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Borges indd_Construção resenha 3

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DESENVOLVIMENTO DE 
CARREIRAS NAS ORGANIZAÇÕES
Mauro de Oliveira Magalhães
Pedro F. Bendassolli
Introdução ....................................................................................................................................434
Os grandes marcos históricos do estudo da carreira .................................................................434
 Carreira e trabalho ....................................................................................................................435
 Divisão e organização do trabalho e carreira ............................................................................435
 Carreira subjetiva e papéis sociais ...........................................................................................437
Signifi cado de carreira: uma visão integrativa ...........................................................................438
 As transformações do trabalho e a carreira ..............................................................................438
 Defi nindo carreira na atualidade ..............................................................................................439
 Novos modelos de carreira ........................................................................................................440
Contratos psicológicos e comprometimento no trabalho ...........................................................442
 Contratos psicológicos ..............................................................................................................443
Sistemas de carreira ....................................................................................................................445
 Sistemas de carreira em transição ...........................................................................................445
 Sistemas de carreira e relações de trabalho .............................................................................446
 Sistemas de carreira: atividades e práticas ..............................................................................451
 Atividades de planejamento e gestão de carreira .....................................................................458
Considerações fi nais ....................................................................................................................459
Questões para discussão .............................................................................................................460
434434 Borges & Mourão (orgs.)
INTRODUÇÃO
Se você é estudante, é provável que uma de 
suas grandes preocupações seja seu futuro 
profi ssional. Onde trabalhar ou em qual 
área profi ssional focar esforços são apenas 
um pequeno exemplo de questionamentos 
que podem surgir à medida que a formação 
universitária encaminha-se para o fi nal. Sa-
bemos que o começo de uma carreira nem 
sempre é algo previsível e que, na maioria 
dos casos, é recomendável desenvolver es-
tratégias específi cas para atingir metas de 
vida. Além disso, depois de obter seu pri-
meiro emprego como profi ssional, outras 
questões surgem pelo caminho: o tempo de 
permanência na organização atual, as mu-
danças de área profi ssional, a busca ou não 
de especializações e/ou aperfeiçoamentos, 
a satisfação com o salário, entre outras de-
cisões que tendem a se repetir ao longo de 
uma vida de trabalho. Há também questões 
relacionadas à vida pessoal, as quais exer-
cem pressão sobre a carreira – por exemplo, 
a decisão de constituir família e seus impac-
tos sobre o trabalho e vice-versa.
Independentemente do momento atual 
da vida, é quase certo que questões relacio-
nadas à carreira farão parte do conjunto de 
preocupações ou interesses de um indivíduo. 
Da mesma forma, carreira é um tema im-
portante também para as organizações. De 
fato, estas últimas precisam, a cada momen-
to, tomar decisões relacionadas à carreira de 
seus membros, pois isso tem infl uência sobre 
o desempenho geral deles, bem como sobre 
sua saúde e seu bem-estar. Essas decisões 
versam sobre processos de treinamento e 
desenvolvimento, avaliação de desempenho, 
contratação e demissão, em suma, atividades 
com impacto importante sobre a carreira 
desses profi ssionais.
Neste capítulo, discutimos o tema 
das carreiras profi ssionais. Interessa-nos 
entender como carreiras são construídas, 
suas possíveis defi nições e como podem ser 
geridas pelos próprios profi ssionais e pelas 
organizações na atualidade. Inicialmente, 
discutimos qual a relação entre carreira e 
trabalho, trazendo a contribuição de auto-
res clássicos que fundam o campo de estu-
dos das carreiras. Em seguida, revisamos os 
principais modelos de carreira disponíveis 
na literatura da Psicologia Organizacional 
e do Trabalho e da Administração. Neste 
capítulo, nosso interesse é apresentar um 
conceito contemporâneo de carreira, o qual 
contemple as transformações profundas em 
nossa experiência com o trabalho nas últi-
mas décadas. Dando continuidade, aborda-
mos o conceito de contrato psicológico e 
mostramos sua relação com o tema da car-
reira. Esses contratos referem-se às expec-
tativas que os indivíduos têm ao trabalhar, 
servindo de indicador para pensarmos em 
uma gestão de carreira que melhor atenda 
aos desejos dos indivíduos e aos resultados 
esperados pelas organizações. Por fi m, apre-
sentamos as atividades de desenvolvimento 
de carreiras que podem ser delineadas em 
organizações de trabalho. Nesse ponto, 
nosso interesse é oferecer diretrizes para o 
desenho de sistemas de desenvolvimento de 
carreiras, incluindo a defi nição das respon-
sabilidades dos diversos atores envolvidos.
Ao fi nal do capítulo, nossa expectativa 
é de que o leitor esteja em condições de dis-
cutir o signifi cado de carreira, sua relação 
com a construção da identidade profi ssio-
nal e as principais estratégias para seu de-
senvolvimento no contexto da relação entre 
indivíduos e organizações.
OS GRANDES MARCOS HISTÓRICOS 
DO ESTUDO DA CARREIRA
A história do termo “carreira” talvez seja 
tão antiga quanto o próprio trabalho, em-
bora, ao longo do tempo, seus signifi cados 
O trabalho e as organizações 435435
tenham variado e ela tenha assumido di-
ferentes confi gurações. Nesta seção, nosso 
propósito é ampliar o foco a fi m de consi-
derar a carreira na perspectiva do trabalho. 
Qual a relação deste último com a carreira? 
Quais foram as primeiras confi gurações as-
sumidas pela carreira ao longo da história 
do trabalho? Quais são os grandes marcos 
que fundaram o estudo e a pesquisa sobre 
esse tema? Uma refl exão sobre tais questões 
é importante para nossa compreensão so-
bre o signifi cado de carreira na atualidade.
Carreira e trabalho
O trabalho é uma atividade central na ex-
periência do ser humano com o mundo. É 
importante tanto no plano objetivo como 
no subjetivo. No primeiro caso, o trabalho 
é nossa principal fonte de sobrevivência, 
tanto pessoal como da espécie. Já sua im-
portância subjetiva diz respeito à capacida-
de de produzir signifi cados.
