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Cultura Erudita e Popular

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TEORIA E PRÁTICA EM 
ANTROPOLOGIA 
AULA 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Everson Araújo Nauroski 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Ao longo desta aula, estudaremos os seguintes temas: 
• Conceituações e diferenças entre cultura erudita e cultura popular, 
passando por suas diferentes formas de manifestação e expressão; 
• Conceito e formas de folclore na construção da identidade nacional 
brasileira; 
• O mito da democracia racial, um pressuposto que se mostrou bastante 
coerente principalmente por meio da crítica de Florestam Fernandes 
sobre a origem violenta dos processos de miscigenação; 
• Por fim, veremos como a herança colonial escravocrata e tardia no Brasil 
tem sido o principal fator gerador do racismo estrutural. 
TEMA 1 – CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR 
Em aulas anteriores, pudemos discutir o conceito geral de cultura como o 
conjunto das produções humanas ao longo da história. Seguindo em nossos 
estudos, abordaremos a cultura erudita, a cultura popular, a cultura de massa e 
a indústria cultural. 
Usualmente, cultura erudita remete a conhecimentos, costumes e 
tradições relacionadas às classes mais abastadas da Europa do século XVIII, 
cuja finalidade era garantir a distinção de superioridade em relação à cultura 
popular das classes subalternas, pobres e trabalhadores em geral. Integram o 
universo da cultura erudita a arte clássica, a música e a literatura produzidas 
pelas elites. A cultura erudita fornece uma representação de mundo elaborada e 
sofisticada, com elementos conceituais e abstratos, o que a torna um tipo de 
linguagem restrita aos que dominam esses códigos. 
No fundo, temos que dar razão a Bourdieu (2003), quando o autor alerta 
que a cultura funciona como elemento de dominação de um grupo sobre o outro. 
De fato, é preciso que haja grande esforço crítico de modo a desconstruir a 
ideologia existente na cultura erudita, que se autoafirma como conhecimento 
superior e justificador das diferenças e privilégios. Enquanto a cultura erudita tem 
como seu locus o mundo acadêmico, teatros, museus e outros espaços de 
erudição, a cultura popular emerge da vida cotidiana, de espaços não 
formalizados de conhecimento e poder. 
 
 
3 
Figura 1 – Roda de capoeira 
 
Crédito: José Gil/Shutterstock. 
A cultura popular, por estar associada ao povo em geral, incluindo homens 
e mulheres iletrados, com seus costumes e tradições de vida simples e prosaica, 
dificilmente consegue articular narrativas para rivalizar com a cultura erudita. 
Considerando que esses dois tipos de cultura estão alicerçados em relações 
sociais de classe, de oposição e subalternidade, a narrativa que se impõe é a de 
distinção e superioridade. Numa tentativa de exemplificação, podemos pensar 
na capoeira, uma expressão cultural afro-brasileira que, apesar de legítima, não 
goza do mesmo status e importância que as clássicas produções teatrais. As 
razões dessa hierarquização são sociais e históricas. A trajetória do Brasil, 
colonizado por europeus e com um longo período de escravidão que durou 353 
anos, ajuda a explicar muita coisa. 
No sentido de compreendermos melhor a cultura popular, podemos 
apresentar algumas características: 
• A cultura popular tende a ser vista como inferior e oposta à cultura erudita, 
pois, enquanto a primeira emerge da vida do povo, a segunda é associada 
às elites; 
• A produção da cultura popular, assim como seu consumo, está 
direcionada principalmente às classes menos abastadas; 
• A cultura popular em geral expressa aspectos associados a costumes 
típicos de uma região; 
 
