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Desenvolvimento Humano na THiC

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IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO NA INFÂNCIA 
 
A Teoria Histórico-cultural (THiC) se propõe a estudar o 
desenvolvimento humano e seus processos constitutivos a partir da 
realidade objetiva dos sujeitos. A realidade material e objetivo é a 
fonte de todo desenvolvimento humano, o meio que esse indivíduo 
pertence. 
Às vezes existe um equívoco de colocar o adulto que convive com 
essa criança como um mediador, mas Vigotski nunca usou essa 
expressão. Como nas escolas, que dizem que precisam de alguém 
que faça a mediação entre o conteúdo e algum aluno com deficiência 
ou carência. Essa expressão não é vigotskiana, porque enquanto 
professor, psicológo e literato, ele entendia o meio como tudo 
aquilo, e todos aqueles com os quais a criança está em relação. 
Então o adulto e o professor não são uma ferramenta para o 
desenvolvimento infantil na phc. Eles são na verdade parte do meio, 
eles são meio, entre a criança e o seu próprio desenvolvimento. A 
criança enquanto corpo biológico e o próprio desenvolvimento 
psíquico desse corpo. Então, a mediação não se coloca entre os 
indivíduos, mas a partir dos objetos, a partir das coisas que estão 
nesse ambiente material. Essa materialidade então é muito 
importante, mas é importante entendê-la como algo que vai 
interferir em todos os humanos que estão ali, porque apesar de 
enfatizarmos as crianças, ali temos indivíduos de todas as idades em 
desenvolvimento. É importante entender isso para não 
instrumentalizarmos o fazer humano como algo a ser usado e depois 
ser descartado, não precisar mais dele. 
O indivíduo precisa a ser ensinado a fazer parte da humanidade, é 
um processo de humanização o processo hc, ele é lançado numa 
construção humana, compartilhada, das características do humano. 
Isso é o micro. Com relação ao macro, podemos dizer que se a 
humanidade é o que é, faz o que faz, é porque alguém nesse 
processo de humanização ensina e outra aprende. Se há questões 
sobre o modo de ser humano, sobre o modo de pensar humano, 
então temos que questionar aquilo que ensinamos aos outros 
quando elas entram num processo de humanização. Elas 
reproduzem o que elas aprendem, se elas aprendem um modo de 
ser, é esse modo que vão executar ao longo da vida. Na phc, 
trabalhamos com um conceito fundamental que é o de 
transformação. Se ensinamos os sujeitos a serem humanos, e 
ensinamos com conteúdos do que seja humanidade, mas ao mesmo 
tempo questionamos a humanidade, precisamos inserir nesse 
processo o conceito de transformação, tanto da humanidade, quanto 
do processo ensino-aprendizagem. Aqui está a chave para a gente 
começar a responder a questão da transformação da sociedade a 
partir da phc. Aqui o professor está aparentemente se dirigindo 
muito ao ensino, a pedagogia, mas no caso da psicologia, quando se 
está com um paciente, mesmo que o processo seja outro, ainda 
assim sempre haverá espaço para algumas indagações na narrativa 
que o cliente traz que faz com que ele pense esse processo. Quem é 
ele nesse processo, o quanto foi ensinado a ele no processo hc que o 
trouxe até aqui nessa narrativa que ele expõe e qual o potencial de 
transformação dessa narrativa. Sempre que pensarmos em 
transformação, a gente tem que pensar de dois angulos diferentes: o 
do desenvolvimento infantil, mas também do ponto de vista do 
processo clinico, psicologico, que é construir interrogações que faz 
com que o indivíduo pense se nesse processo hc de 
desenvolvimento existe lugares que ele pode elaborar uma 
transformação de si mesmo. 
E aí é uma psicologia que a gente fala que precisa estar 
extremamente relacionada ao meio, ao contexto, então obviamente 
vamos estar falando na transformação da sociedade. De onde vem 
essa humanidade que a gente critica? Vem de uma realidade objetiva 
que é ensinada. E por que é ensinado? 
“O meio é a fonte de todas as características especificamente 
humanas”. Tudo aquilo que há de humano em você, bom ou ruim, 
está diretamente relacionado ao meio em que você fica. Tudo que é 
humano em você nada mais é do que uma reprodução do contexto, 
do meio em que esse indivíduo vive. Aqui também tem uma questão 
que às vezes a gente não percebe. Quando as pessoas vão estudar 
psicologia, a maioria pensa na relação intrapsíquica, do ponto de 
vista subjetivo, e isso o Vigotski vai falar na “crise histórica da 
psicologia” de que tem mesmo uma gama enorme de psicologia que 
é só subjetividade. Só que na phc a gente é levado a pensar também 
no interpsíquica, na relação que está fora de nós, e que está primeiro 
fora de nós para depois estar em nós. Só que como a maioria vem 
pensando no subjetivo, quanto se depara com uma psicologia como 
essa que primeiro precisa ver o objetivo, o externo, o exterior, a 
recusa a esse tipo de olhar é muito rápida. Não me interessa o 
mundo. E aqui a fonte é essa, o meio, o externo. Isso, se não 
prestarmos atenção, mata a phc que a gente esteja querendo fazer. 
Então, querer fazer uma phc é perceber que o estudo do meio é 
fundamental, com todos os elementos, artefatos, signos, etc, para o 
desenvolvimento humano. 
