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ESTRAT~GIAS PARA A DIMINUIÇÃO DA POBREZA NO BRASIL NEI ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA* 1. Apresentação; 2. Aspectos teóricos (exame dos con ceitos: pobreza, estratégia, marginalidade social, mudança social); 3. Aspectos doutrinários (segurança e desenvol vimento); 4. Estratégias para a diminuição da pobreza no Brasil: criação de empregos e melhoria de salários; con trole da natalidade; justiça social; 5. Considerações finais. 1. Apresentação Neste artigo buscou-se, em princIPlO, visualizar a percepção de pobreza em termos teóricos, tendo por base a análise seletiva da literatura científica sobre o tema em questão. Inclui-se, também, o exame do enfoque adotado pela Escola Superior de Guerra quanto ao importante conceito de estratégia. Posteriormente, decidiu-se examinar, de maneira sucinta, o conceito de mar ginalidade social e de mudança social. A etapa seguinte direcionou-se ao exame dos aspectos doutrinários (segurança e desenvolvimento) relacionando-se, tanto quanto possível, à tentativa de se minimizar a pobreza que atinge parcela ex pressiva da população brasileira e se constitui em um dos problemas mais rele vantes do presente e do futuro de nosso País. O item final engloba determinadas estratégias que poderiam ser inseridas num plano que visasse, de fato, a diminuição da pobreza no Brasil. Além disso, nas considerações finais procurou-se, também, inserir reflexões de especialistas sobre a problemática da pobreza. Sabe-se que as opções quanto às estratégias para a diminuição da pobreza no Brasil são múltiplas; desta forma, somente o verdadeiro debate democrático poderá tomá-las exeqüíveis. Cabe, ainda, enfatizar que as estratégias preconizadas neste artigo (criação de empregos, bem co.mo melhoria de salários; adoção do controle da natalidade; implementação da justiça social no País) fazem-se acompanhar de múltiplos indicadores políticos, econômicos e sociais, e foram desenvolvidas com a preo cupação de serem as mais objetivas possíveis. 2. Aspectos teóricos 2 . 1 Exame dos conceitos 2 . 1 . 1 Pobreza Na tentativa de se examinar o conceito de pobreza em relação ao Brasil, a primeira e mais freqüente associação que é feita diz respeito ao conhecido con- * Coordenador de Pesquisas do INDIPO/FGV (trabalho especial, revisado, elaborado pelo autor como estagiário da Escola Superior de Guerra, no Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia da Turma Maestro Heitor Villa-Lobo&, de 1987). R. C. pol., Rio de Janeiro, 31(2):21-40, abr.!jun. 1988 traste entre as nossas potencialidades e riquezas e, no outro extremo, as carên cias da maioria da população. Tais carências se traduzem na total ausência de atendimento às necessidades básicas da população (habitação, saúde, educação, alimentação, etc.). Assim sendo, população carente significa aquela camada da população sem rendimento (6,6%), ou que tem rendimento mensal de até dois salários mínimos (28,7% dos assalariados), acrescentando-se, ainda, aqueles que estão desempregados (2,8%), ou que trabalham como subempregados (38,2%).' Esta primeira tentativa de definir pobreza não exclui a complexidade em defini-Ia, pois não se pode deixar de considerar os aspectos estruturais da socie dade brasileira. Em relação a tais aspectos, afirma o Prof. Ricardo Vélez Ro dríguez: 2 "A história dos últimos cinqüenta anos deixou claro que a tutela autoritária do Estado sobre a sociedade, nos moldes castilhista e getuliano, não resolve a questão. A sociedade, tutelada como menor de idade, não evolui e coloca em sério risco o élan modernizador. Velhos valores, assimilados culturalmente com a prática familística de séculos, somente mudam mediante um processo educacional. Se o Brasil não investir firme, nos próximos anos, em educação de base, que garanta a formação para a cidadania, inviabilizar-se-á o que de positivo foi conseguido nas últimas dé cadas. O nosso sistema educacional, nos níveis primário e secundário, caracte riza-se porque marginaliza expressiva parcela de crianças e jovens, frustrando-os para a integração na vida nacional ( ... )." Vale lembrar que aproximadamente seis milhões de crianças3 na faixa etária de sete a 14 anos, em todo o país, ainda não têm acesso a qualquer tipo de educação escolar. Tais crianças - segundo o I PND da Nova República - pertencem a famílias com rendimento per capita de, apenas, até um salário mínimo. Conseqüentemente, no Brasil, pobreza tem uma dimensão global abrangendo aspectos políticos, econômicos e sociais. Os aspectos políticos se referem à restrita participação da população pobre no próprio processo democrático. Aí se inclui o desconhecimento dos seus legítimos direitos, que se associa a uma incapacidade latente em se organizar. Esta restrita participação da população pobre no processo político democrático se faz sentir no desinteresse dos partidos políticos brasileiros em se aproximar, verdadeiramente, das camadas mais ca rentes da população devido à sua própria fragilidade. Assim, não são represen tativos, não têm base doutrinária-ideológica, não aglutinam correntes definidas de pensamento. não possuem projetos claros para o País. Pode-se dizer que os partidos políticos brasileiros estão desvinculados do povo, havendo mesmo supremacia de interesses particulares. Além disso, as camadas de maior poder aquisitivo c igualmente as elites políticas brasileiras convivem harmonicamente com a predominante camada da população denominada pobre, apenas sentindo-se um pouco intimidada. Vale lembrar que as previsíveis convulsões sociais são vistas como algo isolado, que certamente não terão continuidade. I República Federativa do Brasil. Secretaria de Planejamento e Coordenação. Programa de Ação Governamental (1987-1991). Brasília, DF, 1987.304 p. 2 Rodríguez, Ricardo Vélez. Aspectos estruturais da sociedade brasileira. Conferência rea lizada na ESG, em 21.5.87. T 102/87, 13 p. J República Federativa do Brasil. Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República 1986-89. Brasília, jun. 1986. 