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TEORIA E PRÁTICA EM ANTROPOLOGIA AULA 4 Prof. Everson Araújo Nauroski 2 CONVERSA INICIAL Ao longo desta aula, estudaremos os seguintes temas: • Conceituações e diferenças entre cultura erudita e cultura popular, passando por suas diferentes formas de manifestação e expressão; • Conceito e formas de folclore na construção da identidade nacional brasileira; • O mito da democracia racial, um pressuposto que se mostrou bastante coerente principalmente por meio da crítica de Florestam Fernandes sobre a origem violenta dos processos de miscigenação; • Por fim, veremos como a herança colonial escravocrata e tardia no Brasil tem sido o principal fator gerador do racismo estrutural. TEMA 1 – CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR Em aulas anteriores, pudemos discutir o conceito geral de cultura como o conjunto das produções humanas ao longo da história. Seguindo em nossos estudos, abordaremos a cultura erudita, a cultura popular, a cultura de massa e a indústria cultural. Usualmente, cultura erudita remete a conhecimentos, costumes e tradições relacionadas às classes mais abastadas da Europa do século XVIII, cuja finalidade era garantir a distinção de superioridade em relação à cultura popular das classes subalternas, pobres e trabalhadores em geral. Integram o universo da cultura erudita a arte clássica, a música e a literatura produzidas pelas elites. A cultura erudita fornece uma representação de mundo elaborada e sofisticada, com elementos conceituais e abstratos, o que a torna um tipo de linguagem restrita aos que dominam esses códigos. No fundo, temos que dar razão a Bourdieu (2003), quando o autor alerta que a cultura funciona como elemento de dominação de um grupo sobre o outro. De fato, é preciso que haja grande esforço crítico de modo a desconstruir a ideologia existente na cultura erudita, que se autoafirma como conhecimento superior e justificador das diferenças e privilégios. Enquanto a cultura erudita tem como seu locus o mundo acadêmico, teatros, museus e outros espaços de erudição, a cultura popular emerge da vida cotidiana, de espaços não formalizados de conhecimento e poder. 3 Figura 1 – Roda de capoeira Crédito: José Gil/Shutterstock. A cultura popular, por estar associada ao povo em geral, incluindo homens e mulheres iletrados, com seus costumes e tradições de vida simples e prosaica, dificilmente consegue articular narrativas para rivalizar com a cultura erudita. Considerando que esses dois tipos de cultura estão alicerçados em relações sociais de classe, de oposição e subalternidade, a narrativa que se impõe é a de distinção e superioridade. Numa tentativa de exemplificação, podemos pensar na capoeira, uma expressão cultural afro-brasileira que, apesar de legítima, não goza do mesmo status e importância que as clássicas produções teatrais. As razões dessa hierarquização são sociais e históricas. A trajetória do Brasil, colonizado por europeus e com um longo período de escravidão que durou 353 anos, ajuda a explicar muita coisa. No sentido de compreendermos melhor a cultura popular, podemos apresentar algumas características: • A cultura popular tende a ser vista como inferior e oposta à cultura erudita, pois, enquanto a primeira emerge da vida do povo, a segunda é associada às elites; • A produção da cultura popular, assim como seu consumo, está direcionada principalmente às classes menos abastadas; • A cultura popular em geral expressa aspectos associados a costumes típicos de uma região; 4 • A cultura popular expressa uma visão de mundo que nasce da experiência social cotidiana, sendo considerada pouco crítica ou reflexiva, dessa forma, expressa costumes e conhecimentos não científicos; • Conserva elementos “primitivos” de tradição oral, ensinamentos e práticas que são passados de geração em geração; • Na cultura popular, estão ausentes elementos de intelectualidade e cientificidade, o que reflete o perfil dos sujeitos que as produzem; • Contemporaneamente, a antropologia oferece novas perspectivas de compreensão da cultura popular, evidenciando seu potencial organizativo ao defender e preservar