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130 Unidade III Unidade III Diante de tudo que já foi discutido até o momento, você já pôde perceber que a qualidade dos produtos farmacêuticos e correlatos, bem como os cosméticos, é requisito fundamental para assegurar a eficácia, potência e segurança dos indivíduos que fazem uso desses produtos. Destacamos nesta unidade o aspecto microbiológico relacionado aos produtos farmacêuticos, o qual se constitui em uma preocupação constante das indústrias do segmento, já que precisam atender às exigências regulatórias quanto ao controle da contaminação de produtos sujeitos à vigilância sanitária, que incluem os medicamentos sintéticos, biológicos, fitoterápicos, correlatos e os insumos. Também veremos nesta unidade os principais aspectos sobre a validação analítica, que serão responsáveis pela confiabilidade das análises do controle, garantindo, assim, eficácia, segurança e qualidade de medicamentos e correlatos. 7 CONTROLE DE QUALIDADE MICROBIOLÓGICO Entende-se por contaminação microbiana a adição intencional ou a presença acidental de microrganismos, principalmente bactérias e fungos, bem como a existência de seus subprodutos, tal como as toxinas, em produtos manipulados. A contaminação microbiana de um produto farmacêutico ou correlato pode comprometer sua eficácia terapêutica, a estabilidade e modificar suas propriedades físicas e químicas, além de ser um fator de risco para o desenvolvimento de infecções e toxinfecções (ingestão de produtos contaminados por microrganismos patogênicos capazes de produzir substâncias tóxicas ao organismo) pelo consumidor, o que justifica o controle rigoroso da qualidade microbiológica desses produtos. É preciso esclarecer que as exigências de qualidade microbiológica dos produtos farmacêuticos e correlatos são diferentes a depender da sua via de administração. Produtos parenterais e oftálmicos precisam comprovar ausência absoluta de microrganismos viáveis, devendo, portanto, ser estéreis. Por outro lado, produtos administrados por via oral ou de uso tópico admitem a presença de quantidade definida de microrganismos viáveis, podendo ser restrita ou não a presença de determinada cepa microbiana, sendo, portanto, definidos como produtos não estéreis. Para controlar a qualidade microbiológica dos produtos farmacêuticos e correlatos, observa-se a necessidade de uma unidade dentro das indústrias do ramo que execute análises, mediante pessoal habilitado, capazes de assegurar a segurança e eficácia dos produtos. O setor de controle de qualidade microbiológico, dentro de determinada empresa, não reporta ao departamento de produção e executa atividades específicas visando comprovar a qualidade dos materiais utilizados para a elaboração de um produto farmacêutico e/ou a qualidade do produto final. 131 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Elencamos a seguir algumas atividades pertinentes a esse setor. • Realizar amostragem dos insumos e produtos acabados, seguindo instruções específicas a fim de não alterar suas características originais pela ocasião de contaminações cruzadas ou por microrganismos. • Executar análises microbiológicas, seguindo orientações contidas em compêndios oficiais. • Aprovar ou rejeitar matérias-primas, produtos semielaborados e terminados, seguindo normas internas de controle de qualidade, desde que em acordo com a legislação pertinente. • Realizar estudos de validação dos métodos analíticos. Considerando a divisão dos produtos farmacêuticos em estéreis e não estéreis, discutiremos nos tópicos a seguir as particularidades de cada um desses produtos. 7.1 Controle microbiológico de produtos estéreis Antes de detalhar os aspectos relacionados aos produtos estéreis, precisamos entender como os produtos farmacêuticos e correlatos podem ser contaminados e quais são os riscos associados ao consumo desses produtos. Para atingir a excelência de qualidade microbiológica, é imprescindível conhecer as possíveis fontes e os mecanismos responsáveis pelas contaminações. Descreveremos a seguir as principais fontes de contaminação microbiana que ameaçam a qualidade microbiológica dos produtos farmacêuticos e correlatos. 7.1.1 Principais fontes de contaminação microbiana As fontes diretas são aquelas que entram diretamente em contato com o produto terminado ou quando o produto é originado a partir de potenciais fontes de contaminação. Vejamos alguns exemplos a seguir. Matérias-primas Os contaminantes microbianos presentes nas matérias-primas são transferidos ao produto no momento de sua elaboração, e, durante etapas posteriores de produção, esses produtos podem ainda ser acrescidos de possível carga microbiana proveniente de equipamentos, do ambiente produtivo, dos operadores e dos materiais de embalagem. Portanto, a qualidade da matéria-prima é requisito básico para a produção de produtos farmacêuticos. A origem da matéria-prima também influencia na sua carga microbiana total, também denominada como bioburden. Matérias-primas sintéticas (por exemplo, ácido acetilsalicílico) oferecem baixo risco de contaminação microbiana, visto que esse princípio ativo é produzido sob condições controladas, as quais são limitantes ao crescimento microbiano. Por outro lado, matérias-primas de origem natural podem conter elevada carga microbiana, já que uma água de qualidade duvidosa utilizada para irrigação do solo, condições inadequadas de 132 Unidade III coleta, manipulação excessiva, além das etapas de secagem e estocagem, são fatores que favorecem a contaminação e a proliferação dos microrganismos. Assim, medicamentos fitoterápicos podem estar altamente contaminados caso não sejam adequadamente preparados e/ou armazenados. No caso de correlatos médicos, a grande maioria é sintetizada a partir de matéria-prima de natureza polimérica, ou seja, uma espécie de plástico pouco propenso ao crescimento microbiano, sendo que o próprio processo de moldagem sob altas temperaturas exerce efeito impeditivo da presença de microrganismos. Água Em determinadas formulações farmacêuticas, a água pode ser o insumo mais predominante, sendo uma importante fonte direta de contaminação. Mesmo não fazendo parte da composição final do produto, a água é utilizada em diversas etapas produtivas, tal como na lavagem de equipamentos e materiais de embalagem ou, ainda, como sistema de resfriamento no processo de obtenção de frascos de material polimérico. No entanto, para esses últimos casos, a água seria uma fonte indireta de contaminação. Outro problema associado é que, em espaços mortos, como juntas de tubulação e válvulas, a água, associada a resíduos de produtos, pode se acumular, contribuindo para a formação de biofilmes. Os biofilmes são caracterizados por um crescimento exacerbado de espécies bacterianas aquáticas, também chamadas de bactérias planctônicas, sob superfícies que acumulem água e nutrientes, sendo um tipo de contaminação persistente e de difícil eliminação. Inicia-se com a adesão de uma célula planctônica em uma superfície, a qual se multiplica e produz exopolissacarídeo (EPS) como produto de seu metabolismo. Essa substância é fundamental para a estrutura e integridade funcional dos biofilmes, conferindo-lhes aspecto viscoso, altamente hidratado, aderente e coeso. Dentro desse aglomerado de células, juntamente com o EPS, vivem diferentes espécies microbianas, que se nutrem de microrganismos mortos que estavam dentro do próprio biofilme, havendo uma reciclagem de nutrientes. Após maduros, os biofilmes tendem a desprender células planctônicas, as quais podem encontrar outra superfície favorável e desenvolver um novo biofilme, conforme demonstrado na figura a seguir. Células planctônicas Adesão irreversível e produção de EPS Crescimento Maturação Dispersão Adesão Figura 48 – Processo de formação de biofilmes Fonte: Noronha (2017, p. 20). 133 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Uma vez que o biofilme esteja bem desenvolvido, substâncias químicas, como desinfetantese sanitizantes, têm grande dificuldade em penetrar nas camadas mais profundas dos biofilmes, não sendo capazes de destruí-los completamente. Outros inconvenientes associados podem ser citados – por exemplo, quando se instala em sistemas de filtração, o aglomerado de células formado pelo biofilme pode reduzir a taxa de filtração pela metade; ou, quando presente em sistemas de distribuição de água ou de ar-condicionado, pode servir como reservatório de bactérias patogênicas e compostos alergênicos, como o lipopolissacarídeo (LPS). Assim, além de resultar em relativo impacto econômico devido aos gastos direcionados ao controle de sua formação e eliminação, os biofilmes também representam um risco à saúde da população, já que o desprendimento de pedaços de biofilme contaminados com patógenos pode resultar em infecções dos usuários dos produtos farmacêuticos que foram formulados em linhas de produção ameaçadas por esses biofilmes. Considerando os riscos anteriormente mencionados e o amplo envolvimento da água nos processos de fabricação dos produtos farmacêuticos, os sistemas de armazenamento e distribuição de água devem ser periodicamente inspecionados e controlados em relação à contaminação microbiana. Materiais de acondicionamento Outra fonte direta de grande importância é a embalagem primária do produto farmacêutico, sobretudo no caso dos produtos estéreis, os quais não são esterilizados após envase, havendo a obrigatoriedade de serem envasados em frascos estéreis. Já para produtos não estéreis, os compêndios oficiais não impõem a obrigatoriedade de que sejam envasados em frascos estéreis; no entanto, embora possam envolver altas temperaturas no momento da moldagem, as embalagens devem ser limpas e secas, e precauções devem ser tomadas para não ocorrer contaminações durante a estocagem e o transporte. Com relação às fontes indiretas, são aquelas que não entram em contato direto com o produto final, mas