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1 www.soeducador.com.br Psicopedagogia - histórico e fundamentos básicos 2 www.soeducador.com.br Psicopedagogia - histórico e fundamentos básicos SUMÁRIO Conhecendo a psicopedagogia .................................................................................. 3 Conceitos gerais, bases históricas e fundamentação teórica ..................................... 3 Sobre a epistemologia convergente ........................................................................... 7 Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos ................................... 8 Fracasso escolar ........................................................................................................ 9 O currículo ............................................................................................................... 11 O planejamento com enfoque psicopedagógica ....................................................... 11 Avaliação de aprendizagem ..................................................................................... 13 Conselho de classe .................................................................................................. 15 Trabalhando por meio de projetos............................................................................ 15 Afetividade e aprendizagem ..................................................................................... 16 Reuniões de pais ..................................................................................................... 17 Formação continuada de profissionais da educação ................................................ 18 Indisciplina na escola ............................................................................................... 18 Inclusão ................................................................................................................... 19 O planejamento escolar como instrumento de prevenção das dificuldades de aprendizagem .......................................................................................................... 48 Sugestões de formulários......................................................................................... 51 Análise individualizada dos alunos ........................................................................... 51 A avaliação escolar como instrumento de diagnóstico de rendimento do aluno e como parâmetro do replanejamento das práticas pedagógicas .............................. 53 A psicopedagogia institucional na escola inclusive .................................................. 57 Família e aprendizagem ........................................................................................... 65 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 69 3 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos Conhecendo a psicopedagogia Conceitos gerais, bases históricas e fundamentação teórica Certamente, no decorrer deste curso, você já teve contato com o conceito de Psicopedagogia e conheceu as suas principais formas de atuação. Mas, para começar a nossa disciplina, é necessário rever alguns desses conceitos e contextualizar de que forma as podem colaborar com as práticas pedagógicas no cotidiano escolar. Comecemos, então, pela Psicopedagogia, no seu sentido amplo. A Psicopedagogia é uma área de estudo bastante recente, existindo há aproximadamente 30 anos no Brasil, e tem por objetivo estudar, compreender e intervir na aprendizagem humana. Ao contrário do que o senso comum imagina, a Psicopedagogia não se restringe ao estudo das dificuldades e dos distúrbios de aprendizagem, mas à aprendizagem de um modo geral, seja no seu estado normal ou patológico. Além disso, todos os seres humanos, em qualquer faixa etária, podem fazer uso da Psicopedagogia para aprender de forma mais eficaz ou compreender o seu próprio processo de aprendizagem. Afinal, se estamos suscetíveis ao ato de aprender desde que nascemos até o fim de nossas vidas, por que, então, a Psicopedagogia teria um limite de atuação? Ela está presente onde a aprendizagem acontece, ou seja, em todos os momentos e faixas etárias de nossas vidas. Assim como a aprendizagem pode estar presente em todos os momentos de nossa vida, as dificuldades que ela representa também podem surgir em qualquer nível de ensino. Desta forma, uma pessoa pode ter sido um ótimo aluno, com excelente rendimento escolar até o final do Ensino Fundamental, e apresentar grandes dificuldades para aprender no Ensino Médio, ou até mesmo na universidade. Isso porque, mesmo com as estruturas cognitivas amadurecidas, um determinado assunto ou área de estudo pode se tornar árduo para a nossa aprendizagem, do ponto de vista afetivo, e reagimos negando-o. É provável que o fato de as pessoas restringirem a Psicopedagogia ao tra balho com alunos portadores de dificuldades de aprendizagem também esteja relacionado à sua origem, pois ela surge como uma alternativa de intervenção nas dificuldades de aprendizagem. Sua origem também é atribuída aos argentinos. No entanto, Bossa 4 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos (2000, p. 36) nos alerta que a origem do pensamento argentino acerca da Psicopedagogia está centrada na literatura francesa e se baseia em autores como Lacan, Mannoni, Françoise Dolto, Ajuriaguerra, Pichon-Rivière, entre outros. A Psicopedagogia tem o seu início, portanto, na Europa, ainda no século XIX, quando surgiram as preocupações com os problemas de aprendizagem. Contudo, podemos afirmar que a Argentina tem uma importância considerável na difusão do pensamento psicopedagógico, especialmente na epistemologia convergente. Seus principais representantes são Jorge Visca, Alicia Fernandez e Sara Paín. Ainda na Argentina, a Psicopedagogia tem o seu eixo teórico em três áreas da Psicologia. São elas: a Psicologia Genética de Jean Piaget, a Psicanálise de Freud e a Psicologia Social de Pichon-Rivière. Posteriormente, muitas outras teorias contribuíram e enriqueceram a teoria psicopedagógica, tais como a teoria de Vygotsky, a psicogênese da língua, tão bem defendida por Ana Teberosky e Emília Ferreiro. No entanto, ressaltamos que o berço, a gênese, o nascimento da Psicopedagogia acontece, de fato, com essas três teorias: Psicanálise (Freud), Psicologia Genética (Piaget), Psicologia Social (Pichon- Rivière) e, é claro, com a herança francesa. Não podemos deixar também de citar os nossos representantes brasileiros, que tanto têm contribuído para o desenvolvimento da Psicopedagogia e produzido trabalhos de qualidade na área, tais como Maria Lúcia Weiss, Aglael Borges, Nadia Bossa, Beatriz Scoz e Heloísa Padilha, entre outros. É importante também dizer que, no Brasil, a formação do psicopedagogo se dá por meio de cursos de pós-graduação lato sensu, enquanto na Argentina o curso é de graduação e teve o seu início na Universidade de Buenos Aires, há mais de três décadas. No entanto, podemos atuar em diversos espaços educacionais, não necessariamente com a função de “psicopedagogo”, mas com um olhar e uma postura psicopedagógica diante da aprendizagem. Por exemplo, quando compreendemos o ato de aprender como um processo contínuo e singular, quando entendemos de que maneira os processos afetivos de um aluno estão interferindo na sua aprendizagem e, ainda, quando preparamos nossas aulas pensando no desenvolvimento cognitivo de nosso público, como alguém que prepara uma roupa sob medida. 5 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos Áreas da PsicopedagogiaA Psicopedagogia vem evoluindo e crescendo bastante ao longo dos anos. Hoje, temos a Psicopedagogia Clínica, de caráter predominantemente curativo. Seu espaço de trabalho é o consultório, e o atendimento individualizado é a forma mais comum. A Psicopedagogia Institucional possui caráter predominantemente preventivo, e normalmente a atuação ocorre com pequenos grupos de alunos, trabalhadores, pessoas em geral. A área institucional se divide hoje em três formas de atuação: a escolar, a empresarial e a hospitalar. Olhamos em volta e nos perguntamos qual o profissional da escola que poderá nos ajudar a solucionar os problemas de aprendizagem, o fracasso escolar, a formação continuada dos professores etc., já que a maioria dos profissionais da escola, quando busca em sua formação de base um referencial que ajude a solucionar especialmente os dilemas éticos, nem sempre encontra. A Psicopedagogia não é um elemento milagroso, mas, sem dúvida, é uma forma diferenciada de compreender a aprendizagem humana e atuar sobre ela, já que sempre analisará as situações procurando perceber o sentido cognitivo, afetivo e social de cada questão, bem como a interseção entre esses elementos. O atendimento psicopedagógico institucional escolar ocorre normalmente na escola, em grupos, não necessariamente grupos compostos por alunos da mesma série ou da mesma idade, já que o objetivo desta atuação é o desenvolvimento de habilidades e competências, não o de conteúdos. Aprender conteúdos deve ser uma consequência da intervenção psicopedagógica. E não um objetivo direto deste trabalho. A Psicopedagogia Institucional Empresarial ocorre nas empresas, procurando melhorar o desempenho dos profissionais que nela trabalham e também ajudando as pessoas a encontrar o seu potencial para desenvolvê-lo, visando o melhor aproveitamento possível de cada funcionário. Se compreendemos a aprendizagem