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A Comunicação Não-Verbal na Situação Psicanalítica Ninguém contesta a afirmativa de que aquilo que o ser humano tem de mais primitivo e imperio- so é a sua necessidade de comunicação, sendo que, na situação analítica, a comunicação vai “além das palavras”, porquanto há um campo do processo analítico, onde as palavras não dão conta do que está acontecendo. Assim, já pertence ao passado, tal como foi transmitido e utilizado por algumas gerações de psicanalistas, a recomendação técnica de Freud de que o processo psicanalítico dependeria, unicamen- te, do aporte, por parte do analisando, da verbali- zação da sua livre associação de idéias, como par- te essencial da “regra fundamental” da psicanálise. Essa recomendação enfática, que estava justificada, se levarmos em conta que a prática psicanalítica da época, visava precípuamente a uma reconstrução genético-dinâmica, pelo levantamento das repres- sões dos traumas e fantasias primitivas contidas nos relatos do paciente. Hoje não mais se admite, por parte do psicana- lista, uma reiterada “interpretação”, sob a forma de uma impaciente cobrança, na base de “se não falares, nada posso fazer por ti” ou “estás falando disso, para não falares sobre ti”, etc., etc. Pelo con- trário, na atualidade cabe ao analista não só a com- preensão e a interpretação daquilo que está expli- citamente significado e representado no discurso verbal do paciente, mas também cabe-lhe a desco- dificação das mensagens implícitas do que está subjacente ao verbo, ou oculta por este, assim como também na ausência do verbo, como algum gesto, somatização, atuação, etc. Da mesma forma, o foco de interesse dos as- pectos da linguagem e da comunicação, na análise contemporânea, não está centralizado unicamente naquilo que provém do analisando, porém igual- mente consiste naquilo que diz respeito à partici- pação do terapeuta. Mais precisamente, cada vez mais, valoriza-se não tanto a comunicação do pa- ciente ou a do analista, mas, sim, a que se estabele- ce entre eles. Ademais, a comunicação por parte do analista não se restringe ao diálogo na situação psicanalíti- ca: é muito freqüente que as pessoas aparentemen- te estejam em um intercâmbio comunicativo (pa- ciente-analista; analista-analista; analista-público leigo; etc.), porém, na verdade eles estão utilizan- do discursos paralelos, nos quais as idéias e os sen- timentos não se tocam. Aliás, o fato de que dois ou mais analistas compartam os mesmos referenciais teóricos ou que falem de forma similar acerca da psicanálise não significa que trabalhem da mesma forma na prática analítica: eles podem diferir na sua forma de escutar o paciente, de selecionar o que julgam relevante e, sobretudo, podem ter esti- los bem diferentes de analisar e de interpretar, as- sim como, reciprocamente, analistas de filiações diferentes podem ter um estilo similar entre si. A composição da palavra “comunicação” de- signa o estabelecimento de alguma forma de men- sagem que se torna comum aos interlocutores, logo, com-um, ou seja, ela alude à obtenção de uma uni- ficação. Sabemos ser esse um propósito idealiza- do, quer dentro, quer fora da psicanálise, e que, pelo contrário, o mais comum é que ocorram di- versos distúrbios, tanto na formação da linguagem, como nas formas e funções da comunicação. O objetivo deste capítulo é justamente abordar as diversas formas de como ocorre a normalidade e a patologia da comunicação no vínculo das situa- ções psicanalíticas, com ênfase nos distintos ca- nais de comunicação entre analisando e analista (e vice-versa), principalmente os que se referem ao emprego da linguagem não-verbal. ALGUNS ASPECTOS DA METAPSICOLOGIA DA COMUNICAÇÃO A gênese, a normalidade e a patologia das fun- ções da linguagem e da comunicação são uma das áreas nas quais mais confluem as contribuições de distintas disciplinas humanísticas. Desta forma, em- bora trabalhando separadamente em diferentes épo- cas, lugares, culturas e com abordagens muito di- ferentes entre si, é possível encontrar uma certa convergência e complementação entre os estudos de lingüistas (Saussure, Jakobson...), antropólogos (Levy-Strauss, Bateson...), epistemólogos (Piaget, Klimovsky...), filósofos, neurólogos e, naturalmen- te, psicanalistas. Dentre esses últimos, a meu juízo, C A P Í T U L O 33 360 DAVID E. ZIMERMAN cabe destacar as contribuições de Freud, Bion e Lacan. Freud Na atualidade, ainda persistem vigentes e como uma viva fonte inspiradora, as investigações que aparecem em Freud, já em 1895, no seu “Proje- to...”, acerca dos aspectos formativos e estruturantes dos sons, imagens, memória, sensorialidade e de- senvolvimento verbal-motor. Uma contribuição igualmente importante de Freud aparece em seu trabalho “O inconsciente”, de 1915, no qual ele postula as duas formas de como o ego representa as sensações que estimulam a cri- ança: como “representação-coisa” e como “repre- sentação-palavra”. Como os termos indicam, é so- mente na segunda dessas formas que a representa- ção tem acesso ao pré-consciente, sob a forma de palavras simbolizadoras. Bion A partir dos fundamentos de Freud (relativos aos princípios do prazer e da realidade, de 1911) e os de M. Klein (acerca da inveja e ódio