister Jr., 2016). Por fim, a amostra é então examinada sob um microscópio óptico, que utiliza luz visível incidente. Quando expostos à luz incidente em um microscópio óptico, os sulcos formados durante a etapa de ataque químico em uma amostra não refletem a luz tão intensamente quanto o restante do material do grão. Essa menor reflexão faz com que os sulcos se destaquem como linhas escuras, permitindo a visualização dos limites entre os grãos. Além disso, impurezas, diferentes fases do material e quaisquer defeitos internos também apresentam respostas distintas ao ataque químico, o que fica evidente nas imagens fotomicrográficas da superfície da amostra (Smith e Hashemi, 2019). O efeito do ataque químico, representado na Figura 2.25, em uma superfície polida de uma amostra de aço observado no microscópio óptico inclui várias etapas. Primeiramente, em (a), na condição de polimento, nenhuma característica microestrutural é observada, pois superfície polida é uniforme e não revela detalhes da microestrutura do aço; em (b), após o ataque químico em um aço com muito baixo teor de carbono, por exemplo, apenas os limites de grão são intensamente atacados quimicamente, fazendo com que apareçam como linhas escuras na microestrutura óptica. Esta ação do ataque químico realça os contornos dos grãos, que são áreas onde os átomos estão menos densamente empacotados e, portanto, são mais suscetíveis à reação química. 33 Figura 2.25: O efeito do ataque químico em uma superfície polida de uma amostra de aço sobre a microestrutura observada no microscópio óptico (Smith e Hashemi, 2019) - Adaptado. Por fim, em (c), após o ataque químico de uma amostra de aço com teor médio de carbono, regiões escuras (perlita) e claras (ferrita) são observadas na microestrutura. As regiões mais escuras de perlita foram mais severamente atacadas pelo atacante e, por isso, refletem menos luz (Smith e Hashemi, 2019). 2.9 MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA (MEV) O Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV), em inglês Scanning Electron Microscopy (SEM), é um dos mais versáteis instrumentos disponíveis para a observação e análise das características microestruturais de materiais sólidos. Nele, a superfície de uma amostra é percorrida por um feixe de elétrons, cujo sinal é coletado e exibido em uma tela de forma sincronizada. A superfície a ser observada pode ou não ter sido polida e pode ter sido submetida a tratamento químico, contudo, deve ser condutora de eletricidade; caso contrário, pode ser aplicado um revestimento metálico superficial. As ampliações possíveis variam de 10 a 500.000 vezes, assim como as profundidades de campo podem ser consideráveis. Dispositivos acessórios possibilitam análises qualitativas e semiquantitativas da composição elementar em áreas específicas da amostra (Callister Jr., 2016). 34 Figura 2.26: Desenho esquemático dos componentes básicos do MEV (Dedavid, Gomes e Machado, 2007). É utilizado para caracterização e análise da microestrutura de amostras, podendo ser empregado em diversos campos do conhecimento, pois, além de gerar imagens com aspecto tridimensional e com alta resolução, fornece informações sobre a natureza química do material, além de permitir a identificação da estrutura, da morfologia, dos elementos químicos e da topografia da superfície da amostra. O MEV convencional apresenta uma coluna óptico- eletrônica adaptada a uma câmara porta-amostra aterrado, sistema eletrônico, detectores e sistema de vácuo, conforme Figura 2.26 (Dedavid, Gomes e Machado, 2007). 2.10 DIFRAÇÃO DE RAIOS-X (DRX) O ensaio de difração de raios-X fundamenta-se na interação dos raios-X com a estrutura cristalina de um material. Ao incidir sobre um cristal, o feixe de raios-X dispersa-se pelos átomos dispostos em uma rede cristalina regular, originando padrões de interferência específicos, conforme observado pela Figura 2.27 (Cullity e Graham, 2009). 35 Figura 2.27: Difração de raios-X por planos de átomos (A–A’ e B–B’) (Callister Jr., 2016) - Adaptado. A difração de raios-X segue a Lei de Bragg (Eq. 2.12), que estipula que, para ocorrer a interferência construtiva e a formação de um padrão de difração, a diferença de caminho óptico entre os raios-X difratados por dois planos cristalinos paralelos deve ser igual a um múltiplo inteiro do comprimento de onda dos raios-X incidentes. 𝑆𝑄̅̅̅̅ + 𝑄𝑇̅̅ ̅̅ = 𝑛𝜆 (2.10) 𝑑𝑠𝑒𝑛(𝜃) + 𝑑𝑠𝑒𝑛(𝜃) = 𝑛𝜆 (2.11) 2𝑑𝑠𝑒𝑛(𝜃) = 𝑛𝜆 (2.12) Na equação 2.12, d é a distância entre os planos em metros, 𝜃 é o ângulo formado entre o feixe incidente e o plano atômico em rad, n é um número inteiro adimensional e 𝜆 é o comprimento de onda dos raios-X incidentes em metros. O dispositivo empregado na análise da estrutura cristalina de materiais por meio da técnica de difração de raios-X é o difratômetro. Seu funcionamento envolve a varredura da 36 amostra em relação ao feixe de raios-X em diferentes ângulos de incidência. Um detector registra a intensidade dos raios-X difratados em cada ângulo, gerando um padrão de difração. Cada pico presente no padrão de difração está associado à posição dos átomos na estrutura cristalina. A partir dessas informações, é possível determinar a fase do material cristalino. A largura dos picos está associada a tensões residuais e defeitos na rede cristalina. Esse processo inclui a comparação dos dados experimentais com padrões de difração teóricos ou bancos de dados existentes, possibilitando a identificação da correspondente estrutura cristalina (Buerger, 1942). 37 3 MATERIAIS E MÉTODOS A metodologia utilizada para desenvolver o trabalho consistiu em três etapas principais. Inicialmente, foram obtidas 7 amostras de aço com teores de carbono diferentes: 0,0% (IF); 0,2% (1020); 0,45% (1045); 0,75% (1075); 0,80% (1080); 0,95% (1095) e acima de 2% (FoFo). Três destas amostras de aço carbono com teores de carbono diferentes (1075, 1080 e 1095) foram compradas em loja online especializada em materiais para cutelaria (Loja do Cuteleiro); três amostras doadas pelo departamento de Química da UFF, aço IF (Intersticial Free), aço carbono1020 e aço carbono 1045 e uma amostra de ferro fundido (FoFo) retirada de um disco de freio de automóvel. Posteriormente, as amostras foram cortadas em três partes cada uma e submetidas a três tratamentos térmicos diferentes: têmpera em água, normalização e recozimento pleno. Os 3 tratamentos foram realizados juntos a 1000 ºC durante 15 min, então uma parte foi temperada em água, outra parte resfriada ao ar e outra parte deixada para resfriar no forno desligado por aproximadamente 24h até atingir a temperatura ambiente. Por fim, foram realizados ensaios de ferritoscopia em cada uma das amostras, Microscopia Óptica nas amostras temperadas e recozidas, Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) nas amostras recozidas e Difração de raios-X (DRX) nas amostras temperadas. A Figura 3.1 apresenta a composição química da série AISI 1000 de aços carbonos simples. Figura 3.1: Composição química da série AISI 1000 de aços carbono simples (wt. %). (Jiles, 1988). 3.1 PREPARAÇÃO DAS AMOSTRAS
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