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Globalização e Cultura

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TEORIA E PRÁTICA EM 
ANTROPOLOGIA 
AULA 6 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Everson Araujo Nauroski 
 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Ao longo desta aula refletiremos sobre a globalização e alguns de seus 
efeitos, como a padronização cultural e o risco da homogeneização das culturas. 
Além desse assunto, trataremos do problema da desigualdade social como uma 
consequência sistêmica do capitalismo. Ainda outros temas de relevância serão 
abordados, como a relação entre tecnologia e cultura dos povos tradicionais, 
diversidade cultural e reconhecimento como pauta global na luta pelos direitos 
humanos. 
Bons estudos! 
TEMA 1 – CULTURA E GLOBALIZAÇÃO 
O processo de globalização é antigo e remonta à formação dos grandes 
impérios da Antiguidade. As antigas potências mantinham sob seus domínios um 
vasto território, como ocorreu com os impérios pérsio, macedônico, romano e 
tantos outros. No final da Idade Média, a globalização passou por uma nova fase 
com as grandes navegações e a colonização da África, Ásia e Américas pela 
Europa. 
Na modernidade, ela tem avançado principalmente pelo desenvolvimento 
tecnológico, ampliação dos mercados e trocas culturais. Sob influxo do 
capitalismo, a indústria cultural, principalmente norte-americana, tem sido 
propalada por todo o planeta. Alguns autores como Warnier (2003) falam em um 
processo de americanização no mundo. O sucesso ou não da estratégia de 
universalização dos valores capitalistas e dos produtos culturais norte-
americanos tem dependido, em maior ou menor grau, da capacidade de outros 
povos e nações na assimilação ou resistência a esse processo de imposição 
cultural. 
Seria possível identificar diferenças no modo como isso se dá em 
diferentes regiões do mundo. Em países europeus, com uma tradição cultural já 
consolidada − poderíamos pensar na França, Alemanha e Inglaterra −, é pouca 
a penetração da indústria cultural americana, diferentemente do que ocorre em 
países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, em que a assimilação é 
muito maior. São marcas de empresas, franquias, músicas, cinema e literatura 
amplamente aceitos e consumidos pela população brasileira. 
 
 
3 
Figura 1 – Globo terrestre 
 
Crédito: Thorsten Schmitt/Shutterstock. 
É notório que a globalização ampliou as facilidades de comunicação e 
interação entre pessoas, grupos e instituições. No entanto, as assimetrias 
existentes no plano do domínio dos conhecimentos tecnológicos fazem com que 
esse processo de transmissão e disseminação cultural também seja assimétrico. 
A influência da cultura brasileira nos Estados Unidos, se é que existe, deve ser 
infinitamente menor do que a exercida por eles em nosso país. Claro que, além 
das questões tecnológicas e culturais, existe o poder político e econômico como 
um fator determinante desse processo (Nauroski, 2017). 
É inegável que a indústria cultural opera com grande influência ao 
disseminar ideias, valores, crenças e comportamentos, via de regra alinhados à 
ideologia capitalista. Contudo, não se pode inferir que se trata de algo monolítico, 
já que as pessoas não são passivas e inertes à tentativa de homogeneização 
cultural. Estudos contemporâneos da antropologia (Hall, 2005; Castells, 2002) 
indicam que os indivíduos têm a capacidade de interpretar as informações e os 
conteúdos que recebem. Obviamente, essa demanda cognitiva possui maior ou 
menor eficácia conforme o nível cultural e intelectual das pessoas; entretanto, 
mesmo com limitações, elas tendem a interpretar os diversos conteúdos que 
 