Podemos também pensar o trabalho 
como uma atividade multidirecionada. Em 
primeiro lugar, quando trabalhamos, nós o 
fazemos em relação a uma matéria, a qual 
pode ser tanto física (p. ex., o ouro na mão 
de um ourives) quanto abstrata (p. ex., pes-
soas que trabalham com informações em 
um programa de computador). Essa maté-
ria deve ser “trabalhada” para que assuma 
alguma forma socialmente relevante (p. ex., 
um anel de ouro ou uma notícia). Nesse 
sentido, o trabalho é uma ação realizada 
pelo indivíduo sobre a matéria, cuja forma 
não estava na matéria, mas sim na imagina-
ção do trabalhador.
Outro direcionamento do trabalho 
são as pessoas com as quais trabalhamos 
ou, em sentido mais amplo, aquelas que são 
afetadas pelo nosso trabalho. Quer dizer, 
quando trabalhamos, nós o fazemos com 
pares e superiores. Com eles, dividimos res-
ponsabilidades, interligamos conhecimen-
tos e compartilhamos experiências. Quanto 
mais complexo o trabalho, mais complexa, 
provavelmente, seráa rede de relações e in-
terações que formamos ao redor dele (ima-
gine a complexidade para se construir um 
avião). Disso surge a necessidade de organi-
zar o trabalho, de controlá-lo para que o es-
forço conjunto resulte em uma ação efetiva 
de transformação da realidade ou produção 
de algo.
Por fi m, um terceiro direcionamento 
do trabalho envolve o próprio indivíduo 
que trabalha. Aqui pensamos os diversos 
signifi cados que o trabalho possui para cada 
pessoa. Quando trabalhamos, buscamos al-
cançar certos objetivos pessoais, satisfazer 
algumas necessidades ou pôr em ação nos-
so desejo. Nesse nível, o trabalho faz parte 
da construção de nossa identidade, pois, 
ao mesmo tempo em que ele nos permite 
ter um lugar ou status social, ele também 
nos possibilita organizar nossas narrativas 
pessoais acerca de quem somos (p. ex., sou 
psicólogo, médico ou agricultor). É preci-
samente nesse ponto que emerge a ideia de 
carreira, pois ela é, ao mesmo tempo, uma 
forma pessoal de construção de signifi ca-
dos na experiência de trabalho e também 
um meio social de organizar esse trabalho. 
Vejamos melhor esse ponto.
Divisão e organização 
do trabalho e carreira
Não podemos esquecer que o trabalho é, si-
multaneamente, um fenômeno social e pes-
soal. No que diz respeito à dimensão social 
do trabalho, os aspectos mais relevantes a 
considerar são sua divisão, sua organização 
e seu controle. Em outras palavras, o tra-
balho é uma instituição social que assume 
determinadas formas, dependendo do mo-
mento histórico. Que formas são essas?
436436 Borges & Mourão (orgs.)
Um salto ao passado nos leva às cor-
porações de ofício, entre os séculos XI e 
XIII. Ali havia divisão e controle social do 
trabalho em que se começa a vislumbrar 
vestígios do que conhecemos como carrei-
ra, pois existia um mestre (detentor do sa-
ber sobre o ofício) e um aprendiz – cuja ex-
pectativa era de tornar-se mestre no futuro. 
O regime institucional em que o trabalho 
desenvolvia-se era a família, de modo que 
as “ofi cinas” localizavam-se nas casas dos 
artesãos.
Dando mais um salto no tempo, des-
sa vez para a emergência da sociedade in-
dustrial nos séculos XVIII e XIX, podemos 
ver uma forma nova e dominante de divi-
são e controle social do trabalho. Nesta, o 
trabalho é institucionalizado em torno da 
fábrica e do operário. A industrialização 
desarticulou a organização tradicional ba-
seada no trabalho artesanal e no artesão e 
promoveu um deslocamento do lugar e do 
signifi cado do trabalho. Os primeiros mo-
delos de gestão que surgiram conjuntamen-
te a esse nascimento das grandes fábricas, 
por exemplo, a Administração Científi ca, 
deram o compasso de como as tarefas de-
veriam ser realizadas e as relações entre as 
pessoas, controladas. Ao operário, caberia a 
execução; ao administrador, o planejamen-
to. Duas “carreiras” paralelas formaram-se 
e perpassaram o tempo, chegando até nossa 
época.
As ciências sociais foram de fun-
damental importância na teorização das 
transformações promovidas pela indus-
trialização. Por exemplo, para Durkheim 
(1960), à medida que a sociedade tornava-
-se mais industrializada, mais dependia de 
uma especialização funcional e técnica do 
trabalho. Isso tinha implicações decisivas 
sobre os vínculos e o contrato social. Em 
sociedades antigas, tais vínculos eram fun-
damentados na proximidade e na tradição. 
Nas industriais, esse vínculo passou a de-
pender basicamente da divisão do trabalho 
– relaciono-me com o padeiro porque ele 
me oferece o pão; com o médico, porque 
ele tem o conhecimento e os procedimen-
tos para livrar-me de uma doença; e assim 
por diante. Passamos a ser dependentes uns 
dos outros na medida em que não tínha-
mos mais o controle total sobre o traba-
lho. Durkheim (1960) mostrou ainda que 
essa dependência funcional repercutia na 
criação de normas e valores culturais, bem 
como em ocupações ou profi ssões – graças 
às quais os indivíduos encontravam seu lu-
gar na estrutura social, seu signifi cado e sua 
identidade.
No que se refere à história dos es-
tudos sobre carreira, essa constatação de 
Durkheim é decisiva (Gunz; Peiperl, 2007). 