As características que nos tornam humanos como pensamento, fala, 
imaginação, atenção, criação, memória intencional são brotos das 
relações e das vivências que constituímos com o meio e a 
aprendizagem que temos delas. Quando você olha uma planta e vê 
nela uma muda, um broto, você vê que ele está grudado num 
pedaço maior da planta que vai até o chão. Vigotski gostava dessa 
expressão broto porque ele é a parte mais frágil da planta, por ser 
recente, ainda em fase de crescimento. A imaginação é frágil, a 
atenção é frágil, a criação, a memória, tudo é muito precário, ao 
mesmo tempo que por ser broto tem muita potencialidade, 
vitalidade. Então temos uma relação dialética muito clara nessas 
características, se de um lado temos a fragilidade dessas construções 
por serem humanas, precárias, históricas e culturais, por outro lado 
tem o potencial de ser algo poderoso, transformador. O que ele está 
mostrando aqui é exatamente isso, nesse processo hc as nossas 
características podem e devem ser transformadas o tempo todo, mas 
com muito cuidado porque existe uma fragilidade em tudo que é 
humano. Por isso que falamos na phc em reconhecer processo, 
padrão, tomada de consciência, dominar o comportamento, porque 
qualquer deslize possível humano atinge frontalmente a fragilidade 
das nossas características e elas sofram distorções, de tal forma que 
começamos a ter disfunções psicológicas. 
“A Psicologia denomina de imaginação a atividade criadora baseada 
na capacidade de combinação de nosso cérebro” Vigotski. Aqui tem 
um pormenor no Vigotski. Para ele, a capacidade criadora, atividade 
criadora que está contida na imaginação não tem nada a ver com 
criação do nada, genial, totalmente inédita. Ele não trabalha com 
essa ideia de gênio, porque para ele quando o ser humano cria, ele 
cria a partir da materialidade. Toda criação humana é uma criação a 
partir de coisas que já existem como matéria, coisas que já existem. 
Sempre vem da fonte material, da realidade objetiva que temos no 
mundo. Da mesma forma é a consciência humana, a personalidade 
humana, o comportamento humano, eles não são do nada e nem são 
inatos. São uma reprodução do meio, do contexto em que vivemos. 
Essa ideia de criação do nada e a partir de alguma coisa é muito 
presente na teologia judaica quando ela vai se referir à criação. A 
criação do nada só é possível a yaveh (deus). O ser humano só cria a 
partir de alguma coisa. Quando lemos no gênesis, na mitologia da 
criação, que deus criou tudo da palavra, num dado momento da 
história, esse deus chama o homem que está lá e fala que ele vai dar 
nome aos animais. Ou seja, dar nome é uma criação, porém uma 
criação para algo que já existe na materialidade, o animal está lá só 
não tem nome. Deus convoca o homem para que ele participe da 
criação.Imaginar é combinar, misturar, arranjar o que se tem da memória a 
partir da vivência. Aqui tem duas outras coisas que a gente coloca 
nessa phc. Primeiro é a materialidade, o meio objetivo que fornece 
tudo que precisamos pra criar e imaginar. Segundo, invertendo a 
frase, a nossa vivência nesse meio constrói memórias. Tudo que a 
gente cria a gente cria a partir de uma capacidade combinatória que 
nosso cérebro tem de arranjar materiais. Tudo ao qual nós somos 
apresentados é convertido em memória. A nossa capacidade criativa, 
a criação humana nada mais é do que um exercício de trazer da 
memória materiais que já conhecemos da vivência e combinar, 
misturar e arranjar na materialidade. Esses materiais estão na 
materialidade, e quando a gente cria algo, imagina algo a partir 
desses a gente devolve isso para a materialidade. Você devolve o que 
tirou da materialidade, mas numa forma, num novo combinado. Isso 
é criação, isso é imaginação. Seja materiais físicos, convivências, etc. 
A minha vivência transforma isso em memória e eu devolvo numa 
nova forma. Eu faço isso a partir do que é vivência minha, não seu. 
Então, posso fazer arte, criar e imaginar a partir de qualquer coisa da 
materialidade, das minhas convivências que foram memoráveis, de 
materiais físicos, diversos tipos de situações, etc. Nada que se cria e 
se imagina virá se não for pela vivência e pela memória. 
Todo ato de criação é, antes de tudo, um ato de destruição. P. 
Picasso. Ele fala isso porque é destruir o que se tem para que se 
mostre o que não se vê, e não se vê porque é meu, o outro não vê. 
Não estamos falando só de arte, e sim de transformação de vida, de 
perspectiva. Estamos o tempo todo destruindo a materialidade para 
construir um drama sobre essa vivência. É arte e vida. 
Qualquer criação só é possível quando existem elementos para 
serem combinados. Se não existir vivência, memória, não tem 
criação. 
Quando eu crio algo de mim, da minha vivência, isso é tão humano 
que eu consigo com aquilo que é especificamente meu, me 
comunicar com todos. É uma produção individual, particular, e entre 
muitas aspas, solitária, o combinar é meu. Quando eu externalizo 
isso como criação, eu consigo me comunicar com todos os outros 
porque quanto mais eu desço na minha vivência e memória, mais eu 
me construo como humano, e quando faço isso eu consigo me 
comunicar. Quanto mais eu me reconheço no meu contexto hc, 
vivencio e construo memórias minhas e consigo comunicar isso, mais 
eu me humanizo, mais eu consigo me comunicar com a humanidade. 