 
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recebem com base nas próprias experiências e saberes, mantendo, em maior 
ou menor grau, seu sistema de valores e tradições. 
As assimetrias globais existentes entre os povos, com suas sociedades e 
economias ricas, pobres ou em desenvolvimento, refletem uma profunda 
desigualdade na capacidade de reação ante a homogeneização cultural. Trata-
se de uma conjuntura decorrente do fato de que na atualidade a globalização 
segue um ritmo acelerado e com viés fortemente competitivo. 
Um aspecto ambivalente da globalização salta aos olhos. Mesmo que em 
condições diferenciadas, cada vez mais o próprio sistema capitalista depende de 
que as pessoas ao redor do mundo tenham maior acesso às tecnologias de 
comunicação e informação, sobretudo às redes sociais e aos processos de 
monetização que potencializam. A ambivalência dessa situação se encontra na 
via de mão dupla do acesso às tecnologias de comunicação usadas também por 
comunidades, grupos e indivíduos para divulgar e defender suas pautas, suas 
culturas e identidades (Nauroski, 2017). 
Mesmo numa condição desigual em relação aos conteúdos dominantes 
veiculados nas redes sociais e nos meios de comunicação de massa como rádio 
e TVs, existe espaço para que a sociedade civil organizada (ONGs, sindicatos, 
associações e coletivos diversos), além de pessoas, grupos e instituições, se 
contraponham. 
TEMA 2 – O CAPITALISMO NO SÉCULO XXI 
Embora o capitalismo tenha se tornado um sistema hegemônico, as 
condições nacionais de inserção de cada país na divisão internacional do 
trabalho e na balança comercial são bastante assimétricas. Estudos mais 
recentes da economia mundial têm recebido importantes contribuições de 
pesquisadores de mais de 153 países, conforme relatório publicado no 
Observatório Mundial das Desigualdades em 2020. 
Um mapeamento mundial do fluxo de capitais e da conjuntura econômica 
de mais de 173 países envolvendo os cinco continentes apontou dados 
alarmantes sobre a desigualdade social e a distribuição de renda entre ricos e 
pobres. Nas últimas décadas, o processo de concentração de riqueza tem 
crescido inversamente proporcional ao aumento da desigualdade e da pobreza. 
Os estudos indicam que 1% da população mundial detém e controla quase 50% 
de toda a riqueza mundial. 
 
 
5 
Para compreender as reais condições da desigualdade econômica e 
social de um país, é preciso ir além da avaliação contábil do Produto Interno 
Bruto (PIB), que representa a soma de toda a movimentação econômica medida 
ao longo de um ano. Se considerarmos os 50% mais pobres de um país, a 
participação via rendimentos (salário/trabalho) pode variar entre 5% e 25% da 
renda total. Isso quer dizer que a condição de metade da população estará na 
proporção de 1 a 5. 
Trata-se de um dado de enorme gravidade, indicando que os números da 
macroeconomia em relação ao aumento e à diminuição do PIB não alcançam os 
efeitos mais perversos da desigualdade na vida concreta da população. Quanto 
mais o olhar se aproxima da segmentação social e econômica que vai desde 
aqueles que estão numa condição de miserabilidade, sobrevivendo com menos 
de R$ 5 por dia, até o segmento C, B e A dos grupos de baixa renda, que varia 
entre 1/5 salário até dois salários por mês. 
Figura 2 – Desigualdade social 
 
Crédito: Cryptographer/Shutterstock. 
A situação de desigualdade socioeconômica está presente entre todos os 
países capitalistas. Os 10% mais ricos correspondem na média a 70% da renda 
total. Mesmo em nações tidas como desenvolvidas e menos desiguais, se 
verifica um aumento da distância entre ricos e pobres. Na América Latina, um 
continente com um longo histórico de colonização violenta, a desigualdade tende 
a ser agravada, verificando-se a existência de fortes variações conforme o país. 
 
