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15 DESENVOLVIMENTO DE CARREIRAS NAS ORGANIZAÇÕES Mauro de Oliveira Magalhães Pedro F. Bendassolli Introdução ....................................................................................................................................434 Os grandes marcos históricos do estudo da carreira .................................................................434 Carreira e trabalho ....................................................................................................................435 Divisão e organização do trabalho e carreira ............................................................................435 Carreira subjetiva e papéis sociais ...........................................................................................437 Signifi cado de carreira: uma visão integrativa ...........................................................................438 As transformações do trabalho e a carreira ..............................................................................438 Defi nindo carreira na atualidade ..............................................................................................439 Novos modelos de carreira ........................................................................................................440 Contratos psicológicos e comprometimento no trabalho ...........................................................442 Contratos psicológicos ..............................................................................................................443 Sistemas de carreira ....................................................................................................................445 Sistemas de carreira em transição ...........................................................................................445 Sistemas de carreira e relações de trabalho .............................................................................446 Sistemas de carreira: atividades e práticas ..............................................................................451 Atividades de planejamento e gestão de carreira .....................................................................458 Considerações fi nais ....................................................................................................................459 Questões para discussão .............................................................................................................460 434434 Borges & Mourão (orgs.) INTRODUÇÃO Se você é estudante, é provável que uma de suas grandes preocupações seja seu futuro profi ssional. Onde trabalhar ou em qual área profi ssional focar esforços são apenas um pequeno exemplo de questionamentos que podem surgir à medida que a formação universitária encaminha-se para o fi nal. Sa- bemos que o começo de uma carreira nem sempre é algo previsível e que, na maioria dos casos, é recomendável desenvolver es- tratégias específi cas para atingir metas de vida. Além disso, depois de obter seu pri- meiro emprego como profi ssional, outras questões surgem pelo caminho: o tempo de permanência na organização atual, as mu- danças de área profi ssional, a busca ou não de especializações e/ou aperfeiçoamentos, a satisfação com o salário, entre outras de- cisões que tendem a se repetir ao longo de uma vida de trabalho. Há também questões relacionadas à vida pessoal, as quais exer- cem pressão sobre a carreira – por exemplo, a decisão de constituir família e seus impac- tos sobre o trabalho e vice-versa. Independentemente do momento atual da vida, é quase certo que questões relacio- nadas à carreira farão parte do conjunto de preocupações ou interesses de um indivíduo. Da mesma forma, carreira é um tema im- portante também para as organizações. De fato, estas últimas precisam, a cada momen- to, tomar decisões relacionadas à carreira de seus membros, pois isso tem infl uência sobre o desempenho geral deles, bem como sobre sua saúde e seu bem-estar. Essas decisões versam sobre processos de treinamento e desenvolvimento, avaliação de desempenho, contratação e demissão, em suma, atividades com impacto importante sobre a carreira desses profi ssionais. Neste capítulo, discutimos o tema das carreiras profi ssionais. Interessa-nos entender como carreiras são construídas, suas possíveis defi nições e como podem ser geridas pelos próprios profi ssionais e pelas organizações na atualidade. Inicialmente, discutimos qual a relação entre carreira e trabalho, trazendo a contribuição de auto- res clássicos que fundam o campo de estu- dos das carreiras. Em seguida, revisamos os principais modelos de carreira disponíveis na literatura da Psicologia Organizacional e do Trabalho e da Administração. Neste capítulo, nosso interesse é apresentar um conceito contemporâneo de carreira, o qual contemple as transformações profundas em nossa experiência com o trabalho nas últi- mas décadas. Dando continuidade, aborda- mos o conceito de contrato psicológico e mostramos sua relação com o tema da car- reira. Esses contratos referem-se às expec- tativas que os indivíduos têm ao trabalhar, servindo de indicador para pensarmos em uma gestão de carreira que melhor atenda aos desejos dos indivíduos e aos resultados esperados pelas organizações. Por fi m, apre- sentamos as atividades de desenvolvimento de carreiras que podem ser delineadas em organizações de trabalho. Nesse ponto, nosso interesse é oferecer diretrizes para o desenho de sistemas de desenvolvimento de carreiras, incluindo a defi nição das respon- sabilidades