Buscar

O filme

Prévia do material em texto

O filme “O farol” (The lighthouse, 2019), escrito e dirigido por Robert Eggers, e produzido pelo prolifico estúdio A24, se encaixa em uma nova seara de filmes de arte conhecidos como pós-terror, gênero este que se propõe a subverter os arquétipos clássicos do terror, fugindo de seus artifícios genéricos como jump scares acompanhados de trilhas sonoras graves, priorizando sempre a sua narrativa e buscando autenticidade no quesito estético.
Uma obra cinematográfica recente que pode ser usada para exemplificá-lo, é o emblemático filme “A bruxa” (The Witch, 2015), que também pertence a filmografia de Eggers sendo este seu primeiro filme, que inclusive, se assemelha em diversos aspectos com este seu último trabalho, pois ambos discutem temas similares, como superstição, submissão e confinamento.
“O farol” parte de uma premissa aparentemente básica, onde dois homens ingleses vão trabalhar em um farol durante um mês, para fazerem sua manutenção, enquanto serão coagidos a conviver da maneira mais harmoniosa possível, o que como se pode presumir, não será fácil, levando em conta a diferença de idade e de comportamento entre os dois personagens, que se mostraram bastante distintos, desde o inicio da trama.
Mas primeiro, vamos para a parte técnica, que certamente, merece admiração.
A atmosfera sombria do farol
Se em “A bruxa” Eggers já ficou famoso devido a sua ousadia como diretor, devido a suas técnicas não convencionais se comparadas ao cinema contemporâneo, em “O farol”, não é diferente, pois o diretor continua tão versátil quanto, em suas escolhas técnicas.
Logo no início do filme, já podemos perceber uma de suas principais peculiaridades fílmicas, responsáveis por grande parte da curiosidade voltada ao filme, pois o mesmo foi filmado em preto e branco com antigas (não digitais obviamente), escolha essa que segundo Eggers foi tomada para passar a impressão de sujeira e um clima soturno ao público através dessa coloração lúgubre, o que lembra clássicos do horror como o clandestino filme alemão “Nosferatu” (1922).
Além disso, o formato da tela é quadrado em 4:3, representando a claustrofobia das personagens devido à confinação dentro da ilha, proporcionando diálogos bastante tensos devido a essa aproximação, que não seria a mesma caso fosse filmada no comum widescreen.
A trilha sonora aguda e agoniante, também não pode deixar de ser enaltecida, pois a mesma agrega e muito para atmosfera incomoda criada pela parte pictórica. Nas cenas um pouco mais frenéticas, a mesma casa perfeitamente com o ritmo visual. Ah, também temos as canções piratas cantadas pelos personagens, que contribuem em uma justa proporção para a atmosfera marítima do filme
Quanto ao cenário, o primeiro vislumbre do farol nos é dado logo no inicio, onde ele é mostrado ao longe envolto em névoa, o que parece indicar que o mesmo é um local envolto em mistério. Vale salientar que o cenário não foi construído para o filme, pois aquelas edificações já estavam lá há alguns séculos, ou seja, o aspecto do cenário é de cerne realístico, o que aumenta a imersão por parte dos espectadores.
O figurino remete perfeitamente a época em que o filme se situa, o que não era difícil, pois os personagens utilizam uniformes, roupas mais sociais e pijamas da época. A maquiagem também se destaca em alguns aspectos, em algumas cenas em especifico, que serão abordadas depois.
Por fim, a fotografia, que infelizmente, fora a única a ser reconhecida como uma indicação ao oscar, mas enfim, a mesma é responsável por alguns dos momentos mais deslumbrantes da obra, principalmente em suas cenas que remetem a outras obras artísticas, que serão citadas posteriormente.
A partir deste ponto, vou dividir a resenha em duas partes, uma sem os spoilers com uma análise mais inicial da trama e na outra, explorarei o resto do corpo da obra.
Análise 
Após os dois serem deixados a sós no farol, vamos sendo apresentados aos poucos aos dois personagens que sustentam toda a narrativa do filme, sendo eles o ex-lenhador e faroleiro iniciante Ephraim Winslow interpretado por Robert Pattinson e o faroleiro velho e experiente Thomas Wake interpretado por Willem Dafoe.
Logo a partir desse ponto, já podemos observar um dos tópicos de discussão do filme, sendo essa a exploração do empregado por parte de seu chefe, pois passamos a acompanhar uma relação abusiva entre Wake e Winslow, pois o velho faroleiro incube o novato para exercer todas as tarefas necessárias na manutenção do farol, fazendo com que Winslow trabalhe arduamente o dia todo, em cenas muitas vezes escatológicas e consequentemente desconfortáveis, como a limpeza da fossa e o descarte de fezes por exemplo, enquanto Wake apenas o observa e o adverte quando julga necessário de maneira injusta muitas vezes, gerando uma aparente revolta em Winslow. Devido á abordagem contínua do cotidiano desses personagens, é natural que o espectador tome partido de Winslow, e compreenda sua revolta.
