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Políticas Públicas e Assistência Social

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Associação Brasileira de Formação e Desenvolvimento Social - ABRAFORDES
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Curso Politicas Públicas e Assistência Social
Lição 01: Introdução
POLÍTICAS PÚBLICAS E ASSISTÊNCIA SOCIAL
 As políticas públicas são decisões de Estado resultantes do esforço de buscar as soluções dos
problemas enfrentados pelas pessoas e comunidades. Partindo da máxima de Shimitter de que
política é a resolução pacífica de conflitos, podemos considerar que a gênese das políticas públicas
está no processo de permanente conflito entre os diversos componentes da sociedade e resulta de
resposta do Estado a tais movimentos.
Quando se discute a sua gênese podem ser observados, entre os enfoques predominantes na análise
das políticas públicas, alguns modelos que, Pereira (1987),
classifica como:
a) O sistêmico ou ecológico, que privilegia as forças do meio ambiente como produtoras de política;
b) o incrementalismo, que se atém ao aproveitamento de decisões passadas na formulação de novas
estratégias; e,
c) o institucionalismo, que vê a política pública como resultante de arranjos
técnicos governamentais.
Potyara Pereira (1987), entretanto, em sua análise das políticas sociais no Brasil, prefere “encarar a
política social não como um fenômeno discreto e desgarrado dos enfrentamentos de classe,
recomendando recorrer a outras propostas alternativas de análise, e busca demonstrar a
adequabilidade da abordagem marxiana para explicar o processo de gênese das políticas sociais, e
públicas também” Por sua vez, Maria das Graças Rua (1997), explica que as políticas públicas
(policies) são as resultantes da atividade política e, geralmente, envolvem mais do que uma decisão,
requerendo diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas.
As políticas são públicas, ainda segundo a autora, não pelo “tamanho do agregado social sobre o
qual incidem, mas pelo seu caráter imperativo”. Ou seja, são públicas porque são ações revestidas
da autoridade soberana do poder público.
 Mestre em Política Social pelo Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília e
Presidente do Instituto Brasileiro de Administração para o Desenvolvimento (IBRAD). O que pode
ser observado é que as políticas públicas decorrem de demandas de segmentos da população
direcionadas para o sistema político ou para a classe dominante e que os atores demandantes, em
função de seu papel mais ou menos estratégico dentro da sociedade, pressionam o Estado para
orientá-las de acordo com seus interesses.
 Assim, ao buscarmos uma origem para as políticas públicas, a encontraremos nos confrontos, nos
problemas enfrentados por indivíduos ou por grupos de indivíduos que convivem em uma mesma
sociedade, o que pode ser caracterizado como a situação problema, descrita por Rua (1987).
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Para esta autora, uma situação problema, é aquela que incomoda e gera insatisfações para um grupo
de pessoas, podendo ou não converter-se em uma política pública. Dependendo das condições
reinantes uma situação problema pode ser incorporada à agenda política do Estado, tornando-se
uma política pública, ou não, convertendo-se, então, naquilo que a autora chama de estado de coisa
Neste sentido, um estado de coisas se transforma em problema político quando mobiliza a ação
política, e segundo Rua (1987), para que uma situação problema se converta em um problema
político e passe a figurar na agenda governamental é necessário que apresente pelo menos uma das
seguintes características:
a) mobilize a ação política, isto é, seja ação coletiva de grandes grupos, seja ação coletiva de
pequenos grupos dotados de fortes recursos de poder, seja ação de atores
individuais estrategicamente situados;
b) constitua uma situação de crise, calamidade ou catástrofe, de maneira que o ônus de não resolver
o problema seja maior que o ônus de resolvê-lo;
c) constitua uma situação de oportunidade que seja antevista por algum ator relevante, 
oportunidade esta decorrente do tratamento daquele problema.
Esta abordagem se aproxima daquela proposta por Oslak e O’Donnell (1976) que trata por questões
as necessidades, tanto do capital quanto do trabalho, que fora socialmente problematizadas por
atores estratégicos e incorporadas na agenda de prioridades do setor público.
Ressaltam os autores que, além do jogo de pressão dos atores envolvidos, a resposta do Estado a
uma questão pode assumir diferentes feições, que podem ir desde a omissão, pela repressão ou,
pelo contrário, chegando à intenção de resolver substantivamente a questão posta.