dos diversos atores envolvidos. Ao fi nal do capítulo, nossa expectativa é de que o leitor esteja em condições de dis- cutir o signifi cado de carreira, sua relação com a construção da identidade profi ssio- nal e as principais estratégias para seu de- senvolvimento no contexto da relação entre indivíduos e organizações. OS GRANDES MARCOS HISTÓRICOS DO ESTUDO DA CARREIRA A história do termo “carreira” talvez seja tão antiga quanto o próprio trabalho, em- bora, ao longo do tempo, seus signifi cados O trabalho e as organizações 435435 tenham variado e ela tenha assumido di- ferentes confi gurações. Nesta seção, nosso propósito é ampliar o foco a fi m de consi- derar a carreira na perspectiva do trabalho. Qual a relação deste último com a carreira? Quais foram as primeiras confi gurações as- sumidas pela carreira ao longo da história do trabalho? Quais são os grandes marcos que fundaram o estudo e a pesquisa sobre esse tema? Uma refl exão sobre tais questões é importante para nossa compreensão so- bre o signifi cado de carreira na atualidade. Carreira e trabalho O trabalho é uma atividade central na ex- periência do ser humano com o mundo. É importante tanto no plano objetivo como no subjetivo. No primeiro caso, o trabalho é nossa principal fonte de sobrevivência, tanto pessoal como da espécie. Já sua im- portância subjetiva diz respeito à capacida- de de produzir signifi cados. Podemos também pensar o trabalho como uma atividade multidirecionada. Em primeiro lugar, quando trabalhamos, nós o fazemos em relação a uma matéria, a qual pode ser tanto física (p. ex., o ouro na mão de um ourives) quanto abstrata (p. ex., pes- soas que trabalham com informações em um programa de computador). Essa maté- ria deve ser “trabalhada” para que assuma alguma forma socialmente relevante (p. ex., um anel de ouro ou uma notícia). Nesse sentido, o trabalho é uma ação realizada pelo indivíduo sobre a matéria, cuja forma não estava na matéria, mas sim na imagina- ção do trabalhador. Outro direcionamento do trabalho são as pessoas com as quais trabalhamos ou, em sentido mais amplo, aquelas que são afetadas pelo nosso trabalho. Quer dizer, quando trabalhamos, nós o fazemos com pares e superiores. Com eles, dividimos res- ponsabilidades, interligamos conhecimen- tos e compartilhamos experiências. Quanto mais complexo o trabalho, mais complexa, provavelmente, seráa rede de relações e in- terações que formamos ao redor dele (ima- gine a complexidade para se construir um avião). Disso surge a necessidade de organi- zar o trabalho, de controlá-lo para que o es- forço conjunto resulte em uma ação efetiva de transformação da realidade ou produção de algo. Por fi m, um terceiro direcionamento do trabalho envolve o próprio indivíduo que trabalha. Aqui pensamos os diversos signifi cados que o trabalho possui para cada pessoa. Quando trabalhamos, buscamos al- cançar certos objetivos pessoais, satisfazer algumas necessidades ou pôr em ação nos- so desejo. Nesse nível, o trabalho faz parte da construção de nossa identidade, pois, ao mesmo tempo em que ele nos permite ter um lugar ou status social, ele também nos possibilita organizar nossas narrativas pessoais acerca de quem somos (p. ex., sou psicólogo, médico ou agricultor). É preci- samente nesse ponto que emerge a ideia de carreira, pois ela é, ao mesmo tempo, uma forma pessoal de construção de signifi ca- dos na experiência de trabalho e também um meio social de organizar esse trabalho. Vejamos melhor esse ponto. Divisão e organização do trabalho e carreira Não podemos esquecer que o trabalho é, si- multaneamente, um fenômeno social e pes- soal. No que diz respeito à dimensão social do trabalho, os aspectos mais relevantes a considerar são sua divisão, sua organização e seu controle. Em outras palavras, o tra- balho é uma instituição social que assume determinadas formas, dependendo do mo- mento histórico. Que formas são essas? 436436 Borges & Mourão (orgs.) Um salto ao passado nos leva às cor- porações de ofício, entre os séculos XI e XIII. Ali havia divisão e controle social do trabalho em que se começa a vislumbrar vestígios do que conhecemos como carrei- ra, pois existia um mestre (detentor do sa- ber sobre o ofício) e um aprendiz – cuja ex- pectativa era de tornar-se mestre no futuro. O regime institucional em que o trabalho desenvolvia-se era a família, de modo que as “ofi cinas” localizavam-se nas casas dos artesãos. Dando mais um salto no tempo, des- sa vez para a emergência da sociedade in- dustrial nos séculos XVIII e XIX, podemos ver uma forma nova e dominante de divi- são e controle social do trabalho. Nesta, o trabalho é institucionalizado em torno da fábrica e do operário. A industrialização desarticulou a organização tradicional ba- seada no trabalho artesanal e no artesão e promoveu um deslocamento do lugar e do signifi cado do trabalho. Os primeiros mo- delos de gestão que surgiram conjuntamen- te a esse nascimento das grandes fábricas, por exemplo, a Administração Científi ca, deram o compasso de como as tarefas de- veriam ser realizadas e as relações entre as pessoas, controladas. Ao operário, caberia a execução; ao administrador, o planejamen- to. Duas “carreiras” paralelas formaram-se e perpassaram o tempo, chegando até nossa época. As ciências sociais foram de fun- damental importância na teorização das transformações promovidas pela indus- trialização. Por exemplo, para Durkheim (1960), à medida que a sociedade tornava- -se mais industrializada, mais dependia de uma especialização funcional e técnica do trabalho. Isso tinha implicações decisivas