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ATUAÇÃO ODONTOLÓGICA EM ONCOLOGIA, HEMATOLOGIA E TRANSPLANTE DE MEDULA ÓSSEA UNIDADE IV PACIENTES TRANSPLANTADOS Atualização Neisiana Barbieri Zapellini Elaboração Alexandra Fontes da Costa Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração SUMÁRIO UNIDADE IV PACIENTES TRANSPLANTADOS ......................................................................................................................................................5 CAPÍTULO 1 ATUAÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA EM PACIENTE SUBMETIDO A TRANSPLANTE DE CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOIÉTICAS .............................................................................................................................. 5 CAPÍTULO 2 CONDIÇÕES BÁSICAS À REALIZAÇÃO DE TRANSPLANTE DE CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOIÉTICAS .................................................................................................................................................................. 11 CAPÍTULO 3 COMPLICAÇÕES ......................................................................................................................................................................... 13 CAPÍTULO 4 ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO ....................................................................................................................................... 16 REFERÊNCIAS ...............................................................................................................................................29 4 5 UNIDADE IVPACIENTES TRANSPLANTADOS CAPÍTULO 1 ATUAÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA EM PACIENTE SUBMETIDO A TRANSPLANTE DE CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOIÉTICAS O transplante de células-tronco hematopoiéticas (mais comumente conhecidas como medula óssea) atualmente é o tratamento consolidado de escolha, por vezes curativo, para doenças do sistema hematopoiético que levem à sua alteração ou até mesmo à sua falência. Isso pode ocorrer pela infiltração de células leucêmicas na medula óssea, pela presença de tumores sólidos malignos ou não malignos, por doenças do sistema imune ou também pela alteração da produção de componentes sanguíneos (BENZINELLI, 2010). Tipos de transplantes de células-tronco hematopoiéticas » Autólogo: procedimento no qual o paciente recebe a própria medula. » Alógeno: o paciente recebe a medula de um doador histocompatível (familiares, bancos de medula óssea ou em bancos de cordão umbilical). » Singênico: as células para o transplante são obtidas a partir de um irmão gêmeo idêntico, portanto, são perfeitamente compatíveis com o paciente. São transplantes incomuns, com toxicidades e complicações mínimas. As células-tronco As células-tronco podem ser classificadas de acordo com a sua origem ou com a sua capacidade de diferenciação. As embrionárias possuem a característica totipotente, com capacidade de se especializar em qualquer tipo de célula do organismo, formando qualquer tecido. As células-tronco hematopoiéticas ou adultas possuem 6 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS características pluripotentes e são capazes de gerar os tipos celulares que constituem o tecido/órgão onde estão situadas, sendo progressivamente mais diferenciadas e com menor capacidade proliferativa em relação às células-tronco embrionárias. Sabe-se que as células-tronco em seus estágios de desenvolvimento possuem diferenças na capacidade de se renovar e também de se diferenciar. As células-tronco embrionárias são as mais indiferenciadas e com potencial de originar qualquer tipo de tecido. Enquanto isso, as células-tronco hematopoiéticas ou adultas têm a capacidade de originar a tipos celulares mais limitados e possuem pouca capacidade de renovação. As células-tronco hematopoiéticas ou adultas (CTH) são células que possuem a capacidade de se autorrenovar e se diferenciar em células especializadas do tecido sanguíneo e do sistema imune. Elas normalmente são obtidas através da medula óssea, do cordão umbilical ou do sangue periférico, detalhados no próximo tópico. Entretanto, em questões terapêuticas, as CTH são as células que vêm sendo utilizadas na terapia celular e que mais têm conseguido resultados positivos ao longo dos anos no tratamento de doenças malignas e benignas em crianças e adultos. Um paciente normorreativo produz diariamente aproximadamente 2,5 bilhões de hemácias, 2,5 bilhões de plaquetas e 1 bilhão de leucócitos por quilo de peso corporal (ROBBINS, 2013). Já quando diferenciadas no sistema imune, transformam-se em linfócitos B e T. Nos casos de pacientes que possuem alterações ou falência do sistema hematológico, como já citado, faz-se necessário o transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), comumente conhecido como transplante de medula óssea. Basicamente, esse processo se dá com a coleta dessas células e sua posterior reinfusão. O TCTH pode transfundir CTH de qualquer doador e de qualquer origem para um receptor com a finalidade de reconstituir o sistema hematopoiético (PETTI, 2013). Fontes de células-tronco hematopoiéticas Medula óssea Coletada por meio de múltiplas punções da medula do doador, normalmente da crista ilíaca. O uso da medula óssea como fonte de células, especialmente para terapia em cardiomiopatias, tem alguns pontos desfavoráveis, tais como o risco 7 PACIENTES TRANSPLANTADOS | UNIDADE IV em relação ao procedimento da coleta, a possibilidade de formação de trombos, se induzida à mobilização no sangue periférico, e a dificuldade no uso para o tratamento da doença isquêmica aguda. Entre os pontos favoráveis ao uso da medula óssea está a possibilidade do transplante autólogo e de não haver necessidade de criopreservação da amostra para uso posterior, podendo-se obter uma grande quantidade de células, que, no caso dos transplantes com células-tronco hematopoiéticas, em geral, é suficiente para o sucesso do