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06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página I 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página II – 1 1. O autor e a literatura infantil Conta-se que Alice no país das maravilhas surge de um passeio de barco que o professor de matemática, Charles Lutwidge Dodgson, fez com as filhas de Henry Liddell, reitor do Christ Church, da Universidade de Oxford, pelo rio Tâmisa. Com ele, estão as três irmãs: Lorina, Alice e Edith. Assim como o passeio, eram comuns os contos de fadas narrados de improviso pelo professor para agradar às meninas. Mas o manuscrito sobre a narra - tiva do dia 4 de julho de 1862 dedicada à Alice Liddell ganharia o papel ainda com quatro capítulos ilustrados pelo próprio autor. Em 1865, sob o pseudônimo de Lewis Carroll, foram publicados 12 capítulos, com ilustrações de John Tenniel (1820-1914). Alice no país das maravilhas teve grande aceitação do público infantil na Grã-Bretanha. Na Era Vitoriana (1837-1901), a literatura infantil era marcada pelo moralismo e pela prescrição dos bons costumes. A personagem Alice, em sua atitude desafiadora sustentada pelo universo onírico, funciona como uma antítese do modelo racional previsto para o sujeito da sociedade vitoriana. Ao questionar a utilidade dos livros sem diálogos e desenhos, Alice, além de romper com o didatismo da literatura infantil do período, também sugere não querer ser tratada como uma adulta em miniatura. Sua decisão em seguir o Coelho e sua queda ao mundo do sonho e do grotesco são um convite à imaginação e à fantasia, elementos pelos quais a criança se faz criança. Em 1872, Lewis Carroll publica Alice através do espelho, seguindo os traços marcantes do estilo dado em sua obra inicial: a inventividade verbal, o nonsense, a sátira e a paródia. A fortuna crítica de Alice no país das maravilhas permitiu-lhe lugar na História da Literatura Ocidental. A força simbólica de sua narrativa permite uma fertilidade interpretativa e inesgotável, apesar de suas referências ao contexto sociocultural que circunda seu tempo de enunciação nos meados do século XIX inglês. Lewis Carroll, que nascera em Daresbury, na Inglaterra, em 27 de janeiro de 1832, cresceu em uma família anglicana rodeado de irmãos. Depois de uma longa vida dedicada à docência e ao universo infantil, morre em janeiro de 1898. Sua voz narrativa, que a priori intencio - nava o mundo infantil, há tempos passeia por outros universos das artes e do pensamento. 2. O sonho de Alice No verão, na tarde de ouro, Deslizamos vagarosamente. Nossos remos são manejados Sem perícia, no sol ardente: Mãos gentis, que fugindo vão Guiar nosso passeio errante. Ah, cruel trio, que em tal hora, Sob o céu de esplendor e sonho, Implora um conto sem vigor E de pobre alento, enfadonho. Mas que pode tão fraca voz Contra o coro infantil, risonho? Prima decreta, imperiosa: “Agora, por que não começa?...” Em tom brando, Segunda roga: “Que seja sem pé nem cabeça!” E Tertia, uma vez por minuto Fala somente, não se apressa. Logo mais se calam, de súbito, E vão seguindo em fantasia A viagem-sonho da heroína No país de assombro e magia Em alegra charla com os bichos. E creem um pouco na utopia. Quando a estória já se esgota – Seco o poço da imaginação – Tenta habilmente o contador Desviar-se do assunto, em vão: “Conto depois...” “Já é depois”, Elas protestam em confusão. E assim cresceu este País Das Maravilhas. Uma a uma Surgiram as suas aventuras. Está pronta, sem falha alguma A estória. Voltamos lépidos Antes que o sol da tarde suma. ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS AULAS ESPECIAIS AS OBRAS DA UNICAMP PORTUGUÊS 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 1 2 – Alice! Recebe essa estória E com mãos gentis deposita Lá longe, onde os sonhos da infância Se confundem com lembranças idas, Tal guirlanda de flores murchas Em distante terra colhidas. (Carroll, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Trad. Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Editora 34, 2016, p. 5.) 3. Capítulos do livro Capítulo 1. Na toca do Coelho Cansada de livros sem figuras e diálogos, em cujas estórias já não prosperava a imaginação, Alice cai num sonho profundo e vê passar por ela um Coelho Branco. Preocupado com o horário, o Coelho tira um relógio do bolso do colete. Curiosa, Alice segue-o até uma grande toca. Ao entrar, cai em um grande túnel de paredes cheias de armários. A queda é tamanha que Alice pensa que poderia chegar ao centro da terra. Ao término da queda, apesar da escuridão do fundo do poço, segue o Coelho até chegar a uma sala com diversas portas. Uma chavezinha dourada, por sobre a mesa, serve para abrir uma delas. Assim o faz e percebe que a pequena porta era a passagem para o mais belo jardim. Mas, com seu tamanho, é impossível a travessia. Nesse momento, Alice encontra uma garrafa com a inscrição “beba-me”. Prudentemente, checa se o líquido não é veneno e toma-o todo. Encolhe até a altura de vinte e cinco centímetros. Agora pode passar para o jardim. Mas lembra que a chave ficou sobre a mesa e chora ao perceber que, pequena do jeito que estava, não conseguiria alcançar a mesa.Vê uma caixa de vidro com um pequeno bolo com as palavras “coma-me”. No intuito de ficar maior, pois queria de qualquer modo entrar no jardim, Alice come um pedacinho do bolo. Mas não cresce. Isso a entristece por não ser nada extraor - dinário. E come o bolo de uma vez. Capítulo 2. O mar de lágrimas Depois de comer o resto do bolo, Alice cresce tanto que se despede dos próprios pés. Pensa em enviar para eles um