valores e experiências não hegemônicas, a exemplo da cultura afro-brasileira, da cultura indígena, da cultura urbana etc. Outro importante conceito é o de indústria cultural, que foi desenvolvido por dois pensadores, Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903- 1969), no livro a Dialética do Esclarecimento, escrito em 1942 e publicado em 1972. Segundo esse conceito, por meio da consolidação do capitalismo como sistema econômico hegemônico, os bens culturais, ou bens do espírito, foram assimilados à lógica mercantil e reduzidos a mercadorias para o consumo das massas. A indústria cultural acaba por trair tanto a cultura erudita típica das elites quanto a cultura de expressão das tradições populares, pois seus conteúdos visam predominantemente promover a ideologia do consumo e os valores das classes dominantes. TEMA 2 – FOLCLORE, CULTURA E IDENTIDADE NACIONAL O termo folclore está associado ao nome do pesquisador inglês William John Thoms (1803-1885) e diz respeito ao conhecimento do povo e suas práticas, vindo a se tornar uma categoria ampla que integra um campo de estudos bem diverso, com foco na análise de manifestações culturais populares e antigas, na sabedoria do povo, em tradições e costumes envolvendo cantos, rituais, cerimônias e celebrações de origem antiga. 5 Os estudos sobre o folclore em diferentes culturas mostraram a transformação dessas práticas e seus significados, algumas vezes como expressão de antigas memórias e, em outras, como manifestação de resistência frente às mudanças do mundo moderno. Nos estudos de Cascudo (1995), são apresentadas algumas conceituações: 1. Folclore é o conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas individual ou coletivamente, representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade, dinamicidade, funcionalidade. Ressaltamos que entendemos folclore e cultura popular como equivalentes, em sintonia com o que preconiza a UNESCO. A expressão cultura popular manter- se-á no singular, embora entendendo-se que existem tantas culturas quantos sejam os grupos que as produzem em contextos naturais e econômicos específicos. 2. Os estudos de folclore, como integrantes das Ciências Humanas e Sociais, devem ser realizados de acordo com metodologias próprias dessas Ciências. 3. Sendo parte integrante da cultura nacional, as manifestações do folclore são equiparadas às demais formas de expressão cultural, bem como seus estudos aos demais ramos das Humanidades. Consequentemente, deve ter o mesmo acesso, de pleno direito, aos incentivos públicos e privados concedidos à cultura em geral e às atividades científicas. Para Cascudo, existe um longo caminho do folclore brasileiro, que vai desde os seus precursores, que mantinham viva a tradição oral de contar histórias, até a sua compilação na organização do compêndio em 1944. Cascudo localiza o interesse pelo folclore a partir do Romantismo europeu, nos séculos XVIII e XIX, com a valorização das tradições em face do avanço da industrialização e da urbanização. Essas mudanças trouxeram a sensação de perda de sentido e de identidade, fazendo com que o Romantismo fosse se tornando um momento de valorização das tradições; dos valores ligados ao contato com a terra e com a natureza; bem como dos saberes e práticas ancestrais dos camponeses. A valorização desses saberes ou folclore tornou-se o substrato dos movimentos nacionalistas, fazendo com o que popular se tornasse um elemento-chave de criação de um sentimento de pertença e identidade nacional. Segundo Almeida (1974), em 1922, quando da realizaçãoda Semana de Arte Moderna, essa valorização ocorre com maior intensidade na defesa da cultura popular como elemento constitutivo da identidade nacional. 