 Assim, visando sintetizar estas primeiras explicações sobre a gênese das políticas públicas podemos
assim organizá-las:
1) há um estado de coisas que incomoda determinado grupo social, um problema;
2) este grupo social tem algum poder de mobilização ou poder estratégico e passa a
pressionar o Estado visando transformar este estado de coisas em uma situação problema;
3) outros grupos de interesse, contrários ao grupo demandante, também poderão pressionar o
Estado em sentido oposto;
4) dados os desdobramentos deste conflito de interesses o Estado pode, ou não, agregar aquele
estado de coisas à sua agenda governamental, transformando-a em situação problema ou questão; e,
consequentemente
5) iniciando a etapa de formulação da política pública. 
Lição 02: Do Processo de Formulação de Políticas Públicas
Do Processo de Formulação de Políticas Públicas
Assim, uma vez que a situação problema entra na agenda política do Estado, passa-se para um
estágio seguinte que é o relativo à formulação de alternativas para superação do problema. Ainda
aqui cada grupo de interesse terá sua preferência sobre como atacar aquela situação problema
identificada, de modo que a alternativa de solução selecionada seja aquela que maximize a relação
custo/benefício para cada ator envolvido. Obviamente, o processo conflitivo tende a permanecer.
O processo de formulação da política pública é aquele em que se exige compromissos da parte dos
diversos atores envolvidos, compromissos estes que se expressam por meio do anúncio de
resultados e metas governamentais para aquele problema. Neste momento, mesmo que de forma
indireta, se delineia um instrumento de controle social das ações do Estado, por parte da sociedade,
que posteriormente discutiremos com maior profundidade.
Em função da importância deste momento político, ainda segundo a avaliação de
Rua (1997), a formulação das alternativas, e a consequente seleção de uma delas, é um dos
momentos mais importantes do processo decisório, pois é quando se colocam claramente as
preferências dos atores
Nesta oportunidade são discutidos os atributos da política pública que vai ser
implementada, assim como os conceitos que a fundamentarão, os seus parâmetros e
indicadores para orientar o processo decisório e definir a estratégia de implementação. Para se ter
uma idéia da importância política desta etapa do processo é aqui que, por exemplo, se definiria o
perfil das comunidades que se beneficiarão de um programa de complementação de renda para
combate à exploração do trabalho infantil.
Se o processo de formulação de uma política é ainda eivado de debates com intensa
carga político-ideológica, a implementação de uma política se dá por meio de planos,
programas e projetos. De forma mais específica, o plano é a representação da política, é o produto
do processo pelo qual um ator seleciona uma cadeia de ações para alcançar seus objetivos. Como
propõe John Friedman, o plano é uma mediação entre o conhecimento e a ação.
Entretanto, a mera formulação de uma política e consequente elaboração de um
plano e demais instrumentos de programação não garantem a viabilidade de sua
implementação. Para Maria das Graças Rua (1997) existem pré-condições necessárias para que uma
política pública tenha uma perfeita implementação, quais sejam:
1) as circunstâncias externas à agência implementadora não devem imporrestrições que a
desvirtuem;
2) o programa deve dispor de tempo e recursos suficientes;
3) em cada estágio da implementação deve haver a combinação de recursos necessária para tanto
(cumprir seus objetivos);
4) a política a ser implementada deve ser baseada em um teoria adequada sobre a relação entre a
causa (de um problema) e o efeito (de uma solução de está sendo proposta);
5) a relação entre causa e efeito deve ser direta e se houver fatos intervenientes estes
devem ser mínimos;
6) deve haver uma só agência implementadora, que não dependa de outras para ter
sucesso, estando outras envolvidas, a relação de dependência deverá ser mínima em
número e em importância;
7) deve haver completa compreensão e consenso quanto aos objetivos a serem atingidos e esta
condição deve permanecer durante todo o processo de implementação;
8) ao avançar em direção aos objetivos acordados deve ser possível especificar, com
detalhes completos e em sequência perfeita, as tarefas a serem realizadas por cada
participante;
9) é necessário que haja perfeita comunicação entre os vários elementos envolvidos no programa;
10) os atores que exercem posições de comando devem ser capazes de obter efetiva
obediência dos seus comandados.
Em que pese reconhecermos nas pré-condições impostas por Rua (1997) para a
viabilização de uma determinada política, ou de um programa a ela afeto, lógica e
racionalidade, não podemos nos furtar a fazer alguns comentários que resvalam,
necessariamente, nos aspectos relativos ao próprio processo de formulação, à gestão e à avaliação
dos projetos, programas e políticas públicas.
 Em primeiro lugar, as três primeiras condicionantes proposta pela a autora remete
a uma situação ótima de viabilidade duvidosa. É possível minimizar as influências do
ambiente externo. É recomendável engendrar mecanismos políticos e gerenciais que
minimizem os riscos de descompasso entre a necessidade de recursos e sua
disponibilidade. Mas não há meios de se garantir ou se depender totalmente disto para se
implementar uma política. São variáveis exógenas que precisam ser monitoradas e administradas
pelos gestores de políticas públicas visando minimizar seus efeitos negativos sobre o processo de
implementação das políticas.