que por atividades inerentes do processo podem ser um importante risco de contaminação microbiana. Vejamos alguns exemplos a seguir. Equipamentos Os equipamentos utilizados durante as etapas de fabricação, como tanques de armazenamento, misturadores, linhas de transferência, entre outros, podem conter pontos onde se aglomeram resíduos de substâncias que propiciam o crescimento microbiano, contribuindo de forma indireta para o incremento da carga microbiana final do produto. Portanto, é mandatória a sanitização, a desinfecção ou, a depender do produto a ser fabricado, a esterilização dos equipamentos entre os diferentes lotes. Ambiente A importância do controle de qualidade microbiológico do ambiente está diretamente relacionada ao tipo de produto farmacêutico produzido. Tratando-se de produtos não estéreis, o controle microbiológico ambiental pode ser considerado de menor importância, sobretudo se as superfícies não entram em contato direto com o produto. Por outro lado, evidências apontam que, ao negligenciar a sanitização e desinfecção das superfícies dos ambientes produtivos, tal como tetos e paredes, pode ocorrer a 134 Unidade III transferência de microrganismos, comprometendo a qualidade do produto final. Contaminantes ambientais de paredes secas compreendem principalmente bacilos e cocos gram-positivos e fungos. Para a produção de produtos estéreis, o monitoramento ambiental é aspecto fundamental. Estes não são esterilizados após envase, mas garantem sua esterilidade mediante o tipo de processamento em que são fabricados: manipulação asséptica. Nesse processo, os medicamentos são produzidos em salas limpas, as quais têm um controle muito rigoroso em relação à carga microbiana do ambiente, dos operadores e também do ar. Detalharemos as particularidades desse grupo de produto farmacêutico no decorrer desta unidade. Operadores Podemos dizer que a mão de obra humana é a principal fonte de contaminação microbiana na produção de medicamentos. Durante a movimentação normal nos ambientes de fabricação, os operadores perdem centenas de células mortas por minutos, as quais são provenientes do processo de renovação celular. O grande problema é que essas células podem transportar microrganismos não patogênicos, como micrococos, difteroides e estafilococos, e também podem carrear Staphylococcus aureus, um importante patógeno que pode ser encontrado como residente da microbiota normal de operadores. Outro exemplo diz respeito ao contaminante Escherichia coli. Esse microrganismo não é considerado constituinte da microbiota residente da pele, ficando limitado à microbiota intestinal. No entanto, devido aos hábitos inadequados de higiene dos operadores, esse patógeno pode estar transitoriamente associado à microbiota da pele, representando uma ameaça à qualidade dos produtos farmacêuticos. Por isso, o treinamento do pessoal envolvido é fundamental para minimizar o risco de contaminação acidental dos produtos. Isso inclui a conscientização da importância e capacitação dos operadores para o uso de barreiras físicas, tal como luvas, gorros, máscaras, óculos de proteção, vestimentas e sapatos específicos. 7.1.2 Microrganismos de interesse farmacêutico Os microrganismos de maior preocupação para as indústrias farmacêuticas podem ser classificados em dois grandes grupos: aqueles que causam a deterioração do produto e aqueles que são potencialmente infecciosos. O que determina a capacidade deteriorante de um microrganismo é a sua capacidade de produzir enzimas que degradam moléculas como açúcares, aminoácidos, glicerol, proteínas, lipídeos, amido, ágar e celulose, compostos frequentemente presentes nas formulações farmacêuticas. Por exemplo, a produção de lipase, responsável pela degradação de lipídeos, ocorre mais comumente entre os fungos. É por esse motivo que a deterioração de formulações envolvendo uma fase oleosa, tal como as emulsões, é quase sempre relacionada à contaminação por fungos. A presença de microrganismos deteriorantes nos produtos farmacêuticos pode diminuir a potência do princípio ativo, reduzir a biodisponibilidade e resultar na formação de pigmentos e odores indesejáveis, condições que inviabilizam a utilização do produto pelo consumidor. Além disso, também pode ocorrer 135 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS a produção de toxinas e a degradação do sistema conservante do produto, como clorexidina, cetrimida, compostos fenólicos, ácido benzoico, entre outros. Embora a maioria das contaminações microbianas possa ser percebida pela observação de modificações físico-químicas e sensoriais, isso nem sempre é evidenciado. Em indivíduos saudáveis, o consumo de produtos farmacêuticos contaminados raramente resulta em problemas à saúde, a não ser que o produto esteja contaminado por um patógeno. A grande preocupação reside em indivíduos com sistema imune comprometido e na contaminação de formulações destinadas à aplicação em áreas normalmente estéreis, como mucosas e olhos. O desenvolvimento de infecções nos usuários dependerá de fatores como características quantitativa e qualitativa do microrganismo em questão, da resistência do hospedeiro e da via de administração. Os microrganismos a serem pesquisados, em razão da sua presença indesejada em formulações farmacêuticas e correlatos, são estabelecidos por compêndios oficiais. No Brasil, de acordo com a Farmacopeia Brasileira, 6ª edição, os microrganismos pesquisados são: • Bactérias gram-negativas bile tolerantes: este grupo de microrganismos abrange uma grande variedade de gêneros e espécies bacterianas, sendo que a Farmacopeia Brasileira recomenda que a pesquisa seja direcionada à investigação da presença de bactérias da família das enterobactérias, tais como Yersinia enterocolitica, Shigella spp., Enterobacter spp., Klebsiella spp. e Serratia spp. Essas espécies são frequentemente associadas às condições precárias de higiene, à manipulação inadequada durante a produção do produto ou à contaminação após seu processamento. É importante destacarque a presença desses patógenos não indica, necessariamente, contaminação de origem fecal, já que podem ser isolados em ambientes diversos, como solo, vegetação, superfícies etc. • Escherichia coli: trata-se de uma bactéria residente da microbiota normal do intestino de homens e animais. No entanto, nem todas as cepas de Escherichia coli são inofensivas. Cepas de E. coli conhecidas como diarreiogênicas ou enteropatogênicas são capazes de desencadear doenças debilitantes do sistema gastrointestinal, que em situações extremas podem levar os indivíduos acometidos ao óbito. Considerando sua origem, a Escherichia coli é frequentemente utilizada como microrganismo indicador de contaminação fecal, sendo que o isolamento em amostra de água e produtos farmacêuticos indica precariedade higiênica dos processos produtivos. • Salmonella spp.: a infecção (salmonelose) de indivíduos por este patógeno é possível mediante a ingestão de produtos por ele contaminados. As manifestações clínicas da salmonelose podem incluir a febre tifoide, gastroenterites, bacteremias, entre outras complicações. Os indivíduos infectados podem se tornar portadores crônicos desse patógeno, sendo assintomáticos, mas representando uma importante fonte de transmissão. Esse fato é especialmente preocupante se o indivíduo trabalha em ambiente produtivo de produtos farmacêuticos, podendo transferir o patógeno para as formulações. • Pseudomonas aeruginosa: esta espécie bacteriana é considerada bastante versátil, já que é capaz de habitar diferentes ambientes, entre eles o solo, a água, os animais e as plantas. É considerado um 136 Unidade III microrganismo oportunista, sendo frequentemente associado a infecções hospitalares em pacientes em estado grave de saúde ou com o sistema imune comprometido, desenvolvendo pneumonias, infecções intestinais e urinárias, otites, ceratites, além de infecções de feridas de pacientes queimados. • Staphylococcus aureus: também considerado um patógeno oportunista, este microrganismo é o responsável pelo desenvolvimento de diversas doenças humanas e animais. Pode ser encontrado como microrganismo comensal da microbiota da pele e mucosa nasal de alguns indivíduos; no entanto, aqueles com sistema imune comprometido podem ser infectados por essa espécie, resultando em doenças superficiais e/ou invasivas, as quais frequentemente apresentam consequências severas ao indivíduo, podendo, inclusive, levá-lo ao óbito. As infecções a nível superficial dizem respeito ao desenvolvimento de dermatites, mastites e abscessos. Já em nível invasivo, S. aureus pode ser responsável por pneumonias, osteomielite, endocardite e sepse. Além disso, é reconhecida sua capacidade de produzir toxinas, resultando em síndrome do choque tóxico. • Clostridium spp.: este gênero bacteriano é especialmente importante de ser pesquisado em formulações farmacêuticas, pois possui a habilidade de formar uma estrutura de resistência denominada esporo bacteriano ou endósporo. Essa estrutura, quando liberada no ambiente, exibe a capacidade de sobreviver a altas temperaturas, à escassez de água e nutrientes e à exposição de compostos tóxicos e radioativos. Ao encontrar condições adequadas de nutrientes e água, os endósporos podem germinar, fazendo com que ocorra a proliferação da espécie, a qual pode produzir toxinas como produto de seu metabolismo, resultando em doenças como a gangrena, o tétano, o botulismo e a intoxicação alimentar. • Candida albicans: trata-se de uma espécie de fungo pertencente à microbiota intestinal e geniturinária de grande parte dos humanos. Identicamente aos patógenos mencionados anteriormente, este microrganismo também é considerado oportunista, capaz de desenvolver desde infecções brandas ou assintomáticas em indivíduos considerados saudáveis até infecções mais severas em indivíduos imunodeprimidos. A título de exemplo das infecções superficiais, podemos citar a candidíase vulvovaginal e orofaríngea. Em determinadas situações, C. albicans pode causar infecções sistêmicas e invasivas, tais como candidemia (presença do microrganismo na corrente sanguínea), podendo infectar outros órgãos, sendo potencialmente letal. 