humana como um processo contínuo, então é fato que ela também se faz presente na fase adulta. Se compreendemos ainda que a aprendizagem pode ocorrer em qualquer lugar, e que nenhum profissional, ao sair do seu curso de formação, está completo, podemos então conceber o ambiente de trabalho, seja ele qual for, como um espaço 6 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos privilegiado de aprendizagem. A Psicopedagogia Institucional Empresarial pode ainda colaborar com profissionais que apresentem dificuldades de adaptação a novos cotidianos, a novas funções, já que isso também é aprendizagem humana. Pode, ainda, colaborar nos processos de seleção junto aos administradores de empresa e psicólogos empresariais, planejando, em equipe, processos de treinamento que visem ao desenvolvimento do funcionário e da empresa. A Psicopedagogia Institucional Hospitalar é pouco conhecida e difundida no Brasil. Ela tem por objetivo colaborar com o desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes que estejam acamadas ou internadas por longos períodos e, por isso, afastadas dos bancos escolares. A atuação da Psicopedagogia Institucional Hospitalar é junto ao leito, e seu principal objetivo é reduzir as defasagens que o afastamento da escola provocou na criança hospitalizada. Atuamos no sentido de que, no momento em que o paciente retornar à escola, ele possa acompanhar, da melhor forma possível, a turma. Essa fatia da Psicopedagogia ainda é pouco conhecida e praticada no Brasil e quando ocorre, normalmente, é executada por profissionais voluntários. Assim que começamos a definir as áreas de atuação da Psicopedagogia, você percebeu que falamos que a Psicopedagogia Institucional é predominantemente preventiva e a Psicopedagogia Clínica é predominantemente curativa. Por que será que utilizamos o termo predominantemente e não exclusivamente? Porque ocorre uma reciprocidade muito interessante nessas duas modalidades de intervenção psicopedagógica. No que diz respeito à Psicopedagogia Clínica, um profissional dessa área é procurado geralmente quando o problema de aprendizagem já existe e é necessário uma intervenção curativa. No entanto, na medida em que essa intervenção ocorre e soluciona os problemas que ora se apresentam, tal procedimento evita que estes se avolumem ou se tornem mais complexos, deixando os alunos ou profissionais mais refratários às intervenções. Na mesma proporção, quando a Psicopedagogia Institucional atua, ela pretende, primeiramente, prevenir situações de dificuldades de aprendizagem e/ou de adaptação ao ambiente escolar ou profissional; mas, uma vez que o problema de aprendizagem já exista e suas raízes estejam situadas não no sujeito, mas no ambiente escolar ou profissional, na prática pedagógica dos 7 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos professores, nas práticas administrativas ou, ainda, nos vínculos afetivos, a intervenção curativa grupal deve ocorrer no ambiente institucional. Durante muito tempo, concebemos os problemas de aprendizagem como aqueles que tinham como pano de fundo somente o componente biológico. Desprezamos os componentes afetivos, sociais e culturais que tanto interferem no ato de aprender. As crianças que não aprendiam eram comumente levadas ao médico, neurologistas e, na maioria das vezes, eram submetidas a exames neurológicos ou mesmo medicadas. É claro que uma criança pode de fato precisar de tratamentos médicos e possuir dificuldades de aprendizagem como uma consequência de alguma necessidade especial, mas, certamente, não é o caso da maioria. Temos a tendência a focalizar a causa do não aprender em nossos alunos, mas é necessário refletir também sobre as nossas práticas pedagógicas e todo o contexto que cerca o nosso educando, inclusive o familiar e o escolar. Sobre a epistemologia convergente A expressão epistemologia foi muito utilizada pelo professor Jorge Visca, na Argentina. Por definição, o termo epistemologia significa o estudo do conhecimento, da área, da matéria. A utilização da palavra convergente se justifica pela proposta de integração, de interdisciplinaridade que a Epistemologia Convergente propõe. Em outras palavras, para a Psicopedagogia, Epistemologia Convergente significa a integração de três escolas importantes para a base dos conhecimentos psicopedagógicos. São elas: a Escola Psicanalítica, a Escola Piagetiana e a Escola da Psicologia Social, de Pichon-Rivière. Essas três escolas convergem para um único ponto, e a Psicopedagogia vai se utilizar da interseção deste saber. Todos nós nos lembramos das aulas de Matemática no início de nossa vida escolar. Nessas aulas, aprendemos o conceito de interseção e recordamos que ela significa o que há de comum entre pontos, conjuntos ou áreas. No nosso caso, ela representará o que há de comum entre essas três teorias. Você pode imaginar qual seria esse ponto de convergência? A aprendizagem! Cada qual com o seu enfoque e com a sua forma de perceber o homem e seus processos internos e externos. Dessa forma, é possível afirmar que a epistemologia convergente pode significar uma posição teórica, mas 8 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos também pode representar uma prática (VISCA, 1987). Ou seja, podemos estudar as contribuições das três escolas e atuar sobre a aprendizagem dos nossos alunos de forma que os três enfoques teóricos (afetivo, cognitivo e social) sejam contemplados. Um professor pode não ser psicopedagogo por formação, mas pode adotar uma postura psicopedagógica diante da aprendizagem de seus alunos. Você concorda? No cotidiano escolar, em que momentos você consegue perceber a integração dos aspectos cognitivos, afetivos e sociais de seus alunos? Na sua opinião, porque sofremos a influência do pensamento argentino na construção do trabalho e da teoria psicopedagógica?Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos Agora que já sabemos como funciona a atuação da Psicopedagogia Institucional, vamos nos deter na atuação psicopedagógica institucional escolar e verificar de que maneira a Psicopedagogia, como teoria e prática, pode colaborar para o aperfeiçoamento de todos os profissionais da educação no cotidiano da escola. Se eu pedisse para você enumerar agora todos os assuntos do cotidiano da escola que se configuram em desafios para os educadores de um modo geral, quais seriam esses assuntos? Vamos ficar longas horas conversando sobre eles, não é mesmo? Os desafios são proporcionais à complexidade do espaço escolar, pois a nossa maneira de dar aulas, a forma como elaboramos o nosso planejamento, a nossa avaliação, a forma como conversamos com um aluno que cometeu um ato de indisciplina, entre outras atividades, traduzem a nossa forma de ver o mundo e, o mais importante, a nossa concepção de Educação. Todos nós, professores, já estudamos as tendências pedagógicas da educação brasileira e sabemos que, em cada período da história, o professor, o aluno e a direção da escola se comportam de uma maneira diferente. Da mesma forma, os métodos de ensino, os conteúdos que ensinamos não são os mesmos. Isso acontece porque a Educação está inserida num contexto muito mais amplo que é a sociedade e, é claro, ao mesmo tempo em que sofre influências desta, também ratifica ou colabora para a transformação de algumas práticas sociais. Em suma, para cada tempo, novos 9 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos desafios. Podemos concluir, então, que a prática psicopedagógica deve, obviamente, apoiar-se em bases teóricas sólidas, mas deve também adotar um pensamento dialético e contextualizado, sob pena de se transformar em algo obsoleto para a Educação. Voltemos aos desafios presentes no ambiente escolar. São eles: ✓ fracasso escolar; ✓ currículo; ✓ planejamento com enfoque psicopedagógico; a avaliação da aprendizagem; ✓ conselho de classe; trabalho com projetos; ✓ afetividade e aprendizagem; ✓ reuniões de pais; ✓ formação continuada de profissionais da educação; indisciplina na escola; ✓ inclusão. Fracasso escolar Eis um problema nacional. Por que tantas crianças e jovens não conseguem aprender? Especialmente no período da alfabetização, o problema do fracasso escolar tem tirado o sono dos professores. Ao analisar a questão, procuramos as causas no próprio aluno, muitas vezes atribuindo os seus resultados à falta de interesse, à ausência de investimentos na aprendizagem e até mesmo à existência de alguma deficiência que impede a aprendizagem de transcorrer normalmente. É comum também que o problema seja atribuído ao contexto familiar, às condições sociais do aluno e, ainda, à privação cultural. Todos esses fatores podem representar, certamente, causas para o não aprender. Ou, ainda, o fracasso escolar pode ter origem num conjunto de causas anteriormente apresentadas que se entrelaçam. No entanto, é preciso ter cuidado para não “responsabilizar” o aluno pelo seu fracasso escolar, pois nem sempre o problema está localizado no próprio sujeito. Recomenda- se que o professor também reflita sobre a sua prática pedagógica, especialmente sobre as atividades repetitivas e sobre as experiências de aprendizagem que são 10 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos oferecidas, que nem sempre respeitam a individualidade dos alunos. Todos nós, crianças ou adultos, temos os nossos modelos próprios de aprendizagem e, dessa maneira, a aprendizagem torna-se um processo muito singular. Não