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1 O encontro do G20 e os desdobramentos para o Brasil Alessandra de Fatima Alves 4 2 3 O ENCONTRO DO G20 Breve histórico O G20 Financeiro começou em 1999 como reunião de ministros de finanças e bancos centrais das maio- res economias do mundo. Essas reuniões começaram a acontecer para dar resposta ao descontentamento de vários importantes países, especialmente asiáticos, com as condicionalidades que o FMI vinha impondo diante das crises econômicas que se sucederam nos últimos anos da década de 1990 – nos Tigres Asiáticos, na Rússia (crise da vodka), no México (crise da tequila) e que alcançaria a Argentina, em 2001 –, e também pela crescente importância das economias emergentes. Em 2008, com a explosão da crise financeira global, que foi comparada pela sua gravidade com a famosa crise dos anos 1930, foi proposta a realização de uma reunião de presidentes e chefes de governo dos países desse G20 financeiro. A crise surgida nos EUA se espalhou rapidamente, mostrando a dificuldade dos países centrais para superá-la e a necessidade de ampliar e reconhecer a importância econômica e política dos países emergentes, que de fato foram tomando um poder crescente na geopolítica internacional durante a última década – especialmente a China. Tabela com datas e locais das reuniões de cúpula de presidentes e chefes de Estado dos países participantes Data Local Novembro 2011 Cannes, França Novembro 2010 Seul, Coreia do Sul Junho 2010 Toronto, Canadá Setembro 2009 Pittsburgh, EUA Abril 2009 Londres, Inglaterra Novembro 2008 Washington, EUA Formado então por esses 20 países – os industrializados ou centrais e os recentemente denominados “emergentes” –, o G20, agora formado por presidentes e chefes de Estado, tem se autoproclamado o “primeiro fórum para a cooperação econômica global”. Entretanto, é evidente que, para tomar definições que afetam ao conjunto das economias, ao G20 faltaria convidar os outros 170 países que formam parte do mundo. Daí que tenha sido questionada a sua “legitimidade” para tomar decisões sobre as políticas globais, pois ainda que 20 países são mais que oito, continuam a ser só 20 entre os 192 países do mundo. Portanto, podemos disser que se bem o G20 não tem legitimidade pelo escasso número de países que o formam, porém, ele tem responsabilidade pela crise e justamente foi uma criação dos países mais ricos como instrumento de resposta a ela. Os países que compõem o G20 são: Alemanha, África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Inglaterra, Itália, Japão, México, Rússia, Turquia e a representação da União Europeia. Inicialmente, esse G20 formado pelos presidentes e chefes de governo começou a reunir-se dada a gravida- de da crise que explodiu em 2008 no setor imobiliário dos EUA, naquela que ficou conhecida como a “bolha imo- biliária”. Essa grande “bolha” especulativa, que cresceu durante a última década, foi um fenômeno estadunidense e também europeu e foi acompanhada por um salto no endividamento das famílias. Quando a bolha estourou, a construção de casas despencou, assim como a produção e o consumo geral, ajudando a aumentar o desempre- 4 go. Essas quedas foram provocando um efeito dominó que afetou ao sistema em seu conjunto. A quebra de grandes bancos e, logo a seguir, de algumas grandes empresas mostrou a fragilidade do sistema financeiro internacional e as dificuldades dos países centrais para enfrentar a recuperação de suas economias. Assim, surgiram com força as propostas de “retomada de uma intervenção mais ativa dos Esta- dos nacionais, coordenados nessa ação ou não, que parecia estar dada pela própria crise do capitalismo desregulado, onde as empresas em dificuldades foram as primeiras a requisitar uma intervenção mais ativa do Estado, no sentido de garantir sua sobrevivência, e a sobrevivência do sistema”. Neste sentido, o próprio convite aos países emergentes para participação no G20 foi, em grande parte, motivado pela necessida- de de injeção de recursos ao sistema financeiro, dado o alto nível de reservas monetárias existentes em tais países, que se tornaram imprescindíveis para a recu- peração econômica e o salvamento dos bancos em quebra e das empresas falidas. Com essa entrada dos emergentes, foi possível avançar no socorro às entida- des financeiras e, assim, na recomposição do sistema financeiro internacional e também evidenciar a própria necessidade de regulação do sistema financeiro. Assim, a agenda da regulação avançou durante a época mais aguda da crise, especialmente em 2009 e inícios de 2010. Inclusive para surpresa de muitos, incluindo