Os únicos momentos em que ambos dialogam em parcial harmonia são no horário da jantar, onde podemos perceber que Winslow se mostra introspectivo, taciturno e responsável, já que se nega até mesmo a beber, alegando que está seria uma ação contra as normas dos marinheiros, enquanto Wake se mostra como sendo um velho lobo do mar, com um passado obscuro e o guardião de alguns mistérios que o farol guarda, pois suas falas são todas riquíssimas em referências (em um inglês carregado e repleto de gírias de marinheiros) o mesmo da indicia isto, como por exemplo, a superstição relacionada às gaivotas, que supostamente, servem de abrigo para os espíritos de marinheiros mortos e que caso fossem assassinadas, trariam uma maldição para o farol ou suas citações a figuras míticas da mitologia grega, como as harpias e tritão.
Quanto à questão dos mistérios da figura emblemática do farol, é algo que permeia todo o filme e que cria grande parte de sua tensão, pois Wake faz de tudo para deixar claro que só ele tem o direito de cuidar do farol e sempre está cuidando das chaves que dão acesso a ele, para que o Winslow não tente acessá-lo. Obviamente que essa obsessão do velho, atiça a curiosidade de Winslow, que se pergunta cada vez mais o que há de tão valioso dentro da lanterna.
O resto da trama vai se desenrolando a partir desta estrutura, explorando cada vez mais os conflitos desses personagens, acompanhados com o declínio mental de ambos, de maneira que abrange vários aspectos das neuroses.
A tensão criada vai aumentando cada vez mais, e a atmosfera aberrante vai se densificando, recheada de alegorias, metáforas, e sequenciam densas e violentas (de diversificadas maneiras) que mexem com as sensações sentidas pelo público, que instigam sua curiosidade, devido ao seu nível de espantamento, mas que como são spoilers, não serão abordadas aqui.
Porém, apesar da riqueza técnica que deve ser reconhecida por qualquer um, talvez “O farol”, decepcione quem espera por um terror meramente “aterrorizante”, ao se deparar com um suspense que se propõe utilizar apenas de alguns artifícios do terror, para discutir conceitos que em diversos momentos, estão implicitamente inseridas na trama. A complexidade apresentada pela obra, pode acabar afastando uma fatia do público, o que é bastante infeliz por parte, pois se este filme é tão grandioso e épico como se apresenta, é devido ao seu grande quebra cabeça monumental.
Resenha
Antes de prosseguir, vale enfatizar que os trechos citados abaixo, não estarão necessariamente em ordem cronológica, em prol da abordagem dos conceitos, no entanto, destacarei o momento da discussão sobre o final da obra.
Enquanto acompanhamos Winslow em sua labuta e Wake em seu vigília, passamos a ter contato com algumas perturbações da libido que ambos os personagens apresentam. Winslow encontra uma pequena estatueta de uma sereia dentro de um travesseiro, objeto esse que serve como excitação para ele em seus momentos de masturbação e que também passa a lhe gerar alucinações, já que o mesmo passa a avistar eventualmente, uma sereia na ilha.
Wake por sua vez, é flagradopor Winslow se esfregando contra o colchão e em outra cena, mais aberrante ainda, Winslow o vê nu, enfrente a luz do farol, se regozijando diante da mesma, enquanto um tentáculo passa por baixo de si, o que parece ser uma referência estética ao universo do autor americano, H. P. Lovecraft. Abordaremos mais dessas emblemáticas cenas, posteriormente.
Um dos fatores determinantes para a trama do filme, é quando Winslow fica impaciente com uma gaivota que estava o atormentando há e que coincidentemente possui um olho só, assim como o antigo faroleiro que trabalhou com Wake e faleceu no local e que tem a cabeça encontrada por Winslow posteriormente dentre as rochas (aparentemente fora uma vítima de Wake no passado), e a mata, esmagando-a furioso contra uma rocha. A partir daí, a maldição mencionada por Wake, parece se confirmar, já que uma onda de azar se acomete contra os personagens, após este ocorrido, pois uma tempestade torrencial começa e por isto, o navio destinado a buscar os personagens, não chega no farol.