Primeiramente, porque esse sociólogo mos-
trou que há uma relação intrínseca entre a 
formação de certos grupos sociais e a divi-
são do trabalho, ou seja, as profi ssões sur-
gem justamente como uma forma de orga-
nizar o trabalho. Depois, porque essas mes-
mas profi ssões permitem a seus membros 
adquirirem uma identidade social (como 
médico, engenheiro, operário, etc.). As pro-
fi ssões e as ocupações foram uma primeira 
confi guração para o que entendemos hoje 
como carreira (Dubar; Tripier, 2005). As 
ocupações oferecem aos indivíduos uma 
trajetória, isto é, uma carreira – cujo signi-
fi cado é precisamente o de “estrada”. Con-
tudo, essa trajetória nunca é individual, já 
que ela depende de enquadres sócio-insti-
tucionais mais amplos (a divisão social do 
trabalho, o controle feito pelo Estado, etc.).
Outra teorização decisiva foi propos-
ta por Weber (1999). Esse sociólogo foi o 
primeiro a estudar a natureza burocrática 
da carreira. Uma grande preocupação de 
Weber era discutir a possibilidade de liber-
dade para o indivíduo em uma sociedade 
cada vez mais burocrática. Ele entendia por 
burocracia um sistema de legitimação do 
O trabalho e as organizações 437437
poder fundado na autoridade proveniente 
do conhecimento técnico, da efi ciência e da 
rotinização. A burocracia é governada por 
regras, leis e procedimentos; do ponto de 
vista da organização, ela depende de espe-
cialização do trabalho e da criação de uma 
hierarquia de comando. Carreira, nessa 
perspectiva, é uma trajetória determinada 
pela organização – que fi xa o ritmo, os está-
gios e as competências necessárias por par-
te do indivíduo para ascender na hierarquia 
(em geral, verticalmente).
A ideia comum de cargos interligados e 
regidos por uma “racionalidade instrumen-
tal” (foco na efi ciência e na efi cácia dos pro-
cedimentos) foi profunda e exemplarmente 
analisada por Weber – criando, dessa forma, 
os primeiros pilares do campo de estudos 
das carreiras (Gunz; Peiperl, 2007). Ilustra-
tivo, nesse sentido, é o trabalho de Whyte 
(1956), que, nos anos de 1960, criticou o 
que ele chamou de “homem organização”, 
um indivíduo obcecado pela ideia de ascen-
são na carreira e pela devoção quase cega à 
organização. Whyte observou que os jovens 
de sua época não pareciam interessar-se por 
uma vida autônoma e autodecidida, mas 
sim pelo caminho (carreira) oferecido pelas 
organizações (que, nessa visão, mais se pare-
ciam com um exército ou uma igreja).
Carreira subjetiva e papéis sociais
As obras de Durkheim e Weber exerce-
ram grande infl uência nos estudiosos das 
carreiras. E ainda dois outros autores, um 
engenheiro e outro sociólogo, merecem ser 
destacados nesse campo de estudos. O pri-
meiro é Parsons (1939), considerado o pio-
neiro da orientação vocacional, profi ssional 
e de carreira. Suas ideias contrastam com a 
de outro importante autor, Hughes (1937).
Hughes (1937) estava interessado, as-
sim como Durkheim, nas consequências 
sociais da divisão do trabalho. Ele acredi-
tava que as instituições sociais criavam as 
normas e impunham restrições que molda-
vam o comportamento humano, mas que, 
ao mesmo tempo, o indivíduo poderia en-
contrar algumas margens de manobra em 
relação a elas. Nesse sentido, esse autor é um 
dos precursores da distinção conceitual fei-
ta entre “carreira objetiva” e “carreira subje-
tiva”, mais tarde verifi cada na produção de 
autores da Psicologia Organizacional e Vo-
cacional (Hall, 1976; Savickas, 2001; Schein, 
1978). A carreira objetiva refl ete a sequên-
cia das posições e dos papéis ocupados pelo 
indivíduo ao longo da vida de trabalho, ou 
seja, é defi nida a partir do conjunto de pres-
crições objetivas dadas pela divisão técnica 
do trabalho e pela organização. Esses papéis 
ditam o status social do indivíduo. Nesse 
contexto, há evidente ressonância das ideiasde Max Weber, notadamente sobre sistemas 
burocráticos.
Em contrapartida, a carreira subjeti-
va (ou “interna”) refere-se à interpretação 
pessoal dos papéis e das experiências de 
trabalho, ou seja, o signifi cado que essas 
atividades adquirem para os trabalhadores. 
Nesse sentido, defi ne-se carreira como “[...] 
uma perspectiva dinâmica pela qual a pes-
soa concebe sua vida como um conjunto e 
interpreta o signifi cado de suas diversas ca-
racterísticas, das ações e das coisas que lhe 
ocorrem” (Hughes, 1937, p. 409-410). Ins-
pirada em uma perspectiva interacionista 
(Dubar; Tripier, 2005), essa abordagem ex-
põe a dimensão temporal da carreira, a ca-
pacidade de o sujeito interpretar suas pró-
prias experiências e o efeito dos processos 
sociais.
Essa defi nição de carreira subjetiva 
vai de encontro às ideias de Parsons (1939), 
outro autor fundamental na fundação dos 
estudos sobre esse tema. Para ele, carreira 
está articulada a um papel. Para ocupá-lo, 
os indivíduos devem ser adequadamente 
438438 Borges & Mourão (orgs.)
preparados, pois cada papel exige certas 
motivações e habilidades. Toda a sociedade 
organiza-se em função de diferentes papéis 
interdependentes entre si, cada um deles 
determinando um lugar no sistema social. 
Em Parsons (1939), a dimensão subjeti-
va do papel é menos pronunciada que em 
 Hughes (1937), provavelmente em função 
da inclinação interacionista deste último – 
em contraposição à inclinação funcionalis-
ta do primeiro.
Parsons (1939) infl uenciou autores da 
tradição psicológica de estudo das carreiras. 
