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PRINCÍPIOS PENAIS LIMITADORES DECORRENTES DA DIGNIDADE HUMANA

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PRINCÍPIOS PENAIS LIMITADORES DECORRENTES DA DIGNIDADE HUMANA 
 
No Estado Democrático de Direito é necessário que a conduta considerada 
criminosa tenha realmente conteúdo de crime. Crime não é apenas aquilo que o 
legislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, 
materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em 
perigo valores fundamentais da sociedade. Da dignidade nascem os demais 
princípios orientadores e limitadores do Direito Penal, dentre os quais merecem 
destaque: 
 
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA 
 
Originário do Direito Romano, e de cunho civilista, tal princípio funda-se no 
conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo 
introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na 
realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal. Segundo 
tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo 
modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas 
incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade 
ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado 
inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o 
interesse protegido. 
Tal princípio deverá ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as 
suas especificidades. O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração 
de um chiclete pode ser. Em outras palavras, nem toda conduta subsumível ao art. 
155 do Código Penal é alcançada por este princípio, algumas sim, outras não. É um 
princípio aplicável no plano concreto, portanto. 
Da mesma forma, vale notar que o furto de um automóvel jamais será 
insignificante, mesmo que, diante do patrimônio da vítima, o valor seja pequeno 
quando cotejado com os seus demais bens. A respeito do furto, vale trazer à baila 
alguns julgados do Supremo Tribunal Federal, tal como o HC 138.697/MG, o qual 
reconheceu a atipicidade da conduta, aplicando-se o princípio da insignificância 
ao agente que furtou um aparelho celular avaliado em R$ 90,00 (noventa reais), 
entendendo pela inexpressiva ofensa ao bem jurídico protegido, bem como pela 
desproporcionalidade da aplicação da lei penal ao caso. 
 
PRINCÍPIO DA ALTERIDADE OU TRANSCENDENTALIDADE 
 
PRINCÍPIOS PENAIS LIMITADORES DECORRENTES DA DIGNIDADE HUMANA 
 
Proíbe a incriminação de atitude meramente interna, subjetiva do agente e 
que, por essa razão, revela-se incapaz de lesionar o bem jurídico. O fato típico 
pressupõe um comportamento que transcenda a esfera individual do autor e seja 
capaz de atingir o interesse do outro (altero). Ninguém pode ser punido por ter feito 
mal só a si mesmo. Não há lógica em punir o suicida frustrado ou a pessoa que se 
açoita, na lúgubre solidão de seu quarto. Se a conduta se esgota na esfera do 
próprio autor, não há fato típico. Tal princípio foi desenvolvido por Claus Roxin, 
segundo o qual “só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos 
de outras pessoas e que não seja simplesmente pecaminoso ou imoral. À conduta 
puramente interna, ou puramente individual – seja pecaminosa, imoral, 
escandalosa ou diferente –, falta a lesividade que pode legitimar a intervenção 
penal”6 . Por essa razão, a autolesão não é crime, salvo quando houver intenção de 
prejudicar terceiros, como na autoagressão cometida com o fim de fraude ao 
seguro, em que a instituição seguradora será vítima de estelionato (CP, art. 171, § 
2º, V) 
 
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA 
 
Trata-se de requisito para a existência do fato típico, não devendo ser 
relegado para o exame da culpabilidade. Funda-se na premissa de que todos devem 
esperar por parte das outras pessoas que estas sejam responsáveis e ajam de 
acordo com as normas da sociedade, visando a evitar danos a terceiros. Por essa 
razão, consiste na realização da conduta, na confiança de que o outro atuará de um 
modo normal já esperado, baseando-se na justa expectativa de que o 
comportamento das outras pessoas se dará de acordo com o que normalmente 
acontece. Por exemplo, nas intervenções médico-cirúrgicas, o cirurgião tem de 
confiar na assistência correta que costuma receber dos seus auxiliares, de maneira 
que, se a enfermeira lhe passa uma injeção com medicamento trocado e, em face 
disso, o paciente vem a falecer, não haverá conduta culposa por parte do médico, 
pois não foi sua ação, mas sim a de sua auxiliar que violou o dever objetivo de 
cuidado. O médico ministrou a droga fatal impelido pela natural e esperada 
confiança depositada em sua funcionária. Outro exemplo é o do motorista que, 
trafegando pela preferencial, passa por um cruzamento, na confiança de que o 
veículo da via secundária aguardará sua passagem. No caso de um acidente, não 
terá agido com culpa7 . 
 
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL 
PRINCÍPIOS PENAIS LIMITADORES DECORRENTES DA DIGNIDADE HUMANA 
 
 Todo comportamento que, a despeito de ser considerado criminoso pela lei, 
não afrontar o sentimento social de justiça (aquilo que a sociedade tem por justo) 
não pode ser considerado criminoso. Para essa teoria, o Direito Penal somente 
tipifica condutas que tenham certa relevância social. O tipo penal pressupõe uma 
atividade seletiva de comportamento, escolhendo somente aqueles que sejam 
contrários e nocivos ao interesse público, para serem erigidos à categoria de 
infrações penais; por conseguinte, as condutas aceitas socialmente e 
consideradas normais não podem sofrer esse tipo de va loração negativa, sob pena 
de a lei incriminadora padecer do vício de inconstitucionalidade. Por isso é que 
Jakobs afirma que determinadas formas de atividade permitida não podem ser 
incriminadas, uma vez que se tornaram consagradas pelo uso histórico, isto é, 
costumeiro, aceitando-se como socialmente adequadas9 . Não se pode confundir 
o princípio em análise com o da insignificância. Na adequação social, a conduta 
deixa de ser punida por não mais ser considerada injusta pela sociedade; na 
insignificância, a conduta é considerada injusta, mas de escassa lesividade.

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