Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
385Movimentos sociais, políticos e culturais na sociedade contemporânea: é proibido proibir? História cipantes mais conscientizados. A arma natural da revolta de 1968 não era o fuzil ou a resolução políti- ca, mas o muro pichado, o cartaz improvisado e o microfone. No entanto, é um erro tratar 1968 como se tivesse sido um ano de revolução fracassada. Foi, na melhor das hipóteses, um lembrete de que os fundamentos da era de ouro econômica do Ocidente es- tava afundando, assim como o estava aquelas das economias centralmente planejadas do tipo soviéti- cos, cujas falhas se tornavam cada vez mais evidentes. Na verdade, foi a erupção da transformação cultural, econômica e social sem procedentes que faz de 1968 uma data significativa na história do século XX. (Adaptado de HOBSBAWM, Folha de São Paulo, 10 de maio de 1968, pp. 4-5). O ano de 1968 foi marcado por protestos de jovens em várias par- tes do mundo. O foco irradiador foi a França, onde os estudantes se- cundaristas e universitários realizaram protestos contra o sistema edu- cacional elitista e autoritário, mas também contra a sociedade industrial moderna que desumaniza. Estes protestos terminaram em graves con- frontos com a polícia. Simultaneamente ocorreram revoltas de jovens estudantes no México; na Tchecoslováquia, os intelectuais e artistas deram início a um conflito conhecido como Primavera de Praga, pois eles queriam repensar o socialismo em seu país, mas foram duramen- te reprimidos pelo exército soviético. No Brasil, os estudantes, músicos, artistas saíram às ruas para de- nunciar o regime militar que passou a vigorar no país a partir de 1964. Em 1968, o governo militar institui o AI-5 (Ato Institucional n.º 5), atra- vés do qual concretizou a ditadura ao decretar o fechamento do Con- gresso, estabeleceu a censura aos meios de comunicação e passou a prender e a julgar arbitrariamente qualquer pessoa que fosse conside- rada contra o regime, denominados de subversivos. Neste contexto, intensificou-se a oposição de muitos jovens ao go- verno militar tanto através do ingresso em movimentos de luta armada, conhecidas como guerrilhas, como pela produção cultural de engaja- mento político, cujo objetivo era conscientizar os jovens e a população em geral das dificuldades enfrentadas pelo povo brasileiro e o autorita- rismo do governo federal. Pode-se afirmar que estes foram alguns dos motivos que levaram à imposição do AI-5 em dezembro de 1968. Documento 5 Apesar De Você Hoje você é quem manda Apesar de você Todo esse amor reprimido, Falou, tá falado amanhã há de ser outro dia. Esse grito contido, Não tem discussão, não. Eu pergunto a você onde vai se esconder Esse samba no escuro. A minha gente hoje anda Da enorme euforia? Você que inventou a tristeza Falando de lado e olhando pro chão. Como vai proibir Ora, tenha a fineza Viu? Quando o galo insistir em cantar? de “desinventar”. Você que inventou esse Estado Água nova brotando Você vai pagar, e é dobrado, Inventou de inventar E a gente se amando sem parar Cada lágrima rolada 386 Relações Culturais Ensino Médio Toda escuridão Quando chegar o momento Nesse meu penar. Você que inventou o pecado Esse meu sofrimento (...) Esqueceu-se de inventar o perdão. Vou cobrar com juros. Juro! (Composição: Chico Buarque, 1970).n Entre os grupos de luta armada, destaca- ram-se a Aliança Nacional Libertadora (ALN), o Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A repressão aos integrantes destes gru- pos era muito intensa. Centenas de pessoas fo- ram presas, torturadas e/ou mortas. Quanto ao protesto através da produção cultural foram as músicas de protesto que ti- veram maior repercussão entre a população. Destacaram-se compositores como: Geraldo Vandré (1935- ) e Francisco (Chico) Buarque de Holanda (1944- ). Em 1968, também surgiu o tropicalismo, que foi mal recebido pelos membros do movimen- to estudantil, os quais se identificavam com a música de protesto, pois acreditavam que os integrantes daquele movimento artístico não eram politizados e, assim, estavam a favor do governo e do capital internacional. O descon- tentamento dos integrantes do movimento es- tudantil com este estilo musical foi representa- do pela crítica ao abandono do violão acústico e sua substituição por instrumentos elétricos realizada pelos tropicalistas. Os conservadores de direita, por não conseguirem entender o movi- mento, também se opunham às atitudes provocativas do tropicalismo. Os representantes do tropicalismo se defenderam das críticas afir- mando que eram contra a política do capital internacional no Brasil como também a qualquer forma de autoritarismo, até mesmo daque- les que queriam impor somente uma forma de lutar contra a opressão e a dominação. Os tropicalistas propunham uma mistura de estilos ar- tísticos antigos e modernos, representados, por exemplo, pelas músi- cas regional, brega, samba, bolero e rock’n’roll. Entre os representantes de maior destaque do tropicalismo esta- vam: Caetano Veloso (1942- ), Gilberto Gil (1942- ), Tom Zé (1936- ) e o grupo Os Mutantes (formado em 1966). Para alguns jovens, a música tornou-se uma forma de difundir idéias, demonstrar sua insatisfação com a sociedade em que vive e manifestar sua rebeldia. Documento 6 Proibido Proibir A mãe da virgem diz que não E o anúncio da televisão escrito no portão E o maestro ergueu o dedo e além da porta Ao porteiro, sim e eu digo sim E eu digo não ao não Eu digo é proibido proibir É proibido proibir, é proibido proibir... Me dê um beijo meu amor Eles estão nos esperando Os automóveis ardem em chamas Derrubar as prateleiras, as estantes, as estátuas, as vidraças, louças, livros sim E eu digo sim, e eu digo não ao não E eu digo é proibido proibir É proibido proibir, é proibido proibir (...) (Letra: Caetano Veloso, 1968)n
Compartilhar