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filosofia das ciências e da matemática licenciatura em matemática L IC E N C IA T U R A E M M A T E M Á T IC A - F IL O S O F IA D A S C IÊ N C IA S E D A M A T E M Á T IC A U A B / IF C E S E M E S T R E 6 Ministério da Educação - MEC Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Universidade Aberta do Brasi l Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Universidade Aberta do Brasil Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará Diretoria de Educação a Distância Fortaleza, CE 2011 Licenciatura em Matemática Filosofia das Ciências e da Matemática Francisco Régis Vieira Alves Créditos Presidente Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação Fernando Haddad Presidentes da CAPES Joao Carlos Teatine Climaco Diretor de EaD - CAPES Carlos Eduardo Bielschowsky Reitor do IFCE Cláudio Ricardo Gomes de Lima Pró-Reitor de Ensino Gilmar Lopes Ribeiro Diretora de EAD/IFCE e Coordenadora UAB/IFCE Cassandra Ribeiro Joye Vice-Coordenadora UAB Régia Talina Silva Araújo Coordenador do Curso de Tecnologia em Hotelaria José Solon Sales e Silva Coordenador do Curso de Licenciatura em Matemática Priscila Rodrigues de Alcântara Elaboração do conteúdo Francisco Régis Vieira Alves Colaborador Marília Maia Moreira Equipe Pedagógica e Design Instrucional Ana Claúdia Uchôa Araújo Andréa Maria Rocha Rodrigues Carla Anaíle Moreira de Oliveira Cristiane Borges Braga Eliana Alves Moreira Gina Maria Porto de Aguiar Vieira Glória Monteiro Macedo Iraci Moraes Schmidlin Irene Moura Silva Isabel Cristina Pereira da Costa Jane Fontes Guedes Karine Nascimento Portela Lívia Maria de Lima Santiago Lourdes Losane Rocha de Sousa Luciana Andrade Rodrigues Maria Irene Silva de Moura Marília Maia Moreira Maria Luiza Maia Saskia Natália Brígido Maria Vanda Silvino da Silva Equipe Arte, Criação e Produção Visual Ábner Di Cavalcanti Medeiros Benghson da Silveira Dantas Germano José Barros Pinheiro Gilvandenys Leite Sales Júnior José Albério Beserra José Stelio Sampaio Bastos Neto Lucas de Brito Arruda Marco Augusto M. Oliveira Júnior Navar de Medeiros Mendonça e Nascimento Roland Gabriel Nogueira Molina Samuel da Silva Bezerra Equipe Web Benghson da Silveira Dantas Fabrice Marc Joye Luiz Bezerra de Andrade FIlho Lucas do Amaral Saboya Ricardo Werlang Samantha Onofre Lóssio Tibério Bezerra Soares Revisão Textual Aurea Suely Zavam Nukácia Meyre Araújo de Almeida Revisão Web Antônio Carlos Marques Júnior Débora Liberato Arruda Hissa Saulo Garcia Logística Francisco Roberto Dias de Aguiar Virgínia Ferreira Moreira Secretários Breno Giovanni Silva Araújo Francisca Venâncio da Silva Auxiliar Ana Paula Gomes Correia Bernardo Matias de Carvalho Isabella de Castro Britto Wagner Souto Fernandes https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0 Alves, Francisco Régis Vieira. Filosofia das Ciências e da Matemática / Francisco Régis Vieira Alves; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. - Fortaleza: UAB/IFCE, 2011. 166p.: il.; 27cm. ISBN 978-85-475-0008-5 1. FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS 2. FILOSOFIA DA MATEMÁTICA. 3. MATEMÁTICA I. Joye, Cassandra Ribeiro (Coord.). II. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE. III. Universidade Aberta do Brasil – UAB. IV. Título. CDD – 510.1 V657f Catalogação na Fonte: Islânia Fernandes Araújo (CRB 3 - Nº 917) SUMÁRIO AULA 2 AULA 3 AULA 4 Apresentação 7 Referências 164 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Currículo 167 Filosofia das Ciências e da Matemática 8 Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemática 9 A natureza do conhecimento matemático 18 Os precursores da filosofia 23 AULA 1 Filosofia da Matemática 35 As correntes filosóficas da matemática 36 O construtivismo na matemática e o construtivismo piagetiano 50 Arquimedes e a Noção de Demonstração 58 Sobre a natureza das definições matemáticas 59 As influências das correntes filosóficas no ensino atual 68 As características de uma definição matemática e o ensino de álgebra 80 As dimensões filosóficas da intuição, seu papel da atividade do matemático e alguns paradoxos 84 As dimensões filosóficas da intuição matemática 85 O papel da intuição da atividade do matemático 91 Os paradoxos relacionadosà intuição matemática 98 AULA 6 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 Tópico 1 Tópico 2 Tópico 3 AULA 5 A construção axiomática dos números naturais, inteiros e racionais 107 Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemática 108 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática II 116 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 125 A construção dos números reais, complexos e considerações finais 134 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática III 135 As dimensões filosóficas dos fundamentos da matemática IV 149 Uma aplicação de sequência metodológica de ensino por meio de sua história 156 7APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Caro(a) estudante, apresentamos o material referente à disciplina de Filosofia das Ciências e da Matemática. De início, recordamos um ensinamento pertinente, atribuído ao filósofo da ciência Karl Popper, e ao matemático Imre Lakatos. O primeiro investigou a Lógica da Descoberta Científica – LDC, enquanto o segundo, em sua vida acadêmica, analisou a Lógica da Descoberta Matemática – LDM. Sustentamos a “impossibilidade”, do ponto de vista filosófico, de compreensão da LDC, por parte do futuro professor, sem um entendimento razoável da LDM, embora muitos defendam o contrário. Para tanto, traçamos, nas aulas iniciais, o cenário filosófico, epistemológico e político, pelo qual identificamos a evolução e a revolução dos paradigmas da Matemática. Nosso objetivo é a busca de um pensamento, de um olhar, de um sentimento filosófico do professor com relação à sua disciplina que, aos olhos dos incipientes, lhes parece uma “ciência dos números”. Acrescentamos que a Matemática é bem mais do que isso, bem mais do que a aplicação tácita de fórmulas. Por fim, trazemos a filosofia pessoal de Bertrand Russell, Henri Poincaré e Morris Kline, com a intenção de inspirar a pedagogia do futuro docente. Francisco Regis Vieira Alves 8 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica AULA 1 Filosofia das Ciências e da Matemática Nesta parte inicial discutiremos algumas noções introdutórias relacionadas aos campos de investigação da Filosofia da Matemática e das Ciências. Vamos nos deter inicialmente na demarcação e no interesse de cada uma das áreas e em seguida na discussão dos elementos mais interessantes com respeito ao ensino de Matemática. Nesta aula inicial apresentaremos algumas noções fundamentais no âmbito da Filosofia das Ciências e da Filosofia da Matemática, introduziremos também, a partir desta primeira aula e de modo sistemático nas subseqüentes, alguns termos particulares e específicos destas áreas de investigação. Objetivos • Descrever os pressupostos básicos da Filosofia da Matemática comparando-a com Filosofia das Ciências • Discutir a natureza do saber matemático e alguns exemplos de ordem lógica formal • Conhecer os principais pensadores que estabeleceram o terreno fértil para a Filosofia da Matemática 9AULA 1 TÓPICO 1 TÓPICO 1 Relações entre filosofia das ciências e filosofia da matemática e o ensino de matemática ObjetivO • Descrever os pressupostos básicos da Filosofia da Matemática comparando-a com Filosofia das Ciências Na perspectiva do professor de matemática em formação, o que podemos tomar como mais significativo a compreensão da evolução do saber científico ou a compreensão do saber matemático científico? Neste sentido, é surpreendente encontrarmos pessoas no ambiente acadêmico que se apoiam na crença segundo a qual “é possível compreender o movimento interno impulsionador e de evolução da Matemáticaa partir da compreensão dos movimentos e da evolução que marcaram determinados períodos históricos num contexto mais amplo e geral”, como o contexto das Ciências. De modo inquestionável, encontramos na literatura vários pensadores e epistemólogos (JAPIASSU, 1988) que fornecem um depoimento que assegura o papel de modelo deste paradigma para várias outras áreas do saber científico. Neste sentido, para compreendermos o pensamento filosófico, necessitamos, em grande parte, nos apropriarmos do pensamento epistemológico. A respeito da epistemologia, Japiassu (1988) faz a seguinte distinção: a. Epistemologia, no sentido bem amplo do termo, pode ser considerada o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos intelectuais; s a i b a m a i s ! Epistemologia: Diz respeito ao estudo da gênese, da estrutura, da organização/evolução dos métodos e a validade/confiabilidade do conhecimento científico. 