 
4 
• A cultura popular expressa uma visão de mundo que nasce da experiência 
social cotidiana, sendo considerada pouco crítica ou reflexiva, dessa 
forma, expressa costumes e conhecimentos não científicos; 
• Conserva elementos “primitivos” de tradição oral, ensinamentos e práticas 
que são passados de geração em geração; 
• Na cultura popular, estão ausentes elementos de intelectualidade e 
cientificidade, o que reflete o perfil dos sujeitos que as produzem; 
• Contemporaneamente, a antropologia oferece novas perspectivas de 
compreensão da cultura popular, evidenciando seu potencial organizativo 
ao defender e preservar valores e experiências não hegemônicas, a 
exemplo da cultura afro-brasileira, da cultura indígena, da cultura urbana 
etc. 
Outro importante conceito é o de indústria cultural, que foi desenvolvido 
por dois pensadores, Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-
1969), no livro a Dialética do Esclarecimento, escrito em 1942 e publicado em 
1972. Segundo esse conceito, por meio da consolidação do capitalismo como 
sistema econômico hegemônico, os bens culturais, ou bens do espírito, foram 
assimilados à lógica mercantil e reduzidos a mercadorias para o consumo das 
massas. A indústria cultural acaba por trair tanto a cultura erudita típica das elites 
quanto a cultura de expressão das tradições populares, pois seus conteúdos 
visam predominantemente promover a ideologia do consumo e os valores das 
classes dominantes. 
TEMA 2 – FOLCLORE, CULTURA E IDENTIDADE NACIONAL 
O termo folclore está associado ao nome do pesquisador inglês William 
John Thoms (1803-1885) e diz respeito ao conhecimento do povo e suas 
práticas, vindo a se tornar uma categoria ampla que integra um campo de 
estudos bem diverso, com foco na análise de manifestações culturais populares 
e antigas, na sabedoria do povo, em tradições e costumes envolvendo cantos, 
rituais, cerimônias e celebrações de origem antiga. 
 
 
 
5 
Os estudos sobre o folclore em diferentes culturas mostraram a 
transformação dessas práticas e seus significados, algumas vezes como 
expressão de antigas memórias e, em outras, como manifestação de resistência 
frente às mudanças do mundo moderno. 
Nos estudos de Cascudo (1995), são apresentadas algumas 
conceituações: 
1. Folclore é o conjunto das criações culturais de uma comunidade, 
baseado nas suas tradições expressas individual ou coletivamente, 
representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de 
identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, 
tradicionalidade, dinamicidade, funcionalidade. Ressaltamos que 
entendemos folclore e cultura popular como equivalentes, em sintonia 
com o que preconiza a UNESCO. A expressão cultura popular manter-
se-á no singular, embora entendendo-se que existem tantas culturas 
quantos sejam os grupos que as produzem em contextos naturais e 
econômicos específicos. 
2. Os estudos de folclore, como integrantes das Ciências Humanas e 
Sociais, devem ser realizados de acordo com metodologias próprias 
dessas Ciências. 
3. Sendo parte integrante da cultura nacional, as manifestações do 
folclore são equiparadas às demais formas de expressão cultural, bem 
como seus estudos aos demais ramos das Humanidades. 
Consequentemente, deve ter o mesmo acesso, de pleno direito, aos 
incentivos públicos e privados concedidos à cultura em geral e às 
atividades científicas. 
Para Cascudo, existe um longo caminho do folclore brasileiro, que vai 
desde os seus precursores, que mantinham viva a tradição oral de contar 
histórias, até a sua compilação na organização do compêndio em 1944. Cascudo 
localiza o interesse pelo folclore a partir do Romantismo europeu, nos séculos 
XVIII e XIX, com a valorização das tradições em face do avanço da 
industrialização e da urbanização. Essas mudanças trouxeram a sensação de 
perda de sentido e de identidade, fazendo com que o Romantismo fosse se 
tornando um momento de valorização das tradições; dos valores ligados ao 
contato com a terra e com a natureza; bem como dos saberes e práticas 
ancestrais dos camponeses. A valorização desses saberes ou folclore tornou-se 
o substrato dos movimentos nacionalistas, fazendo com o que popular se 
tornasse um elemento-chave de criação de um sentimento de pertença e 
identidade nacional. 
Segundo Almeida (1974), em 1922, quando da realizaçãoda Semana de 
Arte Moderna, essa valorização ocorre com maior intensidade na defesa da 
cultura popular como elemento constitutivo da identidade nacional. 
 