261 p. 22 R.C.P. 2/88 Cabe assinalar, no que diz respeito às principais responsabilidades das elites políticas brasileiras, o trabalho de pesquisa realizado pela Fundação Getulio Vargas4 quando as seguintes categorias de respostas foram identificadas: Res ponsabilidades de natureza política - 1. buscar a normalidade democrática; 2. conscientizar/politizar o povo; 3. pugnar pela legitimidade dos governantes; 4. reformar a Constituição; 5. restabelecer a confiança nas instituições demo cráticas; 6. honrar os compromissos assumidos na campanha eleitoral/constituir partidos políticos com ideário. Responsabilidades de natureza social - 1. pro mover o bem-estar social/lutar por justiça social; 2. diminuir as desigualdades sociais; 3. lutar pela moralização dos costumes. Responsabilidades de natureza econômica - 1. solucionar os problemas econômicos do Brasil/controlar o sistema financeiro do Brasil; 2. defender a economia nacional das multinacionais. Quanto à dimensão econômica da pobreza, é preciso questionar o limitado valor real do salário mínimQ, que é atualmente o menor desde a sua adoção no Brasil, em 1947.5 Tendo sido criado com a finalidade de atender às necessidades básicas de sobrevivência de um trabalhador e sua família, o salário mínimo deveria garantir o custo do transporte, alimentação, saúde, educação, vestuário e lazer. Segundo cálculos do Conselho Regional de Economia do Distrito Fe deral, seu valor real atingiu o nível máximo em 1956, sendo que o salário mínimo de hoje (julho de 1987) representa 37% deste valor. Sabe-se que apro ximadamente 17 milhões de trabalhadores ganham até um salário mínimo. Estes são, predominantemente, trabalhadores rurais ou empregados no setor informal da economia (empregadas domésticas, serventes, operários de construção, etc.). Os dados apresentados não deixam dúvidas de que há uma vinculação direta entre o salário mínimo e a pobreza. Entende-se que este indicador depobreza - o salário mínimo - cada vez mais atinge outros segmentos da população, como os aposentados pelo INPS, que. progressivamente, vêm empobrecendo devido à queda do valor real deste salário. No que se refere aos aspectos sociais da pobreza, vale assinalar o caráter de marginalidade em que vive esta camada significativa da população. Distante dos benefícios da sociedade moderna, neste quase final de século; sem acesso ao consumo do atraente sistema capitalista; sem terem, de fato, atendidas suas necessidades básicas; sem participar da era da informática e convivendo per versamente com a inflação e a instabilidade no emprego, isto nos leva a afirmar que pobreza e alienação quase se confundem no Brasil. Na ótica social, a pobreza que atinge a maioria da população brasileira apre senta características regionais comuns, (.Orno: concentração da população pobre nos grandes centros urbanos; mendicância, que engloba todas as faixas etárias - seriam os que assumem a pobreza sem visualizar qualquer possibilidade de mudança; há um fluxo migratório permanente das áreas rurais para as cidades, multiplicando-se os problemas sociais existentes e contribuindo significativamente para a explosão demográfica; déficit escolar e baixa qualidade de ensino, acres cidos do índice elevado de evasão escolar; agravamento da desnutrição e seus efeitos psicossociais, resulta!1do numa deficiência intelectual. Sabe-se que tais lesões causadas pela desnutrição são mais graves na fase de crescimento e de 4 Melo Franco. Afonso Arinos et alii. Por uma nova Constituição: as aspirações nacio nais. Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro, FGV, 28(3):170-1, set./dez. 1984. 5 Jornal do Brasil, jun. 1987. p. 24. Diminuição da pobreza no Brasil 23 desenvolvimento; a distribuição de renda tem-se mantido praticamente inalterada nesta década. Quanto à desnutrição no Brasil, afirma o Prof. Grande de Arruda:6 "J: singular a posição do Nordeste no contexto do perfil nutricional do Brasil. Abrigando 29,5% da população brasileira, ali estariam, segundo estimativas, 50 a 55% de todos os desnutridos do país. Há alguns anos atrás, Nelson Chaves chamou a atenção para o surgimento, no Nordeste, de uma geração de nanicos. As extrapolações apontam que somente 32% das crianças dessa região conse guem um crescimento físico compatível com a idade ( ... ) Um outro aspecto importante a considerar é que as condições sócio-econômicas definem um evi dente fator de risco, pois os casos de desnutrição moderada e grave concen tram-se em famílias com renda abaixo de um salário mínimo per capita. Sabe-se que mais de 2/3 das famílias nordestinas agrupam-se nessa faixa de renda ( ... ) A nível da produção, a estratégia para enfrentar seriamente o problema ali mentar requer uma política de apoio a cinco produtos: o feijão. o arroz, o milho, a farinha de mandioca e o leite. Dentre os estímulos, inscrevem-se: a aplicação diferenciada de taxas de juros ao crédito destinado a esses produtos: o direcionamento de pesquisas para responder às especificidades das áreas pro dutoras; o zoneamento de áreas para cultivos desses alimentos básicos; o esta belecimento de preços remuneradores e a garantia de mercado." Cabe, ainda, apresentar, em termos ideológicos, a explicação do Prof. Jagua ribe, em relação à pobreza:7 "A perspectiva radical ou revolucionária conduz ao entendimento da pobreza como subproduto necessário do modo de produção capitalista, decorrente da apropriação oligopolística, por pequena minoria, dos meios de produção. A formação de um amplo exército de reserva, em nível de miséria, e a manuten ção do conjunto dos trabalhadores em níveis próximos aos da subsistência são necessária decorrência do regime capitalista e requisitos para sua autopreserva ção. Somente pela instauração do socialismo, com a supressão da propriedade privada dos meios de produção, se tomaria possível uma eqüitativa distribuição de oportunidades e da renda, e, destarte, a dtfinitiva superação da pobreza." Em seguida, esclarece, ainda mais o Prof. Jaguaribe: "Tem sido entendida por miséria, no presente estudo (incluindo a categoria de indigência), a condição das famílias que não logram assegurar a seus mem bros, de forma regular e continuada, o atendimento das demandas de sua subsis tência física. Tal condição conduz os que dela padecem a depender da even tual assistência pública ou privada de terceiros e exerce uma decisiva propensão para a prática do crime. Os miseráveis terminam, inevitavelmente, afetados por doenças carenciais e degenerativas e por morte prematura. No caso do Brasil. assumindo-se como miserável a condição das famílias com ingressos até um salário mínimo, a categoria da miséria, conforme o PNAD de 1984, abrange 8,8 milhões de famílias, compreendendo 32,9 milhões de pessoas, sobre uma população de cerca de 130 milhões." 6 Grande Arruda, Bertoldo Kruse. Nordeste: políticas e estratégias em alimentação e nutrição. Boletim sobre População, Emprego e Renda no Nordeste. Recife, 4(2/3}:199-214. maio/dez. 1985. 7 Jaguaribe, Hélio. Brasil, 2000 - para um novo pacto social. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. p. 102. Cabe salientar que a referida citação se opõe à doutrina adotada pela Escola Superior de Guerra. 24 R.C.P. 2/88 Procuramos, aqui, esclarecer algumas percepções relativas à noção de pobreza. Fizemos uma tentativa de caracterizá-la, pois a noção de pobreza deve atender a certos requisitos específicos inseridos no âmbito deste trabalho sobre as estra tégias para a diminuição da pobreza no Brasil. Em seguida, tentar-se-á repensar o conceito de estratégia, vinculando-o, tanto quanto possível, à pobreza. 2 . 1 . 