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Diversidade e abundância sazonal da avifauna em duas planícies de maré no estuário da baía da Babitonga, norte de Santa Catarina

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Iheringia, Série Zoologia, Porto Alegre, 103(1):5-11, 31 de março de 2013
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Diversidade e abundância sazonal da avifauna em duas planícies de maré 
no estuário da baía da Babitonga, norte de Santa Catarina
Alexandre V. Grose1,3, Cristiane C. Hillebrant2,3 & Marta J. Cremer3
1. Programa de Pós-graduação em Zoologia, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Av. Cel. Francisco H dos Santos, s/n, Curitiba, PR. (ale.grose@hotmail.com)
2. Rua Leônidas Branco, 219, Centro, 89240-000, São Francisco do Sul, SC. (cris_hillebrand@hotmail.com)
3. Laboratório de Ecologia de Ecossistemas Costeiros, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), Caixa Postal 110, 89240-000, São Francisco 
 do Sul, SC. (marta.cremer@univille.net)
 
ABSTRACT. Diversity and abundance of birds in two tidal flat in Babitonga Bay estuary, north of Santa Catarina state, Brazil. Information 
of birds in estuaries of Santa Catarina is scarce. This work aimed to collect data on diversity, abundance and seasonal variation on this community. 
Sampling of birds in two tidal flats in Babitonga Bay estuary was carried out during one year (May 2006 to April 2007). A total of 25 species 
were identified, being 15 in Linguado (LG) and 24 in Monte de Trigo (MT). Only one species was unique in LG (Himantopus melanurus Vieillot, 
1817) and 10 in MT. The number of species in MT was higher than in LG due to the conservation condition. The most abundant species on MT 
was the Black Skimmer [Rynchops niger (Linnaeus, 1758)] and in the LG was the Little Blue Heron [Egretta caerulea (Linnaeus, 1758)]. During 
some months Nearctic migratory species were recorded in both areas, representing an increase in diversity. The extensive tidal flat formed by the 
closure of the channel in LG is widely used by birds, possibly because of increased food availability.
KEYWORDS. Shorebirds, anthropic areas, Calidris canutus.
RESUMO. Informações sobre a ocorrência de aves nos ambientes estuarinos de Santa Catarina ainda são escassas. O objetivo deste trabalho foi 
registrar a diversidade, abundância e variação sazonal das aves em duas planícies de maré na baía da Babitonga. As amostragens foram realizadas 
durante um ano (maio de 2006 a abril 2007). No total foram identificadas 25 espécies, sendo 15 no Linguado (LG) e 24 na desembocadura do 
Monte de Trigo (MT). Apenas uma espécie foi exclusiva no LG Himantopus melanurus (Vieillot, 1817), enquanto dez espécies ocorreram apenas 
no MT. O número de espécies em MT foi superior ao encontrado em LG. A espécie mais abundante em MT foi Rynchops niger (Linnaeus, 1758) 
e em LG foi Egretta caerulea (Linnaeus, 1758). Durante alguns meses foram registradas espécies migratórias neárticas em ambas as áreas, o que 
representou um acréscimo na diversidade. A extensa planície de maré formada pelo fechamento do canal do Linguado tem sido muito ocupada 
por aves, possivelmente pela maior disponibilidade de alimento. 
 
PALAVRAS-CHAVE. Aves costeiras, áreas antropizadas, Calidris canutus.
 Considerando a extensão costeira e a diversidade de 
ambientes de transição em Santa Catarina, a informação 
sobre a avifauna de ambientes estuarinos do estado ainda 
é escassa, limitando-se a poucos estudos (IBAMA, 1998; 
Branco, 2000; Naka & Rodrigues, 2000; Piacentini 
& Campbell-Thompson, 2006). As aves são elementos 
importantes na dinâmica dos ecossistemas onde vivem, 
o que evidencia sua importância para a conservação 
(Vooren & Brusque, 1999). Utilizam uma variedade de 
ambientes formados a partir da transição terra-mar, como 
baías, estuários, lagunas, planícies de maré e manguezais, 
entre outros (Schreiber & Burger, 2002). Durante 
alguma fase de seu ciclo de vida, diversas espécies de 
aves concentram-se em estuários e dependem da grande 
biomassa que há no sedimento das planícies de maré, 
resultante da produtividade dos ecossistemas costeiros 
(Dias et al., 2006). 