10 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica b. Epistemologia global (geral), quando trata do saber globalmente considerado, com a virtualidade e os problemas do conjunto de sua organização, quer sejam especulativos, quer científicos; c. Epistemologia particular, quando trata de levar em consideração um campo particular de saber, quer especulativo, quer científico; d. Epistemologia específica, quando trata de levar em conta uma disciplina intelectualmente constituída em unidade bem definida do saber, e de estudá-la de modo próximo, detalhado e técnico, mostrando sua organização, seu funcionamento e as possíveis relações que ela mantém com as demais disciplinas. Depois dessas caracterizações, torna-se necessário sublinharmos a ênfase que daremos ao longo destas aulas à Epistemologia Específica e, de modo particular, à Epistemologia da Matemática, que possui de modo intrínseco um seu viés filosófico. Assim, defendemos a compreensão do movimento filosófico da Matemática na medida em que identificamos mudanças e substituições de paradigmas epistemológicos. Defendemos, assim, a impossibilidade de compreendermos a Filosofia da Matemática, muito menos diversos fenômenos que evoluem no universo didático, histórico, lógico e metodológico (Figura 1), recorrendo-se apenas à Filosofia das Ciências. Deste modo, daremos ênfase aos elementos apresentados abaixo, identificados no item (2): Figura 1: Aspectos do saber matemático (ALVES; BORGES NETO, 2010, p. 2) O diagrama da Figura 2, reproduzida a seguir, nos ajuda a defender que determinados fenômenos característicos do âmbito das Ciências não explicam/ caracterizam ou significam determinadas dimensões do saber matemático, apesar de possuírem uma região de interface comum, todavia tal interface ou região de 11AULA 1 TÓPICO 1 interseção é observada graças à necessidade e insuficiência que muitas áreas do conhecimento científico apresentam; deste modo, necessitam se apoiar, “importar” e se ‘apropriar’ de determinados paradigmas e métodos próprios da Matemática para seu próprio interior, como garantia de rigor e cientificidade. Figura 2: Relações entre Ciências e Matemática (elaboração própria) Por outro lado, destacamos, também na Figura 2, uma região pertencente ainda à Filosofia da Matemática que possui vigor próprio, que indicamos por (?), a qual não é encontrada e/ou identificada em mais nenhuma outra área do conhecimento científico. Sua importância se explicita na medida em que desenvolvermos nossas considerações acerca do ensino de Matemática que não pode desprezar a dimensão filosófica do saber matemático. Para exemplificar, são esclarecedoras as considerações do professor Jairo José da Silva, quando, em seu livro intitulado Filosofias da Matemática, destaca: A matemática entrou na cultura primeiramente como uma técnica, a de fazer cálculos aritméticos e geométricos elementares, e suas origens perdem-se nos primórdios da história. Dentre os povos antigos, os egípcios foram bons matemáticos, como suas realizações técnicas o atestam, mas os babilônios foram ainda melhores. Mas, ainda que essas culturas tenham produzido uma matemática reconhecível como tal, faltava a ela o caráter sistemático, rigoroso, puro – isto é, não empírico – e, em grande medida, a indiferença com respeito a aplicações práticas e imediatas que caracterizam o conhecimento matemático, tal como entendemos hoje (SILVA, 2007, p. 31). Identificamos em suas palavras uma passagem e transição de um saber matemático especulativo, empírico e desinteressado, apontado e produzido por algumas civilizações mais antigas para um saber matemático de caráter “rigoroso”, “sistemático” e “puro”, como o próprio autor acentua. Ora, este movimento de 12 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica transição, encontrado em determinadas fases históricas mais proeminentes, como as fases históricas discutidas por Silva, são objeto de estudo do que Hilton Japiassu chamou acima da epistemologia específica da Matemática. A Filosofia da Matemática que por ora discutimos se interessa por questões desta natureza. Além disso, vamos discutir, ainda, outros interesses que podem ser identificados apenas nesta área e em mais nenhuma outra área do conhecimento científico (Figura 2). Destacamos outro trecho de Silva (2007, p.34) com a intenção de ilustrar, em nossa discussão filosófica inicial, a significação do termo Filosofia da Matemática. O gênio de Euclides, porém, estava no modo como ele fez isso. A partir de um sistema mínimo e supostamente completo de verdades não-demonstradas e indemonstráveis – axiomas e postulados (posteriormente verificou-se que faltavam pressupostos substituídos pela intuição espacial) -, Euclides, demonstrava racionalmente todos os enunciados de Os elementos. Estava assim criado o método axiomático-dedutivo que viria a servir de modelo para toda a matemática a partir de então: a redução racional (preferivelmente lógica) de todas as verdades de uma teoria e uma base mínima e completa de verdades evidentes ou simplesmente pressupostas. Não havia nada de remotamente similar na matemática não grega. Nas palavras do autor, observamos um dos elementos peculiares ao pensamento matemático que influenciou, séculos mais tarde, várias áreas do conhecimento científico. Note-se que a dimensão epistêmica é sempre exigida para que possamos compreender o caráter filosófico dos saberes científicos constituídos até nossos dias. De fato, Silva (2007) fez menção explicita ao método axiomático-dedutivo, inaugurado pela civilização jônica. Sua função naquela época assumiu um papel fundamental do ponto de vista epistemológico, principalmente quando adotamos a seguinte significação: A epistemologia pode, então ser definida como o ‘estudo da constituição dos conhecimentos válidos’. O termo ‘constituição’ recobre ao mesmo tempo as ‘condições de acesso’, isto é, os processos de aquisição dos conhecimentos, e s a i b a m a i s ! O Método axiomático–dedutivo foi sistematizado a partir dos gregos evoluiu e se aperfeiçoou, alcançando seu apogeu com o grupo Bourbaki. A intenção principal consiste em formalizar e descrever o conhecimento matemático por meio de estruturas gerais e abstratas. 13AULA 1 TÓPICO 1 as ‘condições propriamente constitutivas, quer dizer, as condições formais ou experimentais que dizem respeito à validade dos conhecimentos, e as condições que dizem respeito, quer às contribuições do sujeito, que às do objeto no processo de estruturação do conhecimento. Portanto, para Piaget, só há ciência quando estiverem reunidos esse três elementos: (1) elaboração de fatos; (2) formalização lógico-matemática; (3) controle experimental (JAPIASSU, 1988, p. 44). Notamos no trecho acima o registro de um grande pensador recordado pelo epistemólogo Hilton Japiassu, trata-se do epistemólogo geneticistaJean Willian Fritz Piaget (1896-1980) . Destacamos o grande pesquisador Piaget não só por sua importância no campo científico, mas, sobretudo pelo valor de seu estudo sobre a análise e os processos de reformulação de certos conceitos científicos por meio de uma análise lógica (JAPIASSU, 1988, p. 44). A Matemática para Piaget assumiu um papel imprescindível para a explicação e previsão de inúmeros fenômenos observados no âmago do conhecimento científico moderno. Antes, porém, de discutirmos um pouco mais a respeito do caráter epistemológico do saber matemático e sua função no interior de Filosofia da Matemática, sublinhamos a explicação do pesquisador inglês Paul Ernest (1991, p. 3): A filosofia da Matemática é um ramo da filosofia cuja tarefa se reflete ao tomar em consideração a natureza da Matemática. Esta é um caso especial de epistemologia que leva em consideração o conhecimento humano em geral. A filosofia da Matemática se orienta no sentido de responder algumas questões: Qual é a base do conhecimento matemático? Qual é a natureza da verdade matemática? O que caracteriza a verdade em matemática? O que é uma afirmação e sua justificação? Por que as verdades em matemática são necessariamente verdades? Ernest confirma a presença e necessidade da adoção de vários pressupostos epistemológicos, corroborando com o que mencionamos nos parágrafos anteriores, quando menciona que, ao adotarmos largamente uma abordagem epistemológica, assumimos que conhecimento é qualquer área representada por um conjunto de proposições, aliado a um conjunto de procedimentos capazes de realizar verificação e assegurar sua confiabilidade (ERNEST, 1991, p. 4). Na citação anterior, observamos alguns questionamentos intrínsecos ao que chamamos de Filosofia da Matemática, que se apresenta como um campo distinto 14 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica da Filosofia das Ciências. Retomando a Figura 2, lembramos que a Filosofia da Matemática é marcada por elementos particulares que não são encontrados nas outras áreas do conhecimento científico humano. No início sublinhamos uma “crença” equivocada segundo a qual muitos ainda acreditam na possibilidade de se compreender o particular partindo-se do geral (). Assumimos que este ponto de vista encontrado no locus acadêmico é completamente equivocado e interpretamos esta atitude e posicionamento epistemológico como uma espécie de “miopia acadêmica”. Adotamos, por outro lado, o percurso inverso () por acreditarmos que assim poderemos proporcionar melhor entendimento. Figura 3: Relação entre o caráter particular e o geral dos saberes científicos (elaboração própria) Para exemplificar de que modo os sintomas da “miopia” e mesmo, em terminados casos, cegueira acadêmica pode ocorrer, recordamos a seguinte caracterização fornecida por Bicudo & Guarnica (2001, p. 19), ao defenderem a supremacia da Filosofia da Educação sobre a Filosofia da Matemática: A Filosofia da Educação, por proceder de modo analítico, crítico e abrangente, volta-se para questões que tratam de como fazer educação, de aspectos básicos presentes ao ato do educador como é o caso do ensino, da aprendizagem, de propostas político-pedagógicas, do local onde a educação se dá e, de maneira sistemática e abrangente, as analisa, buscando estender seu significado para o mundo e para o próprio homem. De modo semelhante, os mesmos autores definem a Filosofia da Matemática como uma área em que: Proceder conforme o pensar filosófico, ou seja, mediante a análise critica, reflexiva, sistemática e universal, ao tratar de temas concernentes à região s a i b a m a i s ! Para conhecer um pouco mais sobre a Filosofia das Ciências, acesse o site: http://www.lusosofia.net/textos/serra_paulo_ filosofia_e_ciencia.pdf 15AULA 1 TÓPICO 1 de inquérito da matemática, diferencia-se da matemática, pois não se dispõe a fazer matemática, construindo o conhecimento desta ciência, mas dedica- se a entender o seu significado no mundo, o sentido