Após isso, o declínio mental dos personagens fica evidente, pois os mesmos passam a desenvolver estágios de loucura. Winslow já não se importando mais com sua conduta, passa a se embebedar intensamente com frequência junto de Wake, dando origem assim a alguns diálogos mais reveladores, onde o mesmo assume que deixou um colega de trabalho morrer afogado há alguns anos atrás e que seu nome verdadeiro, também é Thomas, demonstrando estar com o emocional abalado.
Conforme as bebedeiras vão aumentando e a comida acabando, os personagens vão ficando cada vez mais instáveis, tanto que em determinado momento após uma dança, os dois quase se beijam, em um momento de quase homoerotismo, que indicia a penitência forçada dos dois está causando perturbações em suas libidos sexuais.
Além disso, Winslow, passa a ter mais alucinações durante suas masturbações intensas, já que o mesmo durante elas, recorda de seu companheiro morto e até se imagina copulando com a sereia. Um dos momentos mais monumentais das alucinações, é quando Winslow imagina Wake nu a sua frente, em meio a tempestade, com os olhos brilhando como o farol, em uma tomada que praticamente replica pintura “Hipnosis” do pintor alemão Schneider.
Essa série de infortúnios, vai culminar no conflito dos dois personagens, já que após uma tentativa de fuga de Winslow, Wake arrebenta seu bote com um machado, e ainda corre atrás dele, em uma cena que homenageia explicitamente o filme “O iluminado” (The shining, 1980) do diretor e roteirista, Stanley Kubric, que curiosamente, também aborda confinamento e a chamada febre da cabana.
Ambos entram na casa onde ficam, e Wake mostrar jogar com a mente de Winslow, pois primeiro o ameaça, dizendo que vai contar o que Winslow fez para o inspetor do farol e depois nega ter ocorrido atrás dele com o machado. O vicio no álcool, chega em seu ápice após isso, no momento em que os personagens chegam a tomar combustível do motor do farol.
Até que a tempestade atinge sua maior força, e praticamente destrói o abrigo dos faroleiros, que acordam em meio aos destroços, perto da sequência final do final. O grande clímax chega quando Winslow encontra um caderno de Wake boiando, com notas que o menosprezam e o julgam como ineficaz em seu trabalho, exigindo que o personagem não seja remunerado.
Após este ocorrido, os personagens têm uma discussão e entram em uma briga corporal, onde Winslow começa a espancar Wake e até alucina, vendo o mesmo rindo com uma aparência de criatura marinha bastante medonha, que ora se assemelha a sereia que tenta o seduzir e ora a Proteu, que tenta o sufocar com seus tentáculos.
Winslow então arrasta Wake para fora da cabana com uma corda, fazendo-o andar de quatro e latir como um cão, até que os dois chegam em um buraco onde tinham retirado dias antes, uma caixa com algumas garrafas de bebida, e Winslow começa a enterrar Wake vivo. Wake até tenta chantagear Winslow, lhe perguntando se ele quer subir no farol, como o seu antigo ajudante, mas o rapaz não dá ouvidos e continua a enterrá-lo, enquanto Wake em seu último monólogo, cita Proteu, figura chave para a interpretação do filme. Enfim o velho parece estar morto, e o rapaz pega as chaves que dão acesso ao farol, mas antes volta para a cabana com o intuito de pegar um cigarro e combustível para beber, até que Wake o surpreende e entra na cabana empunhando o machado, e desferindo um golpe no ombro de Winslow, que revida, derruba o velho e o mata com uma machadada, em uma sequência bastante visceral, agravada pelo sangue negro devido a paleta de cores.
Então finalmente, Winslow sobe rastejando em detrimento ao ferimento pelas escadas até o farol e vê e toca a luz de dentro da lanterna (que misteriosamente abre sozinha) e a contempla por algum tempo, onde temos a câmera fixada em suas expressões, não nos permitindo visualizar o que há lá dentro. Após o personagem expressar primeiramente certo prazer e depois dor aos berros, ele cai rolando pelas escadarias.
Por fim, chegamos à cena final do filme, onde Winslow é mostrado morto nas rochas perto do mar, sujo de fezes e sendo bicado por diversas gaivotas, remetendo a um quadro de Jean Deville.
Influências
Pois bem, as influências deste filme, são a priori até mesmo do desenvolvimento de seu roteiro, pois Max Eggers, irmão de Robert Eggers, e segundo roteirista do filme, começou a desenvolvê-lo a partir de um conto interminado do célebre autor americano Edgar Alan Poe, com o propósito de conclui-lo.
Porém, não teve sucesso nessa empreitada, e ao ter o auxílio de seu irmão, os mesmos incluíram várias outras referências na obra, como o caso real ocorrido em 1777 no reino unido, onde dois faroleiros também chamados Thomas, com uma grande diferença de idade, ficaram presos em um farol, onde tiveram vários desentendimentos, até a morte do mais velho em um acidente.