 De acordo com Lourenço et al. (2005), planícies 
de maré são sistemas de alta produtividade, apesar de 
sua área ser relativamente pequena. Estes ambientes 
caracterizam-se por apresentar baixa energia devido 
à reduzida influência de ondas, responsável pela 
deposição de sedimento arenoso-lodoso (Nybakken, 
2001). Em certas épocas do ano sustentam populações 
de várias espécies de aves, entre elas as migratórias 
neárticas que fogem do rigoroso inverno da América do 
Norte (Sick, 1997). Segundo o CEMAVE (2005), 172 
espécies de aves migratórias podem ser registradas no 
Brasil: 102 (59%) são oriundas do hemisfério norte e 70 
(41%) provêm do sul do continente, o que representa um 
acréscimo na diversidade local.
 A maré é o principal determinante do período 
em que as espécies permanecem nessas planícies 
(Odum, 1997). Nesses ciclos ambientais, o período 
de exposição do sedimento varia e a movimentação 
das marés cria breves condições particulares para os 
animais que habitam o sedimento lodoso e para suas 
presas. De acordo com Granadeiro et al. (2006), 
superfícies de sedimentos lodosos nos estuários são 
áreas indispensáveis para o forrageamento, mas sua 
exploração fica condicionada aos movimentos de maré 
e pela salinidade da água intersticial do solo (Vooren & 
Brusque, 1999). 
 Objetiva-se neste trabalho caracterizar as 
comunidades de aves associadas a duas áreas de 
planície de maré, ambas inseridas no estuário da Baía da 
Babitonga, fornecendo informações sobre a diversidade, 
abundância e variação sazonal.
MATERIAL E MÉTODOS
 Área de estudo. A baía da Babitonga localiza-
se no litoral norte de Santa Catarina e abrange parte 
dos municípios de Itapoá, Garuva, Joinville, Araquari, 
São Francisco do Sul e Barra do Sul (FATMA, 2002). 
Constitui uma das áreas estuarinas mais importantes 
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da costa de Santa Catarina, com uma superfície de 
manguezais de aproximadamente 6.200 ha. A baía 
possui águas calmas e quentes, com profundidade média 
de 6 m e máxima de 28 m (FATMA, 2002). As margens 
são formadas por manguezais, praias arenosas e margens 
rochosas, e em seu interior há cerca de 24 ilhas (IBAMA, 
1998). A região apresenta um clima mesotérmico úmido, 
com temperatura média anual de 20,5°C e precipitação 
média de 2.265 mm (Gonçalves et al., 2006).
 Para a realização deste estudo foram amostradas 
duas áreas de planícies de maré: uma localizada no 
braço norte do canal do Linguado (LG) (26°21’38,44”S, 
48°39’46,56”O) e a outra na desembocadura do rio 
Monte de Trigo (MT) (26°12’49,48”S, 48°35’26,41”O). 
O Linguado foi artificialmente fechado em 1907 com o 
aterro de seus dois braços, mantendo apenas uma abertura 
de 120 m no braço sul, sobre a qual foi construída uma 
ponte metálica. Nesse local, o canal possuía largura de 
600 m e cerca de 2,5 m de profundidade; o fechamento 
completo ocorreu em 1939 (Cremer, 2006). Em razão da 
interrupção do ciclo natural das águas, o assoreamento 
foi intenso, formando-se extensas planícies de maré, 
que passaram a oferecer uma área de forrageio para a 
avifauna da região. Porém, este é um ambiente degradado 
pela alteração nas condições físico-químicas da água e 
índices de contaminação (Oliveira et al., 2006), além 
de ser influenciado diretamente pelo tráfego rodoviário 
na BR-280. A área amostrada localiza-se na margem 
oeste do canal. 