Isso é muito interessante, porque quanto mais eu me conecto com 
minha história, memória do meu lugar, do meu povo, mais eu 
consigo me comunicar, inclusiva com os que não são do meu povo, 
época e lugar. 
Os elementos só existem quando existem vivências que podem ser 
reproduzidas e reconstituídas. 
A base de toda criação é a memória e a base de toda memória é a 
vivência. Quanto mais vivência, mais memória e mais elementos para 
serem combinados e maior a possibilidade criativa da imaginação. 
Por que Vigotski vai focar no desenvolvimento humano a partir da 
criança? Porque se você expuser a criança ao máximo de vivências 
que ela suporta enquanto criança no seu processo, você está 
construindo uma memória que potencialmente vai conduzir esse 
indivíduo a imaginar e criar situações extremamente novas para a 
realidade que ele vai viver. Mas tudo isso depende de como essa 
infância é exposta à vivência. Quanto mais essa infância for vivida 
intensamente, mais memória você carrega. Então é fundamental 
isso, mas ele também está expandindo isso para o ser humano em 
qualquer idade. A dificuldade do jovem e adulto é que você não se vê 
mais nessa condição de aprendiz de vivências. 
Toda criação se constrói sempre a partir de elementos da realidade 
que estão presentes na vivência da pessoa. 
Nise da Silveira colocou arte no tratamento psiquiátrico, mas com 
método, porque é uma passagem de uma situação real para uma 
artística, pra uma criação. E aí eu começo a olhar a minha memória a 
partir dos olhares dos outros, porque enquanto memória minha, 
vivência minha, só eu sofro ou me alegro com aquilo. Quando eu 
consigo devolver pra materialidade, externalizar, eu consigo olhar 
pra aquilo com os olhos dos outros, de uma outra maneira, de uma 
outra forma. 
A arte se relaciona com a vida, da mesma forma que o vinho com a 
uva [...] a arte haure seu material da vida, mas oferece muito mais 
que o material, algo que ainda não havia nele próprio. Vigotski. 
A imaginação e a criação são funções culturais. Se são culturais, são 
históricas. Se são históricas, são aprendidas. 
Toda criação é coletiva porque não vem do nada, cria-se do que já 
existe. 
 
AULA 2 
Esse não é um livro escrito de forma tradicional, e sim uma reunião 
de palestras que Vigotski proferiu para pais e professores de escolas 
do governo do regime na URSS, e assim ele faria essas palestras 
serem o mais acessíveis possível para a plateia. 
O objetivo nesse livro era esse: mostrar como que nos estudos dele 
sobre a compreensão dos processos psíquicos, a criação e a 
imaginação tinham fundamental importância na natureza social do 
desenvolvimento humano. Ele estava explicando por que ele 
indicava trabalhos direcionados às crianças que provocassem a 
imaginação e a criação. 
“As fps são relações sociais internalizadas”, com esse resumo ele dá 
o processo de filo, socio, onto e micro. 
Em dependência à assimilação da cultura está o desenvolvimento da 
criança, quanto mais da cultura eu assumo, mais eu me desenvolvo. 
Essa assimilação não é passiva, é ativa, eu só assimilo a cultura 
participando dela ativamente, se eu não participar ativamente dela 
eu não consigo assumir. Essa participação ativa na cultura significa 
que eu só consigo internalizar, assimilar, assumir, se eu exercitar 
aquilo que a cultura me sugere. Toda vez que estou excluído do 
exercício cultural, da possibilidade da atividade cultural, eu tenho o 
meu desenvolvimento negado. Essa é a ideia da thic. 
Trecho: “eu me relaciono comigo como as pessoas se relacionam 
comigo”, porque tudo é social aqui. Depois de adolescente, adulto, 
quando todos os estragos já estão feitos, e esse indivíduo cai numa 
clínica, isso tem que ser trazido à tona, é muito complicado, dolorido 
e lento, mas a possibilidade de transformação e crescimento vai 
passar por essa identificação de como eu me trato e por que eu me 
trato desse jeito, e aí vai se evidenciando as relações sociais nas 
quais eu fui submetido muito cedo e que interferiram diretamente 
na minha personalidade. 
As nossas relações são diversas e complexas, não são só com um 
determinado grupo, são múltiplas as relações sociais num mesmo 
dia, relações diversas e extremamente elaboradas, elas têm ganchos 
umas nas outras, e a gente fica no meio desse drama tentando 
interpretar quem é quem, o que está acontecendo e o que somos 
nós, por isso ele chama isso de drama (Vigotski), ele tem uma visão 
sobre isso muito artística, teatral mesmo, como se fôssemos o ator 
em várias peças diferentes e ainda temos que ser aquele indivíduo 
que dá sustentação para o ator. Então somos o ator em formação 
constantemente, os vários personagens que temos que interpretar 
nos vários cenários que a gente tem, e antes do ator nós também 
somos sujeitos, porque ator não é só ator, ele também é outras 
coisas na vida dele. 
O desenvolvimento humano e a formação da consciência dependem 
muito da forma verbal com a qual a gente se relaciona com o mundo. 
