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65 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA Unidade II 5 DESENVOLVIMENTO FARMACÊUTICO DE MEDICAMENTOS BIOLÓGICOS (BIOFÁRMACOS) Um biofármaco é qualquer medicamento farmacêutico fabricado, extraído ou semissintetizado de fontes biológicas. Diferentes dos produtos farmacêuticos totalmente sintetizados, eles incluem vacinas, sangue total, componentes do sangue, alergênicos, células somáticas, terapias genéticas, tecidos, proteínas terapêuticas recombinantes e medicamentos vivos usados na terapia celular. Os produtos biológicos podem ser compostos de açúcares, proteínas, ácidos nucleicos ou combinações complexas dessas substâncias, ou podem ser células ou tecidos vivos. Eles, seus precursores ou componentes são isolados de fontes vivas – humana, animal, vegetal, fúngica ou microbiana. A terminologia em torno dos biofármacos varia entre grupos e entidades, com diferentes termos que se referem a distintos subconjuntos de terapêuticas dentro da categoria biofarmacêutica geral. Algumas agências reguladoras usam os termos medicamentos biológicos ou produto biológico terapêutico para se referirem especificamente a produtos macromoleculares projetados como drogas baseadas em proteínas e ácidos nucleicos, distinguindo-os de produtos como sangue, componentes do sangue ou vacinas, que geralmente são extraídos diretamente de um fonte biológica. Os medicamentos especiais, uma classificação recente de produtos farmacêuticos, são medicamentos de alto custo que, em geral, são biológicos. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) usa o termo medicamentos de terapia avançada (ATMPs) para medicamentos para uso humano que têm como base genes, células ou engenharia de tecidos, incluindo medicamentos de terapia genética, medicamentos de terapia com células somáticas, engenharia de tecidos medicamentos e suas combinações. Lembrete Biofármaco é a designação dada a medicamentos originados a partir de um processo biológico. Entre eles destacam-se aqueles obtidos por meio de rotas biotecnológicas, em que o princípio ativo é extraído de microrganismos ou células animais modificadas geneticamente. Os medicamentos biológicos baseados em genes e células, por exemplo, frequentemente estão na vanguarda da biomedicina e da pesquisa biomédica e podem ser usados para tratar uma variedade de condições médicas para as quais nenhum outro tratamento está disponível. Em algumas jurisdições, os produtos biológicos são regulados por órgãos diferentes de outras drogas de moléculas pequenas e dispositivos médicos. Biofarmacêutica é a indústria farmacêutica que trabalha com biofármacos. Biofarmacologia é o ramo da farmacologia que estuda biofármacos. 66 Unidade II Algumas das formas mais antigas de produtos biológicos são extraídas de corpos de animais, especialmente de outros humanos. Alguns desses produtos biológicos importantes incluem: • sangue total e outros componentes do sangue; • transplantes de órgãos e de tecidos; • terapia com células-tronco; • anticorpos para imunidade passiva (por exemplo, para tratar uma infecção viral); • células reprodutivas humanas; • leite materno; • microbiota fecal. Alguns produtos biológicos que antes eram extraídos de animais, como a insulina, são agora mais comumente produzidos por DNA recombinante. 5.1 Técnica de produção de proteínas recombinantes A necessidade de medicamentos eficientes e complexos que não são possíveis de serem fabricados de maneira sintética e em grande quantidade levou a comunidade científica a trabalhar em uma tecnologia que culminasse em uma “fábrica biológica” de produção de hormônios, vacinas, testes de diagnósticos ou outros biofármacos com elevado grau de pureza a um custo relativamente baixo. A bioinformática levou a avanços significativos na escolha da proteína e do fragmento do gene que irá gerar tal proteína, pois essa nova ciência reúne conhecimentos de informática, biologia, estatística e matemática, que auxiliam no sequenciamento do genoma e de mutações, além de analisar a expressão e a regulação de genes e suas respectivas proteínas. A partir desses resultados, o foco será o material genético: RNAm e/ou DNA, cujas sequências nucleotídicas desejadas serão adicionadas a um vetor, expressas em determinado sistema biológico, purificadas para uso humano. Por meio de técnicas de biotecnologia, várias empresas estão focadas no desenvolvimento e no aprimoramento de organismos que nos ajudarão a enfrentar doenças, entre outras finalidades. Será possível um sistema de expressão como a bactéria E. coli, ou a levedura Saccharomyces cerevisiae produzir uma proteína humana? A resposta é sim! Como explicado anteriormente, as principais etapas para se obter um microrganismo que expressa uma proteína heteróloga (que não pertença a ele) são: • escolher e isolar o gene de interesse, por meio da bioinformática, para desenhar o primer; • amplificar o fragmento de DNA usando a técnica de PCR; 67 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA • isolar o fragmento de interesse no gel de agarose; • usar enzima de restrição e “cortar” o DNA; • ligar o fragmento com o vetor usando DNA ligase; • escolher o sistema de expressão, que pode ser procarioto ou eucarioto; • inserir o DNA recombinante no hospedeiro; • selecionar as células que contêm o DNA de interesse; • sequenciar o DNA; • expressar o gene no sistema escolhido, com a vantagem de se reproduzirem muito rapidamente. As proteínas chamadas recombinantes, uma vez analisadas e vistoriadas, serão produzidas em grande escala em biorreatores nas indústrias de biotecnologia, mas já existem centros de pesquisas que pretendem utilizar plantas e animais geneticamente modificados para a produção em larga escala de proteínas com papel biológico de fármacos, por exemplo, vacas leiteiras que possuem em seu leite fármacos para câncer ou sementes de sojas com fator IX de coagulação. A levedura S. cerevisiae é muito utilizada, pois como é um eucarioto, tal qual os seres humanos, consegue fazer as modificações pós-traducionais necessárias para que seja reconhecida corretamente, além de ser um microrganismo GRAS (generally recognized as safe) para produção de biofármacos – fato que não ocorre com o uso da bactéria E. coli. Como alternativa, outra levedura vem sendo utilizada em biotecnologia, Pichia pastoris, a qual apresenta uma região promotora muito forte que transcreve genes heterólogos. Mas o que determina a pesquisa e o desenvolvimento de clonagem de genes? A necessidade faz com que haja a procura de uma saída melhor para a resolução do problema: doença, método diagnóstico, agricultura etc. Para melhorar a qualidade de vida do diabético, foi criada a insulina recombinante e, depois dela, outros hormônios, como o hormônio do crescimento (GH) para pessoas com ausência ou pequena produção; para proteger as plantas do uso de inseticidas, é possível utilizar, por exemplo, a toxina Bt, da bactéria Bacillus thuringiensis, letal para muitos insetos, que se degrada rapidamente no ambiente e é atóxica para humanos e outros animais; para aumentar a produção de leite no gado leiteiro, é administrada somatotrofina bovina recombinante; nos Estados Unidos, para pacientes com doenças genéticas e fibrose cística, a terapia genética é usada fornecendo uma cópia normal do gene para as células do corpo; para o tratamento de derrames, a prevenção de coágulos sanguíneos e ataques cardíacos, há anticoagulantes recombinantes. Existem muitos outros exemplos além dos citados. Acredita-se que, durante o desenvolvimento das técnicas, outros problemas, além dos citados, serão sanados, como a preservação dos animais em extinção e o fim do tráfico clandestino de órgãos pela utilização de células-tronco. No último caso, obviamente, esbarramos na parte ética, filosófica 68 Unidade II e religiosa, pois, após pesquisas sobre a clonagem de animais, como foi observado com o primeiro mamífero clonado, a ovelha Dolly, que nasceu em 5 de julho de 1996, percebeu-se que os cientistas quiseram “dar um passo à frente”,querendo clonar seres humanos (a chamada clonagem reprodutiva) – fato ocorrido na China com a criação de crianças geneticamente modificadas. A comunidade científica condenou o experimento porque não se sabe como as modificações irão afetar os órgãos, pois na ovelha Dolly perceberam-se erros no DNA, e ela morreu após seis anos, em virtude de diversos problemas de saúde. Saiba mais Para conhecer mais sobre a clonagem, sugerimos a leitura da seguinte matéria: OS CLONES estão entre nós. Estamos preparados? Pesquisa Fapesp, 2002. Disponível em: https://cutt.ly/lUKZqpl. Acesso em: 4 jan. 2022. 5.2 Medicamentos fabricados por DNA recombinante Conforme já elucidado, o termo “biológicos” pode ser usado para se referir a uma ampla gama de produtos biológicos na medicina. No entanto, na maioria dos casos, o termo “biológicos” é usado de forma mais restritiva para uma classe de terapêuticas (aprovadas ou em desenvolvimento) que são produzidas por meio de processos biológicos envolvendo tecnologia de DNA recombinante. Esses medicamentos são, geralmente, de três tipos: • Substâncias que são (quase) idênticas às proteínas-chave de sinalização do próprio corpo. Exemplos são a proteína eritropoetina estimuladora da produção de sangue, o hormônio estimulador do crescimento denominado (simplesmente) hormônio do crescimento e a insulina humana biossintética e seus análogos. • Anticorpos monoclonais. Estes são semelhantes aos anticorpos que o sistema imunológico humano usa para combater bactérias e vírus, mas são “projetados sob medida” (usando tecnologia de hibridoma ou outros métodos) e podem, portanto, ser feitos especificamente para neutralizar ou bloquear qualquer substância no corpo, ou para atingir qualquer tipo específico de célula. Exemplos de tais anticorpos monoclonais para uso em várias doenças são apresentados no Quadro 3. • Construções de receptor (proteínas de fusão), geralmente baseadas em um receptor de ocorrência natural ligado à estrutura da imunoglobulina. Nesse caso, o receptor fornece a construção com especificidade detalhada, enquanto a estrutura da imunoglobulina transmite estabilidade e outras características úteis em termos de farmacologia. 