 O rio Monte de Trigo é de médio porte, na porção 
norte da ilha de São Francisco do Sul. Sua foz, voltada 
para nordeste, forma ampla coroa de estrutura areno-
lodosa. A desembocadura do rio está nas proximidades 
do Saco do Iperoba, uma enseada localizada nas 
imediações do canal de acesso à baía. Esta região 
encontra-se próxima à ligação da baía com o Oceano 
Atlântico e pode ser considerada uma área que sofreu 
pouca alteração antrópica. 
 A vegetação de manguezal, característica nesses 
ambientes, encontra-se nos dois pontos amostrados e 
a principal espécie em ambas as áreas é Lagunculariaracemosa (mangue-branco), embora também ocorram 
Rizhophora mangle (mangue-vermelho) e Avicennia 
schaueriana (mangue-preto) (Dornelles et al., 2006). 
A vegetação da margem também é composta por plantas 
herbáceas, como gramíneas do gênero Spartina, que 
ocupam a transição água/continente.
 Coleta e análise de dados. Foram realizados 
censos quinzenais entre os meses de maio de 2006 e abril 
de 2007 nas duas planícies de maré selecionadas. Em 
intervalos regulares de 10 min foi efetuada a varredura 
da área para o registro das espécies e do número de 
indivíduos por espécie; foram contadas todas as espécies 
que utilizavam a planície de maré, para alimentação e/
ou repouso, assim como aquelas pousadas nas margens. 
A área de observação compreendeu um ângulo de 180° a 
partir de um ponto fixo na margem e para as amostragens 
foram utilizados binóculos (7x50). As contagens 
sempre iniciaram com a maré baixa, considerando as 
informações obtidas na Tábua de Marés publicada pela 
Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha para o 
Porto de São Francisco do Sul. O período de amostragem 
foi encerrado quando a planície se encontrava totalmente 
encoberta pela água, totalizando, em média, cinco horas 
de observação. A taxonomia e o status de ocorrência das 
espécies no Brasil foram definidos com base no Comitê 
Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO, 2011). 
 Para avaliação da riqueza foi considerado o 
número de espécies, analisando os dados por mês e por 
área. Para a análise da diversidade mensal de cada área 
foi aplicado o índice de Shannon-Wiener. Considerando 
que a cada mês foram realizadas duas amostragens 
por área, foi considerada para o cálculo da abundância 
mensal apenas aquela que apresentava o maior número de 
indivíduos de cada espécie (abundância máxima). Para 
analisar a similaridade entre os meses, foi calculado o 
índice de similaridade quantitativa de Bray-Curtis, com 
o modo de agrupamento “Group Average” no programa 
Primer 5.0 (Clarke & Gorley, 2001).
RESULTADOS
 Foram realizados 47 censos, sendo 24 deles no 
MT e 23 no LG, totalizando aproximadamente 250 horas 
de observação. Foram registradas 25 espécies nessas 
planícies de maré (Tab. I). A família mais representativa 
foi Scolopacidae, com cinco espécies, compondo 20% 
da riqueza, seguida de Ardeidae (quatro espécies; 16%). 
 A curva de acumulação de espécies mostrou uma 
tendência à estabilidade a partir da 12a amostragem no 
Monte de Trigo, enquanto no Linguado essa tendência 
foi atingida a partir da 15a amostra (Fig. 1).
 Na planície de maré do MT foram registradas 
24 espécies, quase o dobro do encontrado no LG (15 
espécies). Entre as espécies identificadas, 14 foram 
comuns entre as áreas, 10 de ocorrência exclusiva no 
MT e apenas uma exclusiva no LG. 
 Em ambas as áreas ocorreram flutuações na 
riqueza ao longo dos meses. No MT o menor número de 
espécies foi registrado em abril (8 espécies) e o maior 
número foi registrado em setembro e outubro (14). No 
LG o menor e maior número de espécies foi registrado, 
respectivamente, em maio e novembro (6 espécies) e em 
janeiro e março (10 espécies) (Fig. 2).