transplante (RIVARD, 1999). É um procedimento seguro, sob anestesia peridural ou geral, porém desconfortável para o doador, cujas principais complicações seriam hematomas locais e anemia. O índice de complicações graves desse procedimento é baixo, girando em torno de 0,4%. Essas complicações ocorrem em sua maioria em doadores com história de doença prévia, e metade delas pode ser atribuída à anestesia. A maioria dos doadores recebe alta 24 horas após a coleta. A reposição de ferro oral é recomendada por um período de 30 dias (HOROWITZ, 2000). Coleta de células-tronco periféricas (CTHP) As concentrações de células-tronco periféricas são pequenas, e a possibilidade de coleta ocorre após a estimulação de colônias, o que aumenta o percentual das CTHP no sangue periférico. Geralmente a coleta se inicia após o quinto dia de estimulação e após a dosagem da quantidade de CD34 no sangue periférico. É um procedimento seguro, confortável para o doador, o que possibilita a coleta ambulatorialmente. O inconveniente da coleta de CTHP é a coleta de quantidades maiores de linfócitos T em relação à coleta da medula óssea, o que em um transplante alogênico aumenta o risco de doença enxerto contra hospedeiro (DECH), que apresenta alto índice de mortalidade. Sangue do cordão umbilical humano (SCUH) No cordão umbilical, há uma enorme quantidade de células-tronco. Logo após o parto, esse sangue que é rico em células-tronco pode ser drenado. Esse procedimento deve ser realizado da forma mais cuidadosa possível e por equipe especializada. As células serão armazenadas em um recipiente compatível para o procedimento e congeladas. Podendo ser utilizadas para um transplante posterior. 8 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS O procedimento pode ser realizado tanto em partos naturais quanto em partos cesariana. Também são coletados alguns mls do sangue de vasos que circundam a placenta. As células-tronco do cordão umbilical proporcionam células mais jovens do que as encontradas no sangue periférico e na medula óssea. É uma forma muito fácilde conseguir as células-tronco, visto que não há necessidade de medicamentos para mobilização das células como ocorre para a coleta das células no sangue periférico e estará disponível de forma imediata quando for necessário. Indicação Atualmente, o emprego de transplante de medula óssea como terapêutica vem crescendo no mundo. Anualmente, na Europa, ocorrem cerca de 40000 TCTH (EBMT, 2014). Abaixo, segue a lista divulgada pelo Ministério da Saúde pra indicações para esse tipo de transplante (Portaria n. 2.600, de 21 de outubro de 2009). Tabela 11. Indicações para Transplante Alogênico Aparentado. Transplante Alogênico Aparentado (doador da família) Transplante Alogênico Aparentado de medula óssea: » leucemia mieloide aguda; » leucemia linfoide aguda/linfoma linfoblástico; » leucemia linfoide aguda Ph+; » leucemia mieloide crônica; » anemia aplástica grave adquirida ou constitucional; » síndrome mielodisplásica, incluindo a leucemia mielomonocítica crônica; » imunodeficiência celular primária; » talassemia major; » mielofibrose primária em fase evolutiva; » leucemia linfoide crônica; » mieloma múltiplo; » linfoma não Hodgkin indolente; » Doença de Hodgkin quimiossensível. Transplante Alogênico Aparentado de sangue periférico: » leucemia mieloide aguda; » leucemia linfoide aguda/linfoma linfoblástico; » leucemia linfoide aguda Ph+; » leucemia mieloide crônica; » síndrome mielodisplásica, incluindo a leucemia mielomonocítica crônica; » talassemia major; » mielofibrose primária em fase evolutiva; » leucemia linfoide crônica; » mieloma múltiplo; » linfoma não Hodgkin indolente; » Doença de Hodgkin quimiossensível. 9 PACIENTES TRANSPLANTADOS | UNIDADE IV Transplante Alogênico Aparentado (doador da família) Transplante Alogênico Aparentado de sangue de cordão umbilical: » leucemia mieloide aguda; » leucemia linfoide aguda/linfoma linfoblástico; » leucemia linfoide aguda Ph+; » anemia aplástica grave adquirida ou constitucional; » síndrome mielodisplásica, incluindo a leucemia mielomonocítica crônica; » imunodeficiência celular primária; » talassemia major; » mielofibrose primária em fase evolutiva; » linfoma não Hodgkin indolente; » doença de Hodgkin quimiossensível. Fonte: Ministério da Saúde, 2009. Tabela 12. Indicação para Transplante Autólogo de medula óssea e sangue periférico. Transplante Autólogo de medula óssea e sangue periférico Leucemia mieloide aguda Linfoma não Hodkin Doença de Hodkin quimiossensível Mieloma múltiplo Tumor de célula germinativa Neuroblastoma Fonte: Ministério da Saúde, 2009. Tabela 13. Indicações para Transplante Alôgenico não Aparentado. Transplante Alogênico Não Aparentado (doador desconhecido) Transplante Alogênico Não Aparentado de medula óssea: » Leucemia mieloide aguda; » Leucemia linfoide aguda/linfoma linfoblástico; » Leucemia linfoide aguda Ph+; » Leucemia mieloide crônica; » Anemia aplástica grave adquirida ou constitucional; » Síndrome mielodisplásica, incluindo a leucemia mielomonocítica crônica; » Imunodeficiência celular primária; » Osteopetrose; » Mielofibrose primária em fase evolutiva. Transplante Alogênico Não Aparentado de sangue periférico: » Leucemia mieloide aguda; » Leucemia linfoide aguda /linfoma linfoblástico; » Leucemia linfoide aguda Ph+; » Leucemia mieloide crônica; 10 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS Transplante Alogênico Não Aparentado (doador desconhecido) » Síndrome mielodisplásica, incluindo a leucemia mielomonocítica crônica; » Imunodeficiência celular primária; » Osteopetrose; » Mielofibrose primária em fase evolutiva. Transplante Alogênico Não Aparentado de sangue de cordão umbilical: » Leucemia mieloide aguda; » Leucemia linfoide aguda/linfoma linfoblástico; » Leucemia linfoide aguda Ph+; » Anemia aplástica grave adquirida ou constitucional; » Síndrome mielodisplásica, incluindo a leucemia mielomonocítica crônica; » Imunodeficiência celular primária; » Osteopetrose; » Mielofibrose primária em fase evolutiva Fonte: Ministério da Saúde, 2009. 