primários; da posição depressiva; e da formação de símbolos, Bion (1967) desenvolveu Uma Teoria do Pensa- mento (título de um trabalho seu de 1962), basea- do em suas observações da prática psicanalítica com pacientes psicóticos. Assim, ele estuda profundamente os distúrbios de pensar os pensamentos e os da linguagem, tal como eles aparecem nos esquizofrênicos, tendo Bion centralizado a sua teoria no fato de que tais pacientes têm uma tolerância muito baixa às frus- trações e, por conseguinte, desenvolvem um ex- cessivo ódio destrutivo, acompanhado de um ex- cesso de identificações projetivas, de “elementos- beta”, cuja finalidade é unicamente evacuativa. Tal estado psíquico impede o exercício da “função- alfa” – encarregada de processar os elementos-beta, e de transformá-los em elementos alfa – que ser- vem para ser pensados, em uma escalada evolutiva crescente, até atingir a condição de abstrações. Uma outra contribuição de Bion, que encontra uma ressonância na prática da psicanálise, é a que se refere ao que ele denomina “terror sem nome”. Trata-se de um tipo de ansiedade de aniquilamento que o paciente não consegue descrever com pala- vras (e que, muitas vezes, de forma equivocada, o terapeuta fica insistindo para que ele o faça) pela simples razão de que esta ansiedade foi represen- tada no ego, sem ter sido designada com o nome do que estava lhe aterrorizando. Embora Bion não mencione Freud no que tange a “representação coi- sa” e a “representação palavra”, creio que essa cor- relação se impõe. Lacan Partindo do estruturalismo do lingüista Saussure e do antropólogo Levy-Strauss, desenvolveu a sua teoria de que a linguagem (ou “convenção signi- ficante” como ele costumava denominar)é que de- termina o sentido e gera as estruturas da mente. O autor dá uma importância primacial aos dois sig- nos linguísticos: o significante (alude à imagem acústica ou visual) e o significado (alude ao con- ceito formado), afirmando que o significante não existe sem o significado, e vice-versa. No entanto, prossegue ele, não importa tanto a relação recípro- ca entre ambos, mas, sim, a relação com os demais signos da estrutura. Para facilitar o entendimento do leitor que não esteja familiarizado com os postulados lacanianos, é útil usar a metáfora de que os diversos signos da estrutura podem ser lidos como se consulta um di- cionário, em que um termo remete ao outro, e as- sim sucessivamente. A extraordinária dimensão que Lacan deu à linguagem como fator (des)estruturante do psiquismo de todo indivíduo pode ser medida por estas conhecidas expressões dele: “O incons- ciente é o discurso do outro” e a de que “O incons- ciente estrutura-se como uma linguagem” (com uma sintaxe própria). É fácil depreender a reper- cussão disto na atividade interpretativa do analis- ta, porquanto a sua funçãode promover “ressigni- ficações” passa a ganhar uma relevância especial. Outro conceito de Lacan que auxilia o psicana- lista a trabalhar com a comunicação lingüística do paciente é o seu conceito de que no discurso do analisando pode haver o que ele caracteriza como a “palavra vazia” e a “palavra cheia” (ou plena). Resumidamente: a palavra plena de significa- do é uma formação simbólica resultante da sinergia de dois fatores: o neurobiológico e o emocional. Nos casos em que este último tenha falhado (no referencial kleiniano, a falha alude a que não foi atingida a posição depressiva), as palavras não ad- quirem a dimensão de conceituação e abstração; pelo contrário, não passam de um nível de concre- tização. Esse fato, em seu grau máximo, é observa- do nitidamente em esquizofrênicos que utilizam as palavras e frases não como símbolos, mas como FUNDAMENTOS PSICANALÍTICOS 361 “equações simbólicas” (tal como é descrito por Segal, 1954). Nesses casos, resulta uma confusão entre o que é símbolo e o que está sendo simbolizado (na exem- plificação de Segal, um paciente dela, psicótico, quando convidado para tocar violino, deu um sig- nificado de que ele estaria sendo convidado a mas- turbar-se publicamente). Dessa confusão, pode resultar uma falha de sin- taxe, que pode manifestar-se, nos psicóticos, sob a forma de um discurso caótico, com uma salada de palavras. Em pacientes não clinicamente psicóti- cos, podem aparecer formas mais sutis e não clara- mente percebidas desses transtornos de pensamen- to e, por conseguinte, de linguagem e comunica- ção. TIPOS E FUNÇÕES DA LINGUAGEM Na atualidade, ninguém mais duvida que, des- de a condição de recém-nascido, estabelece-se uma comunicação – recíproca – entre a mãe e o bebê, pela sensorialidade (visão, audição, olfato, tato, sabor...), da motricidade e de sensações afetivo- emocionais que um desperta no outro, especialmen- te no momento simbiótico e sublime do ato da amamentação. Da mesma forma, crescem as inves- tigações que comprovam a existência de uma co- municação no período fetal, e alguns autores, como Bion, fazem fortes especulações sobre a viabilida- de de uma vida psíquica já no estado de embrião, o qual estaria fazendo um importante registro dos movimentos físicos e psíquicos da mãe (tal como aparece num capítulo especial, em Zimerman, 1995). Uma mãe com uma boa capacidade de comuni- cação com o seu bebê sabe discriminar os diferen- tes significados que