 A diversidade manteve-se estável no LG, com 
um pequeno acréscimo nos meses de verão, quando foi 
registrado o valor mais alto (janeiro; 1,649), e o menor 
índice foi verificado no mês de maio (0,8242). Optou-se 
pela retirada de Rynchops niger (Linnaeus, 1758) para 
esta análise, registrada somente no MT, devido à grande 
abundância nos meses de verão, o que poderia distorcer 
o índice de diversidade durante este período. A variação 
do índice de diversidade no MT foi superior, sendo 
que o maior índice ocorreu no mês de agosto (2,212) 
e o menor em dezembro (1,443) (Fig. 3). Somente no 
mês de dezembro a diversidade no MT foi inferior à 
registrada no LG.
 A abundância média mensal foi de 172 exemplares 
Grose et al.
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no MT e de 116 no LG. No LG a espécie mais abundante 
foi Egretta caerulea (Linnaeus, 1758), representando 
45% da abundância total, com uma média mensal de 52 
indivíduos por censo. No MT a espécie mais abundante 
foi R. niger, representando 58,9% da abundância, com 
uma média mensal de 101 indivíduos por censo. As duas 
espécies mais abundantes por área, juntas, representaram 
53,4% da abundância total.
 A abundância máxima no MT ocorreu no mês 
de janeiro e a menor no mês de maio, enquanto que no 
Tab. I. Lista de espécies registradas nas planícies de maré da baía da Babitonga, Santa Catarina, sul do Brasil [R, residente; VN, visitante sazonal 
oriundo do hemisfério norte (CBRO, 2011); MT, Monte Trigo; LG; Linguado; Min/Max, número mínimo de indivíduos registrado/número máxi-
mo de indivíduos registrado; Meses: os números representam os meses em que a espécie foi registrada na região].
Nome Científico ST MT LG Min/Max Meses
ORDEM PELECANIFORMES
FAMÍLIA PHALACROCORACIDAE
 Phalacrocorax brasilianus (Gmelin, 1789) R X X 1/48 1–12
FAMÍLIA ARDEIDAE
 Ardea cocoi (Linnaeus, 1766) R X X 4/4 1–12
 Ardea alba (Linnaeus, 1758) R X X 1/12 1–12
 Egretta thula (Molina, 1782) R X X 1/54 1–12
 Egretta caerulea (Linnaeus, 1758) R X X 1/86 1–12
FAMÍLIA THRESKIORNITHIDAE
 Theristicus caudatus (Boddaert, 1783) R X - 3/3 8
 Platalea ajaja (Linnaeus, 1758) R X X 1/5 2, 3, 5, 10, 12
ORDEM ANSERIFORMES
FAMÍLIA ANATIDAE
 Dendrocygna bicolor (Vieillot, 1816) R X - 20/20 5
 Anas bahamensis (Linnaeus, 1758) R X X 1/7 1, 9, 12
 Anas sp. - X - 2/2 3
ORDEM FALCONIFORMES
FAMÍLIA FALCONIDAE
 Caracara plancus (Miller, 1777) R X - 4/4 5, 10, 11
FAMÍLIA RALLIDAE
 Aramides cajanea (Statius Muller, 1776) R X - 2/2 7, 8
ORDEM CHARADRIIFORMES
FAMÍLIA CHARADRIIDAE
 Charadrius semipalmatus (Bonaparte, 1825) VN X X 1/65 1–3, 5, 7–12
 Vanellus chilensis (Molina, 1782) R X X 1/5 1–12
FAMÍLIA HAEMATOPODIDAE
 Haematopus palliatus (Temminck, 1820) R X - 1/3 6, 9
FAMÍLIA RECURVIROSTRIDAE
 Himantopus melanurus Vieillot, 1817 R - X 1/4 1, 3, 6
FAMÍLIA SCOLOPACIDAE
 Tringa melanoleuca (Gmelin, 1789) VN X - 1/3 5,9
 Tringa flavipes (Gmelin, 1789) VN X X 1/44 1, 3, 7–12
 Numenius phaeopus (Linnaeus, 1758) VN X - 1/2 8, 9
 Calidris canutus (Linnaeus, 1758) VN X - 1/1 9
 Calidris sp. - X - 1/1 6–8
FAMÍLIA LARIDAE
 Larus dominicanus (Lichtenstein, 1823) R X X 1/247 1–12
FAMÍLIA RYNCHOPIDAE
 Rynchops niger (Linnaeus, 1758) R X X 1/400 1, 2, 6, 10–12
ORDEM CORACIIFORMES
FAMÍLIA ALCEDINIDAE
 Megaceryle torquata (Linnaeus, 1766) R X X 1/1 2, 10, 12 
ORDEM PICIFORMES
FAMÍLIA TYRANNIDAE
 Pitangus sulphuratus (Linnaeus, 1766) R X X 1/11 1–12
LG estes valores foram registrados, respectivamente, 
em julho e em abril (Fig. 4). Rynchops niger foi 
responsável pela grande abundância nos meses de verão 
(dezembro, janeiro e fevereiro) no MT, com o registro 
de aproximadamente 400 indivíduos em uma única 
contagem (Fig. 4). 