se trata de buscar culpados para o fracasso escolar, nem de responsabilizar os professores, mas buscar alternativas que estão ao nosso alcance para solucionar o problema. Afinal, podemos trabalhar em conjunto com as famílias de nossos alunos, mas não podemos promover grandes alterações dentro desse contexto, podemos oferecer oportunidades de enriquecimento cultural na escola, mas não solucionar os problemas sociais e de privação cultural de nossos alunos. Então, a questão é: como podemos fazer com que o nosso aluno aprenda, apesar das adversidades? É nosso papel de educador buscar alternativas, e muitas delas são possíveis de serem realizadas dentro da escola. Aprender algo requer interesse pelo objeto; numa linguagem psicopedagógica, requer desejo. É preciso que a escola faça sentido na vida do aluno e que ele não pense que alguns nasceram para estudar e outros não, caindo nas armadilhas do sistema capitalista e neoliberal. Mas nós só conseguimos desejar aquilo que possui algum significado para nós. Aí entra o papel do professor na hora de eleger as oportunidades de aprendizagens significativas. Procurar mostrar para os alunos o sentido da educação e seus benefícios, bem como a necessidade de investimentos a longo prazo, também produz efeitos interessantes e, é claro, é bom evitar os discursos preconceituosos como “estudar para vencer na vida”, “estudar para ser alguém”. O mestre Paulo Freire pode nos ajudar a organizar um discurso de convencimento respeitoso e dialético sobre a importância do ato de estudar. Para a Psicopedagogia, cada um de nós aprende de uma forma diferente e o professor, na maioria das vezes, trabalha com números médios ou grandes de alunos. Assim, é impossível promover atividades individualizadas o tempo inteiro. Então, uma das soluções seria oferecer o maior número possível de atividades diferenciadas para um mesmo conteúdo, dando oportunidade para as diferenças dos modelos de aprendizagem operarem. Também não podemos nos satisfazer se parte da turma aprende e parte não. Se alguns alunos não acompanham a turma, não devemos esperar pelos períodos oficiais de recuperação para fazer algo. É necessário pensar de que maneira podemos utilizar a epistemologia convergente, ou seja, a integração 11 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos de áreas do conhecimento para oferecer oportunidades diferenciadas de aprendizagem para os alunos com dificuldades. O trabalho diversificado ainda é uma boa alternativa para que o professor tenha condições de dar maior atenção aos grupos de alunos com dificuldades. O currículo Seja qual for a escola, seja qual for a sociedade, uma coisa é certa: há um currículo definido para ser ensinado e que serve à sociedade no qual ele está in serido. Ou seja, a escola “presta serviços” à sociedade educando os seus cidadãos e entregando-os à sociedade para servi-la. Em contrapartida, a sociedade “diz” para a escola o que ela precisa ensinar aos seus cidadãos. Portanto, no momento da organização do currículo escolar, devemos nos perguntar o que precisamos ensinar aos nossos alunos de acordo com a nossa cultura. Isso nos faz concluir que nenhum currículo é neutro, ao contrário, está permeado de fatores sociais, políticos e econômicos. Organizar um currículo é tarefa de toda a escola e não só do professor, e não é apenas o componente sociopolítico que deve interferir na organização do currículo. Os componentes afetivos, cognitivos e biológicos também devem ser levados em conta na sua construção. É necessário que a escola fundamente o seu trabalho teoricamente e que construa um currículo adequado às condições afetivas, cognitivas e biológicas de cada grupo de alunos, pois, se ele for complexo demais para determinado nível de desenvolvimento, certamente estaremos “fabricando dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar, mas se for aquém das possibilidades do aluno, estamos impedindo que ele se desenvolva”. O planejamento com enfoque psicopedagógica O planejamento é uma das atividades mais privilegiadas do cotidiano escolar, pois ele representa um momento de reflexãosobre o que vamos ensinar, sobre os conteúdos que precisam ser fixados, revisados, ou, ainda, ensinados de uma outra forma. Conhecemos vários níveis de planejamento que se traduzem em planos, pois 12 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos o planejamento é a atitude de planejar, e o plano é a atividade. Normalmente, ao executarmos um planejamento, traçamos objetivos, estratégias ou procedimentos, recursos didáticos e avaliação. Em todos os níveis de planejamento, podemos encontrar essa estrutura básica. Outros aspectos podem ser acrescentados, tais como o tempo, o número de horas, os recursos de incentivação, os tipos de exercícios que serão aplicados etc. No entanto, os primeiros itens não podem faltar, pois representam o eixo de nossa ação pedagógica. O papel da Psicopedagogia no planejamento escolar é refletir sobre as ações pedagógicas e suas interferências no processo de aprendizagem do aluno. No momento de formular os objetivos, devemos ter cuidado para que eles não se resumam à execução de atividades, já que devem promover um crescimento cognitivo de nossos alunos e construir competências e habilidades de utilização permanente nas suas vidas. É claro que nenhum objetivo geral (aqueles que são traçados para alcance a longo prazo) poderá ser alcançado em um dia de aula, mas, se o professor compreende o conhecimento como um processo de construção, ele terá em mente que nenhuma atividade tem um fim em si mesma, pois ela existe para funcionar como instrumento que leva ao alcance dos objetivos e para “provocar” a cognição dos nossos alunos. Quanto às estratégias (ou procedimentos), é importante refletir sobre qual a melhor forma de ensinar, ou melhor, a melhor forma de construir cada conhecimento junto aos nossos alunos. Já falamos que os modelos de aprendizagem são diferentes e que cada aluno tem o seu, e que, portanto, variar nas estratégias é fundamental, pois, dessa forma, as chances de atingir as diferenças individuais são maiores. A aprendizagem ocorre com mais facilidade quando sentimos prazer no ato de aprender e quando o conteúdo possui significado simbólico ou prático para nós. É aí que entra a criatividade do professor para organizar experiências de aprendizagem significativas, vibrantes, que envolvam os educandos. A experimentação também é uma ótima alternativa. Quando os alunos praticam, pesquisam ou experimentam, as chances de compreender as bases teóricas do conhecimento são maiores. Partir da prática para a teoria facilita a compreensão e evita a memorização sem compreensão. Por exemplo, ao ensinarmos uma fórmula de Física ou Matemática, podemos procurar fazer demonstrações práticas e deduções até chegarmos à fórmula em si. 13 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos Uma queixa muito comum das escolas, em geral, é a falta de materiais e recursos técnicos para o desenvolvimento das aulas. É certo que os recursos ajudam bastante, especialmente na facilitação do dia a dia, colaborando para que a turma fique mais motivada, mas, para a Psicopedagogia, que valoriza muito o componente afetivo para a aprendizagem, os únicos “recursos” que não podem faltar são o desejo de aprender e o desejo de ensinar. Com materiais simples e com muita criatividade, professores e alunos podem construir mecanismos de grande utilidade para a aprendizagem. A avaliação contida no planejamento pode sugerir o final do processo, não é mesmo? Pode ser que de fato o seja, se quisermos, com esta avaliação, apenas saber se o que foi ensinado foi realmente aprendido. Mas a avaliação pode significar também o início do ciclo docente (planejamento, execução e avaliação), já que partiremos dela para planejar a aula seguinte. A avaliação nos dirá o que foi aprendido, o que precisa ser revisado, o que precisa ser fixado etc. Além disso, sonda a aprendizagem do aluno, mas também o que o professor ensina. É importante que fique claro que, ao avaliar, o professor não deve prestar atenção somente no aluno e sim na aprendizagem. Para isso, ele não precisa necessariamente fazer uso de testes e provas. Atividades de sala de aula, como trabalhos em grupo, exercícios, projetos e a observação do professor, podem dizer muito sobre a aprendizagem dos alunos. Avaliação de aprendizagem Vamos tratar, agora, de um dos assuntos mais polêmicos da educação: a avaliação. Historicamente, a avaliação tem sido usada por muitos educadores como instrumento de poder sobre o aluno, incentivando uma relação mercantilista com o saber. Ou seja, o aluno aprende a estudar para tirar o número de pontos que precisa para ser aprovado. O sentido da aprendizagem é o de troca pelos pontos, ou melhor, a nota é o salário pago pelo tempo dedicado ao estudo. Alguns alunos chegam a estudar para tirar somente os pontos necessários para a aprovação, deixando a ideia do estudo para o desenvolvimento intelectual e pessoal completamente de lado. Entendemos que a forma de avaliação que o professor escolhe é uma 14 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos consequência de toda a sua prática pedagógica; portanto, se nas aulas há um incentivo à “decoreba” e à apreensão de ideias soltas, descontextualizadas, a avaliação não pode ser diferente. Pensemos, também, no absurdo que representa a utilização de médias para calcular a nota do aluno. Quando