7.1.3 Cinética de morte microbiana: aspectos logarítmicos Como mencionado, produtos farmacêuticos estéreis são aqueles que devem comprovar ausência absoluta de microrganismos viáveis, ou seja, aqueles capazes de se reproduzir. A esterilização é entendida como o processo pelo qual é possível destruir todas as formas de vida que estariam hábeis a se desenvolver durante os períodos de conservação e de utilização de produtos farmacêuticos e correlatos. Normalmente, esses processos são realizados com vapor-d’água sob pressão ou um gás esterilizante, como o óxido de etileno. Quando populações microbianas são submetidas a tais tratamentos, elas não morrem imediatamente. Em vez disso, são reduzidas em uma taxa exponencialmente constante. Por exemplo, se uma população de 1 milhão de células microbianas (106, em 137 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS escala logarítmica) for tratada por um agente esterilizante durante 1 minuto, 90% da população deverá morrer, restando apenas 100 mil células (105, em escala logarítmica). Se essa população restante for exposta a mais 1 minuto de tratamento com o mesmo agente esterilizante, 90% desses microrganismos devem morrer, restando agora 10 mil células sobreviventes (104, em escala logarítmica). Esse processo pode se repetir por mais alguns minutos, até que a quantidade de células microbianas na população seja praticamente nula. Veja a representação na tabela a seguir. Tabela 10 – Exemplo da taxa de morte de uma população microbiana exposta a um agente esterilizante Taxa de morte microbiana Tempo de exposição ao agente esterilizante (min.) Mortes por min. Número de células sobreviventes Representação logarítmica das células sobreviventes 0 0 1.000.000 106 1 900.000 100.000 105 2 90.000 10.000 104 3 9.000 1.000 103 4 900 100 102 5 90 10 101 6 9 1 100 Adaptada de: Tortora, Case e Funke (2016, p. 178). Se a morte de uma população microbiana for representada logaritmicamente em relação ao tempo de exposição ao esterilizador, a taxa de morte será representada por uma linha em queda constante, como pode ser observado na figura a seguir. Tempo (min) de exposição ao esterilizador 0 100 101 102 103 104 105 106 1 2 3 4 5 6 Lo g do n úm er o de c él ul as so br ev iv en te s Figura 49 – Representação logarítmica da taxa de morte de uma população microbiana em relação ao tempo de exposição a um agente esterilizante 138 Unidade III Assim, podemos dizer que, para cada minuto de tratamento esterilizante aplicado, 90% da população remanescente é morta, seguindo uma cinética de morte microbiana. 7.1.4 Nível de segurança de esterilidade (Sterility Assurance Level – SAL) Visto que a inativação microbiana proporcionada pelos agentes esterilizantes segue uma lei exponencial, existe uma probabilidade estatística de que uma pequena parte das células microbianas possa sobreviver ao processo de esterilização, sendo que a previsão probabilista de sobrevivência dependerá da quantidade, do tipo e da resistência do microrganismo em questão, além das condições ambientais durante a esterilização. Considerando essa situação, criou-se um termo que expressa o nível de eficácia de esterilização obtido com determinado processo esterilizante. Assim, a denominação “estéril” é atribuída aos produtos nos quais, após finalização do processo esterilizante ou manipulação asséptica, unidades individuais apresentem a probabilidade de serem não estéreis, ou um nível de garantia de esterilidade, também conhecido pelo termo em inglês Sterility Assurance Level (SAL), igual ou superior a 10-6. Isso indica a probabilidade de que uma única unidade contenha não mais que uma célula microbiana viável em 106 (um milhão) de itens esterilizados do produto final. Não há base científica para essevalor. Sua origem é proveniente do final do século XIX e início do século XX, após observações das indústrias de alimentos enlatados, representando um nível aceitável de risco ao consumidor, baseando-se em dados epidemiológicos. É importante destacar que essa definição de esterilidade, como uma função probabilística, não significa inferir que se admita a não esterilidade em um a cada milhão de unidades, e sim agregar cuidados adicionais que efetivamente permitam o emprego seguro do produto. Podemos dizer que o SAL é uma estimativa da efetividade de um processo esterilizante, o qual é estabelecido por meio de estudos de validação, em que se utiliza um indicador biológico composto por um microrganismo formador de endósporos, como as bactérias dos gêneros Geobacilli, Bacilli ou Clostridia, apresentando maior resistência ao tratamento esterilizante quando na sua forma esporulada. Em termos práticos, para definir o tempo e a temperatura de esterilização de determinado produto, este é proposital e experimentalmente contaminado com tais microrganismos e submetido a esterilizações com condições variadas de tempo e temperatura. Amostras do produto são coletadas após e/ou durante os processos esterilizantes e avaliadas quanto à quantidade de microrganismos sobreviventes em relação à carga inicialmente inoculada. Os dados são plotados em um gráfico, e observa-se uma inclinação da curva de morte, a qual é uma propriedade inerente do microrganismo sujeito à esterilização e às condições do próprio tratamento esterilizante; ou seja, se o microrganismo for mais resistente, necessitará de mais tempo de esterilização a uma temperatura de 121 °C, ou necessitará de incremento na temperatura, por exemplo, 160 °C, caso o produto seja termoestável. É habitualmente aceito que injetáveis críticos estéreis (instrumentos destinados a procedimentos invasivos em pele e mucosas adjacentes, bem como em tecidos subepiteliais e sistema vascular) atinjam uma probabilidade de sobrevivência de 10-6 unidades formadoras de colônias (UFC). Se o produto for 139 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS termoestável, ou seja, tolerante a altas temperaturas de esterilização, a prática comum é exceder o tempo de exposição além da probabilidade de sobrevivência microbiana de 10-6 (morte), alcançando um nível de segurança na ordem de 10-12, prática conhecida como sobremorte. A figura a seguir ilustra a curva de morte de um indicador biológico. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Tempo (min) de exposição ao esterelizador Lo g 10 d o nú m er o de c él ul as so br ev iv en te s Metade do ciclo Indicador biológico Morte Sobremorte -6 -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 6 Figura 50 – Curva de morte de um indicador biológico Observa-se que a inclinação da curva indica o tempo necessário, em minutos, para que a população microbiana seja reduzida em 90% ou 1 log (um ciclo logarítmico), tal como vimos anteriormente. Essa ocorrência é mais conhecida na área industrial como valor D ou tempo de redução decimal. Observação Segundo a Farmacopeia Brasileira, 6ª edição, o valor D, também conhecido como tempo de redução decimal, nada mais é que o tempo em minutos necessário para reduzir 90% da população microbiana ou um ciclo logarítmico. Em outras palavras, para cada tempo em minutos que um tratamento esterilizante é aplicado, 90% da população de células microbianas restantes é morta. 140 Unidade III Uma indústria que comercializa produtos estéreis precisa determinar o valor D, principalmente em situações onde se deseja comprovar os valores D discriminados nos rótulos dos indicadores biológicos disponibilizados comercialmente, os quais serão utilizados durante os estudos de validação. Além disso, essa indústria precisa estabelecer valores D para indicadores biológicos que são diretamente inoculados nos materiais a serem validados ou para caracterizar microrganismos resistentes ao calor, que foram isolados do ambiente de fabricação durante o monitoramento de rotina. Considerando que o valor D é exaustivamente citado e empregado nos protocolos de esterilização, é de fundamental importância esmiuçar o principal método de determinação desse parâmetro: a enumeração direta, também chamada de curva de sobreviventes. Nesse método, uma população microbiana de concentração e origem conhecidas, geralmente as bactérias dos gêneros Geobacilli, Bacilli ou Clostridia, é exposta ao agente esterilizante sob condições que se deseja validar. Amostras são coletadas após diferentes tempos de exposição ao processo, e o número de sobreviventes é determinado por um método de contagem em meio de cultura adequado para o crescimento do microrganismo em questão. Sabendo que os microrganismos crescem em colônias, a contagem das UFC em função do tempo é usada para gerar uma curva de sobreviventes, tal como observamos na figura anterior. Se ao plotar os dados observarmos que a cada 1 minuto há a redução de 90% da população microbiana, ou seja, queda de 1 log (um ciclo logarítmico), iremos inferir que o valor D, para aquela situação esterilizante ao microrganismo em questão, é igual a 1. Agora imagine a seguinte situação: para validar a esterilização de um produto processado por esterilização térmica (vapor-d’água sob pressão, autoclave), definida para operar a 121 °C, uma indústria irá utilizar o indicador biológico Geobacillus stearothermophilus, em uma concentração conhecida de 108 log de UFC. Ao plotar o gráfico, levando-se em consideração a contagem das UFC, observa-se que a cada 1,5 minuto reduz-se um ciclo logarítmico (90% da população), de modo que após 12 minutos de tratamento sob os parâmetros supracitados há a redução da carga microbiana do indicador biológico para 100. Podemos dizer que o valor D é igual a 1,5 e que a elevação da letalidade é 8 D (12 minutos divididos por 1,5 minuto é igual a 8). É importante salientar que a utilização desse aumento do tempo de esterilização depende da carga microbiana inicial, também conhecida como bioburden. Por exemplo, se a bioburden do produto for de 102 log de UFC de determinado microrganismo, será necessário um aumento de letalidade de 2 D para reduzir a carga microbiana a 1 (teoricamente 100), ou seja, mais 3 minutos de esterilização (2 D vezes 1,5 minuto). Na figura a seguir, é possível observar essa situação hipotética. 