sobre os vínculos e o contrato social. Em sociedades antigas, tais vínculos eram fun- damentados na proximidade e na tradição. Nas industriais, esse vínculo passou a de- pender basicamente da divisão do trabalho – relaciono-me com o padeiro porque ele me oferece o pão; com o médico, porque ele tem o conhecimento e os procedimen- tos para livrar-me de uma doença; e assim por diante. Passamos a ser dependentes uns dos outros na medida em que não tínha- mos mais o controle total sobre o traba- lho. Durkheim (1960) mostrou ainda que essa dependência funcional repercutia na criação de normas e valores culturais, bem como em ocupações ou profi ssões – graças às quais os indivíduos encontravam seu lu- gar na estrutura social, seu signifi cado e sua identidade. No que se refere à história dos es- tudos sobre carreira, essa constatação de Durkheim é decisiva (Gunz; Peiperl, 2007). Primeiramente, porque esse sociólogo mos- trou que há uma relação intrínseca entre a formação de certos grupos sociais e a divi- são do trabalho, ou seja, as profi ssões sur- gem justamente como uma forma de orga- nizar o trabalho. Depois, porque essas mes- mas profi ssões permitem a seus membros adquirirem uma identidade social (como médico, engenheiro, operário, etc.). As pro- fi ssões e as ocupações foram uma primeira confi guração para o que entendemos hoje como carreira (Dubar; Tripier, 2005). As ocupações oferecem aos indivíduos uma trajetória, isto é, uma carreira – cujo signi- fi cado é precisamente o de “estrada”. Con- tudo, essa trajetória nunca é individual, já que ela depende de enquadres sócio-insti- tucionais mais amplos (a divisão social do trabalho, o controle feito pelo Estado, etc.). Outra teorização decisiva foi propos- ta por Weber (1999). Esse sociólogo foi o primeiro a estudar a natureza burocrática da carreira. Uma grande preocupação de Weber era discutir a possibilidade de liber- dade para o indivíduo em uma sociedade cada vez mais burocrática. Ele entendia por burocracia um sistema de legitimação do O trabalho e as organizações 437437 poder fundado na autoridade proveniente do conhecimento técnico, da efi ciência e da rotinização. A burocracia é governada por regras, leis e procedimentos; do ponto de vista da organização, ela depende de espe- cialização do trabalho e da criação de uma hierarquia de comando. Carreira, nessa perspectiva, é uma trajetória determinada pela organização – que fi xa o ritmo, os está- gios e as competências necessárias por par- te do indivíduo para ascender na hierarquia (em geral, verticalmente). A ideia comum de cargos interligados e regidos por uma “racionalidade instrumen- tal” (foco na efi ciência e na efi cácia dos pro- cedimentos) foi profunda e exemplarmente analisada por Weber – criando, dessa forma, os primeiros pilares do campo de estudos das carreiras (Gunz; Peiperl, 2007). Ilustra- tivo, nesse sentido, é o trabalho de Whyte (1956), que, nos anos de 1960, criticou o que ele chamou de “homem organização”, um indivíduo obcecado pela ideia de ascen- são na carreira e pela devoção quase cega à organização. Whyte observou que os jovens de sua época não pareciam interessar-se por uma vida autônoma e autodecidida, mas sim pelo caminho (carreira) oferecido pelas organizações (que, nessa visão, mais se pare- ciam com um exército ou uma igreja). Carreira subjetiva e papéis sociais As obras de Durkheim e Weber exerce- ram grande infl uência nos estudiosos das carreiras. E ainda dois outros autores, um engenheiro e outro sociólogo, merecem ser destacados nesse campo de estudos. O pri- meiro é Parsons (1939), considerado o pio- neiro da orientação vocacional, profi ssional e de carreira. Suas ideias contrastam com a de outro importante autor, Hughes (1937). Hughes (1937) estava interessado, as- sim como Durkheim, nas consequências sociais da divisão do trabalho. Ele acredi- tava que as instituições sociais criavam as normas e impunham restrições que molda- vam o comportamento humano, mas que, ao mesmo tempo, o indivíduo poderia en- contrar algumas margens de manobra em relação a elas. Nesse sentido, esse autor é um dos precursores da distinção conceitual fei- ta entre “carreira objetiva” e “carreira subje- tiva”, mais tarde verifi cada na produção de autores da Psicologia Organizacional e Vo- cacional (Hall, 1976; Savickas, 2001; Schein, 1978). A carreira objetiva refl ete a sequên- cia das posições e dos papéis ocupados pelo indivíduo ao longo da vida de trabalho, ou seja, é defi nida a partir do conjunto de pres- crições objetivas dadas pela divisão técnica do trabalho e pela organização. Esses papéis ditam o status social do indivíduo. Nesse contexto, há evidente ressonância das ideiasde Max Weber, notadamente sobre sistemas burocráticos. Em contrapartida, a carreira subjeti- va (ou “interna”) refere-se à interpretação pessoal dos papéis e das experiências de trabalho, ou seja, o signifi cado que essas atividades adquirem para os trabalhadores. Nesse sentido, defi ne-se carreira como “[...] uma perspectiva dinâmica pela qual a pes- soa concebe sua vida como um conjunto e interpreta o signifi cado de suas diversas ca- racterísticas, das ações e das coisas que lhe ocorrem” (Hughes, 1937, p. 409-410). Ins- pirada em uma perspectiva interacionista (Dubar; Tripier, 2005), essa abordagem ex- põe a dimensão temporal da carreira, a ca- pacidade de o sujeito interpretar suas pró- prias experiências e o efeito dos processos sociais. Essa defi nição de carreira subjetiva vai de encontro às ideias de Parsons (1939), outro autor fundamental na fundação dos estudos sobre esse