2 Estratégia8 Nos últimos tempÇls, houve uma evolução muito grande da noção de estra tégia. Originária do grego antigo, significando, literalmente, a arte do general, só voltou a ser utilizada após a Renascença e, com mais freqüência, no século passado, mantendo o significado limitado à arte da guerra. Sabe-se que o século passado trouxe notável avanço no conhecimento da Es tratégia, devido, principalmente, às teorias do alemão Karl Von Clausewitz, baseado em observações científicas. Entendia ele que havia uma subordinação da estratégia ao fator político e enfatizava, ainda, a grande importância dos fatores psicológicos. Até então, a única estratégia admissível era a Estratégia Militar. Por outro lado, a Estratégia só extrapolou o restrito campo militar no século atual no decorrer das duas Grandes Guerras Mundiais. Assim, a noção de Estratégia passou a ser mais global e, posteriormente, passou a ser denomi nada estratégia nacional. Em seguida, o termo estratégia adquiriu amplo e diversificado uso, indo além do próprio campo da segurança, e sendo também utilizado como instru mento do desenvolvimento. A Escola Superior de Guerra admite esta extensão do conceito de estratégia, que inclui não apenas o campo da segurança, mas também é instrumento do desenvolvimento. Procura, entretanto, COnservar o sentido de luta ou esforp continuado para superar obstáculos com o emprego de meios do poder nacional, gerando desta forma a Estratégia Nacional. Conseqüentemente, num processo evolutivo, a ESG adota o seguinte conceito: "Estratégia Nacional é a arte de preparar e aplicar o poder nacio!"!al, para, superando os Obices, conquistar e manter os objet~vos nacionais permanentes, de acordo com a orientação estabelecida pela política nacional." Cabe, ainda, assinalar que muito se tem dis~utido, no plano teórico, entre Política e Estratégia. Dessa forma, as seguintes distinções são feitas pelo Prof. Antônio de Arruda: 9 (Política) Embora arte, está mais voltada para a concep ção; prende-se especificamente, aos fins (que fazer); envolve decisão (fixação de objetivos, rumos, linhas de ação); relaciona-se mais aos objetivos nacionais permanentes; considera-se como mais estável; (Estratégia) Também é conside rada como arte, entretanto está maisvoltada para a ação; prende-se mais aos meios (como fazer); organiza e aplica meios; relaciona-se mais com os objetivos nacionais atuais (conjuntura); é mais dinâmica, pois está sempre adaptando-se às flutuações conjunturais. 8 No exame do conceito de estratégia tomou-se por base o Manual básico da Escola Su perior de Guerra. Rio de Janeiro, ESG, 1986. ~6~ p_ 9 Arruda, Antônio de. A Escola Superior de Guerra. &. cu. ampl. São PaUlO, GRD/INL, 1983. p. 66-7. 'Diminuição da pobreza no Brasil 25 Pode-se, também, afirmar, de acordo com a ESG, que a estratégia, tal como a diplomacia, é um instrumento da política e, por isso, dela depende inteira mente. Por sua vez, a política não pode desco:lhecer as necessidades da estra tégia. Não se desconhece, ainda, que a estratégia nacional se concretiza através das sucessivas estratégias governamentais. Posteriormente, se chega ao seguinte conceito: "Estratégia governamental é a arte de preparar e aplicar o poder nacional para, superando os óbices, conquistar e manter os objetivos nacionais atuais, de acordo com a orientação estabelecida pela política governamental." É lícito, ainda, aceitar a existência de estratégias específicas, que se inter relacionam, dirigidas, coordenadas e integradas pela estratégia nacional. Estas são as estratégias política, econômica, psicossocial e militar. Neste artigo sobre as estratégias para a diminuição da pobreza no Brasil, visa-se, efetivamente, à ação na tentativa de se apresentar um plano condizente com a conjuntura política, econômica e social brasileira. Entende-se que a po breza, longe de ser um fenômeno homogêneo, se revela como um conjunto de problemas, a necessitar não só de estratégias globais, como também muito espe cíficas. Em conseqüência, torna-se necessário tecer algumas considerações sobre o conceito, que se segue, sobre marginalidade social. 2 . 1 . 3 Marginalidade social o conceito de marginalidade em relação à pobreza, em nosso entender, apre senta as seguintes características: - conjunto de pessoas, grupos ou segmentos que vivem totalmente à margem da sociedade; - tais segmentos da população encontram-se nesta situação de marginalidade não por inadaptação aos valores sócio-culturais da sociedade em que estão inse ridos, mas, sobretudo, pela condição, efetiva, de extrema pobreza; - resulta, esta condição de extrema pobreza, num isolamento social que se pode caracterizar pelo analfabetismo acrescido do desemprego: - marginalidade social engloba, ainda, o próprio distanciamento dos com portamentos sociais que prevalecem na sociedade; - há uma vinculação íntima entre a marginalidade e a discriminação social, toma-se difícil não percebê-la em relação à pobreza absoluta. Esta camada da população - os mais pobres - recebem um tratamento desigual do con junto da sociedade, pois sequer seus direitos são considerados. Além disso, em relação à família muito pobre, considerando-a como margi nalizada, vale citar as observações do Prof. Pastore: lo "Deve ficar claro, entretanto, que as famílias pobres de 1980 não são neces sariamente as mesmas de 1970. O pressuposto, porém, é que boa parte da pobreza de 1980 é uma pobreza persistente quanto às suas características - ou lO Pastore, José et alii. Mudança social e pobreza no Brasil: 1970/1980. São Paulo, Pio neira/ Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, 1983. p. 31-56. 26 R.C.P. 2/88 seja, famílias que estão na pobreza por estarem cercadas de adversidades eco nômicas e sociais peculiares e que lhes impedem a evolução. ( ... ) Em suma, as famílias que remanesceram pobres foram, via de regra, aquelas que não puderam alcançar (ou para as quais não se estenderam) as melhores oportuni dades de trabalho criadas ao longo da década. ( ... ) A conclusão que se tira é que as famílias que remanesceram pobres em 1980 não conseguiram se apro veitar das oportunidades de trabalho da mesma maneira que as demais. Elas são atingidas em maior intensidade pelo desemprego e pelo subemprego. (. .. ) Vol tamos a enfatizar que este estudo procurou focalizar as famílias que estavam em situação de extrema pobreza. Ao escolher 1/4 de salário mínimo per capita, sabemos que estamos selecionando as famílias que vivem no limite da subsis tência." 2. 