141 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS 0 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 1010 1,5 3 4,5 6 7,5 9 10,5 12 13,5 15 Tempo (min) de exposição ao esterilizador Curva de morte do indicador biológico Geobacillus stearothermophilus em produto com bioburden inicial de 10 2 UFC Curva de morte do indicador biológico Geobacillus stearothermophilus Redução de 90% da população ou 1 ciclo logarítmico 1,5 min. ou 1 D Lo g do n úm er o de c él ul as so br ev iv en te s Figura 51 – Representação da curva de morte do indicador biológico Geobacillus stearothermophilus em concentração inicial de 108 log de UFC (linha azul) e em produto com bioburden inicial de 102 log de UFC, com mesma concentração inicial (linha laranja) Sabemos que, para produtos farmacêuticos estéreis, precisamos garantir um nível de segurança de esterilidade igual ou superior a 10-6. Assim, considerando o exemplo hipotético mencionado, para atingir o SAL de 10-6, seria necessário um incremento de letalidade de 6 D, ou seja, mais 9 minutos (6 D vezes 1,5 minuto) de esterilização. Se esse mesmo produto fosse termoestável, um aumento de letalidade de 12 D (mais 18 minutos – 12 D vezes 1,5 minuto) poderia ser utilizado como estratégia para obtenção da sobremorte, ou seja, um nível SAL de 10-12. É importante reforçar que, em grande parte das situações, a sobrevivência da bioburden do produto ou do insumo que se deseja para validar o processo de esterilização não é a mesma do indicador biológico. Em realidade, o uso dos indicadores biológicos nas validações de processos esterilizantes tem por objetivoassumir uma situação de pior caso, ou seja, é imprescindível que a resistência do indicador biológico seja maior do que a da bioburden do material/produto. Outro detalhe importante a ser dito é que o valor D de um indicador biológico deve ser verificado para cada programa de validação; ou seja, para cada novo produto a ser esterilizado, uma nova determinação do valor D. O valor D também necessitará ser revalidado na ocorrência de alterações na programação da esterilização, tais como modificação na temperatura ou, ainda, aquisição de um novo equipamento. 142 Unidade III O valor D é calculado principalmente para processos de esterilização que serão conduzidos por calor úmido (autoclave), mas também pode ser estabelecido ao se adotar esterilizações por radiação ionizantes, nas quais o valor D é avaliado em função da dose de radiação absorvida (kGy), e esterilização química, em que se deve considerar, principalmente, a concentração do agente químico esterilizante para determinar o valor D. Mas, de modo geral, podemos assumir que o valor D representa a resistência de um microrganismo a determinada temperatura. Neste momento, você deve estar se perguntando: e se aumentarmos a temperatura de esterilização? O tempo de esterilização será reduzido? Para responder a sua dúvida, é preciso falar sobre o valor Z. O valor Z pode ser definido como o aumento da temperatura, em graus, necessário para reduzir o valor D em 90% ou um ciclo logarítmico na curva de resistência térmica. A alteração na velocidade de inativação de determinado microrganismo como resultado da elevação da temperatura é possível de ser observada ao se calcular os valores D para temperaturas distintas. Com esses valores, constrói-se um gráfico em função da temperatura, gerando uma curva de resistência térmica, como pode ser visto na figura a seguir. 100 0,1 1 10 100 105 110 115 120 125 130 Temperatura °C Redução do valor D em 90% Va lo r D e m m in . Z = 10 °C Figura 52 – Curva de resistência térmica apresentando valor Z Em termos práticos, os valores D são determinados sob, no mínimo, duas temperaturas diferentes. A partir desses dois valores, é possível então obter o valor de Z de acordo com a equação a seguir: Z T T D D � � � � � � � 2 1 1 2log log Onde: D1 e D2 são os valores D a temperaturas T1 e T2, respectivamente. 143 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Resumidamente, podemos dizer que o valor Z fornece informação sobre a resistência de um microrganismo a diferentes temperaturas. Ao se falar de esterilização por calor úmido e cinética de morte microbiana, outro parâmetro precisa ser comentado. Trata-se do valor F0. A condição mundialmente aceita para a esterilização térmica de preparações aquosas é o aquecimento a, no mínimo, 121 °C por pelo menos 15 minutos. No entanto, a indústria detentora desse tipo de esterilizador pode utilizar combinações diferentes de tempo e temperatura, desde que verifique a resistência do material/produto a altas temperaturas, além da capacidade de penetração do vapor, entre outros parâmetros definidos no processo de validação. Portanto, quando se deseja utilizar uma temperatura de esterilização diferente do padrão estabelecido, o conceito de F0 deve ser empregado, o qual se define como o tempo, em minutos, necessário para alcançar o mesmo nível de letalidade que aquele produzido pela temperatura de 121 °C durante 15 minutos. 7.1.5 Teste de esterilidade Mesmo com processos esterilizantes eficientes e muito bem validados, a indústria farmacêutica que comercializa produtos estéreis precisa se precaver e realizar alguns ensaios microbiológicos, sendo um deles o teste de esterilidade. O teste de esterilidade é empregado para insumos, produtos farmacêuticos e correlatos que, de acordo com as farmacopeias, devem garantir esterilidade. Esse teste verifica a qualidade do processo de esterilização empregado durante a fabricação de produtos farmacêuticos estéreis, revelando a presença de bactérias e/ou fungos ou confirmando a sua ausência. Para evitar resultados falso-positivos e outros inconvenientes, o teste exige algumas precauções de execução. A primeira delas diz respeito à amostragem. Um resultado satisfatório indica que não houve crescimento microbiano somente na amostra examinada. Assim, para estender esse resultado ao restante do lote e garantir que todas as unidades do mesmo lote tenham sido preparadas de modo a apresentar elevado grau de representatividade, é preciso seguir protocolos de amostragem e preparo de amostras. É natural pensarmos que, quanto maior for a quantidade de amostras ensaiadas, maior será a segurança dos resultados do teste. No entanto, essa medida não seria nada prática, tampouco econômica. Nesse sentido, é imprescindível que a indústria, com o auxílio das monografias e das farmacopeias, estabeleça quanto de cada lote de determinado produto deve ser submetido ao teste de esterilidade. A tabela a seguir representa a indicação da Farmacopeia Brasileira, 6ª edição, quanto ao número mínimo de amostras a serem testadas em função do tamanho do lote de um produto. 144 Unidade III Tabela 11 – Número mínimo de amostras a serem testadas em relação ao tamanho do lote de determinada categoria de produto farmacêutico e correlatos Número de unidades do lote Número mínimo de unidades a serem testadasa,b Preparações parenterais Até 100 Acima de 100 até 500 Acima de 500 Parenterais de grande volume 10% ou 4 unidades (o que for maior) 10 unidades 2% ou 20 unidades (o que for menor) 2% ou 10 unidades (o que for menor) Antibióticos sólidos Frascos com capacidade < 5 g 20 unidades Frascos com capacidade ≥ 5 g 6 unidades Oftálmicos e outras preparações não injetáveis Até 200 5% ou 2 unidades (o que for maior) Acima de 200 10 unidades Produto apresentado em embalagem de dose única Aplicar o mesmo recomendado para preparações parenterais Produtos para a saúde Até 100 Acima de 100 até 500 Acima de 500 10% ou 4 unidades (o que for maior) 10 unidades 2% ou 20 unidades (o que for menor) Produtos sólidos a granel Até 4 Acima de 4 até 5 Acima de 50 Cada unidade 20% ou 4 unidades (o que for maior) 2% ou 10 unidades (o que for maior) Dispositivos médicos cirúrgicos Categute e outras suturas Até 100 Acima de 100 até 500 Acima de 500 2% ou 5 embalagens (o que for maior) até o máximo de 20 embalagens 10% ou 4 unidades (o que for maior) 10 unidades 2% ou 20 unidades (o que for maior) aAmostragem especificada considerando-se que o conteúdo de um recipiente é suficiente para inocular ambos os meios de cultura. bPara matérias-primas, a amostragem satisfatória pode ser baseada na raiz quadrada do número total de recipientes do lote. Fonte: Anvisa (2019a, p. 420-421). Assim sendo, caso a monografia do produto não especifique quantas unidades devem ser testadas, adota-se a quantidade mínima de amostras estabelecida pela Farmacopeia Brasileira, tal como se vê na tabela anterior. É importante dizer que os operadores designados para a realização da amostragem devem ser devidamente treinados e qualificados, de forma que não representem uma fonte de contaminação microbiológica durante o processo de amostragem. 