presente no Natal. Com dois metros e meio de altura, pega a chavezinha dourada para abrir a pequena porta. Chora novamente: seu tamanho não permite que ela chegue ao jardim. Suas lágrimas formam uma lagoa. Mas, ao escutar o barulho de passos, enxuga os olhos para ver quem era. Questiona se ainda continua a mesma menina e pensa em todas as amigas que conhecia para ver se havia se transformado em alguma delas. Ada e Mabel, conclui, são diferentes. A primeira tem cabelos encaracolados e a segunda não é inteligente. Tudo se mostra complicado, e Alice decide testar seus conheci mentos. Tenta uma multiplicação, mas desiste por não atingir o número vinte. Da tabuada passa para a Geografia, mas confunde os nomes de algumas capitais. Alice insiste em recitar um poema, porém sua voz e palavras são estranhas. Em solidão, chora mais uma vez. Ela começa a encolher. Pequena, e feliz por existir, pode passar para o jardim. No entanto, escorrega e cai no lago de suas próprias lágrimas. Ela nada pelo mar de suas lágrimas até se deparar com um Rato e tenta falar com ele. Sem obter resposta, ela pergunta pela saída. Alice, então, pensa que o Rato talvez seja francês. Ela lembra da primeira frase de seu livro de francês e a repete: Où est ma chatte? (“onde está minha gata?”). Assustado, o Rato diz que não gosta de gatos. Para mudar de assunto, Alice pergunta se o Rato não gosta de cachorros. Ele então a convida para ir à praia. Lá ela saberia por que o Rato não gosta de gatos nem de cachorros. Já é tempo de partir, pensa Alice. Muitas criaturas estranhas estão agora em seu mar de lágrimas. E ela nada, assumindo a liderança. Capítulo 3. Uma corrida eleitoral e o longo rabo de uma história Um grupo singular se reúne à margem do lago. Encharcados, aves e animais questionam sobre como se secariam outra vez. Alice discute com o Papagaio, o qual se julga mais sábio por ser mais velho. O Rato chama a atenção de todos, que formam um círculo ao seuredor para ouvi-lo. Ele conta a história de Guilherme, o Con - quistador que, apoiado pelo Papa, obteve a submissão dos ingleses. Estes, habituados à usurpação e às conquistas, necessitavam de um líder. A história do Rato não seca o corpo de Alice, o que a deixa melancólica. Dodô propõe uma corrida eleitoral: correr dentro de um círculo de forma desordenada por cerca de meia hora, até que todos estivessem enxutos de vez. Quando foi perguntado sobre como se definia o vencedor, Dodô diz que todos merecem ser premiados. Os prêmios seriam entregues por Alice. A menina tira uma caixinha de bombons do bolso e os distribui. Mas o Rato observa que também Alice merecia um prêmio. Dodô percebe que ela tem um dedal no bolso. Ele o toma para si e o entrega novamente a Alice. Tudo é tão absurdo para a garota, mas a seriedade do grupo impede o seu riso. Ela agradece solenemente. Capítulo 4. O Coelho dá um encargo a Bill O Coelho Branco caminha ansiosamente preocupado com a repressão da Duquesa. Alice o ajuda a procurar suas luvas e leque. O Coelho a chama de Mary Ann, o nome de sua empregada. Ordena que Alice procure pelos itens. Na busca, Alice encontra uma pequena casa em cuja porta estava escrito “Coelho B”. Entra em um quarto muito pequeno e encontra uma garrafa com as palavras 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 2 – 3 “Beba-me”. Cansada de ser tão pequenina, toma o líquido na esperança de crescer novamente. Aumenta tanto de tamanho que sua cabeça atinge o teto e seu corpo ocupa todo o espaço do quarto. Seus braços saem pelas janelas, e um pé, pela chaminé. Alice acredita estar em um conto de fadas. Pensa em escrever uma história. Ela encolhe e quando sai, encontra com uma multidão de animaizinhos que a hostilizam. Com medo, Alice corre. Deseja voltar ao seu tamanho normal e também reencontrar o caminho lindo do jardim. Percebe um latido. Um cachorrinho olha para ela. Alice estende um graveto e o cão responde aos seus comandos. Na brincadeira, o cão quase a pisoteia. Cansado, ele dá uma brecha para que Alice escape. Ela precisa crescer de novo. Pensa em comer algo, mas não sabe o quê. Talvez o cogumelo cuja altura se aproximava da sua. Mas, quando olha para o alto do cogumelo, avista uma lagarta azul fumando distraida mente um cachimbo turco. Capítulo 5. Conselhos de uma lagarta Depois de muito esforço para romper com o discurso lacônico da Lagarta, Alice tenta explicar quem era e confessa que está com a memória fraca. Tenta recitar um poema, mas as palavras lhe saem diferentes. A Lagarta sugere outro poema, e Alice recita-o prontamente. A Lagarta pergunta de que tamanho Alice gostaria de ser. A menina, que nunca fora tão contestada, responde que, pelo menos, um pouco mais de oito centímetros, medida que achava insignificante. Rispidamente, a Lagarta responde que oito centímetros são uma altura muito boa, demons trando ser essa a sua própria medida. Alice desce do cogumelo e, ao se afastar, ouve um conselho da Lagarta, a qual que um lado daria o crescimento e o outro, o encolhimento. Alice pensa em como definiria os lados de algo que era redondo. Então, come um pedacinho do lado direito e sente seu queixo bater em seu pé. Com muita dificuldade consegue abocanhar um pouco do lado esquerdo e cresce tanto que seu pescoço parece uma chaminé. Alice fica feliz por seu pescoço ser como uma serpente. Suas mãos, por fim, tocam na copa de uma árvore. Nesse momento, aparece uma Pomba que pensa estar vendo uma serpente. E reclama por ter de vigiar as serpentes pelos últimos três dias. Apesar de Alice afirmar não ser uma serpente, a Pomba segue desconfiada e pergunta se ela não comia ovos. Alice diz