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AULA 2 TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA CASAIS Prof.ª Carolina Miranda do Amaral e Silva 2 CONVERSA INICIAL Nesta segunda aula, iremos apreender os processos cognitivos e seus componentes, com exemplos de distorções cognitivas no relacionamento conjugal. Veremos questões relacionadas a apego, consolidação e manutenção de relacionamentos românticos, e efeitos do apego e dos afetos na qualidade e satisfação conjugal. Apreenderemos sobre os processos de mudança comportamental, com base na Teoria do Intercâmbio Social e na reciprocidade no relacionamento conjugal. Então, vamos estudar a maneira como os esquemas e sua transgeracionalidade interferem nas relações conjugais. E por último, discutiremos a resistência no processo de mudança. TEMA 1 – PROCESSOS COGNITIVOS Os pensamentos inadequados, as crenças sobre os relacionamentos, as expectativas, as atribuições, entre outros processos mentais, de acordo com diversos estudos (Baucom et al., 1989; Fincham et al., 1990, citados por Peçanha, 2005), exercem um papel significativo na qualidade de interações entre parceiros em uma relação. As distorções cognitivas – advindas de falhas no processamento de informações, erros de interpretação e raciocínios ilógicos no pensamento de um indivíduo – têm influência negativa em relacionamentos conjugais (Peçanha, 2005). Conforme o modelo descrito por Beck (1995), as distorções de raciocínio mais comuns entre casais, são: Abstração seletiva: as informações ambientais passam por um processo de seleção, que confirma o pensamento distorcido e ignora fatos contrários evidenciados. Será influenciada ainda pelo pensamento dicotômico; a atenção acaba por ser altamente seletiva (Peçanha, 2005). Exemplo adaptado de Peçanha (2005): Diego deixa de recolher um dos brinquedos de Sara, sua filha. Diana, esposa de Diego, pensa “ele me trata como se eu fosse escrava”, deixando de perceber que ele tinha retirado os outros brinquedos e arrumado a sala. Neste caso, Diana está atenta somente às possíveis falhas do marido, que podem estar relacionadas à ideia de exploração. Hipergeneralização: o indivíduo passa a criar regras gerais para situações específicas, com base em fatos isolados. Neste tipo de distorção, aparecem palavras como sempre, nunca, nada, tudo, nenhum, todos etc., (Peçanha, 3 2005). Exemplo adaptado de Peçanha (2005): Joana é criticada pelo esposo por não comprar um aparelho doméstico, então pensa, “ele sempre me critica”. Inferência arbitrária: maneira tendenciosa de concluir situações especificas sem provas concretas. Esse tipo de distorção é mantido por relações estreitas com atribuições e expectativas dos membros do casal (Peçanha, 2005). Exemplo adaptado de Peçanha (2005): Juliana recebe um presente de Eduardo, seu esposo, fora de uma data festiva. Então, Juliana conclui: “ele está me agradando, porque está me traindo”. Ela não pergunta o motivo e deixa de saber que ele queria agradá-la e quebrar a rotina. Personalização: interpreta-se acontecimentos interpessoais de forma egocêntrica; é um tipo de inferência arbitrária. Exemplo adaptado de Peçanha (2005): Luísa vê Antônio, seu esposo, trocando a fralda de seu filho e conclui “ele anda tão insatisfeito como a maneira que eu trato o bebê que resolveu fazer por ele mesmo”. Rotulação negativa: são construídos traços sobre si ou sobre o outro com base em situações que aconteceram no passado. Essa rotulação, muitas vezes, vem de atribuições negativas dadas às causas do comportamento de cada um. Exemplo adaptado de Peçanha (2005): Camila conversa com Leonardo sobre os gastos financeiros, e no meio da conversa ele discorda que ela compre uma TV nova, e ela pensa “como ele é avarento”. Camila esqueceu que naquele mês havia a matrícula das crianças no colégio e não poderiam ter mais contas. Leitura de pensamentos: é a distorção cognitiva mais comum nos relacionamentos, e é um tipo de inferência arbitrária. Os parceiros tentam adivinhar, a todo tempo, o que o outro está sentindo ou pensando. Exemplo adaptado de Peçanha (2005): Miguel vê Ana ligando para sua amiga e pensa “ela não quer falar comigo e prefere conversar com a amiga, acho que ela não gosta mais de mim”. Contudo, Ana ligou para Flávia para não o atrapalhar enquanto ele assistia futebol. Pensamento dicotômico: é o pensamento “tudo ou nada”, uma forma de pensar extremada. Não existe um equilíbrio, as categorias criadas pelo parceiro são mutuamente excludentes. Exemplo adaptado de Peçanha (2005): Eduardo faz uma pergunta a Fernanda e ela não o responde, logo ele pensa “ela me odeia”. Ele só não percebeu que ela estava assistindo um documentário para a faculdade. 