que faz para o homem, de uma perspectiva antropológica e psicológica, a lógica da construção do seu conhecimento, os modos de expressão pelos quais aparece e materializa- se, cultural e historicamente, a realidade dos seus objetos, a gênese do seu conhecimento (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 27). Neste ponto registramos que a “miopia” acadêmica acontece quando pensamos que, de um ponto de vista prático e utilitarista, seria mais importante para o professor de matemática um razoável conhecimento em Filosofia da Educação em detrimento da Filosofia da Matemática. Tal patologia intelectual pode ocorrer também quando acreditamos de modo ingênuo que, compreendendo a Filosofia da Educação, consequentemente, o professor compreenderá a Filosofia da Matemática. E, por fim, com vistas finais ao ensino de matemática propriamente dito, qual das duas se apresenta de maior relevância para o futuro professor de matemática? Recordamos um pressuposto simples e recorrentemente descuidado por profissionais que desconhecem o real e o concreto efetivo significado da regência numa aula de Matemática, que se refere ao fato de que a maior parte do tempo despendido pelo professor na escola é dedicada à ação de dar aula de Matemática. Assim, a retórica que identificamos na definição fornecida por Bicudo & Guarnica (2001) relativa à Filosofia da Educação, em termos práticos, em nada melhorará ou aperfeiçoará a ação que mencionamos. Nesse sentido, destacamos a relevância de um saber vinculado e determinado pelo saber matemático que poderá proporcionar o aperfeiçoamento da ação docente, de acordo com o que exibimos na Figura 1. Antes de apresentarmos nosso argumento final, discutiremos outras questões levantadas por Bicudo & Guarnica (2001, p. 27) quando afirmam que: As perguntas básicas da filosofia – “O que existe?”, “O que é o conhecimento?”, “O que vale?” -, são trabalhadas pela filosofia da matemática, focalizando-se especificamente nos objetos da matemática. Desdobram-se em termos de “Qual a realidade dos objetos da matemática?”, “Como são conhecidos os objetos matemáticos e quais os critérios que sustentam a veracidade das afirmações matemáticas?”, “Os objetos e as leis matemáticas são inventadas (construídas) ou descobertas?”. Mais adiante os autores destacam que o tratamento destas questões é relevante para a autocompreensão da Matemática e necessário para a definição de 16 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica propostas curriculares, por determinar escolhas de conteúdos, atitudes de ensino, expectativas de aprendizagem, indicadores de avaliação (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 27). Depois destas ponderações, acreditamos ser insustentável a crença de que a formação em Filosofia da Educação deve anteceder qualquer formação e informação relativa à Filosofia da Matemática. Além da maior importância da Filosofia da Matemática, no que diz respeito à instrumentalização efetiva do futuro mestre, assumir este posicionamento implica aceitar o diagrama que propomos (Figura 3), ou melhor, significa compreender o particular, para depois compreender o geral. Vários epistemólogos nos fornecem esta lição, entre eles podemos citar Karl Popper e Thomas Khun. Como tencionamos nesta primeira parte descrever os pressupostos iniciais que adotaremos neste curso, inclusive suas implicações para o ensino de Matemática, recordamos ainda que a Filosofia da Matemática interessa-se por questões de caráter: (i) ontológico: o que existe em Matemática; (ii) epistemológico: como se conhece o que existe em Matemática e o que pode ser considerado conhecimento matemático; (iii) axiológico: quando um conhecimento matemático pode ser considerado como verdadeiro. Estes questionamentos podem nos fornecer elementos para compreender os processos necessários que tornam nossas crenças matemáticas em conhecimento matemático válido. Figura 4:Relações entre conhecimento e crença matemática Muitas destas questões serão discutidas e significadas dentro da própria Matemática, uma vez que esta é, em tese, a área de maior interesse do futuro professor de Matemática. Para finalizar, destacamos uma área de investigação, internacionalmente firmada e reconhecida, chamada Filosofia da Educação Matemática. Tal área de inquérito investigativo é assim caracterizada: 17AULA 1 TÓPICO 1 Por focalizar a matemática no contexto da educação, a Filosofia da Educação Matemática também se coloca questões sobre o conteúdo a ser ensinado e a ser apreendido e, desse modo, necessita de análises e reflexões da filosofia da matemática sobre a natureza dos objetos matemáticos, da veracidade do conhecimento matemático, do valor da matemática (BICUDO; GUARNICA, 2001, p. 30). Esta área de investigação será retomada por nós no final de nossos estudos. Assim, para prosseguir de acordo com o que acreditamos ser o mais compreensível para o leitor (Figura 3), detalharemos a partir deste ponto outras questões relacionadas ao saber matemático. Nesta aula, discutimos e demarcamos alguns elementos essenciais relacionados com a Filosofia das Ciências e Filosofia das Matemáticas. No próximo tópico introduziremos outros elementos que diferenciam e distinguem a evolução do saber matemático no contexto científico de qualquer outro saber acadêmico. 18 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Como mencionamos sem maiores detalhes na seção anterior, a Matemática, tradicionalmente, foi vista como paradigma para certos conhecimentos, desde que foi erigida há 2500 anos com Euclides, como bem atesta Ernest (1991, p. 4). Nos séculos subsequentes, sua influência continuou a se mostrar promissora e frutífera para inúmeros campos do saber. De fato, Ernest (1991, p. 4) recorda que: Desde a época de Euclides até o final do século XIX, seu paradigma foi explorado para estabelecer a verdade e a certeza. Newton usou alguns elementos no seu Principia encontrados ainda nos Elementos de Euclides; Spinoza em sua estética [...] A matemática desde muito tempo tem sido tomada como fonte de muitos saberes da raça humana. Ernest adverte que conhecimento é a base na qual assentamos todas nossas afirmações. Explica ainda que conhecimento a priori consiste em proposições que são produzidas unicamente assentadas ou sustentadas pela razão, sem o TÓPICO 2 A natureza do conhecimento matemático ObjetivO • Discutir a natureza do saber matemático e alguns exemplos de ordem lógica formal v o c ê s a b i a? Conhecimento a priori: a priori (do latim, « partindo daquilo que vem antes »), expressão do âmbito filosófico que designa uma etapa para se chegar ao conhecimeto válido, que consiste o pensamento dedutivo. Note-se que o conhecimento proposicional não pode ser adquirido, incorporado por meio da percepção, introspecção, memória ou testemunho. É, deste modo, uma anterioridade lógica e não cronológica que é designada na noção “a priori”. Tal conhecimento se complementa com o conhecimento a posteriori, que designa aquele que adquirimos com a experiência mundana. 19AULA 1 TÓPICO 2 recurso da observação do mundo real (ERNEST, 1991, p.4). Aqui, a razão empregada pelo autor consiste no recurso de lógica dedutiva e significados de termos, tipicamente encontrados em definições. Em oposição, conhecimento a posteriori ou conhecimento empírico consiste em proposições produzidas com respeito a uma base de experimentos e observações do mundo real. Mais adiante, Ernest (1991, p.4) esclarece: O conhecimento matemático é classificado como conhecimento a priori, desde que consista de proposições e seja fundamentado a partir da razão. Razão que inclui lógica dedutiva e definições que são usadas em conjunção de axiomas e postulados, como base para a obtenção de inferências. Todavia, a fundação do conhecimento matemático consiste em investigar a verdade nas proposições matemáticas, consiste no método dedutivo. Vamos trazer para ilustrar nossa discussão o problema relacionado ao princípio de indução matemática abordado pelo matemático Giuseppe Peano (1858- 1932). Para tanto, é importante recordarmos o conjunto ={1,2,3,.....,....,...} , que é chamado de conjunto dos números naturais que estão relacionados de modo íntimo com a noção de conjunto enumerável (LIMA, 2004). Lima (2004, p. 32) explica que os axiomas de Peano exibem os números naturais como “números ordinais”, isto é, objetos que ocupam lugares determinados numa sequência ordenada. O axioma de Peano é enunciado do seguinte modo: Existe uma função injetiva ®:s . A imagem ( )s n de cada número natural În chama-se o sucessor de ‘n’; Existe um único número natural Î1 tal que ¹1 ( )s n para todo În ; Se um conjunto ÌX é tal que Î1 X e Ì( )s X X , isto é, se Î ® Î( )n X s n X , então =X . Tais condições podem ser reformuladas do seguinte modo: (i’) Todo número natural tem um sucessor, que ainda é um número natural; números diferentes têm sucessores diferentes; (ii’) Existe um único número natural ‘1’ que não é sucessor de nenhum outro; (iii’) Se um conjunto de números naturais contém o número ‘1’ e contém também o sucessor de cada um dos seus elementos, então esse número contém todos os números naturais. Lima (2004, p. 33) principia uma discussão filosófica ao declarar que: 20 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Do ponto de vista de Peano, os números naturais não são definidos. É apresentada uma lista de propriedades gozadas por eles (os axiomas) e tudo decorre daí. Não interessa i que os números são; (isto seria mais um problema filosófico) o que interessa é como eles se comportam. Embora os axiomas por ele adotados já fossem conhecidos por Dedekind, tudo indica que Peano trabalhou independentemente. O mais importante não são quais os axiomas ele escolheu e sim qual a atitude que ele adotou, a qual veio a prevalecer na Matemática atual, sob o nome de método axiomático. Por outro lado, o que destacamos há pouco nada possui ou apresenta de filosófico, todavia a descrição que fizemos acima, com destaque para o item (iii), que caracteriza o princípio de indução matemática, é pura Filosofia da Matemática. Caraça (1951, p. 4) referenda nosso posicionamento quando comenta que: A ideia de numero natural não é um produto puro do pensamento humano, independentemente da experiência; os homens não adquirem primeiro os números naturais para depois contarem; pelo contrário, os números naturais foram-se formando lentamente pela prática diária de contagens. A imagem do homem criando de uma maneira completa a ideia de número, para depois aplicar à prática da contagem, é cômoda, mas falsa. Note-se que, dependendo do sistema matemático formal, o conjunto ={0,1,2,3,.....,.....