A forma como a gente fala, como a gente usa a linguagem, o nosso 
manejo do signo (palavra) diz muito sobre o nosso desenvolvimento 
e a nossa consciência. A gente só faz uso do signo e da linguagem em 
decorrência da internalização da cultura. Para manejarmos bem a 
linguagem a gente precisa ter internalizado a cultura. As palavras 
comomeio e modo de comunicação com o outro e como 
generalização da experiência desempenham um papel central não só 
no desenvolvimento do pensamento, mas na evolução histórica da 
consciência como um todo. 
“A palavra consciente é o microcosmo da consciência humana”, ele 
quer dizer que a palavra cheia, viva, que mostra a internalização 
cultural é o microcosmo da consciência humana. Essa consciência é 
enorme, mas o fato de eu saber usar corretamente a palavra para as 
minhas relações sociais mostra o quanto eu possuo de consciência, 
do quanto minha consciência é constituída dessa cultura. E aí é no 
sentido de falar certo, de se colocar corretamente (não é sobre falar 
o português certo, é muito mais que isso, é o uso da palavra como 
expressão do comportamento, do sentimento e do pensamento). Se 
a forma como eu manipulo a palavra consegue expressar o meu 
comportamento, sentimento e pensamento, isso é uma palavra 
consciente, cheia da cultura, do processo hc do desenvolvimento 
humano, e cheio da minha consciência. Isto se dá de uma forma em 
mim e se dá de outra forma no outro. É sempre diverso, não existe 
um modo único de se fazer isso. 
A ideia é criar condições para que haja novas formas para a 
participação de qualquer pessoa na cultura, não só crianças. Tirar o 
lacre da imaginação e criação para o indivíduo participar da cultura. 
“É na trama social, com base no trabalho e nas ideias dos outros, 
nomeados ou anônimos, que se pode criar e produzir o novo”. Não 
se cria do nada, sempre implica um modo de participação e 
apropriação na cultura e na história. 
 
AULA 3 
 
Atividade criadora do ser humano é aquela em que se cria algo novo, 
pouco importa se é um objeto externo ou uma construção da mente 
ou do sentimento, conhecido apenas pela pessoa em que essa 
construção habita e se manifesta. Dois tipos de atividades principais: 
reconstituidor ou reprodutivo, que está intimamente ligado à 
memória e sua essência consiste em reproduzir ou repetir meios de 
conduta anteriormente criados e elaborados, ou ressuscitar marcas 
de impressões prescedentes. Minha atividade nada cria de novo, e 
sua base é a repetição mais ou menos precisa daquilo que existiu. É 
fácil compreender o enorme significado da conservação da 
experiência anterior na vida do homem, o que facilita na sua 
adaptação ao mundo que cerca ao criar e elaborar hábitos 
permanentes que se repetem em condições iguais. Modelo e 
reproduzo o que existe em mim ou assimilei e elaborarei 
anteriormente. 
Vigotski usa 2 expressões para falar do nosso jeito de viver: 
experiência e vivência. A experiência é algo que se memoriza, no 
sentido de reprodução, no sentido de que, havendo as condições 
idênticas que me lembrem a uma experiência que eu tive, eu 
reproduzo aquela imaginação, eu volto naquele cenário que estive 
antes, que eu fui informado antes sobre ele, que eu vi, que eu li, etc. 
Então boa parte da atividade imaginativa é no sentido de conservar 
as experiências do passado, de fazer com que essas experiências 
estejam guardadas numa determinada condição que eu possa 
reproduzir em condições idênticas. Isso significa que boa parte da 
minha imaginação, na verdade, é reprodução de alguma 
conservação, de algo que guardei na minha memória. Isso é 
importante de pontuar para a gente sair do senso comum de que 
imaginação é sobre algo novo. Boa parte da imaginação é sobre algo 
que queremos reviver. 
Nosso cérebro é capaz de conservar uma experiência porque durante 
a experiência ele se altera, ele se modifica. Quando acontece alguma 
experiência, a plasticidade cerebral se altera por conta dessa 
experiência aqui, e essa alteração é no sentido de guardar essa 
experiência na memória. Obviamente não conservamos 100% de 
tudo que está acontecendo, mas a gente conserva aquilo que é 
identificado como significativo naquele momento por uma série de 
motivos, cognição, emoção, etc. Mas o fato é que o nosso cérebro se 
modifica quando vivemos uma determinada experiência. 
Comparação que é feita na segunda página do capítulo 1: a cera tem 
mais plasticidade que a água e o ferro, porque admite modificação 
mais facilmente do que o ferro e conserva a marca desta melhor que 
a água. Somente se tomadas juntas, essas duas propriedades 
formam a plasticidade da nossa substância nervosa. 
Vigotski repete várias vezes a palavra “marca”, porque a experiência 
é conservada na memória porque ela gera uma marca. No ponto de 
vista da clínica, isso é importante porque vários dos distúrbios e 
sofrimentos mentais e psíquicos são oriundos de marcas de 
experiência, marcas que ficam, que se acumulam por conta da 
experiência. E no processo de entender experiência e vivência que a 
phc começa a mexer nessas marcas, nessa conservação, criando uma 
nova interpretação para isso. 