4 Maximização e minimização: o parceiro avalia a situação com um peso maior ou menor do que realmente teve. Leva-se em conta os aspectos negativos, desqualificando-se os positivos. Exemplo adaptado de Peçanha (2005): quando Luiz lembra o aniversário de seu casamento com Helena, ela pensa “lembrar o dia em que nos casamos é uma prova de seu amor por mim”. Todavia, caso ele esqueça, ela pode pensar “não lembrar o dia que casamos significa que ele não me ama mais”. O desajustamento conjugal envolve outros tipos de processos mentais, além de pensamentos automáticos, distorções cognitivas e crenças disfuncionais. Suposições, padrões, expectativas, atribuições e atenção seletiva também estão envolvidos no conflito conjugal (Kurked, 1992), mas é preciso entender que eles por si só não são problemáticos, pois são componentes centrais no desenvolvimento e na manutenção de relacionamentos interpessoais. O problema vem quando são assumidos julgamentos errados, formas tendenciosas, inflexíveis e rígidas (Dattilio, 2004). Baucom et al. (1989) elencam cinco categorias de fenômenos cognitivos interligados, importantes no desenvolvimento e manutenção do conflito conjugal, que aparecem como resultado de processos cognitivos. Essas categorias são (Dattilio, 2011): 1. Atenção seletiva: processo de percepção, em que uma pessoa irá captar informações de uma situação conforme faz sentido ao seu ponto de vista, ignorando dados que se encaixem no perfil do relacionamento. 2. Atribuições: são inferências que os parceiros fazem sobre causa e responsabilidade do acontecimento de determinada situação. Utilizam-se de uma dinâmica das interações causa e efeito. 3. Expectativa: são as atribuições sobre os comportamentos, que irão conduzir a previsões sobre o comportamento futuro. Essas atribuições criam expectativas, e têm um efeito profundo sobre as pessoas e sobre a maneira como se comportam. 4. Suposições: são as crenças que os cônjuges têm sobre o relacionamento, que governam ou envolvem o que as pessoas pensam sobre o mundo e sobre a maneira de agir dos demais. É parte do modelo que usam para seguir o seu caminho pela vida. 5. Padrões: são baseados em princípios, em crenças individuais sobre o que deve ser um relacionamento, e como deve ser o parceiro. Usados para avaliar o comportamento do outro (o comportamento esperado). São bem arraigados; 5 o papel de homem e mulher gera discordâncias nos relacionamentos. Os padrões podem se desenvolver como resultado de uma experiência religiosa ou cultural, como exposição à mídia ou fruto de interações sociais anteriores. As crenças estão estreitamente relacionadas à maneira como os pares interpretam situações cotidianas, tomam decisões em relação ao comportamento do cônjuge, e elaboram seus juízos de valores (Beck, 1995). TEMA 2 – APEGO E AFETO Entre as décadas de 1940 e 1950, o psicanalista britânico John Bowlby apresentou uma teoria baseada em insights que combinava a teoria das relações objetais, a etnologia pós-darwiniana, a cibernética (teorias sistêmicas de controle), a psicologia do desenvolvimento cognitivo moderno e a psiquiatria comunitária(Dattilio, 2011). Tal teoria foi chamada de Teoria do Apego, pois Bowlby acreditava que havia um papel vital no desenvolvimento humano, “desde o berço até a morte”, referente aos padrões de apego observados em interações bebê-cuidador. Bowlby foi pioneiro na discussão das diferenças individuais no funcionamento do sistema de apego em relacionamentos românticos e conjugais, o que se reflete em como os membros do casal lidam um com o outro, conforme sua história de apego. Shaver e colaboradores (1988, citados por Dattilio, 2011) sugeriram que os vínculos de apego romântico na idade adulta são vitais e assemelham-se ao vínculo formado entre o bebê e seus cuidadores primários. Esse estudo prosseguiu gerando pesquisas sobre estilos de apego e seu sucesso/fracasso nos relacionamentos conjugais. De acordo com Bowlby, quatro comportamentos básicos caracterizam os vínculos de ligação: 1. Busca de proximidade 2. Comportamento de abrigo seguro 3. Estresse de separação 4. Comportamento de base segura Durante os períodos de estresse, particularmente, esses comportamentos são mais evidentes; é o momento em que se observa o conforto e a segurança que os cônjuges derivam um do outro (Dattilio, 2011). 