69 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA Os produtos biológicos, como uma classe de medicamentos nesse sentido mais restrito, tiveram um impacto profundo em muitos campos médicos, principalmente reumatologia e oncologia, mas também cardiologia, dermatologia, gastroenterologia, neurologia e outros. Na maioria dessas disciplinas, os biológicos adicionaram opções terapêuticas importantes para o tratamento de muitas doenças, incluindo algumas para as quais não havia terapias eficazes disponíveis e outras cujas terapias anteriormente existentes eram claramente inadequadas. No entanto, o advento da terapêutica biológica também levantou questões regulatórias complexas e preocupações farmacoeconômicas significativas porque o custo das terapias biológicas é dramaticamente mais alto do que os medicamentos convencionais (farmacológicos). Esse fator tem sido particularmente relevante, uma vez que muitos medicamentos biológicos são usados para o tratamento de doenças crônicas, como artrite reumatoide ou doença inflamatória intestinal, ou para o tratamento de câncer não tratável durante o resto da vida. Pacientes idosos que recebem terapia biológica para doenças como artrite reumatoide, artrite psoriática ou espondilite anquilosante apresentam risco aumentado de infecção com risco de morte, eventos cardiovasculares adversos e malignidade. A primeira dessas substâncias aprovadas para uso terapêutico foi a insulina biossintética “humana” produzida por meio de DNA recombinante. Às vezes referida como rHI, sob o nome comercial de Humulin®, foi desenvolvida pela Genentech, mas licenciada para a Eli Lilly and Company, que a fabricou e comercializou a partir de 1982. Os principais tipos de biofármacos incluem: • fatores sanguíneos (fator VIII e fator IX); • agentes trombolíticos (ativador do plasminogênio tecidual); • hormônios (insulina, glucagon, hormônio do crescimento e gonadotrofinas); • fatores de crescimento hematopoiéticos (eritropoetina fatores estimuladores de colônias); • interferons (interferons-α, -β, -γ); • produtos à base de interleucina (interleucina-2); • vacinas (antígenos de superfície da hepatite B); • anticorpos monoclonais (vários); • produtos adicionais (fator de necrose tumoral, enzimas terapêuticas). 70 Unidade II Quadro 3 – Medicamentos obtidos por meio da biotecnologia Medicamento Metodologia de produção Aplicação Material biológico Antibióticos Fermentação Tratamento de infecções Penicillium notatum (penicilina), Streptomyces venezuelae (cloranfenicol), Streptomyces griseus (estreptomicina), entre outros Fatores de coagulação sanguínea Técnica do DNA recombinante Tratamento de hemofilia Células CHO Antitrombina (Atryn® foi o primeiro medicamento produzido com o uso de animais geneticamente modificados aprovado pelo FDA) Purificada do leite de animais transgênicos Utilizado em pacientes com alteração hereditária da produção de antitrombina Cabra transgênica Insulina (Humulin® foi o primeiro fármaco biotecnológico aprovado pelo FDA) Técnica do DNA recombinante Tratamento do diabetes mellitus Escherichia coli Eritropoetina (Procrit®, Epogen®, Eprex® e NeoRecormon®) Técnica do DNA recombinante Tratamento de anemia decorrente de doenças renais crônicas, infecções por HIV e câncer Células CHO IL-2 Técnica do DNA recombinante Tratamento de câncer de células renais Escherichia coli Interferon-α (Intron-A®, Roferon-A® e Actimmume®) Técnica do DNA recombinante Tratamento de sarcoma de Kaposi, hepatites B e C, câncer de células renais Escherichia coli e Pichia pastoris Interferon-β (Avonex®, Rebif® e Betaseron®) Técnica do DNA recombinante Tratamento de esclerose múltipla secundária progressiva Escherichia coli Alfadornase (Pulmozyme®) Técnica do DNA recombinante Tratamento de fibrose cística Células CHO Ativador de plasminogênio (Activase®) Técnica do DNA recombinante Dissolução de coágulos sanguíneos que podem causar ataque cardíaco, embolia pulmonar e derrame OKT3 (primeiro anticorpo monoclonal a se tornar disponível para terapia em humanos) Técnica do hibridoma Tratamento contra rejeição de órgãos transplantados Linfócito B e mieloma Observação Algumas fontes de medicamentos não eram consideradas particularmente adequadas: os hormônios foliculoestimulante (FSH), luteinizante (LH) e gonadotrofina coriônica humana (hCG) eram coletados da urina de mulheres na menopausa ou grávidas; e o ancrodo, uma enzima com atividade anticoagulante, era extraído do veneno da jararaca da Malásia (Agkistrodon rhodostoma). Atualmente, essas substâncias são produzidas principalmente a partir da tecnologia do DNA recombinante, minimizando os impasses relacionados com a variabilidade entre lotes, disponibilidade de doadores e periculosidade relativos ao processo de purificação. 71 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA 5.3 Biossimilares Com a expiração de várias patentes de produtos biológicos de sucesso entre 2012 e 2019, o interesse pela produção de biossimilares, ou seja, produtos biológicos de continuação, aumentou. Em comparação com pequenas moléculas que consistem em ingredientes ativos quimicamente idênticos, os produtos biológicos são muito mais complexos e consistem em uma infinidade de subespécies. Devido à sua heterogeneidade e à alta sensibilidade do processo, os originadores e biossimilares de acompanhamento exibem diversidade em variantes específicas ao longo do tempo; no entanto, a segurança e o desempenho clínico dos biofármacos originadores e biossimilares devem permanecer equivalentes ao longo de seu ciclo de vida. As variações do processo são monitoradas por ferramentas analíticas modernas (por exemplo, cromatografia líquida, imunoensaios, espectrometria de massa etc.) e descrevem um espaço de design exclusivopara cada produto biológico. Assim, os biossimilares requerem uma estrutura regulatória diferente em comparação com os genéricos de pequenas moléculas. A legislação do século XXI tratou disso, reconhecendo uma base intermediária de testes para biossimilares. A via de arquivamento requer mais testes do que os genéricos de pequenas moléculas, mas menos testes do que o registro de terapêuticas completamente novas. Em 2003, a EMA introduziu uma via adaptada para biossimilares, denominados medicamentos biológicos semelhantes. Esse caminho é baseado em uma demonstração completa de comparabilidade do produto semelhante a um produto aprovado existente. Nos Estados Unidos, a Lei de Proteção do Paciente e Cuidados Acessíveis de 2010 criou uma via de aprovação abreviada para produtos biológicos que comprovadamente são biossimilares ou intercambiáveis com um produto biológico de referência licenciado pela FDA. Uma grande esperança ligada à introdução de biossimilares é a redução de custos para os pacientes e o sistema de saúde. Lembrete Biossimilares são produtos biológicos altamente semelhantes aos medicamentos inovadores. Produtos biológicos são aqueles produzidos a partir de um organismo vivo, como células de bactérias. 5.4 Comercialização Quando um novo biofármaco é desenvolvido, a empresa normalmente solicita uma patente, que é uma concessão de direitos exclusivos de fabricação. Esse é o principal meio pelo qual o desenvolvedor do medicamento pode recuperar o custo de investimento para o desenvolvimento do biofármaco. As leis de patentes nos Estados Unidos e na Europa diferem um pouco quanto aos requisitos para uma patente, sendo os requisitos europeus considerados mais difíceis de satisfazer. O número total de patentes concedidas para biofármacos aumentou significativamente desde a década de 1970. Em 1978, o total de patentes concedidas era de 30. Esse número subiu para 15.600 em 1995 e, em 2001, havia 72 Unidade II 34.527 pedidos de patentes. Em 2012, os Estados Unidos tiveram a maior geração de IP (Propriedade Intelectual) na indústria biofarmacêutica, gerando 37% do número total de patentes concedidas em todo o mundo; no entanto, ainda há uma grande margem para crescimento e inovação no setor. As revisões do sistema de IP atual para garantir maior confiabilidade para investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento) também é um tópico proeminente de debate nos Estados Unidos. Os produtos derivados do sangue e outros produtos biológicos de origem humana, como o leite materno, têm mercados altamente regulamentados ou de difícil acesso; portanto, os clientes geralmente enfrentam uma escassez de fornecimento deles. As instituições que abrigam esses produtos biológicos, designadas como “bancos”, muitas vezes não podem distribuir seus produtos aos clientes de forma eficaz. Por outro lado, os bancos de células reprodutivas são muito mais difundidos e disponíveis devido à facilidade com que os espermatozoides e os óvulos podem ser usados para o tratamento de fertilidade. 