que é comum as meninas comerem ovos. Logo, as meninas são um tipo de serpente, segundo a Pomba. Alice retorna ao cogumelo e o mastiga de forma equilibrada até atingir seu tamanho normal. Mas faltava ainda entrar naquele lindo jardim. Chega a uma clareira, em cujo centro havia uma pequena casa de um metro e vinte de altura. Ela decide entrar, mas, para não assustar seus moradores com seu tamanho normal, come outro pedaço do cogumelo de sua mão direita até que sua altura se ajustasse à da casa. Capítulo 6. Porco e pimenta Diante da casa, avista um Lacaio, por estar de libré. Ele bate a porta, a qual logo é aberta por outro Lacaio com olhos de rã. O Lacaio-Peixe entrega um envelope destina - do à Duquesa. Trata-se de um convite da Rainha para o jogo de croqué. Eles se cumprimentam enrolando suas cabeleiras, o que desperta o riso em Alice. Ela bate à porta, mas o mordomo diz que isso era inútil porque não havia porta entre eles, pois estavam do mesmo lado. A porta se abre e a menina aproveita uma brecha e entra. A passagem dá para uma ampla cozinha, em cujo centro está sentada a Duquesa segurando um bebê. Há um cheiro forte de pimenta no ar. A Duquesa acalenta seu bebê, mas logo solta um grosseiro “porco!” Mesmo espantada, Alice questiona por que o gato da Duquesa ria de um jeito tão intenso. A cozinheira tira o caldeirão do fogo e lança o que está ao seu alcance na direção da Duquesa e do bebê. A Duquesa emenda uma canção de ninar bizarra (Espanca de forma violenta/ Teu filho, se espirrar,/Ele sabe que isso atormenta,/ E quer nos irritar.) para o bebê, sacudindo-o violentamente. Depois, oferece-o a Alice para que ela também o ninasse. Em seu colo, a menina percebe que o bebê mais parecia uma estrela do mar e bufava como uma locomotiva. Alice consegue acalmá-lo. Pensa em tirá-lo daquele ambiente para que não o matassem. Mas, ao perceber que se tratava de um porco, fica feliz por não ter de levá-lo para sua casa quando regressasse. Imagina que, se ele crescesse mais um pouco, seria uma criança extremamente feia, e pensa nas crianças conhecidas que dariam belos porquinhos. O Gato de Cheshire aparece sentado em um galho de árvore. Alice pergunta a ele qual era o caminho para sair dali. Em seguida, questiona que tipo de gente vivia naquele lugar. E descobre que em uma direção, morava um Chapeleiro; em outra, a Lebre de Março. Ambos loucos, segundo o Gato. Alice diz que não quer se encontrar com gente louca. Mas isso era inevitável, conclui o Gato, afinal, todos eram loucos, inclusive Alice. Somente o cachorro não era louco por balançar o rabo quando está feliz. Já ele, por fazer o contrário, era louco. Já a loucura da garota se justificava pelo simples fato de estar ali. O Gato pergunta a Alice se ela jogaria croqué com a Rainha. A menina diz que gostaria muito, apesar de não ter sido convidada. Ele diz que espera Alice no evento e esvai-se no ar. Alice caminha e chega à casa da Lebre de Março. Capítulo 7. Um chá de loucos A Lebre de Março e o Chapeleiro tomam chá diante da casa. Um Leirão está entre eles e é usado como almofada. A mesa é grande, mas, quando avistam Alice, dizem que não havia mais lugar. A Lebre oferece vinho, mas Alice só vê chá sobre a mesa. A garota rechaça a atitude da Lebre por oferecer algo não disponível. Esta 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 3 devolve a admoestação criticando Alice por sentar à mesa sem ser convidada. O chapeleiro julga que Alice devia cortar os cabelos. Espontaneamente, Alice corrige-o, dizendo que era impróprio tecer comentários pessoais. O Chapeleiro arregala os olhos e desvia o assunto, ques - tionando por que um corvo se parecia com uma escriva - ninha. Alice diz ter a resposta, apesar de dividida inter na mente. Eles se silenciam e, depois de descobrirem a data daquele dia, Alice percebe que o relógio contem - plado pela Lebre marcava os dias e não as horas, e acha graça. A Lebre se irrita e pergunta a Alice se o relógio dela marcava o ano. Estupefata, Alice diz que não, pois se fica no mesmo ano uma porção de tempo. O Chapeleiro conclui que o seu relógio fazia o mesmo. Alice o critica por gastar tempo com enigmas. Ele ponderaser a expressão “gastar” inadequada, porque trata o tempo como se ele fosse uma coisa. Ele é alguém. E aposta que Alice não havia conversado com o Tempo. Alice diz que certamente não, e acrescenta que marca o tempo quando ouve música. Mas o Tempo, segundo o Chapeleiro, não podia ser marcado como se fosse gado. Ele ainda explica que, se Alice vivesse em paz com o Tempo, ele correria nos momentos ruins, como nas horas em que se tem de estudar. Depois, lamenta ter brigado com o Tempo em março passado, antes da Lebre enlouquecer. Num concerto dado pela Rainha, o Chapeleiro deveria executar uma canção. Mas sua apresentação não a agradou e ela disse que ele estava “matando o tempo”. Desde então, são sempre seis da tarde e não é mais possível lavar a louça entre um chá e outro. Eles rodam em torno da mesa à medida que as louças se sujam. Decidem contar estórias para mudar de assunto. Leirão começa a narrativa de três irmãzinhas que viviam de melado. A Lebre oferece mais chá a Alice que, até aquele momento, não havia tomado a bebida! As irmãzinhas viviam no fundo de um poço porque, segundo o Leirão, era um poço de melado. Alice diz que tudo aquilo era impossível e é tachada de mal-educada. Outra vez, Alice se vê dentro da sala comprida e ao lado da mesa de vidro. Já experiente, a menina pega a chave, come o cogumelo e diminui ao tamanho de trinta centímetros. Atravessa a pequena passagem e entra no jardim, um lindo jardim com belos