145 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Logo após a amostragem e antes da execução do teste de esterilidade propriamente dito, é necessário preparar as amostras. Nessa etapa, realiza-se a descontaminação das superfícies externas dos frascos e ampolas dos produtos a serem analisados, a qual pode ser conduzida mergulhando-os em alguma solução antisséptica, como álcool isopropílico com clorexidina 4%, povidona-iodo 10%, hexaclorofeno 3%, álcool isopropílico 70%, ou mediante nebulização com vapores de peróxido de hidrogênio. Esse tratamento exige um tempo de contato, que dependerá da natureza e concentração da substância química utilizada, podendo ser determinado experimentalmente. Ao término desse período, é imprescindível que se remova todo o excesso doagente químico. Ao fim dos tratamentos de antissepsia, as embalagens estarão prontas para serem ensaiadas, devendo permanecer em ambiente apropriado e somente ser violadas no momento da execução do teste de esterilidade propriamente dito. Tal como na amostragem, para a execução do teste de esterilidade, é importante que o pessoal destinado para tal operação seja devidamente treinado e qualificado. Outra exigência é que o teste seja todo conduzido em condições assépticas; por exemplo, em cabine de segurança biológica, a qual deve estar instalada em uma área denomina sala limpa, que veremos em detalhes adiante. Atendidas tais precauções, precisamos saber quais meios de cultura podemos utilizar para executar o teste. Os meios de cultura recomendados pela Farmacopeia Brasileira, 6ª edição, para realização do teste de esterilidade são o meio fluido de tioglicolato e o caldo de caseína-soja, sendo este também conhecido pela sigla do seu nome em inglês, Tryptic Soy Broth (TSB). O meio fluido de tioglicolato é utilizado para cultura de bactérias anaeróbicas e, quando inoculado, deve ser incubado a aproximadamente 32,5 °C. Já o caldo de caseína-soja é o meio de cultura adequado para promoção do crescimento de leveduras, fungos e bactérias aeróbicas, devendo ser incubado a aproximadamente 22,5 °C após inoculação de amostra. Esses meios de cultura só podem ser utilizados nos testes de esterilidade após cumprirem os requisitos dos testes de adequação. O primeiro deles é o de promoção de crescimento dos meios de cultura, que avalia a capacidade destes em proporcionar nutrientes adequados ao crescimento de bactérias conhecidas, comercializadas por laboratórios especializados, tal como as cepas fornecidas pela empresa American Type Culture Collection, tradicionalmente conhecida pela sigla ATCC. Também é importante mencionar que os meios de cultura só estarão prontos para utilização após um processo esterilizante validado. O segundo teste de adequação é o de esterilidade, no qual uma porcentagem das unidades produzidas do meio de cultura (de 3% a 5%) é incubada nas condições especificadas por 14 dias para confirmar esterilidade. Satisfeitas todas as precauções e já sabendo quais meios de cultura podemos utilizar, é chegada a hora da execução do teste de esterilidade. Para tanto, há duas possibilidades: o método direto e o método indireto. A escolha de uma ou outra técnica dependerá de diferentes fatores, como facilidade e disponibilidade circunstanciais, além de eficiência desejada ou limitações de ordem econômica. 146 Unidade III O método direto consiste na transferência direta e asséptica de massa (em gramas) ou volume (em mililitros) preestabelecido de amostras em volume estipulado dos meios de cultura apropriados (TSB e meio fluido de tioglicolato), com o auxílio de pipeta, espátula ou seringa, todos esterilizados, ou até mesmo vertendo diretamente para o recipiente contendo o meio. A tabela a seguir apresenta as quantidades mínimas a serem utilizadas para cada meio de cultura, segundo a Farmacopeia Brasileira, 6ª edição. Tabela 12 – Quantidades mínimas a serem utilizadas para cada meio de cultura Quantidade por recipiente Volume mínimo a ser inoculado em cada meio (mL) Líquidos (não antibióticos) Menos de 1 mL De 1 a 40 mL Acima de 40 mL até 100 mL Acima de 100 mL Todo o conteúdo Metade do conteúdo, mas não menos que 1 mL 20 mL 10% do conteúdo, mas não menos que 20 mL Antibióticos líquidos 1 mL Outras preparações solúveis em água ou em solvente do tipo miristato de isopropila Conteúdo total, mas não menos que 0,2 g Cremes e pomadas isolúveis a serem suspensos ou emulsificados Conteúdo total, mas não menos que 0,2 g Sólidos Menos de 0,05 g Acima de 0,05g até 0,3 g Acima de 0,3 g até 5 g Acima de 5 g Todo o conteúdo Metade do conteúdo, mas não menos que 0,05 g 0,15 g 0,5 g Produtos para a saúde Até 100 Acima de 100 até 500 Acima de 500 10% ou 4 unidades (o que for maior) 10 unidades 2% ou 20 unidades (o que for menor) Produtos sólidos a granel Suturas cirúrgicas Esparadrapo cirúrgico/gaze/algodão em embalagem múltipla Suturas e outros materiais em embalagens individuais Outros correlatos médicos Três partes do fio (30 cm de comprimento cada) 0,1 g por embalagem Todo o material Todo o material cortado em pedaços, ou desmontado Fonte: Anvisa (2019a, p. 421). Considerando a tabela exposta, se uma indústria farmacêutica estiver realizando o controle de qualidade microbiológico no que se refere ao teste de esterilidade de uma solução oftálmica, frasco com 250 mL, por exemplo, o analista responsável deverá transferir para o meio TSB 10% do conteúdo do produto, mas não menos que 20 mL, ou seja, 25 mL para esse caso. Esse procedimento se repetirá para inoculação do meio fluido de tioglicolato. Resumidamente, com essa técnica deve haver, de cada unidade, uma tomada de ensaio, a qual será introduzida em um tubo de ensaio ou frasco contendo o meio de cultura adequado previamente esterilizado e validado para uso. 147 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Após a inoculação das amostras nos meios de cultura, os frascos são incubados em temperaturas correspondentes aos meios por 14 dias, e, durante esse período e até seu término, os meios devem ser examinados quanto ao seu aspecto, ou seja, se houver crescimento microbiano, o meio evidenciará turvação; caso contrário, manterá suas características originais. Se não houver crescimento microbiano, a amostra é aprovada, cumprindo com o requisito de esterilidade; caso contrário, se for verificada a presença de microrganismos, a amostra não atende às exigências estabelecidas, a menos que seja evidenciada alguma falha durante a execução do teste ou por outro motivo não relacionado ao produto testado. O método indireto também pode ser denominado método de filtração em membrana, já que o teste é executado utilizando-se membranas filtrantes com porosidade de, no máximo, 0,45 μm, as quais são eficientes em reter microrganismos. É importante dizer que para essa técnica é necessário, além das membranas, utilizar um sistema de filtração a vácuo, composto por um kitassato, um copo graduado, um funil, uma pinça e uma bomba a vácuo (figura a seguir). Figura 53 – Ilustração de um sistema de filtração a vácuo Inicia-se a execução dessa técnica pelo tratamento prévio da amostra, que dependerá de sua natureza. Por exemplo, para amostras líquidas miscíveis em veículos aquosos, a primeira coisa a se fazer é transferir uma pequena quantidade de um diluente estéril, como água peptonada, para o sistema de filtração contendo a membrana e filtrar. Essa etapa é bastante importante, principalmente para amostras de antibióticos ou que contenham conservantes antimicrobianos, pois o diluente pode conter substâncias que os neutralizariam e/ou inativariam. Logo após, deve-se transferir para o sistema de filtração uma quantidade de amostra, seguindo o que é definido pela Farmacopeia Brasileira (tabela anterior). Exemplificando, para executar essa técnica com uma solução oftálmica, frasco com 250 mL, devemos filtrar uma alíquota de 25 mL. 148 Unidade III Já no caso de óleos viscosos, pomadas de base oleosa ou cremes do tipo água em óleo, as amostras podem ser diluídas em solvente estéril adequado, como miristato de isopropila, e, posteriormente, filtradas. Em suma, tratamentos específicos devem ser adotados a depender da natureza da amostra. Todos os tratamentos possíveis são bem detalhados na Farmacopeia Brasileira, 6ª edição. Após a filtração da amostra, o sistema de filtração é assepticamente desmontado de modo a se resgatar a membrana filtrante, que é imediatamente transferida em sua total integridade ou cortada em duas partes com tesoura estéril, para frascos contendo, individualmente, os meios de cultura caldo caseína-soja e meio fluido de tioglicolato. Na sequência, deve-se incubar em idêntica temperatura e período descritos para o método direto. A interpretação dosresultados também segue o que é estabelecido para o método direto. A grande vantagem do método indireto em relação ao método direto é que, como as amostras não entram em contato direto com o meio de cultura, a preocupação com resultados falso-negativos, devido à presença de agentes inibidores, torna-se menor. Por outro lado, como há maior manipulação da amostra, devido às etapas inerentes dessa técnica, pode haver resultados falso-positivos. Para contornar a desvantagem do método indireto no que se refere às diversas etapas de manipulação da amostra, com possibilidade de resultados falso-positivos, algumas indústrias especializadas na área criaram um sistema de filtração fechado. Trata-se de um sistema único e descartável composto por copo, membrana e recipiente de filtração. O aparelho, combinado com a bomba peristáltica, acessórios específicos e meios de cultura e líquidos de enxaguamento, oferece um processo de teste otimizado em conformidade com a farmacopeia americana. 7.1.6 Teste de pirogênio Antes de descrevermos o teste de pirogênio, é importante conceituar “pirogênio”. Define-se como pirogênio qualquer substância capaz de induzir elevações térmicas corpóreas em resposta a injeções ou infecções, tanto em humanos quanto em animais. Os pirogênios podem ser divididos em dois grandes grupos: • Pirogênios exógenos: são aqueles que têm origem externa ao corpo, mas induzem elevação da temperatura corporal ao serem injetados. Estão inclusos neste grupo os pirogênios microbianos, tradicionalmente denominados de endotoxinas. As endotoxinas fazem parte da camada externa da parede celular de bactérias gram-negativas. Essa camada é composta por lipoproteínas, fosfolipídeos e LPS. O LPS possui uma porção lipídica chamada de lipídeo A, sendo a endotoxina propriamente dita (figura a seguir), a qual é liberada durante a multiplicação celular das bactérias gram-negativas e/ou quando morrem por algum processo que ocasione lise celular. 