 A análise de similaridade quantitativa no LG 
revelou a formação de dois grandes grupos. Os meses de 
verão constituíram um agrupamento com mais de 70% 
de similaridade, que provavelmente está relacionado à 
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ocorrência de espécies migratórias neárticas, típicas dessa 
estação. Os outros meses formaram o outro agrupamento, 
também com cerca de 70% de similaridade (maio a 
novembro), demonstrado pouca variação na composição 
e estrutura da comunidade ao longo dos meses, 
com exceção do verão. Apesar de apresentar grande 
abundância em alguns meses, a diversidade manteve-
se relativamente baixa. O mês de abril destacou-se dos 
demais, provavelmente devido à reduzida abundância em 
relação aos outros meses amostrados (Fig. 5). 
 Dois agrupamentos também foram formados no MT, 
mostrando mudanças na comunidade, que se diferenciou 
em cerca de 55%. Um dos agrupamentos reuniu os meses de 
primavera e verão (novembro a fevereiro), que revelaram 
similaridadede cerca de 75%; nesse período ocorreram as 
maiores abundâncias. Embora junho tenha sido incluído 
neste agrupamento, principalmente pela abundância de 
indivíduos, este mês destacou-se dos demais do grupo em 
função da diversidade. O outro agrupamento reuniu os 
meses de março, abril, julho, agosto, setembro e outubro, 
mostrando pouca variação na estrutura e composição da 
comunidade. Maio se diferenciou acentuadamente dos 
demais, com similaridade de apenas 45%. A abundância 
neste mês foi a menor em comparação aos outros (Fig. 6).
DISCUSSÃO
 Vários autores descreveram a importância 
das planícies de maré como fonte de alimento para 
a comunidade de aves (Piersma et al., 1993; Burger 
et al., 1997; Matsunaga, 2000; De Kam et al., 2004; 
Maccarone & Brzorad, 2005). Neste trabalho foram 
registradas 25 espécies que utilizam planícies de maré 
no estuário, entre espécies tipicamente costeiras, 
migratórias neárticas, aquáticas e de borda de floresta. 
 Branco (2000), ao estudar a avifauna do estuário 
do Saco da Fazenda (Itajaí, SC), registrou 45 espécies, 
das quais 16 também foram detectadas no nosso estudo. 
Contudo, o índice de diversidade obtido por este autor 
(1,75) foi um valor intermediário ao calculado para 
as planícies de maré da baía da Babitonga (LG=1,37; 
MT=1,86). Dessa forma, pode-se considerar que 
a avifauna do Saco da Fazenda se caracteriza pela 
dominância de algumas espécies na comunidade, assim 
Fig. 1. Curva de acumulação de espécies de aves por área de amostragem em planícies de maré na baía da Babitonga, Santa Catarina, sul do Brasil 
(LG, Linguado; MT, Monte Trigo).
Fig. 2. Variação sazonal na riqueza de espécies de aves por área de amostragem na baía da Babitonga, Santa Catarina, sul do Brasil (LG, Linguado; 
MT, Monte Trigo).