um aluno tira uma nota baixa e depois melhora o seu rendimento, a sua nota anterior é somada à nota mais alta e é feita a média aritmética entre elas. Ou seja, mesmo melhorando, o aluno sempre será punido pelo seu rendimento anterior. Ou, ainda, somamos e tiramos médias de resultados de áreas do conhecimento completamente diferentes. Isso seria justo? Por outro lado, se a escola esconde dos alunos a realidade das provas, o mundo mostrará, pois o estudante encontrará provas para ingressar na universidade (afinal, o vestibular ainda é uma realidade na nossa sociedade) e encontrará também os processos seletivos para ingressar no mercado de trabalho, ou para continuar sua carreira acadêmica, entre outros momentos. Logo, se a escola também tem como função preparar o aluno para a vida, não tem o direito de lhe negar a realidade. No entanto, podemos trabalhar com a avaliação humanizada, que é a proposta da Psicopedagogia. Vamos tratar de alguns princípios da avaliação humanizada. Se exercemos o magistério em uma sociedade que quantifica o conhecimento e o traduz em notas, não podemos nos contentar em aprovar um aluno que tirou média 5. Pense no absurdo que representa aprovar um aluno que aprendeu 50% do que ensinamos em sala. Ao compararmos o trabalho do professor com o de um médico, verificamos que nenhum médico se dá por satisfeito se o seu paciente estiver 50% curado, não é mesmo? Restaos lutar para “aumentar” esse percentual de aprendizagem dos alunos. Como? Oferecendo-lhes oportunidades de refazer a avaliação até que eles demonstrem que alcançaram um rendimento melhor porque suas dúvidas foram sanadas. A oferta de oportunidades diferenciadas de avaliação e não somente a utilização de testes e provas também pode contribuir e estimular a aprendizagem. Além disso, é importante que, ao formularmos essas situações de avaliação, procuremos sempre baseá-las em situações concretas, presentes de fato no cotidiano. Tornar o aluno personagem da questão. Não podemos também abrir mão da autoavaliação. Afinal, desenvolver a 15 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos consciência crítica dos nossos alunos também é nosso dever, e a autoavaliação é um excelente recurso para o desenvolvimento da autoconsciência. A autoavaliação pode ser feita desde a Educação Infantil, com utilização de desenhos e legendas. A utilizaçãoda avaliação qualitativa também é bem-vinda. Listar habilidades e comportamentos que desejamos trabalhar em nossos alunos e que, por causa da sua carga subjetiva não podem ser quantificadas, mas podem ser apreciadas e qualificadas pelo professor, podem dizer ao aluno coisas que as notas não conseguem dizer. Conselho de classe O conselho de classe é um momento de muita importância para a comunidade escolar e, infelizmente, é desperdiçado por muitos educadores. Há desperdício quando se transforma num momento de lamentações e de críticas improdutivas aos alunos. O conselho de classe deve ser visto como uma oportunidade (rara muitas vezes) de reunir professores de diferentes áreas para conhecer melhor os alunos, promover a integração do trabalho pedagógico e, acima de tudo, planejar alternativas de intervenções psicopedagógicas para os alunos que estão com dificuldades para aprender. Como vimos nos itens anteriores, planejamento e avaliação são elementos indissociáveis e o conselho de classe é um momento de avaliação. É uma oportunidade de ação coletiva dos profissionais da escola não só para os problemas de aprendizagem como também para os problemas de indisciplina, administrativos e operacionais da escola. Contudo, não devemos permitir que o burocrático sufoque o pedagógico. Trabalhando por meio de projetos Muitos autores já trataram da importância de se trabalhar com projetos. Dewey já tratava do assunto e, dada a sua pertinência, o tema continua atual. A maior vantagem de trabalhar com projetos, segundo a maioria dos autores, é a possibilidade de integrar as diferentes áreas do conhecimento, bem como promover a integração entre os alunos e a autonomia intelectual. Além disso, os educandos aprendem a 16 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos pesquisar, estratégia pouco utilizada na escola ou utilizada de forma equivocada, pois a maioria das pesquisas escolares param na fase da coleta de dados. Os projetos devem surgir de um problema real e, portanto, devem ter seus temas originados de debates com os alunos. Não cabe ao professor criar os temas de projetos, sob pena de não oferecer sentido aos alunos. Ao eleger o tema, o professor direciona o grupo para a investigação, primeira fase da pesquisa, posteriormente para a formulação dos assuntos aprendidos e, na última fase, temos a apresentação, e, portanto, a avaliação do trabalho. Afetividade e aprendizagem PichonRivière, na Teoria do Vínculo, ressalta a importância deste para a aprendizagem. Todos temos exemplos, em nossa história de aprendizagem, de professores que, com sua afetividade, fizeram com que gostássemos de suas disciplinas e até tivéssemos facilidade de aprender por causa deles. Mas também tivemos a experiência contrária: professores que desprezavam a afetividade e dificultavam bastante o nosso aprender. Não é à toa que temos preferências por algumas disciplinas e temos aversão a outras, como também não é à toa que escolhemos a profissão de educador. Diga-se de passagem, se fizemos esta escolha profissional, segundo a Psicopedagogia, é porque o nosso vínculo com a aprendizagem foi muito mais positivo do que negativo. Quando um aluno apresenta dificuldades para aprender, segundo a Psicopedagogia, uma das primeiras tarefas do educador é o resgate da autoestima do educando, pois ninguém consegue aprender se não conseguir investir no ato de aprender, e ninguém consegue investir na própria aprendizagem se não tiver o desejo de aprender e acreditar nas suas possibilidades. Então, cabe ao professor oferecer aos seus alunos oportunidades de acerto, experiências positivas que os conduzam ao desejo de continuar aprendendo para continuar acertando. São raríssimos os casos de alunos que recebem o fracasso escolar como um desafio a ser superado, afinal, isso exige uma maturidade que a criança não possui. Será necessário que o professor presenteie o aluno com um recurso valioso e que nada custa: o elogio. Elogiar é altamente reforçador do sucesso. 17 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos Reuniões de pais A sociedade mudou, assim como os nossos pais e alunos também mudaram. O número de mulheres no mercado de trabalho, em algumas regiões do Brasil,muitas vezes, é superior ao número de homens, sendo que muitas delas mantêm suas famílias sozinhas. Em suma, a família mudou bastante ao longo dos anos e isso nos faz pensar que as relações entre a escola e a família não podem ser as mesmas. É comum ouvirmos queixas, por parte das escolas, sobre a pouca participação dos pais na vida escolar dos filhos, inclusive que nas reuniões de pais a frequência é baixíssima, e também é frequente ouvir dos pais que a escola possui alguma falha e que gostariam de ser mais ouvidos pelos professores e equipe técnica. Refletir sobre esses desencontros é necessário para o bem da aprendizagem de nossos alunos. Alguns procedimentos muito simples podem ajudar no progresso dessas relações. Por exemplo, as reuniões podem variar de dia e horário, a fim de concentrar o maior número possível de pais. Ou, ainda, mantermos um horário fixo, depois de ter levantado a disponibilidade dos pais. As reuniões devem ser breves e respeitar o horário marcado. Além disso, é bom que tratemos dos assuntos coletivos, e os individuais devem ser agendados para uma conversa em particular. Quando se tem uma visão psicopedagógica, enxergamos os pais de nossos alunos como seres também em processo de aprendizagem e, por isso, em alguns momentos da reunião, cabem “prescrições”, sugestões de como os pais podem agir em casa para conduzir os estudos de seus filhos, sem, com isso, tornarem-se professores particulares dos filhos. Muitos pais afirmam textualmente, especialmente quando o problema é o comportamento, que não sabem o que fazer com seus filhos. Devemos acreditar nesse “não saber” e colaborar com eles, oferecendo-lhes leituras, pequenos vídeos, estudos de caso, algumas atividades práticas, enfim, tornar a nossa reunião o mais produtiva possível. É importante, também, que as reuniões tenham momentos informativos e momentos formativos, isto é, de construção de saberes. Além disso, é bom que os pais possam ver algumas atividades que foram desenvolvidas pelos seus filhos e que saibam onde eles tiveram maior facilidade ou dificuldade, bem como informar como 18 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos serão os próximos meses de aula e de que maneira eles podem participar. Se permitirmos que os pais de nossos alunos falem, vamos aprender com eles e descobrir talentos que podem ser úteis para a escola. Formação continuada de profissionais da educação Phillipe Perrenoud nos orienta que uma das competências do professor deve ser gerir a própria formação. Como profissionais da educação e da aprendizagem, sabemos que a nossa formação é um processo contínuo, sem fim. Participar das oportunidades de formação continuada oferecidas pelo nosso local de trabalho, bem como participar autonomamente de outros, é uma forma de aprimorar o nosso trabalho. As leituras de livros e periódicos diversos