149 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Lipopolissacarídeos Membrana externa Peptidoglicano Membrana interna Espaço periplásmico Lipoproteína mureína Citosol Proteínas da membrana OmpA Porina Cadeia de polissacarídeo O específico (3 a 8 unidades) Núcleo polissacarídeo Parede celular de bactérias gram-negativas Cápsula Flagelos Pili Seção ampliada Corpo de inclusão Nucleoide Ribossomo Figura 54 – Figura ilustrando a parede celular das bactérias gram-negativas, com especial enfoque na estrutura lipopolissacarídeo (LPS) Adaptada de: https://bit.ly/350VBsi. Acesso em: 21 mar. 2022. Observação Além dos pirogênios microbianos, há os pirogênios não microbianos, que são produtos de constituição química diversa, tais como alguns fármacos, esteroides, frações do plasma e o adjuvante sintético muramil dipeptídeo. Esses compostos, quando injetados, também desencadeiam uma elevação da temperatura corpórea. • Pirogênios endógenos: são produzidos dentro do corpo do hospedeiro como reposta a um estímulo de pirógeno exógeno, como as endotoxinas. Mais especificamente, são mediadores químicos, como as citocinas, o fator de necrose tumoral e as prostaglandinas, sintetizadas por diferentes células do hospedeiro após exposição ao pirógeno exógeno, sendo consideradas mediadores primários da febre (figura a seguir). 150 Unidade III Núcleo Macrófago Endotoxina Endotoxina Citocinas Vacúolo Vaso sanguíneo Hipotálamo no cérebro Prostaglandina Glândula hipófise Um macrófago ingere uma bactéria gram-negativa A bactéria é degradada em um vacúolo, liberando endoxinas que induzem a produção das citocinas interleucina 1 (IL-1) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α, de tumor necrosis factor alpha), pelo macrófago A citocinas são liberadas na corrente sanguínea pelos macrófagos e transportadas até o hipotálamo, o centro de controle de temperatura do cérebro As citocinas induzem a produção de prostaglandinas pelo hipotálamo, redefinindo o “termostato” corporal para uma temperatura mais elevada, produzindo febre Febre Bactéria 1 2 3 4 Figura 55 – Esquematização do mecanismo pelo qual as endotoxinas causam febre Fonte: Tortora, Case e Funke (2016, p. 428). Considerando a gravidade dos efeitos dos pirogênios em humanos e animais e sabendo que produtos parenterais estéreis, equipos de transfusão, infusão e todos os dispositivos implantáveis de uso único empregados em terapia parenteral devem comprovar apirogenicidade, é necessário que sejam avaliados quanto à presença dessas substâncias. É importante ressaltar que, segundo a farmacopeia americana, produtos oftálmicos estéreis não apresentam o requisito de isenção de pirogênio, não havendo a necessidade de testá-los quanto a esse requisito. O teste oficial de avaliação de pirogênios em produtos parenterais estéreis consiste em uma abordagem in vivo, ou seja, utilizando coelhos como modelo animal. Esse animal foi assim designado porque, entre os mamíferos experimentados, foi o que apresentou sistema termorregulador com características muito semelhantes às dos humanos. O princípio do teste baseia-se na medida da elevação da temperatura corporal de coelhos, após terem recebido injeção intravenosa da solução do produto que se deseja analisar. Trata-se de um ensaio-limite, o qual considera o produto aprovado ou rejeitado a partir dos dados de temperaturas colhidas, devendo atender a um nível padrão de estado febril. Toda vidraria empregada para o preparo das amostras, bem como para a injeção intravenosa destas, deve ser despirogenizada previamente por tratamento térmico. As monografias recomendam 30 minutos, a 250 °C, ou 1 hora, a 200 °C. Em relação às amostras a serem avaliadas, segundo a Farmacopeia Brasileira, para produtos bem tolerados pelos coelhos, deve-se utilizar uma dose que não ultrapasse 10 mL por quilo de peso do animal, devendo ser injetada em, no máximo, 10 minutos. Alguns produtos podem necessitar de uma etapa prévia de preparação ou exigir condição especial de administração. Assim sendo, deve-se seguir as recomendações estabelecidas pela respectiva monografia. Como exemplo, podemos citar o 151 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS antibiótico cloranfenicol, que, segundo sua monografia contida na Farmacopeia Brasileira, deve-se injetar 2,5 mL/kg, empregando uma solução dessa substância em uma concentração de 2 mg/mL preparada com água para injetáveis. A Farmacopeia Brasileira também impõe exigências quanto aos coelhos. Deve-se utilizar animais do mesmo sexo, adultos, saudáveis, preferencialmente da mesma raça, pesando, no mínimo, 1,5 kg. Após serem selecionados, os animais são mantidos em gaiolas individuais em sala climatizada com temperatura entre 20 ºC e 23 ºC, livre de ruídos ou outras condições que possam deixá-los agitados. Outro detalhe importante é que os animais nunca submetidos ao teste – ou aqueles que foram previamente usados em outro teste e descansaram por período de três semanas – necessitam realizar condicionamento, sendo submetidos a condições exatamente idênticas às do teste durante sete dias, sem receberem, no entanto, a injeção de amostras. Essas medidas são imprescindíveis para evitar situações que promovam a elevação da temperatura corpórea e gerem resultados falso-positivos. No dia da execução do teste, se entre os coelhos previamente condicionados houver algum animal que apresentar temperatura ≥ 0,5 ºC comparada com a temperatura inicial, este não deverá ser utilizado. Além disso, deve-se utilizar apenas animais com temperatura ≤ 39,8 ºC, e que não varie mais de 1,0 ºC entre um animal e outro. No que se refere ao teste de pirogênio propriamente dito, três coelhos são selecionados e imobilizados pela região cervical, permanecendo presos em contendores, onde devem assumir a posição sentada e cômoda. Nas 2 horas anteriores e durante o teste, os animais não devem mais ser alimentados, sendo permitido apenas o acesso à água, que pode ser restringida durantea execução do teste. O ambiente também deve ser controlado e apropriado ao teste, de modo a não estressar os animais. O registro da temperatura corpórea é realizado mediante introdução de um termômetro clínico calibrado ou outro dispositivo que registre a temperatura e apresente igual sensibilidade, no reto dos coelhos em profundidade de 6 cm, aproximadamente. Quarenta minutos antes da injeção da solução do produto a ser testado, deve-se aferir e registrar a medida de duas temperaturas dos coelhos, com intervalo de 30 minutos entre cada medida. Com esses dados, realiza-se a média da temperatura de cada coelho, sendo adotada como temperatura-controle. A temperatura-controle individual é extremamente necessária para avaliar qualquer aumento de temperatura após a injeção da amostra. Feito tal procedimento, deve-se preparar a amostra seguindo o protocolo estabelecido por sua monografia, aquecendo-a a 37 ºC, e, então, injetar na veia marginal da orelha dos três coelhos selecionados não menos que 0,5 mL e não mais que 10 mL da solução por quilo de peso. Posteriormente, deve-se registrar a temperatura individual a cada 30 minutos durante 3 horas após a injeção. A elevação da temperatura corpórea é obtida subtraindo a temperatura-controle de cada coelho pela maior temperatura apresentada durante a execução do teste. A figura a seguir ilustra todas as etapas mencionadas. 152 Unidade III A) B) C) D) Figura 56 – Etapas do teste de pirogênio in vivo Fonte: Nogueira (2009, p. 16). Finalizado o ensaio, é hora de interpretar os resultados. Segundo a Farmacopeia Brasileira, 6ª edição, se nenhum dos três coelhos apresentar elevação da temperatura corpórea ≥ 0,5 ºC em relação às suas respectivas temperaturas de controle, o produto em análise atenderá às exigências do teste. No entanto, se algum dos animais apresentar aumento da temperatura ≥ 0,5 ºC, deve-se repetir o teste utilizando outros cinco coelhos. Neste caso, o produto só será considerado aprovado no teste de pirogênio se no máximo três de um total de oito coelhos apresentarem aumento da temperatura ≥ 0,5 ºC, e se a soma das elevações da temperatura corpórea de todos os oito coelhos não ultrapassar 3,3 ºC. Saiba mais Para entender melhor as etapas do teste de pirogênio e ver como isso funciona na prática, assista aos vídeos: TESTE de pirogênio in vivo. Por Márcio Ferrarini. [s.I.], 2021. 1 vídeo (8 min.). Disponível em: https://bit.ly/3ILJ9uj. Acesso em: 28 mar. 2022. TESTE de pirogênio in vivo. Parte II. Por Márcio Ferrarini. [s.I.], 2021. 1 vídeo (6 min.). Disponível em: https://bit.ly/3uF2N6i. Acesso em: 28 mar. 2022. 153 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Outra possibilidade de teste para pesquisa de pirogênios de origem microbiana é o teste in vitro, tradicionalmente conhecido como teste de endotoxinas bacterianas. Você deve estar se perguntando: se existe uma possibilidade de ensaio in vitro, sem o uso de animais, por que não o adotar como único método e poupar os coelhos? Precisamos esclarecer que o teste de endotoxina bacteriana averigua apenas a presença de pirogênio de origem microbiana, e, como já sabemos, os pirogênios também podem ser de não origem microbiana, os quais não são possíveis de serem detectados pela técnica in vitro. Para ilustrar, tomemos como exemplo o medicamento arteméter solução injetável, indicado para o tratamento da malária em estado grave. Segundo sua monografia publicada na Farmacopeia Brasileira, 6ª edição, esse medicamento deve cumprir com o teste de pirogênio, não havendo a opção alternativa do teste de endotoxina. Por outro lado, para o insumo farmacêutico cloranfenicol, pode-se utilizar o método de pirogênio ou o método de endotoxina bacteriana. Em realidade, de acordo com a Farmacopeia Brasileira, são poucos os produtos farmacêuticos que oferecem como opção apenas o teste de pirogênio. A grande maioria das substâncias podem atestar apirogenicidade mediante a técnica de endotoxina bacteriana, ou seja, técnica in vitro, que será mais bem detalhada a seguir. O teste de endotoxina bacteriana tem por objetivo detectar e/ou quantificar a presença de endotoxinas produzidas por bactérias gram-negativas em produtos para os quais o teste é recomendado. Esse teste também é conhecido pela sigla LAL, proveniente da expressão “lisado de amebócitos de limulus”, já que o reagente do teste é preparado a partir do extrato aquoso dos amebócitos (semelhante a uma plaqueta humana) circulantes no Limulus polyphemus, uma espécie de artrópode em forma de ferradura de cavalo (figura a seguir). Figura 57 – Limulus polyphemus, popularmente conhecido como caranguejo ferradura de cavalo Disponível em: https://bit.ly/3L0wiWt. Acesso em: 21 mar. 2022. 