Quanto mais uma determinada experiência é vivida, mais essa marca 
vai se aprofundando na nossa memória, mais vai se conservando. Por 
exemplo, pessoas que vivem sob repetidas experiências de violência 
vão sofrendo uma intensidade dessa marca na memória. Da mesma 
forma, quando tem pessoas que vivem repetidamente situações de 
afetos alegres, é outra marca, e isso cria padrões. Quando a gente 
fala que é preciso identificar seu processo histórico social, é no 
sentido de identificar o que acontece de forma recorrente, o que te 
marca, é conseguir visualizar os padrões das ocorrências que 
acontecem com você, porque a gente sempre volta à marca, aquilo é 
um memorial, então aquilo sempre vai retornar. 
Nosso cérebro e nossos nervos que possuem uma enorme 
plasticidade, modificam com facilidade sua estrutura mais tênue sob 
determinadas influências, e se os estímulos são suficientemente 
fortes e repetidos com bastante frequência, conservam a marca 
dessas modificações. 
Como trabalhar isso na clínica? Primeiro entender que a constituição 
da nossa subjetividade é demarcada pela memória, pela conservação 
de marcas memoriais, e aí precisamos descobrir que marcas são 
essas. E depois, quando Vigotski falar de vivência, ele vai falar que é 
na vivência que a gente transforma essas experiências em algo que 
pode ser reinterpretado. 
Além da conservação para reprodução, o cérebro produz um outro 
tipo de atividade, que sem ela não haveria capacidade de adaptação 
a modificações novas e inesperadas no meio, que é a atividade 
combinatória ou criadora. A imaginação criadora tem a ver com 
informações, impressões de coisas que não vi e vivi, então posso 
imaginar o passado e imaginar o futuro combinando ou criando o 
esboço de um quadro. Não vai ser o quadro pronto porque eu nem 
estive no passado nem estou no futuro, então eu posso construir um 
esboço de um quadro de informações que me são ofertadas na 
experiência sobre o passado e o futuro. E nessa imaginação de uma 
coisa que não vivi, eu tenho a capacidade de não só conservar mas 
também de transformar, porque se eu estou imaginando o passado, 
eu vou imaginar o passado através de impressões que me foram 
dadas, e nessas impressões e imaginações eu posso ir combinando 
elementos para construir esse passado. Da mesma forma sobre o 
futuro, eu posso imaginar um futuro e tanto no passado quanto no 
futuro serem imaginações de quadros distintos da minha realidade 
presente. Nesse sentido, essa segunda atividade pode mexer 
naquela memória que está conservada. Se eu mudo minha posição 
em relação à memória conservada, eu posso criar um outro cenário 
distinto daquele que foi conservado, marcado na memória para ser 
conservado. Tudo aquilo que está conservado na minha memória são 
impressões, não são fatos. O fato passou, não consigo registrá-lo 
como tal. Quando me dou conta de que minha memória é marcada 
por impressões, então posso modificar meu olhar sobre elas. 
Toda atividade do homem que tem como resultado a criação de 
novas imagens ou ações, e não a reprodução de impressões ou açõesanteriores da sua experiência, pertence ao gênero de 
comportamento criador ou combinador. 
“O cérebro não é apenas o órgão que conserva e reproduz nossa 
experiência anterior, mas também é o que combina e reelabora, de 
forma criadora, elementos da experiência anterior, erigindo novas 
situações e novos comportamentos.”. Se eu entendo que minha 
memória é marcada por impressões, e se eu vou acessá-las de um 
novo lugar, um lugar combinatório e criador, eu estou na verdade 
produzindo novas situações, e aí eu estou na vivência. A vivência é 
isso, quando eu pego a experiência e não olho para a experiência 
como algo conservado meramente, mas a transformo em uma nova 
leitura, ou seja, eu vou vivenciar isso, e essa vivência me dá condição 
de criar uma nova situação e um novo comportamento, porque eu 
me dei conta que meu passado nada mais é que uma impressão na 
minha memória, e como impressão eu posso revê-la sem a 
necessidade de revivê-la. 
Se a minha capacidade de viver fosse só remetida à conservação da 
memória e reprodução, tudo que eu faria aqui seria só uma 
reprodução do que houve. Muitos dos nossos sofrimentos psíquicos 
são por conta dessa referência absoluta ao passado o tempo todo, 
como se o passado nos constituísse 100%. Mas o cérebro exige uma 
função vital que é a releitura do passado. É a atividade criadora que 
faz a propulsão da nossa vida no futuro, mas é criadora em cima do 
passado conservado, a partir do presente. Eu me incomodo com meu 
processo hc, com a padronização do comportamento, e aí vou buscar 
numa investigação séria sobre mim quais são essas experiências que 
deixaram essas marcas no meu processo hc, e eu faço isso a partir do 
presente. E eu só consigo fazer isso se eu fizer uma releitura, uma 
reedição apontada para o futuro, para eu sair do padrão. 