A ideia essencial era promover o “encontro” 
entre as características pessoais (p. ex., apti-
dões) e as características da ocupação – ou 
do cargo, ambos vistos como um conjun-
to de tarefas prescritas. Quer dizer, de um 
lado, o cargo ou a ocupação; de outro, o 
indivíduo e suas variáveis disposicionais 
(personalidade, interesses, aptidões, etc.), 
ambos devendo ser equiparados. Isso deu 
origem a abordagens de carreira, tais como 
a “abordagem do ajuste” e da “escolha pro-
fi ssional” (Dawis; Lofquist, 1984; Holland, 
1997; Schein, 1978). Nessa perspectiva, a 
carreira tem um signifi cado que se confun-
de com ocupação, cargo e papel, ao passo 
que em Hughes (1937), ela possuía também 
um sentido subjetivo, dizendo respeito ao 
modo como o indivíduo interpretava sua 
experiência com o trabalho.
SIGNIFICADO DE CARREIRA: 
UMA VISÃO INTEGRATIVA
Nesta seção, nosso objetivo é apresentar e 
discutir uma defi nição integrativa de car-
reira que seja coerente com as profundas 
transformações pelas quais passou o traba-
lho no Ocidente, e que também seja capaz de 
articular vários conceitos. Argumentamos 
que, a despeito daquelas transformações, 
o trabalho continua sendo uma dimensão 
central da experiência humana, e que as car-
reiras têm um papel psicossocial decisivo ao 
funcionar como forma de mediação entre o 
trabalho como papel social e como vivência 
psicológica de construção de signifi cados, de 
autodesenvolvimento e autorrealização.
As transformações do 
trabalho e a carreira
É consenso na literatura acadêmica, tanto 
da Psicologia Organizacional quanto da So-
ciologia e da Administração, que o trabalho 
passou por grandes transformações nas úl-
timas 4 a 5 décadas, em função, entre outros 
fatos, da globalização, das revoluções tec-
nológicas e de fatores sócio-históricos mais 
amplos, como a migração da modernidade 
para a pós-modernidade (Beck, 1992; Chia, 
1998; Giddens, 1991; Lash; Urry, 1994).
Tais transformações podem ser cons-
tatadas a partir de diversos indicadores. Por 
exemplo, o desarranjo de uma das princi-
pais formas de organização do trabalho, o 
emprego industrial, o qual perdurou por 
quase dois séculos no Ocidente. Esse tipo 
de organização do trabalho possuía as se-
guintes características: do ponto de vista 
da organização, consistia de um conjunto 
prescrito de tarefas a serem desenvolvidas 
ao longo do tempo, sem grandes varia-
ções – tratava-se do cargo ou da ocupação 
 (Inkson, 2007). Em termos de mobilidade, 
ela ocorria pela migração do indivíduo de 
um cargo/ocupação a outro em uma mesma 
família de cargos, pela ascensão vertical na 
hierarquia, ou por variáveis como tempo de 
empresa e experiência. O encarreiramento 
era dado pela organização, isto é, pelo sis-
tema burocrático (no sentido weberiano).
Do ponto de vista institucional, o em-
prego dependia de a realização do trabalho 
ser feita na empresa ou organização. Havia, 
O trabalho e as organizações 439439
portanto, uma dimensão formal do traba-
lho, com fronteiras delimitadas – por exem-
plo, trabalho e não trabalho; fronteiras ge-
ográfi cas (não era comum as pessoas serem 
“expatriadas” para empresas em outros paí-
ses); fronteiras ocupacionais (a mobilidade 
de trocar de área de atividade era baixa); 
fronteiras jurídicas (emprego como ativida-
de regulada por um contrato mediado pelo 
Estado). Do ponto de vista educacional, 
o foco era a obtenção de qualifi cações, ou 
seja, conhecimentos, relativamente estáveis, 
que permitissem aos indivíduos ocuparem 
certo cargo e realizarem determinadas fun-
ções.
No regime do emprego, a carreira era 
mais uma propriedade dos sistemas (or-
ganizações) e menos dos indivíduos. Além 
disso, o peso das estruturas sociais se fazia 
sentir na articulação de diversas instâncias 
institucionais – por exemplo, a escola pre-
parava para o mercado de trabalho, no qual 
os estudantes teoricamente encontrariam 
um emprego compatível com a ocupação/
profi ssão que escolheram seguir. Por sua 
vez, a empresa absorvia a oferta de mão de 
obra, apoiada pela manutenção de um nível 
de consumo que justifi casse a produção. E 
o Estado funcionava como um integrador 
social por meio do emprego (estando a ele 
associados direitos sociais fundamentais, 
como renda, saúde, educação, em uma pa-
lavra, cidadania).
As transformações pelas quais pas-
sou a instituição trabalho desorganizaram 
a maioria, se não todas, das características 
do emprego que acabamos de destacar. Para 
citar algumas das que mais abalaram as car-
reiras, temos a desorganização do trabalho 
como um conjunto de papéis prescritos. 
Portanto, apesar de a divisão do trabalho 
ainda ser realizada com base na especiali-
zação técnica e funcional, a qual demanda 
certas tarefas prescritas, observamos um 
número crescente de atividades, cujo con-
teúdo não é atribuído pelas organizações, 
mas sim pelo próprio indivíduo. Outras 
transformações incluem a quebra de fron-
teiras. Por exemplo, hoje um indivíduo 
pode trabalhar em qualquer país que dese-
jar, desde que tenha os recursos para tanto. 
Da mesma forma, as carreiras não são mais 
“lineares” (Lichtenstein; Mendenhall, 2002) 
como elas eram no contexto do emprego. 
Isso ocorre porque a probabilidade de que 
um indivíduo passe a maior parte de sua 
vida (ou toda) em um mesmo emprego e 
empresa é baixa. É mais factível que mude 
frequentemente, ou por decisão própria, ou 
por força das circunstâncias. Hoje em dia, as 
carreiras não parecem ter mais a previsibi-
lidade, a linearidade, o “encadeamento” que 
talvez tivessem no passado, quando a estru-
tura de cargos fi xava os caminhos a priori. 