estão embutidos nos sinais emitidos por ele, que alguns autores, como Zusman (1991), denominam uma “linguagem sígnica”, para diferenciá-la da linguagem simbólica. Vamos exemplificar com a manifestação sígnica mais co- mum do bebê: o choro. Os gritos que o bebê emite são fonemas, ou seja, sons que servem para des- carregar a tensão, porém ainda não há discrimina- ção entre o grito e o fator que o excitou (somente as “palavras” designariam discriminadamente o que estaria-se passando de doloroso no bebê, o que dará-se bem mais tarde, a partir da aquisição da capacidade de “representação-palavra”, no pré- consciente da criança). Neste exemplo do choro, é necessário que a mãe “interprete” os gritos do seu bebê e, no caso de ela ter uma boa capacidade de rêverie, será capaz de distinguir os vários significados possíveis. Assim, qualquer mãe atenta, ou qualquer pediatra expe- riente, confirmar que, de certa forma, é possível distinguir quando o choro é de fome (gritos for- tes), de desconforto pelas fraldas úmidas e cocosa- das (o odor fala por ele), de uma cólica intestinal (um rictus facial de dor, com uma contração gene- ralizada), uma dor de ouvidos (o choro é acompa- nhado de um agitar horizontal da cabecinha), de medo (uma expressão assustada), de pneumonia (o choro é débil, e a respiração superficial vem acom- panhada de um gemido), de quando é “manha”, e assim por diante. Um choro importante é o que acompanha a dificuldade de mamar no seio, o que tanto pode ser decorrência de algum problema de ordem física, como pode estar traduzindo alguma dificuldade no clima emocional entre a mutualidade mãe-bebê. O que importa é deixar claro aqui, que, guar- dando as óbvias diferenças, o mesmo se passa na recíproca comunicação analista:analisando,a qual, muitas vezes, está se processando por meio de uma “linguagem sígnica” e não simbólica. O fenômeno da comunicação implica na con- jugação de três fatores: a transmissão, a recepção e, entre ambas, os canais de comunicação, os quais determinam as diversas formas de linguagens. A maioria dos lingüistas acha ser desnecessá- rio, e até contraproducente, dividir a linguagem em “verbal e “não-verbal”, porquanto todas elas con- vergem para um fim maior que é a comunicação. Embora este argumento seja válido, eu creio ser útil traçar um esquema didático, até como um in- tento de estabelecer uma linguagem comum com o leitor. Destarte, podemos dividir as formas de lingua- gem em dois grandes grupos: a que se expressa por meio do discurso verbal e a que se manifesta por outras formas, não-verbais. No discurso verbal, a sintaxe das palavras e das frases compõem a “fala”. No entanto, é importante destacar que nem sempre as palavras têm um senti- do simbólico e nem sempre o discurso tem a fun- ção de comunicar algo. Pelo contrário, segundo Bion, o discurso pode estar a serviço da incomu- nicação, como uma forma de atacar os vínculos perceptivos. Desta forma, é útil que tenhamos cla- ra a diferença entre “falar” e “dizer”, sendo que isso vale tanto para o paciente, como para o analis- ta e para os educadores em geral. Nesta altura, impõe-se mencionar as contribui- ções do antropólogo Bateson e colaboradores (1955), da Escola de Palo Alto (Califórnia), acer- 362 DAVID E. ZIMERMAN ca dos distúrbios de comunicação em certas famí- lias, os quais acarretam graves conseqüências na estruturação do psiquismo da criança. Dentre ou- tros distúrbios apontados por esses pesquisadores, merece ser destacado aquilo que eles denominam mensagens com duplos vínculos, em cujo caso os pais inundam a criança com sigificados parado- xais (“eu te ordeno que não aceites ordens de nin- guém”...) e desqualificadores (quando os elogios vêm acompanhados de uma crítica denegritória). Tipos e Funções da Mentira Um outro aspecto referente ao distúrbio da co- municação que, embora verbal, visa a uma não- comunicação, é o que diz respeito ao emprego de falsificações, mais particularmente do importante problema das mentiras. Unicamente para dar uma idéia de como o uso das mentiras comporta um universo de significa- ções, passo a enumerar nada menos que 18 moda- lidades, que a mim ocorrem, como possíveis de serem observadas no curso da análise:1) mentira comum (faz parte de uma, inevitável “hipocrisia social”, e ela é inócua); 2) mentira piedosa; 3) como forma de evitar sentir vergonha; 4) uma maneira de fugir de um “perseguidor”; 5) a serviço de um falso self (nesse caso, tanto pode ser exemplificado com o discurso mentiroso de um político demago- go, como também é necessário considerar que, muitas vezes, um “falso self” tem a função de pro- teger o verdadeiro self); 6) mentira psicopática (visa ludibriar e prima pelo uso da “má-fé”); 7) mentira maníaca (a sua origem radica em um pas- sado no qual a criança gozava com um triunfo so- bre os pais, com um controle onipotente sobre eles); 8) como uma forma de perversão (em uma mistura do real com o imaginário,o sujeito cria histórias, vive parcialmente nelas e quer impô-las aos de- mais); 9) a mentira do “impostor” (o sujeito cria uma situação falsa e a vive como verdadeira, às vezes conseguindo enganar todo mundo); 10) como uma forma de comunicação (o paciente recria a sua realidade psíquica,assim exibindo os seus pri- mitivos