Imaginação -> atividade criadora -> combinação 
“A psicologia denomina imaginação ou fantasia a essa atividade 
criadora baseada na capacidade de combinação do nosso cérebro.” A 
imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se, sem 
dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando igualmente 
possível a criação científica, a artística e a técnica. Tudo que nos 
cerca e que nos cerca que foi feito pelas mãos dos homens, é 
produto da imaginação e criação humana que nela se baseia. A gente 
tem 2 características de produção humana que evidencia nosso 
poder cultural enquanto humanos: de um lado os instrumentos e 
artefatos culturais e de outros os signos. Mesmo que você não seja 
artístico, você compõe dentro da humanidade como alguém capaz 
de participação na produção coletiva que são os instrumentos e 
artefatos culturais e os signos. Nesse sentido, quando a gente não 
domina, não toma consciência do que são, para que servem e como 
devem ser usados os instrumentos e artefatos culturais e os signos, a 
gente abre a mão desse segundo movimento do cérebro que é o da 
imaginação criadora. Então, instrumentalizar a vida com tudo aquilo 
que o ser humano já criou para ser usado na vida, tudo que criou 
para aumentar seu corpo qualitativo e quantitativamente, aumentar 
sua potência fazendo com que se libertar da natureza e transforme o 
que é natural em cultural, e ao mesmo tempo dominar os signos, as 
palavras, a construção dos pensamentos, é sim criar. Falar é criar, 
falar sobre as marcas do passado de uma outra maneira, de um 
outro lugar, criando uma interpretação nova para aquilo, é criar. 
Então, mesmo que você não seja artista, quando você fala sobre si, 
de um outro lugar, fazendo fazer sua experiência sair da conservação 
para uma nova interpretação, você está criando. 
Tudo que existe que foi criado pelo ser humano, na verdade é uma 
imagem coletivamente por várias pessoas, até que alguém consegue 
produzir aquilo como instrumento. Quando eu revisito a minha 
memória e faço uma releitura dela criando um comportamento novo 
e uma realidade nova, essa criação contribui com a criação coletiva. 
Porque tudo é coletivo nesse processo, as minhas marcas não foram 
feitas individualmente, foram feitas no coletivo. 
Para o senso comum, criação é o destino de alguns eleitos, gênios, 
talentos. A criação, na verdade, existe por toda parte em que o 
homem imagina, combina, modifica e cria algo novo. 
A brincadeira também é imaginação e criação. É claro que na 
brincadeira elas reproduzem muito do que viram, conservaram 
aquela impressão, mas esses elementos da experiência anterior 
nunca se reproduzem na brincadeira exatamente como ocorreram 
na realidade, então a brincadeira é uma reelaboração criativa dessas 
impressões vivenciadas, uma combinação dessas impressões e 
baseadas nela a construção de uma realidade nova que atende aos 
anseios da criança. 
 
AULA 4 
As vivências trazem experiências que se conservam e que vão sendo 
usadas como material da imaginação. 
Como ocorre a atividade criadora de combinação? Complexidade -> 
Lentidão -> Gradação. Do simples ao complexo, em cada período da 
infância há uma característica de criação. A combinação depende de 
outras formas de atividade, em especial, do acúmulo de 
experiências. 
A imaginação não é um divertimento ocioso da mente, uma 
atividade suspensa no ar, mas uma função vital. No livro, Vigotski 
mostra 4 tipos de relação entre a atividade de imaginação e a 
realidade. 
Primeira relação entre a atividade de imaginação e a realidade, que é 
aquilo que já falamos: toda obra de imaginação constrói-se sempre 
de elementos tomados da realidade e da presentes na experiência 
anterior pessoa. A imaginação sempre se constrói com materiais 
absorvidos da realidade. A atividade criadora da imaginação depende 
diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da 
pessoa porque essa experiência constitui o material com que se 
criam as construções da fantasia. 
Segunda relação entre a atividade de imaginação e a realidade: o 
produto final da fantasia ou da imaginação com algum fenômeno 
complexo da realidade. Essa forma de relação torna-se possível 
somente graças à experiência ou social. A segunda relação fantasia-
realidade é que eu posso imaginar a partir do que o outro conta, a 
partir da experiência alheia, ou da experiência social. É devido ao 
fato de que a minha imaginação não funciona livremente, mas 
orienta-se pela experiência de outrem, atua como se fosse por ele 
guiada, que se alcança tal resultado, isto é, o produto da imaginação 
coincide com a realidade. A pessoa não se restringe ao círculo e a 
limites estreitos de sua experiência, mas pode aventurar-se para 
além deles, assimilando a experiência histórica ou social alheias com 
a ajuda da imaginação. 
A nossa imaginação serve à nossa experiência. Há uma dependência 
dupla, mútua entre imaginação e experiência. 
Terceira relação entre a atividade de imaginação e a realidade: 
qualquer sentimento, emoção tende a se encarnar em imagens 
conhecidas correspondentes a esse sentimento. A emoção parece 
possuir a capacidade de selecionar impressões, ideias e imagens 
consonantes com o ânimo que nos domina num determinado 
instante. As nossas emoções fazem uma leitura daquilo que a gente 
está vivenciando nessa terceira relação. As imagens e as fantasias 
propiciam uma língua interna para o nosso sentimento. O 
sentimento seleciona elementos isolados da realidade, combinando-
os numa relação que se determina internamente pelo nosso ânimo, 
e não externamente, conforme a lógica das imagens. É fácil entender 
que a fantasia guiada pelo fator emocional – pela logica interna do 
sentimento – constituirá o tipo de imaginação mais subjetivo, mais 
interno. 
A relação inversa também existe. “Todas as formas de imaginação 
criativa contêm em si elementos afetivos”. Isso significa que 
qualquer construção da fantasia influi, inversamente, em nossos 
sentimentos e a despeito de essa construção por si só não 
corresponder à realidade, todo sentimentoque provoca é 
verdadeiro, realmente vivenciado pela pessoa e dela se apossa. As 
emoções provocadas pelas imagens artísticas fantásticas das páginas 
de um livro ou do palco de teatro são completamente reais e 
vivenciadas por nós de verdade, franca e profundamente. 