6 2.1 Estilos de apego Os bebês usam sua figura de apego (mãe ou cuidadores primários) como base segura para explorar o mundo; então, quando se sentem ameaçados, recorrem a essa figura para buscar proteção e conforto. Esse padrão pode variar em duas estratégias de apego inseguros: na evitação, quando o bebê tende a inibir a busca de apego; e na resistência, quando o bebê se apega à mãe e passa a evitar a exploração. Para além da importância no início da vida, esta base no relacionamento com os pais ou cuidadores é transferida, ainda que reformulada, nas relações conjugais. A cognição, as emoções, os comportamentos e a fisiologia que se desenvolvem no repertório relacional pertencem aos estilos de apego. Bartholomew e Horowitz (1991, citados por Dattilio, 2011) acreditam que os processos de pensamento, ajustados conforme uma crença ou esquema (considerar-se digno ou indigno de amor e de intimidade e julgar os outros como confiáveis ou não confiáveis), caracterizam os estilos de apego maduro, formando quatro estilos de apego: 1. Apego seguro: o indivíduo tem uma visão de si mesmo como digno e dos outros como confiáveis, permitindo que se sinta à vontade com a intimidade e a autonomia. 2. Preocupado: o indivíduo mantém uma visão negativa de si mesmo, contudo positiva em relação aos outros, o que o torna superenvolvido em relacionamentos próximos e dependente dos outros para sentir-se valorizado. 3. Intimidado-esquivo: o indivíduo tem uma visão negativa de si mesmo e dos outros, temendo a intimidade e evitando relacionamentos com outras pessoas. 4. Rejeição: o indivíduo mantém uma visão positiva de si, mas negativa em relação aos outros, fazendo com que evite relacionar-se com outras pessoas, preferindo manter sua independência e evitando os relacionamentos íntimos. O apego é fundamental nos relacionamentos. Pesquisas mostram que as crianças se inibem quando o apego é rompido e o ambiente familiar é negativo, fazendo com que não desenvolvam habilidades de enfrentamento necessárias para garantir proteção contra vulnerabilidades e fatores de estresse social. Dessa forma, a insegurança resultante de dificuldades no início da vida afeta a expressão do respeito, admiração e gratidão direcionada ao cônjuge. Para Gottman (1994, citado por Dattilo, 2011), isso tem grande impacto em relacionamentos de longo prazo. Parceiros com apego seguro relatam mais satisfação em seus relacionamentos, devido à correlação positiva entre apego adulto e satisfação conjugal (Mikulincer et al., 2002, citados por 7 Dattilio, 2011). O impacto do estilo de apego também afeta a progressão da intimidade nas relações, assim como o compromisso e a tolerância. Se as inseguranças resultantes do estilo de apego reduzem a qualidade conjugal, dificuldades, danos e conflitos podem perpassar para outros subsistemas familiares e afetar o funcionamento familiar. A transmissão do apego de pais para filhos pode ter um impacto profundos em suas vidas (Dattilio, 2011). 2.2 Amor romântico O conceito de amor romântico (amor ideal) é um construto social, que ganha força no imaginário social como uma força mágica, que faz com que os parceiros persigam o inatingível. E quando não o atingem (o que é quase óbvio), sentem inadequação e frustração. Aron e Westbay (1996) afirmaram que é possível que duas pessoas desconhecidas se apaixonem (a ideia do amor à primeira vista) em poucas horas. O estudo conduzido pelos autores procurou demonstrar que as vulnerabilidades de ambos os parceiros são capazes de cultivar proximidade e intimidade. No Ocidente, as pessoas crescem com a ideia de que o amor produz uma sensação mágica, e que corresponde aos seus desejos e angustias básicas de vida, como a necessidade de completude. O mito do amor romântico faz com que o indivíduo