tema. Para ele, carreira está articulada a um papel. Para ocupá-lo, os indivíduos devem ser adequadamente 438438 Borges & Mourão (orgs.) preparados, pois cada papel exige certas motivações e habilidades. Toda a sociedade organiza-se em função de diferentes papéis interdependentes entre si, cada um deles determinando um lugar no sistema social. Em Parsons (1939), a dimensão subjeti- va do papel é menos pronunciada que em Hughes (1937), provavelmente em função da inclinação interacionista deste último – em contraposição à inclinação funcionalis- ta do primeiro. Parsons (1939) infl uenciou autores da tradição psicológica de estudo das carreiras. A ideia essencial era promover o “encontro” entre as características pessoais (p. ex., apti- dões) e as características da ocupação – ou do cargo, ambos vistos como um conjun- to de tarefas prescritas. Quer dizer, de um lado, o cargo ou a ocupação; de outro, o indivíduo e suas variáveis disposicionais (personalidade, interesses, aptidões, etc.), ambos devendo ser equiparados. Isso deu origem a abordagens de carreira, tais como a “abordagem do ajuste” e da “escolha pro- fi ssional” (Dawis; Lofquist, 1984; Holland, 1997; Schein, 1978). Nessa perspectiva, a carreira tem um signifi cado que se confun- de com ocupação, cargo e papel, ao passo que em Hughes (1937), ela possuía também um sentido subjetivo, dizendo respeito ao modo como o indivíduo interpretava sua experiência com o trabalho. SIGNIFICADO DE CARREIRA: UMA VISÃO INTEGRATIVA Nesta seção, nosso objetivo é apresentar e discutir uma defi nição integrativa de car- reira que seja coerente com as profundas transformações pelas quais passou o traba- lho no Ocidente, e que também seja capaz de articular vários conceitos. Argumentamos que, a despeito daquelas transformações, o trabalho continua sendo uma dimensão central da experiência humana, e que as car- reiras têm um papel psicossocial decisivo ao funcionar como forma de mediação entre o trabalho como papel social e como vivência psicológica de construção de signifi cados, de autodesenvolvimento e autorrealização. As transformações do trabalho e a carreira É consenso na literatura acadêmica, tanto da Psicologia Organizacional quanto da So- ciologia e da Administração, que o trabalho passou por grandes transformações nas úl- timas 4 a 5 décadas, em função, entre outros fatos, da globalização, das revoluções tec- nológicas e de fatores sócio-históricos mais amplos, como a migração da modernidade para a pós-modernidade (Beck, 1992; Chia, 1998; Giddens, 1991; Lash; Urry, 1994). Tais transformações podem ser cons- tatadas a partir de diversos indicadores. Por exemplo, o desarranjo de uma das princi- pais formas de organização do trabalho, o emprego industrial, o qual perdurou por quase dois séculos no Ocidente. Esse tipo de organização do trabalho possuía as se- guintes características: do ponto de vista da organização, consistia de um conjunto prescrito de tarefas a serem desenvolvidas ao longo do tempo, sem grandes varia- ções – tratava-se do cargo ou da ocupação (Inkson, 2007). Em termos de mobilidade, ela ocorria pela migração do indivíduo de um cargo/ocupação a outro em uma mesma família de cargos, pela ascensão vertical na hierarquia, ou por variáveis como tempo de empresa e experiência. O encarreiramento era dado pela organização, isto é, pelo sis- tema burocrático (no sentido weberiano). Do ponto de vista institucional, o em- prego dependia de a realização do trabalho ser feita na empresa ou organização. Havia, O trabalho e as organizações 439439 portanto, uma dimensão formal do traba- lho, com fronteiras delimitadas – por exem- plo, trabalho e não trabalho; fronteiras ge- ográfi cas (não era comum as pessoas serem “expatriadas” para empresas em outros paí- ses); fronteiras ocupacionais (a mobilidade de trocar de área de atividade era baixa); fronteiras jurídicas (emprego como ativida- de regulada por um contrato mediado pelo Estado). Do ponto de vista educacional, o foco era a obtenção de qualifi cações, ou seja, conhecimentos, relativamente estáveis, que permitissem aos indivíduos ocuparem certo cargo e realizarem determinadas fun- ções. No regime do emprego, a carreira era mais uma propriedade dos sistemas (or- ganizações) e menos dos indivíduos. Além disso, o peso das estruturas sociais se fazia sentir na articulação de diversas instâncias institucionais – por exemplo, a escola pre- parava para o mercado de trabalho, no qual os estudantes teoricamente encontrariam um emprego compatível com a ocupação/ profi ssão que escolheram seguir. Por sua vez, a empresa absorvia a oferta de mão de obra, apoiada pela manutenção de um nível de consumo que justifi casse a produção. E o Estado funcionava como um integrador social por meio do emprego (estando a ele associados direitos sociais fundamentais, como renda, saúde, educação, em uma pa- lavra, cidadania). As transformações pelas quais pas- sou a instituição trabalho desorganizaram a maioria, se não todas, das características do emprego que acabamos de destacar. Para citar algumas das que mais abalaram as car- reiras, temos a desorganização do trabalho como um conjunto de papéis prescritos. Portanto, apesar de a divisão do trabalho ainda ser realizada com base na especiali- zação técnica e funcional, a qual demanda certas tarefas prescritas, observamos um número crescente de atividades, cujo con- teúdo não é atribuído pelas organizações, mas sim pelo próprio indivíduo. Outras transformações incluem a quebra de fron- teiras. Por exemplo, hoje um indivíduo pode trabalhar em qualquer país que