canteiros e muita água fresca. Capítulo 8. O campo de croqué da Rainha Três jardineiros – Sete, Cinco e Dois – ocupam-se em pintar de vermelho as rosas brancas de uma grande roseira à entrada do jardim. Eles discutem sobre o traba lho e Cinco fala sobre o risco que Sete teve de ser decapi tado pela Rainha por levar tulipas em vez de cebolas para cozinhar. Alice pergunta por que eles estavam pintando as rosas e um deles responde que planta ram rosas brancas por engano e podiam ser decapitados pela soberana. Cinco grita “A Rainha!” e todos se jogam ao chão para não serem vistos. Quando o cortejo passa por Alice, todos param e olham para ela. A Rainha pergunta seu nome. Alice reponde à pergunta e pensa que não precisa ter medo deles, pois todos não passam de um baralho de cartas. A Rainha questiona quem eram aqueles deitados ao pé da roseira e Alice diz que aquilo não era da conta dela. Com raiva, a Rainha ordena que cortem a cabeça da garota. Esta, admirada com sua coragem, diz que tudo aquilo era bobagem e a Rainha fica em silêncio. Depois ouve o conselho do Rei, que pondera que ela era apenas uma criança. A Rainha ordena que aprisionem os três jardineiros. Depois de perceber o que fizeram, decide por decapitá-los. Eles pedem socorro a Alice, que diz aos soldados que permitiria tal ato. Ela esconde os três jardineiros em uma jarra de flores. Os soldados desistem de encontrá-los e seguem o cortejo afirmando à Rainha que haviam cumprido a ordem. A Rainha pergunta a Alice se ela sabia jogar croqué. Alice responde que sim e segue o cortejo. Aparece o Coelho Branco, e Alice pergunta sobre o paradeiro da Duquesa. Esta fora executada por dar um murro na Rainha. Alice ri intensamente. A soberana convoca todos para o jogo. O campo era instável, as bolas eram ouriços vivos e os tacos eram flamingos também vivos. Os soldados formavam os arcos dobrando-se com as mãos e os pés. No jogo, Alice tem dificuldade em mane - jar seu flamingo. Quando atinge o ouriço, seu flamingo olha perplexo para ela, fazendo-a gargalhar. Todos jogam ao mesmo tempo. A Rainha fica possessa e manda cortar a cabeça de um ou de outro jogador aleato riamente. Alice teme competir com a Rainha e ser decapitada. Avista o Gato de Cheshire e comenta que aquele jogo não era honesto, pois não havia regra nenhuma. Nesse momento, percebe que a Rainha estava bem atrás dela ouvindo tudo. Alice então comenta que a soberana era muito hábil no jogo. A Rainha sorri e se afasta. O rei pergunta quem era o Gato e Alice explica que ele era seu amigo. O Rei antipatiza com ele e pede à Rainha que ele desapareça. Ela pede que lhe cortem a cabeça. Amedrontada com o autoritarismo constante da Rainha, Alice volta ao jogo. Apanha com dificuldade seu flamingo e percebe que todos os arcos haviam sumido. Decide voltar para seu amigo e presencia uma calorosa discussão sobre a decapitação do Gato. Este, que apenas mostrara a cabeça em sua aparição, seria passível de decapitação? Para o Rei, todos que possuíssem cabeça poderiam ser decapitados. Já a Rainha ameaça a degola geral, caso não apresentem uma solução paro o imbróglio. Alice intervém dizendo que só a Duquesa poderia dar uma resposta, uma vez que era a dona dele. A Rainha manda o carrasco buscá-la na prisão e, nesse ínterim, o Gato some totalmente, enquanto o restante do grupo volta ao jogo. Capítulo 9. A história da Falsa Tartaruga A Duquesa se mostra feliz por reencontrar Alice. Na caminhada, a garota pensa em não ter pimenta nenhuma 4 – 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 4 quando for uma Duquesa. A pimenta torna as pessoas belicosas. Essa proposição deixa Alice contente, pois se mostra como um novo tipo de regra. E acrescenta que o vinagre torna as pessoas azedas e a camomila deixa as pessoas amargas. Já o açúcar deixa as pessoas doces e suaves, e seria bom que os adultos soubessem disso. A Duquesa se aproxima de Alice e a menina não gosta porque a Duquesa é muito feia. Mas ela insiste e pousa o queixo no ombro de Alice. Para mudar de assunto, Alice comenta sobre o jogo e a Duquesa explica sentencio - samente que é o amor que faz o mundo girar. Alice comenta que o mundo gira quando cada um cuida de sua vida, o que dá no mesmo, segundo a Duquesa. E acrescenta a moral: Cuide dos sentidos, que os sons cuidarão de si mesmos. Alice obser va que poderia entender melhor todos esses aponta mentos se visse tudo escrito. No jogo, a Rainha continua a gritar “cortem a cabeça!” e logo não há mais arcos no campo, já que os sentenciados deviam ficar sob a custódia dos soldados. A Rainha pergunta a Alice se ela não conhe cia a Falsa Tartaruga. Alice e a Rainha chegam junto a um Grifo que dormia profundamente. A Rainha ordena-lhe que levassem Alice até a Falsa Tartaruga. O Grifo ri e diz que tudo aquilo era fantasia da Rainha, pois eles nunca executavam ninguém. Ele leva Alice para encontrar com a Falsa Tartaruga. A Falsa Tartaruga suspirava de tristeza quando o Grifo lhe apresenta Alice, dizendo que a menina gostaria de ouvir a história dela. A Falsa Tartaruga conta que, certa vez, ela fora uma verdadeira tartaruga. Quando pequena, ela frequentava uma escola no mar. A professora era uma velha tartaruga chamada de Torturuga, já que era uma tortura aprender com ela. Na escola, havia matérias suplementares, como francês, música e lavagem, mas a Falsa Tartaruga não tinha recursos para pagar esses cursos. Capítulo 10. A quadrilha da Lagosta A Falsa Tartaruga observa que Alice talvez não tenha vivido muito tempo sob o mar, tampouco tenha sido apre - sentada a uma lagosta. Em seguida, deixa Alice curiosa ao falar da Quadrilha