atribua ao outro qualidades inexistentes, efetivando idealizações. Dessa forma, o outro passa a ter o dever de suprir suas necessidades e lhe trazer felicidade. Isso não significa colocar muita responsabilidade sobre sua vida na “mão” do outro? A verdade é que isso gera uma dependência emocional extremamente prejudicial à relação. O amor idealizado não se equilibra com a necessidade de esforços mútuos, construção diária, concessões, tampouco descortina os defeitos do outro como obstáculos à relação. Há um enorme condicionamento cultural aqui; o indivíduo não percebe até onde vão seus desejos, e até onde vai aquilo que aprendeu a desejar. A realidade atual não dá mais conta desse construto, já que nos relacionamentos contemporâneos, cada vez mais, preza-se pela individualidade dos pares. E isso traz aos terapeutas uma importante reflexão sobre crenças, padrões, suposições, atribuições e sobre o estilo de apego dos cônjuges. Para Costa (1998), não se contestam as regras comportamentais, sentimentais ou cognitivas interiorizadas no aprendizado sobre o amar, pois busca-se sempre uma explicação, atribuindo a culpa para a impossibilidade a si, aos outros e ao mundo, quando não se realiza o ideal imaginário de amor. 8 2.3 Experimentação e expressão de afetos A experiência e a expressão de afetos é uma área bastante problemática para os terapeutas, pois para que um paciente possa expressar uma emoção, precisa experienciá-la. A distância emocional é uma razão tão comum quanto a comunicação problemática na busca de casais por terapia. A maneira como os pares experienciam e expressam suas emoções é afetada pelas estruturas de personalidade; por conseguinte, cônjuges com transtornos de personalidade experienciam uma emoção de maneira mais fragmentada, e não ficam seguros do que sentem (Dattilio, 2011). Exemplificando: a raiva é uma emoção que pode ser expressada de várias maneiras, na maioria das vezes de forma passivo-agressiva (quando um cônjuge gasta além do combinado entre o casal, ou quebrando objetos da casa). Com frequência, a complexidade desenvolvida no relacionamento se deve às reações das outras pessoas às expressões emocionais, que acabam por formar intercâmbios negativos. É comum adaptar-se aos padrões de expressão emocional do outro, de maneira a sufocar ou provocar conflito. Quando, em uma interação, são expressados sentimento negativos, tal como desprezo, a sequência pode ser um resultado negativo. Para Gottman e Gottman (1999), a quantidade de desprezo expressada na interação entre parceiros é o melhor prognóstico individual do divórcio. Os autores descobriram ainda uma maior probabilidade de o casal resolver conflitos quando os cônjuges expressavam uma emoção imediatamente (a raiva, por exemplo), em comparação a casais que mantêm o sentimento de desprezopor tempo prolongado. Em um relacionamento, as crenças sobre a maneira como se deve expressar emoções têm grande relevância, principalmente em questões relacionadas a gênero, pois as mulheres se sentem mais à vontade que homens para expressar suas emoções e dar importâncias a elas (Brizendine, 2006, citado por Dattilio, 2011). Pode ser uma desvantagem séria para os homens ser incapaz de entrar em contato com as próprias emoções, com a experiência do momento, em consonância com suas sensações. Frequentemente, ao longo do processo de terapia com casais, é importante facilitar a expressão das emoções, de maneira a ajudar os pares a expressar sentimentos adequadamente, para que não sejam contidos, e liberados de forma destrutiva mais tarde. 9 TEMA 3 – O PAPEL DA MUDANÇA COMPORTAMENTAL E A RECIPROCIDADE NOS RELACIONAMENTOS A Teoria do Intercâmbio Social é um componente importante na terapia cognitivo-comportamental com casais. As terapias de casal com maior suporte empírico têm suporte na abordagem comportamental, e se concentram na mudança direta do comportamento, maximizando os intercâmbios positivos e minimizando os intercâmbios negativos. Frequências diárias mais elevadas de eventos negativos, comparados aos positivos, fazem parte do relato da maioria dos casais infelizes. A teoria irá se concentrar em custos e benefícios associados aos relacionamentos, enfatizando que existe um lado negativo nas condições sociais particulares, como ser