6 Os diversos artistas e intelectuais transformavam esse evento num movimento nacional de revalorização do popular como traço fundamental da identidade nacional. Nascia um projeto intelectual de modernização por meio da contribuição das ciências sociais, em especial da antropologia, de modo que o folclore passa a ser explicado e compreendido como um conjunto de saberes e práticas reveladores da psicologia popular, um vasto campo de pesquisa para áreas como história, antropologia, política e ciência da religião. A figura de Mário de Andrade teve destaque nesse processo de compreensão e difusão da cultura popular. Suas viagens pelo Brasil possibilitaram reunir, compilar e divulgar uma enorme variedade da cultura popular brasileira. Figura 2 – Congada brasileira1 Crédito: Erica Catarina Pontes/Shutterstock. No tocante à relação entre folclore e a construção da identidade nacional, Almeida (1974) destaca uma mudança de enfoque por parte do governo, que passou a estabelecer discursos e políticas de valorização do povo com suas 1 A congada ou congado é considerado um patrimônio nacional e expressa a cultura religiosa afro-brasileira. Sua prática evolve o canto, a dança e relembra a coroação de um antigo rei do Congo, país africano de onde foram raptados e escravizados diversos negros para o Brasil. 7 tradições, costumes, crenças e superstições, um amálgama a fornecer traços da identidade nacional. O governo de Vargas, a partir da década de 1930, buscou não só unificar práticas administrativas, mas também a se utilizar dos meios de comunicação de massa como o rádio para difundir a cultura nacional, tendo no samba e no futebol elementos de universalização, o que nos faz lembrar do quanto o populismo nacionalista é sagaz em se aproximar e se identificar com o povo. Entre as diversas manifestações do folclore brasileiro, podemos destacar: • Festas juninas, originadas das práticas religiosas de santos católicos vindos de Portugal no período de catequização colonial; • Carnaval: festa popular também relacionada ao calendário religioso cristão, que assimilou a festividade pagã, em que predominava a manifestação corporal livre; • Bumba-meu-Boi: fruto do sincretismo e miscigenação cultural, economia do gado, caboclos, indígenas, negros e personagens da floresta. TEMA 3 – DEMOCRACIA RACIAL, MITO OU REALIDADE? As ideias básicas que sustentam a democracia são a liberdade, a participação social e política e a igualdade entre os cidadãos. Muito mais que ideias, são princípios tão importantes que a Carta Magna os abriga, em seu art. 5º, como garantias fundamentais. Sendo a igualdade um atributo a priori da dignidade de todos os membros da família humana, o tratamento diferenciado por qualquer razão que seja, como religião, cor da pele, escolarização ou nível econômico, jamais deveria acontecer. Mas sabemos que acontece! A miscigenação, também conhecida como mestiçagem, é um fenômeno étnico e biológico que decorre da mistura de diferentes elementos a produzir resultados novos. No Brasil, esse fenômeno aconteceu tanto no plano cultural quanto no biológico. No primeiro, temos como exemplo a mistura da religiosidade africana com o catolicismo popular, dando origem à Umbanda e ao Candomblé. No plano biológico, a união entre índios, negros e brancos fez surgir diferentes variações de mestiços, como os caboclos, que resultam da mistura entre brancos e índios, e os cafuzos, que advêm da mistura entre índios e negros. 8 Assim, falar em democracia racial se torna um exercício hipotético que precisa ser analisado à luz das relações sociais concretas, e não somente em um plano idealizado de como deveria ser. Em sua obra Casa Grande e Senzala, o sociólogo brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987) buscou apresentar a ideia de que, no Brasil, existia uma miscigenação positiva, um fator de aproximação e convivência pacífica do povo brasileiro. Nem sempre a miscigenação foi vista como um fator positivo da cultura brasileira, pois já se pensou que a formação de um país de mestiços afetaria a qualidade das raças envolvidas. Os mais conservadores e “puristas” viam como um perigo de degeneração a crescente mistura. Foi por meio de uma perspectiva moderna e positiva que esse discurso foi mudando e o fenômeno da miscigenação passou a ser visto como algo positivo, um fator agregador na formação da identidade brasileira. Os argumentos seguiam tanto no plano biológico, no qual se defendia que a mistura das raças favoreceu o surgimento de indivíduos mais adaptados ao clima tropical, quanto na linha cultural, de acordo com a qual se pensava