 
6 
Os diversos artistas e intelectuais transformavam esse evento num 
movimento nacional de revalorização do popular como traço fundamental da 
identidade nacional. 
Nascia um projeto intelectual de modernização por meio da contribuição 
das ciências sociais, em especial da antropologia, de modo que o folclore passa 
a ser explicado e compreendido como um conjunto de saberes e práticas 
reveladores da psicologia popular, um vasto campo de pesquisa para áreas 
como história, antropologia, política e ciência da religião. A figura de Mário de 
Andrade teve destaque nesse processo de compreensão e difusão da cultura 
popular. Suas viagens pelo Brasil possibilitaram reunir, compilar e divulgar uma 
enorme variedade da cultura popular brasileira. 
Figura 2 – Congada brasileira1 
 
Crédito: Erica Catarina Pontes/Shutterstock. 
No tocante à relação entre folclore e a construção da identidade nacional, 
Almeida (1974) destaca uma mudança de enfoque por parte do governo, que 
passou a estabelecer discursos e políticas de valorização do povo com suas 
 
1 A congada ou congado é considerado um patrimônio nacional e expressa a cultura religiosa 
afro-brasileira. Sua prática evolve o canto, a dança e relembra a coroação de um antigo rei do 
Congo, país africano de onde foram raptados e escravizados diversos negros para o Brasil. 
 
 
7 
tradições, costumes, crenças e superstições, um amálgama a fornecer traços da 
identidade nacional. 
O governo de Vargas, a partir da década de 1930, buscou não só unificar 
práticas administrativas, mas também a se utilizar dos meios de comunicação de 
massa como o rádio para difundir a cultura nacional, tendo no samba e no futebol 
elementos de universalização, o que nos faz lembrar do quanto o populismo 
nacionalista é sagaz em se aproximar e se identificar com o povo. 
Entre as diversas manifestações do folclore brasileiro, podemos destacar: 
• Festas juninas, originadas das práticas religiosas de santos católicos 
vindos de Portugal no período de catequização colonial; 
• Carnaval: festa popular também relacionada ao calendário religioso 
cristão, que assimilou a festividade pagã, em que predominava a 
manifestação corporal livre; 
• Bumba-meu-Boi: fruto do sincretismo e miscigenação cultural, economia 
do gado, caboclos, indígenas, negros e personagens da floresta. 
TEMA 3 – DEMOCRACIA RACIAL, MITO OU REALIDADE? 
As ideias básicas que sustentam a democracia são a liberdade, a 
participação social e política e a igualdade entre os cidadãos. Muito mais que 
ideias, são princípios tão importantes que a Carta Magna os abriga, em seu art. 
5º, como garantias fundamentais. 
Sendo a igualdade um atributo a priori da dignidade de todos os membros 
da família humana, o tratamento diferenciado por qualquer razão que seja, como 
religião, cor da pele, escolarização ou nível econômico, jamais deveria 
acontecer. Mas sabemos que acontece! 
A miscigenação, também conhecida como mestiçagem, é um fenômeno 
étnico e biológico que decorre da mistura de diferentes elementos a produzir 
resultados novos. No Brasil, esse fenômeno aconteceu tanto no plano cultural 
quanto no biológico. No primeiro, temos como exemplo a mistura da religiosidade 
africana com o catolicismo popular, dando origem à Umbanda e ao Candomblé. 
No plano biológico, a união entre índios, negros e brancos fez surgir diferentes 
variações de mestiços, como os caboclos, que resultam da mistura entre brancos 
e índios, e os cafuzos, que advêm da mistura entre índios e negros. 
 
 
8 
Assim, falar em democracia racial se torna um exercício hipotético que 
precisa ser analisado à luz das relações sociais concretas, e não somente em 
um plano idealizado de como deveria ser. 
Em sua obra Casa Grande e Senzala, o sociólogo brasileiro Gilberto 
Freyre (1900-1987) buscou apresentar a ideia de que, no Brasil, existia uma 
miscigenação positiva, um fator de aproximação e convivência pacífica do povo 
brasileiro. 
Nem sempre a miscigenação foi vista como um fator positivo da cultura 
brasileira, pois já se pensou que a formação de um país de mestiços afetaria a 
qualidade das raças envolvidas. Os mais conservadores e “puristas” viam como 
um perigo de degeneração a crescente mistura. 
Foi por meio de uma perspectiva moderna e positiva que esse discurso 
foi mudando e o fenômeno da miscigenação passou a ser visto como algo 
positivo, um fator agregador na formação da identidade brasileira. 
Os argumentos seguiam tanto no plano biológico, no qual se defendia que 
a mistura das raças favoreceu o surgimento de indivíduos mais adaptados ao 
clima tropical, quanto na linha cultural, de acordo com a qual se pensava que os 
diferentes povos tinham muitos conhecimentos, costumes e tradições a serem 
compartilhados. 
Essa nova concepção fez surgir a narrativa da democracia racial, um 
discurso apaziguador que tendia a encobrir as contradições e a violência 
presentes na formação histórica do Brasil. 
A posição de Freyre (2003) se contrapõe aos que ainda defendiam 
argumentos evolucionistas eugenistas (pureza genética), segundo os quais era 
necessário haver um branqueamento da população brasileira. Embora ingênua, 
a posição de Freyre trouxe novas perspectivas para analisar a formação cultural 
do povo e da identidade nacional. 
Para Florestam Fernandes (1965, p. 24), a crítica social e antropológica 
era necessária. Não se podia esquecer que o principal fator da miscigenação 
brasileira era o estupro. Buscando desmistificar o mito da igualdade racial, 
Fernandes afirma que a democracia só será uma realidade 
[...] quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil, e o negro não 
sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de 
estigmatização e segregação, seja em termos de classe, seja em 
termos de raça. Por isso, a luta de classes, para o negro, deve 
caminhar juntamente com a luta racial propriamente dita. 
 