11 CAPÍTULO 2 CONDIÇÕES BÁSICAS À REALIZAÇÃO DE TRANSPLANTE DE CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOIÉTICAS Para que um transplante de células-tronco hematopoiéticas seja realizado, é necessário: » que as condições clínicas do paciente sejam adequadas, não apresentando nenhuma disfunção grave de órgãos ou sistemas; » existir a disponibilidade de células para a realização do procedimento (medula, SCU, células periféricas previamente congeladas ou doador compatível); » que o TCTH seja considerado o melhor tratamento para a doença; sendo uma doença neoplásica, esta deve estar em remissão; » o paciente deve ter adequadas condições familiares, psicológicas e socioeconômicas para que haja o devido acompanhamento recomendado pós-transplante. A equipe multidisciplinar que participará do procedimento deve ser composta por: » médicos e enfermeiras com treinamento e experiência em TCTH; » psicóloga, nutricionista, assistente social. O hospital no qual o TCTH será realizado deve disponibilizar: » quarto individual, de preferência com ar-condicionado com filtros HEPA (de alta eficiência); » banco de sangue com capacidade para congelar e descongelar células, para realizar aféreses e fornecer hemoderivados irradiados e filtrados com rapidez e em quantidade suficiente; » profissionais de outras especialidades, como dermatologia, patologia, infectologia gastroenterologia, radiologia, radioterapia, cirurgia e psiquiatria; » serviço de diagnóstico por imagem; » serviço de patologia clínica que realize exames de rotina e exames especiais como dosagem de ciclosporina sérica, antigenemia para CMV (CASTRO JR, 2001). 12 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS Regime de condicionamento Para promover a mieloablação, erradicar a doença de base e também induzir imunossupressão, são necessários regimes preparatórios, chamados regimes de condicionamento, que habitualmente utilizam altas doses de quimioterapia, associadas, ou não, à irradiação corpórea total (ICT). A destruição medular, no sentido de se “criar espaço” para implantação da nova medula, é controversa. Não há confirmação experimental da necessidade da criação do espaço e, nesse sentido, a reconstituição da medula pode ser mais rápida quando são utilizados condicionamentos menos agressivos (não mieloablativos) quando comparada com aqueles plenamente ablativos (SOUZA, 2010). Os objetivos » Imunossupressão – adequada para prevenir rejeição. » Citorredução – erradicar ou controlar a neoplasia (dispensável se a doença foi adequadamente controlada com terapia prévia). » “Espaço” para as CTH – permitir que as células do doador enxertem efetivamente. O condicionamento » Intensidade Alta: ablativo, mieloablativo, mieloablativo tradicional. » Intensidade Reduzida: não mieloablativo, intensidade reduzida, ablação mínima, mini transplante. Os condicionamentos podem ser chamados de Mieloablativos quando a toxicidade implicar citopenias irreversíveis e dependentes do suporte de células-tronco para a recuperação da hematopoiese, ou não mieloablativos, quando as citopenias são menos importantes e a medula óssea pode se recuperar independentemente da infusão de células-tronco. Os regimes de Intensidade Reduzida seriam aqueles intermediários e não classificados nos anteriores (BACIGALUPO, 2009). 13 CAPÍTULO 3 COMPLICAÇÕES Infecções As infecções são as complicações mais frequentes no TCTH, e o risco de ocorrência aumenta nos regimes mieloablativos. A imunossupressão, neutropenia prolongada, quebra da barreira cutânea ou de mucosas são fatores que aumentam o risco de ocorrência de infecções. O desenvolvimento das terapias de suporte, agentes antibacterianos, virais, fúngicos e principalmente métodos de diagnóstico de agentes infecciosos contribuíram muito para a melhora de resultados alcançados ultimamente. Mucosite oral É uma das mais frequentes e debilitantes complicaçõesdo TMO, geralmente mais intensa nos regimes mieloablasivos. É de grande interesse da área odontológica. Entre 75 e 80% dos pacientes submetidos a essa terapia desenvolvem a mucosite oral. Esse risco pode ser significativamente aumentado quando o paciente faz uso de Melfalan ou quimioterapia associada a radioterapia no corpo inteiro (SCHUBERT, 2007). A quebra da barreira mucosa eleva o risco de infecções secundárias. A Odontologia tem papel fundamental na prevenção ao aparecimento dessa enfermidade desde a profilaxia que se inicia no período pré-transplante com a avaliação odontológica, durante a internação com a adequada higienização oral, acompanhamento odontológico, analgesia até o período pós transplante com a realização de laserterapia de baixa intensidade. Esses fatores melhoram muito a tolerabilidade dos pacientes e elevam a sua qualidade de vida. DECH aguda Desenvolve-se a partir de linfócitos T alorreativos do doador. É a complicação mais temida, atinge principalmente pele, trato gastrointestinal e fígado, e o tratamento preconizado é a imunossupressão. Frequentemente acomete mais os pacientes submetidos a doadores com menor compatibilidade. A DECH aguda manifesta-se a partir da pega do enxerto, podendo ocorrer por definição até o dia +100 após o transplante. 