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1 Novas tensões entre EUA e Irã Alessandra de Fátima Alves 3 2 3 NOVAS TENSÕES ENTRE EUA E IRÃ Estados Unidos e Irã estão em pé de guerra há algum tempo. Entretanto, nem sempre foi assim. Recente- mente, as tensões ganharam força, com ameaças vindas de ambos os países. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a dizer que voltou atrás, em cima da hora, a um ataque armado ao Irã, após a derrubada de um drone estadunidense pelos iranianos. Essa situação teve reflexos até para o Brasil. Dois navios iranianos permaneceram atracados no porto de Paranaguá, no litoral do Paraná, durante dois meses, por falta de combustível. A Petrobras se recusava a abastecer as embarcações por temer retaliações devido às sanções do governo estadunidense contra o Irã. As opiniões divergem sobre o que causou as décadas de más relações. As explicações iranianas incluem tudo: desde o conflito natural e inevitável entre a Revolução Islâmica, de um lado, e da arrogância estadunidense e desejo de hegemonia global, de outro; outras explicações incluem a necessidade do governo iraniano de um bicho- -papão externo para fornecer um pretexto à repressão doméstica contra as forças pró-democráticas e para vincular o governo a seu eleitorado fiel. Os temores estadunidenses de que o Irã estivesse desenvolvendo armas nucleares foram um fator importante nas relações, desde a revolução de 1979. Antecedentes As relações entre os dois países começaram em meados do século XIX. Inicialmente, enquanto o Irã era muito cauteloso com os interesses coloniais britânicos e russos durante o Grande Jogo (termo usado para definir o conflito e a rivalidade estratégica entre o Império Britânico e o Império Russo pela supremacia na Ásia central), os Estados Unidos eram vistos como a potência mais confiável do Ocidente, e os estadunidenses Arthur Millspaugh e Morgan Shuster foram ainda nomeados tesoureiros-gerais pelos xás iranianos. Um dos heróis da chamada Revolução Constitucional Persa foi Howard Barkersville, um professor estaduni- dense que se juntou à rebelião popular e morreu durante os confrontos com forças do xá, que é uma espécie de rei no Irã. Um busto em homenagem a ele existe até hoje, na cidade de Tabriz. Essa revolução obrigou o xá a aceitar uma constituição, a formação do Majles (como o parlamento iraniano é chamado) e a realizar eleições. Outro estadunidense, Morgan Shuster, também teve participação importante nesse episódio. Ele era um financista conhecido e foi enviado pelo governo dos EUA a pedido dos iranianos para ajudá-los a colocar as finanças do país em ordem. Shuster chegou a ser nomeado tesoureiro-geral. Mas foi nessa época que algo importante aconteceu. Muitas figuras centrais dessa revolução tinham visões mais seculares, menos religiosas. 4 Esse novo desenho do Irã, um país mais politi- zado, mais estável e mais liberal, não interessava nem à Inglaterra nem à Rússia, as principais potências que disputavam o controle da Ásia central. O Irã se localiza- va no meio das colônias desses dois grandes impérios. Ingleses e russos decidiram, então, resolver suas dife- renças sem pegar em armas. Em 1907, eles assinaram um pacto, a Entente Anglo-Russa, que pôs fim ao chamado ”Grande Jogo”, o conflito e a rivalidade estratégica entre os Impérios Britânico e Russo pela supremacia na Ásia central. O objetivo desse acordo era resolver a longa disputa entre as potências imperiais sobre o entorno de suas colônias, embora também tenha servido para contra- balançar a influência alemã, que vinha crescendo na- quela época. Pelo pacto, Reino Unido e Rússia dividiram o Irã em três zonas de influência: o norte ficou com a Rús- sia; o sudeste, com a Inglaterra; e o restante seria uma zona neutra. O acordo foi importante para estabelecer um alinhamento diplomático que durou até a Primeira Guerra Mundial, mas o governo do Irã nem foi consul- tado sobre esse acordo e isso acabou fortalecendo um sentimento anti-britânico. Em 1908, os britânicos descobriram petróleo no Irã e, no ano seguinte, formaram a Apoc (Anglo-Persian Oil Company), que, mais tarde, daria origem à BP, uma das maiores petroleiras do mundo. Em 1914, o gover- no do Reino Unido comprou a maioria das ações da recém-formada empresa e passou a controlar toda a exportação dessa matéria-prima. Para se ter uma ideia, 85% dos lucros dessa