1 .4 Mudança social Quanto à mudança social, que se insere nesta abordagem da temática pobreza, cumpre indicar certas características: - nenhuma sociedade permanece absolutamente estática, porque vive em um universo de influências dinâmicas; - a duração e a amplitude da mudança variam, certamente, de sociedade para sociedade; - mudança social implica a alteração da estrutura e do funcionamento das formas societais, ou ainda dos próprios processos; - a mudança social tem como conseqüência, praticamente em todas as opor tunidades, a interação de uma série de fatores; - condições sociais contemporâneas estão sendo reformuladas por signifi cativas mudanças sociais; - idéias também podem ser consideradas como forças essenciais de mudança. Por outro lado, não se pode deixar de considerar que a mudança social não surge em uma sociedade sem que sofra resistências. Há muitas forças que ten dem a bloquear a aceitação. Em muitos casos, as pessoas já viveram por tanto tempo em determinada situação, como a de pobreza absoluta, que simplesmente conservam sua forma de vida sem que suas necessidades básicas tenham sido, jamais, atendidas. O processo de mudança exige uma participação de toda a sociedade no que se refere à situação de pobreza absoluta. Assim sendo, mu dança social, neste trabalho, expressa o próprio processo em que se almeja cons cientizar as referidas populações marginalizadas no país a participarem dos benefícios do desenvolvimento nacional. Sabe-se que apesar dos conhecidos problemas conjunturais do Brasil (dívida externa, desemprego, inflação, conci liação entre a estatização e a privatização, excessiva influência das multinacio nais na economia brasileira, etc.) há muito foram superados os limites do subdesenvolvimento. Há, evidentemente, uma perplexidade entre os contrastes que podem ser iden tificados na nossa sociedade, como por exemplo, a capital econômica do país - São Paulo - que concentra não somente as grandes indústrias nacionais, como também uma enorme gama de problemas sociais. Tal cidade tem crescido Diminuição da pobreza no Brasil 27 de maneira anárquica, segundo os interesses dos especuladores imobiliários. Lá se encontram a maioria dos camponeses que abandonaram a região Nordeste, principalmente devido a seca que se prolongou no período de 1979-84. O ano de 1984 conheceu um início de recuperação, porém desde esta data até agora a indústria somente absorveu 1/3 dos 470.000 trabalhadores que fica ram desempregados nos três anos anteriores. Desta forma, na perspectiva de construção de uma sociedade mais justa e mais igualitária, o desenvolvimento da atividade comunitária para a produção de bens e serviços tem demonstrado ser um elemento eficaz para manter a coesão dos pequenos grupos populares, in fluindo ainda no aumento da solidariedade sem causar prejuízos na conscien tização popular pela luta dos seus legítimos direitos de cidadãos. Cumpre, ainda, afirmar que a mudança social está sendo vista como uma evolução social, uma mudança progressiva ou mesmo uma inovação social, tendo como objetivo diminuir a pobreza no Brasil. Sabe-se que a expressão mudança social é genérica, vaga e complexa. No entanto, este termo é utilizado, freqüen temente, para caracterizar a passagem das sociedades tradicionais à sociedade industrial e moderna. Há, também, determinadas condições gerais que estimulam a mudança social, tais como: aumento de conhecimento e ocorrência de conflitos sociais. Tais conflitos, entre grupos dentro da sociedade, foram e são uma das principé:is fontes de inovação e mudança. No caso das sociedades modernas, o tipo mais freqüente de mudança é a intencional, pois surge de umpropósito comum que pode ser realizado por graus, através de um processo de mudança social planificada. Considera-se, assim, como um dos principais obstáculos para vencer a miséria abmluta, ocasionando, de fato, mudanças sociais, a falta de uma vontade polí tica. Resta, ainda, um longo caminho a percorrer, antes que se forje uma ver dadeira solidariedade. Desta forma, é preciso rever as prioridades nacionais no domínio do desenvolvimento. Cabe, assim, registrar como uma dessas prio ridades a alimentação. O problema da fome e da desnutrição só pode ser resol vido se forem atacadas suas causas fundamentais, ou seja, se forem melhoradas as condições sociais e econômicas das classes pobres da populilção. A FAO estima que, atualmente, a quarta parte da população total dos países em desenvolvimento - excluindo-se os países asiáticos de economia de plane jamento central - não se alimenta de forma adequada às necessidades mínimas de energia do ser humano. Conseqüentemente, é preciso assegurar que os be neficiários do desenvolvimento serão os mais carentes e que os benefícios do desenvolvimento visarão prioritariamente à eliminação das carências mais graves. Assim, desenvolvimento significa, também, mudança na organização da desi gualdade social. Quanto aos indicadores, a Unesco propõe os seguintes critérios de subde senvolvimento: 11 - renda per capita reduzida, digamos de 500 dólares anuais; o Brasil já chega perto dos US$ 2.000; - poupança reduzida e, conseqüentemente, pequena capacidade de investi mento à base de recursos próprios; gasta-se tudo ou quase tudo para as primeiras l'Iecessidades de sobrevivência, não restando parte significativa para investimento, li Demo, Pedro. Sociologia: uma introdução crítica. São Paulo, Atlas, 1983. p. 110-1. 28 R.C.P. 2/88 sem o qual não se amplia a produção e não há acumulação de capital e cres cimento; - nível técnico reduzido, no sentido de parco domínio tecnológico, impli cando baixa produtividade, necessidade de importar, dependência externa, etc.; - duplicidade de ordem econômica: ao lado da ordem tradicional, emergem focos modernos da indústria. Tal duplicidade marca fortemente o Brasil: São Paulo é o pólo industrial mais avançado da América Latina, e regiões do Nor deste talvez sejam as mais atrasadas do continente; - predominância do setor primário da agricultura e do extrativismo. O Brasil superou esta situação de modo geral, a mão-de-obra empenhada no setor primário em São Paulo estava já por volta de somente 10 %, em 1980. O pró prio processo de urbanização acarreta redução da presença do campo da eco nomia; - maior importância do setor de produção para satisfação das necessidades próprias, em detrimento do excedente exportável e da capacidade de investimento; - falta de força qualificada de trabalho, o que é outra maneira de considerar a escolarização. O Brasil, em 1980, possuía ainda por volta de 25% de anal fabetos na população de 15 anos e mais uma taxa de escolarização obrigatória entre os 7 e 14 anos de idade por volta dos 70%. Somos ainda um país de desqualificados e semidesqualificados, por mais que possa haver excesso de gente formada na universidade, para o mercado de trabalho; - . desemprego crônico, no sentido de que parcela da população em idade ativa não consegue trabalhar; outros trabalham, mas em condições ditas de "subemprego", ou seja, não recebem salários satisfatórios nem as decorrências deles; - comércio externo com nações desenvolvidas, com as quais são obrigadas a transacionar. Os indicadores economlCOS e sociais alcançam cada vez mais importância devido à possibilidade de se tomarem visíveis as deficiências do quadro social, facilitando a tomada de decisões e permitindo a escolha de estratégias adequadas para superar os obstáculos ao desenvolvimento. Além disso, os indicadores quantitativos levam vantagem sobre os não-quantitativos, porque: 12 a) são objetivos (apreciações de pessoas diferentes fornecem resultados iguais) e, portanto, facilitam o consenso e são confiáveis; b) são mais precisos e, portanto, informam melhor; c) são mais fáceis de manipular, pois fundamentam-se na entatística (isto é essencial para processar dados quantitativos primários) e na matemática; d) permitem facilmente a agregação; e) são mais sofisticados e mais úteis. 