14 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS A profilaxia é feita com drogas como ciclosporina, metotrexate e tacrolimus. Usualmente, a DECH grau I não é tratada. Doenças grau II a III são tratadas com a associação de metil-prednisolona. Em caso de doença grave, o prognóstico é pior, e pode-se utilizar Micofenolato mofetil e Antitimoglobulina humana. Abaixo, segue tabela demonstrando a classificação e suas alterações na DECH. Quadro 5. Classificação da DECH e suas alterações. Grau Pele Fígado Intestino I Exantema maculopapular < 25% da superfície corporal Bilirrubina entre 2-3 mg/dl Diarreia 500-1000 ml/dia ou 280 –555 ml/m²/dia II Exantema maculopapular entre 25 e 50% da superfície corporal Bilirrubina entre 3-6 mg/dl Diarreia 500-1000 ml/dia ou 555 –883 ml/m²/dia III Eritroderma generalizado Bilirrubina entre 3-6 mg/dl Diarreia >1500ml/dia ou> 833 ml/m²/dia IV Descamação e bolha Bilirrubina >15 mg/dl Dor intensa e íleo paralítico Fonte: Castro Jr., 2001. DECH crônica Esta é a complicação mais grave encontrada e ocorre entre 30% a 70% dos pacientes. Pode surgir até um ano após a realização do transplante, entretanto há casos que se desenvolvem após muitos anos, sendo a maior causa de morbidade e mortalidade tardia dos pacientes transplantados. A patogênese se dá a partir do ataque mediado por células T do doador às células do receptor devido às diferenças nos antígenos de histocompatibilidade. As manifestações clínicas dessa complicação podem ser restritas a um único local ou se disseminar pelos órgãos. Entre os locais mais acometidos no momento do diagnóstico estão a pele, a boca e o fígado. Como escolha terapêutica principal temos a imunossupressão com uso de corticoides sistêmicos. As características da DECH crônica, se parecem com muitos aspectos das síndromes autoimunes como: esclerodermia, síndrome de Sjogren, imunodeficiência crônica etc. Na maioria dos casos os sintomas surgem dentro de três anos após o transplante e em 70% dos casos são precedidos de uma história de DECH aguda. Um mesmo paciente pode ter características de DECH crônica e aguda, dessa forma, não é recomendado que o diagnóstico diferencial seja realizado apenas pelo tempo decorrido após o transplante. Meios de diagnóstico da DECH crônica: » Distinção da DECH aguda. 15 PACIENTES TRANSPLANTADOS | UNIDADE IV » Presença de pelo menos um sinal clínico diagnóstico de DECH crônica ou a presença de pelo menos uma manifestação distinta não encontrada em DECH aguda. Deve ser confirmada por biópsia, testes laboratoriais, exames radiológicos, no mesmo ou outro órgão. » Exclusão de outros diagnósticos possíveis. Ex: doenças auto imunes. 16 CAPÍTULO 4 ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO O papel do cirurgião-dentista é importante no pré-transplante, no decorrer e no pós-tratamento. Pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas apresentam, em grande porcentagem, alterações maxilofaciais causadas pelo regime de condicionamento associado ou não à radioterapia e também ao uso de imunossupressores. Para que os efeitos colaterais sejam controlados, é imprescindível que a intervenção odontológica obedeça a requisitos de diagnóstico e tratamento embasados, nos quais o conhecimento dos eventos é importante para determinar as condutas e o momento mais adequado para cada abordagem. O acompanhamento desse paciente dentro do campo de ação da Odontologia deve considerar diversos fatores, como: o estado geral do paciente, as condições bucais, o tipo de procedimento que será realizado (cruento ou não), o tempo disponível para a execução da adequação bucal, a doença base e a modalidade terapêutica a ser adotada. O diagnóstico, sempre que possível, deve ser realizado por meio de exame físico da boca e anexos associados a exames de imagem, como radiografias ou tomografias de feixe cônico (SANTOS, 2018). Lembrando que pacientes imunodeprimidos estão mais suscetíveis a infecções de origem bucal. Por isso, estas devem ser evitadas a qualquer custo. Porém, caso ocorram, devem ser resolvidas o mais rapidamente possível, evitando qualquer comprometimento do tratamento e seu resultado. As complicações bucais mais comumente relatadas nesses pacientes nos períodos pré, durante e pós-transplante são: dor, infecções odontogênicas, hemorragias, disgeusia, disfagia, xerostomia e hipossialia, mucosite oral, doença enxerto contra hospedeiro, neoplasias malignas e osteonecrose dos maxilares associada a medicamentos. Em crianças, ainda há relatos de distúrbios no crescimento craniofacial e desenvolvimento dentário. Atendimento prévio No atendimento prévio ao paciente que será submetido ao TCTH, é necessária a realização de um excelente preparo de boca, sendo primordial a eliminação de 17 PACIENTES TRANSPLANTADOS | UNIDADE IV focos de infecção, seja de origem dentária ou periodontal, bacteriana, fúngica ou viral, além de remoção de fatores potencialmente traumáticos. Essas ações buscam minimizar as complicações decorrentes da terapia imunossupressora à qual os indivíduos são submetidos. Para a fase pré-transplante, o cirurgião-dentista deve ter em mente que o paciente será submetido a um tratamento agressivo e deve-se evitar que qualquer intercorrência odontológica traga mais malefícios a ele. Exemplo: restos radiculares, bolsas periodontais, lesões periapicais e próteses parciais removíveis são considerados sítios de alojamento de patógenos oportunistas que podem ser gatilhos de infecção durante a imunossupressão (BARRACH, 2015). Pensando dessa forma, cárie e a doença periodontal devem ser tratadas, entretanto se houver limitantes de tempo e fatores de gravidade, pode-se optar pela exodontia de dentes comprometidos. Essa opção visa eliminar os patógenos potencialmente agressores, tendo em vista a imunossupressão proveniente do tratamento quimioterápico mieloablativo. Cárie e doença periodontal Cáries mais profundas só devem ser tratadas nos casos em que haja certeza absoluta da eliminação de todo o tecido contaminado e da eliminação de qualquer patógeno. Não se podendo garantir essas condições, o tratamento indicado será a exodontia. Nos casos das restaurações, estas devem estar em perfeitas condições. Em casos de fraturas, infiltrações ou bordos cortantes, estes devem ser corrigidos. Em caso de presença de bolsas periodontais profundas que, para a manutenção da saúde periodontal, necessitem de raspagens sucessivas ou cujos elementos possuam o prognóstico duvidoso, a remoção também é a conduta de escolha. Devido ao momento em que o paciente enfrentará a adesão ao tratamento periodontal, estaprovavelmente ficará comprometida, podendo acarretar danos graves à sua condição de saúde. A indicação de escovas com cerdas macias e agentes antimicrobianos auxiliares à base de digluconato de clorexidina a 0,12% não alcoólica deve ser feita em todas as fases do tratamento. O fio dental deve ser usado com cuidado para não machucar a gengiva. 