} ou ={1,2,3,.....,.....} . De fato, quando consideramos a teoria aritmética dos números, o primeiro conjunto é assumido, e quando estudamos os conteúdos de Análise Real, o conjunto é assumido sem o zero ‘0’. Lima (2004, p. 150) se manifesta do seguinte modo: Sim e não. Incluir ou não o número 0 no conjunto dos números naturais é uma questão de preferência pessoal ou, mais objetivamente, de conveniência. O mesmo professor ou autor pode, em diferentes circunstâncias, escrever Î0 ou Ï0 . Como assim? Consultemos um tratado de Álgebra. Praticamente em todos eles encontramos ={0,1,2,3,.....,.....} . Vejamos um livro de Análise. Lá achamos quase sempre ={1,2,3,.....,.....} . s a i b a m a i s ! A criação de um símbolo para representar o nada constitui um dos atos mais audazes do pensamento, uma das maiores aventuras da razão. Essa criação é relativamente recente (talvez pelos primeiros séculos da era cristã) e foi devida às exigências da numeração escrita. (CARAÇA, 1951, p. 6). 21AULA 1 TÓPICO 2 Ernest (1991) discute o exemplo da verificaçãoque de fato + =1 1 2 , segundo o sistema axiomático de Peano. Para tanto, assumimos os axiomas que garantem que podemos escrever que =(0) 1s e =(1) 2s . Também a partir da Aritmética de Peano, sabemos que + = = +0 0x x x , para todo Îx . Temos também que + = +( ) ( )x s y s x y , onde Î,x y . Na sequência, o fato banal simbolizado por + =1 1 2 , é verificado formalmente por Ernest (1991, p. 5), após executar dez passos de inferências lógicas como vemos na Figura 5. Figura 5: Passos de inferências lógicas (ERNEST, 1991, p. 5) Alguns dos elementos discutidos anteriormente apontam para a direção de considerar o conhecimento matemático dotado de verdades universais, infalível e não questionável. Essencialmente construído a partir de verdades estabelecidas a priori. Tal perspectiva é o que Ernest (1991, p. 7) chama de visão absolutista da matemática. De acordo com tal visão, o conhecimento matemático fornece o único modo de alcançarmos a verdade. O autor explica ainda que parte deste poder e caráter absolutista é fortalecido por meio do método dedutivo formal. Tal terreno é construído a partir da lógica e pode fornecer absoluta certeza ao conhecimento. Ernest (1991, p. 7- 8) salienta ainda que, no primeiro momento, todos os pressupostos básicos são assumidos a partir da exploração de suas provas e demonstrações. Ademais, os axiomas matemáticos são assumidos como verdade e, a partir da necessidade de considerações anteriores, as definições formais matemáticas são construídas assumindo também valores lógicos verdadeiros. No segundo momento, as regras lógicas e modelos de inferência devem preservar a verdade e conduzir também à verdade. E, verdade deve ser obtida a partir de verdades, por meio do emprego destes modelos lógicos. Ernest (1991, p. 22 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica 8) acrescenta ainda que toda afirmação ou proposição estabelecida num sistema dedutivo deverá conter suas conclusões e, uma vez estabelecido um teorema por meio do método dedutivo, o conhecimento extraído deste teorema deve ser sempre verdadeiro. A visão absolutista da matemática encontrou e enfrentou vários problemas (ERNEST, 1991, p. 8) séculos mais tarde, todavia nos deteremos neste assunto, de modo pormenorizado, nas próximas aulas. Para concluir, destacamos algumas características do saber matemático, fornecidas por Morris Kline: Outro uso básico da matemática, sobretudo nestes tempos modernos, tem sido fornecer uma organização racional para a natureza dos fenômenos. Os conceitos, os métodos e conclusões a respeito de que a matemática constitui o substratum das ciências físicas. (KLINE, 1964, p. 5). Em outro trecho, Kline (1964, p. 6-7) enaltece algumas características da beleza do conhecimento matemático ao declarar que: Além da beleza da estrutura concluída, o uso indispensável da intuição, imaginação árida na criação de provas e conclusões oferece satisfação estética de alta para o criador. Se a percepção e a imaginação, simetria e proporção, a falta de superfluidade, e adaptação exata entre meios e fins são compreendidas em beleza e são características das obras de arte, então a matemática é uma arte com uma beleza própria [...] Grandes pensadores cedem às modas intelectuais do seu tempo como as mulheres fazem a moda no vestuário. Mesmo os gênios criativos para quem a matemática era puramente um hobby prosseguido os problemas que agitavam os matemáticos e cientistas profissionais. No entanto, esses “amadores” e matemáticos em geral, não têm se preocupado principalmente com a utilidade do seu trabalho. Vários autores discutem a natureza do conhecimento matemático. Neste âmbito de reflexão, podemos perceber que determinadas facetas filosóficas dificilmente seriam percebidas por um estudante que não apresente uma formação em Matemática além da escolar. Este assunto será retomado por nós adiante, por ora, apresentamos, na seção seguinte, alguns dos precursores do pensamento matemático filosófico ocidental. 23AULA 1 TÓPICO 3 TÓPICO 3 Os precursores da filosofia ObjetivO • Conhecer os principais pensadores que estabeleceram o terreno fértil para a Filosofia da Matemática Nesta parte discutiremos alguns dos principais pensadores gregos que mais contribuíram para o estabelecimento inicial de algumas doutrinas na Matemática, com destaque para Platão e Aristóteles. A primeira figura ilustre a ser lembrada quando falamos de Filosofia da Matemática é Platão. No que diz respeito ao período de formação de Platão, Barbosa (2009, p. 27) explica: É muito provável que Platão, em torno de seus vinte anos, tenha conhecido Sócrates e freqüentado o seu círculo, não com o intuito de se tornar um filósofo, mas com o propósito de, mediante o estudo da filosofia, aprimorar seus conhecimentos para a vida política. Todavia, o destino, sempre caprichoso, mudaria por completo os rumos de seus objetivos. v o c ê s a b i a? Platão é sempre lembrado pelas ideias e concepções que influenciou os românticos da matemática. Nasceu em 428/427 a.C. e foi descendente de uma família ateniense de classe alta. s a i b a m a i s ! Platão sustenta que há ideias eternas e independentes dos sentidos, como o um, o dois, etc., ou seja, as Formas Aritméticas e outras como o ponto, a reta, plano, que são as Formas Geométricas. Quando enunciamos propriedades ou relações entre esses entes, estamos descrevendo relações entre as Formas (CURY, 1994, p. 42). 24 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Platão identifica, nas discussões de sua época, a dicotomia instalada entre a retórica e a filosofia. Neste contexto, os sofistas que tinham como objetivo a formação do espírito e a multiplicidade de métodos determinam esta discussão. Neste sentido, Barbosa (2009, p. 28) declara: Enquanto matemática e filosofia se animam mutuamente na ampliação dos horizontes especulativos da realidade circundante, a sofística vem a preencher, no contexto do conhecimento, um espaço outrora vazio, visto que, ao contrário das duas primeiras, não tem como escopo um saber teórico ou científico, mas trata de uma exigência de ordem estritamente prática. O resultado desta discussão foi a primazia do conhecimento enciclopédico e intelectualizante que herdamos até nossos dias; assim sendo, esse novo “saber enciclopédico” (polimathia) e estruturado passou a representar um fenômeno que veio a formular os conceitos ocidentais da educação como difusão do saber (BARBOSA, 2009, p. 28). No que se refere à contribuição específica de Platão com respeito à Filosofia da Matemática, Barbosa (2009, p. 37) adverte: Quando nos referimos ao platonismo na esfera da filosofia da matemática, não podemos atribuir uma doutrina a Platão da mesma forma como associamos, por exemplo, o logicismo a Frege e Russell, isto é, como um corpo de preceitos, um sistema filosófico em sua acepção moderna. E isso ocorre justamente porque não era essa a intenção de Platão. Ele estaria mais preocupado em estimular as pessoas a pensar, colocando deste modo as almas no caminho certo do conhecimento puro e desinteressado, que outrora vislumbraram antes de serem condenadas ao devir mundano, a esse doloroso vir-a-ser, e sofrer as tribulações do corpo e a ignorância da mente. at e n ç ã o ! Platonismo: Corrente filosófica baseada no pensamento do seu precursor, Platão, talvez a mais conhecida, recordada e de implicações ainda hoje discutida por estudos acadêmicos. Sua escola, dos séculos IV até I a.C. foi responsável pela sistematização e aprofundamento de suas concepções. at e n ç ã o ! Sofistas: constituíram de grupos de mestres que viajavam pelas cidades realizando aparições e eventos públicos para distrair curiosos e estudantes. Os mesmos cobravam taxas pelo serviço fornecido. Seu foco principal concentrou- se no logos ou no discurso, com preocupação nasestratégias de argumentação. 