que os diferentes povos tinham muitos conhecimentos, costumes e tradições a serem compartilhados. Essa nova concepção fez surgir a narrativa da democracia racial, um discurso apaziguador que tendia a encobrir as contradições e a violência presentes na formação histórica do Brasil. A posição de Freyre (2003) se contrapõe aos que ainda defendiam argumentos evolucionistas eugenistas (pureza genética), segundo os quais era necessário haver um branqueamento da população brasileira. Embora ingênua, a posição de Freyre trouxe novas perspectivas para analisar a formação cultural do povo e da identidade nacional. Para Florestam Fernandes (1965, p. 24), a crítica social e antropológica era necessária. Não se podia esquecer que o principal fator da miscigenação brasileira era o estupro. Buscando desmistificar o mito da igualdade racial, Fernandes afirma que a democracia só será uma realidade [...] quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil, e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça. Por isso, a luta de classes, para o negro, deve caminhar juntamente com a luta racial propriamente dita. 9 Figura 3 – Prisioneiros africanos escravizados Crédito: Verett Collection/Shutterstock. Desde que houve a “abolição formal” da escravidão, a condição social e econômica dos negros avançou pouco. A herança de 352 anos de escravidão estabeleceu um racismo estrutural e pernicioso, objetivamente estampado nas estatísticas que colocam os negros como o segmento que mais sofre discriminação, exclusão e morte nas periferias. O preconceito racial parece tão arraigado nas relações sociais que mesmo iniciativas de proteção e integração social, como a política de cotas nas universidades e diversas leis federais e estaduais, parecem não estar sendo suficientes. TEMA 4 – A HERANÇA COLONIAL E O RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL A história da colonização do Brasil não é muito diferente da que ocorreu em outras regiões do planeta, como na Ásia e na África. Salvaguardadas as peculiaridades existentes, manteve-se a mesma lógica de domínio e espoliação. No caso brasileiro, soma-se a predação contra os povos indígenas à escravização dos negros. Durante os mais de três séculos de escravidão em nosso país, a longa viagem até o Brasil era marcada pela violência e morte. O historiador Laurentino Gomes escreveu recentemente em seu livro Escravidão, 10 volume I e II que a morte das pessoas presas nos navios negreiros era em frequência e quantidade tão grandes que a rota dos tubarões foi alterada, uma vez que esses animais passaram a seguir os navios pelo farto alimento que recebiam. A história da escravidão africana no Brasil é repleta de dor e sofrimento. Centenas de livros já foram escritos sobre o tema, mas, provavelmente, nenhum deles conseguirá jamais expressar as aflições de um único cativo dos milhões capturados na África, embarcados à força em um navio, arrematados como mercadoria qualquer num leilão do outro lado do oceano,numa terra que lhes era completamente estranha e hostil, onde trabalhariam pelo resto de suas vidas sob o chicote e o tacão de seu senhor. Um detalhe, porém, talvez ajude os leitores de hoje a ter uma ideia, ainda que remota, do tamanho dessa tragédia: diz respeito ao comportamento dos tubarões que seguiam as rotas dos navios negreiros. Durante mais de três séculos e meio, o Atlântico foi um grande cemitério de escravos. Era no mar, durante a travessia, que as cifras de mortalidade ficavam mais evidentes: como escravos representavam um “investimento”, uma mercadoria valiosa do ponto de vista dos traficantes, cada óbito tinha de ser registrado nos chamados Livros dos mortos pelos capitães dos navios, ao lado de diversos outros itens que apareciam nas colunas de crédito e débito dos relatórios de contabilidade. Por isso, os números de mortos durante esse tipo de viagem são mais precisos do que os das demais travessias náuticas da época, geralmente baseados em estimativas. Isso permite fazer hoje um cálculo assustador. Se, entre o início e o final do tráfico negreiro, pelo menos 1,8 milhão de cativos morreram durante a travessia, isso significa