 
6 
Se comparados Brasil, México e Peru, verifica-se maior desigualdade em relação 
à situação da Argentina e do Uruguai, visto que nesses países existiu a presença 
duradoura de políticas de distribuição de renda e maior equidade fiscal. 
Em relação a países da África, as desigualdades são ainda mais 
extremas, devido a inúmeros fatores, como disputas étnicas e uma herança 
colonial violenta e extrativista. Segundo Thomas Piketty (2020), 
De modo geral, o mapa das desigualdades mundiais reflete ao mesmo 
tempo os efeitos da antiga discriminação raciale colonial e o impacto 
do hipercapitalismo contemporâneo e de processos sociopolíticos mais 
recentes. Em vários dos países mais desiguais do planeta, como Chile 
e Líbano, os movimentos sociais dos últimos anos têm alimentado a 
esperança de profundas transformações. O Oriente Médio aparece 
como a região mais desigual do planeta, tanto por um sistema de 
fronteiras que concentra recursos em territórios petromonárquicos, 
como por um sistema bancário internacional que permite transformar a 
renda do petróleo em renda financeira eterna. Na ausência de um novo 
modelo de desenvolvimento regional mais equilibrado, social-
federativo e democrático, o temor é que as ideologias totalitárias e 
reacionárias em ação continuem a ocupar o terreno, como na Europa 
há um século. 
A desigualdade se tornou um fenômeno geral e sistêmico, uma 
consequência inelutável da própria economia de mercado. Associado a esse 
problema surgem diversos outros, com alto potencial danoso à sobrevivência 
dos marginalizados e da própria sociedade, na medida em que o tecido social 
sofre um esgarçamento. Quanto maiores a desigualdade e a exclusão, tanto 
maiores são os índices de criminalidade, delinquência, fome e desnutrição, 
desemprego e violência. A situação tende a ser agravada no contexto da 
revolução tecnológica, de uma indústria que emprega cada vez menos, e ainda 
da impossibilidade de que o setor de serviços possa absorver a massa de 
desempregados. 
Na última década têm se aventado algumas alternativas a esses 
problemas. Cresce a consciência entre membros mais esclarecidos da elite, 
líderes políticos e da sociedade civil sobre a urgência de soluções. Uma ideia 
que vem ganhando força e adesão, mesmo entre os ricos, é a criação de uma 
renda básica universal (RBU), um valor que todos os cidadãos em condição de 
vulnerabilidade deveriam receber do governo com o qual pudessem sobreviver 
com alguma dignidade. Seria uma solução por dentro do sistema, uma medida 
paliativa, sem que fossem necessárias mudanças estruturais na sociedade. 
Esse tema tem provocado enorme polêmica entre defensores e 
opositores. Questões sobre fontes de financiamento da RBU, critérios para ter 
 
 
7 
direito, valores, implementação e fiscalização têm levantado diversos obstáculos 
até para operacionalizar projetos-piloto de RBU que poderiam servir de 
laboratório visando analisar sua viabilidade. 
TEMA 3 – CULTURA DOS POVOS TRADICIONAIS E TECNOLOGIA 
Atualmente o conjunto das tecnologias de comunicação e conhecimento 
representa o progresso da sociedade e da cultura. Como um legado humano, os 
avanços tecnológicos deveriam estar disponíveis a todas as pessoas, não sendo 
aceitável a continuidade da marginalização social. A inclusão digital é um atributo 
constitutivo da cidadania plena, cabendo aos governos estabelecer políticas 
públicas que garantam o acesso de todos ao mundo digital, inclusive das 
comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhos e povos da floresta. 
Considerando as devidas mediações e aproximações, o mundo digital pode vir 
a ser uma ferramenta eficiente na luta pela preservação das culturas originárias, 
de seus direitos, seus valores, sua visão de mundo. 
Para Derani (2002, p. 150), o processo de inclusão digital deve possibilitar 
a participação das comunidades tradicionais e a preservação de sua cultura. 
Esse autor propõe cinco características para identificar uma comunidade 
tradicional: 
1. propriedade comunal (ausência da ideia de propriedade privada); 
2. produção voltada para dentro (valor de uso); 
3. distribuição comunitária do trabalho não assalariado; 
4. tecnologia desenvolvida e transmitida por processo comunitário, a partir 
da disposição de adaptação ao meio em que se estabelece; 
5. transmissão da propriedade, conhecimento, pela tradição comunitária, 
intergeracional. 
 