12 Paulinyi, Erno I. Teoria e técnica dos indicadores, Departamento de Estudos, Escola Superior de Guerra, LS2/87, anexo. mimeogr. p. 9-10. Diminuição da pobreza no Brasil 29 A tendência geral das clencias sociais é sua crescente quantificação. Cumpre, ainda, mencionar que a expectativa de mudança social engloba es tratégias específicas de combate à pobreza numa perspectiva de se alcançar, não apenas critérios econômicos de crescimento, mas, sobretudo, de construir condições de acesso à renda e à satisfação das necessidades básicas. O item que se segue pretende identificar a pobreza em relação aos aspectos doutrinários: segurança e desenvolvimento. 3. Aspectos doutrinários 3. 1 Pobreza: segurança e desenvolvimento Primeiramente, segundo o conceito doutrinário esposado pela ESG,13 os se guintes aspectos relativos ao desenvolvimento nacional devem ser destacados: a) um dos traços mais característicos do desenvolvimento é o seu caráter de globalidade, que envolve aspectos de natureza política, econômica, psicossocial e militar; b) é importante compreender que desenvolvimento não é apenas crescimento; c) o desenvolvimento é um processo complexo, cuja realização requer tra balho, dedicação, perseverança, dinamismo e um projeto definido de vida; d) o desenvolvimento normalmente provoca certo desequilíbrio na sociedade; e) o extraordinário avanço tecnológico das comunicações, além de encurtar distâncias, coloca em confronto as diversas culturas e permite aos povos menos desenvolvidos per~eber que não estão participando das conquistas tecnológicas que ensejaram a melhoria do bem-estar das coletividades mais avançadas; f) do ponto de vista doutrinário, o desenvolvimento, sendo desejo e aspiração do homem, deve ter suas bases éticas firmemente respaldadas por uma filosofia de vida democrática, mantida ao longo das mudanças que afetam as estruturas da sociedade; g) desenvolvimento nacional é o processo de fortalecimento e de aperfeiçoa mento do poder nacional, com vistas a conquistar e manter os objetivos nacionais; h) desenvolvimento nacional é o processo global que visa à consecução do bem comum. Em seguida, em termos doutrinários, chega-se aos seguintes conceitos: • Política nacional de desenvolvimento - é a arte de estabelecer objetivo'.) que reflitam os anseios nacionais de evolução, bem como a necessidade de fort:>lecer e aperfeiçoar o poder nacional e de orientar e conduzir o processo global que visa à consecução do bem comum; • Estratégia nacional de desenvolvimento - é a arte de preparar e aplicar o poder nacional para conquistar e manter os objetivos estabelecidos pela política 13 Escola Superior de Guerra. Manual básico. Rio de Janeiro, 1986. p. 171-86. 30 R.C.P. 2/88 ------------------------ - nacional de desenvolvimento, a despeito dos fatores adversos existentes, inclusive aqueles com potencialidade de gerar antagonismos. A partir dos ensinamentos da ESG, podemos inferir que o fenômeno da po breza está relacionado com numerosos fatores de ordem econômica, social, cultu ral e humana. Assim sendo, a análise dos fatores de produção e das relações sociais, do progresso técnico e dos valores culturais, o estudo das condições sócio-culturais de transferência de conhecimento e de tecnologia, ou a própria maneira pela qual se desenvolvem e se influenciam mutuamente as diferentes atividades setoriais do desenvolvimento (produção, troca, distribuição, atividades sócio-culturais), tudo isto constitui um amplo campo de pesquisa para as ciências sociais. De fato, em relação ao destino dos mais pobres, a verdadeira meta é a extensãoda justiça social e da solidariedade humana aos segmentos carentes da sociedade brasileira. Quanto às distorções existentes no processo de desenvolvimento do País, vale acrescentar a visão do Prof. Pastore;14 "Apesar de todo o crescimento econômico verificado na década que, com· binado com outros fatores, resultou no decréscimo da pobreza, isso não foi suficiente ,para diminuir as distorções existentes entre os pólos desenvolvidos e os em desenvolvimento; entre a zona rural e a urbana. Ao contrário, no que toca às disparidades regionais, estas se agravaram. O Nordeste, que é a segunda região em população, passou a abrigar uma proporção maior de pobres (50%) que em 1970 (41 %), enquanto no Sudeste a proporção de pobres diminuiu de 33% para 26%. Essas duas regiões apresentam características diferentes; en quanto no Nordeste a pobreza está ainda associada às relações de produção extremamente atrasadas, no Sudeste são características demográficas familiares que parecem impedir a eliminação da pobreza residual, como, por exemplo, a desagregação familiar, a chefia de mulheres, a predominância de mulheres entre os disponíveis e o vínculo do chefe ao setor primário e terciário. Quanto à dicotomia rural e urbana, a pobreza rural continua a ser mais ex tensa que a urbana, apesar de todo processo de urbanização verificado na época e que levou centenas de famílias pobres a migrarem para a cidade." Em relação, ainda, aos aspectos doutrinários, cabe registrar determinadas características do conceito de segurança, segundo a Escola Superior de Guerra.15 Estas são: a) no âmbito internacional, como também no interno, a aspiração de segu rança das nações é uma realidade; b) a segurança, quer seja da pessoa humana, quer seja da Nação ou do Estado, é portanto um valor primordial; c) a estratégia nacional dos países em desenvolvimento está forçosamente im pregnada de aspectos de segurança interna; d) numa visão democrática de vida, a segurança alicerça-se na segurança individual, entendida como a situação na qual o indivíduo se sente interiormente 14 Pastore, José et alii. Mudança social e pobreza no Brasil: 1970/1980. São Paulo, Pi<> neira/Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, 1983. p. 99. 15 Escola Superior de Guerra. Manual básico. Rio de Janeiro, p. 189·227. DiliÚnuição da pobreza no Brasil 31 No que diz respeito ao Brasil, onde quase sempre o salário não consegue acompanhar os índices elevadíssimos da inflação, o baixo salário tem sido, para a grande maioria .. um estímulo à improdutividade sob qualquer de suas formas. Sabe-se que a conseqüência imediata do baixo salário é a insatisfação pessoal e a pobreza. Evidentemente, num regime democrático, a política salarial restri tiva se reflete no estado permanente de tensão social, quando a consciência de classe leva ao exercício do legítimo direito de greve. Desta forma, numa con cepção global de combate à pobreza, não se poderia excluir a importância já reconhecida da valorização do salário e de toda a política que vise à criação de novos empregos. 