de Lagostas. A Falsa Tartaruga e o Grifo tentam explicar o funcionamento da dança, mas se atrapalham. Alice agradece pela exibição e acha muito interessante a dança. Diz achar curiosa a canção sobre a enchova. A Falsa Tartaruga pergunta se ela já vira alguma enchova. Alice tenta uma descrição e diz que as enchovas tinham o rabo na boca e que eram cobertas de farelo de pão. Deste último elemento, discorda a Falsa Tartaruga. Depois, o Grifo explica a razão pela qual as enchovas tinham o rabo na boca: as enchovas queriam participar da dança das lagostas, mas foram atiradas e passaram muito tempo em queda livre. O Grifo acrescenta que as enchovas são usadas no fundo do mar para “enchovalhar” sapatos e botas. Alice, perplexa, diz que sapatos são lustrados com escovas. Mas no fundo do mar,conclui o Grifo, obviamente, sapatos e botas são “enchovalhados” com enchovas e não com escovas. Alice pensa na canção e na obrigação das enchovas em aceitar o boto. O Grifo pede a ela que conte suas aventuras. Alice começa sua narrativa a partir do momento em que viu o Coelho Branco, depois recita uma canção que sai totalmente diferente. Depois, a Falsa Tartaruga pede outra canção e Alice, cheia de tantas ordens, recita-a também de forma muito estranha. A menina se entristece e pensa se voltaria a ser como antes. Ela tenta outra canção e é criticada pela Falsa Tartaruga por não explicá-la enquanto a recita. Esta então decide cantar e, quando chega ao coro, ouve-se que o julgamento havia começado. Todos correm. Capítulo 11. Quem roubou as tortas O Rei e a Rainha estão cercados por enorme multidão. Alice jamais estivera em uma corte de justiça, mas identifica o juiz por causa da peruca. O juiz era o próprio Rei, que ordena ao Coelho Branco que leia a acusação. Ele desenrola o pergaminho e recita: A Rainha de Copas assou umas tortas/num dia de verão./O Valete de Copas roubou essas tortas/sem nenhuma razão. O Rei ordena ao júri que pense no veredicto. Mas o Coelho diz que havia muito o que fazer ainda. Ele chama a primeira testemunha, o Chapeleiro. Alice sente que está crescendo outra vez. A Rainha pede a lista dos cantores que participaram do último concerto. O Chapeleiro dá início ao seu depoi - mento desastrado e, ao fim, recebe a condenação da Rainha. Em seguida, chamam a cozinheira da Duquesa. Todos espirram, pois ela entra com uma pimenteira na mão. Ela nega dar seu depoimento, porém, responde que as tortas são feitas de pimenta, principalmente. Mas o Leirão diz que são feitas de melado e a Rainha ordena que lhe cortem a cabeça. O tribunal entra numa tremenda confusão e a cozinheira desaparece. O Coelho Branco se atrapalha com a lista de testemunhas e Alice fica curiosa para saber quem seria a próxima. Foi quando o Coelho Branco disse o nome “Alice”. Capítulo 12. O depoimento de Alice Quando é chamada, Alice diz “presente!” e, ao se levantar, derruba todos que estavam em seu banco. Ela esquecera o quanto havia aumentado de tamanho. Ela se desculpa e pensa em juntar aquelas criaturas como se fossem peixinhos que tivessem caído de um aquário. Alice coloca o lagarto de cabeça para baixo e deixa o bicho traumatizado, olhando para o teto do tribunal de boca aberta. Todos se recompõem e o Rei pergunta a Alice o que sabia do caso. Ela responde que não sabia absolu - tamente nada. O Rei, a princípio, achou isso importante, mas com a correção do Coelho Branco, muda a palavra para desimportante. Alguns jurados escreveram “impor - tante”; outros, “desimportante”. Em seguida, o Rei lê o – 5 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 5 Artigo Quarenta e Dois, que diz que Todas as pessoas com mais de um quilômetro e meio de altura devem abandonar o tribunal. Todos olham para Alice, que diz que não iria obedecê-lo porque o Rei acabara de inventar tal artigo. O Rei observa que esse era o mais antigo código. Alice argumenta que, então, ele devia ser o número um. Empalidecido, o Rei pede, com voz trêmula, que o júri dê o seu veredicto. O Coelho Branco interrompe e diz que havia um documento para ser analisado. Ele desdobra o papel e percebe que se tratava de uma porção de versos. A escrita não parecia ter sido feita por um prisioneiro, o que gera estranhamento nos membros do júri. O Valete se apronta a dizer que não fora ele o autor dos versos. Não havia prova porque ninguém assinou embaixo, acrescenta ele. O Rei observa que isso tornava pior a sua situação, porque uma pessoa honesta assina seus próprios escritos. O público aplaude o soberano e a Rainha vê nisso a prova de que o Valete era o culpado. Alice interfere dizendo que isso não era prova alguma. Era preciso saber o que diziam os versos. O Rei ordena a recitação, ponderando ao Coelho Branco, que não sabia por onde começar, que se começasse pelo começo e que se parasse ao fim. Ao término da leitura, nenhum presente no tribunal conseguiu dar o sentido do poema, apesar de o Rei dizer que era a prova mais importante que se apresentara naquele dia. Afinal, se não havia sentido, não era preciso procurar sentido. Aponta, em seguida, que um verso dizia “eu não sei nadar”, um atributo que cabia também ao Valete. A Rainha pede a sentença antes do veredicto. Alice protesta e é condenada a perder a cabeça. Mas ninguém se move. Alice diz a Rainha que ninguém se importava com ela e acrescenta que eles não passavam de um jogo de cartas. Nesse momento, todo o jogo de cartas voou para cima e voltou em sua direção. Alice se assusta e acorda no colo de sua irmã. Alice conta suas aventuras e segue para o seu chá, pensando no sonho maravilhoso que teve. E sua irmã, pensando nas maravilhosas aventuras de Alice, tem o seu próprio sonho envolvendo as personagens das estórias que acabara de ouvir. E, finalmente, imagina o quão afetuoso seria o coração da Alice adulta que, talvez rodeada de crianças, pudesse contar suas aventuras dos tempos felizes de sua infância. 