18 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS Procedimentos cirúrgicos Quando necessárias, as extrações dentárias devem ser realizadas de maneira a causar o menor trauma e o menor dano aos tecidos envolvidos, visando à integridade das mucosas a fim de promover uma cicatrização de preferência por primeira intenção. O planejamento pré-cirúrgico deve levar em consideração a possibilidade da necessidade da administração de antibioticoterapia para evitar o desenvolvimento de bacteremia, infecções e sangramentos. Em relação à remoção de terceiros molares, não há consenso entre autores. Alguns defendem que todos os dentes inclusos ou semi-inclusos devam ser removidos. Já outros defendem que apenas aqueles com potencial para desenvolvimento de pericoronarite ou com a alguma condição infecciosa devam ser removidos. Pacientes pediátricos Assim como em pacientes adultos, os pacientes pediátricos devem seguir as mesmas regras de conduta e avaliação. Obviamente, deve-se considerar a fase de esfoliação dentária e riscos de infecção próprios da idade. Orientação de higiene para o paciente e seus cuidadores e uso de antissépticos próprios para a idade devem ser realizados pelo profissional. Os efeitos tardios da quimioterapia no desenvolvimento dentário e esquelético também devem ser monitorados. Profilaxia antibiótica Os cuidados a serem adotados no atendimento odontológico devem levar em consideração se o paciente já está ou não sob o efeito de quimioterápicos. Na vigência dessa terapia, os procedimentos cruentos, como extrações dentárias e raspagens periodontais, devem ser realizados com o respaldo da antibioticoterapia profilática. Alguns autores inclusive recomendam a profilaxia antibiótica nos casos em que o paciente esteja em uso de cateter venoso central. Período durante o TCTH Durante o período do TCTH, será fundamental o conhecimento por parte do cirurgião-dentista da toxicidade das drogas quimioterápicas, dos mecanismos e as implicações da terapia antineoplásica. Isso norteará sua conduta e o ajudará a prevenir, reconhecer e manejar possíveis alterações maxilofaciais. 19 PACIENTES TRANSPLANTADOS | UNIDADE IV Nesse momento, procedimentos odontológicos devem ser realizados com extrema cautela e, de preferência, deve ser executado apenas o que for da mais alta urgência, como o controle de infecção ou em casos em que haja um comprometimento da saúde geral do paciente. Nos casos de procedimentos cirúrgicos, como ressaltado por diversas vezes, a antibioticoterapia torna-se imprescindível. Infecções bacterianas, virais e fúngicas Tanto a cárie como a doença periodontal são as infecções bacterianas bucais bastante comuns. Devido às alterações salivares e de paladar, seus riscos de desenvolvimento estão aumentados. E tanto a alteração do fluxo salivar como da qualidade da saliva são grandes responsáveis por esse aumento. Estudos apontam que a diminuição do fluxo salivar (< 1,0 ml/min saliva estimulada) pode ser considerada fator de risco de cárie (MICKENAUTSCH, 2005). Sabe-se ainda que a diminuição do fluxo salivar aliada ao aumento da viscosidade da saliva é fator relacionado à presença de doença periodontal em idosos (HIROTOMI, 2006). Também devido à grande alteração no paladar, muitos pacientes podem sentir necessidade de consumir uma dieta rica em açúcar, e este promove a adesão de patógenos no biofilme dental, acelerando o processo da doença. Ações de aconselhamento e promoção de higiene bucal são importantes, e avaliações periódicas são indicadas. Entre as alterações de causa fúngica, a mais frequentemente encontrada é a candidíase. Fatores locais, como má higienização, uso de próteses removíveis, aparelhos ortodônticos, ressecamento das mucosas e sangramentos bucais, e a imunossupressão do paciente fazem com que esse quadro não seja incomum. O tratamento consiste no uso tópico de antifúngicos, como a nistatina e miconazol, ou sistêmicos, dependendo da gravidade e extensão da infecção, como o fluconazol e itraconazol. Já em relação a infecções virais, a mais prevalente é causada pelo vírus herpes simples, afetando entre 50 e 70% dos pacientes, sendo responsável por altos índices de morbidade e mortalidade. O quadro clínico pode se apresentar como úlceras dolorosas na região de ápice lingual, lábios e mucosas que frequentemente demoram a cicatrizar, comprometendo ainda mais o estado geral do paciente. 20 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS Por serem mais severas, o diagnóstico clínico dessas lesões nem sempre é suficiente, sendo necessários métodos auxiliares, como a citologia esfoliativa e o PCR (SANTOS, 2014). A terapêutica envolve usos de antivirais tópicos e sistêmicos, como o aciclovir ou valaciclovir, em doses e tempo maiores que as usualmente adotadas em pacientes normorreativos, tendo como parâmetro os dados do hemograma e sinais clínicos da doença. Alterações das glândulas salivares e ressecamento labial Tanto os medicamentos quimioterápicos quanto a radioterapia podem ter grande influência nas alterações das glândulas salivares, tendo como consequência a diminuição do fluxo salivar e da qualidade da saliva secretada (aumento da viscosidade, diminuição do pH e da concentração de imunoglobinas e bicarbonato). A função protetora da saliva fica comprometida, reduzindo a capacidade de desmineralização e remineralização das estruturas dentárias, impactando uma maior incidência de cáries. Também há mudanças no perfil da microbiota, que se torna altamente cariogênica. A diminuição do fluxo salivar (hipossialia) interfere diretamente na qualidade de vida, pois está diretamente relacionada com dificuldades na mastigação, deglutição, fala, ardência bucal, halitose, tosses e engasgos. A indicação de fluoretos em gel ou solução para bochechos é uma boa opção. Outro problema enfrentado por esses pacientes é o ressecamento da boca e lábios, que favorece o rompimento das mucosas, aumentando a possibilidade da entrada de patógenos, podendo causar quadros infecciosos de risco para o paciente imunossuprimido. O uso de umectantes e hidratantes labiais é indicado para controlar essas ulcerações, além de proporcionar conforto ao paciente. Produtos à base de lanolina purificada tri-hidratada, agentes enzimáticos e saliva artificial podem ser usados. A lanolina é um produto 100% natural, com baixo risco de desenvolvimento de alergias. Sua aplicação é fácil e deve ser feita todas as vezes que o paciente sentir necessidade. A saliva artificial é uma alternativa de baixo custo e benéfica, pois contém enzimas, íons e ajuda a controlar o pH bucal. Porém, normalmente não encontra uma boa adesão dos pacientes. Estes normalmente preferem o aumento da ingestão de líquidos para umidificar as mucosas bucais. 