4.2 Controle da natalidade É imprescindível que se adote o controle da natalidade. Enquanto a taxa de crescimento populacional for elevada, será impossível di minuir a pobreza no Brasil. Tendo uma população residente atual de 141.302 milhões de habitantes e projetada para 1990 de 150.368 milhões de habitantes, isto significa o surgimento de uma nova cidade de 9 milhões de habitantes a cada três anos. Torna-se evidente que há aumento crescente da pobreza. Por outro lado, 49,6% da nossa população têm menos de 20 anos. Segundo, ainda o Anuário Estatístico do Brasil, do IBGE, referindo-se ao Censo de 1980, havia 32.731.347 brasileiros que não sabiam ler nem escrever, sendo que, destes, 15.682.742 residiam nos centros urbanos e 17.048.605 no meio rural. Cabe lembrar que, em 1987, a taxa bruta de analfabetismo mantém-se em torno de 20% da população brasileira. Não se tem dúvidas de que a viabilização do controle da natalidade pressupõe um conjunto de estratégias específicas, que já se inicia com a crescente acei tação do planejamento familiar. A discussão entre controle da natalidade e planejamento familiar tem sido vista como uma questão de semântica. Planejamento familiar não ieixa de ser uma estratégia de controle da natalidade. Ao casal cabe aceitar o planeja mento familiar e admitir o controle da natalidade. Entre os diferentes segmentos da sociedade brasileira é a igreja católica a que mais se opõe à aceitação de um controle populacional, enfatizandú ~ posição humanista da igreja, admitindo apenas os métodos naturais e, desta forma, contribuindo para o aumento da miséria, principalmente nos países em desenvolvimento. Sabe-se que o Estado soberano do Vaticano não tem nenhuma política demográfica. Quanto aos argumentos favoráveis ao planejamento familiar, devem ser des· tacados os seguintes: 18 - planejamento familiar é um tema consensual; - planejamento familiar visa à melhoria da camada da população que vive em condições subumanas; a adoção eficaz do planejamento familiar é uma questão de saúde pública; compete ao casal aceitar os métodos artificiais de controle da natalidade; 18 Argumentos extraídos do painel intitulado Planejamento Familiar no Contexto de uma Política Demográfica, realizado na ESG em 25.6.87. 34 R.C.P. 2/88 - planejamento familiar é uma questão de saúde, não devendo ser discri minada; - a ausência de controle da natalidade conduz, muitas vezes, à gravidez indesejada (tanto no meio rural quanto no meio urbano); - o controle da natalidade resolveria, também, o problema da mortalidade infantil devido à pobreza; - o planejamento familiar deve vir acompanhado de outras medidas: acesso à educação, melhor distribuição da renda, aumento real dos salários, tudo isto sendo feito harmonicamente. Sem um efetivo controle da natalidade, a população estimada para o ano 2025 do nosso país é de 243 milhões de habitantes,19 mantendo-se na quinta posição dos países mais populosos do mundo, sendo suplantado apenas pela China (1.409 milhões); índia (1.311 milhões); URSS (339 milhões); EUA (286 milhões); ainda neste ano, o continente europeu terá 540 milhões de habitantes. As conseqüências da ausência de controle da natalidade são perfeitamente previsíveis: aumento da fome, do desemprego, dos índices de criminalidade e da qualidade de vida. Isto se aplica, predominantemente, aos grandes centros urba nos. Há cidades como Calcutá, onde 600 mil pessoas pobres vivem e morrem nas ruas. Não tivemos acesso a esses dados em relação ao Brasil - é possível que nem mesmo existam -, entretanto, um.a percentagem significativa da nossa população vive nas praças, debaixo dos viadutos e das marquises. Esta popu lação, como ainda é minoria, aceita com resignação este estado de pobreza abso luta, desconhecendo seus mínimos direitos de cidadão. Como, então, esperar que !,essoas que vivem em permanente estado de pobreza absoluta possam, .::onscientemente, ter responsabilidade frente à reprodução? Os conhecidos efeitos do excessivo crescimento da população exigem não apenas vontade mas, sobretudo, recursos financeiros. O Banco Mundial calcula que US$ 7,6 bilhões seriam necessários para que o Terceiro Mundo conse guisse um rápido declínio da fertilidade até o ano 2000. Esta quantia não deve ser vista como elevada, quando se sabe que US$ 600 bilhões são gastos a cada ano pelas grandes potências apenas em armamentos. Considerando, ainda, que aproximadamente 68 milhões de brasileiros20 per tencem a famílias com renda inferior a três salários mínimos, e que mais de 18 milhões de trabalhadores ganham menos de um salário mínimo, torna-se possível afirmar que a problemática principal da família brasileira caracteriza-se pela pobreza. Cabe registrar que nas famílias pobres a subnutrição afeta predo minantemente as crianças, comprometendo-Ihes o desenvolvimento futuro pela ocorrência de lesões irrecuperáveis,físicas e mentais. Além disso, cerca de seis milhões de crianças na faixa etán;, de sete a 14 anos, em todo o País, ainda não têm acesso à educação escolar, sendo que a maior parte destas pertence a famílias com rendimento per capita de até um salário mínimo. Quanto à política demográfica, o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (1986/1989) assinala que o planejamento familiar relaciona-se à política populacional. "Se o controle demográfico é, em princípio, descartado pelo governo, isto não significa que não se possa oferecer às famílias acesso 19 Time, Aug. 6, 1984, p. 12-23. 20 República Federativa do Brasil. I PND da nova república 1986-1989. 261 p. Diminuição -da pobreza no Brasil 35 a informações sob.re o controle da natalidade." Reafirma o governo da Nova República a postura assumida pelo Blasil nas conferências de Bucareste e México, pela qual considera direito de todos o acesso a essas informações e aos meios de planejar a família. Ao sugerir como uma das estratégias para a diminuição da pobreza no Brasil o controle da natalidade, considera-se implícito que haja um amplo debate em relação ao tema, consultando-se os diferentes segmentos da sociedade. Posteriormente, deverão ser realizados estudos por especialistas no assunto, para que se viabilize a política de controle da natalidade. Acredita-se que tal política possa estar subordinada ao Ministério da Educação. Poder-se-ia, mes mo, pensar na criação do Ministério do Controle da Natalidade. No que se rdere a uma política populacional, afirma o Dr. Schiavo: 21 "População e desenvolvimento formam um binômio integrado, no qual cada um dos elementos influencia e é influenciado pelo outro. Assim, não se pode conceber que o fator população sequer seja considerado nas várias políticas de desenvolvimento econômico e social. Assim é que o país possui políticas espe cíficas para as áreas de habitação, saúde, transportes, educação, meio ambiente, lazer e esportes, por exemplo. No entanto, não possui uma política populacional e, também, não integra o fator população às políticas existentes. A conseqüência destes fatos é que as políticas de desenvolvimento estão sendo permanentemente ultrapassadas pela dinâmica demográfica." A análise do Dr. Schiavo quanto à ausência de uma política populacional expressa, no nosso entender. que ainda não se considera como prioritária a problemática demográfica. Apesar disto, em portaria assinada pelo ministro Jorg~ Bornhausen, da Educação, foi efetivada a participação do Ministério da Educação nas atividades de planejamento familiar. A portaria. de n.O 742, considera as pro vidências já tomadas pelos Ministérios da Saúde e da Previdência e Assistência Social, bem como aquelas implementadas no âmbito do Inamps e da LBA. (Portaria n." 742 de 15.10.86). 