 Em segundo lugar, os tópicos 4 e 5, que se referem, por um lado, ao fato de a
política ser baseada em um teoria adequada sobre a relação entre a causa e o efeito, e por outro
lado, da necessidade de que a relação entre causa e efeito deva ser direta e se houver fatos
intervenientes estes devem ser mínimos, algumas outras considerações podem ser traçadas.
 Uma está associada à própria pertinência da política proposta. Ou seja, embora seja
possível (e lamentavelmente, até frequente) que as políticas propostas não representem uma
resposta de fato ao problema que gerou todo o movimento político, prefiro considerá-las como não-
políticas. Isto é, políticas de caráter “diversionista” orientadas para não solucionar problemas. Não
podendo ser analisadas, pelo menos para fins desta discussão, como se políticas fossem.
 Outra consideração se refere às variáveis exógenas que podem surgir entre a
solução proposta e a causa do problema. Em que pese ser orientação básica do processo de
formulação de intervenções públicas minimizar as variáveis externas, cada vez parece mais patente
a dificuldade de conseguir meios para garantir tais condição, em especial dado ao cada vez maior
grau de interrelação entre as diversas políticas e ações governamentais.
Em terceiro lugar, cabe uma breve consideração à pré-condição da exclusividade
na implementação, ou seja, aquela de que deve haver uma só agência implementadora, que não
dependa de outras para ter sucesso. Ora, esta proposta não só é pouco viável no modelo de
administração pública vigente, como caminha na contramão do novo modelo gerencial, que tem
como princípios a articulação inter-institucional, a parceria e outros instrumentos de co-gestão de
projetos, programas e políticas públicas.
Em quarto, cabe lembrar que as outras condicionantes são aquilo que alguns
autores estão chamando de “pré-requisitos” da boa gestão de um projeto, ou seja,
condicionantes internas ao projeto que estão sob a governabilidade do gestor público,
cabendo a ele a garantia de seu equacionamento. Estas sim, criam espaços para práticas gerenciais
que efetivamente promovam a melhoria das políticas públicas.
Finalmente, é de bom alvitre reconhecer que o processo de formulação e
implementação de políticas sociais são partes de um mesmo macro-processo que, dado aos
incessantes câmbios conjunturais, estão sendo frequentemente revistos e alterados, de forma a
maximizar os resultados das políticas públicas.
Fazendo uma breve referência ao planejamento estratégico, poderíamos nos
lembrar de Carlos Matus (1996), quando reconhece que a teoria do governo não é uma teoria do
controle determinístico do governante sobre o sistema, nem um mero jogo de azar, mas contém
doses de ambos. Ou seja, nem o governante, tão pouco o gestor da política pública (ou de um de seus
programas) pode controlar as variáveis com o grau de precisão condicionado por Rua (1997),
embora esse possa ser o seu desiderato.
Com isso, queremos afirmar nossa crença de que a viabilidade ou o sucesso do
 
processo de implementação de uma política pública está muito mais atrelado à capacidade dos
grupos interessados em se ajustar a uma natureza permanentemente cambiante do que nas pré-
condições mencionadas. Entretanto, devemos reconhecer que sua ocorrência é de grande valia para
o sucesso das propostas e, algumas delas, a absoluta não ocorrência é fatal para o processo. 
Lição 03: As Políticas Sociais
As Políticas Sociais
 Objeto de nosso interesse específico no campo das políticas públicas, as políticas
sociais englobam todo o aparto do Estado voltado para a oferta de bens e serviços públicos
destinados a prover um determinado grau de “proteção social” aos membros da sociedade.
Aparentemente proteção contra a incapacidade ou a dificuldade destas pessoas de se incorporarem
ao sistema formal (basicamente mercado de trabalho) ou deste sistema de absorver maior número
de pessoas.
De princípio, parece-nos plausível reconhecer que se o origem das políticas
públicas está na disputa pela solução de situações problema, as políticas sociais também se
destinam a um determinado perfil de problema ou necessidade dos grupos que compõem a
sociedade. Aqui também se repete, pelo menos para boa parte dos autores, o mesmo processo de
confrontação/conciliação que permeia as demais políticas públicas.
À título de exemplo, Potyara Pereira (1987) considera que “ a política social é um
processo que se vai dando no interior da necessária reciprocidade entre a determinação econômica
e a vontade política de classes e grupos sociais antagônicos, face àquela determinação, mediante
pressão diferenciada junto ao Estado por mudanças que lhes sejam particularmente favoráveis”.