que, sistematicamente, ao longo de 350 anos, em média, catorze cadáveres foram atirados ao mar todos os dias. Por essa razão, os navios que faziam a rota África-Brasil eram chamados de “tumbeiros”, ou seja, tumbas flutuantes. (Gomes, 2020, p. 35) Morria-se de doenças, de fome e de ferimentos provocados pela violência dos captores. Muitas vezes, contingentes inteiros de pessoas eram lançadas vivas ao mar para que o navio não fosse abordado pela marinha inglesa, que combatia o tráfico de escravos. O que ocorria no trajeto até as fazendas de engenho era um prenúncio do horror que aguardava os negros no Brasil. Figura 4 – Navio negreiro 11 Crédito: Morphart Creation/Shutterstock. Entre os séculos XVI e XVIII, houve a expansão do capitalismo comercial, restringindo o avanço da industrialização na Europa, o que fez com que as colônias fossem vistas como fontes de matéria-prima a serem exploradas, o que não foi diferente no Brasil. Fatores econômicos e forte visão racista e preconceituosa fizeram com que o escravismo se transformasse num tipo de cultura odiosa em relação aos negros. Os castigos, a tortura, o estupro e a morte faziam parte do expediente cotidiano da escravidão. A vida do negro equivalia a uma coisa, uma mercadoria, um objeto desprovido de humanidade, sendo valorizado em sentido material enquanto durava sua utilidade. A coisificação do escravo tornava possível e legítima a violência sistêmica. Por pressão internacional, principalmente por parte da Inglaterra, desejosa de se tornar uma potência econômica e industrial, bem como por influência do movimento abolicionista, em 13 de maio de 1888 a princesa Isabel promulga a Lei Áurea, tornando a escravidão proibida. O fato de o Brasil ter sido o último país a abolir completamente a escravidão assinala o quanto a cultura racista estava arraigada no imaginário social das elites brasileiras, uma visão que perdura com maior ou menor intensidade até os dias atuais. O descontentamento com o fim da escravidão fez surgir um ódio histórico contra os negros. A ausência de políticas públicas de integração social e econômica para os negros materializou o início do racismo estrutural. Numa vingança social contra negros, predominou o ódio, a exclusão 12 e a perseguição, relegando às periferias os espaços de habitação e sobrevivência. A vida precária e a desigualdade social e econômica fizeram com que a população negra se mantivesse em situação de pobreza e a miséria perdura ainda hoje. O racismo estrutural opera também pela cultura, pela negação da história e pela institucionalização de filtros informais mais eficientes que segregam e discriminam negros enquanto favorecem brancos. Quando se sobre na escala social de poder, o que se vê de maneira predominante é um branqueamento dos indivíduos. Esses filtros racistas operam de modo a inviabilizar e limitar os espaços de poder aos não brancos. Os grupos e classes dominantes tendem a monopolizar o acesso ao capital sociocultural, ou seja, aos saberes e às práticas que poderiam facilitar o acesso da população negra a posições mais elevadas na pirâmide social. Para negar direitos e justificar a marginalização em relação aos negros, existem narrativas que atuam no reforço de estereótipos: • Pessoas negras não têm aptidão para os estudos mais avançados (universidade); • Os negros são indolentes e preguiçosos; • Quem quiser estudar e fazer um curso superior deve conseguir por méritos próprios, e não por meio de privilégios, como cotas raciais; • A capacidade dos negros é limitada, servem mais para trabalhos manuais e domésticos. Além do preconceito de senso comum, o racismo estrutural permeia também as forças policiais, sendo uma evidência estatística a violência e a letalidade das intervenções policiais com relação a jovens negros moradores das periferias2. TEMA 5 – NACIONALIZAÇÃO E CULTURA BRASILEIRA 2De 2007 a 2017, a desigualdade de raça/cor nas mortes violentas acentuou-se no Brasil. A taxa de negros vítimas de homicídio cresceu 33,1%, enquanto a de não negros apresentou um aumento de 3,3%. Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídio eram pretas ou pardas. Mais uma vez, o Rio Grande do Norte está no topo do ranking, com 87 mortos a cada 100 mil habitantes negros, mais que o dobro da taxa nacional. Os cinco estados com maiores taxas de homicídios negros estão localizados na região Nordeste. Ver relatório em Atlas da Violência 2019. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_vi olencia_2019.pdf>.Acesso em: 20 ago. 2021. 13 A campanha de nacionalização representou um processo de construção cultural forçada, resultado do esforço do Governo de Getúlio Vargas entre os anos 1937-1945. Mais que um projeto cultural, a campanha de nacionalização representou uma estratégia política de construir elementos de identidade nacional em torno das noções de civismo e patriotismo. Historicamente, a iniciativa de Vargas encontra alguns paralelos com outras iniciativas semelhantes ocorridas na Itália fascista e na Alemanha nazista. O próprio Vargas não escondia seu posicionamento nacionalista, populista e um tanto autoritário. A campanha de nacionalização foi implementada durante o Estado Novo (1937-1945), atingindo todos os possíveis alienígenas tanto nas áreas coloniais (consideradas as mais enquistadas e afastadas da sociedade brasileira) como nas cidades onde as organizações étnicas estavam mais visíveis. O primeiro ato de nacionalização atingiu o sistema de ensino em língua estrangeira: a nova legislação obrigou as chamadas "escolas estrangeiras" a modificar seus currículos e dispensar os professores "desnacionalizados"; as que não conseguiram (ou não quiseram) cumprir a lei foram fechadas. A partir de 1939, a intervenção direta recrudesceu e a exigência de "abrasileiramento" através da assimilação e caldeamento tornou-se impositiva, criando entraves para toda a organização comunitária étnica de diversos grupos imigrados. Assim, progressivamente, desapareceram as publicações em língua estrangeira, principalmente a imprensa étnica, e algumas sociedades recreativas, esportivas e culturais que não aceitaram as mudanças; foi proibido o uso de línguas estrangeiras em público, inclusive nas atividades religiosas; e a ação direta do Exército impôs normas de civismo, o uso da língua portuguesa e o recrutamento dos jovens para o serviço militar num contexto genuinamente brasileiro. A participação do Brasil na guerra, a partir de 1942, acirrou as animosidades, pois a ação nacionalizadora se intensificou junto aos imigrantes (e descendentes) alemães, italianos e japoneses, transformados, também, em potenciais "inimigos da pátria".Com o final da Segunda Guerra Mundial em 1945, boa parte da Europa se encontrava devastada. Em busca de melhores condições de vida e trabalho, muitos europeus vieram para o Brasil. Havia uma preocupação do Governo Vargas em garantir a integração dos imigrantes de modo a fortalecer a cultura nacional e a assimilação dos símbolos e valores nacionais em torno do civismo e patriotismo, articulando uma narrativa ao mesmo tempo justificadora do governo federal. O projeto de Vargas foi desenvolvido em diferentes frentes, como na educação, com unificação da língua e de conteúdos nacionais, em que somente cidadãos naturais ou naturalizados poderiam atuar como professores, com preferência para membros do exército nas disciplinas de moral e cívica e educação física, ambas obrigatórias. O currículo possuía um forte apelo 14 ideológico afinado com os interesses do governo, além da imposição do português como única língua a ser falada em público. Estava em operação uma estratégia de formação cultural via educação formal. O governo de Vargas realizou ações de fiscalização das comunidades estrangeiras, inclusive proibindo que estrangeiros utilizassem sua língua nativa em ambientes públicos. Além dessa proibição, centros culturais estrangeiros forram fechados e a imprensa foi obrigada a traduzir para o português qualquer conteúdo a ser publicado em outra língua. A radicalização das medidas tinha como justificativa o medo do estrangeiro, sobretudo daqueles vindos de países como Itália e Alemanha, principalmente pelo fato de o Brasil integrar a base aliada. Nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, colonizados principalmente por imigrantes alemães, a campanha foi