 
 
8 
Figura 3 − Crianças indígenas 
 
Crédito: ESB Professional/Shutterstock. 
O modo de relação que essas comunidades desenvolvem com a natureza 
é de equilíbrio e preservação, de tal forma que a preservação da identidade e da 
cultura delas contribui diretamente para fortalecer os saberes e práticas 
indispensáveis ao desenvolvimento sustentável. Além desse aspecto, é preciso 
assegurar na forma de lei a proteção dos seus territórios e de suas reservas, 
bem como implementar políticas permanentes que garantam novas 
demarcações de terra. A isso se soma a efetiva fiscalização e controle contra 
invasores e a depredação de seu mundo, tanto por empresas quanto por grupos 
ou indivíduos. 
A inclusão digital a ser oferecida às comunidades tradicionais não pode 
ser impositiva, mas apresentada como um convite, uma iniciativa de adesão livre, 
de construção de um diálogo aberto, até com a possibilidade de não acontecer, 
como um ato de escolha a ser respeitado. 
No Brasil, as comunidades tradicionais podem fazer uso comercial da 
internet, empregando-a para a divulgação (devidamente respeitados 
os direitos de propriedade intelectual) de alguns produtos naturais ou 
manufaturados, tais como: ervas medicinais, artesanato, alimentos 
(guaraná, cupuaçu, urucum) etc. Diante dos demais meios de 
comunicação, a internet possibilita maior liberdade de expressão, os 
sujeitos são os protagonistas do seu próprio discurso e de suas 
reivindicações, apresentando um novo paradigma: o da “representação 
participativa”. O acesso à internet pelas comunidades tradicionais faz 
com que sejam eliminadas as distâncias, propiciando um novo tipo de 
organização, a chamada “cidade florestal”. Do interior da mata se 
mantém contato com o mundo. Ações de planejamento, 
monitoramento e vigilância dos crimes ambientais e invasões de terras 
 
 
9 
são favorecidas. A questão da segurança é muito importante, pois 
estas comunidades isoladas podem entrar em contato com as 
autoridades e pedir socorro em caso de necessidade. Ademais, nos 
casos de epidemias nas comunidades é possível a solicitação às 
autoridades competentes de atendimento médico especializado e 
medicamentos. (Colaço; Sparemberger, 2010, p. 221) 
O contato com a tecnologia e com o universo digital pode ser 
compreendido pelas comunidades tradicionais como aliado à sua causa. O fato 
de um indígena fazer uso de um telefone celular, ter uma conta de e-mail ou 
canal no YouTube não o destitui de sua identidade, de sua herança cultural; ao 
contrário, pode significar a oportunidade de mostrar ao mundo a beleza de sua 
cultura e de seu modo de vida. Uma sociedade em crise como a nossa talvez 
possa reaprender ensinamentos ancestrais como o amor e o cuidado com a 
família, com a comunidade e sobretudo com a “mãe terra” que prove e sustenta 
a vida. 
TEMA 4 – DIVERSIDADE CULTURAL E RECONHECIMENTO 
Falar em cultura é assumir que não existe uma cultura universal, mas 
culturas no plural, uma constelação múltipla e diversa da manifestação de 
indivíduos, grupos e povos, com suas línguas, costumes, tradições, práticas e 
saberes. A categoria de diversidade cultural assumiu contornos de uma narrativa 
de luta pelo reconhecimento, pelo direito de existir em sua singularidade. 
A luta pelos direitos humanos elevou a categoria da alteridade como 
atributo universal de reconhecimento da dignidade humana, independentemente 
de cor, gênero, etnia, credo, nível social e local geográfico. Ela é cosmopolita, 
mas ainda enfrenta obstáculos locais em diferentes regiões do planeta. 
Na esfera cultural, os direitos humanos assumem a forma de uma luta 
pelos direitos culturais de proteção às múltiplas identidades a compor um 
coletivo. Pelo reconhecimento das diversidades, se consagram o direito à 
igualdade, a compreensão de que somos igualmente diferentes e diferentemente 
iguais. Segundo Pedro (2011, p. 44), essa compreensão não é somente abstrata 
e conceitual, mas envolve a “totalidade dos direitos que têm a ver com os 
processos culturais: as liberdades de criação artística, científica e de 
comunicaçãocultural, os direitos autorais, o direito de acesso à cultura, o direito 
à identidade e à diferença cultural, o direito à conservação do patrimônio 
cultural”. 
 