também são ótimos recursos, pois colaboram para que o professor passe de leitor para autor de conhecimentos e, por que não, um professor-pesquisador. Pedro Demo afirma que o professor que nunca foi pesquisador também nunca foi professor, pois ele torna-se um mero repetidor de informações, no lugar de produzir conhecimento. Indisciplina na escola Talvez um dos grandes desafios de nossos tempos seja a construção dos limites e da ética dentro da escola. Temos notícias de que muitos professores, competentes em sua área, possuem dificuldades para desenvolver o seu trabalho em função do comportamento de seus alunos. A Psicopedagogiaentende que esse comportamento pode ser um problema relativo de aprendizagem, com bases na afetividade do sujeito e na sua relação com o ato de aprender, e que, portanto, essa relação pode ser construída (ou reconstruída) por meio do vínculo afetivo entre professor e aluno. No entanto, a construção da ética na escola não pode ser uma atitude isolada do professor, e sim projeto de toda a escola. É bom que o professor também reveja o seu procedimento, pois, se analisarmos o cotidiano de nossa escola, alguns alunos com problemas de indisciplina não agem de forma inadequada com todos os professores, mas com 19 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos alguns. Isso nos faz pensar que o problema também pode não estar no aluno nem no professor, mas na relação que os une, que é o conhecimento. Inclusão Inclusão é um tema bastante amplo, pois ela não se restringe aos portadores de necessidades especiais. Os excluídos nesse grande Brasil são muitos e as exclusões vão desde questões raciais e étnicas até os problemas de desemprego. O fracasso escolar também merece uma análise sobre inclusão, pois, na verdade, esses alunos “não estão na escola”. Durante muito tempo, esses alunos estiveram fora da escola, recebendo uma educação segregada. Os professores, por sua vez, não recebiam, em seus cursos de formação, uma qualificação adequada para trabalhar com os portadores de necessidades especiais. No entanto, a inclusão se faz hoje uma realidade presente na maioria das escolas e, preparados ou não, esses professores estão recebendo os alunos especiais. É preciso sair do modelo de integração em direção ao modelo da inclusão, pois, enquanto a integração significa a abertura da vaga para o portador de necessidades especiais, mas não a adaptação da organização da escola para recebê-lo, a inclusão só é inclusão porque faz uma série de adaptações, de grande e pequeno porte, para melhor receber o aluno e promover a aprendizagem. Só podemos considerar um aluno de fato incluído quando ele está experimentando situações de aprendizagem, além da socialização. A socialização simplesmente não garante a inclusão de fato. Para promover a inclusão, é necessário, ainda, trabalhar junto à escola, à família e ao próprio sujeito. A família funciona como uma coautora da inclusão, pois poderá ser como um elemento reforçador das aprendizagens realizadas na escola, além de prestar informações importantíssimas para os profissionais que cuidam e atendem seu filho. A formação continuada do professor para melhor prepará-lo para o atendimento aos alunos especiais também é muito necessária, pois o educador precisa compreender os caminhos da aprendizagem de seu aluno especial ou, em outras palavras, o percurso psicopedagógico que ele faz, para melhor intervir. 20 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógicaNesse capítulo, enfocaremos o objeto de estudo da Psicopedagogia e, certamente, o principal objetivo dos educadores: a aprendizagem. Como estudamos anteriormente, a Psicopedagogia busca o aperfeiçoamento das relações com a aprendizagem, bem como a melhor qualidade possível na construção da aprendizagem de alunos e educadores (WEISS, 2000). Mas, afinal, o que é aprendizagem? Como se processa?Muitos autores se preocuparam com o tema. Para Alicia Fernandez, por exemplo, todo sujeito tem a sua modalidade de aprendizagem e os seus meios para construir o próprio conhecimento, e isso significa uma maneira muito pessoal para se dirigir e construir o saber. Para a autora, esse processo inicia-se desde o nascimento e constitui-se em molde ou esquema, sendo fruto do nosso inconsciente simbólico. O desejo de aprender reside no inconsciente (BOSSA, 2000) e, é claro, é fruto da história de cada sujeito e das relações que ele consegue estabelecer com o conhecimento ao longo da vida.Para Sara Paín, a aprendizagem é resultado da articulação de fatores internos e externos do próprio sujeito, do organismo (substrato biológico), do desejo de aprender, das estruturas cognitivas e do comportamento em geral. Todos esses aspectos convergem para um mesmo objetivo que é o ato de aprender. Para esta autora, a aprendizagem possui algumas funções contraditórias. São elas: a função socializadora, a função repressora e a função transformadora. Vejamos como essas funções se definem:a) Função socializadora: a educação leva o sujeito a experimentar a vida em comunidade e faz ensaios de participação social no ambiente escolar. A escola trabalha dentro de um projeto social de homem e atua para que este seja o mais integrado possível no seu ambiente. Para viver em sociedade, é necessário que o homem faça uso do conhecimento produzido pela sua cultura.b) Função repressiva: na visão da autora, a aprendizagem possui essa função, já que o professor trabalha com limites claros e a escola é um espaço permeado de limites (o uso de uniformes, horários, programação de tarefas pedagógicas etc.). Além disso, não há espaço para a expressão plena do desejo de aprender porque, na maioria das vezes, as atividades são coletivas e um sujeito representa o limite do outro.c) Função transformadora: eis aqui o elemento de dicotomia das funções da aprendizagem, pois, ao mesmo tempo em que ela possui a função da manutenção da cultura (função socializadora) e de 21 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos delimitar o sujeito (função repressora), a aprendizagem tem a função de libertar o homem a partir do conhecimento e, por conseqüência, transformar a sociedade.Para Sara Paín, o não-aprender pode representar um sintoma e não um problema, pois, por meio dele, o professor pode ter contato com a modalidade de aprendizagem do aluno. Para Jorge Visca, a aprendizagem representa uma construção intrapsíquica, considerando os componentes genéticos e as diferenças nascidas da evolução da espécie, resultantes das pré-condições biológicas, das condições energético-estruturais (condições afetivas) e das circunstâncias do meio. É a compreensão da aprendizagem por meio da epistemologia convergente, ou seja, todos os aspectos do ser humano convergindo para um único ponto, que é a aprendizagem. Jorge Visca considera que, na Psicologia Evolutiva, encontramos as explanações behaviorista, piagetiana, psicanalítica etc., que não abordam a aprendizagem de maneira específica e nem o seu processo evolutivo. Acrescenta que o esquema evolutivo da aprendizagem postula:1. a existência de quatro níveis de aprendizagem: proto-aprendizagem, deuteroaprendizagem, aprendizagem assistemática e aprendizagem sistemática;2. que a aprendizagem se dá em função de aspectos energéticos e estruturais e pela tematização dos esquemas de ação;3. que o processo geral e as aprendizagens particulares respondem a princípios estruturais construtivistas e interacionais (Visca, 1987, p. 75).Vamos entender o que significa cada termo e abordagem. Comecemos pelos níveis de aprendizagem.a) Proto-aprendizagem – representa as primeiras aprendizagens que acontecem nas relações afetivas da criança com sua mãe. O mundo externo da criança se reduz à mãe ou ao adulto que a substitui. b) Deuteroaprendizagem – trata-se da concepção de mundo e de vida que se adquire por meio da convivência com a família.c) Aprendizagem assistemática – esta se dá pela interação da criança com uma comunidade maior que a família, como, por exemplo, o seu bairro.d) Aprendizagem sistemática – é aquela que ocorre pela interação com as instituições educativas que transmitem conhecimentos, atitudese habilidades que a sociedade estima. É interessante comentar como Jorge Visca relaciona essas etapas da aprendizagem. Para o autor, desde que nascemos, inicia-se um processo de aparecimento e estabilização de condutas que permitem definir quatro níveis consecutivos de 22 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos aprendizagem (são as já citadas: proto-aprendizagem, deuteroaprendizagem etc.). Vejamos que o autor utiliza a palavra “consecutivos”, o que significa que cada nível de aprendizagem ocorre após o outro, mas não elimina o anterior. Se a proto- aprendizagem consiste na aprendizagem dos vínculos e se dá, principalmente, com a mãe ou com a pessoa que a substitui, ela está baseada nos seus substratos biológicos, e a aprendizagem se da em forma de condicionamento, a partir dos estímulos biológicos.Quando a criança avança para o segundo nível, que é a deuteroaprendizagem, para Jorge Visa, é como se a placenta tivesse sofrido uma terceira mudança e ampliação. A primeira seria na ocasião do nascimento, a segunda na ocasião da proto-aprendizagem e a terceira na deuteroaprendizagem. Nesse segundo nívelde apr end iza gem, a cria nça tem co nta to c om as e str utu ras de con heci men to e com a cultura do grupo em que vive. É o que Visca vai chamar de axiologia do grupo. O mesmo substrato biológico que servia à proto-aprendizagem servirá à deuteroaprendizagem. A proto-aprendizagem modificava o substrato biológico e a deuteroaprendizagem modificará a proto- aprendizagem. A aprendizagem assistemática, terceiro nível de aprendizagem, vai se efetuar pela interação da criança que atingiu a deuteroaprendizagem com a comunidade restrita (bairro, vizinhança, comércio local etc.), enquanto a aprendizagem sistemática ocorrerá nas instituições oficiais, eleitas pela sociedade para este fim e, obviamente, sofrerá influência de todos os níveis de aprendizagem anteriores. 