Assim, para a mencionada autora, a política social responde muitas vezes a determinações imediatas
de cunho político, embora, em última instância, seja determinada pela base econômica. Ou seja, é
uma mediação entre as necessidades de grupos de pressão e interesse e as necessidades do sistema
econômico de produção.
 Porém, mais do que a discussão sob a gênese da política social, interessante mesmo
é discutir o seu papel dentro do sistema político e econômico, posto ser este um debate frequente e
acalorado. Qual o papel das políticas sociais?
Partindo de uma abordagem mais tradicional, ou naturalísticas, teríamos que o
papel da política social seria do de compensar as debilidades de alguns indivíduos
membros da sociedade, numa atitude a respeito das necessidades dos mais carentes. É a lógica da
proteção ao necessitado ou, até mesmo, do “inadequado” ao convívio social (com todos os riscos
associados a este tipo de classificação). Assim, como alerta Faleiros (1995), a concepção naturalista
é a “falta de” que caracteriza a necessidade, ou seja,a “falta de algo em uma natureza ideal e
genérica” que faz com que o indivíduo seja carente.
Uma outra visão, poderia nos remeter a Maslow e a sua hierarquia de necessidades, como uma
pirâmide, na qual as necessidades mais à base precisam ser satisfeitas para que o indivíduo passe a
se preocupar com as necessidades superiores.
Assim, satisfazem-se as necessidades fisiológicas, para então preocuparem-se com as
necessidades de segurança e, sucessivamente, com as necessidades sociais e com aquelas relativas à
realização pessoal. 
Outras variações mais modernas sobre o tema das necessidades serão melhor
discutidas à seguir mas, independentemente de tal evolução, e das críticas a estas
abordagens específicas, a política social é encarada, por muitos autores, como instrumento de
garantia de necessidades básicas e instrumento de promoção da cidadania.
Uma outra tradução freqüente do papel das políticas sociais é a de atuar como
instrumento de controle das parcelas desassistidas da população. Seria, para exagerar,
uma versão moderna para o panis et circensis Romano. Os grupos dominantes concedem migalhas
de benefício aos mais necessidades com a finalidade de, por meio de relações assistencialistas e
clientelistas, controlar seus movimentos e aplacar sua ira.
 A realidade parece indicar para uma posição intermediária dessas duas correntes,
pois, como nos alerta Pereira (1987), o “Estado, através de tal política, ao mesmo tempo que
apresenta tendências para ampliar o bem-estar das classes subalternas e exercer o controle sobre o
jogo cego das forças de mercado, apresenta também tendências repressivas e cooptadoras em
relação a essas classes, no sentido de preservar a estrutura dominante.”
Ou ainda, como explica Faleiros (1995), as políticas sociais do Estado não são
medidas boas em si mesmas, como insistem em apresentá-las “os representantes da classe
dominante e os tecnocratas estatais”, mas também não são medidas más em si mesmas, como as
apresentam alguns “apologetas da esquerda”, ao afirmar que as políticas sociais são instrumentos
de manipulação e de pura escamoteação da realidade da exploração da classe operária.
Na nossa opinião, o papel maior da política social deve ser a promoção da
cidadania, definida por Demo (1995) como “competência humana de fazer-se sujeito, para fazer
história própria e coletivamente organizada”, destacando-se, para o alcance deste desiderato, isto é,
para a formação desta competência, o processo emancipatório.
 Assim, as políticas sociais devem converter-se em instrumentos de promoção da cidadania que
tenha como objetivo fundante de todo o processo de desenvolvimento e implementação o
compromisso com a emancipação do indivíduo; sua transformação em ente político consciente de
suas necessidades, do sistema e de sua capacidade de
transformação; capaz de se articular individual e coletivamente na busca da satisfação de suas
necessidades e vontades.
Neste sentido adotamos como premissas para a lógica da estruturação das intervenções no campo
social, e principalmente no da assistência, os parâmetros básicos, proposto por Demo (1995), para a
discussão sobre a cidadania, quais sejam:
“1) o ideal da sociedade é a emancipação, com base na cidadania organizada e na
capacidade produtiva;
2) cidadania é fim, produção é meio, no contexto do enfoque integrado e matricial;
3) é desafio ingente compor mercado e cidadania, sendo que no capitalismo, é
típico dilema, podendo-se dizer o mesmo para o processo de desenvolvimento;
4) na questão-meio, a necessidade produtiva coloca desafios e dilemas: conflito
entre competitividade e geração de empregos, entre produção de riquezas e sua
redistribuição; difícil matricialização do econômico e do político; premência da
sustentabilidade; papel da educação e da inovação competitiva;
5) na questão-fim, aparecem os desafios e dilemas que envolvem a oportunidade
de desenvolvimento: formação da competência histórica inovadora; organização
política coletiva; solução da educação básica, como competência mínima comum;
recuperação da universidade e dos agentes do sistema educativo; papel da
informação, comunicação e cultura; renovação da didática e propedêutica;
impropriedade das políticas sociais residuais, setorialistas e assistencialistas;
desafio da pobreza política;
6) papel estratégico que detém o Estado, como instância delegada de serviço
público, controlado pela cidadania organizada e, por isso, capaz de tornar-se lugar
viável de equalização de oportunidades; problema histórico do abuso do Estado
pela direita (apropriação espoliativa e tutela das massas) e pela esquerda
(cidadania assistida).”