21 PACIENTES TRANSPLANTADOS | UNIDADE IV Embora possam ser usados para formar uma película protetora nos lábios, a vaselina e o óleo mineral têm seu uso contraindicado. Isso porque existem associações da aspiração das partículas de gordura com quadros de pneumonia, além do potencial inflamável da vaselina, o que poderia levar a queimaduras em pacientes que necessitam do uso da oxigenioterapia (SANTOS, 2013). Disgeusia É a alteração da percepção do sabor, sendo considerada um dos efeitos colaterais das terapias antineoplásicas mais significantes. As alterações do paladar estão diretamente relacionadas à diminuição do fluxo salivar e ao efeito da radiação e/ou quimioterapia nas papilas gustativas linguais, causando um impacto direto na qualidade de vida dos pacientes, que relatam sabor amargo oumetálico persistente. Devido à falta de apetite e ao desconforto ao ingerir alimentos, a demanda por alimentos pastosos e ricos em sacarose sem a adequada higienização pode levar a um aumento da atividade cariogênica. A falta de apetite pode ainda levar o paciente a quadros de desnutrição, o que afetará diretamente o curso do tratamento. Entretanto, pode-se fazer muito pouco em relação a esse sintoma. É importante e se faz necessário que o paciente tenha um acompanhamento profissional nutricional, podendo fazer uso de complementos alimentares. Alguns autores recomendam suplementos à base de zinco, porém essa suplementação ainda não possui bom embasamento científico (NETO, 2016). Mucosite A mucosite oral é inflamação da mucosa bucal e garganta provocada pela ação da radiação ionizante e dos quimioterápicos, tendo duração e intensidade diretamente relacionadas com a modalidade de tratamento adotada. É um dos efeitos colaterais mais importantes e com maior interferência na vida do paciente durante o tratamento. Clinicamente, apresenta-se, normalmente, como uma área avermelhada, que será posteriormente substituída por áreas de ulceração recobertas por uma pseudomembrana. Essas áreas de ulcerações podem ocorrer de forma localizada ou generalizada, podendo estar colonizadas por bactérias. As áreas de ulceração são responsáveis pela sintomatologia dolorosa intensa que está muito presente e que afetará a capacidade de alimentação do paciente, o que leva a uma interrupção do tratamento por alguns dias para melhora da condição. 22 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS Os primeiros sinais podem surgir de 3 a 15 dias após o início do tratamento, sendo perceptíveis antes em pacientes submetidos à quimioterapia. É uma condição autolimitante, mas pode persistir em pacientes imunossuprimidos (CABALLERO, 2002; SINGH, 1996). Cada ciclo de quimioterapia implica risco de mucosite, e aqueles pacientes que apresentaram esse quadro em um ciclo apresentam maiores riscos de reapresentá-lo nos ciclos subsequentes (SHAW, 2000; BARASCHA, 2003). O uso concomitante de quimio e radioterapia resulta em um quadro de mucosite mais severo e prolongado (SINGH, 1996). Vários fatores podem ser levados em consideração em relação ao risco de desenvolvimento dessa condição, sua gravidade e sua duração. Entre eles: tipo de tratamento do paciente, idade, sexo, predisposição genética, saúde oral e higiene, microflora oral, normalidade e função secretora de saliva, alimentação, uso de tabaco e álcool e comorbidades (ROSENTHAL, 2009; BARASCHA, 2003). Outros fatores importantes de risco são: os locais específicos e área de superfície/volume da cabeça, pescoço e mucosa irradiada, a taxa de acumulação de dose de radiação, o agente específico da quimioterapia concomitante utilizado (ROSENTHAL, 2009). Os sintomas podem variar de um ligeiro desconforto até uma dor intensa, xerostomia, hipossalivação, disgeusia e disfagia, resultando em anorexia e dificuldade da fala. A mucosite induzida pela quimioterapia dura geralmente uma semana e tem resolução 21 dias após a administração dos quimioterápicos. A induzida pela radioterapia permanece pelo menos duas semanas após o término da radioterapia. A complicação mais comum é a maior predisposição à bacteremia, septicemia e fungemia (CABALLERO, 2002). O diagnóstico é baseado nas manifestações clínicas. É preciso estabelecer um correto diagnóstico diferencial com outras condições patológicas, o que em alguns casos pode ser complicado pelo fato de o sítio com manifestações clínicas ser um sítio ideal para infecções secundárias de bactérias, vírus e fungos (CABALLERO, 2002). Em relação ao tratamento das complicações orais desse tipo de terapia, consiste inicialmente em cuidados paliativos e prevenção de infecções (BARASCHA, 2003). O controle da dor é fundamental e extremamente necessário. A maioria dos pacientes requer analgésicos sistêmicos e tópicos (ROSENTHAL, 2009). 