 
10 
Em sentido histórico, as diferenças culturais vão ganhando espaço e 
reconhecimento, indicando identidades para além dos padrões eurocêntricos 
tidos como referência desde o século XVI em meio à expansão colonial. Será a 
partir da metade do século XX que irão eclodir inúmeras lutas políticas de 
afirmação e defesa da diversidade 
por diferentes grupos que compunham as sociedades multifacetadas 
dos países do norte, passaram a ocorrer reações culturais, 
comportamentais, políticas e filosóficas voltadas a propor noções mais 
inclusivas e, simultaneamente, respeitadoras da diversidade de 
concepções alternativas da dignidade humana que não mais se 
sustentavam sobre a ideia de igualdade, mas a criticavam a partir de 
novas visões de mundo, nas quais a diferença passou a ocupar um 
lugar destacado. (Lucas, 2015, p. 47) 
O que está em jogo nesse processo é a necessidade de reconhecimento 
da positividade das diferenças culturais, de romper com classificações binárias, 
inferior/superior, avançado/primitivo, civilizado/não civilizado. As pautas das 
lutas dos direitos humanos passam incorporar a ideia de que dignidade, 
identidade e multiculturalidade estão intimamente interligadas, compondo uma 
concepção ampliada e dignidade humana. 
Figura 4 – Direitos humanos 
 
Crédito: John Gomez/Shutterstock. 
De certa forma, a globalização contribuiu com esse processo. Para Santos 
(2009, p. 14), o rol dos temas dos direitos humanos pode ser concebido e 
praticado 
 
 
11 
quer como forma de localismo globalizado, quer como forma de 
cosmopolitismo ou, por outras palavras, quer como globalização 
hegemônica, quer como globalização contra-hegemônica. O meu 
objetivo é especificar as condições culturais para que os Direitos 
Humanos constituam forma de globalização contra-hegemônica. A 
minha tese é que, enquanto forem concebidos como direitos humanos 
universais, os Direitos Humanos tenderão a operar como localismo 
globalizado e, portanto, como forma de globalização hegemônica. Para 
poder operar como forma de cosmopolitismo, como globalização 
contra-hegemônica, os Direitos Humanos têm de ser 
reconceitualizados como multiculturais. 
As lutas por reconhecimento envolvendo o tema da diversidade cultural 
buscam romper tentativas de classificação e hierarquização cultural que ainda 
persistem. Nem o conceito nem as práticas etnocêntricas estão superadas. A 
bandeira da alteridade precisa ser cotidianamente levantada e defendida em 
diferentes espaços e por diferentes atores sociais, ou, como bem assinala 
Santos (2009, p. 16), a luta pelos direitos humanos, o que inclui a luta pelo 
reconhecimento das diversidades humanas, tende a ser mais efetiva ao transitar 
de “um localismo globalizado para um projeto cosmopolita”. 
TEMA 5 – POVOS ORIGINÁRIOS, DIREITOS E TERRITÓRIOS 
Quando falamos em povos originários, estamos nos referindo às pessoas 
que viviam no território brasileiro antes da invasão, conquista e colonização pelos 
portugueses. Já vimos anteriormente que o contato entre esses povos e o 
colonizador resultou em devastação e morte. Foi somente a partir da 
Constituição de 1988 que houve maior proteção legal aos indígenas e seus 
territórios. No entanto, desde o período colonial, a cobiça sobre esses territórios 
não diminuiu. É vasto o número de inimigos dos indígenas brasileiros que veem 
suas terras unicamente sob a ótica da exploração e do lucro. São diversos os 
conflitos envolvendo fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros e empresas 
multinacionais da área de medicamentos interessadas não somente em seus 
recursos, mas em explorar saberes acumulados em milênios sobre a mãe 
natureza e seus remédios. Todos seguem sedentos de ganhar cada vez mais, 
mesmo que isso provoque a morte e a destruição. 
Na atualidade, a conjuntura política tem favorecido interesses antagônicos 
ao bem-estar dos povos originários. Em junho de 2021, a Comissão de 
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de 
Lei n. 490 que altera a legislação da demarcação de terras indígenas. Essa 
mudança poderá extinguir comunidades originárias em diversas regiões do país. 
 