 Destas considerações e proposições de trabalho dois desdobramentos, em termos
de compreensão das funções e meios da política social, podem ser extraídos: (i) a
necessária subordinação da questão econômica à questão social, confirmada na definição da
produção como meio para a formação de uma sociedade cidadã; e, (ii) as diferentes relações entre
Estado e cidadania, dando margem a categorias distintas de cidadania.
 Em conformidade com as próprias definições do autor, teríamos então, além da
cidadania como função do processo emancipatório, duas outras categorias de cidadania, que seriam:
(i) uma cidadania tutelada que expressa o tipo de cidadania que a elite econômica e política cultiva
ou suporta, a saber, aquela que se tem por dádiva ou concessão superior; e (ii) uma cidadania
assistida, expressa forma mais amena de pobreza política, já que permite a elaboração de um
embrião da noção de direito, que é o direito à assistência, integrante de toda democracia.
Entretanto, ao preferir assistência à emancipação, labora também na reprodução da pobreza
política.
 O desafio que agora enfrentamos é o de dar aos nossos instrumentos de política
 
social capacidade de transformação social a partir do engendramento de um processo de
conscientização e emancipação das parcelas mais necessitadas da sociedade. Isto está a demandar a
construção de um novo momento da gestão das políticas sociais. 
Lição 04: O Novo Momento da Gestão das Políticas Sociais
O Novo Momento da Gestão das Políticas Sociais
Os instrumentos de gestão de políticas sociais no Brasil padecem de uma série de
deficiência, tanto conceituais como gerenciais, que emperram, dificultam, e no mais das vezes,
inviabilizam qualquer esforço sério de promoção do bem-estar e de emancipação política e social dos
nosso público alvo. Sem precisarmos nos estendermos no detalhamento das mazelas do sistema de
proteção social brasileiro, mas para termos uma breve noção de como ele ainda se encontra,
poderíamos recorrer ao relatório da ONU/PNUD3 sobre desenvolvimento humano que apresenta as
seguintes características do sistema de proteção social do Brasil:
1) um sistema altamente centralizado;
2) com clara divisão perversa de trabalho entre os setores público e privado de prestação de
serviços;
3) profundamente discriminatório e injusto;
4) distante das reais necessidades da grande maioria da população;
5) com marcadas distorções na forma de financiamento;
6) desarticulado e segmentado;
7) impermeável ao controle público.
 Deste quadro tão recente pode-se concluir que ainda estamos muito longe de
transformarmos o aparato de Estado orientado para as políticas sociais em um sistema de proteção
social. Demo (1996) considera “insólito considerar esta coisa de sistema de proteção social”. Na
verdade, em que pese os esforços de muitos dos atores do processo de formulação e implementação
de políticas sociais, ainda estamos muito longe de vermos transformado em praxis a nossa retórica.
 Os menos céticos hão de concordar que qualquer processo de transformação se
inicia com o inconformismo com a situação vigente e com a proposição de um novo
modelo de trabalho. E, se não tudo, este primeiro passo já esta sendo dado. O novo
momento da gestão de políticas sociais nos aponta para os seguintes horizontes:
a) Descentralização e desconcentração
 A Constituição de 1988já colocou o processo de descentralização das políticas
públicas, as sociais principalmente, como estratégia para maximizar os seus resultados,
mormente em função da maior aproximação com o beneficiário (foco no cliente) e com a redução dos
procedimentos burocratizantes.
 Embora devamos reconhecer que este processo de descentralização vem ocorrendo
na maior parte dos programas sociais, com avanços bastante significativos tanto para
processo como para fins, parece-nos que na maior parte dos casos descentralizou-se
apenas a execução, mantendo-se centralizado todo o processo decisório. Em outras
palavras, transferiu-se a responsabilidade por executar (principalmente para a esfera
municipal de governo) sem dar, com a mesma intensidade, meios para influir no processo decisório.