temas como a taxação dos fluxos financeiros ou as restrições aos paraísos fiscais, medidas que até permitiam desconfiar dos seus autores. Porém, com o tempo, o G20 foi abandonando o debate sobre esses temas mais “polêmicos” para acertar elementos bá- sicos de uma regulação que permitisse fundamental- mente diminuir os riscos do sistema que tinha sido abalado pela farra de (des)regulamentação vivida nas últimas décadas neoliberais. Também e especialmen- te nesses momentos iniciais, avançou a recuperação das instituições financeiras multilaterais, em especial o FMI, o Banco Mundial e o Bird, entre outros, com a negociação de aumentos nas cotas de participação dos países emergentes nos mecanismos de decisão do banco. Essas cotas de participação expressam a parce- la de poder que possui cada um dos países membros de tais instituições, que assim, por fim, reconheciam em uma medida concreta a importância das econo- mias emergentes. Por outra parte, e ainda nos piores momentos da crise, o G20 fez uma ampliação da sua agenda, incluindo temas como desemprego, combate à pobreza, negociações climáticas, e “desenvolvimento” numa perspectiva neoliberal. Já na cúpula de novembro de 2010, realiza- da na Coreia do Sul, a agenda claramente voltou a empacar pelo tema do comércio e dos desequilíbrios globais provocados pela manipulação do câmbio, a chamada “guerra cambial” ou guerra de divisas, em especial focalizada entre China e EUA. De fato, os EUA já avisaram que não continuarão a comprar tudo do mundo inteiro, permitindo recordes de exportação e saldos comerciais especialmente da China e outros países, à custa do deficit na própria produção e nas suas contas externas, enquanto a China continua sem ouvir os apelos para aumentar o valor de sua moeda, argumentando que precisa proteger seu desenvolvi- mento. Formalmente, em Seul, os países se compro- meteram a “evitar desvalorizações competitivas de moedas e a fortalecer a cooperação internacional, visando a reduzir os desequilíbrios globais”, entre- tanto, esses desequilíbrios comerciais continuam e justamente colaboram a manter empacada a agenda, porque, de fato, evidenciam os interesses contraditó- rios. Desacordos estes que já vinham sendo marcados pelos movimentos sociais, em particular em torno da liberalização do comércio mundial e das negociações na OMC, fortemente contestadas e que continuam praticamente paralisadas desde 2003. Então, de fato, o G20 avançou no que poderia avançar, porque era do interesse de todos os países regular minimamente um sistema financeiro desgover- nado e com legislações nacionais desencontradas, que levou a atual crise ao conjunto do sistema, mas que poderia repetir a dose, caso fosse deixado ao livre jogo da “bandalheira” dos bancos com seus mercados de derivados e outras engenhocas especulativas. “O res- peito às promessas de coordenação internacional não é apenas, nem principalmente, uma questão ética, mas sim de eficácia”. Entretanto, os EUA já aprovaram sua própria nova lei de regulação do sistema financeiro – a Lei Dodd Frank –, que cria algumas restrições impor- tantes sobre a atividade financeira, ainda que depen- da de regulação e supervisãoposteriores. Também a União Europeia tem avançado nessa discussão, apesar 5 de fazê-lo numa perspectiva algo distinta dos EUA, mas sem coordenação internacional, como proposto no G20, o que seguramente voltará a criar divergências e atritos no sistema. As pautas A 14ª reunião de cúpula do G20 ocorreu entre 28 e 29 de junho de 2019, na cidade de Osaka – foi a primeira cúpula sediada no Japão. Essa foi a primeira vez em sete meses que os presidentes Donald Trump, dos EUA, e Xi Jinping, da China, se encontraram. A últi- ma reunião ocorreu na edição anterior do encontro do G20, em Buenos Aires – na ocasião, os líderes dos dois países chegaram a acertar uma trégua, mas, meses de- pois, as negociações foram interrompidas. Donald Trump e Xi Jinping, na cúpula do G20, em Osaka O encontro entre Trump e Xi Jinping também aconteceu em meio a discussões sobre o programa nu- clear da Coreia do Norte, onde o presidente chinês fez uma visita recente, em uma demonstração aos EUA de que a China continua sendo um aliado do regime de Pyongyang. Depois do G20, Trump visitará a Coreia do Sul para abordar a questão do programa nuclear norte- -coreano com o presidente Moon Jae-in. Além da guerra comercial, os EUA também es- tão sob as atenções dos demais participantes, por cau- sa das recentes tensões envolvendo o Irã. Os conflitos envolvendo os dois países já duram décadas, mas, nos últimos dias, as tensões ganharam força com uma