solteiro ou casado, e há momentos em que predomina o lado negativo, levando-o a encarar sua condição social com pesar. A Teoria do Intercâmbio Social foi concebida por Homans, e elaborada mais tarde por Thibaut e Kelley, que aplicaram o conceito à dinâmica dos relacionamentos conjugais, identificando padrões de interdependência (Dattilio, 2011). A base da teoria são as teorias econômicas, compreendendo a interação do casal através de uma lente de intercâmbio de custos e recompensas. Os custos correspondem às razões que fazem com que o relacionamento seja indesejável (maus hábitos e/ou temperamento do cônjuge). As recompensas correspondem às razões que levam os parceiros a manter o relacionamento (bondade e sensibilidade). Frequentemente, o equilíbrio entre custos e recompensas que contribui para que os casais determinem a satisfação ou insatisfação conjugal. Coordenar esforços dos cônjuges para que possam contribuir para os objetivos um do outro depende do quanto buscam satisfazer as necessidades e os objetivos um do outro na relação. Mesmo que haja interdependência, um ou ambos podem desejar resultados interdependentes, ou fora do casamento. Ao longo do tempo, geralmente, haverá mudanças contínuas em relação à interdependência do casal, como em que extensão buscam satisfazer seus objetivos e necessidades no relacionamento (Kelly, 1959, citado por Dattilio, 2011); dessa forma, pode-se deparar com um conflito em relação a vários aspectos: 1. Mutualidade da dependência: em uma área de resultado os cônjuges são ambos dependentes, ou um deles é unilateralmente dependente? 2. Grau de dependência: maior dependência, maior intensidade. 10 3. Correspondência do resultado: o resultado desejado por um indivíduo depende de suas opções, das do cônjuge ou da combinação de ambos? É importante atentar-se para o nível de comparação para as alternativas (Kelly, 1959, citado por Dattilio, 2011), pois os cônjuges, quando estressados, percebem recompensas e custos da vida a só, ou se vivem com o outro, pesando-os em uma análise custos-recompensas para permanecer na relação. Mesmo com recompensas baixas, o cônjuge pode perceber que o custo do divórcio pode ser alto demais. A comparação é feita com aquilo que está diante de si; as recompensas para o custo de se permanecer na relação são avaliadas em contraposição às alternativas externas ao relacionamento; o resultado líquido promove maior ou menor compromisso com a relação. De acordo com a Teoria do Intercâmbio, é possível determinar o grau de dependência do parceiro, que resulta em alta tolerância às baixas recompensas do relacionamento (exemplificando, explicaria em parte o que leva um cônjuge a permanecer em um relacionamento com abuso físico, ou traição). A dependência extremada e as expectativas em relação a um relacionamento, somadas ao alto custo de sair da relação, revelam a permanência de um cônjuge em um relacionamento, por mais insatisfatório e danoso que ele seja, psicologicamente (Dattilio, 2011). 3.1 Reciprocidade nos relacionamentos O modelo da “conta bancária” de intercâmbio conjugal, proposto por Gottman e colaboradores (1976, citados por Dattilio, 2011), aponta para investimentos positivos que são feitos ao longo do tempo, e que irão sustentar uma reciprocidade não situacional. Comportamentos negativos, ao invés de serem intercambiados, supostamente por razão do acúmulo de intercâmbios positivos, não encontram reciprocidade. Esses resultados são a base para que os casais se encorajem no sentido do aumento dos níveis de intercâmbio positivo, e da redução do intercâmbio comportamental negativo. É importante para o terapeuta a avaliação subjetiva que cada cônjuge faz dos comportamentos desejáveis e agradáveis do parceiro. O padrão de cada um para o que se constitui como intercâmbio equitativo é vital para o relacionamento; o mesmo pode se dizer das atribuições sobre a razão de um dos pares não ceder durante o intercâmbio. As expectativas sobre os futuros intercâmbios de cada um dos cônjuges irão servir para determinar o tom da interação ao longo da relação (Dattilio, 2011). 