traumas e fantasias inconscientes); 11) a mentira que é usada como uma forma de evitação de tomar conhecimento das verdades penosas (cor- responde ao que Bion denomina como”-K”); 12) a mentira encoberta por um conluio-geralmente in- consciente – com outros (um exemplo banal, é o da mocinha que já leva uma plena vida genital,mas para todos os efeitos, os pais “acreditam” que ela se mantém “pura e virgem”); 13) a mentira que de- corre de uma “cultura familiar” (em certas famíli- as, a mentira é um valor idealizado e corriqueiro, de tal modo que a criança identifica-se com os pais mentirosos); 14) a mentira ligada à “ambigüida- de” (em cujo caso o sujeito nunca se compromete com as verdades, emite mensagens contraditórias e deixa os outros ficarem em um estado de confu- são); 15) a mentira ligada ao sentimento de inveja (o sujeito pode mentir de forma autodepreciativa, para evitar a inveja dos outros, ou ele pode usar mentiras autolaudatórias, com o fim de provocar inveja nos demais que o cercam); 16) a mentira utilizada como “uma forma de pôr vida no vazio” (essa bela imagem pertence a Bollas, 1992); 17) a mentira que tem uma finalidade estruturante (par- tindo da posição de que algo se revela pelo seu negativo, pode-se dizer que, para encontrar a sua verdade, o paciente precisa mentir). Isso faz lem- brar o poeta Mário Quintana, quando ele nos brin- da com essa frase: A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer”; e 18) por fim, tendo em vista a situação da prática analítica, é especialmente relevante que o analista esteja atento, e venha a assinalar consistentemente, aquelas afirmativas e crenças pelas quais o paciente está mentindo para si mesmo! (é claro que deve ser feita a ressalva que essa afirmativa só importa quando houver um ex- cesso das mentiras do sujeito para si mesmo, por- quanto creio que todos concordamos com o dito de Bion de que toda e qualquer pessoa, em algum grau, é portador de uma parte mentirosa). Comunicação Não-Verbal A linguagem não-verbal (ou pré-verbal), por sua vez, admite uma subdivisão em formas mais específicas de como ela pode expressar-se, como são as seguintes: paraverbal, gestural, corporal, conductual, metaverbal, oniróide, transverbal e por meio de efeitos contratransferenciais. Cada uma dessas formas requer uma escuta es- pecial, por parte do psicanalista, como será discri- minado um pouco mais adiante. Antes disto, é útil lembrar que um discurso tem tres facetas: o seu conteúdo, a sua forma e as suas inúmeras funções. Essas últimas podem ser discri- minadas como sendo dos seguintes tipos: 1) Infor- mativa (aporte de dados). 2) Estética (vem de “estésis”, que quer dizer “sensação”, ou seja, diz respeito a um impacto sensorial, porém não unica- mente da ordem da beleza, como geralmente se supõe). 3) Retórica (tem a finalidade de doutrinar ao outro). 4) Instigativa (estimula reflexões no ou- FUNDAMENTOS PSICANALÍTICOS 363 tro). 5) Negatória (está a serviço da função “-K”, isto é, da não-comunicação). 6) Primitiva (age por meio de efeitos que afetam ao outro, como pode ocorrer na contratransferência). 7) Persuasiva (visa convencer os outros de algo que, de fato, ele não é. Para ficar em um único exemplo, vamos consi- derar a última das formas acima enumeradas: nes- se caso, o discurso do paciente – geralmente trata- se de um portador de uma organização narcisista – pode servir como uma forma de assegurar uma auto- representação idealizada e, para tanto, ele convoca uma outra pessoa que lhe confirme isso. Nesse tipo de discurso persuasivo, o conteúdo da comunica- ção é a sua falsa crença; a forma é a de uma vee- mência, por vezes patética; enquanto o propósito inconsciente do discurso é o de conseguir aliados, que compartilhem e comunguem dessa referida fal- sa crença, a qual consiste em propagar a tese de que ele é vítima da incompreensão e de inveja dos demais. Na situação analítica, essa forma de lingua- geem não deixa de ser uma modalidade de resis- tência, e a confirmação, ou omissão, do terapeuta diante dessas teses do paciente, se constituiria como uma contra-resistência, assim compondo um con- luio entre ambos. Todas essas distintas formas e funções da lin- guagem têm uma enorme importância na prática psicanalítica, porquanto elas determinam decisiva- mente não só o estilo da fala do paciente, e do ana- lista, como também o tipo de escuta por parte de ambos. A ESCUTA DO ANALISTA Por uma questão de espaço, vou restringir-me, aqui, unicamente aos aspectos inerentes à comuni- cação não-verbal. A Escuta da Linguagem Para-Verbal O termo “para-verbal” alude às mensagens que estão ao lado (“para”) do verbo, sendo que o em- prego da voz tanto pelo paciente quanto, também, é claro, pelo psicanalista constitui-se como um po- deroso indicador de algo que está sendo transmiti- do e que vai muito aquém e muito além das pala- vras que estão sendo proferidas. Notadamente, as nuances e alternâncias da al- tura, intensidade, amplitude e timbre da voz, ou o ritmo da fala no curso da sessão, dizem muito a respeito do que está sendo dito e, principalmente, do que não está sendo dito. Por exemplo, a voz do paciente ou sua forma de falar traduz uma arrogân- cia?, timidez?, um constante desculpar-se?,de pe- dir licença, “por favor”?, um