empresa ficavam com o Reino Unido e os 15% restantes, com o Irã. Por causa da Segunda Guerra Mundial, em 1941, o Irã foi invadido pelos Aliados. O objetivo era proteger os campos de petróleo do país e as rotas de abastecimento para os aliados, o chamado ”Corredor Persa”. Um período de muita instabilidade se seguiu ao fim do conflito por lá – entre 1947 e 1951, o Irã teve seis primeiros-ministros. Em 1951, entrou em cena um novo primeiro- -ministro, Mohammad Mosaddegh, que decidiu na- cionalizar a exploração de petróleo. Naquela época, o mundo vivia um cenário diferente, a Segunda Guerra Mundial havia acabado seis anos antes e surgiam mo- vimentos de contestação à ordem global controlada pelas potências europeias. Os Estados Unidos eram vistos como uma espé- cie de ”terceira força” pelos iranianos, um aliado com quem eles podiam contar para se libertar dessa queda de braço entre Reino Unido e Rússia. Além disso, havia um trabalho de missionários estadunidenses muito for- te no Irã e a população contava com o apoio deles para seguir adiante com a revolução. Xá Mohammad Reza Pahlavi Em 1953, em uma ação coordenada com o apoio da CIA e do MI6, os serviços de inteligência dos Estados Unidos e do Reino Unido, respectivamente, o general da reserva Fazlollah Zahedi liderou um gol- pe bem-sucedido contra Mosaddegh, que foi preso e condenado por traição – parlamentares eleitos foram destituídos. A partir daí, o Irã se tornou uma autocracia com o apoio dos EUA, que surgiam como a nova po- tência global. O xá Reza Pahlevi ganhou plenos pode- res – começava, então, um longo período de amizade com os Estados Unidos. A extensa fronteira do Irã com o rival dos Es- tados Unidos na Guerra Fria, a União Soviética, e sua posição como o maior e mais poderoso país no, rico em petróleo, golfo Pérsico, fez do Irã um ”pilar” da política externa estadunidense no Oriente Médio. Muitos estu- dantes iranianos residiam nos Estados Unidos. Pahlevi deu início a uma série de reformas ad- ministrativas, agrárias, sociais e econômicas, com o objetivo de modernizar o país. Essa empreitada ficou conhecida como a Revolução Branca do Xá. A aproxi- mação do Ocidente também importou novos costumes ao país. O Irã se ocidentalizou ainda mais, num movi- mento iniciado pelo governo anterior de Mohammad Reza-Shah, pai de Pahlevi. 5 Os homens foram obrigados a usar roupas oci- dentais e as mulheres, desencorajadas a usar o véu. Homens e mulheres podiam até orar juntos, violando uma das principais regras islâmicas. Os filmes, a músi- ca, a cultura estadunidense invadiram o país. Tudo isso entrou em choque com o xiismo, a corrente islâmica que dominava o Irã. Oponentes eram presos, tortura- dos e mortos, e os EUA foram acusados de vista grossa, em nome dessa amizade. A truculência do regime e as reformas liberais caíram muito mal para parte da população – vale lembrar de que 90% dos iranianos são muçulmanos. Revolução Islâmica de 1979: o fim do “amor” entre EUA e Irã Em 1979, ocorreu a chamada Revolução Islâ- mica, em que grupos de esquerda que eram a favor da nacionalização do petróleo, organizações islâmicas e movimentos estudantis apoiaram a rebelião contra a monarquia pró-EUA de Pahlevi. Não foi só uma reação a essa imposição de va- lores liberais – o país passava por uma situação econô- mica bastante difícil, com inflação e desabastecimento. Além disso, muitos iranianos consideravam o xá ape- nas uma marionete dos EUA. Por tudo isso, após 14 anos no exílio, voltou ao país um dos maiores críticos das reformas liberais, o aiatolá Ruhollah Khomeini, e com ele, voltoutambém o conservadorismo religioso. Manifestantes carregam cartaz com foto do aiatolá Khomeini, em outu- bro de 1978. Em 16 de janeiro de 1979, o xá e sua família acabaram sendo obrigados a deixar o Irã, rumo ao exí- lio no Egito. A monarquia chegava ao fim e, com ela, a amizade com os Estados Unidos. Com a queda do regime monárquico, foi instaurada a República Islâmi- ca liderada pelo aiatolá Khomeini, que surpreendeu o governo dos Estados Unidos, o seu Departamento de Estado e os serviços de inteligência. Seis meses antes da revolução, a CIA havia produzido um relatório, afir- mando que ”a Pérsia não está em uma situação revo- lucionária, nem mesmo pré-revolucionária”. Os revolucionários islâmicos desejavam extradi- tar e executar o deposto xá Reza, e o presidente Jimmy Carter se recusou