5.5 Produção de biofármacos em cultura de células animais (hibridomas) 5.5.1 Cultura celular A cultura de células envolve processos complexos de isolamento de células de seu ambiente natural (in vivo) e subsequente crescimento em condição artificial em um ambiente controlado (in vitro). Na primeira década do século XX, Ross Harrison desenvolveu as técnicas iniciais de cultura de células in vitro. Na verdade, no final do século XIX, Wilhelm Roux (1850-1924) demonstrou ser possível manter células vivas (da placa neural de embriões de galinha) fora do corpo, em tampão salino, por alguns dias. Ao mesmo tempo, Leo Loeb (1869-1959) conseguiu colocar em prática uma técnica que era conhecida como “cultura de tecidos no corpo”. Ele colocou fragmentos de pele de embrião de cobaia em ágar e soro coagulado, depois, os enxertou em animais adultos. Usando esse procedimento, Loeb obteve células epiteliais em mitose. No entanto, a metodologia não foi considerada uma cultura clássica, pois envolvia enxerto de tecidos e fluidos de animais vivos. Em 1910, Montrose Burrows (1884-1947) visitou Harrison em Yale e adaptou o método de cultura de células em uma gota em suspensão de forma a suprir as necessidades de seus próprios experimentos. Burrows utilizou o plasma extraído de galinhas como meio de cultura. Este era muito mais fácil de ser obtido e mais homogêneo em qualidade e, portanto, o processo de preparo acabava sendo mais confiável. Então, com Alexis Carrel (1873-1944), no Rockefeller Institute for Medical Research, em Nova York, eles estabeleceram culturas de células de tecidos embrionários e adultos (conjuntivo, periósteo, cartilagem, osso, medula óssea, pele, rins e glândula tireoide) de muitas espécies (por exemplo, cão, gato, galinha, porquinho-da-índia, rato) que podiam ser mantidas in vitro, devido ao “meio de cultura de plasma” – plasma fresco oriundo da mesma fonte dos tecidos cultivados. 73 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA Durante seus estudos, Burrows e Carrel avaliaram outros meios de cultura compostos de plasma diluído com diferentes soluções de sal e soro. Usando meios complexos, eles foram capazes de subcultivar e manter culturas por vários meses. Eles trabalharam não apenas com tecidos normais de mamíferos adultos, mas com tecidos de células tumorais. Essas mudanças distinguiram as culturas de Burrows e Carrel das de Harrison e lhes deram a ideia de uma cultura contínua. Dessa forma, eles começaram novas culturas a partir das antigas, sem a necessidade de estabelecer culturas primárias a partir dos tecidos. Os resultados obtidos por Carrel e Burrows foram publicados no Journal of the American Medical Association em 1910, e o termo “cultura de tecidos” foi definido pela primeira vez em 1911 como um meio plasmático inoculado com pequenos fragmentos de tecidos vivos. O termo introduzido, “cultura de tecidos”, descreveu também o crescimento e a reprodução fora do corpo. Atualmente, as culturas de células animais e humanas são ferramentas amplamente utilizadas em muitos ramos da ciência. Diferentes variantes encontram aplicação como modelo de estudo de doenças, na tecnologia da reprodução assistida, em pesquisa de células-tronco e câncer, na produção de anticorpos monoclonais e proteínas terapêuticas e na medicina regenerativa. Normalmente, o processo se inicia com uma cultura primária com o objetivo de atingir a confluência, ou seja, a formação de uma monocamada de células em uma placa/frasco de cultura suplementado com os nutrientes e fatores de crescimento necessários. Com a obtenção da confluência, as células são, então, passadas ou subcultivadas da cultura primária para a secundária e, subsequentemente, para a terciária, até que, em alguns casos, uma linhagem celular contínua seja estabelecida. 5.5.2 Cultura de células primárias As células que foram retiradas diretamente de um corpo ou tecido são conhecidas como células primárias. Elas podem ser obtidas por biópsia, cirurgia ou autópsia e cultivadas por um período finito como culturas de células primárias. Suponha que você tenha dado permissão para que uma amostra de suas próprias células fosse coletada e cultivada em laboratório para fins de pesquisa. Seu médico faz a biópsia de determinado tecido de seu corpo e estabelece uma cultura via explante. O explante corresponde ao fragmento de tecido usado para iniciar a cultura de células. As células do explante devem ser separadas da matriz extracelular, o que pode ser feito de maneira mecânica, macerando-as com auxílio de um almofariz e pistilo ou por meio químico, digerindo-as com enzimas proteolíticas como a papaína, ou, ainda, pela combinação das duas abordagens. Após a maceração/digestão, o tecido processado é colocado sobre uma superfície de crescimento apropriada, coberto com meio de cultivo e incubado sem perturbações por vários dias. Algumas células se desprendem dos amontoados de tecido, se aderem à superfície da placa e começam aproliferar, conforme mostrado na figura a seguir. 74 Unidade II Células primárias Biópsia a partir do rim Seleção Células renais - cultura primária Figura 18 – Estabelecimento de cultura primária. As células primárias extraídas de um órgão/tecido são utilizadas para estabelecer uma cultura primária. Um explante, removido, por exemplo, de uma biópsia, é macerado e digerido com enzimas para liberação das células de sua associação com os componentes da matriz extracelular (MEC). O tecido processado é colocado em uma placa com meio de cultura para a proliferação celular. Quando o número de células se torna razoável, é possível utilizar meios específicos para seleção das células desejadas. Na figura, é mostrado como uma cultura primária de células renais pode ser estabelecida Fonte: Kengla, Kidiyoor e Murphy (2017, p. 965). Para acompanhar o desenvolvimento da cultura, utiliza-se um microscópio de luz ou contraste de fase. As pilhas de tecido que ficam na vizinhança das células em crescimento devem ser gentilmente removidas para evitar os efeitos adversos da degradação tecidual ou do produto da morte celular. Quando o número de células se torna razoável, meios seletivos podem ser empregados para prevenir o crescimento de tipos celulares indesejáveis. Lembre-se que o explante contém uma população heterogênea de células representativas da área do tecido original. À medida que a cultura se expande, esta pode ser transferida para novas placas. A passagem de uma cultura significa que as células foram removidas (por meios químicos ou mecânicos) de um recipiente de cultura e colocadas em um novo. Quando uma cultura primária é transferida uma vez, a nova resultante é chamada de secundária, e esta representa a segunda passagem (p2). 75 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA Depois de múltiplas passagens sequenciais, a cultura entra em senescência Cultura terniária (confluente) Crescimento até atingir confluência Cultura secundária (confluente) Tripsinização Crescimento até atingir confluência Durante a tripsinização, interações das células em cultura com a MEC, com a placa e com outras células são desestabilizadas. Assim, partes delas podem ser transferidas para outra placa Cultura terciária (p3) Cultura primária (confluente) Tripsinização (passagem das células de uma placa confluente para uma nova placa) Cultura secundária (p2) Ciclos de tripsinização finitos 1 2 3 4 5 Figura 19 – Subcultivo. A cultura primária pode ser subcultivada, por exemplo, quando, em dado momento, as células se expandirem por toda a área de uma placa (confluência). Para isso, é necessário desestabilizar as interações das células aderidas com a MEC, com a placa e, ainda, com outras células. Proteases como a tripsina podem ser usadas para esse fim. A tripsinização permite a desadesão das células, que acabam se desprendendo do substrato e perdendo seu formato característico em cultura (ficam circulares). Parte das células são replaqueadas, configurando a cultura secundária (ou cultura de segunda passagem). As interações entre as células e a nova placa começam a ser reestabelecidas à medida que a célula se adere ao substrato. Tal procedimento pode ser repetido um número limitado de vezes, pois essas células apresentam capacidade de proliferação em cultura limitada (as células entram em senescência) Fonte: Williams (2009, p. 5901). O tempo de vida finito é a principal limitação do uso de células primárias, pois impede que um número suficiente delas seja alcançado para aplicações práticas, dificultando a funcionalidade de longo prazo 76 Unidade II dessas culturas. Algumas abordagens para resolver esse problema envolvem a imortalização das células primárias – processo que acontece quando a célula é capaz de se proliferar em um número ilimitado de vezes. In vivo, esse fenômeno favorece a transformação maligna das células normais, corroborando o desenvolvimento do câncer. No entanto, nos laboratórios, serve como ferramenta para aumentar o tempo de vida útil da célula em cultura. Células imortalizadas, como células cancerosas ou algumas linhagens estabelecidas, muitas vezes, têm um agente chamado telomerase. A telomerase é uma enzima que adiciona sequências teloméricas nas extremidades dos cromossomos cada vez que a célula se divide. No entanto, nem todas as células imortalizadas expressam telomerase. Algumas contornam o problema de encurtamento dos telômeros por uma via independente da telomerase conhecida como alongamento alternativo dos telômeros (ALT). Tem sido mostrado que o mecanismo de alongamento dos telômeros pode ser alternado entre um mediado pela telomerase (telomerase-positivo), e outro, em que a enzima não esteja presente (telomerase-negativo). No entanto, uma regra geral normalmente é utilizada: células somáticas, que possuem capacidade de replicação limitada, não apresentam telomerase, enquanto células imortalizadas têm essas enzimas ativas. O assunto do encurtamento do telômero foi bastante relevante para o caso da ovelha Dolly. A despeito de ter sido o primeiro grande animal resultante de uma clonagem bem-sucedida, ela viveu apenas seis anos. Ao nascimento aparentava ser uma ovelha comum, mas Dolly envelheceu rapidamente. A razão para isso foi que o DNA da célula somática usada para clonar Dolly já tinha passado pelo encurtamento dos telômeros. É como se aquele relógio celular já marcasse certo número de divisões. Nas células reprodutivas, em contrapartida, esse relógio marca zero, e só começa a contar a partir das replicações do zigoto. Assim, sabemos que as células diferenciadas apontam horas tardias. Quando o DNA da célula somática usado para clonagem nuclear foi transferido para o ovócito anucleado, embora o ovócito possa ser considerado uma célula “nova”, o material genético nele transplantado já havia sofrido algum envelhecimento. Quando Dolly começou a crescer e se desenvolver e suas células continuaram a se dividir, no entanto, elas continuaram a envelhecer do ponto em que a célula somática original fora coletada. 