dese- jar, desde que tenha os recursos para tanto. Da mesma forma, as carreiras não são mais “lineares” (Lichtenstein; Mendenhall, 2002) como elas eram no contexto do emprego. Isso ocorre porque a probabilidade de que um indivíduo passe a maior parte de sua vida (ou toda) em um mesmo emprego e empresa é baixa. É mais factível que mude frequentemente, ou por decisão própria, ou por força das circunstâncias. Hoje em dia, as carreiras não parecem ter mais a previsibi- lidade, a linearidade, o “encadeamento” que talvez tivessem no passado, quando a estru- tura de cargos fi xava os caminhos a priori. Os novos arranjos ocupacionais (chamados de “trabalhos não convencionais”) ilustram bem esse ponto (Gallagher; Connelly, 2008). Esse cenário trouxe para o primeiro plano a dimensão subjetiva das carreiras. O enfraquecimento dos papéis ocupacio- nais deu margem à emergência da iniciativa pessoal, dos autoarranjos de carreira, dos valores pessoais, enfi m, a outro posiciona- mento do indivíduo no campo do trabalho. Isso levanta a necessidade de uma defi nição de carreira compatível com nosso novo mo- mento sócio-histórico. Defi nindo carreira na atualidade Carreira, tal como ela é entendida hoje, não é simplesmente uma ocupação, um cargo ou uma função desempenhada por uma pessoa em uma organização formal de tra- balho. Ela envolve comportamentos, expec- tativas, necessidades, cognições e sentimen-tos de uma pessoa em um processo de au- todesenvolvimento orientado por objetivos de vida e trabalho, ambos mediados pelo 440440 Borges & Mourão (orgs.) mercado (Creed; Hood, 2009). Portanto, a carreira é um construto multidimensional infl uenciado por fatores de ordem psicoló- gica, social, econômica e pelas circunstân- cias concretas vivenciadas pelo indivíduo ao longo de seu ciclo de vida. Outra defi nição amplamente aceita na literatura da área é proposta por Arthur, Hall e Lawrence. Para esses autores, carrei- ra consiste na “[...] evolução das experiên- cias de trabalho de um indivíduo ao longo do tempo” (1989, p. 8). A palavra-chave aqui é experiência, sendo ela que interliga os vários pontos, momentos ou etapas da carreira de uma pessoa – e não o fato de ocupar-se um cargo em uma organização ou desempenhar um papel de trabalho. Assim, carreira é a sequência dos diversos papéis que o indivíduo assume ao longo de sua vida laboral. O signifi cado de uma carreira depende, portanto, da capacidade do indivíduo em narrar os diversos fatos de sua vida de um modo que eles sejam harmonizados entre si. O trecho “evolução das experiências”, na defi nição de Arthur, Hall e Lawrence (1989), denota que a carreira não é uma coi- sa momentânea, tampouco uma realidade estática. Pelo contrário, para entendermos uma carreira, temos de observar o que vem antes de cada experiência e de que modo esse passado relaciona-se com o presente ou mesmo com o futuro. Já o trecho “expe- riências de trabalho” sinaliza para uma am- pliação de foco – ainda falamos de trabalho, mas não necessariamente de emprego, nem de trabalho remunerado. Quaisquer ativi- dades que implicam uma vivência subjetiva passam a ser importantes. Isso quer dizer que mesmo um “trabalho como hobby” ou trabalho voluntário podem ser interessan- tes no desenvolvimento de uma carreira. Outro aspecto dessa defi nição é sua insistência para que a carreira subjetiva e a objetiva sejam interligadas entre si. Dessa forma, é imprudente afi rmar que o único responsável pela carreira é o próprio indiví- duo, que deve mapear continuamente seus interesses, valores e autoconceito (identida- de) para fazer do mundo algo à sua imagem e semelhança. Ao contrário, não é igual- mente prudente diluir o indivíduo nas es- truturas sociais, na burocracia dos sistemas organizacionais, apagá-lo por detrás dos diversos papéis que desempenha. A todo o momento, na defi nição do que é carreira, é preciso reconhecer o interjogo entre os pa- péis sociais, ocupacionais ou profi ssionais de uma pessoa e seu próprio autoconceito, valores, experiências passadas, recursos e planejamento para o futuro. A defi nição de carreira aqui apresen- tada deu ensejo, especialmente nas últimas duas décadas, a novos modelos de carreira na literatura científi ca da área. Há em co- mum, entre eles, a percepção das profundas transformações no mundo do trabalho, a crise das fronteiras tradicionais das carrei- ras (como o cargo, as ocupações, a organi- zação, os papéis atribuídos, etc.), a impor- tância crescente de o indivíduo assumir o controle sobre sua carreira e as mudanças nos contratos psicológicos e nas formas de gestão das carreiras por indivíduos e orga- nizações na atualidade. Novos modelos de carreira O Quadro 15.1 apresenta cinco modelos de carreira encontrados especifi camente na literatura de gestão (Inkson, 2007). O primeiro é a carreira sem fronteiras; o se- gundo, a carreira proteana; o terceiro, a craft career; o quarto, a carreira portfólio; e o quinto, o modelo da carreira multidire- cional. O interessante a observar é que esses cinco modelos têm muito mais pontos em comum do que diferenças, de modo que eles oferecem uma boa ilustração do estado O trabalho e as organizações 441441 atual de teorizações sobre carreiras. Veja- mos cada um a seguir. O modelo da carreira sem fronteiras é um dos mais citados na literatura da área. Em sua essência, ele mostra que houve, a partir dos anos de 1980, um declínio nas carreiras organizacionais (Arthur; Rousseau, 1996). Ao contrário do “homem organiza- ção”, proposto por Whyte (1956), o sujeito da carreira sem fronteiras é alguém que não se dedica a uma única