Os novos arranjos ocupacionais (chamados 
de “trabalhos não convencionais”) ilustram 
bem esse ponto (Gallagher; Connelly, 2008).
Esse cenário trouxe para o primeiro 
plano a dimensão subjetiva das carreiras. 
O enfraquecimento dos papéis ocupacio-
nais deu margem à emergência da iniciativa 
pessoal, dos autoarranjos de carreira, dos 
valores pessoais, enfi m, a outro posiciona-
mento do indivíduo no campo do trabalho. 
Isso levanta a necessidade de uma defi nição 
de carreira compatível com nosso novo mo-
mento sócio-histórico.
Defi nindo carreira na atualidade
Carreira, tal como ela é entendida hoje, não 
é simplesmente uma ocupação, um cargo 
ou uma função desempenhada por uma 
pessoa em uma organização formal de tra-
balho. Ela envolve comportamentos, expec-
tativas, necessidades, cognições e sentimen-tos de uma pessoa em um processo de au-
todesenvolvimento orientado por objetivos 
de vida e trabalho, ambos mediados pelo 
440440 Borges & Mourão (orgs.)
mercado (Creed; Hood, 2009). Portanto, a 
carreira é um construto multidimensional 
infl uenciado por fatores de ordem psicoló-
gica, social, econômica e pelas circunstân-
cias concretas vivenciadas pelo indivíduo 
ao longo de seu ciclo de vida.
Outra defi nição amplamente aceita 
na literatura da área é proposta por Arthur, 
Hall e Lawrence. Para esses autores, carrei-
ra consiste na “[...] evolução das experiên-
cias de trabalho de um indivíduo ao longo 
do tempo” (1989, p. 8). A palavra-chave 
aqui é experiência, sendo ela que interliga 
os vários pontos, momentos ou etapas da 
carreira de uma pessoa – e não o fato de 
ocupar-se um cargo em uma organização 
ou desempenhar um papel de trabalho. 
Assim, carreira é a sequência dos diversos 
papéis que o indivíduo assume ao longo 
de sua vida laboral. O signifi cado de uma 
carreira depende, portanto, da capacidade 
do indivíduo em narrar os diversos fatos 
de sua vida de um modo que eles sejam 
harmonizados entre si.
O trecho “evolução das experiências”, 
na defi nição de Arthur, Hall e Lawrence 
(1989), denota que a carreira não é uma coi-
sa momentânea, tampouco uma realidade 
estática. Pelo contrário, para entendermos 
uma carreira, temos de observar o que vem 
antes de cada experiência e de que modo 
esse passado relaciona-se com o presente 
ou mesmo com o futuro. Já o trecho “expe-
riências de trabalho” sinaliza para uma am-
pliação de foco – ainda falamos de trabalho, 
mas não necessariamente de emprego, nem 
de trabalho remunerado. Quaisquer ativi-
dades que implicam uma vivência subjetiva 
passam a ser importantes. Isso quer dizer 
que mesmo um “trabalho como hobby” ou 
trabalho voluntário podem ser interessan-
tes no desenvolvimento de uma carreira.
Outro aspecto dessa defi nição é sua 
insistência para que a carreira subjetiva e a 
objetiva sejam interligadas entre si. Dessa 
forma, é imprudente afi rmar que o único 
responsável pela carreira é o próprio indiví-
duo, que deve mapear continuamente seus 
interesses, valores e autoconceito (identida-
de) para fazer do mundo algo à sua imagem 
e semelhança. Ao contrário, não é igual-
mente prudente diluir o indivíduo nas es-
truturas sociais, na burocracia dos sistemas 
organizacionais, apagá-lo por detrás dos 
diversos papéis que desempenha. A todo o 
momento, na defi nição do que é carreira, é 
preciso reconhecer o interjogo entre os pa-
péis sociais, ocupacionais ou profi ssionais 
de uma pessoa e seu próprio autoconceito, 
valores, experiências passadas, recursos e 
planejamento para o futuro.
A defi nição de carreira aqui apresen-
tada deu ensejo, especialmente nas últimas 
duas décadas, a novos modelos de carreira 
na literatura científi ca da área. Há em co-
mum, entre eles, a percepção das profundas 
transformações no mundo do trabalho, a 
crise das fronteiras tradicionais das carrei-
ras (como o cargo, as ocupações, a organi-
zação, os papéis atribuídos, etc.), a impor-
tância crescente de o indivíduo assumir o 
controle sobre sua carreira e as mudanças 
nos contratos psicológicos e nas formas de 
gestão das carreiras por indivíduos e orga-
nizações na atualidade.
Novos modelos de carreira
O Quadro 15.1 apresenta cinco modelos 
de carreira encontrados especifi camente 
na literatura de gestão (Inkson, 2007). O 
primeiro é a carreira sem fronteiras; o se-
gundo, a carreira proteana; o terceiro, a 
craft career; o quarto, a carreira portfólio; e 
o quinto, o modelo da carreira multidire-
cional. O interessante a observar é que esses 
cinco modelos têm muito mais pontos em 
comum do que diferenças, de modo que 
eles oferecem uma boa ilustração do estado 
O trabalho e as organizações 441441
atual de teorizações sobre carreiras. Veja-
mos cada um a seguir.
O modelo da carreira sem fronteiras 
é um dos mais citados na literatura da área. 
Em sua essência, ele mostra que houve, a 
partir dos anos de 1980, um declínio nas 
carreiras organizacionais (Arthur; Rousseau, 
1996). Ao contrário do “homem organiza-
ção”, proposto por Whyte (1956), o sujeito 
da carreira sem fronteiras é alguém que não 
se dedica a uma única organização ao lon-
go de sua vida de trabalho, mas transaciona 
com várias delas, até mesmo com diversas 
ocupações. Ao contrário das carreiras “tra-
dicionais”, baseadas no emprego e nos pa-
péis atribuídos, a carreira sem fronteiras 
insiste na maior mobilidade e fl exibilidade 
nos novos arranjos de trabalho – entre eles, 
o autoemprego, o emprego em tempo par-
cial, o teletrabalho, o trabalho por projetos, 
os empregos temporários, entre outros.