Quarta relação entre a atividade de imaginação e a realidade: a sua 
essência consiste em que a construção da fantasia pode ser algo 
completamente novo, que nunca aconteceu na experiência de uma 
pessoa e sem qualquer correspondência com algum objeto 
realmente existente, no entanto, ao ser externamente encarnada, ao 
adquirir uma concretude material, essa imaginação “cristalizada”, 
que se fez objeto, começa a existir realmente no mundo e a influir 
sobre outras coisas. Mantém uma relação persuasiva, ágil e prática 
com a realidade porque, ao se encarnarem, tornam-se tão reais 
quanto as demais coisas e passam a influir no mundo real que os 
cerca. É quando temos diante de nós o círculo completo descrito 
pela imaginação que os dois fatores – intelectual e emocional – 
revelam-se igualmente necessários para o ato de criação. Tanto o 
sentimento quanto o pensamento movem a criação humana. Numa 
obra de arte, frequentemente encontramos justaposições de traços 
distantes uns dos outros e aparentemente desconexos, que, todavia, 
não são estranhos uns aos outros, como a ideia de dor de dente e de 
casamento, mas unidos por uma lógica interna. 
 
AULA 5 
 
Para o Vigotski, a criação é o ato final do processo, e se dá em 
processo com vários atos. A imaginação é um processo 
extremamente complexo. O que denominamos de criação é, 
comumente, apenas o ato catastrófico do parto que ocorre como 
resultado de um longo período de gestação e desenvolvimento do 
feto. 
No início desse processo estão sempre as percepções externas e 
internas que compõem a base da nossa experiência. O que a criança 
vê e ouve são os primeiros pontos de apoio para sua futura criação. 
Ela acumula material com o qual será construída a sua fantasia. 
Segue-se então um processo complexo de reelaboração desse 
material, ou seja, não é exatamente como ela ouve ou como ela vê, 
ela pega essas impressões e isso vai ser reelaborado. 
Segue, então, a reelaboração desse material: a dissociação e a 
associação das impressões percebidas são parte importantes desse 
processo. A dissociação consiste em fragmentar esse todo complexo 
em partes. A dissociação é uma condição necessária para a atividade 
posterior da fantasia. Eu rompo com a realidade que percebi para 
organizar uma fantasia, e é necessário esse rompimento. 
Esse processo de dissociação está na base do pensamento abstrato, 
da formação de conceitos. Um conceito é um tipo real em referência 
à realidade, ele não é real, mas ele dá conta de determinados pontos 
da realidade, não quer dizer que existe de fato. O conceito é uma 
fantasia, e se você não é estimulado ou não consegue criar fantasias, 
provavelmente você terá dificuldade em formar conceitos. 
As marcas externas se modificam, se movem, morrem, vivem e isso 
tudo é feito internamente, o que eu recebo do mundo exterior eu 
modifico internamente de acordo com meus estímulos nervosos que 
são dinâmicos. 
Esse processo é de extrema importância em todo o desenvolvimento 
mental humano; ele está na base do pensamento abstrato, da 
formação de conceitos. A esse processo segue-se o de modificação a 
que se submetem os elementos dissociados. Tal processo de 
modificação ou de distorção baseia-se na natureza dinâmica dos 
nossos estímulos nervosos internos e nas imagens que lhe 
correspondem. As marcas das impressões externas são processos, 
movem-se, modificam-se, vivem e morrem. 
Nesse movimento está a garantia de sua modificação sob a influência 
de fatores internos que as distorcem e reelaboram. O momento 
subsequente é a associação, a união dos elementos dissociados e 
modificados, a combinação de imagens individuais. 
Falando apenas do aspecto interno da imaginação (sem falar da 
parte em que a imaginação se encarna ou se cristaliza em imagens 
externas), indicaremos os fatores psicológicos de que depende o 
andamento de cada um daqueles processos. O primeiro é a 
necessidade do homem de se adaptar ao meio que o cerca. Na base 
da criação há sempre uma inadaptação da qual surgem 
necessidades, anseios e desejos. A existência de necessidades ou 
anseios põe em movimento o processo de imaginação. 
A ação de outro fator, mais precisamente do meio circundante, é 
muito menos evidente e, por isso, bem mais importante. Nenhuma 
invenção e descoberta científica pode surgir antes que aconteçam as 
condições materiais e psicológicas necessárias para o seu 
surgimento. 
As classes privilegiadas detêm um percentual incomensuravelmente 
maior de inventores...porque exatamente nessas classes estão 
presentes todas as condições necessárias para a criação. E uma 
dessas condições é a existência de uma classe desprivilegiada. 
Resumindo: até aqui a gente pôde ver o quanto Vigotski coloca o 
peso da criação nessa relação externo-interno na não passividade do 
indivíduo na criação, na conservação das imagens, porque a gente 
não conserva do jeito que a gente recebe, a gente conserva 
selecionando, a memória faz close, aumenta coisas e diminui coisas, 
não é um processo biológico, fisiológico, é um processo social, a 
gente faz isso enquanto ser humano, essa manipulação de memória 
para poder conservação, e também somos ativos na dissociação, na 
modificação, na associação e na composição da fantasia. Além de 
selecionarmos a memória, a gente a dissocia, faz ela ficar moída, 
desfiada, e nesse desfiar que a gente vai combinar como se fosse 
uma colcha de retalhos, e em um dado momento ela volta para a 
realidade, a gente a devolve para a realidade. Isso nada mais é do 
que Vigotski explicando como o método dialético na nossa 
imaginação. O nosso modo de criar, nosso modo de imaginar, é 
dialético. Ela absorve a tese, ele desfia essa tese criando uma 
antítese e devolve para realidade uma síntese, que é a fantasia. 