série de ameaças de um conflito armado. Trump chegou a ordenar bombardeios, depois de o Irã ter anunciado a derrubada de um drone dos EUA – o presidente esta- dunidense, no entanto, recuou em cima da hora. Foi a primeira participação de Jair Bolsonaro na cúpula do G20 como presidente do Brasil. Entre os temas que envolveram diretamente o Brasil, foi discutido o acordo comercial entre os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e a União Europeia. O assunto foi pauta da reunião entre o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, com o presidente da Argentina, Mauricio Macri, que ocupa, temporariamente, a presidência do Mercosul. Entre os pontos que ainda precisam ser solucio- nados, estão as cotas de exportação de produtos como carne e açúcar e, de modo geral, as dúvidas de países como a França, que temem que o acordo de livre-co- mércio prejudique seus agricultores. O texto também enfrenta a divisão entre nações europeias, com países reticentes e outros que desejam um acordo o mais rá- pido possível, como Alemanha e Espanha. Desdobramentos para o Brasil Um encontro que, para o governo brasileiro, começou de maneira constrangedora terminou com o sucesso do acordo de livre-comércio entre a União Eu- ropeia e o Mercosul. O anúncio das negociações entre os dois grupos interferiu no humor do presidente Jair Bolsonaro, que, chegou à cúpula do G20, no Japão, irri- tado com a imprensa e embarcou de volta para Brasília com um trunfo reconhecido até mesmo por autorida- des internacionais. O motivo da irritação no início da viagem de Bolsonaro tinha nome e sobrenome: Rodrigues, se- gundo-sargento da Aeronáutica, preso com 39 kg de cocaína apreendidos dentro de um avião de apoio à comitiva do presidente. O mau humor do presidente se 6 refletiu na primeira coletiva em solo japonês, armada no lobby do hotel onde ele ficou hospedado. Três dias depois, Bolsonaro, diante do resultado do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, era outro personagem. O papel de Bolsonaro foi elogiado por Cecilia Malmström, comissária europeia para o Comércio. Segundo ela, as negociações – que duraram 20 anos e foram iniciadas no Rio de Janeiro – ganharam outro ritmo depois da posse presidencial, em janeiro deste ano. Não é que o acordo estivesse travado durante todo esse tempo, até pela complexidade dos temas e dos produtos envolvidos, mas é inquestionável a velocidade da amarração das pontas ao longo dos últimos meses, considerando o pacote apresentado em Bruxelas e comemorado em Osaka por latino- -americanos e europeus. O presidente argentino, Mauricio Macri, du- rante o pronunciamento conjunto dos líderes dos dois blocos e do presidente, Jean-Claude Juncker, ressaltou o comprometimento dos atuais chefes de governo com o acordo. Com a economia travada e a alta resistência das taxas de desemprego, o governo Bolsonaro tem, de certa maneira, vivido das expectativas do mercado com a virtual aprovação da reforma da previdência. Os resultados positivos na bolsa de valores são a parte evi- dente das apostas quase certas na vitória do texto com a mudança nas regras de aposentadoria, mesmo que a economia de R$ 1 trilhão esteja longe de se confirmar. Entre as pastas do governo, a mais efetiva até agora é a da Infraestrutura, comandada por Tarcísio Gomes de Freitas. Outras são colocadas em xeque, como a da Educação, chefiada por Abraham Weintraub, e das Re- lações Exteriores, de Ernesto Araújo. Bolsonaro percebeu a necessidade de reforçar a equipe de governo e fez questão, tanto nas redes sociais como na entrevista coletiva à imprensa no sá- bado, de citar os ministros mais envolvidos no acordo, entre eles Ernesto Araújo. Para além do acordo entre Mercosul e União Europeia, a participação de Bolsonaro no G20 teve um momento importante representado pelo encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A ponte com a China, por sua vez, acabou in- terrompida nos minutos finais do G20, depois do can- celamento do encontro bilateral com Xi Jinping. Um atraso na agenda do líder chinês acabou inviabilizando a reunião, desmarcada pelo governo brasileiro. Com integrantes do governo divididos sobre o avanço dos negócios com o país asiático, a ausência da conversa foi pelo menos simbólica, considerando a antipatia dos gurus palacianos do escritor Olavo de Carvalho com o regime de Jinping. O problema é que o próprio Trump, espelho da ala conservadora, fez um movimento forte com a China ao longo da cúpula, retomando as nego- ciações comerciais. 7 O encontro do G20 e os desdobramentos para o Brasil
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