a lhe dar qualquer apoio adicional ou auxílio para devolvê-lo ao poder. O xá, sofrendo de câncer e exilado com sua famí- lia no Egito, solicitou entrada nos Estados Unidos para o tratamento. A embaixada estadunidense em Teerã se opôs ao pedido, pois ela tinha a intenção de estabili- zar as relações entre os Estados Unidos e o novo go- verno revolucionário do Irã. Apesar de concordar com os funcionários da embaixada dos EUA, Carter cedeu à pressão de Henry Kissinger, David Rockefeller e outras figuras políticas favoráveis ao xá, o que acentuou o sen- timento dos iranianos de que o antigo monarca fora, de fato, um instrumento dos interesses estadunidenses no Irã. Na violenta retórica revolucionária, os Estados Uni- dos passaram a ser referidos como ”o Grande Satã”. Essa escalada do antiamericanismo culminou com a invasão do complexo da embaixada estaduni- dense no Irã, em 4 de novembro de 1979, por estudan- tes, fazendo 52 funcionários reféns. A situação durou 444 dias e selou, definitivamente, o fim da amizade entre Estados Unidos e Irã. Em 1980, as relações di- plomáticas foram cortadas. O sequestro teve fim com a assinatura dos Acordos de Argel, em 19 de janeiro de 1981. Os reféns foram libertados no dia seguinte, minutos depois que Ronald Reagan foi empossado como o novo presidente dos Estados Unidos. Era como uma mensagem ao governo estadunidense para que não interferisse em assuntos do país. O xá morreu em julho de 1980. Guerra Irã-Iraque Foi nesse contexto de confusão interna no Irã que o vizinho Iraque viu uma fraqueza a explorar. Em 1980, o líder iraquiano, Saddam Hussein, queria se po- sicionar como o novo homem forte do Oriente Médio e retomar territórios que o Iraque reivindicava do Irã, desde os tempos da monarquia. Contudo, a preocupação era ainda maior. A ala xiita do islamismo ganhava poder com Khomeini, e Hussein temia que os xiitas iraquianos, a maioria do país, derrubassem seu governo. Hussein decidiu, então, invadir o Irã, iniciando a guerra Irã-Iraque. 6 Os Estados Unidos decidiram apoiar o Iraque. A guerra foi sangrenta e durou quase oito anos. Fo- ram usadas crianças como soldados, armas químicas e muito dinheiro. Não se sabe, ao certo, quantas pessoas morreram no conflito, mas estima-se que foram mais de 500 mil. Foi a guerra mais sangrenta já realizada entre países que não fazem parte do mundo desenvol- vido. Além da devastação provocada pela guerra, o Irã sofreu um embargo por parte dos EUA, situação em que muitos especialistas diziam ter sido tão ou mais devastadora que a própria guerra. A queda do avião de passageiros Outro episódio bastante citado pelo Irã, na nar- rativa contra os Estados Unidos, foi quando um cruza- dor estadunidense derrubou um avião de passageiros do Irã com destino a Dubai, nos Emirados Árabes Uni- dos – os 274 passageiros e os 16 tripulantes morre- ram. Os Estados Unidos disseram que confundiram o avião comercial com um jato da Força Aérea iraniana em posição de ataque. Desde então, o Irã vem se con- solidando como uma potência da região, rivalizando com a Arábia Saudita – aliada dos EUA. O Irã apoia grupos armados em países vizinhos: na Síria e no sul do Líbano, financia o Hezbollah; no Iêmen, os rebeldes Houthis; e na Palestina, o Hamas. É um país envolvido em muitos conflitos em sua área de influência, normalmente em lado oposto ao apoia- do pelos estadunidenses, como se estivesse travando guerras com os EUA para além de suas fronteiras. O acordo nuclear Em 2013, o então presidente dos Estados Uni- dos, Barack Obama, teve uma conversa por telefone com o presidente do Irã, Hassan Rouhani para tratar do assunto “armas nucleares”. A conversa durou 15 minu- tos e foi a primeira comunicação entre líderes dos dois países, desde a Revolução Islâmica de 1979. Dois anos depois, com o objetivo de impedir que desenvolvesse armas nucleares, o Irã aceitou firmar um acordo nuclear com as cinco maiores potências do mun- do (EUA, Reino Unido, França, China e Rússia) mais a Alemanha. Em contrapartida, as sanções da ONU contra o país seriam suspensas. Curiosamente, foram os Esta- dos Unidos que ajudaram o Irã a lançar seu programa nuclear, na década de 1950 – até a Revolução Islâmica, os estadunidenses apoiaram o governo do Irã a desen- volver tecnologia nuclear para fins pacíficos. O governo Trump e a volta das tensões Todo esse cenário mudou com a eleição do