5.5.3 Células tumorais Existem dois fatores principais que determinam se uma célula é considerada somática “normal” ou tumoral: mortalidade e inibição de contato. Acabamos de discutir que a mortalidade nessas células consideradas “normais” pode ser induzida quando estas atingem um número máximo de divisão, que ainda permite estabilidade genômica. As células tumorais, que, por sua vez, apresentam telomerase ou alguma via alternativa ativada que permite a conservação do tamanho dos telômeros, assumem potencial de imortalidade. No entanto, é preciso avaliar com cautela essa informação. Por exemplo, as células-tronco embrionárias, que veremos em mais detalhes posteriormente, podem se proliferar por períodos mais longos em cultura, porém essa característica não as qualifica como células tumorais. 77 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA Telomerase alongando a extremidade do cromossomo Telômero Cromossomo Apoptose Células tumorais Células normais Figura 20 – Imortalidade replicativa. As células tumorais geralmente exibem um aumento na atividade da telomerase, o que as ajuda a se tornarem imortais, isto é, exibem a capacidade para se dividir indefinidamente, desde que os requisitos nutricionais e de concentração de O2 sejam cumpridos. Nas células “normais”, os telômeros não são restaurados a cada divisão e, por isso, apresentam-se números finitos de replicações Fonte: Mouche e Pedeux (s.d., p. 5). Esclarecido que as células-tronco são distintas das tumorais, vamos entender agora o que seria o segundo fator, a inibição de contato. Uma célula somática típica, em condições de cultura adequadas, irá crescer, se dividir, e, eventualmente, migrar até que faça contato com outra célula ou com as bordas da própria placa de cultura. À medida que mais células ocupam a placa, aumenta a probabilidade de estas fazerem contato umas com as outras. Eventualmente, a célula ficará circundada por todos os lados comoutras células e/ou com as bordas, formando uma monocamada. Nesse momento, estas param de migrar e de proliferar, mantendo a organização da monocamada. Se fôssemos avaliar a curva de crescimento das células em monocamada, a cultura teria atingido a fase de platô, não por falta de nutrientes, mas por falta de espaço. Circunstâncias semelhantes ocorrem em culturas tridimensionais (3D) e no próprio corpo, e ajudam a explicar o porquê de normalmente não apresentarmos grandes massas de tecido que crescem continuamente fora de nós. Em contrapartida, uma célula tumoral é imortal e não é inibida por contato. Em uma cultura bidimensional, após formar uma monocamada, e às vezes antes disso, as células tumorais começam a crescer umas sobre as outras. Elas podem formar uma segunda camada ou crescer verticalmente, ramificando-se e adquirindo uma estrutura que se parece com um cogumelo, uma bola ou uma 78 Unidade II corrente. Essas estruturas podem se quebrar e liberar pequenos agregados de células vivas, que podem, por sua vez, ser realocadas para outra área a fim de estabelecer uma nova colônia de células. Essa é uma característica bastante comum entre culturas de células tumorais metastáticas. Várias camadas são formadas após proliferação de células tumorais em cultura. A proliferação não é inibida pelo contato O crescimento das células normais é inibido pelo contato, o que leva à formação da monocamada Figura 21 – Padrão de crescimento das células tumorais em cultura. As culturas primárias formam monocamadas nas placas, pois a proliferação celular é inibida pelo contato entre as células. As culturas de células tumorais podem formar várias camadas. As células podem crescer verticalmente e formar estruturas semelhantes a cogumelo, bola ou corrente. Células tumorais são capazes de proliferar indefinidamente, e o crescimento não é inibido pelo contato Fonte: Mouche e Pedeux (s.d., p. 9). 5.5.4 Linhagens celulares As linhagens celulares são criadas no laboratório para exibir as principais características de uma célula tecido-específica e, ao mesmo tempo, serem imortalizadas. As linhas celulares são de grande valor porque permitem o estudo de células específicas sem a necessidade de retornar ao mesmo doador repetidamente, conforme atingem a senescência. Elas também funcionam como uma fonte inesgotável de células que podem ser usadas em vários laboratórios em todo o mundo, com pouca variação entre culturas. Elas podem ser produzidas de várias maneiras. Uma cultura primária que foi submetida a diversas passagens pode espontaneamente passar por mudanças decorrentes desse cultivo. Eventualmente, uma ou mais das células em cultura passarão por transformação, que consiste na mudança de uma célula mortal para uma imortal. A transformação de uma célula no corpo pode significar câncer para o indivíduo, mas a transformação de uma célula em cultura pode refletir o estabelecimento de uma linhagem celular imortalizada. Como as células de uma cultura primária possuem limitação em relação ao número de vezes que podem se replicar, é relativamente fácil identificar as células transformadas conforme o número das passagens aumenta. As células que não se transformaram acabam se tornando senescentes ou sofrem apoptose, enquanto aquelas transformadas sobrevivem. Assim, em culturas de células, a transformação pode ocorrer espontaneamente, e o estabelecimento de populações imortais foram observadas em muitos laboratórios desde o início dos anos 1940 até 79 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA o início dos anos 1960. Células imortais surgem espontaneamente de células normais, e culturas de células murinas são especialmente propensas a esse processo. Outra forma de estabelecer uma linhagem celular é por explante de uma biópsia de um câncer. Nesses casos, as células já foram transformadas in vivo e são apropriadamente chamadas linhagens celulares tumorais. A primeira linhagem de células humanas é conhecida como HeLa. Ela foi derivada de um câncer de colo de útero de uma paciente conhecida como Henrietta Lacks. Uma linhagem celular também pode ser estabelecida por meio da fusão de uma célula primária com uma célula tumoral. A fusão pode ser realizada, por exemplo, colocando as células em contato umas com as outras em polietilenoglicol e administrando corrente elétrica para causar perturbação da membrana (hibridoma). Quando a corrente é interrompida, ocorre a fusão permanente de suas membranas plasmáticas. Muitas células irão morrer como resultado desse protocolo, mas, em teoria, é necessário que apenas uma delas sobreviva para se iniciar uma nova linhagem celular. Tal protocolo tem como objetivo conseguir manter as características específicas de uma célula primária e a imortalidade das células tumorais. No entanto, a formação do hibridoma leva à formação de células com quantidade de cromossomos bastante variável, o que pode ter implicações consideráveis em um estudo. Assim, a maioria das tentativas de fundir duas células não produz uma célula híbrida viável. Quando uma célula viável é produzida, não carregará consigo todas as propriedades da célula somática-mãe. Essa é uma grande desvantagem de usar essa estratégia para a criação de linhagens de células. O tempo de vida finito é a principal limitação do uso de células primárias. Algumas abordagens para resolver esse problema envolvem a introdução de genes virais ou de pequenas moléculas para induzir a proliferação celular e prevenir a senescência. Por exemplo, a linhagem celular HK-2 (human kidney 2), tão popular quanto a HeLa, é derivada de células renais adultas normais. Foi estabelecida a partir da cultura de células do túbulo proximal modificadas pela inserção dos genes E6/E7 do papilomavírus humano (HPV 15). Os produtos proteicos desses genes são capazes de interagir com proteínas que regulam o ciclo celular, como a p53 e a pRb, que atuam como supressoras de tumores, estimulando a divisão. A linhagem HK-2 mantém algumas características do fenótipo das células do túbulo proximal, como a produção de adenilato ciclase em resposta ao hormônio da paratireoide ao mesmo tempo em que são irresponsivas ao hormônio antidiurético. Então, as culturas de células podem ser seres transformados por vírus oncogênicos, como HPV e SV40, mas outros mecanismos, como por radiação e carcinógenos químicos, também são bastante usados. Para aplicarmos o que aprendemos sobre o limite de Hayflick, este mesmo pesquisador definiu o termo imortalidade como uma forma de vida capaz de sobrevivência indefinida em condições em que nenhuma mudança ocorreu na composição molecular de algum começo arbitrário. No quadro a seguir estão destacadas as primeiras linhagens celulares estabelecidas, bem como os autores responsáveis por elas. Embora as linhas de células sejam uma ótima ferramenta para pesquisa, os dados obtidos com elas devem ser considerados com cautela, uma vez que não são capazes de mimetizar muitas das interações complexas que acontecem dentro de um organismo. 