Grose et al.
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Fig. 3. Variação sazonal no índice de diversidade de aves por área de estudo na baía da Babitonga, Santa Catarina, sul do Brasil, desconsiderando 
a espécie mais abundante (Rynchops niger) (LG, Linguado; MT, Monte Trigo).
Fig. 4. Variação sazonal na abundância máxima de aves por área de estudo na baía da Babitonga, Santa Catarina, sul do Brasil (LG = Linguado; 
MT = Monte de Trigo).
como registrado no LG, sendo que ambas constituem 
áreas com maior influência antrópica. Situação diferente 
foi verificada na planície do MT, um ambiente mais 
conservado, onde a diversidade foi relativamente maior. 
 Algumas famílias podem ser consideradas 
ocupantes permanentes deste tipo de ambiente, como 
Ardeidae, Rallidae e Haematopodidae (Sick, 1997) e 
outras representam um acréscimo na diversidade em 
alguns meses do ano. A chegada de aves migratórias 
(Azevedo-Júnior, 1998; Vooren & Brusque, 1999) 
como as neárticas (Charadriidae e Scolopacidae) e 
visitantes (Anatidae e Threskiornithidae), entre outras 
(Sick, 1997), incrementa a diversidade local.
 A maior diversidade registrada na planície do MT 
pode estar associada à localização da área, que sofre 
menos influência antrópica e consequentemente favorece 
a ocorrência de mais espécies sensíveis (Burger et al., 
2004; Cestari, 2008). Três espécies migratórias neárticas 
foram exclusivas nessa área: Tringa melanoleuca 
(Gmelin,1789), Numenius phaeopus (Linnaeus, 1758) e 
Calidris canutus (Linnaeus, 1758). A planície de maré 
do Linguado é uma área mais impactada, principalmente 
pela proximidade da rodovia (BR-280). Neste ambiente 
foram observadas grandes concentrações de espécies 
tipicamente tolerantes a ambientes mais alterados, como 
Egretta thula (Molina, 1782) e Larus dominicanus 
(Lichtenstein, 1823) (Sick, 1997; Naka et al., 2000; 
Branco, 2000). 
 A elevada abundância no MT nos meses de verão 
foi associada à chegada de numerosos grupos de R. niger 
à região, que influenciaram consideravelmente o número 
de indivíduos registrados. Apesar de não se conhecer 
exatamente seus deslocamentos, Vooren & Ilha (1995) 
confirmaram a chegada de grandes grupos no verão no 
litoral do Rio Grande do Sul. Branco & Fracasso 
(2005) e Piacentini & Campbell-Thompson (2006) 
também relataram concentrações da espécie em diversas 
localidades no litoral de Santa Catarina, com picos nos 
meses de verão e outono. Outras aves que exibiram 
maior abundância durante o verão foram Tringa flavipes 
(Gmelin, 1789) e Charadrius semipalmatus (Bonaparte, 
1825), espécies migratórias visitantes da América do 
Norte (Sick, 1997; Azevedo-Júnior, 1998; Vooren & 
Brusque, 1999). 
 O pico no número de indivíduos registrado em julho 
para o LG foi fortemente influenciado pela quantidade 
numerosa de indivíduos de L. dominicanus. Nos meses 
de inverno inicia o período reprodutivo dessa espécie nas 
ilhas do arquipélago dos Tamboretes, próximo à costa 
no litoral de São Francisco do Sul (Branco, 2003). O 
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Figs 5, 6. Similaridade quantitativa de Bray-Curtis para as comunidades de aves em planícies de maré ao longo dos meses, baía da Babitonga, 
Santa Catarina, sul do Brasil: 6, área do Linguado; 7, área do Monte de Trigo.
Linguado, em virtude de sua posição geográfica em 
relação às ilhas, torna-se um acesso para grandes grupos 
em direção ao interior do estuário. Possivelmente a 
concentração registrada esteja associada à maior procura 
de alimento para suprir as necessidades energéticas no 
período reprodutivo. Da mesma forma, é possível que a 
concentração de E. thula e, principalmente, E. caerulea no 
mês de março esteja associada aos períodos reprodutivos. 