4.3 Justiça social Que se implemente a justiça social no País. Associa·se, de imediato, a justiça social à diminuição das desigualdades para melhorar a redistribuição da renda e, conseqüentemente, atender às necessidades básicas de cada cidadão. assegurando a dignidade de vida para todos. A sua implementação depende de profundas reformas sociais que poderão se concretizar, desde que haja participação e mobilização de toda a sociedade brasileira. Acre dita-se que a nova Constituição seja o ponto de partida. pois um projeto de justiça social requer a prática da democracia. É evidente que a prática da democracia associa-se aos seguintes aspectos: tributar mais justamente os ganhos de capital e especulativos; oferecer iguais oportunidades; assegurar uma distribuição de renda eqüitativa; desenvolver as atividades produtivas mediante critérios qualitativos de bem-estar social e per· mitir a convivência pacífica e digna das desigualdades sociais. 21 Schiavo, Márcio Ruiz. Planejamento familiar: uma perspectiva ética e humanística. Conferência proferida na Escola Superior de Guerra, em 25.6.87. 27 p. (Série Publicaçõe, Técnicas. ) 36 R.C.P. 2/88 Sabe-se que os brasileiros mais ricos22 (1 % do total) detinham, em 196U, cerca de 12% da renda; tal participação elevou-se para 15% em 1970, e 17% em 1980. Além disso, em 1983 os 10% mais ricos captavam cerca de 46% da renda, enquanto os 20% mais pobres ficavam com menos de 4%. Tais dados são expressivos para se constatar os níveis de pobreza e de desigualdade social da população brasileira. No próprio I PND da Nova República está re gistrado: "Pobreza e miséria crescentes, desigualdades ampliadas, desemprego em ascensão, tudo isso caracteriza crise social sem paralelo na história brasileira. São inaceitáveis as condições de vida da maioria do povo, em um País com o potencial .e a dimensão do Brasil. Reverter esse quadro, criando condições para que todos os brasileiros possam usufruir de seus direitos básicos nas áreas econômica, social e política -= eis o grande desafio e a prioridade da sociedade brasileira." Se por um lado "são inaceitáveis as condições de vida da maioria do povo", 'por outro lado tomam-se cada vez mais possíveis as convulsões sociais. Convulsões sociais fazem lembrar crises sociais que resultam da incapacidade de uma determinada sociedade de se organizar, de manter uma ordem social e perder a SUb capacidade para resolver os problemas de sua evolução e do seu desenvolvimento. Não há dúvida, as crises econômicas e as crises políticas são também crises sociais. No que se refere ainda à distribuição de renda, vale registrar determinadas observações de um trabalho de determinados estagiários da Escola Superior de Guerra da turma de 1987:23 "A melhoria na distribuição de renda, no campo e nas cidades, assim equa cionada, certamente reduziria as tensões sociais latentes que poderiam compro meter a segurança e o desenvolvimento. ( ... ) É amplamente reconhecido que o acesso aos níveis mais elevados de educação formal constitui um importante canal de ascensão social, desaguando na obtenção de maiores rendimentos. ( ... ) Por isso, participação no desenvolvimento e igualdade de oportunidades sinte tizam as fórmulas viáveis de melhoria na distribuição de renda sem sacrificar o processo de crescimento. Seus principais instrumentos, a médio e longo prazos, seriam os investimentos em recursos humanos (educação, saúde, nutrição, planejamento familiar volun tário) e em desenvolvimento tecnológico (tecnologias progressivas). A curto prazo, objetivando a eliminação da miséria e a ampliação da classe média, impõ~-se a adoção de racionais políticas salariais (interessada em ganhos reais, manutenção do emprego e contenção da inflação) e fiscal (maior progres sividade do imposto de renda, sistema arrecadador mais eficaz e justo, impostos sobre riqueza e patrimônio, prioridade e incentivos ao desenvolvimento regional rural e urbano)." Acrescente-se a estas lúcidas considerações do citado trabalho, como uma das estratégias para se implantar a justiça social, a indispensável taxação de herança. Tal taxação de herança deve ser progressiva, a exemplo do imposto de renda, podendo mesmo alcançar 80% da respectiva herança. Esta medida não apenas amenizaria as conhecidas desigualdades sociais no nosso País, como contribuiria com novos recursos para assegurar os direitos sociais fundamentais à população brasileira. Não é exeqüível manter a atual legislação sobre herança, que privi legia e perpetua a concentração de riqueza nas mãos de uma minoria. 22 República Federativa do Brasil. I PND ... 23 Distribuição de renda: fator de segurança e desenvolvimento. Rio de Janeiro. ESG. Relatório tio Grupo 2, Expressão Econômica, 15.5.87; 13 p. Diminuição dfl pobreza no Brasil 37 A implementação da justiça s9cial está condicionada ao próprio fortalecimento do regime democrático, deslocando o centro do equilíbrio social da propriedade para o trabalho. Indispensável, ainda, que haja, de fato, a democratização dos fatores de produção - natureza, capital, trabalho, tecnologia e gerenciamento - de modo a permitir.a participação de qualquer cidadão brasileiro nos benefícios do desenvolvimento nacional. Além disso, as organizações comunitárias de base podem-se transformar em canais de comunicação permanente entre os órgãos governamentais e o povo. Para que o Brasil avance no sentido da realização da justiça social, como uma das estratégias para diminuição da sua pobreza, é imprescindível que se extingam as mordomias dOli poderes constituídos. Quanto aos movimentos sociais que, direta ou indiretamente, buscam a jus tiça social, vale assinalar as observações da Prof.a Aspásia Camargo, da Funda ção Getulio Vargas: 24 "Por definição, o movimento social é uma forma de protesto e de mobili zação que atinge os setores mais estrategicamente nevrálgicos dos interesses so ciais dominantes e que, por isso mesmo, seja a nível cultural, seja a nível de trabalho, da política ou das classes, põe em questão os fundamentos materiais ou valorativos da ordem social. ( ... ) Quanto à questão dos movimentos rei vindicatórios, à razão de ser deles, acho que o tema já foi bem abordado tanto pelo Prefeito Satl.!rnino como pelo Jó. Gostaria simplesmente de lembrar duas coisas: acho que é muito importante que os movimentos sociais cresçam em sociedades com alto dinamismo econômico. Quer dizer, as taxas de 10% de crescimento e agora de 5%, 6%, 7% são propícias à organização do movimento social. Dificilmente uma sociedade parada se favorece desse tipo de organiza ção. Acho que no Brasil houve uma coisa importante: houve um crescimento perverso, desigual, e essa desigualdade teve um nível de visibilidade muito grande, porque a modernização afetou diretamente os meios de comunicação. Então, a TV Globo, no fundo, foi a grande dfvulgadora da injustiça. Até através das novelas se pode ver isso, e evidentemente a população reage em função do que ela percebe, e o que se percebeu é que o país cresceu e que o bolo foi mal repartido. ( ... ) Finalmente, acho que há o problema também da mobilidade social. O Brasil é hoje não só o país mais perverso do ponto de vista de distribuição de renda ( ... ), mas também um país com baixíssimo nível de mobilidade social. A educação é um canal não disponível à socie dade ( ... )" Torna-se, ainda, da maior importância citar as recentes reflexões do cientista político Hélio Jaguaribe;: quanto ao crescimento acelerado da miséria no Brasil. Diz ele: "A batalha campal travada, no dia 17 de agosto, entre um numeroso grupo de moradores da favela da Rocinha e a Polícia Militar, ocasionando diversos feridos, danificação de muitos veículos e a completa interrupção do tráfego, por longas horas, entre a Barra e a cidade, não é um simples episódio a mais da violência que campeia no Rio de Janeiro. ~ uma dramática advertência da inviabilidade, a muito curto prazo, da coexistência, no Brasil, de uma moderna sociedade, que abrange apenas uma parcela minoritária da população, com 24 Mesa-redonda realizada pelo INDIPO/FGV. Revista de Ciência Política. Rio de Ja neiro, FGV, 29(1):19-22, out./dez. 1986. 