11 TEMA 4 – COGNIÇÕES E ESQUEMAS TRANSGERACIONAIS Os esquemas, frequentemente, apresentam-se no centro dos conflitos conjugais. Eles influenciam a maneira como o indivíduo processa informações em novas situações, a percepção seletiva, as inferências sobre causas do comportamento do outro, e se está satisfeito ou não com o relacionamento. Durante o processo terapêutico, é comum que os esquemas rígidos mantidos por um dos pares, ou ambos, emerjam e acabem por interferir na modificação dos padrões de interações negativos do relacionamento. Alguns esquemas podem ter sido originados no próprio relacionamento, outros em experiências prévias. Para uma melhor explanação, segue o exemplo: André mantém a crença de que Leticia, sua esposa, tende a chorar facilmente nas discussões do casal, e assim entende que ela sempre irá chorar quando as discussões esquentarem. A expectativa se alinha aos seus esquemas globais mais arraigados sobre características de mulheres e sobre emoções, originados no que “aprendeu” sobre mulheres, e em seus relacionamentos anteriores. Outros esquemas ainda vêm das experiências com a família de origem, e estão profundamente enraizados. Pode haver uma raiz cultural forte, que pode ter sido imposta desde muito cedo no desenvolvimento de André, o que o torna mais resistente a mudar. Os sistemas de crenças procedentes da família de origem geralmente são fortes e com consistência reforçada e internalizada durante o período de desenvolvimento e formação. Esses esquemas transgeracionais podem ser positivos ou negativos, dependendo do conteúdo, e serem conscientes ou inconscientes. Achados na psicologia cognitiva (Baldwin, 1992, citado por Dattilio, 2011) corroboram a experiência comum dos clínicos, que relatam dificuldades de mudanças em esquemas com conteúdos negativos, associados a emoções negativas, e que são fortalecidos ao longo do tempo, sendo reforçados pelas experiências de vida. É difícil também modificar esquemas que não estejam conscientes para o par. Exemplificando: O esquema de uma jovem que se deixa sofrer abuso por parte do parceiro porque acredita ser obrigada a tolerar esse comportamento pelo fato de ser casada, a investigação de sua história talvez revelasse um esquema quefoi moldado pela influência de sua família de origem. Seria possível que seus próprios pais tivessem exemplificado esse tipo de padrão de relacionamento com relação aos papéis dos cônjuges, o que teria desempenhado um profundo efeito no seu sistema de crença subliminar. Não seria difícil perceber como essa mulher desenvolveu tal esquema sobre as obrigações conjugais à luz da exposição repetida dos modelos de papel em sua família de origem” (Dattilio, 2011, p. 90). 12 É importante que se dê ênfase ao exame dos esquemas dos casais, particularmente aos que derivam das famílias no exame de origem, e estão relacionados à funcionalidade dos relacionamentos de maneira intelectual, emocional e comportamental, pois isso envolve padrões amplos que mantêm os relacionamentos íntimos e acabam por contribuir para os conflitos. Muitos desses esquemas não são claros na mente dos pares, mas constituem conceitos vagos do que são ou deveriam ser (Beck, 1995). Quando arraigados desde cedo, esquemas sobre si mesmo e sobre relacionamentos apresentam potencial para funcionamento em nível inconsciente, e por isso são facilmente transferidos entre gerações. Para Dattilio (2011), existem duas categorias principais de esquemas: esquema básico vulnerável; e esquema de enfrentamento protetivo. Welburn et al. (2000) diferenciam os esquemas segundo o posicionamento em uma organização hierárquica, determinado pela importância principal em relação à conexão com necessidades básicas (segurança e ligação); outros seriam mais periféricos (como a necessidade de ser aceito ou reconhecido pelas pessoas). Os esquemas básicos de vulnerabilidade referem-se a falhas dos cuidadores adultos em validar e confirmar as necessidades básicas da criança (como apego) nos primeiros anos de vida. Contudo, esquemas básicos de vulnerabilidade também podem se estabelecer por conta de eventos traumáticos na vida adulta. Para que o indivíduo possa se proteger de seus esquemas de vulnerabilidade, precisará de um esquema de enfretamento protetivo, ou estratégias para lidar com os eventos difíceis e críticos que ativam o esquema vulnerável. É importante deixar claro que as estratégias de enfrentamento nem sempre são eficazes, podendo