4. Considerações acerca de Alice no país das maravilhas Nos doze capítulos que compõem Alice no país das maravilhas, os eventos incomuns que marcam a viagem onírica da protagonista sugerem uma espécie de colagem de pequenas histórias, cujo fio condutor é o fantástico. O leitor é levado ao estranhamento que se dá por meio do jogo entre a ancoragem do senso lógico, dado por seu aprendizado de seu mundo da superfície, e o nonsense, termo em inglês que significa “ausência de sentido”. As regras desse jogo, já no início da narrativa, estabe - lecem-se pela subversão da lógica, a qual é percebida pelo leitor por participar do senso comum que opera inicial - mente nas atitudes de Alice. Sua perplexidade é compar - tilhada a cada evento grotesco, a cada angústia diante do devir, a cada quebra de expectativa promove dora do riso. Esse jogo provoca uma quebra de paradigma na literatura infantil, que até então cumpria com os preceitos morais e didáticos da Era Vitoriana. No reinado da rainha Vitória (1837-1901), a sociedade inglesa vivenciou um momento de grande euforia e transformações culturais, ao mesmo tempo em que vigoravam os preceitos de um moralismo conservador. Com efeito, a narrativa nonsense de Carroll mostra-se como um ponto de inflexão pelo qual se rompe com o didatismo que marcara o universo da leitura das crianças e que sempre culminava em uma “moral da história”. Como narrativa que, a princípio, nasce da oralidade, e que obedece, portanto, a certos preceitos como a recolha de elementos do mundo cotidiano do ouvinte, Alice no país das maravilhas apresenta diversos elementos que par ti ci - pam de seu contexto cultural. No exercício da paródia, gênero que se constrói a partir da imitação sarcástica de gêneros elevados, Carroll remete a provér bios, canções, anedotas que eram familiares ao leitor no tem po de enunciação de sua obra e que, hoje não escapa só a nós, mas também ao leitor inglês, que normalmente reco nhece o texto de partida da paródia pela própria obra de Carroll. Apesar das referências a seu contexto de enunciação, a narrativa de Carroll ganha valor simbólico mais amplo por conta da performance do narrador que, ao partir do mundo de suas ouvintes iniciais, atinge o universo infantil por meio da imaginação e da perplexidade. As vivências inusitadas de Alice transcendem o contexto de produção da obra. Nesse intuito transformador, as ilustrações são de suma importância, uma vez que corroboram o grotesco como um dois pilares da representação literária de Carroll ao legitimarem a estranheza intencionada pelo nonsense. As distorções da imagem, além de exemplificarem o espanto de Alice diante do fantástico, promovem a quebra da expectativa lógica do leitor e, com efeito, fundamentam o tom humorístico quemodula a narrativa. No final das contas, o fantástico gera o riso que, por sua vez, sugere uma moral, ou, no mínimo, uma nova percepção do real. Nesta subversão, o nonsense que sustenta a intriga da narrativa remete, ainda que erroneamente, ao Surrealismo, vanguarda heroica que compõe a tradição da ruptura dada pela Arte Moderna. O estilo surrealista emprega a “escrita automática” para reproduzir conteúdos que emergem instantaneamente do inconsciente e que são associados de forma insólita, representando o real de forma desorga - nizada. O insólito, como elemento caro tanto ao Surrealis - mo quanto ao nonsense, manifesta-se pelo fantástico e pelo maravilhoso. 6 – 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 6 O maravilhoso aparece quando tem de se admitir novas leis da natureza para se explicar um determinado fenômeno. Por exemplo, quando Alice percebe os mecanismos que possui para aumentar ou diminuir de tamanho; ou quando compreende o motivo pelo qual as louças estão sempre sujas na mesa da Lebre de Março e do Chapeleiro. Já o fantástico reside no estranhamento que advém da interpretação de um evento extraordinário. Por exemplo, quando Alice vale-se de seus conhecimentos de mundo – do mundo da superfície –, para interpretar eventos como o da passagem do tempo e a velhice ou mesmo para se revoltar diante do autoritarismo da Rainha. Apesar do interesse comum pelo insólito, pelo sonho, pelo olhar infantil, o nonsense se difere do Surrealismo por obedecer a um sistema de coerência interna entre os elementos que compõem sua representação. O nonsense opera de forma mais metódica e tende a explorar o lúdico. Enquanto gênero literário, o nonsense surge na Inglaterra vitoriana e tem como principais representantes Edward Lear, cujo livro A book of nonsense, de 1846, traz o termo nonsense pela primeira vez, e Lewis Carroll. Mas o nonsense do autor de Alice no país das maravilhas traz elementos novos: a lógica e a matemática como instru - mentos do “sem sentido”, além das marcas comuns ao gênero como a paródia, o grotesco e os jogos de linguagem. Nesse exercício lúdico com a palavra, é comum ao nonsense de Carroll o cruzamento vocabular pelo qual palavras e conceitos se juntam como em lesmolisas (liso como lesmas) ou Durmodongo (camundongo dormi - nhoco). Além da invenção da palavra, nota-se os jogos de linguagem que se estabelecem a partir dos elementos comuns à lógica, em que as proposições, apesar de sua organização formal, fogem do senso comum quando se aplica a verificação. A ausência de referência aos fatos é o elemento