 
12 
A principal modificação no PL n. 490 é a criação do marco temporal para 
novas demarcações, colocando como limite a ser considerado o fato de as terras 
em questão estarem ocupadas por alguma comunidade ou tribo a partir da 
promulgação da Constituição Federal de 1988. O ano da promulgação da Carta 
Magna passa ser o período-limite a ser levado em conta como critério para definir 
se o território pleiteado é ou não de posse dos indígenas (Brasil, 2007). O 
mapeamento histórico feito pelo IBGE regista que desde a década de 1990 
ocorreram diversas disputas e ações judicias que afetaram a presença de 
indígenas na região oeste do país, fazendo com que várias comunidades fossem 
forçadas a migrar, ocupar e desocupar diversas regiões diferentes. Todo esse 
processo seria desconsiderado e fatalmente prejudicaria o direito constitucional 
e ancestral dos indígenas brasileiros. 
É preciso lembrar que o PL n. 490 já passou pelo Senado, faltando ser 
aprovado em votação pela Câmara dos Deputados. Se isso ocorrer, a alteração 
fragilizará ainda mais as comunidades, visto que a região oeste tem sido palco 
de violentos conflitos, resultando em inúmeras mortes por parte dos indígenas e 
suas lideranças, que oferecem pouca resistência ante o poder de fogo de 
matadores e jagunços contratados pelos poderosos dali. 
Figura 5 – Lideranças indígenas protocolam carta aberta no STF 
 
Crédito: Erick Terena/Mídia Índia. 
Mesmo com medo e sob ameaças, os indígenas têm recebido apoio de 
diversos setores da sociedade brasileira que vêm se manifestando nas ruas e 
nas redes sociais. O impasse entre os direitos dos indígenas brasileiros e os 
interesses dos que querem lucrar com a ocupação de seus territórios acabou 
 
 
13 
indo parar no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Recurso 
Extraordinário n. 1.107.365 impetrado pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa 
Catarina (IMA), contra a Fundação Nacional do Índio (Funai), e por indígenas do 
povo Xokleng, quase dizimado no estado catarinense. O mérito da questão 
envolvendo o recurso atinge a tese central do PL n. 490 e a questão do marco 
temporal. A “Carta aberta aos ministros do Supremo Tribunal Federal” aponta 
que: 
O tratamento que a Justiça Brasileira tem dispensado às comunidades 
indígenas, aplicando a chamada “tese do marco temporal” para anular 
demarcações de terras, é sem dúvida um dos exemplos mais 
cristalinos de injustiça que se pode oferecer a alunos de um curso de 
teoria da justiça. Não há ângulo sob o qual se olhe e se encontre 
alguma sombra de justiça e legalidade. Este Supremo Tribunal tem em 
suas mãos a oportunidade de corrigir esse erro histórico e, finalmente, 
garantir a justiça que a Constituição determinou que se fizesse aos 
povos originários. (Cimi, 2021) 
O documento tem como objetivo contribuir com o convencimento dos 
ministros da Suprema Corte. Mais de 300 pessoas, entre personalidades, 
celebridades, artistas, líderes e cientistas, assinaram a carta tendo como assunto 
o referido recurso que poderá pacificar a discussão e estabelecer uma 
jurisprudência segura que resguarde os direitos sob ataque. 
NA PRÁTICA 
Considerando os estudos realizados, leia com atenção a reportagem a 
seguir. 
Xokleng: o povo indígena quase dizimado em Santa Catarina que protagoniza 
caso histórico no STF – link de acesso: 
<https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/06/29/xokleng-o-povo-indigena-
quase-dizimado-em-santa-catarina-que-protagoniza-caso-historico-no-
stf.ghtml>. 
Após a leitura, realize outras pesquisas sobre o assunto e em seguida 
elabore um paper (uma lauda) se posicionandosobre o PL n. 490. Compartilhe 
sua reflexão com os colegas participando do fórum de debates. 
FINALIZANDO 
Ao final desta aula, é importante retomarmos alguns tópicos: 
 