23 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos VISCA, J. Clínica Psicopedagógica – Epistemologia Convergente. Porto Alegre: Artmed, 1987, p. 79. Como citamos bastante a participação do substrato biológico na composição da aprendizagem humana, é bom esclarecer que ele não é o único componente. Pelo enfoque dado à importância das interações, seja com a mãe, seja com a comunidade, é fato que o aspecto social, bem como a sua amplitude, favorece a aprendizagem. Além disso, para Visca, os aspectos estruturais e energéticos têm considerável implicação no processo. O termo energético diz respeito ao que nós, brasileiros, costumamos denominar de afetividade. Os argentinos preferem a utilização do termo energético. Dessa forma, se uma criança possui um bom vínculo com o objeto de aprendizagem, o investimento pode ser maior e o resultado muito favorável. Por outro lado, se o vínculo é inadequado, pode comprometer a aprendizagem. Mas existe uma terceira possibilidade: quando o vínculo é inadequado, afeta um determinado objeto, mas não afeta o núcleo essencial da aprendizagem, possibilitando que ela ainda se desenvolva.É muito importante que tenha claro como a aprendizagem se processa e como o conhecimento se constrói, para que a sua forma de ensinar seja respeitosa e eficaz, do ponto de vista psicopedagógico. O conhecimento não é cópia nem apropriação de algo que está fora de nós, mas uma constru ção (SOLÉ, 1998). Cabe Aprendizagem: o que é e como se processa na 24 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos visão psicopedagógica23 ao professor, com visão psicopedagógica, ser um investigador dos processos de aprendizagem dos seus alunos.Para Fonseca (1995), a aprendizagem é o comportamento mais importante dos animais superiores e significa uma resposta modificada, estável, durável, interiorizada e consolidada no cérebro do indivíduo. Isso nos faz pensar sobre as confusões tão comuns entre aprendizagem e memória. Na escola tradicional, a memorização de informações era sinônimo de aprendizagem e o uso do conhecimento era pouco importante. Era valorizado, por exemplo, que o aluno soubesse o nome de todos os rios e afluentes da Bacia Amazônica, mas não se considerava se ele tinha adquirido uma noção espacial real e, ainda, uma visão crítica da utilização do meio ambiente. A visão psicopedagógica da aprendizagem concebe o conteúdo como instrumento para construir conhecimento, mas o conteúdo não pode ter um fim em si mesmo, principalmente porque ele é mutante. Portanto, interessa-nos que o aluno se aproprie dos conteúdos para construir estruturas mentais cada vez mais sofisticadas e aprenda a lidar e a buscar novos conhecimentos.Para aprender, é necessário que exista uma relação integrada entre o indivíduo e o seu meio, pois o produto aprendizagem é fruto de uma relação de condições externas e condições internas, por meio de um processo sensório-neuropsicológico (FONSECA, 1995). Ainda para este autor, a aprendizagem envolve complexos processos neurológicos, reações químicas, atividades bioelétricas, arranjos moleculares das células nervosas, eficiências sinápticas, redes interneuronais, metabolismo protéico etc. A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem Pretendemos agora abordar as dificuldades de aprendizagem, a fim de melhor compreendê-las e poder intervir adequadamente na sala de aula.Alunos que não aprendem são sempre um desafio para nós, professores, não é mesmo? Para aquele que possui estas dificuldades, a situação não é menos difícil. Não conseguir acompanhar o seu grupo destrói a auto-estima e deixa o aluno à margem de um processo que deveria ser plenamente integrador. As causas do não-aprender 25 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos podem ser diversas.Para Maria Lúcia Weiss, a prática psicopedagógica deve considerar o sujeito como um ser global, composto pelos aspectos orgânico, cognitivo, afetivo, social e pedagógico. Vamos entender a participação de cada aspecto na compreensão da dificuldade de aprendizagem. O aspecto orgânico diz respeito à construção biológica do sujeito; portanto, a dificuldade de aprender de causa orgânica estaria relacionada ao corpo. O aspecto cognitivo está relacionado ao funcionamento das estruturas cognitivas. Nesse caso, o problema de aprendizagem residiria nas estruturas do pensamento do sujeito. Por exemplo, uma criança pode estar no estágio pré-operatório e as atividades escolares exigirem que ela esteja no estágio operatório-concreto. O aspecto afetivo diz respeito à afetividade do sujeito e de sua relação com o aprender, com o desejo de aprender, pois o indivíduo pode não conseguir estabelecer um vínculo positivo com a aprendizagem. O aspecto social refere-se à relação do sujeito com a família, com a sociedade, seu contexto social e cultural. E, portanto, um aluno pode não aprender porque apresenta privação cultural em relação ao contexto escolar. Por último, o aspecto pedagógico, que está relacionado à forma como a escola organiza o seu trabalho, ou seja, o método, a avaliação, os conteúdos, a forma de ministrar a aula etc. Para esta autora, a aprendizagem é a constante interação do sujeito com o meio. Podemos dizer também que é a constante interação de todos os aspectos apresentados. Em contrapartida, a dificuldade de aprendizagem é o não- funcionamento ou o funcionamentoinsatisfatório de um dos aspectos apresentados ou, ainda, de uma relação inadequada entre eles. Uma rede de aspectos não- satisfatória para a aprendizagem. Da mesma forma que os aspectos relacionados podem justificar a dificuldade de aprendizagem, eles podem também servir de parâmetro para a organização de uma prática pedagógica eficaz e preventive. Contribuições e operacionalização das teorias de Piaget e Vygotsky no cotidiano escolar Piaget e o desenvolvimento humano Jean Piaget destaca-se ainda atualmente devido à grande contribuição de seus estudos para o entendimento do desenvolvimento humano. Entenderemos aqui como 26 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos desenvolvimento humano o desenvolvimento mental e o crescimento orgânico.Piaget demonstrou que a criança tem uma forma própria de ver o mundo e entender o que a cerca, e que, em cada faixa etária ou etapa de desenvolvimento, a concepção de mundo sofre alterações.Existem alguns fatores que interferem diretamente no desenvolvimento humano, como, por exemplo: a hereditariedade – o potencial humano também é estabelecido pela sua carga genética. Hoje sabemos que a hereditariedade influencia, mas não limita esse potencial. O crescimento orgânico também é um outro fator e diz respeito ao desenvolvimento físico da criança e o domínio do ambiente que ela passa a ter a partir do crescimento. A maturação neurofisiológica garante o desenvolvimento neurológico, e a sofisticação dos comportamentos e o meio influenciam na estimulação ambiental. É importante que, ao estudar a inteligência humana e a construção do pensamento, não esqueçamos que o homem é formado por diversos aspectos, como o físico-motor, o intelectual, o afetivo e o social.Piaget divide o desenvolvimento humano em períodos e estabelece uma faixa etária para cada um deles. É fato que as faixas etárias aqui apresentadas não são rígidas, mas servem de referência para os educadores.Período sensório-motor (0 a 2 anos)Como o nome já diz, a criança conquista o mundo por meio das sensações e das percepções. A inteligência, nessa fase, é prática e se manifesta por intermédio dos movimentos. Não há diferença entre o eu e o mundo, e o desenvolvimento muscular garante um domínio maior sobre o ambiente.Período pré-operatório (2 a 7 anos)O aparecimento da linguagem é a marca deste período e, por meio dela, a criança consegue expressar o seu mundo interior. O pensamento evolui por causa do aparecimento da linguagem e a realidade é transformada para atender às necessidades da criança. Necessidades do mundo simbólico. Nessa fase, a maturação neurofisiológica se completa e a criança adquire a coordenação motora. Há um grande interesse por atividades diversificadas e surgem os primeiros sentimentos morais.Período das operações concretas (7 a 12 anos)Neste período, a criança abandona o egocentrismo e será capaz de cooperar com os outros, desenvolver trabalhos em grupo e, ao mesmo tempo, adquirir autonomia para o trabalho individual. As operações mentais se tornam mais sofisticadas e a criança é capaz de estruturar um planejamento para alcançar seus objetivos, tanto no plano físico como no plano mental. Surge a relação entre causa 27 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos e efeito e a noção de número já pode ser construída. O sentimento de grupo e a capacidade de cooperação tornam-se fortes e facilitadores do trabalho em sala de aula. Período das operações formaisA