154 Unidade III Detalhando a obtenção desse reagente, sob contenção, realiza-se a sangria dos animais introduzindo uma agulha estéril e apirogênica através do músculo entre as regiões cefalotorácica e abdominal. A hemolinfa, que é azul devido à alta concentração de hemocianina cuprosa, flui livremente para recipiente adequado contendo um anticoagulante, já que fora do corpo desse animal tende a coagular (figura a seguir). Figura 58 – Processo de extração de hemolinfas de Limulus polyphemus Fonte: Maloney, Phelan e Simmons (2018, p. 3). Estão presente nessa hemolinfa os amebócitos, única célula circulante no sangue desse animal, responsável pela coagulação da hemolinfa desses animais na presença de endotoxinas das bactérias gram-negativas. A mistura entre hemolinfa e anticoagulante é centrifugada, sendo o sobrenadante desprezado. O precipitado, contendo os amebócitos, é então lavado com cloreto de sódio para remoção dos resíduos de anticoagulante. Após o procedimento, os amebócitos são rompidos por algum procedimento mecânico a fim de liberar o conteúdo intracelular. O produto aquoso resultante é então liofilizado, permanecendo estável, a 4 ºC, por pelo menos três anos. O princípio do teste se baseia no trabalho de Levin e Bang (1964), no qual demonstraram que extratos de amebócitos gelificavam na presença de endotoxinas de bactérias gram-negativas. Mais tarde, descobriu-se que a coagulação causada pelas endotoxinas desencadeava uma série de reações enzimáticas em cascata dentro dos amebócitos, as quais originavam a formação de coagulina, proteína causadora do processo de coagulação (figura a seguir). 155 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Endotoxina Fator C Fator B Proenzima Coagulogênio Fator C ativado Fator B ativado Proenzima ativado Coagualina Figura 59 – Ilustração da cascata de coagulação desencadeada por endotoxinas de bactérias gram-negativas nos amebócitos de Limulus polyphemus Fonte: Pinto, Kaneko e Pinto (2015, p. 279). Assim, no teste in vitro, se houver a presença de endotoxinas na amostra em questão, estas entrarão em contato com o reagente LAL, havendo a formação de um gel/coágulo ao inverter o tubo da reação em um ângulo de 180º, sendo tal reação de gelificação à base do método. A figura a seguir ilustra o método de coagulação em gel. A) B) Figura 60 – Ilustração do método de coagulação em gel para detecção de endotoxinas bacterianas, onde se observa reação positiva (A) e negativa (B) Fonte: Pinto, Kaneko e Pinto (2015, p. 281). O método de coagulação em gel é o teste mais simples e mais comum para detecção de endotoxinas bacterianas em produtos farmacêuticos; no entanto, não é a única possibilidade. Trata-se de um método semiquantitativo em que o ponto final da reação é identificado mediante diluições sucessivas da amostra a ser analisada em comparação com diluições da endotoxina padrão, realizadas em paralelo. 156 Unidade III A concentração de endotoxinas é expressa em unidades de endotoxina (UE) e pode ser calculada multiplicando-se a recíproca da mais alta diluição da solução que apresentou ponto final positivo, ou seja, gelificação, pela sensibilidade do reagente LAL, a qual é declarada pelo fabricante. Exemplificando, se asensibilidade do reagente for de 0,01 EU/mL e a última diluição em que houver formação de gel for 1:16, então, a concentração de endotoxina será de 0,16 UE/mL, pois multiplica-se 16 por 0,01. Considera-se um método semiquantitativo porque a concentração real de endotoxina está entre duas diluições seriadas, e o resultado não pode ser extrapolado entre as diluições. Apesar desse teste ser o mais amplamente utilizado entre os testes de LAL e ser adequado para liberação rotineira de diversos produtos farmacêuticos, ele ainda apresenta o inconveniente de impedir a quantificação exata de endotoxina ou, quando o produto apresenta baixa quantidade, impedir a formação de um gel consistente. Assim, para obtenção de resultados mais precisos e mais exatos em relação à concentração de endotoxina em uma amostra, pode-se utilizar o mesmo reagente LAL, mas executando o método turbidimétrico. O teste turbidimétrico baseia-se no fato de que qualquer aumento na concentração de endotoxinas causa um proporcional aumento na turbidez da solução (amostra + reagente LAL), em razão da precipitação da proteína coagulável (coagulogênio) no lisado, a qual é mensurada por espectrofotômetro em comprimento de onda de 340 nm (figura a seguir). Quanto mais turva a solução, maior será a concentração de endotoxina bacteriana presente na amostra testada. Endotoxina Proenzima Coagulogênio Enzima ativada Coagualina (turbidez) Leitura 340 nm Figura 61 – Ilustração da conversão do coagulogênio em coagulina, resultando em turbidez da solução composta por uma amostra mais o reagente LAL, mensurada a 340 nm Fonte: Pinto, Kaneko e Pinto (2015, p. 281). Detalhando o teste, realizam-se várias diluições da amostra a ser avaliada e procede-se com a leitura das suas respectivas densidades ópticas (D.O.), comparando os resultados da D.O. com uma curva-padrão, a qual correlaciona concentrações conhecidas de endotoxinas (substância presente no kit de reagentes LAL) versus D.O. obtidas com tais concentrações. Deve-se ter em mente que a quantificação de endotoxinas pelo método turbidimétrico exige que o lisado seja diluído em níveis que impeçam a formação de coágulo. 157 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Independentemente do método utilizado, a amostra atende às exigências do teste se a concentração de endotoxina for menor que o limite estabelecido por sua monografia. Por exemplo, a solução injetável de cloridrato de cimetidina, segundo sua monografia contida na Farmacopeia Brasileira, 6ª edição, pode conter um máximo de 0,5 UE por mg de cloridrato de cimetidina contido na solução injetável. Assim, se ao realizar umas das técnicas de detecção de endotoxina bacteriana os valores estiverem acima de 0,5 UE, o produto é considerado reprovado. 7.1.7 Salas limpas Antes de nos aprofundarmos no tema salas limpas, é preciso entender que a produção de produtos estéreis pode ser dividida em dois grupos: • Esterilização terminal: quando os produtos são submetidos à esterilização após o envase, sendo que o processo esterilizante pode ser do tipo térmico, químico ou irradiação. Neste caso, os parâmetros descritos no item 7.1.3 desta unidade são imprescindíveis de serem controlados. • Processo asséptico: especialmente importante para a preparação de produtos farmacêuticos ou correlatos que não suportam altas temperaturas de autoclavação e que, portanto, não devem ser esterilizados após envase. Os processos assépticos são projetados para prevenir a contaminação de constituintes estéreis envolvidos na produção de um produto final termolábel. Assim, um produto processado assepticamente é aquele em que os componentes foram esterilizados previamente por algum tipo de processo esterilizante – por exemplo, filtração, no caso de produtos líquidos; calor seco, para materiais de vidro; e autoclavação ou gás de óxido de etileno, para materiais de acondicionamento polimérico. Além disso, no processo asséptico, o local onde os insumos são manipulados e o momento do envase do produto final (enchimento asséptico) são considerados pontos críticos, devendo ser realizados dentro do que chamamos de salas limpas. Define-se como sala limpa o ambiente no qual a concentração de partículas em suspensão no ar é controlada. Em um ambiente não controlado, forma-se naturalmente um aerossol de partículas de diferentes origens, as quais, frequentemente, estão associadas a contaminantes microbianos. Assim, as salas limpas são idealizadas e utilizadas visando à diminuição da entrada, geração e retenção de partículas em seus interiores. Parâmetros como temperatura, umidade e pressão também são controlados conforme a necessidade. As partículas em um ambiente são diferenciadas em viáveis, ou seja, microrganismos vivos, e partículas não viáveis, em que se inclui pó, poeira ou fibras de tecido da vestimenta, por exemplo. O monitoramento e controle do ambiente no que tange a tais partículas são de fundamental importância, já que são parâmetros necessários para alcançar as exigências relativas à quantidade de material particulado dentro das salas e para assegurar a esterilidade estabelecida para os produtos. Portanto, as salas limpas são projetadas para garantir a qualidade do ar mediante o uso de equipamentos adequados, em que os processos são executados por equipe treinada e paramentada, seguindo as imposições estabelecidas para cada operação a ser conduzida. 