25 Jaguaribe, Hélio. A Rocinha e o abismo da miséria. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 21 ago. 1987. 1.0 cad. p. 9. 38 R.C.P. 2/88 grandes massas marginais, que vegetam à margem dessa sociedade ( ... ) o fato de que essa favela (de 200 mil pessoas), embora de maiores dimensões, seja apenas uma, entre mais de 400, que abrigam quase dois milhões de brasileiros, toma esse escândalo algo de alarmante. E a circunstância de que seja domi nada por um bando de narcotraficantes indica que já se ultrapassaram todos os limites possíveis de tolerância e que a crise social brasileira se precipita, velozmente, na direção da ingovernabilidade. ( ... ) Que ocorre, na hipótese de não se pôr aceleradamente em marcha um eficaz programa de erradicação do atraso e da miséria? O episódio da Rocinha é um excelente indicador. A acumulação da marginalidade urbana, nas favelas e nas periferias das metrópoles, gera uma grande massa de pessoas totalmente dese ducadas, condenadas aos mais baixos níveis salariais e, com maior freqüência, ao subemprego do terciário informal. ( ... ) Mas, o que definitivamente importa é acabar com o atraso e a miséria e incorporar as grandes massas a níveis su periores de vida, de capacitação e de participação. Ou acabamos com a miséria ou a miséria acaba com o Brasil." 5. Considerações finais A dimensão da desigualdade social tem sido um fator constante no processo da evolução social do nosso País; entretanto, não se pode deixar de reconhecer que o Brasil é um País de imenso potencial econômico e social. Vale lembrar que suas riquezas, principalmente na Região Norte do país, ainda estão sendo descobertas, e que suas reservas de minérios podem atingir centenas de anos. Neste caso, podemos citar o bem-sucedido Projeto Carajás, onde desde 1966 as seguintes substâncias minerais foram descobertas: manganês, ferro, cassiterita, cromita, minério de níquel, cobre, bauxita metalúrgica, ouro e wolframita. Além disso, a estimativa para 1988 do Projeto de Ferro Carajás é alcançar o pique máximo de sua produção - 35 milhões de toneladas de ferro. Conseqüente mente, este projeto introduziu mudanças profundas no contexto de uma região quase totalmente inexplorada. Hoje, a Serra dos Carajás é considerada a maior província mineral do planeta. Em suma, o Projeto de Ferro Carajás está intima mente ligado ao desenvolvimento econômico brasileiro e ainda contribui para a indispensável integração de toda a Região Amazônica. Numa visão global, sabe-se que a economia brasileira tem uma inexorável tendência para evoluir e tem, de fato, evoluído, apesar de todos os seus problemas (inflação, dívida externa e mais recentemente o fato de que a arrecadação com o ICM é inferior à folha de pagamento da maioria dos estados da federação). Voltando à questão central deste trabalho, e mais especificamente à redução da pobreza no Brasil, toma-se significativo citar determinadas estratégias apon tadas pelo Prof. Jaguaribe: 2ó "A redução da pobreza, dentro de condições viáveis para o Brasil, no período em referência, só poderá consistir na ampliação e diversificação dos padrões de consumo dos setores que percebam, nas futuras condições do país, de um a dois salários mínimos. No caso da erradicação da miséria, como procedentemente se viu, o que está em jogo, basicamente, é uma apropriada remuneração do trabalho 2ó Jaguaribe. Hélio. Brasil 2000 - para um novo pacto social. Rio de Janeiro, paz e Terra, 1986. 196 p. Dinfinui'Ção dIZ pobreza no Brasil 39 não-qualificado dentro de condições de pleno emprego e de confortável superávit da oferta física de alimentos, relativamente à demanda doméstica. No caso da redução da pobreza, o que está em jogo é a elevação da produtividade geral da economia, combinadamente com melhor remuneração do fator trabalho e uma socialmente mais eqüitativa alocação do excedente. No processo de redução da pobreza estão em jogo três principais dimensões. Na base do processo, se encontra o questão de melhor utilização da terra e da relação homem-terra. No topo, um incremento da eficiência técnico-gerencial dos sistemas produtivos. E, no âmago do processo, uma redução do custo e da remuneração relativos do fator capital." Cumpre, ainda, lembrar7 que apesar do Brasil possuir a oitava economia do mundo ocidental, tem ainda aproximadamente 23 milhões de pessoas resi dindo em favelas e cortiços; há uma estimativa de que 35 milhões de brasilei ros vivem com um déficit alimentar superior a 400 calorias/dia; há 7 milhões de menores abandonados; há 4,5 milhões de idosos carentes; 1 % da população total - os mais ricos - tem praticamente o equivalente a toda a renda apro priada pelos 50% mais pobres; no período de 1959 a 1986 houve uma corrosão do salário mínimo, alcançando uma perda do seu poder de compra de 30%, correspondendo, apenas, a US$ 58 mensais em 1986; a esperança de vida ao nascer dos que ganham até um saláriomínimo está estimada em 54,8 anos; há 10,6 milhões de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra; o déficit referente à população educacional em 1984 inclui 24,2 milhões de brasileiros analfabetos, e há uma população não-escolarizada de 16,9 milhões de pessoas. Em suma, tais dados reforçam, ainda mais, a idéia de que estratégias globais e específicas de combate à pobreza, como as preconizadas neste trabalho, mere cem ser repensadas, tendo em vista evitar que o país chegue ao final deste século inserido nem contexto sócio-econômico altamente conturbado, propenso aos conflitos sociais e à inevitável instabilidade política. Finalizando, cabe registrar que somente em regime de plena liberdade as estratégias apresentadas por mim neste trabalho, concernentes à diminuição da pobreza no Brasil, poderão ser discutidas amplamente pelos diferentes segmen tos representativos da sociedade brasileira. TI Dados quantitativos, a seguir apresentados, extraídos do Programa de Ação Governa mental (1987-1991). República Federativa do Brasil. Secretàrià de Planejamento e Coorde nação. Brasília, DF, 1987. 304 p. 40