mais dura e repressiva. Nesses estados, havia núcleos organizados dos cidadãos em defesa da ideologia nazista, o que fez com que a campanha de nacionalização tivesse como característica uma ação de guerra nesses locais. Em seu discurso, o general Vasconcelos, interventor catarinense em Blumenau, buscou amenizar as medidas do governo Na obra de brasilidade que se está incentivando [...] não vai hostilidade a qualquer povo ou a qualquer raça. Bem ao revés, encontra paradigma e exemplo na experiência e nos ensinamentos das nações que mais hão contribuído para o desenvolvimento material do nosso país. Assim como, através de seus filhos, e até além de suas fronteiras, procuram elas conservar e desenvolver o amor das suas tradições e da sua língua, dever nosso é impedir que os que aqui nasceram e aqui vivem, ao invés da língua e das tradições do Brasil, se apeguem e se aferrem às de outros povos ou de outras nações. Nós respeitamos os estrangeiros nos direitos que lhes asseguramos, por isso que são valiosos elementos de colaboração para o nosso progresso. Mas nem porque os recebemos com a doçura do nosso temperamento; nem porque os acolhemos com a hospitalidade que é traço inconfundível do nosso caráter, abrimos mão do direito que nos é fundamental como nação soberana, de orientar e dirigir a formação moral e cívica dos que nasceram no Brasil e brasileiros são. [...] A hora é de renascimento. A Constituição de 10 de novembro é alvorada de um Brasil mais forte e mais unido. A condição primeira dessa suprema realização nacional é que dentro dele, em nenhuma de suas regiões, prevaleçam ou predominem por incúria ou descaso de governos ou pela resistência de elementos alienígenas, língua que não seja a nossa, tradições outras que as do nosso próprio passado, glórias que não as dos nossos próprios fastos. (Bethlem, 1939, p. 161-163)3 3 SEYFERTH, G. A assimilação dos imigrantes como questão nacional. MANA, v. 3, n. 1, p. 95- 131, 1997. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/mana/a/FcywkSHVQZQsjgFsvrs3cpL/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 20 ago. 2021. 15 Embora muito questionadas, as ações do governo Vargas foram justificadas por seus apoiadores e até mesmo pela oposição como necessárias para garantir a integração nacional dos estrangeiros de modo a fortalecer a cultura e a identidade nacionais. NA PRÁTICA Com base nos estudos realizados, pesquise outro conceito e caracterização do que é o racismo estrutural. Após a pesquisa, elabore um pequeno texto, de não mais que uma página, com palavras e imagens ilustrativas sobre esse assunto. FINALIZANDO Ao final desta aula, ficam registradas as seguintes conclusões: 1. A cultura popular no Brasil passa a ser valorizada como narrativa e estratégia de unificação nacional e criação de identidade, com destaque para o carnaval, o samba e o futebol; 2. Os elementos que compõem o folclore brasileiro indicam um duplo movimento: a transformação dessas práticas e seus significados, às vezes como expressão de antigas memorias, às vezes como manifestação de resistência frente às mudanças do mundo moderno; 3. Não existe democracia racial no Brasil, pois a miscigenação tem como seu principal fator gerador o estupro; 4. O Brasil foi o último país a abolir a escravidão do ponto de vista legal, no entanto, a herança de 350 anos de escravidão está contida no DNA da cultura brasileira, o racismo estrutural; 5. O projeto de nacionalização no Governo de Getúlio Vargas teve as marcas do preconceito e do autoritarismo em relação à presença de estrangeiros no Brasil. 16 REFERÊNCIAS ALMEIDA, R. A inteligência do folclore. 2. ed. Brasília, 1974. BETHLEM, H. O Vale do Itajaí. Jornadas de Civismo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1939. BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. CASCUDO, C. L. Dicionário do folclore brasileiro. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1979. FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Nacional, 1965. FREYRE, G. Casa-grande & senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global Editora. 48. ed. 2003.
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