jeito impositivo?, querelante?, etc. Dentro da escuta dos sentimentos que estão ao lado do verbo, também é preciso levar em conta que a escolha das palavras e a seleção dos assuntos podem ter uma expressiva significação, assim como é a importância dos lapsos que acompanham o dis- curso. Creio que muitas das formas de silêncio que acompanham, ou substituem a fala, podem ser in- cluídas como uma manifestação para-verbal. No entanto, os silêncios, por terem uma dinâmica pró- pria e uma expressiva relevância na prática analíti- ca, merecem uma consideração à parte (como está descrito no capítulo 33). A Escuta dos Gestos e Atitudes Desde o momento em que o analisando está na sala de espera, é recebido e adentra o consultório, ele já está nos comunicando algo por meio de sua linguagem pré-verbal: Veio cedo, tarde, foi pontu- al?, Como está vestido, qual a sua expressão, como nos saudou?, Deita-se?, Senta-se?, Como começa a sessão?, está nos induzindo a assumir algum tipo de papel?, etc., etc. Da mesma forma, constitui-se como uma ex- pressiva forma de linguagem não-verbal, os sinais da mímica facial, a postura, os sutis gestos de im- paciência, contrariedade, aflição ou alívio, assim como certos maneirismos, tics, atos falhos, estereo- tipias, o riso e os sorrisos e, muito especialmente, por que e como chora, etc., etc. Além disso, como já foi referido, o analista deve estar, sobretudo, aten- to para a linguagem não-verbal, que está contida e oculta no discurso vebal. Diante da impossibilidade de abarcar todo o leque de possibilidades deste tipo de linguagem, vou me limitar a exemplificar com uma única situa- ção, a da forma de cumprimentar, como é, por exemplo, a atitude de alguns pacientes que prefe- rem não utilizar a rotina habitual do aperto de não na entrada e saída de sessão. Não resta dúvida de que se trata de uma forma de comunicação que deve ser respeitada, embora seja indispensável que ela seja entendida e interpretada. Assim, em vários pacientes meus, ficou claro que o não-cumprimen- to pelo rotineiro aperto de mão, traduzia um pro- pósito positivo por parte do analisando, qual seja o de não se submeter a uma estereotipia formal e, pelo contrário, visava propiciar uma atmosfera com 364 DAVID E. ZIMERMAN o analista, mais informal, intimista, e sobretudo mais livre. É claro que, por outro lado, também seria fácil exemplificar com pacientes cuja evitação desse tipo de cumprimento manual devia-se a uma necessida- de de manter uma distância fóbica, notadamente o de uma cálida aproximação física. Ainda em relação à forma de cumprimentar, sabemos que não é nada raro que determinados pacientes costumam adotar uma rotina que vem transposta de um costume social, ou seja, o de cum- primentar com discretos beijinhos na face do (da) terapeuta. Em minha experiência como supervisor, constato a relativa freqüência com que tais situa- ções se repetem, e o quanto, muitas vezes, elas cons- trangem os terapeutas, sendo que, quanto mais tem- po esse hábito se prolonga, mais dificuldade eles encontram para trabalhar com o fato. No entanto, essa situaçãodeve ser trabalhada e desfeita não só porque ela reforça uma dissociação (neutralidade do setting em oposição a uma convenção de ami- zade social) como também porque ressoa, em am- bos do par analítico, um sabor de hipocrisia em trocar beijinhos após uma sessão, na qual, por exemplo, o paciente esteja em plena transferência negativa. Parece-me que essa situação pode ser fa- cilmente desfeita, uma vez que o analista compre- enda tanto o significado que este beijinho repre- senta para o analisando (como também do porquê do seu embaraço contratransferencial) e, a partir daí, com naturalidade, assinalar isso para o paciente. É necessário fazer a ressalva de que, conforme es- tiver indicando o sentimento contratransferencial do analista, é bem possível que, em determinados casos, essa forma de cumprimentar possa ser mantida pelo menos durante algum tempo. A Escuta do Corpo O corpo fala! Basta a observação de como o bebê comunica-se com a sua mãe para comprovar essa afirmativa. Desde as descobertas de Freud (...“o ego, antes de tudo, é corporal” e também aquelas relativas aos seus múltiplos relatos de con- versões histéricas) até os atuais e aprofundados estudos da psicanalítica, Escola Psicossomática de Paris, cada vez mais, todos os psicanalistas estão atentos para fazer a leitura das mensagens psíqui- cas emitidas pelo corpo. Pode-se considerar, no mínimo, como cinco os canais de comunicação provindos do corpo: 1) A imagem corporal (o paciente tem sintomas de des- personalização?, Julga-se gordo mesmo sendo magro, ou vice-versa?, Julga-se feio mesmo quan- do os outros o acham bonito, e vice-versa?, Tem problemas de transtorno alimentar como anorexia nervosa ou hiperbulimia?, e assim por diante). 2) Cuidados corporais (vestimentas, penteados, saú- de física, etc.). 3) Conversões (muito freqüentes e variegadas, elas manifestam-se nos órgãos dos sen- tidos, ou na musculatura que obedeça ao comando do sistema nervoso voluntário, sendo que as rea- ções conversivas permitem, muitas vezes, a desco- dificação do seu significado psíquico, como será ilustrado com um exemplo, logo adiante). 4) Hipo- condria (manifestações de sintomas físicos, errá- ticos, sem respaldo em uma real afecção orgâni- ca). 