Uma carreira sem fronteiras, portan-
to, não se confi na a um único contexto de 
emprego, mas toma lugar em diversos cená-
rios de trabalho, à medida que o indivíduo 
atravessa fronteiras e vence barreiras, tais 
como a da ocupação, a geográfi ca, a orga-
nizacional, a da indústria (setor), a da vida 
pessoal-vida profi ssional e a psicológica (no 
sentido de não ter medo de mudar de traba-
lho ou de possuir uma trajetória profi ssio-
nal incerta). Outra ideia essencial é que o 
“novo carreirista” (Arthur, 1994) encontra 
cada vez mais facilidade para transcender 
essas e outras fronteiras e a determinar a 
própria direção de sua carreira como agen-
te livre. Para tanto, ele deve desenvolver três 
tipos de competências (DeFilippi; Arthur, 
1994): deve saber o porquê de suas escolhas, 
quais são seus valores e desejos (know-why); 
como fazer (know-how); e ter uma rede de 
contatos que o apoie (know-whom).
QUADRO 15.1
Novos modelos de carreira encontrados na literatura científi ca da área
Modelo Proposições
Carreira sem fronteiras • Pluralidade de contextos de trabalho
(Arthur, 1994; Arthur; Rousseau, 1996) • Declínio das carreiras organizacionais
 • Competências (know-why, know-how e know-whom)
Carreira proteana (Hall, 1976, 2002) • Mudança como um dado de realidade
 • Variedade de experiências
 • Adaptabilidade e resiliência
 • Identidade como âncora
Craft career (Poehnell; Amundon; • Autonomia, criatividade, invenção e reinvenção do próprio 
Reuter, 2002) trabalho
 • Sujeito e atividade como um único conjunto
 • Trabalho e sensemaking
Carreira portfólio • Diversifi cação das atividades profi ssionais
(Borgen; Amundson; Reuter, 2004) • Flexibilização das identidades pessoais
 • Múltiplas zonas de expertise individual
Carreira multidirecional • Não linearidade das experiências de trabalho
(Baruch, 2004, 2006) • Contrato psicológico transacional
 • Comprometimentos múltiplos
Fonte: Os autores.
442442 Borges & Mourão (orgs.)
O segundo modelo, denominado de 
carreira proteana, defende a necessidade 
de autodirecionamento na carreira. Partin-
do do pressuposto de que o ambiente atual 
é de incerteza e transformações, o único 
ponto de apoio que o indivíduo tem para 
orientar-se é sua própria identidade (Hall, 
1976, 2002). Proteu era uma criatura grega 
do mar que podia mudar sua face como lhe 
conviesse. Portanto, sugere-se a ideia de ver-
satilidade e fl exibilidade, e a capacidade de 
o indivíduo mudar sua carreira conforme 
as circunstâncias ou seus desejos pessoais o 
exigirem. Outro ponto essencial desse mo-
delo é a ideia de que o condutor da carreira 
sempre é o indivíduo, nunca a organização.
Já o modelo craft career utiliza outra 
metáfora para falar de um tipo de car-
reira encontrado na atualidade: a da arte 
 (Poehnell; Amundson, 2002). Nas artes, 
uma obra é gerada graças ao esforço cria-
tivo do artista-artesão, à sua expressivida-
de e à capacidade de integrar técnicas com 
inspiração. De modo similar, os indivíduos 
devem tornar-se artesãos de suas próprias 
carreiras, as quais se assemelham a obras 
de arte, especialmente por serem inacaba-
das, sempre abertas à invenção ou à trans-
formação.
O quarto modelo é a carreira portfó-
lio. Essa carreira é descrita a partir da di-
versifi cação das atividades profissionais de 
que é capaz o indivíduo – que não neces-
sariamente tem um emprego, mas sim um 
conjunto de atividades fragmentadas (Bor-
gen; Amundson; Reuter, 2004). Para cons-
truir esse tipo de carreira, é preciso que o 
indivíduo desenvolva áreas de expertise di-
versifi cadas. Na prática, isso signifi ca que 
ele deve saber fazer várias coisas ao mesmo 
tempo, além de trabalhar em tempo parcial 
em cada uma delas. O modelo é coerente 
com uma época de intensa descontinuidade 
nos trabalhos – por exemplo, trabalhos em 
forma de projetos.
Por último, temos o modelo da car-
reira multidirecional. Ele é proposto por 
 Baruch (2004, 2006), que o contrapõe às 
carreiras tradicionais. Enquanto estas são 
lineares, fi xas a rotinas da organização e 
oferecem aos indivíduos uma única rota 
ascendente, as carreiras multidirecionais 
são fl exíveis, dinâmicas e abertas a direções 
e possibilidades distintas e igualmente vá-
lidas. Quer dizer, a carreira não tem uma 
meta externa, determinada pelos papéis ou 
pelas funções da estrutura da organização: 
ensaiando e errando, o indivíduo vai reven-
do seus objetivos e alterando seu foco.
Em síntese, esses modelos partilham 
de duas ideias centrais: uma, a respeito do 
sujeito; outra, sobre o signifi cado do traba-
lho. O primeiro é visto a partir de sua ca-
pacidade de ser agente de sua própria vida. 
Não é um sujeito passivo que se limita a 
receber as instruções vindas do meio. Ao 
mesmo tempo, ele tampouco existe em um 
vácuo social. Trata-se de um sujeito que se 
apropria de signifi cados em processos de 
interação com outras pessoas e os sistemas 
sociais e institucionais nos quais está inseri-
do. O trabalho deixa de ser visto exclusiva-
mente como emprego e passa a ser conside-
rado outra vez em sua dimensão existencial 
– ou seja, como atividade de transforma-
ção da natureza, de si mesmo e de outras 
pessoas. A carreira, tal como defi nimos, é, 
então, uma forma de mediação entre o su-
jeito, o trabalho e a sociedade.