organização ao lon- go de sua vida de trabalho, mas transaciona com várias delas, até mesmo com diversas ocupações. Ao contrário das carreiras “tra- dicionais”, baseadas no emprego e nos pa- péis atribuídos, a carreira sem fronteiras insiste na maior mobilidade e fl exibilidade nos novos arranjos de trabalho – entre eles, o autoemprego, o emprego em tempo par- cial, o teletrabalho, o trabalho por projetos, os empregos temporários, entre outros. Uma carreira sem fronteiras, portan- to, não se confi na a um único contexto de emprego, mas toma lugar em diversos cená- rios de trabalho, à medida que o indivíduo atravessa fronteiras e vence barreiras, tais como a da ocupação, a geográfi ca, a orga- nizacional, a da indústria (setor), a da vida pessoal-vida profi ssional e a psicológica (no sentido de não ter medo de mudar de traba- lho ou de possuir uma trajetória profi ssio- nal incerta). Outra ideia essencial é que o “novo carreirista” (Arthur, 1994) encontra cada vez mais facilidade para transcender essas e outras fronteiras e a determinar a própria direção de sua carreira como agen- te livre. Para tanto, ele deve desenvolver três tipos de competências (DeFilippi; Arthur, 1994): deve saber o porquê de suas escolhas, quais são seus valores e desejos (know-why); como fazer (know-how); e ter uma rede de contatos que o apoie (know-whom). QUADRO 15.1 Novos modelos de carreira encontrados na literatura científi ca da área Modelo Proposições Carreira sem fronteiras • Pluralidade de contextos de trabalho (Arthur, 1994; Arthur; Rousseau, 1996) • Declínio das carreiras organizacionais • Competências (know-why, know-how e know-whom) Carreira proteana (Hall, 1976, 2002) • Mudança como um dado de realidade • Variedade de experiências • Adaptabilidade e resiliência • Identidade como âncora Craft career (Poehnell; Amundon; • Autonomia, criatividade, invenção e reinvenção do próprio Reuter, 2002) trabalho • Sujeito e atividade como um único conjunto • Trabalho e sensemaking Carreira portfólio • Diversifi cação das atividades profi ssionais (Borgen; Amundson; Reuter, 2004) • Flexibilização das identidades pessoais • Múltiplas zonas de expertise individual Carreira multidirecional • Não linearidade das experiências de trabalho (Baruch, 2004, 2006) • Contrato psicológico transacional • Comprometimentos múltiplos Fonte: Os autores. 442442 Borges & Mourão (orgs.) O segundo modelo, denominado de carreira proteana, defende a necessidade de autodirecionamento na carreira. Partin- do do pressuposto de que o ambiente atual é de incerteza e transformações, o único ponto de apoio que o indivíduo tem para orientar-se é sua própria identidade (Hall, 1976, 2002). Proteu era uma criatura grega do mar que podia mudar sua face como lhe conviesse. Portanto, sugere-se a ideia de ver- satilidade e fl exibilidade, e a capacidade de o indivíduo mudar sua carreira conforme as circunstâncias ou seus desejos pessoais o exigirem. Outro ponto essencial desse mo- delo é a ideia de que o condutor da carreira sempre é o indivíduo, nunca a organização. Já o modelo craft career utiliza outra metáfora para falar de um tipo de car- reira encontrado na atualidade: a da arte (Poehnell; Amundson, 2002). Nas artes, uma obra é gerada graças ao esforço cria- tivo do artista-artesão, à sua expressivida- de e à capacidade de integrar técnicas com inspiração. De modo similar, os indivíduos devem tornar-se artesãos de suas próprias carreiras, as quais se assemelham a obras de arte, especialmente por serem inacaba- das, sempre abertas à invenção ou à trans- formação. O quarto modelo é a carreira portfó- lio. Essa carreira é descrita a partir da di- versifi cação das atividades profissionais de que é capaz o indivíduo – que não neces- sariamente tem um emprego, mas sim um conjunto de atividades fragmentadas (Bor- gen; Amundson; Reuter, 2004). Para cons- truir esse tipo de carreira, é preciso que o indivíduo desenvolva áreas de expertise di- versifi cadas. Na prática, isso signifi ca que ele deve saber fazer várias coisas ao mesmo tempo, além de trabalhar em tempo parcial em cada uma delas. O modelo é coerente com uma época de intensa descontinuidade nos trabalhos – por exemplo, trabalhos em forma de projetos. Por último, temos o modelo da car- reira multidirecional. Ele é proposto por Baruch (2004, 2006), que o contrapõe às carreiras tradicionais. Enquanto estas são lineares, fi xas a rotinas da organização e oferecem aos indivíduos uma única rota ascendente, as carreiras multidirecionais são fl exíveis, dinâmicas e abertas a direções e possibilidades distintas e igualmente vá- lidas. Quer dizer, a carreira não tem uma meta externa, determinada pelos papéis ou pelas funções da estrutura da organização: ensaiando e errando, o indivíduo vai reven- do seus objetivos e alterando seu foco. Em síntese, esses modelos partilham de duas ideias centrais: uma, a respeito do sujeito; outra, sobre o signifi cado do traba- lho. O primeiro é visto a partir de sua ca- pacidade de ser agente de sua própria vida. Não é um sujeito passivo que se limita a receber as instruções vindas do meio. Ao mesmo tempo, ele tampouco existe em um vácuo social. Trata-se de um sujeito que se apropria de signifi cados em processos de interação com outras pessoas e os sistemas sociais e institucionais nos quais está inseri- do. O trabalho deixa de ser visto exclusiva- mente como emprego e passa a ser conside- rado outra vez em sua dimensão existencial – ou seja, como atividade de transforma- ção da natureza, de si mesmo e de outras pessoas. A carreira, tal como defi nimos, é, então, uma