5) Somatizações (em um sentido estrito, o ter- mo “somatização” alude a uma conflitiva psíquica que determina uma afecção orgânica, como, por exemplo, uma úlcera péptica. Em um senso lato, o termo “paciente somatizador” abrange todas as manifestações psicossomáticas, nas quais alguma parte do corpo funciona como caixa de ressonân- cia. Sabemos o quanto uma somatização pode di- zer mais do que a fala de um longo discurso. No entanto, nem sempre as somatizações são de fácil leitura, sendo que nas doenças psicofisiológicas propriamente ditas (úlceras, asma, enzema, retoco- lite ulcerativa, etc.) os autores se questionam se é possível encontrar um simbolismo do conflito in- consciente, diretamente expressado no sintoma or- gânico, ou se este não é mais do que uma mesma, predeterminada, resposta psicoimunológica a di- ferentes estímulos estressores. Como assinalamos, as manifestações compre- ensivas possibilitam ao psicanalista, às vezes de forma fácil, às vezes muito difícil, a leitura da conflitiva psíquica contida no sintoma. Recordo uma paciente que enquanto discorria sobre os pe- sados encargos que os familiares e amigos deposi- tavam nela, começou a acusar um desconforto no ombro direito, que foi crescendo de intensidade, até transformar-se em uma dor quase insuportável, e que a analisanda atribuía à possibilidade de ter deitado de “mau jeito” no divã. Após eu ter inter- pretado que pela dor no ombro ela nos mostrava dramaticamente o quanto vinha lhe doendo, desde longa data, ter aceito (e propiciado) o papel de car- regar nos seus ombros o pesado fardo das expecta- tivas e mazelas de sua família (depressiva), a dor, como que num passe de mágica, passou instanta- neamente. Não custa repetir que, obviamente, nem sempre as coisas se passam tão facilmente assim. FUNDAMENTOS PSICANALÍTICOS 365 A Escuta da Linguagem Metaverbal Por linguagem metaverbal entende-se aquela comunicação que opera simultaneamente em dois níveis distintos, os quais podem ser contraditórios entre si. Um exemplo banal disso pode ser o de uma pessoa que comunica algo com o verbo, ao mesmo tempo em que com uma pisadela furtiva e anuladora ele comunica a um terceiro que nada do que ele está dizendo tem validade e que a sua men- sagem é uma outra, oposta (Maioli, 1994). Da mesma forma, a importância da metalin- guagem pode ser avaliada na situação analítica, por meio de uma cadeia associativa composta por men- sagens ambíguas, paradoxais, duplos vínculos con- traditórios, o uso de formas negativas do discurso, que devem ser lidas pelo lado afirmativo, etc. Creio que um bom exemplo da “linguagem metaverbal”,e que alcança uma grande importân- cia na situação analítica, consiste no fenômeno de- nominado por Bion como “reversão da perspec- tiva”,por meio do qual o paciente, manifestamen- te, concorda com as interpretaçõess do analista, porém, ao messmo tempo, latentemente, ele as desvitaliza e anula a eficácia delas,revertendo-as aos seus próprios valores e perspectivas prévias. A Escuta da Linguagem Oniróide Neste caso, a linguagem se processa por meio de imagens visuais, às vezes podendo ser verbali- zadas e outras vezes, não, podendo até mesmo ad- quirir uma dimensão mística. As manifestações mais correntes deste tipo de linguagem na prática analítica consistem no surgimento de devaneios, fenômenos alucinatórios e sonhos. Cada um destes aspectos, separadamente, me- receria uma longa e detalhada exposição, que não cabe aqui. No entanto, não é demais lembrar que também os sonhos podem ser vazios (quando são meramente evacuativos de restos diurnos), plenos (quando eles são elaborativos, e a dinâmica psí- quica processa-se por meio de transformações sim- bólicas) ou mistos. A Escuta da Conduta Sem levar em conta os aspectos da rotineira conduta do paciente na sua família, trabalho ou sociedade, e tampouco as particularidades de sua assiduidade, pontualidade e o modo de conduzir- se em relação à sua análise, o que mais importa levar em conta em relação à linguagem conductual é aquela que está expressa no fenômeno dos actings. Embora muitos actings sejam de natureza to- talmente impeditiva quanto à possibilidade do pros- seguimento de uma análise, a verdade é que é cada vez maior a tendência de os analistas encararem as atuações, não só as discretas e benignas, como tam- bém muitas que assumem formas malignas e até seriamente preocupantes, como sendo uma primi- tiva e importante forma de comunicação. Aludimos à possibilidade de que os actings (os quais, até há um pouco tempo, eram sempre vistos pelo psicanalista por um vértice negativo) possam ser benignos e, mais, vale acrescentar a eventuali- dade de que a atuação esteja a serviço de uma fun- ção estruturante do self, como é o caso de uma busca de criatividade e de liberdade, de modo que o surgimento de determinados actings podem surgir como um indicador de que a análise está marchan- do exitosamente. Ainda em relação ao acting, é necessário lem- brar que a clássica equação que Freud formulou em relação às suas pacientes histéricas, de que a atuação constitui-se como “uma forma de repetir para não ter que recordar”, deve ser complementada com estas outras: “repetir pelo acting na análise aquilo que