80 Unidade II Quadro 4 – Linhagens celulares comumente usadas Nome Espécie e tecido Morfologia Autor e origem L929 Tecido conjuntivo de camundongo Fibroblasto Earle (1948) HeLa Colo uterino humano Epitelial Gay (1951) CHO Ovário de hamster chinês Semelhantes a células epiteliais Puck (1957) MDCK Rim canino Epitelial Madin e Darby (1958) WI‐38 Pulmão humano Fibroblasto Hayflick (1961) BHK‐21 Rim de hamster da Síria Fibroblasto Macpherson e Stoker (1961) Vero Rim de macaco verde africano Epitelial Yasumura e Kawakita (1962) NIH 3T3 Embrião de camundongo Fibroblasto Todaro e Green (1962) MCR‐5 Pulmão humano Fibroblasto Jacobs (1966) SH‐SY5Y Neuroblastoma humano Neuroblasto Biedler (1970) 5.6 Produção de fármacos Um exemplo de biofármacos são os hibridomas. Hibridomas são linhagens celulares que foram construídas para produzir determinado anticorpo (imunoglobulina) em quantidades infinitas. Algum animal, possivelmente camundongos (principalmente da linhagemBalb/c), é inoculado com determinado antígeno de duas a três vezes com intervalos de 14 dias. Após cerca de 45 dias da primeira inoculação, ocorre sangria para analisar a mistura de anticorpos monoclonais (monoclonais, pois foi inoculado apenas um antígeno) presentes no soro, cada um dos anticorpos reconhecendo uma parte (chamada epítopo) desse antígeno. A diferença em relação ao anticorpo policlonal é que, no último, seriam diferentes epítopos de uma mistura de diferentes antígenos. Se o procedimento tiver sucesso, células B produtoras de linfócitos, que são produtores de anticorpos, são isoladas do baço, colocadas no mesmo local (placa de Petri), onde crescem células de mieloma da linhagem Sp2/0-Ag14 (ATCC CRL 1581 – desenvolvidos por Köhler e Milstein, em 1976), que são tumores de linfócitos B ativados, com plasmócitos que crescem continuadamente. Essas células de mieloma não secretam uma enzima HGPRT (do inglês, Hypoxanthine-guanine phosphoribosyltransferase) nem anticorpos. Com a adição de polietilenoglicol ao meio de cultura, essas células se fundem e formam o hibridoma, reproduzindo-se em cultura indefinidamente. O meio de cultura que se coloca para o crescimento do hibridoma é o meio de cultura HAT (contém hipoxantina, aminopterina e timidina – substâncias usadas para a fabricação de DNA pelas células). Como as células de mieloma não têm a enzima HGPRT, não poderão fazer seu DNA e morrem nesse meio. Os linfócitos B normais não conseguem sobreviver em meio de cultura além de uma a duas semanas e morrem, mas, caso se unam, as células híbridas seguem imortais, pois apresentam o gene para HGPRT do linfócito B. Após essa etapa, haverá a seleção dos hibridomas, pois cada um irá produzir um tipo de anticorpo contra determinado epítopo do antígeno, sendo escolhido aquele que possui 81 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA melhor especificidade e avidez (força de ligação entre o antígeno e o anticorpo), podendo ser separados por ensaios de radioimunoensaio (RIA) ou ensaio enzimático de imunoabsorção (ELISA). 6 NANOTECNOLOGIA: FUNDAMENTOS E APLICAÇÕES O físico norte-americano Richard Feynman, em 1959, apresentou uma palestra com o título “There is plenty of room down there – an invitation for a new field of Physics” (Há mais espaços lá embaixo – um convite para um novo campo da física), onde usou a palavra “nanotecnologia” pela primeira vez e, por isso, é chamado o pai da nanotecnologia. Nessa palestra, explicou que, com a ajuda da engenharia na escala atômica, seria possível manipular os átomos para construir novos materiais. Feynman recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1965, pelos seus estudos sobre eletrodinâmica quântica. O termo “nanotecnologia” ficou mais popular com a apresentação de Eric Dexler (1986) no livro Engines of creation – the new era of nanotechnology (Máquinas de criação – a nova era da nanotecnologia). A nanociência se relaciona com o estudo, em escala nanométrica, do comportamento de átomos, moléculas e estruturas. Junto a ela, há a nanotecnologia (N&N = nanociência e nanotecnologia), que se baseia no uso da nanociência para a produção de sistemas que trabalham com objetos entre 1 e 100 nanômetros, englobando física (instrumentação e física quântica), química (estrutura atômica dos materiais), ciências da computação e nanossistemas) e biologia (processos biológicos e fármacos). Molécula de água Proteína Vírus Bactéria Célula humana Ouro coloidal Anticorpo Escala nanométrica DNA 1Å 5 nm 1 nm 10 nm 100 nm 10 µm 20 nm 1 µm Figura 22 – Esquema mostrando as substâncias e seus tamanhos, todas na escala nanométrica Fonte: Apolinário et al. (2020, p. 213). 82 Unidade II Saiba mais Em 1989, o físico norte-americano Donald Eigler e seus colaboradores chocaram o mundo quando apresentaram o logotipo da empresa de computadores IBM (International Business Machines) sobre uma superfície de níquel utilizando 35 átomos de xenônio. A letra I da sigla era formada por 9 átomos e possuía aproximadamente 5 nm, mostrando o desenvolvimento da nova tecnologia de ponta: a nanotecnologia. Para saber mais, leia MARQUES, E. F. Da nanociência à nanotecnologia. Revista de Ciência Elementar, v. 2, n. 3, p. 58, 2014. Disponível em: https://cutt.ly/0PSO41C. Acesso em: 4 jan. 2022. Nanotecnologia é assim chamada por ter como base o uso do nanômetro, unidade de medida que equivale a um bilionésimo do metro, ou seja, 1 nanômetro (nm) equivale a 0,000000001 m. Para trabalhar nessa escala tão pequena, são necessários equipamentos e pessoas altamente treinadas para esse grau de precisão. Com seu uso, aprimora-se cada vez mais a habilidade de manipular átomos, criando materiais inovadores, como o grafeno. Observação O grafeno é a camada extremamente fina de grafite produzida por nanotecnologia, 200 vezes mais resistente do que o aço, porém mais leve, extremamente fino, transparente, elástico, com alta condutividade térmica e elétrica que será usado no campo do agronegócio (impermeabilização e vedação de telhados e silos de armazenagem de grãos), na indústria têxtil (roupas inteligentes, conforto e isolamento térmico, resistência e impermeabilidade), no meio ambiente (desintoxicação de água), em eletrônicos (potencializar baterias de celular, energia solar e carros) e alimentos (papel antibactérias). O Brasil, até o momento, tem uma das maiores reservas do mineral grafite e a maior fábrica de produção de grafeno em escala industrial da América do Sul, UCSGRAPHENE, localizada em Caxias do Sul (RS), com capacidade de produzir até cinco mil quilos com alta qualidade por ano. A nanociência envolve a nanotecnologia que pode trabalhar com nanorobôs (processadores extremamente pequenos) guiados para células mais profundas, que provavelmente não seriam atingidas por substâncias presentes em uma injeção endovenosa e muito menos por medicamentos via oral, otimizando a função do medicamento com menores efeitos colaterais para o paciente. É o que acontece com os nanorobôs de DNA, que podem chegar às células doentes na medula óssea (leucemia) e com sinais específicos podem induzi-las à autodestruição, sem que as sadias sejam afetadas. 83 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA Saiba mais No filme de ficção Bloodshot, Vin Diesel possui nanorobôs regenerativos por todo o corpo, tornando-o praticamente imortal quando leva tiros ou cai de prédios. BLOODSHOT. Direção: Dave Wilson. Estados Unidos: Sony Pictures, 2020. 110 min. O tratamento do câncer tem sido um dos alvos mais estudados pela nanotecnologia, pois acredita-se que mudará o conceito de quimioterapia, tornando-a menos invasiva e evitando que o paciente fique tão debilitado. Um exemplo são as nanostars, nano partículas com formato de estrela produzidas em ouro que são direcionadas às células cancerígenas. A nanofarmacologia ou nanotecnologia farmacêutica tem como alvo o uso da nanotecnologia para melhoria do aproveitamento dos medicamentos pelo corpo humano. A drug delivery (entrega de medicamentos) é um dos pontos mais importantes da nanofarmacologia, pois, além de tornar o medicamento sítio específico, o transporta pelo corpo, mantendo a estabilidade e os níveis plasmáticos constantes, previne a degradação do corpo e aumenta sua eficácia terapêutica. Além disso, a possibilidade de formular a liberação controlada leva à diminuição da dose terapêutica e da toxicidade, por diminuir a concentração máxima plasmática. Os tipos de nanoestruturas mais utilizadas pela indústria farmacêutica são apresentados na figura a seguir. 200219961993199019651857 1943 1978 1993 1994 1999 Nanoesfera Nanoemulsão Dendrímero Microemulsão Polimerossoma Nanocápsulas CLN NLS Micelas Lipossoma Nanopartículas metálicas Figura 23 – Principais tipos de nanocarreadores organizados por ordem cronológica de desenvolvimento. NLS = nanocarreador lipídico sólido; CLN = carreador lipídico nanoestruturado Fonte: Apolinário et al. (2020, p. 215). Esta tecnologia pode ser usada na desobstruçãode coágulos sanguíneos no cérebro de forma menos invasiva, na reconstrução de tecidos humanos, a fim de minimizar a rejeição pelo organismo, e na 84 Unidade II área de diagnóstico ultrassensível, com a ajuda de novos equipamentos que prometem a detecção de metabólitos ou vírus específicos em questão de segundos, resultando em rapidez e eficácia dos procedimentos, além de aprimorar a qualidade de exames de imagem e – como já explicado – de tratamentos menos invasivos e mais precisos. Quanto aos equipamentos que usam nanopartículas (NPs) como matéria-prima de fabricação, podemos citar seringas, bisturis, produtos de linha têxtil e equipamentos hospitalares que usam óxido de zinco e prata (nanoprata) em sua produção. Além de vários benefícios, já foi demonstrado que o crescimento de contaminantes não ocorre, sendo por isso usadas em processos de descontaminação de ambientes hospitalares, de materiais médicos e cirúrgicos. Como as nanopartículas insolúveis podem se locomover sem problemas entre as células e se acumular no cérebro ou no interior de outros órgãos, como os pulmões e o fígado, não importando a forma farmacêutica (caso sejam inaladas como aerossóis ou ingeridas como cápsulas), a área da nanotoxicologia estuda os riscos dos efeitos nocivos ao meio ambiente e à saúde, tentando resolver esse impasse da decorrência da exposição aguda ou crônica de forma segura. Nanopartículas internalizadas nas células Mitocôndria Núcleo Citoplasma Membrana Vesículas lipídicas Ingestão de nanopartículas Sistema gastrointestinal (doença de Crohn, câncer de cólon) Implante ortopédico e desgaste por partículas Pele Sistema linfático Outros orgãos Coração Sistema circulatório Pulmão Nanopartículas inaladas Cérebro (doença autoimune, dermatite, urticária, vasculite) (doença autoimune, dermatite) (podoconiose, sarcoma de Kaposi) (doença de etiologia desconhecida em rins, fígado) (arritmia, doença cardíaca, morte) (aterosclerose, vasoconstrição, trombos, hipertensão) (asma, bronquite, enfisema, câncer) (doenças neurológicas: Parkinson, Alzheimer) Figura 24 – Possíveis locais de penetração das nanopartículas, órgãos afetados e possíveis doenças associadas Fonte: Buzea, Blandino e Robbie (2007, p. 223). 