 
9 
Figura 3 – Prisioneiros africanos escravizados 
 
Crédito: Verett Collection/Shutterstock. 
Desde que houve a “abolição formal” da escravidão, a condição social e 
econômica dos negros avançou pouco. A herança de 352 anos de escravidão 
estabeleceu um racismo estrutural e pernicioso, objetivamente estampado nas 
estatísticas que colocam os negros como o segmento que mais sofre 
discriminação, exclusão e morte nas periferias. O preconceito racial parece tão 
arraigado nas relações sociais que mesmo iniciativas de proteção e integração 
social, como a política de cotas nas universidades e diversas leis federais e 
estaduais, parecem não estar sendo suficientes. 
TEMA 4 – A HERANÇA COLONIAL E O RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL 
A história da colonização do Brasil não é muito diferente da que ocorreu 
em outras regiões do planeta, como na Ásia e na África. Salvaguardadas as 
peculiaridades existentes, manteve-se a mesma lógica de domínio e espoliação. 
No caso brasileiro, soma-se a predação contra os povos indígenas à 
escravização dos negros. Durante os mais de três séculos de escravidão em 
nosso país, a longa viagem até o Brasil era marcada pela violência e morte. O 
historiador Laurentino Gomes escreveu recentemente em seu livro Escravidão, 
 
 
10 
volume I e II que a morte das pessoas presas nos navios negreiros era em 
frequência e quantidade tão grandes que a rota dos tubarões foi alterada, uma 
vez que esses animais passaram a seguir os navios pelo farto alimento que 
recebiam. 
A história da escravidão africana no Brasil é repleta de dor e 
sofrimento. Centenas de livros já foram escritos sobre o tema, mas, 
provavelmente, nenhum deles conseguirá jamais expressar as aflições 
de um único cativo dos milhões capturados na África, embarcados à 
força em um navio, arrematados como mercadoria qualquer num leilão 
do outro lado do oceano,numa terra que lhes era completamente 
estranha e hostil, onde trabalhariam pelo resto de suas vidas sob o 
chicote e o tacão de seu senhor. Um detalhe, porém, talvez ajude os 
leitores de hoje a ter uma ideia, ainda que remota, do tamanho dessa 
tragédia: diz respeito ao comportamento dos tubarões que seguiam as 
rotas dos navios negreiros. Durante mais de três séculos e meio, o 
Atlântico foi um grande cemitério de escravos. Era no mar, durante a 
travessia, que as cifras de mortalidade ficavam mais evidentes: como 
escravos representavam um “investimento”, uma mercadoria valiosa 
do ponto de vista dos traficantes, cada óbito tinha de ser registrado nos 
chamados Livros dos mortos pelos capitães dos navios, ao lado de 
diversos outros itens que apareciam nas colunas de crédito e débito 
dos relatórios de contabilidade. Por isso, os números de mortos 
durante esse tipo de viagem são mais precisos do que os das demais 
travessias náuticas da época, geralmente baseados em estimativas. 
Isso permite fazer hoje um cálculo assustador. Se, entre o início e o 
final do tráfico negreiro, pelo menos 1,8 milhão de cativos morreram 
durante a travessia, isso significa que, sistematicamente, ao longo de 
350 anos, em média, catorze cadáveres foram atirados ao mar todos 
os dias. Por essa razão, os navios que faziam a rota África-Brasil eram 
chamados de “tumbeiros”, ou seja, tumbas flutuantes. (Gomes, 2020, 
p. 35) 
Morria-se de doenças, de fome e de ferimentos provocados pela violência 
dos captores. Muitas vezes, contingentes inteiros de pessoas eram lançadas 
vivas ao mar para que o navio não fosse abordado pela marinha inglesa, que 
combatia o tráfico de escravos. O que ocorria no trajeto até as fazendas de 
engenho era um prenúncio do horror que aguardava os negros no Brasil. 
Figura 4 – Navio negreiro 
 