Além destas, o expressionismo alemão também está presente no filme, pois como já fora citado, é semelhante ao estilo de filmes alemães como “Nosferatu” e pinturas de pintores alemães como Schneider e Deville, são praticamente replicadas ao decorrer do filme. Mas no quesito influência, Deville parece ser predominante, pois há outras pinturas deste pintor, que também fazem alusões a personagens míticos gregos como Prometeu e outras que saúdam o fogo ou a luz, como algo que gera satisfação.
O cineasta inglês Stanley Kubrick, também teve influência sobre a inspiração de Eggers, pois além da mencionada cena do machado, os closes nas expressões faciais comuns em filmes como “Laranja Mecânica” (Clockworck Orange, 1971) e “Nascido para matar” (Fullmetal Jacket, 1987), também estão presentes na obra.
Deve-se citar também a clara inspiração na obra de H. P. Lovecraft, conhecido como o pai do horror cósmico pelos chamados “mitos de Chtulhu”, onde diversas criaturas grotescas com tentáculos são apresentadas e a manipulação do sentimento do medo pelo desconhecido, é predominante.
Enfim, temos as evidentes influências da mitologia grega, devido às alusões feitas as figuras míticas gregas, onde fica clara uma alusão ao decorrer da obra, ao mito de Prometeu, que roubou o fogo da sabedoria de Zeus para levá-lo aos homens, e por isso foi condenado por Zeus a ficar preso em um cume de uma montanha ter seu fígado (único órgão vital capaz de se regenerar, todos os dias nesse) devorado por uma ave (ás vezes interpretada como ave) todos os dias. Estas alegorias são fundamentais para as possíveis interpretações do filme, que serão abordadas na sequência.
Interpretações e teorias possíveis
Há a possibilidade de que todos os fatos ocorridos tenham sido exatamente daquela maneira, e que o farol era uma espécie de criatura viva a ser preservada, devido ao saudosismo do personagem Wake, que além de se referir ao farol como um indivíduo utilizando de pronomes femininos como “ela” e fazer de tudo para protegê-lo, sendo nesta interpretação, de fato um guardião, realmente capaz de se metamorfosear em uma criatura marinha, ou o contrário. Quanto à sereia, também pode ser concebidacomo uma criatura real aqui. Há problemas nesta interpretação, pois lacunas ficam abertas quanto ao personagem do Winslow principalmente e ainda entra em contradição com comentários dos idealizadores da obra, que declararam que não quiserem inclinar o filme para uma narrativa de sci-fi, como o horror cósmico do já citado autor, H. P. Lovecraft.
Outra teoria, é que ambos se tratam do mesmo homem em tempos diferentes, porém, que devido ao grande período de isolamento, acabara ficando louco, e dentro de sua própria mente, em constante conflito. Alguns pontos desta teoria são frágeis, tendo em vista que no inicio do filme percebemos dois marinheiros indo embora, o que indica que sempre dois homens são enviados para trabalhar no farol, e também de algumas discussões abordadas como a sexualidade e a masculinidade partir dos conflitos dos dois cairiam por terra. E quanto aos nomes de ambos serem Thomas, pode ser mera coincidência gerada pela inspiração na história verídica. No entanto, está é uma teoria bastante interessante.
Uma cena enigmática do filme, não citada propositalmente nas resenhas, é uma em que em Winslow vai pintar o farol a mando de Wake, e sobe na edificação por um andaime. Winslow alega que vai acabar caindo, porém, Wake nega está possibilidade, até que ela se torna realidade. Winslow despenca e cai no chão, sujando-se de tinta branca. Esta cena gerou uma teoria de que talvez o personagem tenha morrido neste momento, e que o restante da trama, se trata de uma alucinação do filme, enquanto agoniza e por fim sendo devorado por gaivotas, ou seja, a cena final do filme. Pontos que possivelmente embasam esta teoria, é que a cena não parecer ser relevante no restante do filme e que na cena final, podemos ver manchas brancas no corpo de Winslow, que são semelhantes à tinta. Vale lembrar que um dos faroleiros do caso verídico, morreu em um acidente.