forma de mediação entre o su- jeito, o trabalho e a sociedade. CONTRATOS PSICOLÓGICOS E COMPROMETIMENTO NO TRABALHO As mudanças no cenário do mundo do tra- balho exigem fl exibilidade e agilidade nas respostas organizacionais às demandas de sua própria sobrevivência. Nesse sentido, níveis hierárquicos foram suprimidos e O trabalho e as organizações 443443 processos decisórios foram descentraliza- dos. Os trabalhadores passaram a ser valo- rizados por qualidades como autonomia, iniciativa, criatividade e capacidade de tra- balho em equipe. As organizações inseridas nesse contexto reconheceram que o sucesso dos empreendimentos depende da atração, retenção e desenvolvimento de uma força de trabalho qualifi cada e dedicada à apren- dizagem contínua. Portanto, a lógica de funcionamento dos projetos organizacionais contemporâne- os pressupõe a ação orquestrada de pessoas altamente comprometidas com o sucesso do empreendimento. Entretanto, o vínculo entre indivíduo e organização tem enfraque- cido pela pressão da lógica de mercado, que se revela em vários fatores, tais como a ten- dência ao trabalho temporário e contingente às necessidades empresariais, a multiplicação de tipos de contratos de trabalho, as incerte- zas e as demandas de adaptações e mudanças contínuas, a desconfi ança e o ressentimento de trabalhadores inseguros sobre os rumos da organização, a sobrecarga de trabalho, a busca de profi ssionais pelo equilíbrio entre trabalho e não trabalho, entre outros aspec- tos. Considerando essa situação, as organi- zações questionam-se sobre como fortalecer esse vínculo com os diversos segmentos de trabalhadores que compõem seus recursos humanos, e o interesse nas pesquisas acerca do contrato psicológico, da contratação de carreiras e do comprometimento está cres- cendo. Contratos psicológicos Os contratos psicológicos podem ser defi - nidos como o entendimento subjetivo do empregado sobre promessas de trocas recí- procas entre ele e a organização (Conway; Briner, 2005). Em outros termos, são as promessas não ditas, não escritas no con- trato de emprego, mas que defi nem expec- tativas sobre o que o empregador oferece ao empregado e o que ele entrega em retorno. Ora, percepções de promessas e expectati- vas podem ser confi rmadas ou não. Quando expectativas são frustradas, ocorre a expe- riência de violação de contrato psicológico que, por sua vez, resulta em sentimentos de desconfi ança, perdas em comprometimento e contribuição dos empregados e redução de investimentos da organização no desenvol- vimento da carreira dos trabalhadores. Em contraste, a experiência de cumprimento de contrato psicológico aumenta a satisfação, o comprometimento e o desempenho (Rous- seau; McLean Parks, 1993). No tradicional contrato implícito de trabalho, em troca de lealdade, comprome- timento e níveis aceitáveis de desempenho, os empregados recebiam segurança, estabi- lidade, oportunidades periódicas de pro- moções, aumentos de salário anuais, inves- timentos em treinamento e recompensas, geralmente fi nanceiras. No entanto, a nova lógica de mercado desestabilizou os princí- pios de reciprocidade e comprometimento de longo prazo e pôs em cheque as preocu- pações sobre equidade que os fundamenta- vam. As novas modalidades de articulação e vínculo entre trabalhadores e organiza- ções, tais como o trabalho terceirizado e as mudanças nas estruturas organizacionais (downsizing, redução de níveis hierárquicos e descentralização), pressionam por novos contratos psicológicos. As organizações não podem mais oferecer segurança no empre- go, e as promoções verticais são menos pro- váveis em estruturas horizontalizadas. Pesquisadores descreveram e catego- rizaram os contratos psicológicos vigentes nas relações de trabalho, entre estes, os de- nominados transacional, relacional, equi- librado, idiossincrático (Greenberg et al., 2004; Rousseau; Schalk, 2000; Slay; Taylor, 2007). Os contratos transacionais tendem a 444444 Borges & Mourão (orgs.) ser de curto prazo, em que serviços específi - cos são pagos ao empregado e termos como “confi ança” e “comprometimento” não são priorizados. Em contraste, os contratos relacionais, tal como a sua denominação informa, envolvem aspectos relacionais de troca de benefícios não monetários, como lealdade, comprometimento, dedicação ao trabalho e reconhecimento do indivíduo; portanto, tendem a ser defi nidos em ter- mos mais abstratos e a durar mais tempo. O contrato transacional descreve mais o fra- casso da cooperação entre trabalhadores e organizações do que propriamente um con- trato. Nessa situação, as expectativas de am- bas as partes são negativas, e predominam sentimentos de insegurança e desconfi ança. O trabalhador espera obter compensações cada vez menores pelo seu desempenho, é inseguro quanto às demandas da organiza- ção e percebe inconsistência nas intenções organizacionais. A empresa, por sua vez, desconfi a e tende a esconder informação relevante dos trabalhadores, além disso ins- titui mudanças que aumentam a carga de trabalho ou reduzem os salários e os benefí- cios dos empregados, piorando a qualidade de vida no trabalho. Contratos equilibrados incluem pro- messas de risco compartilhado entre indi- víduo e organização. A empresa promete desenvolver o profi ssional e ele deve com- preender que condições econômicas ins- táveis podem alterar o que a organização pode oferecer e entregar. Nesse tipo de contrato, profi ssionais são chamados a ter maior responsabilidade pela gestão e desen- volvimento de suas carreiras. Os termos de contratos equilibrados são continuamente