É o que consideramos uma pseudo-descentralização. Uma descentralização
dissociada do processo político, da capacidade de influir e orientar as políticas e
programas sociais para as necessidades mais específicas dos estados e municípios. De
forma jocosa nos lembra a famosa frase de Henry Ford de que todos poderiam ter um
modelo T na cor que quisessem, desde que fosse preto.
 Não que se possa invalidar o processo de descentralização em andamento, muito
menos que em ações específicas não venham ocorrendo um efetivo processo de
democratização e descentralização desses instrumentos de política social, mas ainda há um longo
caminho a trilhar.
b) Participação e Poder Local
 Outra tendência que vem se fortalecendo no processo de construção de um novo
modelo de gestão das políticas sociais está a ênfase no estímulo à participação e no
fortalecimento do poder local, transcendendo apenas a descentralização das ações entre os níveis de
Governo.
 O somatório dessas duas tendências (descentralização e poder local, via
participação), segundo nossa avaliação, configuraria um modelo mais moderno de gestão das
políticas sociais caracterizado pelo COMPARTILHAMENTO DA GESTÃO, modelo este que, embora
ainda não avaliado tende a apresentar maiores graus de efetividade social da ação, embora que
pontualmente possa apresentar-se menos eficiente que outras alternativas mais tradicionais.
 Porém enunciar o compromisso com poder local e com participação comunitária e
social não é suficiente para transformá -la em instrumento de gestão ou alternativa de
gestão. Quais são os canais para a participação? Quem participa? Como participa? Quando
participa? Estamos efetivamente preparados para compartilhar processos de decisão.
 Os novos modelos de gestão de programas sociais (e consequentemente dos planos
e políticas) recomendam a abertura de canais para a participação desde o processo de
identificação das necessidades até a formulação das alternativas de solução. Implicam, em
última instância, trazer para o cerne do processo decisório do Estado o confronto entre os grupos de
interesse e a construção de soluções conciliatórias que, presumivelmente, solucionarão os
problemas sociais.
 Mais do que isto, implicam reconhecer nossa incapacidade, como técnicos, de
compreender com toda a profundidade necessária, os problemas, necessidades e
aspirações daquelas comunidades. Implica descermos do pedestal da tecnocracia e do
tecnicismo e nos colocarmos na nossa efetiva posição, a de assessores do processo de
emancipação e construção da cidadania daquelas populações, não mais nem menos que isto.
Para muitos, especialmente os acostumados a mandar, isto pode parecer muito
pouco, mas é responsabilidade imensa. Mais que isto, é tarefa complexa, uma vez que não temos
como dissociar o técnico do cidadão, nem nossas opiniões pessoais de nossas considerações
técnicas. Assim, como assessorar sem decidir? Como orientar sem comandar? Como ajudar sem
fazer por eles? Aqui também estamos apenas iniciando uma longa caminhada.
c) O Foco nos Resultados e Interdisciplinaridade
 Outros dois novos paradigmas da gestão social, e que estão cada vez mais
frequentes nas discussões técnicas e políticas, e que como demonstraremos a seguir,
podem ser analisados de forma associada são: o foco nos resultados e a
interdisciplinaridade da ação social.
 O primeiro aspecto é a “coqueluche” do momento em termos de gestão de políticas
públicas e sociais. Agregar aos processos de avaliação, tradicionalmente centrado em
processos e insumos, a preocupação com os resultados efetivamente alcançados pelas
ações desenvolvidas pelo Estado. Resultados estes que não mais se resumem a produtos ou serviços
entregues, mas que devem ser cotejados em função do grau de mudança, de transformação social,
que aquela determinada ação conseguir efetuar.
 Temas como planejamento por resultados; avaliação de desempenho e resultados;
indicadores; efetividade e impacto são freqüentes nas discussões sobre gestão social e
confirmam esta busca por respostas sobre o efeito, em termos de promoção do bem-estar social que
se está alcançando, com cada política, programa, projeto ou ação social.
 Do gestor das políticas sociais, agora é exigido dispor de instrumentos, sistemas de
monitoramento, bolas de cristal, ou qualquer coisa que o valha, para dar respostas a este tipo de
pergunta. Não basta mais saber o que ele “produziu” é fundamental saber como ele “transformou” o
problema social enfrentado.
 De mãos dadas com esta preocupação com os resultados está a interdisciplinaridade e outros
conceitos que estão, direta ou indiretamente, a ela associados, como: articulação interinstitucional;
interlocutores; parceiros e parcerias; multidisciplinaridade, entre outros.