158 Unidade III Falaremos primeiramente sobre a qualidade do ar nas salas limpas, bem como todos os aspectos relacionados ao tema. O principal método de redução do número de partículas viáveis e não viáveis no ar das salas limpas é conhecido como sistema HVAC, proveniente da expressão em inglês heating, ventilation and air-conditioning, sendo também conhecido pela sua denominação em português AVAC (contração de “aquecimento”, “ventilação” e “ar-condicionado”). Esse sistema é composto por um filtro absoluto de alta eficiência, conhecido pela sigla HEPA (high efficiency particulate arrestance), formado por um arranjo randomizado de fibras de vidro com poros variando de 0,1 μm a 10,00 μm, sendo bastante eficiente na remoção de partículas em um fluxo de ar, e um pré-filtro que evita que o filtro HEPA fique sobrecarregado e bloqueado. O monitoramento da qualidade do ar por meio de análises da concentração de partículas suspensas no ar é regulado pela norma ABNT NBR ISO 14644-1 de 11/2019 – salas limpas e ambientes controlados associados – parte 1: classificação da limpeza do ar. Os fabricantes de salas limpas utilizam esse documento de modo a orientá-los na construção, preparação e manutenção dos ambientes, já que a quantidade de material particulado em suspensão classifica as salas limpas conforme a tabela a seguir. Tabela 13 – Classificação das salas limpas de acordo com o número máximo permitido de partículas por m3 a depender do tamanho do ambiente e da condição de processamento dentro das salas limpas Grau da sala Número máximo de partículas por m3 Sala em repouso Sala em funcionamento ≥ 0,5 µm ≥ 5,0 µm ≥ 0,5 µm ≥ 5,0 µm A 3.520 20 3.520 20 B 3.520 29 352.000 2.900 C 352.000 2.900 3.520.000 29.000 D 3.520.00 29.000 Não definido Não definido Adaptada de: Brasil (2019a). Perceba que a tabela anterior delimita um valor máximo de partículas em situações de repouso da sala, ou seja, em momento não operacional, e em funcionamento. Essa distinção foi necessária, pois diversos componentes das salas limpas são fontes geradoras de partículas, incluindo os próprios equipamentos e operadores. É importante salientar que, para monitorar a qualidade do ar e garantir que a sala limpa atenda às especificações de acordo com sua classificação e que não haja eventos de contaminação que possam afetar o processo ou o produto, é necessário o emprego de um equipamento que possa contar e dimensionar o tamanho das partículas. O contador de partículas trabalha detectando partículas à medida que elas passam através de um feixe de luz emitido por umafonte de laser. A figura a seguir ilustra um modelo de contador de partículas. 159 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Figura 62 – Contador de partículas em suspensão no ar Fonte: William (2013, p. 146). Outra informação importante que podemos extrair da tabela anterior é que, de acordo com a quantidade e o tamanho das partículas, as salas são classificadas em graus, sendo eles: • Grau A: sala limpa que permite baixo número de partículas, sendo considerada uma área para operações de risco, tal como o envase, momento em que tampas, ampolas e frasco-ampolas estão expostos ao ar ambiente. Em salas como essas ocorrem as conexões assépticas, ou seja, o fechamento dos frascos com suas respectivas tampas ou selamento de ampolas. As salas de grau A operam com fluxo de ar unidirecional, que será posteriormente discutido. • Grau B: sala limpa um pouco mais permissiva no que se refere ao número de partículas suspensas no ar, sendo adequada para ambientes que circundam a área de grau A. Essa área não é totalmente estéril, mas exige um controle rígido da qualidade de limpeza e do ar, já que pode comprometer o grau de esterilidade da área de grau A por contaminação cruzada. • Grau C e D: comparadas com as salas de grau A e B, nestas salas permite-se um número maior de partículas, sendo indicadas para a execução de etapas menos críticas do processo de fabricação de produtos farmacêuticos estéreis ou para a produção de medicamentos não estéreis. Em suma, podemos dizer que, em processos assépticos, o manuseio de materiais auxiliares após a lavagem deve ocorrer em um ambiente, no mínimo, classificado com grau D, enquanto o manuseio de materiais auxiliares e matérias-primas estéreis, a não ser que sejam submetidos após envase a algum processo de esterilização, deve ocorrer em sala do tipo grau A rodeada por um ambiente de grau B. Em situação idêntica, devem ocorrem a manipulação e o envase de produtos finais obtidos assepticamente. 160 Unidade III Além do controle do número e tamanho das partículas suspensas no ar pelos sistemas de filtração, as salas limpas precisam planejar adequadamente o fluxo de entrada e saída de ar, de forma a garantir a qualidade de sua distribuição. Existem dois tipos de fluxos de ar em salas limpas: unidirecional (laminar) e não unidirecional (turbulento). A figura a seguir ilustra essas duas situações. A) B) Retorno do ar Retorno do ar Fluxo unidirecional ou laminar Fluxo não unidirecional ou turbulento Grade de retorno Fundo falso Filtro HEPA Filtro HEPA Figura 63 – Ilustração do fluxo de entrada e saída de ar de distribuição unidirecional/laminar (A) e não unidirecional/turbulento (B) Adaptada de: Pinto, Kaneko e Pinto (2015, p. 212). 161 CONTROLE DE QUALIDADE DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Em salas que o ar é fornecido de forma unidirecional/laminar, o ar passa através do filtro HEPA, o qual está distribuído por todo o teto da sala. No assoalho dessa sala, há um piso perfurado (fundo falso) que permite que o fluxo de ar se mantenha renovado. Devido ao alto custo atribuído ao filtro HEPA, essa concepção de sala limpa é recomendada apenas para salas de grau A, principalmente quando produtos, embalagens e sistemas de fechamento estão expostos. Nas demais salas limpas da área farmacêutica, prevalecem os fluxos não unidirecionais ou turbulentos, onde unidades isoladas de filtros HEPA são posicionadas no teto da sala para fornecer ar filtrado de alta qualidade. Essa configuração exerce um efeito de diluição da contaminação da sala, removendo partículas contaminantes com o fluxo constante de ar e a substituição do ar sujo por ar limpo. Outro detalhe importante que contribui para a qualidade do ar nas salas limpas são as antecâmeras. As antecâmeras são áreas projetadas e destinadas à paramentação com roupas adequadas e exigidas para adentrar as áreas limpas, além de funcionar como separação física entre ambiente produtivo e exteriores, mitigando a contaminação microbiana e por partículas. Detalhando um pouco mais sobre a paramentação, considerando que a mão de obra humana é uma das principais fontes de contaminação na indústria farmacêutica, é imprescindível que os colaboradores sejam treinados e capacitados quanto à paramentação adequada para essas áreas, o que inclui macacões, luvas e outros itens que propiciam a cobertura total da superfície do corpo. Muitas partículas e bactérias são dispersas pelas pessoas trabalhando em uma sala limpa. Assim, uma vestimenta especial é utilizada para controlar essa dispersão e, dessa forma, minimizar a contaminação dentro das salas limpas. Saiba mais Para ilustrar a vestimenta completa obrigatória para as salas limpas e entender na prática como deve ser colocada e retirada, assista ao vídeo: ASEPTIC Gowning for the Cleanroom. Por BioNetwork. [s.I.], 2015. 1 vídeo (15 min.). Disponível em: https://bit.ly/3Ntb2dU. Acesso em: 28 mar. 2022. Além da devida paramentação, os operadores das salas limpas precisam ser treinados e supervisionados quanto à disciplina. Dentro de uma sala limpa, muitas regras de conduta devem ser seguidas para assegurar que produtos não sejam contaminados. Uma delas diz respeito à movimentação dentro desses ambientes. Os operadores devem se movimentar lentamente, já que movimentos rápidos, além de promover maior dispersão de partículas, interrompem o fluxo de ar unidirecional, o que pode resultar em maior risco de contaminação no fluxo interrompido. Para que se possa ter ideia da influência do comportamento pessoal em relação ao número de partículas suspensas no ar, observe a figura a seguir. 162 Unidade III Sentado, quieto Partículas geradas por min. = 100.000 Em movimento Partículas geradas por min. = 1 milhão Andando Partículas geradas por min. = 5 milhões Figura 64 – Dispersão de partículas a depender da movimentação dos operadores Fonte: William (2013, p. 192). A limpeza das salas limpas também é parâmetro muito bem controlado, o que implica que superfícies, como tetos e paredes, sejam construídas com material sem irregularidades, apresentando-se lisas, facilitando a sanitização recorrente. Vimos, até o momento, que controlar o nível de partículas suspensas no ar é de fundamental importância. No entanto, é preciso dizer que o monitoramento de partículas suspensas no ar das salas limpas não nos dá informações sobre o conteúdo microbiológico nesses ambientes. Como bem vimos, os contadores de partículas medem partículas de tamanho igual ou superior a 0,5 μm; no entanto, os microrganismos são carregados pelo ar por partículas de 10 μm a 20 μm. Assim, existe a necessidade do monitoramento microbiológico ambiental de rotina nesses ambientes. O monitoramento microbiológico ambiental é uma medida adotada para obter resultados quantificáveis da carga microbiológica nos ambientes onde ocorre a produção de produtos farmacêuticos estéreis. Junto aos dados da quantidade de partículas dispersas no ar, é definido se o local analisado está de acordo com os requisitos estabelecidos para sua classificação. Um programa de monitoramento ambiental deve integrar um plano de amostragem que inclua amostras coletadas em pontos críticos, ou seja, pontos em que pode haver contaminação do produto se inadequadamente manipulado, sobretudo locais com os quais o produto entra em contato direto, de forma transitória ou constante, como bocais de enchimento/agulhas utilizadas durante o envase. Em grande parte das situações, esses pontos de amostragem são escolhidos baseando-se em estudos de análise de risco ou através de resultados prévios de monitoramento ambiental durante a classificação da sala limpa em questão. Também é importante dizer que a amostragem deve ser conduzida durante o funcionamento normal das salas limpas para possibilitar a coleta de dados significativos, ou seja, quando os materiais estiverem em área e o processamento já estiver ocorrendo com todos os funcionários em operação. 163 CONTROLE DE QUALIDADE
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