25AULA 1 TÓPICO 3 Barbosa (2009), no excerto acima, faz referência a uma corrente filosófica absolutista da Matemática conhecida como logicismo. Discutiremos as principais características desta corrente nas próximas aulas. De qualquer modo, são esclarecedoras suas palavras na medida em que explicam as intenções iniciais do antigo filósofo, e é interessante conhecer as consequências que tiveram e as implicações desta ideologia ou doutrina do platonismo com relação ao saber matemático. Neste contexto, Barbosa (2009, p. 37) acrescenta ainda: Uma boa parte do platonismo, assim como nós o conhecemos hoje, é, portanto, uma criação posterior a Platão. O platonismo na moderna filosofia matemática é descrito como uma teoria que trata das verdades das proposições matemáticas, sendo “usualmente tomado como um tipo de realismo, equivalente a crença de que os objetos da matemática tais como os números literalmente existem independentes de nós e de nossos pensamentos a respeito deles”. Segundo Silva (2007, p. 37), para Platão, as entidades matemáticas constituem um domínio objetivo independente e auto-suficiente, ao qual temos acesso pelo entendimento. Para outro importante personagem grego, Aristóteles, os entes matemáticos têm uma existência parasitária dos objetos reais – uma vez que os objetos matemáticos só existem encarnados em objetos reais – e só nos são revelados com o concurso, ao menos em parte, dos sentidos. Silva (2007, p. 37-38) diferencia de modo eficiente as duas perspectivas desenvolvidas por estes dois pensadores ao declarar que: Para Platão, o mundo real apenas reflete imperfeitamente um mundo puro de entidades perfeitas, imutáveis e eternas – os conceitos matemáticos entre elas. Para Aristóteles, o mundo sensível é a realidade fundamental, os entes matemáticos são ‘extraídos’ dos objetos sensíveis por meio de operações do pensamento, e os conceitos matemáticos são apenas modos de tratar o mundo real. [...] De um lado o racionalismo de Platão, que atribui à razão humana o poder de penetrar nos domínios supra-sensíveis da matemática, e o seu realismo ontológico transcendente, que afirma que a existência independente dos entes matemáticos num reino fora deste mundo; de outro, o empirismo de Aristóteles, que se recusa a dar morada aos entes matemáticos em qualquer outro reino que não o deste mundo, e o seu realismo ontológico imanente, que garante, ele também, uma existência dos objetos matemáticos independentemente de um sujeito [...]. 26 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Silva (2007, p. 40) sublinha que, para Platão, existe uma pluralidade de números matemáticos. Para ele, não existem vários números ‘2’, e sim a ideia de dois. Se existisse no mundo ideal apenas um número 2, que sentido teria a identidade + =2 2 4 , na qual comparecem duas instâncias da ideia de ‘2’ (SILVA, 2007, p. 40). Essa identidade não pode ser uma relação entre Ideias numéricas – sendo entidades singulares elas não admitem cópias de si próprias – mas entre números, que precisam então existir em abundância. Platão teve assim que admitir a existência, além da perfeita Ideia de 2, das várias instâncias perfeitas desta Ideia (SILVA, 2007, p. 40). Outros conceitos estudados por Platão que merecem atenção são os conceitos de números pares e números ímpares. Barbosa (2009, p. 48) acrescenta que os conceitos de par e ímpar permeiam toda a aritmética platônica, sendo eles capazes de gerar todos os outros números. Esta dualidade pode indicar certa concordância com o pitagorismo. E ainda, Platão teria utilizado os números dois e três precisamente por se tratarem dos primeiros par e ímpar, respectivamente. Na Antiguidade, em geral, não se considerava o um como número (BARBOSA, 2009, p. 48). Não podemos esquecer as preocupações de Platão com o ensino e, com respeito a isto, Barbosa (2009, p. 49) ilustra: Voltando ao método da hipótese, ele é também utilizado no Mênon. Nesse diálogo, Platão faz uma brilhante exposição do método socrático como instrumento de ensino, quando primeiramente leva o escravo a reconhecer o próprio erro, e depois o induz ao conhecimento certo. O problema colocado para o escravo é o de calcular a área de um quadrado de lado 2. Feito isso, Sócrates questiona o jovem escravo sobre o que aconteceria com cada linha deste quadrado se a sua área fosse duplicada [...] Sócrates constrói com o escravo um novo quadrado sobre aquele inicialmente dado, o que tem lados com medida de 2 pés, prolongando os seus lados até que atinjam a medida 4 pés. O escravo parece estarrecido ao notar que o quadrado construído com as linhas duplicadas do quadrado original tem o quádruplo de sua área. at e n ç ã o ! A filosofia da Matemática de Aristóteles foi desenvolvida, em parte, em oposição a de Platão, pois ele critica a Teoria das Formas, dizendo que ela não é racional. Para Aristóteles, cada objeto empírico, cada ser existente, é uma unidade e não existe separado de sua forma ou essência (CURY, 1994, p. 47). 27AULA 1 TÓPICO 3 O discípulo de Platão, Aristóteles (384 – 322 a. C.), permitia-se discordar do mestre. Em primeiro lugar, Aristóteles não admitia a existência de um reino transcendente de Ideias e formas matemáticas. As formas geométricas e numéricas existem, para Aristóteles, apenas como aspectos de objetos e coleções de objetos reais (SILVA, 2007, p. 43). Para Aristóteles, os objetos matemáticos são uma abstração apenas ou, na pior das hipóteses, uma ficção útil (SILVA, 2007, p. 44). Eles não têm existência separada dos objetos empíricos, são apenas aspectos delas, e se por vezes pensamos como independentes, isto é, não tem maiores consequências. Um objeto empírico é um objeto matemático na medida em que nós podemos considerá-lo do ponto de vista de seu aspecto matemático, ou seja, como um objeto matemático (SILVA, 2007, p. 44). Machado (1994, p. 21) fornece uma distinção interessante quando declara: Enquanto que para Platão, os enunciados matemáticos eram verdadeiros por serem descrições de, ou relações entre, formas matemáticas de existência objetiva. Aristóteles reabilita o mundo empírico bem como o trabalho do matemático. E recoloca a questão de os objetos matemáticos e os enunciados serem verdadeiros ou falsos não em termos absolutos, mas por serem mais ou menos adequados à representação do mundo empírico, adequação esta relativa a algum fim que se objetiva. Diferentemente de Platão, Aristóteles se volta à estrutura das teorias matemáticas, aos sistemas de proposições. Aristóteles vislumbra a necessidade e o método que identificamos até nossos dias que diz respeito à organização das proposições nas hipóteses iniciais, logicamente necessárias e nas proposições dedutíveis a partir delas, tratando especificamente de estruturar as possíveis deduções (MACHADO, 1994, p. 21). Suas concepções podem ser consideradas as precursoras do pensamento que motivou os princípios que passaram a regular e caracterizar as subdivisões sucessivas da matemática em várias ramificações (no caso das geometrias: Geometria Euclidiana, Geometria Diferencia, Geometria Hiperbólica, Geometria Riemanniana, etc). Silva (2007, p. 45) diferencia o pensamento aristotélico do seguinte modo: Analogamente, para Aristóteles, a matemática estuda objetos sob certos aspectos apenas, uma bola como uma esfera, um par de dois livros como dois. Ao fazer isso, abstraímos da bola a sua forma geométrica e da coleção de livros sua forma aritmética. Visto assim, Aristóteles, é um empirista em ontologia, 28 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica pois, para ele, apenas os objetos dos sentidos existem realmente, com um sentido pleno de existência. Mas o posicionamento aristotélico produziu respostas inclusive para os limites da abstração humana. Neste sentido, Silva (2007, p. 45) questiona: poderíamos,porém, perguntar, e os números tão grandes que não podem numerar nenhuma coleção real, e as formas geométricas tão esdrúxulas que não podem dar forma a nenhum objeto real (como o miriágono, o polígono de dez mil lados)? O autor acrescenta que a saída vislumbrada por Aristóteles foi admitir que entre os objetos matemáticos também encontramos formas fictícias. Essas, no entanto, por serem construtíveis a partir de certas formas reais, são possíveis na realidade (SILVA, 2007, p. 45). De fato: Um número muito grande pode ser construído, por adição sucessiva de unidades, a partir de qualquer número pequeno dado, e o miriágono pode ser construído a partir de figuras geométricas reais, como círculos e segmentos de reta. Assim, numa compreensão mais ampla, a matemática, segundo Aristóteles, trata não apenas de formas abstratas atuais, mas também de formas abstratas possíveis (SILVA, 2007, p. 45). Para concluir nossas considerações sobre Aristóteles, vale destacar as ponderações devidas a Machado (1994, p. 22) quando destaca: Em resumo, poderíamos dizer que a posição de Aristóteles no que se refere à relação da Matemática com a realidade pode ser situada, simultaneamente, na origem tanto do realismo como do idealismo modernos, na medida em que, por um lado, reabilita o mundo empírico e, por outro lado, o trabalho do matemático deixa de ser um mero caçador de borboletas no mundo perfeito das Formas, vislumbrando a possibilidade dele mesmo ser um ‘fabricante’ de borboletas. O posicionamento assumido por Aristóteles em relação à Matemática pode ser compreendido também nas palavras de Silva (2007, p. 46), quando explica: Como a entendo, a abstração aristotélica, a operação pela qual consideramos objetos e coleções de objetos empíricos como objetos matemáticos, comporta também um elemento de idealização. Tratar uma bola como uma esfera é uma operação complexa: abstrair-se da bola a sua forma mais ou menos esférica e, simultaneamente, idealiza-se essa forma, isto é, desconsideram-se as diferenças 29AULA 1 TÓPICO 3 entre