ser mal adaptativas, tornando-se gatilhos de situações indesejadas. Cabe ao terapeuta o difícil trabalho de tentar modificar os esquemas originados nas famílias de origem de cada um dos cônjuges, assim como a mudança na visão linear de que os problemas são basicamente resultado das falhas do outro. TEMA 5 – RESISTÊNCIA À MUDANÇA Os obstáculos e a resistência à mudança irão aparecer de diversas maneiras ao longo do processo terapêutico. Em determinados momentos, superar a resistência parece impossível, e a terapia torna-se um desafio. Um dos cônjuges pode se recusar ao processo terapêutico; há várias maneiras de lidar com essas situações. O terapeuta pode não fazer esforço algum para o encorajamento dos cônjuges, como pode 13 assumir um papel ativo, com muita criatividade, e ajudar no progresso do casal. Alguns fatores que irão interferir no processo de mudança (Dattilio, 2011): diferença de agendas; ansiedade com relação a mudanças dos padrões existentes no relacionamento. renúncia ao poder e ao controle percebidos; problemas em assumir a responsabilidade pela mudança; obstáculos. Os obstáculos podem ser oriundos do casal, de um dos cônjuges, ou mesmo do próprio terapeuta. Podem estar relacionados a expectativas irrealistas, o que é muito importante de ser trabalhado já no processo de avaliação do casal, ou ainda a obstáculos culturais, como no trabalho com casais interculturais, ou mesmo quando a queixa é relacionada à sexualidade do casal e eles trazem valores religiosos extremamente rígidos e conservadores. Podem ainda estar relacionados a questões étnicas, forças ambientais, psicopatologias, baixo funcionamento intelectual ou cognitivo, efeitos de tratamentos anteriores, pressionar na hora errada para que aconteça ou se facilite um processo de mudança, e a reincidência, quando há retorno a comportamentos negativos anteriores (Dattilio, 2011). Um ponto importante, ainda dentro das resistências apresentadas no processo de mudança, diz respeito à procrastinação, muito comum na prática terapêutica. A procrastinação se refere ao atraso nas tarefas e decisões associadas a um sofrimento psicológico significativo. É um comportamento prevalente e complexo, tendo como base componentes cognitivos, emocionais e comportamentais, que mantêm o procrastinador em sua zona de conforto temporariamente, diante de tarefa aversiva; lembramos que é objeto da TCC a prioridade na modificação de crenças para se produzir mudanças comportamentais saudáveis e satisfatórias (Brito; Bakos, 2013). 14 REFERÊNCIAS ARON, A.; WESTBAY, L. Dimensions of the Prototype of Love. Journal of Personality and Social Psychology, v. 70, p. 535-551, 1996. BAUCOM, D. H. et al. The Role Cognitions in Marital Relationships: Definitional, Methodological and Conceptual Issues. Journal of Consulting and Clinical Psychology, v. 57, n. 31-38, fev. 1989. BECK, A. Para além do amor. Rio de Janeiro: Record, 1995. BRITO, F. S.; BAKOS, D. G. S. Procrastinação e terapia cognitivo-comportamental: uma revisão integrativa. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 9, n. 1, p. 34- 41. 2013. COSTA, J. F. Sem fraude, nem favor: estudos sobre o amor romântico. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. DATTILIO, F. M, Casais e famílias. In: KNAPP, P. (Org). Terapia cognitivo-comportamental na prática clínica psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 377-401. DATTILIO, F. Manual de terapia cognitiva-comportamental para casais e famílias. Artmed: Porto Alegre, 2011. GOTTMAN, J. M.; GOTTMAN, J. S. The Marriage Survival Kit: a Research-based Marital Therapy. In: BERGER, R.; HANNAH, M. T. (Eds.). Preventive Approaches in Couples Therapy. Philadelphia, PA: Brunner/Mazel. 1999. KURDEK, L. A. Assumptions Versus Standards: the Validity of two Relationships Cognitions in Heterosexuals and Homosexuals Couples. Journal of Family Psychology, v. 6, n. 2, p. 164-170, dez. 1992. PEÇANHA, R. F. Desenvolvimento de um protocolo piloto de tratamento cognitivo-comportamental para casais. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. WELBURN, K. et al. Schematic change as a result of an intensive group-therapy day- treatment program. Psychotherapy, v. 37, n. 2, 189-195, 2000.
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