 
11 
 
Crédito: Morphart Creation/Shutterstock. 
Entre os séculos XVI e XVIII, houve a expansão do capitalismo comercial, 
restringindo o avanço da industrialização na Europa, o que fez com que as 
colônias fossem vistas como fontes de matéria-prima a serem exploradas, o que 
não foi diferente no Brasil. Fatores econômicos e forte visão racista e 
preconceituosa fizeram com que o escravismo se transformasse num tipo de 
cultura odiosa em relação aos negros. 
Os castigos, a tortura, o estupro e a morte faziam parte do expediente 
cotidiano da escravidão. A vida do negro equivalia a uma coisa, uma mercadoria, 
um objeto desprovido de humanidade, sendo valorizado em sentido material 
enquanto durava sua utilidade. A coisificação do escravo tornava possível e 
legítima a violência sistêmica. 
Por pressão internacional, principalmente por parte da Inglaterra, 
desejosa de se tornar uma potência econômica e industrial, bem como por 
influência do movimento abolicionista, em 13 de maio de 1888 a princesa Isabel 
promulga a Lei Áurea, tornando a escravidão proibida. 
O fato de o Brasil ter sido o último país a abolir completamente a 
escravidão assinala o quanto a cultura racista estava arraigada no imaginário 
social das elites brasileiras, uma visão que perdura com maior ou menor 
intensidade até os dias atuais. O descontentamento com o fim da escravidão fez 
surgir um ódio histórico contra os negros. A ausência de políticas públicas de 
integração social e econômica para os negros materializou o início do racismo 
estrutural. Numa vingança social contra negros, predominou o ódio, a exclusão 
 
 
12 
e a perseguição, relegando às periferias os espaços de habitação e 
sobrevivência. A vida precária e a desigualdade social e econômica fizeram com 
que a população negra se mantivesse em situação de pobreza e a miséria 
perdura ainda hoje. 
O racismo estrutural opera também pela cultura, pela negação da história 
e pela institucionalização de filtros informais mais eficientes que segregam e 
discriminam negros enquanto favorecem brancos. Quando se sobre na escala 
social de poder, o que se vê de maneira predominante é um branqueamento dos 
indivíduos. Esses filtros racistas operam de modo a inviabilizar e limitar os 
espaços de poder aos não brancos. Os grupos e classes dominantes tendem a 
monopolizar o acesso ao capital sociocultural, ou seja, aos saberes e às práticas 
que poderiam facilitar o acesso da população negra a posições mais elevadas 
na pirâmide social. 
Para negar direitos e justificar a marginalização em relação aos negros, 
existem narrativas que atuam no reforço de estereótipos: 
• Pessoas negras não têm aptidão para os estudos mais avançados 
(universidade); 
• Os negros são indolentes e preguiçosos; 
• Quem quiser estudar e fazer um curso superior deve conseguir por 
méritos próprios, e não por meio de privilégios, como cotas raciais; 
• A capacidade dos negros é limitada, servem mais para trabalhos manuais 
e domésticos. 
Além do preconceito de senso comum, o racismo estrutural permeia 
também as forças policiais, sendo uma evidência estatística a violência e a 
letalidade das intervenções policiais com relação a jovens negros moradores das 
periferias2. 
TEMA 5 – NACIONALIZAÇÃO E CULTURA BRASILEIRA 
 
2De 2007 a 2017, a desigualdade de raça/cor nas mortes violentas acentuou-se no Brasil. A taxa 
de negros vítimas de homicídio cresceu 33,1%, enquanto a de não negros apresentou um 
aumento de 3,3%. Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídio eram pretas ou pardas. Mais uma 
vez, o Rio Grande do Norte está no topo do ranking, com 87 mortos a cada 100 mil habitantes 
negros, mais que o dobro da taxa nacional. Os cinco estados com maiores taxas de homicídios 
negros estão localizados na região Nordeste. Ver relatório em Atlas da Violência 2019. Disponível 
em: 
<https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_vi
olencia_2019.pdf>.Acesso em: 20 ago. 2021. 
 