catalizador do nonsense. Como acontecimento, o nonsense não pode ser caracterizado como falso, ou mentira, pois as vivências acontecem mesmo que dentro do sonho de Alice. A lógica proposicional, como parte da lógica que estuda as formas de argumentos, prevê a estruturação dos enunciados que, além de se organizarem rigidamente no plano da forma, devem ter consistência no plano do conteúdo. Este também passaria pelo método de verificação. O nonsense, portanto, torna-se um exercício lógico como se nota no diálogo entre Alice e o Gato de Cheshire: “Mas eu não quero me encontrar com gente louca”, observou Alice. “Oh, não se pode evitar”, disse o Gato, “todos são loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca.” “Como sabe que eu sou louca?” indagou Alice. “Você deve ser”, respondeu o Gato, “ou então não teria vindo aqui.” Alice não achou que isso comprovava nada; todavia continuou: “E como você sabe que é louco?” “Para começar”, disse o Gato, “um cachorro não é louco. Concorda?” “Acho que sim”, respondeu Alice. “Bem”, prosseguiu o Gato, “você vê um cão rosnar quando está bravo, e abanar o rabo quando está feliz. Agora, eu rosno quando estou feliz e balanço o rabo quando estou bravo. Logo, sou louco” (Carroll, 2000, p. 84) Nesta conversa, percebe-se o seguinte raciocínio: Todo ser que habita aquele lugar é louco. Alice está naquele lugar. Logo, Alice é louca. Portanto, o nonsense se instaura em algum lugar em que “a ordem da língua encontra a desordem (nunca total) do que está além dela” (Bastos, 2001, p. 21). E dessa relação fronteiriça emerge o sentido pelo estranhamento e pelo humor. A ausência de sentido das premissas e a conclusão indevida rompem com a expectativa não só de Alice, mas também do leitor que, imerso à lógica insólita das aventuras de Alice, participa do jogo a que a obra se propõe. Nesse jogo de adequação, a linguagem de Alice impõe novas maneiras de perceber o mundo. – 7 Exercícios Texto para a questão 1. “Mas eu não quero me encontrar com gente louca”, observou Alice. “Oh, não se pode evitar”, disse o Gato, “todos são loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca.” “Como sabe que eu sou louca?” indagou Alice. “Você deve ser”, respondeu o Gato, “ou então não teria vindo aqui.” Alice não achou que isso comprovava nada; todavia continuou: “E como você sabe que é louco?” “Para começar”, disse o Gato, “um cachorro não é louco. Concorda?” 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 7 “Acho que sim”, respondeu Alice. “Bem”, prosseguiu o Gato, “você vê um cão rosnar quando está bravo, e abanar o rabo quando está feliz. Agora, eu rosno quando estou feliz e balanço o rabo quando estou bravo. Logo, sou louco.” “Eu chamo isso ronronar, não rosnar”, disse Alice. “Chame como quiser”, disse o Gato. “Você vai jogar croquet com a Rainha hoje?” “Gostaria muito”, falou Alice, “mas até agora não fui convidada.” “Você me encontrará lá”, disse o Gato, e desapareceu no ar. (CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Trad. Isabel de Lorenzo e Nelson Ascher. São Paulo: Objetivo, 2000, p. 84.) 1. No excerto acima de Alice no país das maravilhas, nota-se um elemento marcante da literatura nonsense de Lewis Carroll. Assinale a alternativa que identifica e explica corretamente esse elemento. a) Os diálogos contribuem para o efeito moralizante intencionado pela narrativa que, pela fantasia, participa da tradição pedagógica da literatura infantil. b) As falas sem sentido do Gato, ao serem confron - tadas com a atitude crítica da protagonista, corro - boram o senso racionalista ao qual visa a narrativa. c) A conclusão falaciosa do Gato, além de subverter a lógica do senso comum, promove o humor ao corroborar o universo fantástico dado pela obra. d) O tom conselheiro do Gato remete à tradição do diálogo como discurso, cuja finalidade é a transmissão de valores e a busca da sabedoria. Texto para a questão 2. Quando a estória já se esgota – Seco o poço da imaginação – Tenta habilmente o contador Desviar-se do assunto, em vão: “Conto depois...” “Já é depois”, Elas protestam em confusão. E assim cresceu este País Das Maravilhas. Uma a uma Surgiram as suas aventuras. Está pronta, sem falha alguma A estória. Voltamos lépidos Antes que o sol da tarde suma. (CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Trad. Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Editora 34, 2016, p. 5.) 2. Considerando as intenções narrativas que marcam Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, assinale a alternativa que comenta corretamente o excerto anteriormente citado. a) A aventura surge como um elemento narrativo pelo qual permite à narrativa seu caráter pedagógico e moralizante. b) A atitude narrativa do narrador, diante das reivindicações das ouvintes, legitima o apelo à imaginação a partir do olhar da criança. c) A oralidade, como marca discursiva do narrador, justifica-se pelo interesse de valorização e transmissão das tradições culturais.d) O universo fantástico do “País das Maravilhas”, ao promover a imaginação, objetiva garantir à criança a crítica ao mundo real. Texto para a questão 3. “Vamos, de que serve chorar assim?” disse Alice a si mesma, asperamente. “Aconselho você a parar com isso agora mesmo!” Ela geralmente dava conselhos muito bons a si própria (embora raramente os seguisse), e às vezes se repreendia tão severamente que seus olhos se enchiam de lágrimas; lembrou-se que, uma vez, tentara dar um puxão nas próprias orelhas, por ter trapaceado numa partida de croquet que jogava contra si mesma — pois esta menina curiosa adorava fingir que era duas pessoas! “Mas de nada serve agora”, pensou a pobre Alice, “fingir que sou duas pessoas! Porque tudo o que sobrou de mim mesma é pouco até para ser uma só pessoa respeitável!” (CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Trad. Isabel de Lorenzo e Nelson Ascher. São Paulo: Objetivo, 2000, p. 25). 