Interpretação geral
A teoria mais comum, é de que Winslow parece remeter a figura Prometeus, que deseja tomar a luz do farol, que pode ser entendida como fogo da sabedoria, de Wake, que representa seu guardião assim como Zeus era, porém, Wake parece ser mais uma alusão a outra figura mítica grega, sendo essa Proteu, uma deidade marinha protetora dos oceanos, inclusive citada pelo personagem em seus diálogos, essa que era capaz de se metamorfosear, assim como vemos Wake fazendo, e também de profetizar, o que poderia explicar o receio do personagem quanto as ações dos outros faroleiros. Winslow claramente via Wake como sendo um guardião do farol e o que reitera essa metáfora, é justamente a cena em que Winslow alucina e vê Wake como nu em sua frente, prostrado como um verdadeiro guardião o que o vigia. Estas metáforas míticas, parecem servir como recurso para explorar os demais conceitos abordados pelo filme.
A sexualidade (com embasamento freudiano segundo R. Eggers) e o falocentrismo, que estão presentes evidentemente ao decorrer da obra, pois constantemente vemos os personagens sofrerem perturbações em suas libidos sexuais, a ponto de até mesmo sentirem desejos um pelo outro (Até mesmo a forma fálica do farol que está entre os dois homens, parecer reiterar este ponto), ao mesmo tempo em que, tenta constantemente se impor um ao outro, como sendo o macho alfa dominante daquela situação e daquele território. A maneira como Winslow tenta a todo momento se excitar com uma boneca de madeira, apenas por sua forma feminina, também remete a essa questão do homem tentar manter sua masculinidade a qualquer custo.
Outro conceito discutido, é o da superstição, que está ligado as gaivotas, que apesar de poder ser definida como uma crença que não está fundamentada em qualquer visão de mundo coerente, é explorada como sendo um fator que pode influenciar e manipular o psicológico do indivíduo, fazendo com que o mesmo até tente manipular os fatos para buscar conexão entre os fatos e elas, para que façam sentido no cenário em que se situa, pois, Wake repreende Winslow e o julga como culpado pelas desgraçadas ocorridas na ilha, em detrimento do assassinato de uma gaivota.
Também há a questão da dificuldade de um homem de lidar com o peso na consciência, pois Winslow tenta reprimir o tempo todo o fato de ter deixado um homem morrer, enquanto ao mesmo tempo, não consegue conter sua fúria violenta diante uma situação parecida, ao sentir ódio de seu atual companheiro de trabalho.
Todos estes conceitos parecem estar ligados com o que parece ser a temática central do filme: um estudo da masculinidade. Primeiro podemos perceber que a figura do “lobo do mar” como o marinheiro, o pirata, e também, o faroleiro, é tomada comumente como sendo uma figura masculina forte, como sendo um homem de postura, solitário, robusto, forte psicologicamente e fisicamente, enquanto aqui, está figura é subvertida, como sendo uma figura que possui fragilidades, problemas relacionados a sexualidade, fraquezas relacionadas aos vícios e abalos emocionais causados pela solidão e pelo sentimento de culpa e que também é manipulável, mas que mesmo assim, nega-se a se abster da postura de frieza e seguem tentando se impor ao outro como o dominante, tanto que o farol, a partir do momento em que estes homens contemplam o absurdo do confinante, em conjunto com a esperança e o desamparo, passa a ser tomado com um objeto que representa domínio e poder (assim como o fogo fora no paleolítico), e que causador até mesmo de jubilo sexual (Wake nu enfrente a luz demonstra esta possibilidade) e por isso passa a ser algo desejado a ponto destes homens travarem uma luta e digladiarem entre si para obtê-lo, mesmo que a violência extrema seja necessária pra isso.
E quanto às demais criaturas vistas por Winslow? Além de estarem ligadas aos conceitos centrais do filme, ás mesmas parecem ser meros frutos da imaginação dele, causadas pelo conjunto entre os impulsos internos ligados ao álcool, a desnutrição, o confinamento que desemboca em uma febre da cabana (distúrbio esse citado no filme) e os impulsos externos como as lendas proferidas por Wake e a imagem do objeto da sereia, que era a única forma feminina com a qual tinha acesso.
Conclusão
Enfatizo que todas as teorias e conceitos abordados aqui, não são definitivos, pois o próprio filme abre margem para inúmeras discussões e interpretações, mas sendo apenas metafórico ou não, “O farol” já pode ser considerado uma obra prima do cinema contemporâneo, pois é uma obra que, aborda objetiva e subjetivamente diversas questões importantes e complexas, como as já citadas sobre o falocentrismo, a superstição, a culpa, a insubmissão, a sexualidade, o absurdo, o confinamento e o isolamento, o conflito humano externo e interno, usando brilhantemente diversas figuras de linguagem, alegorias e referências a literatura, a pinturas e a outros filmes, que dispõem um quebra cabeças grotesco e genial, que instiga os espectadores a formularem suas próprias interpretações.
image1.jpeg

Continue navegando