 
13 
A campanha de nacionalização representou um processo de construção 
cultural forçada, resultado do esforço do Governo de Getúlio Vargas entre os 
anos 1937-1945. Mais que um projeto cultural, a campanha de nacionalização 
representou uma estratégia política de construir elementos de identidade 
nacional em torno das noções de civismo e patriotismo. Historicamente, a 
iniciativa de Vargas encontra alguns paralelos com outras iniciativas 
semelhantes ocorridas na Itália fascista e na Alemanha nazista. O próprio Vargas 
não escondia seu posicionamento nacionalista, populista e um tanto autoritário. 
A campanha de nacionalização foi implementada durante o Estado 
Novo (1937-1945), atingindo todos os possíveis alienígenas tanto nas 
áreas coloniais (consideradas as mais enquistadas e afastadas da 
sociedade brasileira) como nas cidades onde as organizações étnicas 
estavam mais visíveis. O primeiro ato de nacionalização atingiu o 
sistema de ensino em língua estrangeira: a nova legislação obrigou as 
chamadas "escolas estrangeiras" a modificar seus currículos e 
dispensar os professores "desnacionalizados"; as que não 
conseguiram (ou não quiseram) cumprir a lei foram fechadas. A partir 
de 1939, a intervenção direta recrudesceu e a exigência de 
"abrasileiramento" através da assimilação e caldeamento tornou-se 
impositiva, criando entraves para toda a organização comunitária 
étnica de diversos grupos imigrados. Assim, progressivamente, 
desapareceram as publicações em língua estrangeira, principalmente 
a imprensa étnica, e algumas sociedades recreativas, esportivas e 
culturais que não aceitaram as mudanças; foi proibido o uso de línguas 
estrangeiras em público, inclusive nas atividades religiosas; e a ação 
direta do Exército impôs normas de civismo, o uso da língua 
portuguesa e o recrutamento dos jovens para o serviço militar num 
contexto genuinamente brasileiro. A participação do Brasil na guerra, a 
partir de 1942, acirrou as animosidades, pois a ação nacionalizadora 
se intensificou junto aos imigrantes (e descendentes) alemães, 
italianos e japoneses, transformados, também, em potenciais "inimigos 
da pátria".Com o final da Segunda Guerra Mundial em 1945, boa parte da Europa 
se encontrava devastada. Em busca de melhores condições de vida e trabalho, 
muitos europeus vieram para o Brasil. Havia uma preocupação do Governo 
Vargas em garantir a integração dos imigrantes de modo a fortalecer a cultura 
nacional e a assimilação dos símbolos e valores nacionais em torno do civismo 
e patriotismo, articulando uma narrativa ao mesmo tempo justificadora do 
governo federal. 
O projeto de Vargas foi desenvolvido em diferentes frentes, como na 
educação, com unificação da língua e de conteúdos nacionais, em que somente 
cidadãos naturais ou naturalizados poderiam atuar como professores, com 
preferência para membros do exército nas disciplinas de moral e cívica e 
educação física, ambas obrigatórias. O currículo possuía um forte apelo 
 