principal característica é a mudança do pensamento concreto para o pensamento abstrato, sendo possível realizar operações somente no plano mental. Nesta fase, por exemplo, o aluno já é capaz de compreender o conjunto Z dos números inteiros e realizar operações com números negativos, pois já existe a possibilidade de um número ser menor que zero. Do ponto de vista social, o adolescente interioriza as normas sociais, primeiramente rejeitando- as para, posteriormente, ocorrer uma adaptação a elas. É uma fase de muita reflexão sobre os conceitos sociais e o desejo de transformação. Afetivamente, o adolescente vive conflitos indispensáveis à sua constituição adulta. Vygotsky e o desenvolvimento humanoVygotsky nos trouxe propostas teóricas inovadoras sobre o pensamento e a linguagem. Um conceito importante na sua obra é o fato de as origens das formas superiores de comportamento, como a memória, a atenção e o pensamento, para esse autor, serem construídas nas relações sociais e não dentro do próprio sujeito. Esse homem que se constitui por meio das relações sociais não é um simples receptor de informações, mas um sujeito participante de sua história que interage com os seus pares.As propostas de Vygotsky foram elaboradas ao lado de Luria e Leontiev, e o desenvolvimento da criança compreendido por Luria é composto por três aspectos importantes. O aspecto instrumental refere-se à natureza mediadora das funções psicológicas complexas. Isso significa que não só respondemos aos estímulos do ambiente, mas modificamos esses estímulos e os transformamos em instrumentos para o nosso comportamento. Por exemplo, mudar um objeto de lugar dentro de casa para lembrar de levar um material importante para o trabalho no dia seguin-te. O objeto que foi mudado de lugar estabelece uma mediação entre o estímulo, que é o próprio objeto, e o nosso comportamento. O aspecto cultural significa o conjunto de códigos que a sociedade cria para a solução de tarefas do cotidiano, e cada tarefa traz dentro de si uma série de subtarefas. Por exemplo, para tomar café, é necessário antes escovar os dentes. Para escovar os dentes, é necessário segurar a escova numa certa posição, colocar o creme dental etc. A linguagem é um dos códigos criados pela sociedade e indispensável para a humanidade. O aspecto histórico é utilizado para dominar o 28 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos ambiente social e representa uma mistura do histórico com o cultural, pois todos os meios que o homem usa para o domínio do ambiente foram construídos pela civilização.Os estudos de Vygotsky se concentraram, principalmente, na linguagem e no pen sa mento. Pa ra o autor, a fala pos sui u m de senvolvi mento prog res sivo, pois in icialmente a criança mistura a fala com as suas ações, e o objeto, o brinquedo, por exemplo, é quem or ient a a conver sa. Poster ior mente, ela utiliz a a fala pa ra se comun ica r com os adultos e demonstrar o que está fazendo ou querendo. Somente mais tarde é que a fala deixa de ser um i nstr umento do compor ta mento e a dquire u m sent ido a mplo.A linguagem é, portanto, um meio de construção da cultura e toda ela representa um sistema de signos. Para Vygotsky, todo o desenvolvimento ocorre no plano das interações e, por isso, desde bem cedinho, quando a criança balbucia, este ato toca o adulto, que devolve com outro ato, seja um carinho, uma palavra, que por sua vez realimenta e enriquece o repertório da criança. Para Piaget, a linguagem também passa por fases. Quando a criança se encontra no período sensório-motor, por exemplo, ela se utiliza do monólogo e da ecolalia. No período operatório-concreto, ela transita entre o monólogo coletivo e a adaptação da informação que recebe de acordo com o seu mundo simbólico. Neste período, já existe um diálogo estruturado e, no período das operações formais, os diálogos adquirem formas de discussões, muitas vezes ideológicas, já que na adolescência há uma grande preocupação com temas como a justiça e a igualdadesocial.Um conceito muito importante da teoria de Vygotsky é o de zona proximal. A zona proximal dos nossos alunos não pode ser medida, pois representa o desenvolvimento que ainda está por vir. Além disso, cada ser humano possui uma zona proximal diferente, pois cada informação, cada contato com a realidade e, portanto, cada aprendizagem, altera a nossa zona proximal. Isso significa que o professor pode se posicionar perante o aluno considerando que o desenvolvimento ainda não aconteceu ou que a aprendizagem ainda está por vir.Enquanto Piaget trabalhou com o desenvolvimento retrospectivo, ou seja, o desenvolvimento que já ocorreu, Vygotsky considera o desenvolvimento prospectivo, que é o desenvolvimento que ainda está por vir. Para Piaget, os estágios de desenvolvimento do pensamento existem em qualquer cultura, mais ou menos na mesma época, e o que determina o limite de aprendizagem das 29 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos crianças é a capacidade das estruturas mentais. Para Vygotsky, o cérebro humano possui uma característica muito importante que é a plasticidade cerebral. Significa que as capacidades de aprendizagem podem ser ampliadas, pois o cérebro é plástico e essa capacidade está ligada ao nível de interação social das crianças com o meio. A concepção de plasticidade foi muito importante para o trabalho que Vygotsky desenvolveu com crianças portadoras de deficiência e seu trabalho influenciou muito na atual compreensão de que todos são capazes de aprender.O surgimento da fala representa para Piaget o resultado de uma maturação biológica e das estruturas cognitivas, sendo um movimento do interior do sujeito para o mundo exterior. Para Vygotsky, o surgimento da fala representa que a criança se apropriou de mais um aspecto do mundo exterior e o levou para dentro de si, num constante processo de interação.Contribuições e operacionalização das teorias de Piaget e Vygotsky no cotidiano escolar45 Em suma, enquanto Piaget enfatiza a maturação, as experiências concretas e a equilibração, Vygotsky enfatiza o aspecto interacionista, pois é por meio da interação social que os planos mentais superiores são construídos.Operacionalização das teorias de Piaget e Vygotsky no ambiente escolarAcredito que nenhuma teoria substitui inteiramente outra, pois o trabalho do professor é sempre interdisciplinar e pode buscar fundamentação teórica em diversas concepções, ainda que estas pareçam antagônicas em alguns momentos. Dessa forma, a teoria de Piaget pode enriquecer o trabalho do professor na medida em que traz concepções interessantes sobre o processo de aprendizagem, especialmente quando nos apresenta o conceito de assimilação e equilibração para a efetivação da aprendizagem.As características de cada estágio de desenvolvimento, especialmente como as estruturas cognitivas se apresentam em cada um deles, também podem colaborar para a construção de um planejamento mais adequado à compreensão infantil, principalmente no que diz respeito à seleção de conteúdos.Piaget considera o desenvolvimento retrospectivo e, portanto, a postura do professor é em relação ao que o aluno já sabe, ao que ele já aprendeu. Trata-se de uma postura de avaliação. Avaliar é fundamental para o caminhar do processo pedagógico, mas é importante que a avaliação não seja utilizada para rotular o aluno ou para fechar idéias em si mesmas. Por exemplo, um professor chega à conclusão de que o aluno não 30 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos consegue aprender determinados conceitos porque ele se encontra no estágio pré- operatório quando os conteúdos exigem que ele esteja no período operatório- concreto. Sim, descobrimos isso, mas o que faremos com essa informação? Se o professor vai utilizá-la para promover alternativas de estimulação da aprendizagem, então a avaliação e o posterior enquadramento do aluno no estágio pré-operatório foi válido. Caso contrário, cairemos na crença da espontaneidade do desenvolvimento. Vygotsky valoriza bastante a prática docente e seus estudos são voltados para a atuação do professor em sala de aula. Ele esclarece que, se temos 20 alunos em sala, temos, então, 20 zonas proximais diferentes, pois cada aluno chega à sala de aula com uma história diferente e com um repertório diferente, e a cada informação que o professor fornece, a cada proposta de novas experiências, essa zona proximal se altera, formando um novo repertório. Logo, o professor não possui nenhum tipo de controle sobre a zona proximal de seus alunos. O desenvolvimento, para Vygotsky, é prospectivo, por isso, o “não-saber” não existe para este autor. Existe o “ainda não- saber”, pois o desenvolvimento sempre ainda está por vir. Nesse caso, cada aluno tem o seu tempo e o seu ritmo, o que contraria bastante o nosso sistema de educação por meio da organização de turmas, o tempo de um ano letivo que estipulamos para a aprendizagem do conteúdo da série etc.Vygotsky não acredita na espontaneidade. Para ele, a intervenção pedagógica é provocadora do desenvolvimento, e se um dos princípios de sua teoria é o interacionismo, a aprendizagem não pode ocorrer de dentro para fora e sim de fora para dentro.O trabalho em grupo é uma prática valorizada pelo autor, dada a força da interação social na sua teoria. Por meio das trocas, o aluno interioriza conceitos e aprende, apropriando-se do mundo. O conteúdo possui um papel importante, pois, para