85 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA No primeiro workshop internacional em nanomedicina organizado pela EMA, em 2010, o FDA discutiu a garantia e a qualidade desses nanoprodutos, no que diz respeito à sua potência e segurança, enquanto a EMA discutiu riscos ligados à estabilidade desses produtos. No Brasil, em 2014, foi instituído o Comitê Interno de Nanotecnologia (CIN), ligado à anvisa, que coordena análises e avaliação de risco, normas, segurança do produto e processos sobre a área da nanotecnologia, bem como realiza políticas regulatórias nesse sentido. Com enfoque nas indústrias automotiva e aeronáutica, as nanopartículas são materiais mais leves que podem ser usados na fabricação de pneus mais leves, recicláveis e de longa duração, tintas que não riscam e são autolimpantes, plásticos não inflamáveis e mais baratos, e novos tipos de baterias de longa duração e fáceis de recarregar. Biossensores chamados “línguas e narizes eletrônicos”, usados em controle de qualidade de alimentos e cosmética, são empregados na área da nanocosmecêutica ou nanotecnologia cosmética e dérmica, cuja tecnologia supera os cosméticos convencionais, principalmente na manufatura de protetores solares, cremes antirrugas, xampus e condicionadores, bem como de desodorantes com nanocomponentes que têm maior penetração e espalhamento em pele ou cabelos. 6.1 Aplicação da nanotecnologia no desenvolvimento de vacinas Milhares de anos atrás, percebeu-se que indivíduos que sobreviviam da infecção pela varíola eram imunes a infecções subsequentes. A partir dessas observações, na China, no século X, originou-se a prática de inocular indivíduos com material infeccioso das pústulas de varíola de pessoas infectadas, técnica que ficou conhecida como variolação. Esse material infeccioso era injetado na pele ou introduzido pela rota nasal. A infecção que se desenvolvia era geralmente mais branda, mesmo assim, a prática não era livre de riscos. Algumas vezes, infecções fatais ocorriam, e como a varíola era contagiosa, as infecções induzidas pela variolação poderiam levar a epidemias. Mesmo assim, a prática da variolação para prevenção da varíola se disseminou para outras regiões, como Índia, África e Europa. Como visto anteriormente, apesar de a variolação ter sido praticada por séculos, o médico inglês Edward Jenner (1749-1823) é geralmente creditado pelo desenvolvimento do processo moderno de vacinação. Jenner observou que o gado leiteiro desenvolvia uma doença semelhante à varíola, mas muita mais branda. E, ainda, as camponesas que faziam a ordenha desse gado não desenvolviam a forma severa da varíola. A partir disso, Jenner hipotetizou que a exposição a um patógeno menos virulento poderia proporcionar proteção imune contra uma forma mais virulenta, sendo, portanto, uma alternativa mais segura do que a variolação. Isso levou Jenner a testar sua hipótese pela obtenção de amostras de uma lesão ativa de uma camponesa, que foi infectada pela varíola bovina, e injetar esse material em um menino de 8 anos (nessa época, ainda não se discutiam aspectos éticos de pesquisa). O menino desenvolveu uma infecção branda, com febre baixa, um desconforto na axila e perda de apetite. Quando o menino foi infectado posteriormente com material infeccioso da varíola humana, não desenvolveu a doença. Essa nova estratégia foi denominada vacinação, um nome derivado do uso da varíola bovina (da palavra vacca, em latim). 86 Unidade II O sucesso da vacinação de Jenner contra a varíola levou outros cientistas a desenvolverem vacinas para outras doenças. Talvez o mais notável tenha sido Louis Pasteur, que desenvolveu vacinas contra raiva, cólera e antraz. Nos séculos seguintes, diversas outras vacinas foram desenvolvidas contra doenças causadas por vírus (caxumba, hepatite, sarampo, poliomielite e febre amarela) e bactérias (difteria, pneumonia pneumocócica e tétano). Além disso, é importante enfatizar que muitas vacinas podem prevenir certos cânceres. Por exemplo, as vacinas contra o papilomavírus humano (HPV) protegem contra carcinoma cervical e a vacina contra hepatite B tem um enorme impacto na redução do câncer de fígado induzido por esse patógeno. A primeira vacina contra o HPV se tornou disponível em 2006, e atualmente diversos países a incluem em sua rotina de vacinações, pelo menos para as meninas. O HPV é praticamente o único agente etiológico do carcinoma cervical. Obviamente, ao se reduzir o número de infecções por HPV através da vacinação, também haverá impacto sobre o número de mulheres que desenvolvem esse câncer. Diferentemente de remédios, vacinas são usadas com a proposta de prevenir doenças. As vacinas são ótimas ferramentas porque não previnem apenas infecções nas pessoas vacinadas, mas as complicações que poderiam ser resultantes da doença. Além disso, se uma pessoa não contrai uma doença, não transmitirá a outros indivíduos. Dessa forma, as vacinas são capazes de eliminar a transmissão da doença em uma população que desenvolveu imunidade de rebanho. Para algumas doenças, como a varíola, a imunidade de rebanho é atingida quando pelo menos 90% a 95% da população é vacinada e a transmissão da doença é parada em toda a população. Essa porcentagem pode variar dependendo da patogenicidade e da infectividade de determinado agente etiológico. Saiba mais Com o propósito de conhecer com mais detalhes a imunidade de rebanho, acesse: INSTITUTO BUTANTAN. Imunidade de rebanho. São Paulo, [s.d.]. Disponível em: https://cutt.ly/1ULXy9k. Acesso em: 9 dez. 2021. 6.1.1 O que é vacina? Vacina é uma formulação farmacêutica administrada para prevenir doenças causadas por patógenos infecciosos. Vacinas que tratam doenças também existem, e falaremosum pouco sobre elas posteriormente. O objetivo da administração de uma vacina é mimetizar uma infecção, gerando resposta do sistema imune adaptativo e formação de memória, sem, entretanto, causar doença. Dessa forma, se o agente 87 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA patogênico infectar um indivíduo que foi previamente vacinado, haverá uma resposta rápida e potente de seu sistema imunológico, eliminando o patógeno antes que ele cause a doença. Para mimetizar artificialmente a resposta imunológica induzida por uma infecção natural, as vacinas precisam ativar tanto a imunidade inata quanto a imunidade adaptativa. As respostas inatas iniciarão o processo, bem como influenciarão a natureza da resposta imune adaptativa induzida. A indução de memória imunológica específica ao patógeno-alvo é essencial para a eficácia da vacina. Estudos recentes indicam que as respostas imunes inatas induzidas pela vacinação ou pela infecção primária possuem características semelhantes à memória, que pode exercer imunidade protetiva contra infecções subsequentes. Isso ocorre via imunidade treinada, mecanismo que diferente da imunidade de memória e da imunidade adaptativa. Uma vacina eficaz é aquela que induz uma resposta imune sem causar doença. Dessa forma, as vacinas agem induzindo efetores imunes. Os melhores efetores imunes conhecidos são os anticorpos produzidos pelos linfócitos B. E por que os anticorpos são tão importantes? A maioria dos vírus e bactérias percorre a corrente sanguínea antes de atingir seus tecidos-alvo. Na circulação sanguínea, eles se replicam, causando viremia ou bacteremia. Nesse estágio, patógenos extracelulares podem ser neutralizados pelos anticorpos circulantes. Outros patógenos se replicam na mucosa e podem ser neutralizados pela presença de anticorpos locais. Esses anticorpos de mucosas podem ser IgA, localmente produzido, ou IgG, que se difundiu a partir do soro. A resposta imunológica contra o vírus influenza é um exemplo desse mecanismo de proteção. Em geral, anticorpos se ligam diretamente ao patógeno. No caso dos vírus, a replicação é prevenida pelo bloqueio de sua entrada nas células-alvo. Anticorpos podem interferir principalmente com a ligação do vírion (a forma infecciosa do vírus) ao receptor, na célula. No caso da bactéria, a ligação do anticorpo pode bloquear diretamente a colonização. Patógenos que exercem seus efeitos através da produção de toxinas podem ser neutralizados por anticorpos antitoxina. Vários outros mecanismos aumentam o potencial dos fagócitos para ingestão e destruição de bactérias. Bactérias extracelulares podem sofrer opsonização ou aglutinação, o que facilita sua eliminação. A ligação de anticorpos aos patógenos também pode ativar o sistema complemento, o que levará à eliminação dos patógenos pelos fagócitos. Os anticorpos também podem se ligar a células infectadas. As células infectadas geralmente expressam proteínas em sua superfície. Os anticorpos circulantes podem se ligar a essas proteínas. As células NK reconhecem e matam essas células recobertas por anticorpos. Um resumo sobre o papel dos anticorpos pode ser encontrado na figura a seguir. 