ela e a esfera matemática perfeita (determinada pela sua definição como o lugar geométrico dos pontos espaciais eqüidistantes de um centro). Uma esfera matemática é, assim, a idealização de um aspecto da bola, e só assim ela existe. A Matemática como a conhecemos hoje é o exemplo mais puro e clássico de ciência dedutiva, e várias outras áreas do conhecimento buscaram e adaptaram, na medida do possível, alguns de seus pressupostos e paradigmas de rigor. De fato, é relevante a influencia do pensamento aristotélico no desenvolvimento da ciência em geral (SILVA, 2007, p. 50). Aristóteles entendia a Matemática como um edifício logicamente estruturado de verdades encadeadas em relações de conseqüência lógica a partir de pressupostos fundamentais não demonstrados (2007, p. 50). Aristóteles contribuiu também com relação às noções metamatemáticas (propriedades elementares da metodologia das ciências dedutivas) fundamentais, como as de axioma, definição, hipótese e demonstração. Aristóteles critica o modelo de demonstrações em Matemática que conhecemos por redução ao absurdo. O mesmo considera-as não explicativas, isto é, sabe-se que algo é verdadeiro sem saber por que é verdadeiro (SILVA, 2007, p. 52). A este respeito, Silva (2007, p. 52) comenta: Demonstrações por redução ao absurdo (para se demonstrar que uma asserção qualquer A, supõe-se a falsidade de A e obtêm- se como conseqüência uma falsidade qualquer ou, equivalentemente uma contradição. O que mostra que A não pode ser falsa, sendo, portanto, verdadeira) ocorrem com freqüência na matemática grega, em particular no método da exaustão de Arquimedes, que envolve uma dupla redução ao absurdo. A introdução de métodos infinitarios na matemática do século XVII, em especial por Cavalieri, visava em grande medida substituir demonstrações por exaustão por demonstrações diretas, causais, respondendo assim às demandas aristotélicas. Em vários aspectos podemos dizer que os germes da ideia da importância de uma ciência dedutiva e o poder da lógica puramente formal encontram-se nas concepções aristotélicas. Nesta perspectiva, à matemática formal não importa o significado nem a veracidade das asserções, mas v o c ê s a b i a? Zenão de Eléia foi um filósofo pré-socrático e foi discípulo de Parmênides. Das suas descobertas, destacamos a dialética clássica, o modo de argumentar que consiste em derivar contradições das teses do opositor ao seu discurso. Zenão utilizou o método na defesa das ideias de Parmênides acerca da unidade do ente e da impossibilidade do movimento, propondo algumas contradições ou aporias, que desafiaram os seus contemporâneos e intrigam até nossos dias. Ver sua descrição no curso de História da Matemática. 30 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica apenas as relações formais entre elas (SILVA, 2007, p. 51). Mas isto quer dizer que podemos tomá-la apenas como um jogo formal sem nenhuma intenção cognitiva? Este questionamento, fruto de intensas querelas e embates políticos entre os matemáticos, será retomado nas próximas aulas, uma vez que não se tem uma resposta de argumentação satisfatória. Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às contribuições de Aristóteles com relação a algumas noções que funcionam até nossos dias como pedras angulares para o saber matemático. Um destes exemplos e que foi objeto de reflexão para Aristóteles diz respeito à noção de infinito. Em virtude das ponderações aristotélicas, desenvolveram-se as noções de infinito atual e infinito potencial, entretanto, no que diz respeito ao aspecto matemático desta noção, Georg Cantor (1845-1918) forneceu o acabamento final, acrescentando alguns elementos descuidados por Aristóteles. Com relação a tais noções, Silva (2007, p. 51) acrescenta: Devemo-lhes a distinção fundamental entre o infinito atual e o infinito potencial, ou seja, entre a noção de uma totalidade finita em que sempre cabe mais um indefinidamente – o infinito potencial – e uma totalidade infinita acabada. Segundo Aristóteles, aos matemáticos bastava a noção de infinito potencial. Se bem que esta ideia não corresponde à realidade da prática matemática, uma vez que a noção de infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, uma vez que a noção de infinito atual é essencial a muitas teorias matemáticas, ela foi, e ainda é, aceita por muitos matemáticos, que não vêem na matemática do infinito senão uma fonte de absurdos e contradições. Nas próximas aulas, nos deteremos um pouco mais nestas duas noções importantes para a Matemática. Para concluir esta seção, discutiremos ainda parte das contribuições devidas à Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) e Immanuel Kant (1724-1804) . Machado (1994) explica que cerca de dois mil anos se passaram para que a obra aristotélica, enquanto Lógica, fosse retomada e desenvolvida. Segundo Machado (1994, p. 22), Leibniz fornece uma intensa contribuição ao aceitar a pressuposição aristotélica da forma sujeito-predicado de todas as at e n ç ã o ! Acreditamos que a radical mudança na abordagem sobre o infinito promovida por Cantor no final do século XIX pode ser melhor destacada com uma análise sob três ângulos, que interpretamos como três pontos de vista sobre o infinito: o histórico, o filosófico e o matemático. 31AULA 1 TÓPICO 3 proposições. E vai além, ao afirmar que o predicado de uma proposição sempre está contido, em algum sentido, no sujeito. Machado (1994, p. 22) esclarece que: Para Leibniz há duas classes de verdades: as verdades da razão e as verdades dos fatos. As verdades da razão são necessárias e sua negação não faz sentido. A necessidade se exprime através da análise e da conseqüente decomposição em proposições mais simples até que se chegue a um ponto em que a necessidade lógica seja transparente.O princípio que regula a análise é o da não-contradição, que engloba o da não identidade e o do terceiro excluído. Acrescenta ainda que não só as tautologias como também os axiomas, os postulados e os teoremas são verdades da razão, ou seja, são verdades cuja negação é impossível de sustentar sem incorrer em contradições (MACHADO, 1994, p. 23). As verdades da razão enunciam que uma coisa é necessária e universal, não podendo de modo algum ser diferente do que é e de como é. Um exemplo evidente das verdades da razão são as ideias matemáticas. É inquestionável que o triângulo não possua três lados e que a soma dos seus ângulos seja diferente de dois ângulos retos. Outro exemplo interessante de verdade da razão é que um circulo não tenha todos os pontos eqüidistantes do centro. Outra verdade da razão é que não se pode contradizer o que 2+2 seja diferente de 4; é impossível questionar que o todo é maior do que suas partes constituintes. As verdades de fato, por outro lado, são as que dependem de nossa experiência captada no mundo em que vivemos. De fato, elas são obtidas através da sensação, da percepção e da memória. Elas são empíricas e se referem a coisas que poderiam ser diferentes do que são, mas podemos identificar causas que sejam assim. Quando dizemos que uma rosa é branca, nada impede que ela possa ser vermelha ou amarela, mas se ela é branca é porque alguma causa a fez deste modo e aparência. Mas não é acidental ou contingente que ela tenha cor e é a “cor” que possui e envolve uma causa necessária. As verdades de fato são verdades porque para elas funciona e empregamos o principio da razão suficiente, segundo o qual tudo o que existe, tudo o que percebemos e identificamos, e tudo aquilo que temos experiência possui uma causa determinada e identificável e conhecida. Pelo princípio da razão suficiente – isto é, pelo conhecimento das causas – toda a verdade de fato pode tornar-se verdades necessárias e serem consideradas verdades da razão, ainda que para conhecê-las dependamos da experiência mundana. 32 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Machado (1994, p. 23) explica ainda que as verdades dos fatos são proposições empíricas cuja negação não encontra óbices do ponto de vista lógico. É uma verdade da razão que minha caneta é uma caneta ou que + =2 2 23 4 5 . É uma verdade de fato que minha caneta é preta ou que um corpo, abandonado em uma certa altura da Torre de Pisa, cairá até o solo. Machado (1994, p. 23) fornece uma importante distinção: Diferentemente de Platão, para quem diagramas, figuras, cálculo simbólico, foram elementos auxiliares ocasionais, Leibniz acreditava que a representação concreta do pensamento em símbolos adequados era, segundo suas próprias palavras, o “fio de Ariadne” que conduz a mente. E o desenvolvimento que ele imprime à Lógica decorre do seu propósito de criar um método de representar o pensamento através de signos, de características relacionadas com o que se está pensando. Para concluir este tópico, destacamos a figura emblemática da Imanuel Kant. Sua proposta inicial consiste na distinção de duas classes de proposições. As proposições sintéticas: as que são empíricas, ou as sintéticas a posteriori e as que não são empíricas, ou sintéticas a priori. As proposições sintéticas a posteriori dependem, segundo Kant, da experiência sensível, para sua verificação, para sua validação e aceitação. Ou ainda de modo indireto, uma vez que são consequências de inferências proposicionais passíveis de alguma verificação experimental. Por outro lado, Machado (1994, p. 24) explica que: Já as proposições sintéticas a priori não dependem da percepção sensorial para sua validação, nem são analíticas, isto é, nem a sua negação conduz a contradições. São proposições necessárias por constituírem a base, a condição de possibilidade da ciência, da experiência objetiva. s a i b a m a i s ! Experiência sensível: Este termo possui dupla raiz etimológica. A palavra latina experientia de onde deriva a palavra experiência, é originária da expressão grega. Deriva-se também de um uso específico da palavra empírico. s a i b a m a i s ! Validação: Este termo aqui é empregado no sentido restrito ao âmbito da investigação em Matemática Pura, assim, diz respeito à aplicação de paradigmas de testagem e verificação da confiabilidade dos conteúdos matemáticos obtidos. 