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Diretrizes curriculares, gestores de saúde,

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Diretrizes curriculares, gestores de saúde,
gestores de educação, pesquisadores e o hospital
de ensino: a polifonia ruidosa de uma crise de
identidade
Curricular guidelines, health and educational
administrators, researchers, and the teaching
hospital: point and counterpoint in an identity
crisis
Francisco Barbosa NetoI
Acrise de sustentabilidade dos hospitais de ensino se arrasta desde o início dos anos 1970, quando
estes ainda eram poucos. A de legitimidade eclodiu por ocasião dos debates sobre a Lei Orgânica da
Saúde, entre 1988 e 1990, e foi parcialmente superada no artigo 45 da Lei 8.080/90 e pela fundação da
Abrahue. Ade hegemonia ficou patente em 2001, com a aprovação das diretrizes curriculares e o des-
locamento da centralidade do hospital na formação médica. Mas, de todas as crises, a mais antiga -
talvez genética - e mais persistente é a de "identidade". Crise institucional por excelência que compõe
e sustenta as demais. Qual o lugar do hospital de ensino na universidade? Órgão suplementar da rei-
toria ou mais uma "dor de cabeça" do reitor? Prolongamento de uma tradição da escola médica ou
"campo de hierarquização" das profissões de saúde? Qual o lugar do HE no SUS? Hospital de referên-
cia do sistema ou "apenas um hospital mais dispendioso" para o gestor? Avaliador de tecnologias em
saúde ou "gerenciador de sucateamento e defasagem tecnológica"? Qual o lugar do HE na pesquisa?
Laboratório privilegiado de "pesquisa clínica" ou "estratégia de marketing" da indústria farmacêutica
e de equipamentos? Qual o lugar do HE na modelagem de gestão de organizações complexas? Lócus
privilegiado para desenvolvimento da gestão de sistemas complexos ou "trincheira de corporativis-
mo replicante"? Qual o lugar do HE para o paciente? Local de esperança de recuperar sua saúde ou
onde não passará de um número ou um "caso interessante"? E para o aluno? Onde aprende a "cuidar
de pessoas gravemente enfermas" ou onde aprende preferentemente a "manejar tecnologias"
descoladas da realidade da prática predominante no sistema de saúde? E para o professor? Local de
exercício das "melhores evidências científicas" ou mero campo de reprodução do que aprendeu com
seus antecessores?
Essas e muitas outras perguntas poderiam ser formuladas à exaustão, mas só reforçariam o uni-
verso de paradoxos e contradições que subjaz na crise de identidade dos HEs. Do torneiro mecânico
da unidade de manutenção do HE ao presidente da República, numerosos outros atores se envolve-
ram nessa crise. Como toda crise, esta teve seu "ponto de mutação", ocorrido entre 2001 - com o Pare-
cer CES/CNE nº 1.133, de 07 de agosto, que analisou e fundamentou as diretrizes curriculares para a
área da saúde - e 2003 - com a Portaria Interministerial nº 562, de 12 de maio, que criou a Comissão
Interinstitucional "visando formular política para os hospitais universitários e de ensino". Quatro mi-
nistros de Estado - Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia e Planejamento, Orçamento e Gestão - fo-
ram signatários deste ato legal que envolveu, além de representantes dos respectivos ministérios, re-
presentações do Conselho Nacional de Saúde, do Conass, do Conasems, da Abrahue, da Andifes e da
Abem, entre outras entidades interessadas no assunto hospital de ensino.
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REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA
34 (1) : 3 – 4 ; 2010 I Universidade do Grande Rio, Duque de Caxias, RJ, Brasil.
A partir de 2004, uma série de Portarias Interministeriais e do
Ministério da Saúde regulamentou a política formulada pela Co-
missão Interinstitucional, e iniciou-se o processo de certificação e
de contratualização dos hospitais de ensino. Mas o desenho desta
política permite ir muito além da emissão de uma "certidão" com
prazo de validade e do neologismo de um "termo de contrato", em-
bora dirigentes universitários, diretores de hospitais e gestores do
SUS não raro façam esta redução. O núcleo estruturante desta polí-
tica é o seu caráter sistêmico, sustentado em quatro pilares interde-
pendentes: assistência, ensino, gestão e pesquisa. Indicadores de
desempenho precisam ser desenvolvidos e aperfeiçoados para
qualificar a gestão do HE nas negociações de metas comos gestores
dosistema,procurandoiralémdas tradicionaismetasassistenciais.
Outro vetor estruturante seria a capacidade dos gestores estaduais
para desdobrar e adequar a política no âmbito da UF, trazendo ino-
vações ao sistema. Infelizmente, decorridos quase seis anos do iní-
cio do Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino, uma
fração mínima dos Estados da União conseguiu implementar uma
política estadual consistente e coerente com a aprovada pelo nível
central. Amaioria fica próxima da omissão ou do mero tratamento
burocrático por ocasião das visitas da equipe técnica de certifica-
ção. Para agravar mais ainda a situação, a Comissão Interinstitucio-
nal, que deveria se reunir periodicamente para avaliar a implemen-
tação do programa, permaneceu mais de dois anos sem promover
tais encontros.