pre- sidente Donald Trump, em 2016. Ele sempre descreveu o acordo nuclear com o Irã como o ”pior da história” dos Estados Unidos. Em maio de 2018, ele novamente impôs as sanções contra o país, desagradando, é claro, o governo iraniano. Desde então, as tensões entre as duas nações se acirraram. A escalada de tensão, na região do es- treito de Ormuz, ganhou um novo capítulo, quando um drone de vigilância estadunidense foi derrubado por um míssil terra–ar de forças de segurança iranianas, enquanto sobrevoava a região. Segundo a Guarda Re- volucionária Islâmica do Irã, a aeronave havia invadido o espaço aéreo iraniano, e o abate foi uma “mensa- gem clara aos EUA“. Os estadunidenses alegam que houve um “ataque não provocado“ porque o drone sobrevoava águas internacionais – “O Irã cometeu um grande erro“, tuitou o presidente Donald Trump. Em junho de 2019, os EUA anunciaram o en- vio de mil militares para a região, em resposta ao “comportamento hostil“ do Irã. O acirramento dos ânimos em torno do estreito de Ormuz cresce desde então, quando dezenas de tripulantes foram resgata- dos, depois de abandonar dois petroleiros atingidos por explosões no golfo de Omã. Os operadores do navio disseram que 21 pessoas a bordo da embarca- ção panamenha Kokuka Courageous e 23 da norue- guesa Front Altair foram resgatadas. O Irã resgatou os tripulantes depois de um “acidente“, informou a mídia estatal do país, embora a causa das explosões não tenha sido confirmada. A Marinha dos Estados Unidos disse que recebeu duas chamadas de socor- ro. O incidente aconteceu um mês depois que quatro petroleiros foram atacados nas águas dos Emirados Árabes Unidos. O petroleiro carregava metanol e não corria ris- co de afundar, disse um porta-voz. A carga permanece intacta. A mídia estatal iraniana disse que o Irã resga- tou os membros da tripulação e que eles foram levados para o porto de Jask. O chanceler iraniano, Moham- mad Javad Zarif, escreveu no Twitter que o incidente aconteceu quando o primeiro-ministro japonês, Shinzo 7 Abe, se reunia com o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, e que a palavra “suspeito“ nem “começa- ria a descrever o que provavelmente aconteceu nesta manhã“. Os relatos iniciais das explosões foram feitos pelo grupo de segurança da UK Maritime Trade Opera- tions (UKMTO), ligado à Marinha Real Britânica, que emitiu um alerta, pedindo “extrema cautela“ na área. A importância do estreito de Ormuz O golfo de Omã fica em uma das extremidades do estratégico estreito de Ormuz, canal que conecta o golfo Pérsico ao oceano Índico e uma das principais rotas mundiais de comércio de petróleo. Esse incidente aumentará ainda mais a tensão em uma rota marítima vitalpela qual passam centenas de milhões de dólares em petróleo. Mais de 30% da produção mundial de petróleo é escoada pelo estreito de Ormuz. Por isso, qualquer coisa que aconteça por ali se reflete no preço da gasolina e na economia do mundo todo. O assassinato do general iraniano No dia 3 de janeiro de 2020, o bombardeio es- tadunidense, sem precedentes em Bagdá, assassinou o general iraniano Qassem Soleimani e o líder das milí- cias xiitas iraquianas Abu Mehdi al-Muhandis, abrindo um período de incerteza para os Estados Unidos e seus aliados na região. Também despertou muitas pergun- tas sobre o que aconteceu e o que acontecerá. Soleimani nasceu na vila de Qanat-e Malek, no condado de Rabor, na província de Kerman, em uma família de camponeses muito pobres. Na juventude, mudou-se para a cidade de Kerman e trabalhou na construção civil para ajudar a pagar uma dívida que seu pai contraíra. Em 1975, Soleimani começou a trabalhar como empreiteiro para a Kerman Water Organization. Começou sua carreira militar durante a Guerra Irã–Iraque na década de 1980, quando chegou a comandar a 41ª Divisão do Exército. A partir daí, passou a comandar as forças iranianas em ações no exterior, providenciando ajuda para grupos xiitas e curdos anti-Saddam Hussein. Mais tarde, prestou auxílio ao Hezbollah, no Líbano, e ao Hamas, na Palestina. Em 2012, Soleimani ajudou as forças do governo de Bashar al-Assad a lutar contra os rebeldes, durante a guerra civil síria. O apoio iraniano ao regime Assad foi importante para a manutenção do mesmo no poder na Síria. Soleimani também apoiou o go- verno iraquiano e milícias xiitas na sua luta contra o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), entre 