 A proximidade entre essas duas tendências está na descoberta, por boa parte dos
agentes sociais de que, enquanto os problemas sociais têm sua origem em uma rede
complexa de causas, de disciplinaridade igualmente complexa e imbricada, o aparato
estatal está organizado para resolver causas segmentadas, como se a realidade fosse estanque.
 Ou seja, descobriu-se, finalmente, que uma intervenção isolada, por mais
importante que ela possa ser, não é condição suficiente para a solução de um problema.
No máximo configura-se parte relevante da solução, mas jamais será a solução. Logo, só existem,
pelo menos a primeira vista, duas alternativas para o gestor público:
1) esperar por uma profunda reforma de todos o aparelho do Estado que revolucione
todo o conceito de estruturação administrativa com base em funções e passe a orientá-la por
problemas;
2) ou então, desenvolver uma capacidade de articulação que permita garantir
interdisciplinaridade para suas intervenções, permitindo uma maior sinergia entre as
diversas ações do Estado. A última nos parece a mais viável, pelo menos a curto e
médio prazos. Embora, como proposto no Plano Plurianual 2000 do Governo Federal
já exista forte movimento de reorganização do Aparelho de Estado, orientando-o por
resultados.
d) “Accountability”:
 A quarta tendência que vem se firmando como fundamental para o processo de
implementação e gestão das políticas sociais é a exigência, ou expectativa, de que o Estado passe a
responder perante a sociedade pelos seus atos e pelos resultados alcançados ou não. É a
accountability ou o controle social do Estado.
De acordo com Ana Maria Campos (1990), “nas sociedades democráticas mais
modernas aceita-se como natural e espera-se que os governos - e o serviço público - sejam
responsáveis perante os cidadãos”. Assim, accountability não é apenas uma questão de
desenvolvimento organizacional ou de uma reforma administrativa. É algo mais amplo e profundo,
levando-a a afirmar que a simples criação de mecanismos de controle burocrático não tem se
mostrado suficiente para tornar efetiva a responsabilidade dos servidores públicos.
Ainda segundo esta autora, Frederich Mosher apresenta accountability como sinônimo de
responsabilidade objetiva, ou ainda, a obrigação de responder por algo, de modo a acarretar a
responsabilidade de uma pessoa ou organização perante uma outra pessoa, fora de si mesma, por
alguma coisa ou algum tipo de desempenho.
 Nestesentido a accountability é um instrumento de responsabilização do Estado
perante a sociedade organizada, que, conseqüentemente, tende a acompanhar o avanço de valores
democráticos, tais como igualdade, dignidade humana, participação e representatividade. Isto é,
embora necessários, os mecanismos de controle interno não bastam para garantir que o serviço
público sirva a sua clientela de acordo com os padrões normativos do governo democrático.
Outra questão relevante é se o Executivo pode, isoladamente, avaliar o desempenho de sua própria
burocracia. Para Campos (1990), o verdadeiro controle do governo - em qualquer de suas divisões:
Executivo, Legislativo e Judiciário - só vai ocorrer efetivamente se as ações do governo forem
fiscalizadas pelos cidadãos.
Neste ponto poderíamos nos aprofundar na discussão sobre a democracia
representativa e sua funcionalidade, do ponto de vista da accoutability das ações
governamentais, partindo do próprio argumento da autora de que, embora essencial, o processo
eleitoral não é ágil o bastante para salvaguardar o interesse público. Mas
deixemos esta discussão para outro momento.
Deste arrazoado, conclui-se que, em termos ideais, o controle democrático deveria
constituir-se prerrogativa essencial do cidadão, não dos cidadãos individualmente, mas da cidadania
organizada, isto é, segundo Campos (1990), uma sociedade desmobilizada não será capaz de
garantir a accountability, posto que seu exercício é determinado pela qualidade das relações entre o
governo e o cidadão, entre burocracias e clientelas e, em decorrência, o comportamento
(responsável ou não responsável) dos servidores públicos é consequência das atitudes e do
comportamento das próprias clientelas.
 Como vaticina a autora, “ao super-Estado corresponde, então, uma subcidadania e
o super-Estado escapa facilmente ao controle da sociedade e o cidadão vê aumentado seu
sentimento de impotência.”
Conclui Ana Maria Campos (1990), propondo como um dos mecanismos de
controle - garantidor da accountability - a participação da sociedade civil na avaliação das políticas
públicas, fazendo recomendações a partir de tais avaliações, uma vez que os instrumentos de
controle tradicional - como os dos tribunais e conselhos de contas - pouco respondem quanto a:
a) a eficiência com que uma organização empregou os recursos públicos;
b) a eficácia no atingimento das metas;
c) a efetividade dos órgãos públicos no atendimento das necessidades de suas clientelas;
d) a justiça social e política na distribuição dos custos e dos benefícios.