Por outro lado, quatro importantes eventos de ocorrência re-
cente trazem alento e oxigênio para a retomada dos avanços des-
te programa. Primeiro, a Auditoria Operacional modalidade Fis-
calização de Orientação Centralizada (FOC), do Tribunal de
Contas da União, em um trabalho de fôlego e bem estruturado,
com uma amostra significativa de nove dos 46 hospitais de ensi-
no vinculados à Ifes, situados em oito Estados da Federação, e
que resultou no Acórdão nº 2.813/2009 na sessão ordinária de 25
de novembro de 2009 do TCU. Segundo, a retomada das reu-
niões da Comissão Interinstitucional, já com calendário para to-
dos os meses de 2010, e com a desafiadora tarefa de elaborar mi-
nutas para a revisão e atualização dos processos de certificação e
contratualização. Terceiro, a publicação das Portarias Intermi-
nisteriais nº 40 e 41, de 08 de janeiro de 2010, que reinstituem a
Comissão Interinstitucional de Hospitais de Ensino e atualiza
sua composição, respectivamente. E, por último, mas não menos
importante, o Decreto nº 7.082, de 27 de janeiro de 2010, do presi-
dente da República, que institui o Programa Nacional de Rees-
truturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf),
destinado à reestruturação e revitalização dos hospitais das
universidades federais, integrados ao Sistema Único de Saúde
(SUS), nos termos do artigo 4º da Lei 8.080.
Finalmente, visando evitar novas dispersões, desencontros
ou descaminhos deste programa, bem como distorções motiva-
das por segmentação bairrista ou pela lógica de que "a farinha é
pouca, meu pirão primeiro", talvez tenha chegado o momento
de reeditar uma nova e ampliada Ciplan que desempenhou pa-
pel significativo na implementação das Ações Integradas da Sa-
úde (AIS) na transição do regime autoritário até a gestação do
SUS, composta pelos secretários executivos dos ministérios en-
volvidos e pelos presidentes do Conass e Conasems, como ga-
rantia de continuidade e condução harmônica desta relevante
política.
Francisco Barbosa Neto Editorial
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REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA
34 (1) : 3 – 4 : 2010
	SUMÁRIO
	Editorial
	Ronaldo Delmonte Piovezan / Osvladir Custódio / Maysa Seabra Cendoroglo / Nildo Alves Batista
	Aspectos das fortalezas e fragilidades no uso das Metodologias Ativas de Aprendizagem 13
	Maria José Sanches Marin / Edna Flor Guimarães Lima / Ana Beatriz Paviotti / Daniel Tsuji Matsuyama / Larissa Karoline Dias da Silva / Carina Gonzalez / Suelaine Druzian / Mércia Ilias
	Internato Regional e formação médica: percepção da primeira turma pós-reforma curricular 21
	Danilo Garcia Ruiz / Gilmor José Farenzena / Léris Salete Bonfanti Haeffner
	Novas tendências, velhas atitudes: as distâncias entre valores humanísticos e inter-relações observadas em um espaço docente e assistencial 28
	Mara Cristina Binz / Eliezer Walter de Menezes Filho / Rosita Saupe
	Actitudes Éticas de los estudiantes y egresados en carrera de medicina con metodologías activas 43
	Maria Rita CarvalhoGarbi Novaes / Luiz Carlos Garcez Novaes / Dirce Guilhem / Fernando Lolas Stepke / Carla Cristina Costa Silveira / Murilo Galvão Guiotti / Eliane Mendonça Vilar Trindade / Ricardo Shoiti Komatsu
	A comunicação do diagnóstico “sombrio” na relação médico-paciente entre estudantes de Medicina: uma experiência de dramatização na educação médica 57
	Natalia Braga Hortêncio Jucá / Annatália Meneses de Amorim Gomes / Lucas Silvestre Mendes / Diego Morais Gomes / Bruna Vitória Lima Martins / Carlos Maximiliano Gaspar Carvalho Silva / Carolina Arcanjo Lino / Kathiane Lustosa Augusto / Andrea Caprara
	O ensino na área da saúde e sua repercussão na qualidade de vida docente 65
	Maria Regina Silvério / Zuleica Maria Patrício / Ingrid May Brodbeck / Suely Grosseman
	A língua inglesa e a formação de mestres e doutores na área da saúde 74
	Sonia Regina Abdalla Iglesias / Nildo Alves Batista
	A homeopatia no SUS na perspectiva de estudantes da área da saúde 82
	Gecioni Loch-Neckel / Françoise Carmignan / Maria Aparecida Crepaldi
	Qualidade de vida em estudantes de Medicina no início e final do curso: avaliação pelo Whoqol-bref 91
	João Guilherme Bezerra Alves / Manuela Tenório / Amanda Gomes dos Anjos / José Natal Figueroa
	Medicinas alternativas e complementares no ensino médico: revisão sistemática 97
	Marisa Corrêa Christensen / Nelson Filice de Barros
	Médicos de UTI: prevalência da Síndrome de Burnout, características sociodemográficas e condições de trabalho 106
	Carlito Lopes Nascimento Sobrinho / Dalton de Souza Barros / Márcia Oliveira Staffa Tironi / Edson Silva Marques Filho
	Qualidade de vida em cem alunos do curso de Medicina de Sorocaba – PUC/SP 116
	João Carlos Ramos-Dias / Milena Carvalho Libardi / Carina Maria Zillo / Mamy Honda Igarashi / Maria Helena Senger
	Ensaio
	Maria Teresa Meirelles Leite / Alda Luiza Carlini / Monica Parente Ramos / Daniel Sigulem
	Relação Médico-Paciente idoso: desafios e perspectivas 150
	Lucy Gomes Vianna / Cecília Vianna / Armando José China Bezerra
	Relato de experiência
	Pedro Tadao Hamamoto Filho / Paulo José Fortes Villas-Bôas / Fabiane Gomes Corrêa / Gabriela Ortega Cisternas Muñoz / Michelle Zaba / Vinicius Cunha Venditti / Silvana Artioli Schellini

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