33AULA 1 TÓPICO 3 Para Kant, todas as proposições da Matemática são sintéticas a priori. Machado (1994, p. 25) explica este posicionamento ao mencionar que: Os objetos do mundo empírico situam-se no espaço e no tempo. Não é possível estudá-los, conhecê-los, investigá-los, percebê-los sensorialmente, sem uma concepção inicial do espaço e do tempo. A estrutura conceitual do par espaço-tempo é que determina o modo como o mundo empírico é apreendido. Esta estruturação é, a uma só vez, sintética e a priori. Ao descrever o tempo e o espaço, descrevemos não impressões sensíveis de algo situado fora de nós, do mundo empírico, mas sim as matrizes permanentes, invariantes, de tais conceitos, que existem em nós, independentemente das impressões sensíveis e que são a condição de possibilidade de atuar no mundo empírico. E a matemática, enquanto se refere ao espaço e ao tempo, é constituída de proposições sintéticas a priori e não analíticas, como anteriormente era considerada. Para concluir, ressaltamos que Kant destacou que os matemáticos são os indivíduos “eleitos” para desvendar os segredos do harmônico universo platônico preexistente, de perquiridores de tal mundo perfeito universo, ou de criadores de abstrações, de conceitos gerais para explicar o mundo, a partir do imperfeito material empírico (MACHADO, 1994, p. 25). O principal mecanismo de acesso a tais entes não se dá mais por meios dos órgãos sensoriais, e sim, por meio da razão introspectiva. As ideias repercutidas por estes personagens emblemáticos receberam séculos mais tarde uma enorme atenção de matemáticos e filósofos modernos. O interessante será reservado a uma análise da forma como tais ideologias ainda se manifestam e condicionam as formas de veiculação e ensino do saber matemático. Na próxima aula, discutiremos as implicações deste pensamento filosófico antigo. s a i b a m a i s ! Para a Geometria, o espaço puro é um dos primeiros pressupostos. A Geometria supõe o espaço sob os seus conceitos de polígonos. Por exemplo, a linha reta é a distância mais curta entre dois pontos (qualquer linha reta = universalidade, em quaisquer condições = necessidade). Embora não tenha em si o princípio de não contradição, e dependa da intuição de espaço e, portanto é sintética, essa afirmação é conhecimento puro ou a priori porque a intuição do espaço está em nossa mente. E uma vez concebida, não depende mais da experiência sensível captada por nossos órgãos sensórios. 34 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica AT I V I D A D E S D E A P R O F U N D A M E N T O 1. Pesquisar exemplos de infinito atual e infinito potencial dentro da Matemática. 2. Pesquisar exemplos de verdades da razão e de verdades dos fatos. 3. Pesquisar exemplos de conhecimentos que não derivam da experiência empírica. 35AULA 2 AULA 2 Filosofia da Matemática Nos próximos tópicos, nos deteremos em alguns dos pressupostos fundamentais assumidos pelas principais correntes filosóficas da Matemática. Uma das implicações mais importantes diz respeito à identificação de distorções e incongruências relacionadas ao ensino de Matemática. Tais distorções se referem à interpretação dos fenômenos relacionados a este ensino sob o viés de teorias pedagógicas de campos de saberes não aplicáveis e insuficientes ao saber matemático. Assim, o conhecimento das correntes filosóficas da Matemática poderá instrumentalizar o futuro professor no sentido de proporcionaruma leitura filosófica de sua própria prática docente. Objetivos • Conhecer as principais correntes absolutistas da Matemática • Conhecer aspectos do “construtivismo” matemático e os fundamentos da teorização de Piaget e suas implicações para o ensino 36 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica Nesta aula discutiremos as principais correntes filosóficas da Matemática. Alguns dos autores escolhidos e consultados ao longo do texto as denominam de correntes absolutistas, pelo fato de não conceber o caráter falível do saber matemático. Um comentário introdutório sobre tais correntes podem ser encontradas em Machado (1994, p. 26) quando esclarece que: As principais concepções a respeito da natureza da Matemática, de sua relação com a realidade, a despeito de suas várias raízes e dos inúmeros filósofos envolvidos, convergiram a partir da segunda metade do século XIX, para três grandes troncos. Estas três grandes correntes do pensamento matemático, cada uma das quais pretendendo fundamentar a Matemática, sua produção, seu ensino, são o Logicismo, o Formalismo e o Intuicionismo. Certamente que a classificação fornecida por Machado (1994) é de caráter esquemático e pedagógico, uma vez que é impossível enquadrar de modo indiscutível todas as concepções nesta camisa-de-força (MACHADO, 1994, p. 26). No contexto histórico, identificamos que, no final do século passado, a Matemática havia-se desenvolvido enormemente, com os trabalhos de Leonhard Euler, Johann Carl Friedrich Gauss (no século XVIII) e as contribuições, principalmente os resultados obtidos por Georg Cantor (no século XIX). TÓPICO 1 As correntes filosóficas da matemática ObjetivO • Conhecer as principais correntes absolutistas da Matemática 37AULA 2 TÓPICO 1 Cury (1994, p. 53) destaca que alguns filósofos matemáticos, no entanto, estavam preocupados com o surgimento de paradoxos e contradições na Lógica e na Teoria dos Conjuntos. Assim, com a intenção de identificar critérios mais rigorosos e confiáveis no sentido de fundamentar a Matemática, desenvolveram-se três escolas de filosofia, cuja influência se faz sentir até os dias atuais: o Logicismo, o Intuicionismo e o Formalismo (CURY, 1994, p. 53). Ao declarar que seus efeitos ainda podem ser identificados nos dias de hoje, Cury faz um parêntese importante que nos auxiliará no aprofundamento com respeito à atividade avaliativa em Matemática. Muitos tentam compreender e descrever este fenômeno específico por meio de teorias “importadas” de outros campos do saber, o que resulta em uma leitura e significação de caráter retórico, pouco operacional no que diz respeito à sua aplicação no ensino efetivo de Matemática. Iniciamos nossa discussão com uma reflexão de Russell (1920, p. 18) quando alerta que: Matemática e lógica, historicamente, têm sidoestudos inteiramente distintos [...] Mas ambos têm se desenvolvido em tempos modernos; a lógica tornou-se mais matemática e matemática tornou-se mais lógica. A conseqüência é que agora se tornou completamente impossível traçar uma linha entre os dois, na verdade os dois são um só [..] A prova da sua identidade é, naturalmente, uma questão de detalhe. No excerto acima identificamos a dificuldade de traçarmos uma linha divisória entre Matemática e Lógica. De fato, até mesmo mentes brilhantes, como a de Bertrand Russell (1872-1970), destacavam tal empecilho. Mas já que introduzimos a polêmica em torno da Lógica, discutiremos inicialmente alguns aspectos relacionados ao Logicismo. Para falar do Logicismo, é necessário falar de Gottlob Frege (1848-1925). Silva (2007, p. 127) acentua que a estratégia logicista de Frege começa com uma releitura das distinções kantianas. Frege nos alerta de saída para nunca confundirmos o lógico com o psicológico. Em sua concepção: A razão é simples, representações são “cópias” das coisas em nossa mente, elas são objetos mentais, e qualquer tentativa de definir analiticidade em termos v o c ê s a b i a? Bertrand Russell foi um matemático, filósofo, lógico e historiador matemático inglês. 38 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica de representações mentais corre o risco de ser contaminada pelo psicologismo. Para Frege, essa distinção entre o a priori e o posteriori, é puramente lógica [...] (SILVA, 2007, p. 127). No trecho acima, Silva expõe a crítica de Frege ao Psicologismo que manifesta preocupação com a interpretação que possamos dar às nossas representações mentais que construímos no decorrer de nossa existência finita no mundo. Seu posicionamento do valor da Lógica é identificado por Silva (2007, p. 126-127) quando menciona: Apesar de concordar com Kant quanto à Geometria, Frege acreditava que a aritmética é analítica, porém em um sentido de analiticidade diferente de Kant. Mais precisamente, para Frege, a aritmética é redutível à lógica, ela nada mais é do que pura lógica. Para fazer prevalecer esse ponto de vista, Frege engajou- se numa luta sem quartel contra as filosofias que, segundo ele, comprometiam o caráter da verdade aritmética em particular os empiristas, para os quais a verdade aritmética é uma generalização da experiência, fundada em sólida base indutiva; e os psicologistas, para os quais os números são entidades mentais e as verdades aritméticas dependem de leis empíricas que regulam nossos processos mentais; isto é, leis da psicologia. Para Frege, uma proposição matemática pode apresentar duas naturezas distintas. De fato, temos uma proposição analítica quando a demonstração desta proposição envolve apenas leis lógicas gerais e definições formais. Se, pelo contrário, qualquer demonstração de uma proposição recorre ao emprego de verdades de escopo limitado (como os axiomas da geometria), ela será uma proposição sintética. Ademais, quando a mesma proposição utiliza verdades particulares, embora não demonstráveis (como as asserções que expressam os dados imediatos dos sentidos), ela será uma proposição a posteriori. E quando em tal proposição observamos que sua demonstração se fundamenta em fatos e verdades gerais, ela será a priori (SILVA, 2007, p. 127). De modo resumido, temos o quadro sistemático de classificação segundo as concepções de Frege. s a i b a m a i s ! O Empirismo é descrito e caracterizado pelo conhecimento científico, a sabedoria é adquirida por intermédio da apreensão perceptual, pela origem das ideias por onde captamos e percebemos as coisas, de modo independe de seus objetivos e significados. E pela relação de causa-efeito por onde fixamos nossa mente, o que é percebido/ identificado atribui à percepção causas e efeitos. 