3. Em Alice no país das maravilhas, a protagonista vivencia situações inusitadas que promovem questio - namentos sobre sua própria identidade. Explique, com base no excerto, como se constitui essa reflexão. Texto para as questões 4 e 5. “Não sei o que você quer dizer”, disse Alice. “É claro que você não sabe!” disse o Chapeleiro, inclinando a cabeça com desdém. “Eu diria até mesmo que você nunca falou com o Tempo!” “Talvez não”, respondeu Alice com cautela, “mas sei que devo marcar o tempo quando aprendo música.” “Ah! Isso explica tudo!” disse o Chapeleiro. “Ele não suporta ser marcado. Agora, se você mantivesse com ele boas relações, ele faria qualquer coisa que você quisesse com o relógio. Por exemplo, suponha que 8 – 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 8 1) O diálogo entre Alice e o Gato risonho exemplifica a literatura nonsense de Lewis Carroll ao romper com senso lógico comum por meio de uma estrutura silogística de raciocínio que, por promover conclusões falaciosas, produz efeito humorístico e corrobora o universo fantástico caro a Alice no país das maravilhas. Resposta: C 2) A performance do narrador, cuja voz busca corres - ponder ao apelo das crianças que desejam estórias que reflitam o olhar de descoberta e imagina ção, demonstra uma ruptura com a literatura infantil moralista a qual se destinava a esse público; outro elemento, que se sintoniza ao nonsense de Lewis Carroll, é a funda - mentação da intriga a partir da fantasia em que a prescrição dá lugar à curiosidade e à possibilidade de desvelamento do real. Resposta: B 3) Em sua viagem onírica, Alice, depois de sucessivas mudanças de tamanho, cai em angústia por não saber mais quem é. Em seu monólogo, nota-se que seu eu divide-se em dois diante das vivências inusitadas as quais Alice, por meio da lógica da superfície, já não consegue explicar. Essa quebra do princípio de identidade, em que um ser é o que é e não pode ser de outro modo, traduz a imaginação infantil e seus processos de descoberta e, ao mesmo tempo, representa o nonsense de Lewis Carrol, por meio do qual se rompe com a lógica do senso comum. fossem nove horas da manhã, justamente a hora de começarem as lições: você teria apenas de sussurrar uma dica ao Tempo, e o ponteiro giraria num piscar de olhos: uma e meia, hora do almoço!”(“Como eu gostaria que fosse assim mesmo”, sussurrou a Lebre de Março para si mesma.) “Seria fantástico, com certeza”, disse Alice, pensativa; “mas, então, eu ainda não estaria com fome, não é?” “Não a princípio, talvez”, disse o Chapeleiro, “mas você poderia permanecer à uma e meia por quanto tempo quisesse.” “É assim que você faz?” indagou Alice. O Chapeleiro balançou a cabeça com desgosto: “Eu não!”, disse. “Nós brigamos em março passado... logo antes de ela ficar louca, sabe...” (apontou com sua colher para a Lebre de Março), “foi no grande concerto oferecido pela Rainha de Copas, e eu tinha de cantar (...) eu nem acabara o primeiro verso quando a Rainha bradou: ‘Ele está matando o tempo! Cortem-lhe a cabeça!’” “Mas que selvageria!” exclamou Alice. “E desde então”, continuou o Chapeleiro num tom pesaroso, “ele não faz nada do que eu peço! São sempre seis horas!” “É, é isso mesmo”, disse a Lebre de Março com um suspiro, “é sempre hora do chá, e nós não temos tempo de lavar a louça nos intervalos.” “É por isso que vocês ficam girando em torno da mesa?” disse Alice. “Exatamente”, disse o Chapeleiro, “conforme as louças vão ficando sujas.” “Mas o que acontece quando vocês retornam para o começo?” Alice ousou perguntar. “Que tal se mudássemos de assunto?” interveio a Lebre de Março, bocejando. “Estou cansada deste. Meu voto é que a senhorita nos conte uma história.” (Carroll, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Trad. Isabel de Lorenzo e Nelson Ascher. São Paulo: Objetivo, 2000, p. 92.) 4. Maravilhoso é um recurso narrativo pelo qual se explica uma realidade a partir de leis que transcendem as leis comuns da natureza. Explique como ocorre essa estratégia narrativa no excerto acima de Alice no país das maravilhas, do escritor inglês Lewis Carroll. 5. Identifique os argumentos que levam à conclusão de que as louças da mesa do Chapeleiro e da Lebre de Março sempre estão sujas. – 9 ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS RESOLUÇÃO AS OBRAS DA UNICAMP PORTUGUÊS 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 9 10 – 4) A explicação da passagem do tempo se dá a partir de uma narrativa originária que configura o Tempo como uma entidade que age em relação aos seres conforme é tratado por eles. Isso se evidencia quando o Chapeleiro entende o termo “marcar” não como metragem do tempo musical, mas sim, como um ato de violência. Essa interpretação permite a explicação da passagem vagarosa do tempo ou mesmo de sua não passagem, como acontece na cena do excerto, cujo tempo permanece sempre às seis da tarde. 5) Como o Tempo parou às seis da tarde, momento em que se lavam as louças, nunca é possível lavá-las. Em uma estrutura silogística, os enunciados seriam, aproxima - damente: 1) lavam-se as louças depois do chá das seis da tarde; 2) sempre são seis da tarde; e 3) logo, toma-se chá e nunca se lavam as louças. 06_AE_UNICAMP_ALICENOPAISDASMARAVILHAS_YONNE_2023.qxp 31/08/2023 14:41 Página 10
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