 
14 
• O processo de globalização com seu viés predominantemente competitivo 
afetou diferentes povos e culturas, impôs modelos culturais, mas também 
possibilitou movimentos de resistência. 
• O sistema capitalista tem provocado dois problemas sistêmicos de difícil 
resolução: a concentração de renda, por um lado, e a exclusão e a 
desigualdade, por outro. 
• Em face do avanço tecnológico e da luta pelos direitos humanos, muitos 
autores têm defendido a inclusão digital dos povos tradicionais e o uso de 
suas ferramentas na luta por suas causas. 
• Por fim, a diversidade cultural vem se tornando uma pauta global a 
integrar a luta por direitos humanos como um projeto cosmopolita. 
 
 
 
15 
REFERÊNCIAS 
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 490, de 20 março de 2007. 
Disponível em: 
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=
345311>. Acesso em: 15 jun. 2021. 
CASTELLS, M. O poder da identidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. 
COLAÇO, L. T.; SPAREMBERGER, R. F. L. Sociedade da informação: 
comunidades tradicionais, identidade cultural e inclusão tecnológica. Revista de 
Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 207-230, jan./jun. 
2010. Disponível em: 
<https://periodicos.pucpr.br/index.php/direitoeconomico/article/view/6323>. 
Acesso em: 15 jun. 2021. 
EM CARTA ao STF, artistas, jurídicos e acadêmicos manifestam-se contra 
marco temporal e pedem proteção a direitos indígenas. CIMI, 24 jun. 2021. 
Disponível em: <https://cimi.org.br/2021/06/carta-stf-artistas-juristas-
manifestam-contra-marco-temporal-pedem-protecao-direitos-indigenas/>. 
Acesso em: 6 set. 2021. 
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 
2005. 
NAUROSKI, E. A. Teorias sociológicas e problemas sociais 
contemporâneos. Curitiba: InterSaberes, 2017. 
PIKETTY, T. Piketty expõe o escândalo das desigualdades globais. Outras 
Palavras, 23 nov. 2020. Disponível em: 
<https://outraspalavras.net/outrasmidias/piketty-expoe-o-escandalo-das-
desigualdades-globais/>. Acesso em: 15 jun. 2021. 
SANTOS, A. L. C.; LUCAS, D. C. A (in)diferença no direito. Porto Alegre: 
Livraria do Advogado, 2015. 
SANTOS, B. S. A globalização e as ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 
2009. 
XOKLENG: o povo indígena quase dizimado protagoniza caso histórico no STF. 
G1, 29 jun. 2021. Disponível em: 
<https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/06/29/xokleng-o-povo-indigena-
 
 
16 
quase-dizimado-em-santa-catarina-que-protagoniza-caso-historico-no-
stf.ghtml>. Acesso em: 6 set. 2021. 
WARNIER, J-P. A mundialização da cultura. Bauru: Edusc, 2003.

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