88 Unidade II Neutralização Opsonização Vírus Célula infectada por vírus Complexos antígeno e anticorpo ativam a via clássica do sistema complemento Fagócitos reconhecem anticorpos na superfície de bactériasAnticorpos se ligam e inativam vírus e toxinas Anticorpo Bactéria Bactéria Vírus inativado Recrutamento de proteínas do complemento por anticorpos Fagócito Proteínas do complemento Figura 25 – Resumo do papel dos anticorpos na resposta imune. Os anticorpos atuam na neutralização de patógenos e em sua opsonização. A opsonização favorece a fagocitose dos patógenos pelos fagócitos e é capaz de ativar a via clássica do sistema complemento 6.1.2 Tipos de imunização A imunização pode ser derivada de meios ativos ou passivos, que, por sua vez, podem ser de fontes naturais ou artificiais. Fontes naturais são, por exemplo, exposição ao ambiente, humanos e animais. Por outro lado, fontes artificiais são decorrentes de intervenções médicas. A imunização passiva ocorre quando há transferência de anticorpos pré-formados para um indivíduo não imunizado. Esse indivíduo desenvolveria, então, uma imunidade temporária a um organismo específico ou toxina em decorrência da presença desses anticorpos pré-formados. Uma vez que esses anticorpos tenham sido destruídos, o indivíduo não terá mais imunidade específica contra esse microrganismo ou toxina. A imunização passiva pode ocorrer tanto natural quanto artificialmente. Exemplos de imunização passiva natural incluem a passagem de anticorpos maternos através da placenta para o feto ou de anticorpos para o bebê através do leite materno. Exemplos de imunização passiva artificial incluem a administração de soro antiofídico para neutralizar a toxina do veneno da cobra. A imunização passiva, portanto, não gera memória imunológica. Falaremos adiante sobre o processo de produção de soros. A imunização ativa também pode ocorrer tanto natural quanto artificialmente. Um exemplo excelente de imunização ativa natural é a exposição ao vírus influenza, após a qual o corpo inicia um processo de desenvolvimento de uma imunidade de longo prazo ao vírus. Exemplos de imunização ativa artificial incluem as vacinas. 89 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA 6.1.3 Tipos de vacina Atualmente, existe uma variedade de tipos de vacina em uso ou em desenvolvimento para prevenção de doenças infecciosas. Sob condições ideais, as vacinas devem estimular o sistema imune inato e os dois braços do sistema imune adaptativo. Entretanto, cada tipo de vacina possui vantagens e desvantagens que podem afetar a estimulação do sistema imune e, dessa forma, limitar sua utilização. Primeiramente, vacinas de patógenos vivos atenuados, como as do sarampo, da caxumba e da catapora, contêm versões enfraquecidas dos agentes patogênicos originais. Portanto, elas produzem uma resposta celular forte e tipicamente geram imunidade de longo prazo com uma ou duas doses da vacina. Em geral, é menos difícil criar vacinas vivas atenuadas a partir de vírus do que de bactérias, pois vírus possuem menos genes e, portanto, é mais fácil controlar as características virais. Tipos mais recentes de vacinas vivas atenuadas são aquelas nas quais as proteínas da membrana externa foram alteradas para se ajustarem às cepas circulantes do patógeno. Elas são chamadas vacinas vivas remontadas. Entre os exemplos, temos as vacinas orais, atualmente usadas contra o rotavírus. Entretanto, uma vez que essas vacinas contêm microrganismos vivos, a refrigeração é necessária para evitar reversão de virulência, que é uma possibilidade. Dessa forma, vacinas vivas não podem ser administradas a indivíduos que possuem o sistema imune enfraquecido. As vacinas inativadas, como as que combatem o vírus influenza, são produzidas pela destruição do agente patogênico com químicos, calor ou radiação. Essa inativação dos microrganismos faz com que a vacina seja mais estável. Tais vacinas não requerem refrigeração e podem ser liofilizadas para transporte. Entretanto, elas produzem respostas imunes mais fracas e, portanto, a administração de doses de reforço é necessária para manter a imunidade. 90 Unidade II Recepção e controle dos ovos embrionados Inoculação e incubação Colheita do líquido alantoico Clarificação e concentração do vírus Purificação Fragmentação e inativação viral Filtração esterilizante Suspensão monovalente Formulação e envase Vacina influenza trivalente Figura 26 – Esquematização do processo de produção de vacinas de vírus inativados (por exemplo, a vacina contra influenza). Os vírus vivos são inoculados em ovos embrionados de galinha. Os ovos são colocados em incubadora até que a carga viral atinja o desejado. O líquido alantoico é coletado e purificado. Após a purificação, os vírus são inativados com formaldeído e sofrem fragmentação.São obtidas suspensões para uma única variante do vírus, e essas suspensões monovalentes são, então, misturadas para a obtenção da vacina influenza trivalente Conforme sabemos, as vacinas de vírus vivos e inativados podem ser produzidas por dois processos principais: cultura de células e inoculação em ovos embrionados. Saiba mais A vacina contra a gripe é feita de vírus inativados, mas ainda há quem diga que ela causa a doença. Como uma vacina feita de vírus inativados poderia fazer isso? Na verdade, ela não o faz! O que acontece é que, dependendo da época em que a pessoa se vacina, ela pode já ter sido infectada pelo vírus da gripe antes de se vacinar, e a vacina acaba por não ter tempo hábil de fazer efeito. Veja mais informações em: XAVIER, J. Entenda a vacina da gripe. IFF/Fiocruz, [s.d.]. Disponível em: https://cutt.ly/kULRALW. Acesso em: 9 dez. 2021. 91 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA As vacinas de subunidades, exemplificadas pela vacina de hepatite B, incluem apenas epítopos (partes específicas de antígenos) que estimulam o sistema imune. Uma vez que elas usam poucos antígenos específicos, isso reduz a possibilidade de reações adversas. Por outro lado, tal especificidade aumenta a dificuldade em se determinar quais antígenos deveriam ser incluídos na vacina. As vacinas conjugadas, como a vacina contra Haemophilus influenzae tipo B, são um tipo especial de vacinas de subunidades. O polissacarídeo da parede celular da bactéria encapsulada é acoplado a uma proteína carreadora, que é mais facilmente reconhecida pelo sistema imune quando comparada ao polissacarídeo sozinho. Todas as vacinas que têm por objetivo induzir proteção contra bactérias encapsuladas, como pneumococos, meningococos e Haemophilus influenzae tipo B, foram desenvolvidas como vacinas conjugadas. As vacinas de toxoides, exemplificadas pelas vacinas contra a difteria e o tétano, são produzidas pela inativação das toxinas bacterianas com formalina. Esses toxoides estimulam uma resposta imune contra as toxinas bacterianas. Saiba mais O tétano é uma doença que pode ser fatal, mas é prevenível. Conheça melhor sobre as vacinas contra a doença em: FERNANDES, G. C.; AFFONSO, K. C.; CASTIÑEIRAS, T. M. P. P. Vacinas contra o tétano. Centro de Informação em Saúde para Viajantes (Cives), 2006. Disponível em: https://cutt.ly/qULR4d9. Acesso em: 9 dez. 2021. Já as vacinas de DNA nu (em inglês, naked DNA) ainda estão em fases experimentais de desenvolvimento. Elas usam DNA de microrganismos específicos para estimular a imunidade. Esse DNA seria administrado por injeção e as células o captariam, utilizando-o para a síntese de proteínas (antígeno). O antígeno produzido seria, então, exposto na superfície dessas células, estimulando o sistema imune. Essas vacinas produziriam uma resposta potente de anticorpos ao antígeno livre e uma resposta celular potente ao antígeno apresentado na superfície das células. Além disso, elas são consideradas relativamente fáceis e baratas de criar e produzir. As vacinas de vetores recombinantes são experimentais e usam vírus atenuados para introduzir DNA microbiano nas células do organismo. Essas vacinas virais mimetizariam uma infecção natural, estimulando o sistema imune. Bactérias atenuadas também poderiam atuar como vetores de DNA. Os antígenos do microrganismo patogênico poderiam, então, ser exibidos na superfície de um microrganismo não patogênico, mimetizando o patógeno e estimulando o sistema imune. Vacinas recombinantes que utilizam vírus ou bactérias para HIV, raiva e sarampo estão em estágios experimentais. 92 Unidade II Além disso, existem estudos que avaliam a possibilidade de melhorar adjuvantes de vacinas, atuando sobre o sistema imune inato. Esses adjuvantes se enquadram em duas classes, sistemas de entrega (como micropartículas catiônicas) ou potenciadores imunes (como citocinas). Os sistemas de entrega seriam possivelmente usados para concentrar e apresentar antígenos em padrões repetidos para ajudar na localização dos antígenos, enquanto os potenciadores imunes poderiam ser usados para ativar o sistema imune inato diretamente. 6.1.4 Desenvolvimento de vacinas Durante o desenvolvimento das vacinas, a escolha do antígeno correto é a etapa mais crucial. A interação entre o antígeno da vacina e as células do sistema imune é o componente mais importante da resposta imune. Geralmente, esses antígenos são encontrados na superfície do patógeno, como é o caso da glicoproteína hemaglutinina do vírus influenza. Esse antígeno de superfície do vírus da gripe interage com as células imunes humanas, sendo a invasão da célula hospedeira mediada por ele. Após a vacinação, os anticorpos recobrem o antígeno hemaglutinina do vírus, resultando em sua eliminação antes que ele invada as células e cause a doença. Um exemplo interessante para entendermos a importância da escolha do antígeno apropriado é o vírus da caxumba. Ele possui sete proteínas, das quais três estão em sua superfície externa: hemaglutinina, proteína de fusão e proteína hidrofóbica pequena. Atualmente, a proteína hidrofóbica pequena é usada para caracterizar as diferentes linhagens de vírus da caxumba quando há uma epidemia e é importante em estudos epidemiológicos para rastrear a origem. Entretanto, o corpo humano não produz anticorpos contra a proteína hidrofóbica pequena, mesmo esta estando na superfície externa do vírus. Dessa forma, se novas vacinas contra caxumba fossem desenvolvidas, não haveria por que incluí-las entre os antígenos. A proteína de fusão e a hemaglutinina são importantes para a entrada no hospedeiro e de vital importância para produzir uma vacina que seja capaz de neutralizar o vírus da caxumba. Atualmente, uma análise ainda mais detalhada da estrutura do antígeno tem se tornado cada vez mais importante. Isso se deve ao fato de um único antígeno conter diferentes epítopos. Estes possuem propriedades e funções distintas na reação imunológica. Dessa forma, os antígenos são investigados por análise molecular para