39AULA 2 TÓPICO 1 Proposições Características Quanto à demonstração Proposição sintética Emprega verdades de escopo limitado para assegurar sua validade Quando recorre apenas a verdades gerais (a priori) Proposição analítica Sua verificação envolve o recurso de leis gerais da lógica e definições formais Quando se fundamenta em verdades particulares, não demonstráveis (a posteriori) Quadro 1: Propriedades das proposições (SILVA, 2007, p. 133) Dando continuidade ao pensamento da corrente Logicista, encontramos o matemático e filósofo Bertrand Russell. Silva (2007, p. 134) diz que Russell não foi tão pessimista quanto Frege sobre o destino do programa logicista. Seu pensamento pode ser contemplado no seguinte trecho: A matemática é um estudo que, quando iniciado de suas partes mais familiares, pode ser levado a efeito em duas direções opostas. A mais comum é construtivista, no sentido da complexidade gradativamente crescente: dos inteiros para as frações, os números reais, os números complexos, da adição e multiplicação para a diferenciação e integração e daí para a matemática superior. A outra direção, que é menos familiar, avança, pela análise, para a abstração e a simplicidade lógica sempre maiores; em vez de indagar o quepode ser definido e deduzido daquilo que se admita para começar, indaga-se que mais ideias e princípios gerais podem ser encontrados, em função dos quais o que fora o ponto de partida possa ser definido ou deduzido. É o fato de seguir essa direção oposta é que caracteriza a Filosofia da Matemática, em contraste comum com a matemática (RUSSELL, 1981, p. 9, apud SILVA, 2007, p. 135). Note-se que, no trecho acima, apesar de extenso, há espaço para a inspiração adequada para nossa discussão. Observamos a distinção do termo construtivismo em Matemática. Russell faz indicações concretas a respeito da necessidade de construção progressiva dos conceitos matemáticos, passo a passo. Neste sentido, destaca o papel da abstração humana como a capacidade ontológica do indivíduo que proporciona determinados saltos, avanços e retrocessos qualitativos do indivíduo. Nesse sentido, Russell (1981, p. 9) salienta que os antigos geômetras gregos ao passarem das regras de agrimensura empíricas egípcias e proposições gerais pelas 40 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica quais se constatou estarem aquelas regras justificadas, e daí para os axiomas e postulados de Euclides, estavam praticando a Filosofia da Matemática. Por outro lado, uma vez atingido os axiomas e postulados, o seu emprego dedutivo, como testemunhamos em Euclides, pertencia à matemática no sentido comum. A distinção entre matemática e filosofia da matemática depende do interesse que inspire a pesquisa e da etapa por esta atingida e não das proposições às quais a investigação esteja afetada (RUSSELL, 1981, p. 9). Russell, considerado um filósofo logicista, ressaltava alguns aspectos que deveriam ser tomados com vigilância pelos próprios logicistas. Em suas palavras, percebemos alguma destas ressalvas: Uma vez toda a matemática pura e tradicional reduzida à teoria dos números naturais, o passo seguinte na análise lógica, foi reduzir essa própria teoria ao menor conjunto de premissas e termos não definidos dos quais se pudesse ser derivada. Esse trabalho foi realizado por Peano. Ele mostrou que toda a teoria dos números naturais podia ser derivada de três ideias primitivas e cinco proposições primitivas, além daquelas da Lógica pura. Essas três ideias e cinco proposições tornaram-se, desse modo, por assim dizer, as garantias de toda a matemática pura. Seu “peso” lógico, caso se possa usar tal expressão, é igual ao de toda a série de ciências deduzidas da teoria dos números naturais; a verdade das cinco proposições primitivas, desde que, naturalmente, nada haja de errôneo no aparato lógico também envolvido (1981, p. 12). A principal tese logicista foi defendida por Russell, Whitehead, na fundamental obra Principia Mathematica. O autor pretendia derivar as leias da Aritmética e, de resto, toda a Matemática, das leis da Lógica normativa elementar. Muito cedo, porém, a Lógica aristotélica, mesmo incorporando os desenvolvimentos de Leibniz, bem como os que seguiram, mostrou-se pequena demais para tal tarefa (MACHADO, 1994, p. 27). Neste sentido, Machado (1994) aponta os seguintes objetivos propostos pelos logicistas: a) todas as proposições matemáticas podem ser expressas na terminologia lógica; b) todas as proposições matemáticas verdadeiras são expressões de verdades lógicas. Cury (1994, p. 54) menciona que alguns dos logicistas mereceram destaque, como Russell e Whitehead. Cury chama atenção para o coroamento das pesquisas de vários matemáticos que antecederam os logicistas. Neste sentido, destacamos 41AULA 2 TÓPICO 1 o simbolismo exagerado e a formalização presentes na obra escrita por Russell intitulada Principia Mathematica mostram que, para os seus autores, a matemática existe em um “céu platônico”, desligada dos problemas humanos. Cury (1994, p. 54) destaca, no entanto que: [...] a tentativa de Russell e Whitehead de mostrar que a matemática clássica pode ser reduzida à Lógica não estava completa. Para evitar os paradoxos e as críticas que surgiam à sua obra, Russell teve que edificar a teoria dos tipos e assumir o axioma do infinito, que não tem caráter lógico estrito, pois é uma hipótese sobre o mundo real. Assim, o programa logicista não teve êxito em sua tentativa de assegurar a visão absolutista da matemática. No final de sua vida, Russell abandonou a visão platônica em que se apoiara nos seus trabalhos iniciais, talvez pelo desencanto em relação às possibilidades de fundamentar a matemática (CURY, 1994, p. 54). Machado (1994, p. 27) salienta que: A Lógica elementar contém regras de quantificação que provêem a matemática de instrumental eficiente quando se trata de frases onde esteja bem-estabelecida a caracterização do indivíduo e do atributo, distinção essa que sabemos de raízes aristotélicas. Entretanto, ela não admite, sem enfrentar dificuldades, regras de quantificação para expressões bem-formadas onde atributos são tratados como indivíduos. Assim, frases do tipo “todos os indivíduos i têm o atributo A” ou “existe um indivíduo i que tem o atributo A” não oferecem problemas; mas frases como “todos os atributos A têm o atributo B” ou “existe um atributo A que tem o atributo B” conduziriam a dificuldades lógicas. Machado (1994) discute o Paradoxo de Russell, que consiste em uma situação contraditória descoberta por Bertrand Russell em 1901 e que prova que a teoria de conjuntos de Cantor e Frege é contraditória. Consideramos então o conjunto M como definido “conjunto de todos os conjuntos que não se contêm a si próprio como membro. Empregando a notação matemática, escrevemos A é elemento pertencente de M se, e somente se, A não é elemento de A, ou seja, : { ; A A}M A= Ï . No sistema concebido por George Cantor, M é um conjunto bem definido. A questão que se apresenta diz respeito da possibilidade de M conter-se a si mesmo? Ora, se as resposta é sim, não é membro de M, de acordo com a definição estabelecida há pouco. Por outro lado, supondo que M não se contém a si mesmo, tem de ser membro de M, de acordo mais uma vez com a definição de M. Deste modo, as afirmações “M é membro de M” e “M não é membro de M” conduzem ambas http://pt.wikipedia.org/wiki/Bertrand_Russell http://pt.wikipedia.org/wiki/1901 http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_de_conjuntos http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_de_conjuntos http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Cantor http://pt.wikipedia.org/wiki/Gottlob_Frege 42 F i loso f ia das C iênc ias e da Matemát ica a inconsistências e contradições. Já no sistema devido a Frege, M corresponde ao conceito e não recai no conceito de sua definição. O sistema de Frege conduz ainda a outras contradições. Para concluir, vamos recordar o Paradoxo do Barbeiro de Sevilha. Tal paradoxo é explicado a partir da Lógica e da Teoria dos Conjuntos. O paradoxo envolve uma aldeia onde, todos os dias um barbeiro faz a barba de todos os homens que não se barbeiam a si próprios e a mais ninguém. Ora, tal aldeia pode existir? O raciocínio nos conduz a duas possibilidades: i) se o barbeiro não se barbeia a si mesmo, então terá de fazer a barba de si mesmo; (ii) se o barbeiro se barbear a si mesmo, de acordo com a regra estabelecida, ele não pode se barbear a si mesmo. A regra anterior caracteriza uma situação indecidível. O paradoxo costuma ser atribuído a Bertrand Russell, um matemático britânico que no ano de 1901 elaborou este paradoxo para demonstrar a natureza auto-contraditória e inconsistente da teoria dos conjuntos estruturada por Cantor. Não nos deteremos de modo aprofundado nestas questões que exigem um conhecimento aprofundado de lógica e noções e programação. Machado (1994, p. 27) discute outro paradoxo: Consideremos o conjunto cujos elementos são os catálogos de livros (indivíduos). Diremos que um catálogo é normal (atributo) se ele não se incluir entre os livros que cita; se ele se incluir, será anormal. Consideremos, agora, o
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