2014 e 2015. Considerado um homem forte dentro do próprio regime iraniano, por seu apoio a grupos antiestadunidenses no Oriente Médio, recebeu sanções do governo dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que era considerado um coman- dante militar capaz, que ajudou os iraquianos e sírios a combater terroristas islâmicos. Soleimani, de 62 anos, foi assassinado quando sua comitiva deixava o aeroporto de Bagdá, junto a integrantes de uma milícia iraquiana aliada do Irã, em um bombardeio ordenado pelo presidente dos EUA, Donald Trump. O general Soleimani e integrantes das Forças de Mobilização Popular do Iraque, milícia apoia- da pelo Irã, estavam deixando o aeroporto de Bagdá em dois carros, quando foram atingidos por um ataque de drones perto de uma área de cargas, segundo rela- tos da imprensa estadunidense. 8 O comboio do general Soleimani foi alvo de ataque de drones dos EUA. O bombardeio teria sido uma resposta ao ata- que contra a embaixada dos EUA, em Bagdá, em 31 de dezembro de 2019, executado por uma milícia iraquia- na aliada ao Irã. Segundo o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, o general Qasem Soleimani estaria planejando mais ataques contra diplomatas e militares estadunidenses e tinha pessoalmente aprovado o ata- que contra a embaixada. Tais fatos, contudo, não foram verificados de forma independente. De acordo com a correspondente da BBC Lyse Doucet, Soleimani era visto como o mentor dos planos mais ambiciosos do Irã, no Oriente Médio, e como o verdadeiro ministro das Relações Exteriores do país, em questões de guerra e paz. A influência da Força Quds pode ser observada nos conflitos na Síria, em que aconselhou as forças le- ais ao presidente Bashar al-Assad e armou milhares de milicianos xiitas muçulmanos, lutando ao lado deles, e no Iraque, onde apoiou um grupo xiita paramilitar que ajudou a combater o Estado Islâmico. Esses conflitos transformaram o outrora recluso general Soleimani em uma espécie de celebridade no Irã. Soleimani era considerado o próximo líder supremo do Irã. Em abril de 2019, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, declarou a Guarda Revolucionária do Irã e a Força Quds como organizações terroristas estrangeiras. O presidente Trump, que estava na Fló- rida no momento do ataque, publicou a imagem da bandeira estadunidense no Twitter, logo após que o bombardeio foi noticiado. Um comunicado divulga- do pelo Pentágono afirmou que o general Soleimani “estava desenvolvendo ativamente planos para atacar diplomatas e militares estadunidenses no Iraque e em toda a região“. Em 4 de janeiro, uma procissão fúnebre para Soleimani, iniciada na mesquita Al-Kadhimiya, foi rea- lizada em Bagdá, com a participação do primeiro-mi- nistro do Iraque, Adil Abdul-Mahdi, e dos líderes das milícias apoiadas pelo Irã, além de milhares de pessoas agitando bandeiras iraquianas e da milícia e cantando “morte para a América, morte para Israel“. Os restos de Soleimani foram levados para as cidades sagradas xiitas de Karbala e Najaf. No dia seguinte, os restos mortais chegaram a Ahvaz e, depois, a Mashhad. Dezenas de milhares de pessoas em roupas pretas assistiram à procissão fú- nebre nas ruas, com bandeiras verdes, brancas e ver- melhas – tradicionalmente usadas pelos xiitas para simbolizar o sangue de pessoas mortas injustamente e pedir vingança de suas mortes. As pessoas batiam em seus peitos em homenagem a Soleimani. Em 6 de janeiro, o corpo de Soleimani e das ou- tras vítimas chegaram à Teerã, capital iraniana. Cente- nas de milhares ou até milhões de pessoas lotavam as ruas. O líder supremo iraniano Ali Khamenei, que tinha um relacionamento próximo com Soleimani, liderou a tradicional oração islâmica pelos mortos, chorando em um ponto diante dos caixões cobertos de bandeiras. Ali Khamenei chorou abertamente perto do caixão, en- quanto o sucessor do general jurava vingança. Esmail Ghaani, que foi nomeado comandante da Força Quds horas após o assassinato de Soleimani, disse: “Deus Todo-Poderoso prometeu se vingar, e Deus é o prin- cipal vingador“. Soleimani é considerado um herói e mártir no Irã – foi o primeiro homem a ser homenage- ado com um funeral de várias cidades na história do Irã e sua procissão fúnebre foi considerada a segunda maior, após a do aiatolá Ruhollah Khomeini.
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