renegociados em resposta a mudanças nas necessidades de empresas e profi ssionais. Observamos que o contrato equilibrado re- sulta da conjugação de algumas facetas do contrato relacional, como a lealdade, o alto nível de empenho e a identifi cação com a organização, com outras do contrato tran- sacional, como a remuneração em função do desempenho e a focalização nos resulta- dos organizacionais (Castanheira;Caetano, 1999). Greenberg e colaboradores (2004) pro- puseram o conceito de contratos idiossin- cráticos que ocorrem quando emprega- dores e empregados entram em acordos altamente personalizados em resposta a de- mandas críticas da organização por deter- minadas competências escassas no mercado de recursos humanos. A negociação é ba- seada no valor de mercado do profi ssional, relacionado a seu perfi l único de competên- cias. Esses empregados podem ser mais bem pagos do que seus colegas e receber ainda outros privilégios, o que pode gerar descon- forto relacionado à percepção de injustiça. Pesquisas informam que as oportuni- dades de desenvolvimento de carreira (DC) oferecidas por uma organização têm efeito crucial sobre a percepção dos empregados quanto à violação ou ao cumprimento de contratos psicológicos (Granrose; Bacci- li, 2006; Lester; Kickul, 2001; Prince, 2005; Slay; Taylor, 2007; Sturges et al., 2005). Po- demos observar uma relação positiva en- tre o cumprimento de expectativas sobre oportunidades e atividades de DC e a satis- fação, o comprometimento, o desempenho e a retenção de empregados. Sendo assim, indivíduos e organizações devem negociar em termos de quais oportunidades de car- reira e atividades de desenvolvimento são oferecidas aos profi ssionais em troca de seu empenho na conquista das metas organiza- cionais. Ambas as partes devem ser capazes de zelar para que a experiência de cumpri- mento de contrato psicológico seja mútua. Os tópicos seguintes apresentam os conceitos fundamentais que orientam o desenho de sistemas de carreira e como O trabalho e as organizações 445445 eles podem oferecer alternativas de com- patibilidade entre necessidades e projetos individuais e organizacionais para fi ns de cumprimento de contratos psicológicos, aumento do desempenho e satisfação nas trocas entre trabalhadores e organizações. SISTEMAS DE CARREIRA Sistemas de carreira em transição Uma combinação das ideias de vários auto- res compõe a defi nição de sistema de carrei- ra como o conjunto organizado de políticas, prioridades e ações que empresas usam para gerenciar o fl uxo de seus membros para den- tro, por meio e para fora da organização ao longo do tempo (Sonnenfeld; Peiperl, 1988), incluindo a natureza das trocas entre a or- ganização e seus empregados (Slay; Taylor, 2007) e o equilíbrio acordado entre a satisfa- ção de necessidades individuais e organiza- cionais (Leibowitz; Farren; Kaye, 1988). Até há pouco tempo, ou mesmo ainda em muitas organizações brasileiras, o de- senvolvimento de carreiras era basicamente um processo guiado pelas gerências admi- nistrativas, sendo uma entre outras ferra- mentas utilizadas para reorganizar necessi- dades de força de trabalho, desenhar planos de sucessão e desligar ou recolocar traba- lhadores. A participação dos funcionários nessas decisões era mínima. Apenas alguns grupos seletos de trabalhadores identifi ca- dos como talentos especiais, frequentemen- te inseridos em programas de desenvolvi- mento gerencial de ascensão rápida, eram alvo de procedimentos mais personaliza- dos. Nessa visão tradicional, a mobilidade na carreira resumia-se a possibilidades de promoção vertical ou desligamento. Nas últimas décadas, organizações ex- postas à concorrência internacional, à rapi- dez da inovação e da difusão tecnológica e à ascensão da economia do conhecimento, entre outros fatores, perceberam a neces- sidade de comprometer seus empregados com os resultados empresariais. Porém, nesse contexto de instabilidade no emprego e aumento de exigências de qualifi cação do trabalhador, uma nova mentalidade desen- volveu-se entre os profi ssionais. Eles estão agora preocupados com a gestão das pró- prias carreiras, em busca de experiências de trabalho que tragam não somente recom- pensas fi nanceiras e de status, mas, sobretu- do, que garantam a aquisição e/ou o aper- feiçoamento de competências que elevem sua empregabilidade e valor profi ssional. Sendo assim, para acomodar necessidades individuais e organizacionais, o desenvolvi- mento da carreira tem adquirido as feições de um processo negociado e compartilhado entre trabalhadores e empregadores. A mo- bilidade na carreira passa a incluir uma di- versidade de trajetórias possíveis e capazes de oferecer experiências que resultem em ganho pessoal e organizacional. Em contrapartida, esclarecemos que as organizações de trabalho não foram to- das igualmente afetadas pelas mudanças sociais, econômicas e tecnológicas das últi- mas décadas. Em setores da economia com ambiente tecnológico e de mercado mais estável e/ou de baixa complexidade, pre- dominam organizações de estruturas mais burocratizadas, com muitos setores e níveis hierárquicos e pouca participação dos bai- xos escalões no processo decisório. Nessas organizações, suas estruturas e estratégias predominantes não demandam inovações na gestão de carreiras, que é realizada nos moldes tradicionais. Portanto, nesse con- texto, as carreiras tendem a ser vinculadas à estrutura de cargos, com pouca fl exibilida- de de movimentos, sendo eles defi nidos de forma unilateral pelas gerências.
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