CONTRATOS PSICOLÓGICOS E 
COMPROMETIMENTO NO TRABALHO
As mudanças no cenário do mundo do tra-
balho exigem fl exibilidade e agilidade nas 
respostas organizacionais às demandas de 
sua própria sobrevivência. Nesse sentido, 
níveis hierárquicos foram suprimidos e 
O trabalho e as organizações 443443
processos decisórios foram descentraliza-
dos. Os trabalhadores passaram a ser valo-
rizados por qualidades como autonomia, 
iniciativa, criatividade e capacidade de tra-
balho em equipe. As organizações inseridas 
nesse contexto reconheceram que o sucesso 
dos empreendimentos depende da atração, 
retenção e desenvolvimento de uma força 
de trabalho qualifi cada e dedicada à apren-
dizagem contínua.
Portanto, a lógica de funcionamento 
dos projetos organizacionais contemporâne-
os pressupõe a ação orquestrada de pessoas 
altamente comprometidas com o sucesso 
do empreendimento. Entretanto, o vínculo 
entre indivíduo e organização tem enfraque-
cido pela pressão da lógica de mercado, que 
se revela em vários fatores, tais como a ten-
dência ao trabalho temporário e contingente 
às necessidades empresariais, a multiplicação 
de tipos de contratos de trabalho, as incerte-
zas e as demandas de adaptações e mudanças 
contínuas, a desconfi ança e o ressentimento 
de trabalhadores inseguros sobre os rumos 
da organização, a sobrecarga de trabalho, a 
busca de profi ssionais pelo equilíbrio entre 
trabalho e não trabalho, entre outros aspec-
tos. Considerando essa situação, as organi-
zações questionam-se sobre como fortalecer 
esse vínculo com os diversos segmentos de 
trabalhadores que compõem seus recursos 
humanos, e o interesse nas pesquisas acerca 
do contrato psicológico, da contratação de 
carreiras e do comprometimento está cres-
cendo.
Contratos psicológicos
Os contratos psicológicos podem ser defi -
nidos como o entendimento subjetivo do 
empregado sobre promessas de trocas recí-
procas entre ele e a organização (Conway; 
Briner, 2005). Em outros termos, são as 
promessas não ditas, não escritas no con-
trato de emprego, mas que defi nem expec-
tativas sobre o que o empregador oferece ao 
empregado e o que ele entrega em retorno. 
Ora, percepções de promessas e expectati-
vas podem ser confi rmadas ou não. Quando 
expectativas são frustradas, ocorre a expe-
riência de violação de contrato psicológico 
que, por sua vez, resulta em sentimentos de 
desconfi ança, perdas em comprometimento 
e contribuição dos empregados e redução de 
investimentos da organização no desenvol-
vimento da carreira dos trabalhadores. Em 
contraste, a experiência de cumprimento de 
contrato psicológico aumenta a satisfação, o 
comprometimento e o desempenho (Rous-
seau; McLean Parks, 1993).
No tradicional contrato implícito de 
trabalho, em troca de lealdade, comprome-
timento e níveis aceitáveis de desempenho, 
os empregados recebiam segurança, estabi-
lidade, oportunidades periódicas de pro-
moções, aumentos de salário anuais, inves-
timentos em treinamento e recompensas, 
geralmente fi nanceiras. No entanto, a nova 
lógica de mercado desestabilizou os princí-
pios de reciprocidade e comprometimento 
de longo prazo e pôs em cheque as preocu-
pações sobre equidade que os fundamenta-
vam. As novas modalidades de articulação 
e vínculo entre trabalhadores e organiza-
ções, tais como o trabalho terceirizado e as 
mudanças nas estruturas organizacionais 
(downsizing, redução de níveis hierárquicos 
e descentralização), pressionam por novos 
contratos psicológicos. As organizações não 
podem mais oferecer segurança no empre-
go, e as promoções verticais são menos pro-
váveis em estruturas horizontalizadas.
Pesquisadores descreveram e catego-
rizaram os contratos psicológicos vigentes 
nas relações de trabalho, entre estes, os de-
nominados transacional, relacional, equi-
librado, idiossincrático (Greenberg et al., 
2004; Rousseau; Schalk, 2000; Slay; Taylor, 
2007). Os contratos transacionais tendem a 
444444 Borges & Mourão (orgs.)
ser de curto prazo, em que serviços específi -
cos são pagos ao empregado e termos como 
“confi ança” e “comprometimento” não são 
priorizados. Em contraste, os contratos 
relacionais, tal como a sua denominação 
informa, envolvem aspectos relacionais de 
troca de benefícios não monetários, como 
lealdade, comprometimento, dedicação ao 
trabalho e reconhecimento do indivíduo; 
portanto, tendem a ser defi nidos em ter-
mos mais abstratos e a durar mais tempo. O 
contrato transacional descreve mais o fra-
casso da cooperação entre trabalhadores e 
organizações do que propriamente um con-
trato. Nessa situação, as expectativas de am-
bas as partes são negativas, e predominam 
sentimentos de insegurança e desconfi ança. 
O trabalhador espera obter compensações 
cada vez menores pelo seu desempenho, é 
inseguro quanto às demandas da organiza-
ção e percebe inconsistência nas intenções 
organizacionais. A empresa, por sua vez, 
desconfi a e tende a esconder informação 
relevante dos trabalhadores, além disso ins-
titui mudanças que aumentam a carga de 
trabalho ou reduzem os salários e os benefí-
cios dos empregados, piorando a qualidade 
de vida no trabalho.
Contratos equilibrados incluem pro-
messas de risco compartilhado entre indi-
víduo e organização. A empresa promete 
desenvolver o profi ssional e ele deve com-
preender que condições econômicas ins-
táveis podem alterar o que a organização 
pode oferecer e entregar. Nesse tipo de 
contrato, profi ssionais são chamados a ter 
maior responsabilidade pela gestão e desen-
volvimento de suas carreiras. Os termos de 
contratos equilibrados são continuamente 
renegociados em resposta a mudanças nas 
necessidades de empresas e profi ssionais. 