Na nossa opinião esse processo não se limita ao momento de avaliação das
políticas. Embora neste momento o controle do Estado pela Sociedade ganhe maior
evidência, ao se compreender a gestão das políticas sociais como um processo, infere-se que
accountability é, em última análise, dispor de meios para intervir na condução das políticas.
Lição 05: O Plano Municipal de Assistência Social
O Plano Municipal de Assistência Social
A assistência é estratégia de combate à pobreza. Demo (1996) afirma que o combate
à pobreza se funda em três colunas mestras: assistência social, como direito à
sobrevivência; inclusão econômica, por necessidade de auto-sustentação, e inclusão
política, por conta da emancipação histórica.
 A assistência social é fundamental no processo, uma vez que é a intervenção que
garante, ou que deveria garantir, aos beneficiários das políticas sociais as condições
mínimas e indispensáveis à sua subsistência.
 Em contrapartida, seu enorme apelo populista e sua fácil associação à sistemáticas
clientelísticas têm transformado um grande número de ações de assistência em práticas
assistencialistas completamente dissociadas de qualquer processo de bem estar social.
 Isto porque, como define Faleiros (1995), na maioria dos casos a assistência implica
“uma transferência de dinheiro, bônus ou de bens de consumo, com base num pedido, e de acordo
com critérios de seleção a um indivíduo, que deve provar que se encontra em estado de privação e
impossibilitado de prover imediatamente a sua subsistência.”
Em outras palavras, em regra, a assistência se caracteriza por um ato de entrega de
bens e serviços que se dissocia de uma proposta mais abrangente de promoção da
cidadania, podendo ser facilmente encarada como “dádiva divina” dos famosos
defensores de pobres e descamisados.
Neste sentido é desafio fundamental das pessoas que atuam na assistência social - e
dos governantes em geral - buscar mecanismos e soluções que atrelem as ações de
assistência a políticas, sociais e econômicas, que transformem a realidade social vigente garantindo,
assim, a efetividade das políticas de assistência.
Isto implica uma visão multidisciplinar dos problemas e da realidade social e, mais
importante, a adoção de instrumentos e soluções que privilegiem a ação inter-setorial, o multi-
setorialismo, valorizando a assistência como ação basilar de uma ação total.
 Daí porque o novo momento da gestão das políticas sociais tem ajudado a
recuperar e a fortalecer o papel da assistência como política social, fazendo entender que a
assistência por si só não é capaz de sustentar as transformações estruturais, mas apenas promover
alívios conjunturais, e que não se pode dela cobrar aquilo que ela não se propõe a entregar.
 Assim engajamo-nos em uma busca de soluções mais completas e sinérgicas para
as necessidades sociais identificadas. Como alerta Pedro Demo (1996), nos dias que correm “há uma
busca de se superar as tendências setorialistas das políticas governamentais por meio de
mecanismos que intentem concertar, orquestrar o todo”. Caracteriza-se a partir dos esforços de
planejamento estratégico que, entre outros, tentam articular esforços e recursos para garantir
espaço suficiente, no longo prazo, para um processo de transformação com uma preocupação
geracional
 O papel do Plano Municipal de Assistência Social desenhado a exemplo da pela Prefeitura
Municipal de Fortaleza, em ampla articulação com diversos representantes da sociedade civil
organizada e de várias instituições e organismos governamentais, é um esforço necessário e louvável
de articular todos estes conceitos que vimos discutindo nas últimas páginas. É, como já
mencionado, a mediação entre a idéia (ou um ideal) e uma proposta prática.
 Partindo de um diagnóstico da situação do município de Fortaleza que apresenta
um triste quadro de desigualdades e de pobreza, se lança na ambiciosa tarefa de
estabelecer um plano que reconstitua a Política de Assistência Social no Município de
Fortaleza, de acordo com os princípios da LOAS, trabalhando para que os segmentos
excluídos de populações tenham acesso a um padrão de vida digno, que garanta um
processo de inserção social, avançando na vivência e na organização da vida coletiva.
 Partindo de um PADRÃO DE VIDA DIGNO MÍNIMO, “abaixo do qual é impossível a inserção social e
o próprio processo emancipatório”, diria eu, o PMAS se orienta a garantir aos cidadãos fortalezenses
condições mínimas de vida em aspectos variados como: renda, moradia, saúde, educação, lazer,
cultura, desenvolvimento urbano e
 
consciência cidadã e com metas bastante ambiciosas. 
Bibliografia
Social da Prefeitura Municipal de Fortaleza (1998/2002)1
 
Paulo Henrique Lustosa2

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