23 PACIENTES TRANSPLANTADOS | UNIDADE IV O alívio sintomático dos pacientes com mucosite leve a moderada pode ser conseguido por cloridrato de benzidamina. Quando é mais grave, um enxaguatório bucal de lidocaína 2% é de grande valor, e bochechos de aspirina-mucaína antes das refeições podem ajudar a combater disfagia. Prostaglandina também demonstrou aliviar o quadro (SHAW, 2000). Outros métodos podem ser utilizados, como: a crioterapia, que causa vasoconstricção local, diminuindo o fluxo sanguíneo para a mucosa oral, reduzindo assim o dano às células da mucosa principalmente na quimioterapia. A laserterapia de baixa intensidade acelera a regeneração tecidual, diminuindo a inflamação e a dor (CABALLERO, 2002; HERRSTEDT, 2000). A manutenção de higiene oral também é fundamental para reduzir o risco dessas e outras complicações. O uso de escova macia da forma mais atraumática possível, assim como o uso do fio conforme tolerado, e frequente lavagem com soluções brandas tal como solução salina normal, com bicarbonato de sódio, o uso de agentes hidratantes, durante e após a radiação, podem ajudar na prevenção e redução de sintomas. Pode ser que, em algum momento durante o tratamento, seja necessária a interrupção do uso de próteses totais ou parciais visando evitar trauma nos tecidos. Nos casos de prótese danificadas (quebradas ou coladas), recomenda-se a confecção de novas, já que áreas pontiagudas e ásperas podem ferir a mucosa. O paciente deve escovar as próteses sempre que se alimentar e não deve dormir com elas. É ideal deixá-las imersas em uma solução de uma colher de chá de bicarbonato de sódio em meio copo americano de água, cobrindo-as totalmente. Pós tratamento Doença do enxerto contra o hospedeiro A DECH é a maior causa de morbidade e mortalidade de pacientes submetidos ao TCTH. É uma síndrome clínica caracterizada por febre, acometimento cutâneo, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e disfunção hepática. Ocorre devido a diferenças nos antígenos de histocompatibilidade secundários. Pode ocorrer nos TCTH alogênicos, histocompatíveis, assim como no TCTH singênico, autólogo, transplantes de órgãos sólidos que contenham grande quantidade de tecido linfoide e em transfusão de hemocomponentes. 24 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS A manifestação de DECH após a transfusão de hemocomponentes é conhecida como doença enxerto contra hospedeiro transfusional (DECHT). Difere da primeira por cursar com pancitopenia secundária à hipoplasia ou aplasia de medula óssea, baixa resposta ao tratamento e elevada mortalidade. Geralmente ocorre em pacientes que apresentam intensa imunossupressão ou não apresentam evidências de imunossupressão, mas compatibilidade do sistema HLA. Muitas vezes, a primeira manifestação dessa alteração ocorre na mucosa bucal ou ainda nas glândulas salivares, sendo mais uma vez responsabilidade do cirurgião-dentista identificar, tratar e reportar à equipe transplantadora o surgimento dessa repercussão. As manifestações clínicas são observadas por meio de linhas leucoplásicas, alternadas com áreas eritroplásicas, podendo haver uma fase de ulceração, causando dor. Esse quadro pode levar o paciente à internação para melhorar o quadro álgico e promover condições de nutrição, implicando diretamente a qualidade de vida do paciente, bem como custos elevados do tratamento (EPSTEIN, 2017). Já em dorso da língua podem estar presentes papilas atróficas ou placas liquenoides; em glândulas salivares, pode comprometer o fluxo e a função salivar, trazendo complicações como risco aumentado de cárie, infecções oportunistas e ressecamento labial. Áreas de eritema, inflamação, fibrose e ardência bucal também são manifestações da DECH encontradas na boca. Em casos em que haja a impossibilidade de conclusão de diagnóstico com os sinais e sintomas clínicos, faz-se necessária a realização de biópsia. A biópsia deve ser realizada preferencialmenteem lábio inferior e deve conter uma área de mucosa livre de ulceração e ao menos 5 lóbulos de glândula salivar menor. Histologicamente, os achados serão alterações liquenoides com exocitose, infiltração linfocítica no parênquima das glândulas e destruição dos ácinos com presença de fibrose. O tratamento desse quadro se dá a partir da classificação do DECH na mucosa bucal (NIH, 2005). Em casos leves, o tratamento preconizado é uso de corticoides tópicos, e, em quadros moderados ou graves, o uso de corticoides sistêmicos é o recomendado. 25 PACIENTES TRANSPLANTADOS | UNIDADE IV Classificação do National Institutes Health (NIH): » clássica aguda: ocorre até 100 dias após o transplante; » tardia aguda: após 100 dias do transplante e ocorre sempre durante a retirada da imunossupressão; » clássica crônica: sem características da aguda e sem limite de tempo; » síndrome da sobreposição: com características da aguda e crônica, e sem limite de tempo. A gravidade da DECH é medida por meio do número de órgão envolvidos e pelo grau de acometimento de cada órgão: » leve: um ou dois órgãos afetados sem comprometimento funcional; » moderada: três ou mais órgãos envolvidos sem dano funcional ou sem dano significativo; » grave: com danos funcionais mais severos. Concluindo A atuação do profissional de Odontologia é de extrema importância na equipe multidisciplinar que acompanhará o paciente portador de transplante de células-tronco hematopoiéticas. Sua atuação abrange desde o momento do diagnóstico até o acompanhamento já no pós-tratamento. O aprofundamento dos conhecimentos nas terapias utilizadas, nos mecanismos de ação e na fisiopatologia da doença ajudam o profissional a fazer o manejo mais adequado desse paciente. Os esforços para levar o paciente a um bom estado de saúde bucal, sem focos de infecção, com a realização de detalhada orientação de higiene e dieta farão com que esse paciente inicie seu tratamento da melhor forma e diminua riscos de intercorrências que atrapalhem seu sucesso. Após estudarmos esses tópicos, pudemos observar que eles possuem diversos pontos em comum. Por isso, discorremos sobre o mesmo assunto algumas vezes nos três casos. Em resumo, poderíamos dizer que a atuação do cirurgião-dentista é extremamente relevante como profissional da saúde, e que este deve estar atento ao paciente 26 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS como um todo, e não somente focado na área puramente técnica da profissão. Um profissional que está sempre em busca de melhorar sua qualificação e seu conhecimento tende a enxergar o paciente de maneira mais ampla e promover assim um melhorar tratamento. Quando se entende