não se consegue pensar, conhecer (-K), simbolizar, ou verbalizar. Na atualidade, o fenô- meno da atuação também permite compreender que o paciente está repetindo compulsivamente, como uma forma de propiciar novas chances dele vir a ser entendido e atendido pelo psicanalista em suas falhas e necessidades básicas. Este último aspecto representa, portanto, uma importante forma de co- municação primitiva, pelos efeitos contratransfe- renciais. Uma última palavra sobre a “escuta da condu- ta” – e que, de certa forma sintetiza as considera- ções acima –, é relativa à conduta nas perversões, tantoas de natureza sexual (que Joyce MacDougall considera como a dramatização de criativas “neossexualidades”), como a dos adictos. Neste úl- timo caso, é muito interessante como a morfologia desta palavra adicto, designa “a-dictum”, ou seja; não dizer, e isso nos diz muito acerca da função da droga, de preencher o vazio resultante da falta de uma representação interna de uma boa maternagem. 366 DAVID E. ZIMERMAN A Escuta dos Efeitos Contratransferenciais Descontando os evidentes exageros que alguns analistas cometem de virtualmente reduzir tudo o que eles sentem, sendo oriundos das projeções transferenciais do analisando (e com isso eludem a possibilidade de perceber que os sentimentos des- pertados podem provir unicamente do próprio ana- lista), a verdade é que o sentimento contratransfe- rencial é um importante veículo de uma comunica- ção primitiva, que o paciente não consegue expres- sar pela linguagem verbal. O psicanalista deve ficar alerta diante dos dois caminhos que a contratransferência pode tomar dentro dele: tanto ela pode-se configurar como patológica, em cujo caso ele ficará enredado em uma confusão de complementaridade com os conflitados objetos que habitam o mundo interno do analisando, como também é possível que a contratransferência se constitua uma excelente bús- sola empática. Um simples exemplo disto, e que certamente corresponde à experiência de todo terapeuta, é o de um difícil sentimento contratransferencial de desânimo, impotência e de um certo rechaço que um paciente borderline provocava em mim. Em- bora eu percebesse e interpretasse a projeção de sua agressão e depressão, assim como a dinâmica de seu ataque aos vínculos perceptivos, e a busca de um triunfo maníaco sobre mim, nada mudava, e a minha confusão aumentava. Somente consegui reverter o sentimento contratransferencial patoló- gico para o de uma empatia, a partir do reconheci- mento do que o paciente insistia em repetir com- pulsivamente a sua atitude de arrogância narci- sística, como uma forma de se proteger, e de me comunicar que aqueles sentimentos que me abrumavam durante os 50 minutos da sessão eram exatamente os mesmos que lhe foram impostos, que o vinham atormentando desde sempre, e que ele não conseguia expressar com as palavras. A Escuta Intuitiva Sabemos que na transição entre os níveis pré- verbais e o verbal-lógico situam-se as linguagens metafóricas, como da poesia, música, devaneios imaginativos, mitos, sentimentos inefáveis, etc. Conquanto Freud por meio da sua recomendação técnica de que o psicanalista deveria “cegar-se ar- tificialmente para poder ver melhor”, e trabalhar em um estado de “atenção flutuante”, é a Bion que devemos o mérito de ter dado uma grande ênfase à importância da capacidade de intuição do analista (a palavra intuição vem do latim “in-tuere”, que quer dizer “olhar para dentro”, como uma espécie de terceiro olho). Assim, com a sua controvertida expressão de que o analista deveria estar na sessão em um esta- do psíquico de “sem memória, desejo e ânsia de entendimento”, Bion unicamente pretendia exaltar o fato de que a abolição dos órgãos sensoriais e o da saturação da mente consciente, permite aflorar uma intuição que está subjacente e latente. O mo- delo que me ocorre para ilustrar esta postulação de Bion é o do brinquedo que está atualmente em voga, conhecida pelo nome de “olho mágico”, o qual consiste no fato de que, utilizando a forma habitu- al de visão, o observador não vê nada mais do que um colorido desenho comum; porém se esse ob- servador, a partir de uma distância ótima, nem per- to, nem longe demais, vier a exercitar uma outra forma de olhar, ele ficará surpreendido e gratifica- do com uma nova perspectiva tridimensional de aspectos antes não revelados, que saltam daquele mesmo desenho. A essas formas de escuta do psicanalista pode- riam ser acrescidas outras tantas mais, como é o caso de uma auto-escuta (uma adequada leitura discriminativa entre o que é contratransferência, e o que é a transferência do analista), o da escuta transverbal (consiste no fato de que os mesmos relatos, sintomas, sonhos, etc., costumam ressurgir periodicamente, porém é importante que o analista perceba as “trans”-formações dos mesmos, às ve- zes de forma muito sutil). É claro que todas estas formas de escuta não- verbal, embora tenham sido aqui descritas separa- damente, devem processar-se simultaneamente. O que importa é que todas elas, obviamente somadas à indispensável linguagem verbal, estão, virtual- mente sempre presentes nas distintas situações ana- líticas, e elas se expressam por meio de “canais de comunicação”, como as que são descritas a seguir. A COMUNICAÇÃO NA SITUAÇÃO ANALÍTICA Pode-se dizer que são quatro os grandes canais que em um movimento permanente e recíproco de ligação entre o emissor e o receptor compõem o campo comunicativo da interação analista-analisan- do. São eles: 1) A livre associação (e verbalização) de idéias. 