Ambas iniciam a reprodução no estuário no mês de 
setembro e a finalizam no mês de março (Alexandre V. 
Grose, obs. pess.). Essas espécies também apresentam 
adaptação para alimentação em planícies de maré 
(Sick, 1997). Nesse contexto, a planície de maré criada 
artificialmente com o fechamento do Linguado tornou-se 
uma importante área de alimentação para essas aves.
 A observação de algumas espécies em apenas 
determinados meses do ano, como Anas bahamensis 
(Linnaeus, 1758), Dendrocygna bicolor (Vieillot, 1816), 
R. niger e Platalea ajaja (Linnaeus, 1758), também foi 
verificada no manguezal de Santos-Cubatão (SP). São 
consideradas espécies passageiras, que utilizam a região 
como ponto de parada, para alimentação e descanso 
(Olmos & Silva-e-Silva, 2003).
 Cinco espécies migratórias neárticas foram registradas 
neste estudo: a batuíra-de-bando (C. semipalmatus), o 
maçarico-de-perna-amarela (T. flavipes), o maçarico-grande-
de-perna-amarela (T. melanoleuca), o maçarico-de-papo-
vermelho (C. canutus) e o maçarico-galego (N. phaeopus). 
Elas iniciam sua chegada ao Brasil a partir de agosto, 
permanecendo até março, fugindo do rigoroso inverno do 
hemisfério norte à procura de alimento e descanso (Sick, 
1997; Vooren & Brusque, 1999; Telino-Júnior et al., 
2003). Charadrius semipalmatus, T. flavipes e T. melanoleuca 
já foram observadas em várias localidades de Santa Catarina, 
como Itajaí (Branco, 2000), Ibiraquera (Piacentini & 
Campbell-Thompson, 2006) e Florianópolis (Naka & 
Rodrigues, 2000). Os maçaricos N. phaeopus e C. canutus 
ainda não tinham sido avistados no litoral norte e poucos 
são os registros para Santa Catarina, sendo que o segundo 
é considerado incomun no estado (Rosário, 1996; Naka & 
Rodrigues, 2000). A única espécie migratória registrada ao 
longo de todo o ano foi C. semipalmatus, cuja permanência 
durante os meses de inverno pode estar associada à falta de 
condicionamento dos jovens e/ou subadultos para o retorno 
à sua área reprodutiva, devido a acúmulo insuficiente 
de gordura ou muda incompleta (Telino-Júnior et al., 
2003). A presença destas espécies reforça a importância da 
região como parada e descanso durante a migração, dando 
condições de registro de novas espécies ou ainda pouco 
conhecidas (Grose & Cremer 2011).
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 A manutenção das populações de aves na baía da 
Babitonga pode se tornar comprometida no futuro devido 
à intensa pressão antrópica registrada na região. Em seu 
entorno encontra-se o maior centro industrial do estado 
de Santa Catarina, na cidade de Joinville, e na baía situa-
se o porto de São Francisco do Sul, outro importante 
polo econômico da região. Vários empreendimentos 
de grande porte vêm buscando licenciamento e alguns 
se encontram em implantação. Dessa forma, a Baía 
da Babitonga vem sofrendo ao longo dos anos sérias 
ameaças à sua conservação, em um ritmo que reduzirá 
significativamente suas áreas ainda naturais. Este estudo 
e sua continuidade devem contribuir principalmente para 
a seleção de áreas essenciais para a manutenção destas 
populações de aves, sejam elas residentes ou migratórias, 
localmente comuns ou ameaçadas de extinção. 
 Agradecimentos. Os autores agradecem ao Fundo de Apoio 
à Pesquisa da Universidade da Região de Joinville (FAP/UNIVILLE) 
pelo apoio logístico e financeiro.
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Recebido em 25 de outubro de 2010. Aceito em 29 de março de 2013. ISSN 0073-4721
Artigo disponível em: www.scielo.br/isz 
Diversidade e abundância sazonal da avifauna em duas planícies de maré...

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