a fisiopatologia das doenças, suas manifestações clínicas e suas consequências e complicações, naturalmente se torna capaz de diagnosticá-las e tratá-las de maneira mais certeira e prudente. É importante lembrar que diversas manifestações orais são fruto de doenças sistêmicas que nada têm a ver com aparelho estomatognático, mas que ali se mostram por muitas vezes como sinal primário dessas alterações. Assim sendo, o cirurgião-dentista pode ser o primeiro profissional da saúde a ter contato com a manifestação clínica de quadro grave e, sim, é seu dever unir todos os esforços para diagnosticar e garantir que o paciente tenha acesso ao tratamento devido. Também é de grande relevância entender a importância que algumas doenças sistêmicas têm na rotina diária de consultório e que podem trazer graves problemas em um procedimento tecnicamente simples. Como estudamos anteriormente, os pacientes com coagulopatias tendem a ter sangramentos importantes. Sendo assim, extrações realizadas nesses pacientes devem ser planejadas cuidadosamente, e o contato com o médico hematologista é imprescindível. Mesmo uma simples exodontia poderá ter que ser realizada em ambiente hospitalar com reposição de hemoderivados. Por isso, o conhecimento leva à cautela e à prudência, impedindo que nos arrisquemos profissionalmente e também arrisquemos a saúde do paciente. Também devemos respeitar nossos limites técnicos e de conhecimento e encaminhar estes pacientes sempre que não nos sentirmos seguros em atendê-los. Quando falamos de pacientes oncológicos, teremos algumas vertentes relacionadas à Odontologia. Primeiramente, poderíamos citar o próprio câncer de boca e lábio, cujo diagnóstico é de máxima obrigação do cirurgião-dentista. Lembrando ainda que não somente o diagnóstico, mas condutas preventivas são necessárias, não só no embasamento de conhecimento ao paciente sobre hábitos nocivos à sua saúde e que são causadores dessas doenças, como também 27 PACIENTES TRANSPLANTADOS | UNIDADE IV no diagnóstico de doenças cancerizáveis, que são um estágio precedente ao aparecimento dessas doenças. Leucoplasias, eritroplasias e queilite actínica são lesões que possuem diversos graus de atipias em seus recortes histológicos e tendem a ter uma progressão, caminhando em direção à formação da lesão maligna. Ou seja, o diagnóstico dessas lesões poderá impedir o aparecimento do câncer nesses pacientes, evitando que estes se submetam a um tratamento agressivo, que, no caso da boca, ainda tem um agravante estético enorme, trazendo um afastamento social e um dano psicológico enorme para o acometido. Por isso, a pauta de prevenção deve estar sempre presente na nossa conduta clínica. A boca pode ainda ser local de manifestação secundária de outros cânceres. As metástases podem ocorrer e ser diagnosticadas no mesmo momento do tratamento do sítio principal, como podem aparecer posteriormente em local longe do sítio inicial. Tanto nos casos em que o câncer está localizado em boca quando nos casos em que ele acomete outras localizações, o paciente será submetido a um tratamento para a eliminação das células malignas, porém infelizmente esses tratamentos são incapazes de atingir somente as células cancerosas e acabam também atingindo a células normais. Por isso, os tratamentos de quimio e radioterapia podem curar o paciente, mas também serão causadores de inúmeras consequências e sequelas. A radioterapia, por exemplo, em casos de câncer de cabeça e pescoço, causará danos muitas vezes irreversíveis nos tecidos glandulares, e isso terá uma consequência importante para esses pacientes, como a hipossalivação e a xerostomia. A radiação nessa área afetará a produção e a qualidade da saliva produzida, e isso terá um enorme impacto na qualidade de vida do paciente. A falta de lubrificação promovida pela saliva será causadora do aumento do risco de cárie, na presença de xerostomia, mudança do paladar, dificuldade de mastigação e deglutição. Esses fatores impactam diretamente a qualidade de vida dos pacientes e podem ser permanentes. O cirurgião-dentista deve atuar nesses casos prevenindo o aparecimento de cáries e tentando minimizar os outros efeitos. Talvez a principal consequência oral durante o tratamento antineoplásico seja a mucosite, que acomete 100% dos pacientes que sofrem radiação em área de 28 UNIDADE IV | PACIENTES TRANSPLANTADOS cabeça e pescoço e mais de 70% dos que passam pelo regime quimioterápico. A mucosite é de sintomatologia dolorosa muito importante, e seu quadro é tão relevante que pode obrigar o paciente a interromper o tratamento esperando uma melhora. A interrupção do tratamento é extremamente danosa para o sucesso esperado. Assim, condutas que previnam e tratem essas condições são muito bem-vindas e ajudam o paciente a ter uma melhor qualidade de vida e diminuir o sofrimento durante um tratamento já tão penoso. Por isso, devemos nos inteirar da importância do cirurgião-dentista como profissional de saúde e de seu papel fundamental na equipe multidisciplinar. Estaremos presentes em todas as fases, desde o diagnóstico até o acompanhamento desses pacientes ao longo de sua vida, mesmo anos após a descoberta e tratamento dessas doenças.29 REFERÊNCIAS ABOULEISH, A. E.; LEIB, M. L.; COHEN, N. H. ASA provides examples to each ASA physical status class. ASA Monitor, 2015. ALBUQUERQUE, R. A.; MORAIS, V. L. L.; SOBRAL, A. P. V. Protocolo de atendimento odontológico a pacientes oncológicos pediátricos. Revisão de literatura. Rev. odontol. UNESP, vol. 36, n 3, pp. 275-280, 2007. ARTEAGA-VIZCAINO, M.; DIEZ-EWALD, M.; VIZCAINO, G. et al. Actividad fibrinolítica del fluido gingival en pacientes hemofílicos. Invest Clin., v. 32, pp. 123-9, 1991. BACIGALUPO, A.; BALLEN, K.; RIZZO, D. et al. Defining the intensity of conditioning regimens: working definitions. Biol. Blood Marrow Transplant., v. 15, pp. 1628-1633, 2009. BARASCHA, A.; PETERSONB, D. E. Risk factors for ulcerative oral mucositis in cancer patients: unanswered questions. 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