2) As diversas formas de linguagem não- verbal. 3) A capacidade de intuição, não sensorial. FUNDAMENTOS PSICANALÍTICOS 367 4) Os efeitos contratransferenciais. Creio que cabe uma analogia entre os aparelhos de um rádio e a do “sensibilômetro” do analista, porquanto tanto po- demos mover o dial e conseguir uma sintonia fina e clara, como podemos estar com o dial fora da sintonia do canal que está emitindo, e sequer falta a possibilidade da interferência dos “ruídos da co- municação”, ou a de um total emudecimento tran- sitório, resultantes dos conhecidos fenômenos da “estática”. O “sensibilômetro”, a que aludi, implica no fato de que algumas condições mínimas são indispen- sáveis na pessoa do terapeuta, como um modelo de função a ser continuamente introjetado pelo pa- ciente. Utilizando uma linguagem sintética, eu di- ria que tais condições mínimas consistem em que o analista em um estado de atenção e de teorização flutuante, tenha bem clara as fundamentais diferen- ças que existem entre olhar e ver, ouvir e escutar, entender e compreender, falar e dizer, e entre pare- cer e, de fato, ser! Não custa repisar que, embora a ênfase deste trabalho esteja incidindo sobre a pessoa do tera- peuta, deve ficar claro que guardando as óbvias diferenças da assimetria da relação, tudo se passa igualmente em ambos. Um importante elemento do campo analítico que pode servir como exemplo que unifica analisando e analista, é o do estilo da co- municação, cuja relevância, aliás, foi admiravel- mente sintetizada pela clássica frase de Buffon: “O estilo é o homem”. É tamanha a relevância do estilo comunicativo que uma exposição detalhada desta temática mere- ceria, por si só, um trabalho à parte. De forma re- sumida, impõe-se como um dever, mencionar o psicanalista argentino D. Liberman (1971), que se notabilizou pelos seus escritos acerca dos proces- sos interativos da comunicação analisando-analis- ta, pela conjugação de postulados extraídos das áreas da semiótica, da lingüística e da teoria da comunicação. Entre outros aspectos muito eluci- dativos, Liberman é mais lembrado pelos seus es- tudos sobre os estilos da comunicação, sendo que já se tornaram clássicos os cinco estilos que ele nomeia como: refletivo, lírico, ético, narrativo e dramático (nesse último caso, quer provocando suspense ou impacto estético). Cada um deles cos- tuma revelar a forma de como está estruturado o self da pessoa. Do ponto de vista do estilo interpretativo do analista (é interessante consignar que a palavra es- tilo deriva de “estilus” que, em latim, alude a um estilete com duas pontas, uma aguda que serve para cortar e a outra, romba, que serve para aparar e dar forma), é importante considerar que devem ser pre- servadas e respeitadas, ao máximo, os modos ge- nuínos e autênticos do estilo de cada um em parti- cular. Todavia, é igualmente importante conside- rar o efeito antianalítico de alguns estilos como são, dentre outros, os que podemos denominar como retórico (as palavras apenas escondem uma real intenção doutrinadora), estilo ping-pong (trata-se de um constante bate-rebate,de forma que não se forma um necessário espaço para reflexões), inte- lectualizador (com o risco de que o insight inte- lectivo obtido pelo paciente além de não promover transformações verdadeiras, ainda possa reverter a serviço da resistência), pedagógico (o analista preo- cupa-se mais em dar “aulinhas” sobre o “porquê” etiológico, do que atentar ao “para quê” existen- cial) e assim por diante. Destarte, no trabalho analítico não basta a bus- ca do canal de comunicação do inconsciente com o consciente; é necessário também a busca dos es- tilos que constroem e caracterizam o vínculo ana- lista-analisando. Há necessidade de um certo grau de ansiedade e de “turbulência” (conforme Bion) entre ambos, caso contrário deve-se pensar no ris- co de que esteja imperando um estilo acomodativo, como indicador de um provável conluio de com- placência. Pelo contrário, é útil constar do estilo interpretativo, a coexistência da organização com a desorganização, por intermédio de uma continua- da mudança dos vértices de observação. Para que esta afirmativa fique mais clara, vale utilizar a me- táfora de um tabuleiro de xadrez, o qual ganha uma feição e função própria, devido à conjugação dos opostos, isto é, do encontro entre os quadrados brancos e pretos que isoladamente, ou se fossem todos da mesma cor, não diriam nada e nem adqui- ririam aquela função que unicamente foi propicia- do pelos contrastes. Creio ser desnecessário escla- recer que esta metáfora de modo algum significa que devemos sempre estar em oposição ao pacien- te, ou coisa parecida. Para finalizar, à guisa de destacar a importân- cia da “atitude psicanalítica” no processo comuni- cativo, vale repetir que a comunicação, desde os seus primórdios, está radicada na condição inata do bebê em “ler” os significantes contidos nas mo- dulações da face, voz e corpo da mãe.
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