Observamos que o contrato equilibrado re-
sulta da conjugação de algumas facetas do 
contrato relacional, como a lealdade, o alto 
nível de empenho e a identifi cação com a 
organização, com outras do contrato tran-
sacional, como a remuneração em função 
do desempenho e a focalização nos resulta-
dos organizacionais (Castanheira;Caetano, 
1999).
Greenberg e colaboradores (2004) pro-
puseram o conceito de contratos idiossin-
cráticos que ocorrem quando emprega-
dores e empregados entram em acordos 
altamente personalizados em resposta a de-
mandas críticas da organização por deter-
minadas competências escassas no mercado 
de recursos humanos. A negociação é ba-
seada no valor de mercado do profi ssional, 
relacionado a seu perfi l único de competên-
cias. Esses empregados podem ser mais bem 
pagos do que seus colegas e receber ainda 
outros privilégios, o que pode gerar descon-
forto relacionado à percepção de injustiça.
Pesquisas informam que as oportuni-
dades de desenvolvimento de carreira (DC) 
oferecidas por uma organização têm efeito 
crucial sobre a percepção dos empregados 
quanto à violação ou ao cumprimento de 
contratos psicológicos (Granrose; Bacci-
li, 2006; Lester; Kickul, 2001; Prince, 2005; 
Slay; Taylor, 2007; Sturges et al., 2005). Po-
demos observar uma relação positiva en-
tre o cumprimento de expectativas sobre 
oportunidades e atividades de DC e a satis-
fação, o comprometimento, o desempenho 
e a retenção de empregados. Sendo assim, 
indivíduos e organizações devem negociar 
em termos de quais oportunidades de car-
reira e atividades de desenvolvimento são 
oferecidas aos profi ssionais em troca de seu 
empenho na conquista das metas organiza-
cionais. Ambas as partes devem ser capazes 
de zelar para que a experiência de cumpri-
mento de contrato psicológico seja mútua.
Os tópicos seguintes apresentam os 
conceitos fundamentais que orientam o 
desenho de sistemas de carreira e como 
O trabalho e as organizações 445445
eles podem oferecer alternativas de com-
patibilidade entre necessidades e projetos 
individuais e organizacionais para fi ns de 
cumprimento de contratos psicológicos, 
aumento do desempenho e satisfação nas 
trocas entre trabalhadores e organizações.
SISTEMAS DE CARREIRA
Sistemas de carreira em transição
Uma combinação das ideias de vários auto-
res compõe a defi nição de sistema de carrei-
ra como o conjunto organizado de políticas, 
prioridades e ações que empresas usam para 
gerenciar o fl uxo de seus membros para den-
tro, por meio e para fora da organização ao 
longo do tempo (Sonnenfeld; Peiperl, 1988), 
incluindo a natureza das trocas entre a or-
ganização e seus empregados (Slay; Taylor, 
2007) e o equilíbrio acordado entre a satisfa-
ção de necessidades individuais e organiza-
cionais (Leibowitz; Farren; Kaye, 1988).
Até há pouco tempo, ou mesmo ainda 
em muitas organizações brasileiras, o de-
senvolvimento de carreiras era basicamente 
um processo guiado pelas gerências admi-
nistrativas, sendo uma entre outras ferra-
mentas utilizadas para reorganizar necessi-
dades de força de trabalho, desenhar planos 
de sucessão e desligar ou recolocar traba-
lhadores. A participação dos funcionários 
nessas decisões era mínima. Apenas alguns 
grupos seletos de trabalhadores identifi ca-
dos como talentos especiais, frequentemen-
te inseridos em programas de desenvolvi-
mento gerencial de ascensão rápida, eram 
alvo de procedimentos mais personaliza-
dos. Nessa visão tradicional, a mobilidade 
na carreira resumia-se a possibilidades de 
promoção vertical ou desligamento.
Nas últimas décadas, organizações ex-
postas à concorrência internacional, à rapi-
dez da inovação e da difusão tecnológica e 
à ascensão da economia do conhecimento, 
entre outros fatores, perceberam a neces-
sidade de comprometer seus empregados 
com os resultados empresariais. Porém, 
nesse contexto de instabilidade no emprego 
e aumento de exigências de qualifi cação do 
trabalhador, uma nova mentalidade desen-
volveu-se entre os profi ssionais. Eles estão 
agora preocupados com a gestão das pró-
prias carreiras, em busca de experiências de 
trabalho que tragam não somente recom-
pensas fi nanceiras e de status, mas, sobretu-
do, que garantam a aquisição e/ou o aper-
feiçoamento de competências que elevem 
sua empregabilidade e valor profi ssional. 
Sendo assim, para acomodar necessidades 
individuais e organizacionais, o desenvolvi-
mento da carreira tem adquirido as feições 
de um processo negociado e compartilhado 
entre trabalhadores e empregadores. A mo-
bilidade na carreira passa a incluir uma di-
versidade de trajetórias possíveis e capazes 
de oferecer experiências que resultem em 
ganho pessoal e organizacional.
Em contrapartida, esclarecemos que 
as organizações de trabalho não foram to-
das igualmente afetadas pelas mudanças 
sociais, econômicas e tecnológicas das últi-
mas décadas. Em setores da economia com 
ambiente tecnológico e de mercado mais 
estável e/ou de baixa complexidade, pre-
dominam organizações de estruturas mais 
burocratizadas, com muitos setores e níveis 
hierárquicos e pouca participação dos bai-
xos escalões no processo decisório. Nessas 
organizações, suas estruturas e estratégias 
predominantes não demandam inovações 
na gestão de carreiras, que é realizada nos 
moldes tradicionais. Portanto, nesse con-
texto, as carreiras tendem a ser vinculadas à 
estrutura de cargos, com pouca fl exibilida-
de de movimentos, sendo eles defi nidos de 
forma unilateral pelas gerências.

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