 
14 
ideológico afinado com os interesses do governo, além da imposição do 
português como única língua a ser falada em público. 
Estava em operação uma estratégia de formação cultural via educação 
formal. O governo de Vargas realizou ações de fiscalização das comunidades 
estrangeiras, inclusive proibindo que estrangeiros utilizassem sua língua nativa 
em ambientes públicos. Além dessa proibição, centros culturais estrangeiros 
forram fechados e a imprensa foi obrigada a traduzir para o português qualquer 
conteúdo a ser publicado em outra língua. A radicalização das medidas tinha 
como justificativa o medo do estrangeiro, sobretudo daqueles vindos de países 
como Itália e Alemanha, principalmente pelo fato de o Brasil integrar a base 
aliada. 
Nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, colonizados 
principalmente por imigrantes alemães, a campanha foi mais dura e repressiva. 
Nesses estados, havia núcleos organizados dos cidadãos em defesa da 
ideologia nazista, o que fez com que a campanha de nacionalização tivesse 
como característica uma ação de guerra nesses locais. Em seu discurso, o 
general Vasconcelos, interventor catarinense em Blumenau, buscou amenizar 
as medidas do governo 
Na obra de brasilidade que se está incentivando [...] não vai hostilidade 
a qualquer povo ou a qualquer raça. Bem ao revés, encontra 
paradigma e exemplo na experiência e nos ensinamentos das nações 
que mais hão contribuído para o desenvolvimento material do nosso 
país. Assim como, através de seus filhos, e até além de suas fronteiras, 
procuram elas conservar e desenvolver o amor das suas tradições e 
da sua língua, dever nosso é impedir que os que aqui nasceram e aqui 
vivem, ao invés da língua e das tradições do Brasil, se apeguem e se 
aferrem às de outros povos ou de outras nações. Nós respeitamos os 
estrangeiros nos direitos que lhes asseguramos, por isso que são 
valiosos elementos de colaboração para o nosso progresso. Mas nem 
porque os recebemos com a doçura do nosso temperamento; nem 
porque os acolhemos com a hospitalidade que é traço inconfundível do 
nosso caráter, abrimos mão do direito que nos é fundamental como 
nação soberana, de orientar e dirigir a formação moral e cívica dos que 
nasceram no Brasil e brasileiros são. [...] A hora é de renascimento. A 
Constituição de 10 de novembro é alvorada de um Brasil mais forte e 
mais unido. A condição primeira dessa suprema realização nacional é 
que dentro dele, em nenhuma de suas regiões, prevaleçam ou 
predominem por incúria ou descaso de governos ou pela resistência 
de elementos alienígenas, língua que não seja a nossa, tradições 
outras que as do nosso próprio passado, glórias que não as dos nossos 
próprios fastos. (Bethlem, 1939, p. 161-163)3 
 
3 SEYFERTH, G. A assimilação dos imigrantes como questão nacional. MANA, v. 3, n. 1, p. 95-
131, 1997. Disponível em: 
<https://www.scielo.br/j/mana/a/FcywkSHVQZQsjgFsvrs3cpL/?format=pdf&lang=pt>. Acesso 
em: 20 ago. 2021. 
 
 
15 
 Embora muito questionadas, as ações do governo Vargas foram 
justificadas por seus apoiadores e até mesmo pela oposição como necessárias 
para garantir a integração nacional dos estrangeiros de modo a fortalecer a 
cultura e a identidade nacionais. 
NA PRÁTICA 
Com base nos estudos realizados, pesquise outro conceito e 
caracterização do que é o racismo estrutural. Após a pesquisa, elabore um 
pequeno texto, de não mais que uma página, com palavras e imagens ilustrativas 
sobre esse assunto. 
FINALIZANDO 
Ao final desta aula, ficam registradas as seguintes conclusões: 
1. A cultura popular no Brasil passa a ser valorizada como narrativa e 
estratégia de unificação nacional e criação de identidade, com destaque 
para o carnaval, o samba e o futebol; 
2. Os elementos que compõem o folclore brasileiro indicam um duplo 
movimento: a transformação dessas práticas e seus significados, às 
vezes como expressão de antigas memorias, às vezes como 
manifestação de resistência frente às mudanças do mundo moderno; 
3. Não existe democracia racial no Brasil, pois a miscigenação tem como 
seu principal fator gerador o estupro; 
4. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão do ponto de vista legal, no 
entanto, a herança de 350 anos de escravidão está contida no DNA da 
cultura brasileira, o racismo estrutural; 
5. O projeto de nacionalização no Governo de Getúlio Vargas teve as 
marcas do preconceito e do autoritarismo em relação à presença de 
estrangeiros no Brasil. 
 
 
 
16 
REFERÊNCIAS 
ALMEIDA, R. A inteligência do folclore. 2. ed. Brasília, 1974. 
BETHLEM, H. O Vale do Itajaí. Jornadas de Civismo. Rio de Janeiro: José 
Olympio, 1939. 
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 
CASCUDO, C. L. Dicionário do folclore brasileiro. 4. ed. São Paulo: 
Melhoramentos, 1979. 
FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: 
Nacional, 1965. 
FREYRE, G. Casa-grande & senzala: Formação da família brasileira sob o 
regime da economia patriarcal. São Paulo: Global Editora. 48. ed. 2003.

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