a identificação dos epítopos que terão função no desenvolvimento de proteção contra a doença. Uma vez que a informação sobre o antígeno correto foi estabelecida, o desenvolvimento da nova vacina pode continuar. Durante o desenvolvimento de uma vacina, a rota de entrega também precisa ser estabelecida. Por quê? A rota de administração tem impacto direto sobre a resposta imune, além de influenciar a aceitabilidade da vacina ou o fato de poder ser usada em grandes populações. É claro que todos gostariam de receber as vacinas de forma oral ou intranasal. Entretanto, mesmo que as vacinas orais de patógenos vivos atenuados funcionem bem para doenças infecciosas do trato gastrointestinal (TGI), como a poliomielite, a febre tifoide e o rotavírus, essa via não pode ser 93 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA generalizada para todas as vacinas. A rota mais comum de imunização para vacinas, atualmente, é a intramuscular. Em bebês, as vacinas são dadas na parte anterior da coxa. A partir de um ano de idade, elas são administradas no músculo deltoide, mas podem ser aplicadas na parte anterolateral da coxa em adultos. As vacinas vivas são, geralmente, administradas de forma subcutânea no braço, porém podem ser aplicadas de modo intramuscular. A injeção intradérmica não é muito utilizada, principalmente pela dificuldade de aplicá-la exatamente abaixo da epiderme. Outra desvantagem é que esse tipo de injeção promove mais reações locais, como dor, vermelhidão e inchaço, o que impacta sua aceitabilidade. Além disso, as vacinas que usam adjuvantes não podem ser assim administradas. As novas vacinas de DNA em desenvolvimento são geralmente administradas de forma intramuscular, mas também requerem eletroporação para promover a entrada do DNA nas células. Mas como saber se as vacinas realmente funcionam? Essa robustez é avaliada por ensaios clínicos que comparam grupos vacinados e não vacinados, e a porcentagem da redução da incidência da doençaé calculada no grupo vacinado. Durante a concepção da vacina, as etapas iniciais para pesquisa pré-clínica são definidas. Isso envolve muito trabalho de laboratório e estudos em modelos animais para avaliar a imunogenicidade, bem como avaliação de aspectos relacionados à segurança antes que sejam realizados estudos com seres humanos. Os estudos em humanos são divididos em quatro fases: • Fase I: tem por objetivo avaliar a segurança e, normalmente, envolve apenas poucos voluntários saudáveis (entre 10 e 15). Caso os resultados obtidos na fase I mostrem que a vacina é segura, parte-se para a fase II. • Fase II: nela são avaliadas segurança e eficácia, e um número maior de participantes é necessário. Se os resultados continuam a mostrar que a vacina é segura e, além disso, eficaz, dá-se início à fase III, da qual um número ainda maior de pacientes participa. • Fase III: uma vez que os resultados nesta fase mostrem que a intervenção tem eficácia e é segura naquela amostra, o produto é registrado e a vacina passa a ser distribuída à população, dando início à fase IV. • Fase IV: nesta etapa, é possível avaliar se a vacina, de fato, funciona na população. Recentemente, vacinas contra três doenças infecciosas se tornaram disponíveis. Elas foram desenvolvidas contra infecções capsulares meningocócicas do grupo B, dengue e malária. O meningococo é uma bactéria encapsulada com cinco diferentes tipos capsulares que causam doença em humanos, denominadas A, B, C, W35 e Y. A doença meningocócica é um problema global, de epidemiologia altamente variável e influenciada pela transformação natural e política de imunização. Dessa forma, a doença meningocócica é temida devido à sua rápida progressão entre a ocorrência dos primeiros sintomas e a doença severa, que pode ocorrer em menos de 24 horas. A taxa de mortalidade gira em 94 Unidade II torno de 10% a 15%. Da mesma forma que outras doenças, o desenvolvimento da vacina é complicado se a patogênese da doença não foi completamente compreendida. As duas vacinas meningocócicas tipo B foram desenvolvidas por vacinologia reversa. Em 2000, o primeiro sequenciamento completo do genoma do meningococo foi descrito e usado para identificação de uma grande quantidade de antígenos candidatos para uso em vacinas. Com base nessa biblioteca e por meio da tecnologia de proteína recombinante, foram desenvolvidas as vacinas quadrivalente e bivalente pelas empresas Bexsero e Trumenba, respectivamente. Ambas as vacinas podem ser usadas em adolescentes, enquanto a quadrivalente também pode ser usada para proteger crianças. A dengue é uma doença causada por quatro diferentes tipos de vírus que ocorrem principalmente em regiões tropicais e subtropicais. O vírus é transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Anualmente, por volta de 1 a 2 milhões de pessoas são hospitalizadas com sintomas severos, e 0,1% a 5% morrem. O desenvolvimento de uma vacina contra a dengue tem se mostrado difícil, tanto pelo conhecimento incompleto sobre a patogênese da doença quanto pelo fato de a vacina precisar ser desenvolvida contra os quatro tipos de vírus que cocirculam na mesma área. Ainda, a possível interferência entre as linhagens quando combinadas em uma mesma vacina complica seu desenvolvimento. Atualmente, existe uma vacina disponível, a Dengvaxia, que é uma vacina viva quimérica tetravalente. Esta foi desenvolvida por meio da tecnologia do DNA recombinante, realizando-se a substituição dos genes estruturais do envelope e da pré-membrana do vírus da febre amarela atenuado com aqueles das quatro linhagens da dengue. Após a introdução da vacina, mostrou-se que em vários países onde as pessoas sem anticorpos circulantes contra a dengue foram vacinadas tiveram uma forma mais severa da doença em comparação aos indivíduos que já tinham anticorpos circulantes. A partir disso, foi necessário mudar a recomendação para vacinar apenas pessoas que já tinham sido expostas a pelo menos uma linhagem do vírus da dengue confirmado por um teste diagnóstico ou por histórico médico. Mesmo assim, isso ajudará no desenvolvimento de outras vacinas contra dengue. Por sua vez, a malária é uma doença também transmitida por picadas de mosquito, o Anopheles. A malária humana é causada por cinco espécies de protozoário plasmodium: P. falciparum, P. vivax, P. ovale, P. malariae e P. knowlesi. O ciclo de vida e a interação entre parasita e hospedeiro para cada espécie determinam a severidade e a patogênese da doença. P. falciparum possui a maior taxa de letalidade, especialmente em crianças, e a capacidade de o P. vivax permanecer dormente nas células do fígado resulta em recaídas clínicas e contribui para a grande distribuição geográfica. A malária é uma doença muito difícil de combater, uma vez que todas as suas espécies possuem um ciclo de vida complexo, no qual o parasita precisa residir tanto em humanos quanto na fêmea do Anopheles, em diferentes fases do ciclo. Recentemente, uma estratégia direcionada a diferentes aspectos como controle ambiental, inseticidas, mosquiteiros e quimioterapia tem permitido a alguns países a redução da incidência da malária. Dessa forma, vacinas seguras e efetivas contra a doença ainda são necessárias. Atualmente, uma vacina, chamada Mosquirix, está disponível contra a malária causada pelo P. falciparum. Ela é baseada na proteína circunsporozoíta do protozoário, a principal proteína da superfície da forma 95 BIOTECNOLOGIA FARMACÊUTICA esporozoíta. A Mosquirix consiste em uma vacina quimérica de partículas semelhantes a vírus, construída fundida à superfície do vírus da hepatite B. A vacina entrará em um grande estudo de fase IV em Gana, Quênia e Malaui. Há ainda muito trabalho a ser feito com relação ao desenvolvimento de vacinas, principalmente quando consideramos os surtos de doenças infecciosas com possível alto impacto sobre a morbidade e a mortalidade. Como exemplos, podemos citar a ocorrência de novos patógenos, como SARS e MERS, ambos causados pelo coronavírus. Saiba mais Um grupo de pesquisa da Unifesp desenvolveu um estudo que utiliza vacinas de células dendríticas como estratégia terapêutica para HIV e teve resultados muito animadores. É possível conhecer melhor a respeito em: COCOLO, A. C. Muito próximo da cura. Entreteses, n. 10, p. 51-53, jul. 2018. Disponível em: https://cutt.ly/PULDHDs. Acesso em: 9 dez. 2021. 6.1.5 Aplicação da nanotecnologia no desenvolvimento de novas vacinas Virus like particles (VLPs – partículas semelhantes a vírus) são nanopartículas que mimetizam um vírus cujo capsídeo proteico guarda em seu interior material genético de algum vírus patogênico, podendo ser usado como vacina com epítopos reconhecidos pelo sistema imune. A primeira vacina construída dessa forma foi contra a hepatite B, em 1986, que apresenta HBsAg – antígeno de superfície que estimula a produção de anticorpos pelas células CD4+ e de células TCD8+; a segunda vacina foi contra o HPV. Nanopartículas de peptídeos automontadas (SAPNs; em inglês, self-assembling protein nanoparticles) são diferentes das VLPs por serem construídas em meio aquoso e formadas por duas bobinas helicoidais unidas por um peptídeo, e já estão sendo testadas para vacinas contra malária e ebola. O polietilenoglicol (PEG) é um polímero derivado do petróleo obtido a partir do etilenoglicol, muito usado na nanotecnologia, pois a reação de PEGuilação das nanopartículas impede que sejam adsorvidas por opsoninas. Essa característica permite que não sejam detectadas pelo sistema imunológico no início do tratamento, aumentando o índice terapêutico de nanobiofármacos, mas, em compensação, algumas pessoas podem produzir o anticorpo anti-PEG, e aumentar a quantidade de IgG e IgM, levando a reações de hipersensibilidade, como anafilaxia. 96 Unidade II Saiba mais Até o momento, as vacinas contra covid-19 produzidas pelas indústrias farmacêuticas Pfizer e Moderna utilizam o processo de nanopartículas lipídicas (LNP)
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