AULA 6 
A imaginação da criança, como está claro de acordo com o que 
Vigotski fala na página 46, não é mais rica, e sim mais pobre que a do 
adulto; ao longo do processo de desenvolvimento da criança, 
desenvolve-se também a sua imaginação, atingindo a sua 
maturidade somente na idade adulta. Por que então os adultos 
param de fantasiar? Se tudo está relaciona às vivências, experiências 
do indivíduo, o que teria acontecido nesse meio que o adulto 
vivencia sua vida que está impedindo que esse indivíduo fantasie e 
imagine? Considerar não só a falta de imaginação e fantasia como 
sendo produto do tipo de vida que a gente tem, do modo de vida, 
mas também considerar que a falta de fantasia e imaginação pode 
estar apontando para sérias questões psíquicas. 
A criança é capaz de imaginar bem menos que o adulto por conta da 
falta de vivência da criança, no entanto, ela confia muito mais no que 
ela imagina do que o adulto, ao mesmo tempo que ela controla 
muito menos a imaginação. Então, a questão anterior sobre o modo 
de vida, que poderia estar imaginando os adultos de imaginar e 
fantasiar, e isso poderia estar associado a algumas questões 
psíquicas, começa a ser respondida aqui quando Vigotski diz que não 
é só isso, o adulto também controla mais a imaginação por causa da 
razão. 
Spinoza é muito crítico da imaginação. Para ele, a imaginação é um 
ponto fraco do ser humano, porque ele acha que tudo tem que ser 
levado ao crivo da razão, e qualquer imaginação ele entende como 
sendo uma superstição, uma fantasia, uma fraqueza do pensamento 
humano. E aí Vigotski diz que a imaginação sem a razão é uma 
característica da infantilidade. A imaginação e a fantasia sem o crivo 
da razão é uma característica da infantilidade. Neste sentido, eles 
estão em acordo apesar do Spinoza ser contra a imaginação de modo 
geral, aqui, pareceque Vigotski dá uma solução para o que Spinoza 
dizia. Não é problema imaginar ou fantasiar, desde que isso seja sob 
o controle da razão, como será na idade adulta. Depois que as linhas 
da imaginação e criação se cruzam, “a atividade da imaginação 
continua, mas previamente modificada: a imaginação adapta-se às 
condições racionais, já não é imaginação pura, e sim, mista.”. No 
entanto, não é assim em muitas pessoas, porque em muitas o 
desenvolvimento assume outra variante, que é a curva MN¹ que 
decresce no gráfico com rapidez e assinala a queda ou retraimento 
da imaginação. Para Ribot, esse é o caso mais comum. “Apenas os 
ricamente dotados de imaginação são exceção; a maioria, aos 
poucos, entra na prosa da vida prática, enterra os sonhos da sua 
juventude, considera o amor uma quimera, etc. Mas isso é uma 
regressão e não um aniquilamento, porque a imaginação criadora 
não desaparece em ninguém, apenas transforma-se em 
casualidade.” 
A gente pode estar parando de imaginar e fantasiar por conta do 
meio e do modo de vida que temos, e isso pode ter repercussões 
psíquicas, que podem ser apresentadas nessa estabilidade e 
instabilidade da mente que ele fala no trecho na parte 50, que é a 
não adequação dessa mente às novas características do indivíduo, 
que são as características de um adulto. Por isso que grande parte 
das questões psíquicas se desenrolam no final da adolescência e 
início da juventude. Exatamente esse período que a crise de 
transição está acontecendo para a vida adulta, e a falta de 
adequação nisso cria muita instabilidade. Se esse meio que o 
indivíduo convive, vivencia, for desordenado, sem os processos 
claros, sem afetividade necessária, essa instabilidade aumenta. 
Na página 51, ele fala de uma fase da adolescência em que a 
atividade de imaginação mais difundida e popular é a literária. Mas, 
depois, rapidamente ocorre de novo o processo de retração do 
interesse pela criação literária (assim como já tinham perdido 
interesse em outra fase pelos desenhos, pelos contos de fada), e 
entram numa fase crítica. Nessa mesma época, apresentam-se dois 
tipos principais de imaginação: a plástica e a emocional, ou a 
imaginação externa e interna. A imaginação plástica usa 
predominantemente os dados de impressões externas, ou seja, 
referências dos quais você tem impressões, não precisa ter certeza, 
descrição, você tem são referências e dessas referências você tem 
impressões. A imaginação emocional, pelo contrário, se constrói por 
elementos tomados de dentro, que são impressões, referências que 
se transformam em imaginação emocional. Ou seja, se você não tiver 
o crivo da razão, as impressões sobre referências se transformam em 
emoções. A esse respeito, é necessário indicar o duplo papel que a 
imaginação pode desempenhar no comportamento do ser humano. 
Tanto pode levar a pessoa para a realidade, quanto distanciá-la dela.

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