Vygotsky, a aprendizagem se dá pela mediação entre o homem e o mundo, logo, o conteúdo é o mediador entre o eu e o mundo.A partir do princípio da zona proximal do desenvolvimento, entendemos que avaliação/padronização seria a melhor alternativa dentro dessa teoria, pois cada aluno tem o seu ritmo próprio de desenvolvimento. No entanto, o nosso sistema de educação nem sempre permite a ausência total de padronizações e o nosso curso pretende, dentre outras coisas, aproximar as teorias da realidade do professor. Dessa forma, podemos sugerir a vocês que procurem variar na forma de avaliar os alunos e que construam instrumentos 31 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos individuais e coletivos de verificar a aprendizagem. Afetividade e aprendizagem: contribuições da teoria do vínculo de Pichon-Rivière para as práticas pedagógicas Omodelo de aprendizagem concebido por Pichon-Rivière é composto por três configurações: a pré-tarefa, a tarefa e o projeto. A pré-tarefa é caracterizada pelo medo do novo. Esse medo pode ser da indiscriminação, o medo do não-saber, que Pichon-Rivière denomina de ansiedade confusional, ou, ainda, a ansiedade esquizoparanóide, que é o medo do ataque, e a ansiedade depressiva, que representa o medo de perder o que já se sabe e trocar pelo que não se sabe. A segunda configuração é a tarefa, mas, ao contrário do que possa sugerir, tarefa para Pichon-Rivière não significa trabalho, a tarefa é um processo interno, que vai do manifesto ao latente. O projeto é a mudança de atitude para a aprendizagem.Pichon- Rivière também elaborou a “teoria dos três D”. O que seria? Depositante, depositado e depositário. Esta teoria acredita na interação depositante/depositário por meio do depositado. O depositante é o cliente, no nosso caso, o aluno; o depositado é o capital que, para nós, representa o conteúdo, o conhecimento; e o depositário é o professor. A teoria de Pichon-Rivière nos faz concluir que a aprendizagem acontece por meio de um processo de interaçãoentre aluno, professor e o conteúdo, e que esta relação é permeada de afetividade e conflitos.Para Pichon-Rivière, a cultura do aluno influencia bastante, na medida em que pode funcionar como elemento de resistência para o aprender. É como se o aluno entrasse em conflito e pensasse que, aprendendo, deixará de pertencer a uma determinada cultura e comunidade, pois estará se distanciando dos seus iguais.Muito embora os termos citados sejam novos para muitos professores, na prática, a maioria de nós já experimentou essas situações, sem saber como elas se denominavam, seja na experiência de professor ou de aluno. Quem nunca teve medo de aprender? Ou, ainda, quem nunca sentiu ansiedade diante de um novo conteúdo, ou diante de uma avaliação?Pichon-Rivière, durante o tratamento de pacientes psicóticos, por meio da técnica analítica, percebeu que há objetos internos que se articulam em um mundo já construído, por meio de um processo de internalização. A partir da indagação 32 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos analítica, Pichon-Rivière ampliou o conceito de relação de objeto, que mais tarde veio a denominar de vínculo. É quando das relações intra-subjetivas, ou estruturas vinculares internalizadas, articuladas em um mundo interno, que a aprendizagem acontece para o autor.Para a Psicologia Social, nenhuma obra pode ser compreendida fora da complexidade das relações sociais, e toda obra cultural é a expressão do social em forma de sensibilidade e interpretação. Portanto, para este autor, nenhum conhecimento se constrói de forma singular, pois é resultado de uma produção social. Os estudos de Pichon-Rivière iniciam-se na Psicanálise e culminam na Psicologia Social.A aprendizagem para, Pichon-Rivière, é uma rede de contradições, por tudo que é heterogêneo. No grupo operativo, técnica criada pelo autor, o sujeito deve ser o autor de sua aprendizagem, por meio da apropriação da realidade e de sua identidade construída historicamente e, por isso, ao mesmo tempo em que a aprendizagem é um fenômeno psicológico, é também social.A técnica do grupo é justificada por ser uma experiência social e um sistema de relações que pretende atender às demandas dos seus participantes. Pichon-Rivière também possui um conceito muito importante para compreendermos a aprendizagem: o ECRO – Esquema Conceitual Referencial e Operativo, que representa a orientação para o ato de aprender, as experiências e a afetividade do aluno, ou do sujeito como um todo. Portanto, ele é único e não há um ECRO igual ao outro. Para que essa aprendizagem se configure, é necessário que haja o vínculo, que se define como a estrutura de complexidade que inclui um sujeito, um objeto e a relação que ocorre entre ambos. O vínculo pode se tornar patológico quando o sujeito perde suas relações com a realidade, que é o caso de doenças como a esquizofrenia.A teoria de Pichon-Rivière foi muito utilizada no campo da doença mental, mas é interessante que o professor também se aproprie desse conhecimento para compreender, por exemplo, como ocorrem as relações familiares do aluno, as suas relações com o colega de classe, o tipo de vínculo que ele consegue estabelecer na sala de aula, com o professor e com os colegas. Para esse estudioso, a família é o grande suporte da sociedade e é a partir dela que a criança se socializa. O grupo é o limite que estabelece as tendências afetivas, estéticas etc.O corpo biológico funciona como uma dimens ão da mente, na qual estão situados os objetos internos, mas não há uma divisão entre as dimensões do homem, pois 33 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos a única dimensão é a humana. O corpo biológico é o que vai ensinar à criança o limite do mundo. A Psicologia Social também contribuiu bastante para a Didática e, nesse caso, tem a função principal de modificar a atitude do sujeito. Para este modelo de didática, a aprendizagem é a apropriação instrumental da realidade, para transformá -la . E, assim, o processo ensino–aprendizagem e professor–aluno formam uma única unidade.Um dado importante para nós, professores, é considerar que os nossos alunos, ou melhor, todos os seres humanos que estiverem freqüentando um grupo, estarão desempenhando papéis grupais. Pichon-Rivière ressalta que a técnica do grupo operativo só pode ser aprendida por meio da experiência pessoal, da mesma forma que, para ser professor, é preciso ter sido aluno, e a tarefa deste grupo é aprender um assunto, utilizando como técnica de aprendizagem a interação com todos os componentes.As contribuições de Pichon- Rivière nos fazem refletir sobre a importância do grupo para a aprendizagem e faz cair por terra um modelo antigo de ensino no qual o aluno recebe passivamente o conteúdo. Nessa proposta, o aluno torna-se autor do seu próprio conhecimento e o que é mais importante: o professor não é o único a ensinar, pois os componentes do grupo desempenham papéis, e esses papéis não são fixos.Se observarmos as turmas que já passaram por nós, vamos perceber que, em cada uma, havia o aluno que fazia o papel do engraçado, o aluno que era o modelo de intelectual, o indisciplinado, não é mesmo? Os anos passam, as turmas mudam, mas os papéis permanecem. É como se o grupo precisasse de determinadas funções para viver. Porém, nem sempre utilizamos o potencial do grupo como convém. Vale a pena sair do plano individual e investir num trabalho de grupo que construa um conhecimento de fato socializado.A teoria de Pichon-Rivière, especialmente o grupo operativo, foi criada para aplicação na área da saúde mental, mas, pela força da didática que nela existe e pela proposta educativa, tem sido adaptada pela educação e utilizada como técnica para favorecer a aprendizagem, trazer conflitos à tona e, principalmente, transformar alunos em sujeitos do seu próprio conhecimento.Mas, afinal, o que é um grupo? Para a Psicologia Social, é um conjunto de pessoas ligadas por uma mesma representação interna, e que precisam resolver um problema, uma tarefa. Há dois tipos de grupos: o primário (a família) e os secundários (que são todos os outros). Dessa forma, um conjunto de alunos pode estar na mesma sala de aula e 34 www.soeducador.com.br Psicopedagogia: histórico e fundamentos básicos não constituir um grupo, como podem também seus elementos disputarem os papéis grupais, como o de líder, por exemplo. Com uma visão renovada de conteúdo, entendemos que a matéria a ser ensinada não se resume somente aos estudos da Língua Portuguesa ou da Matemática, mas questões sobre ética, indisciplina, dilemas, podem fazer parte das aulas dos nossos alunos, a fim de se promover uma construção moral mais sólida. Nesse caso, o grupo operativo pode ser um grande aliado do professor na construção da moralidade, mas também da afetividade.Vimos que Pichon-Rivière apresenta a aprendizagem como um fenômeno psicológico e ao mesmo tempo social. Pois bem, podemos dizer que, à medida que seus componentes interagem, há também a construção de um vínculo afetivo entre os componentes, num processo de transferência e contratransferência. Da mesma maneira, cada componente pode agir da mesma forma com a figura do professor e o vínculo afetivo positivo se tornar um grande aliado. Grupos operativos e psicodrama educacional O grupo operativo e o psicodrama são recursos pouco usados na educação, mas a aplicação dessas técnicas pode trazer muitos benefícios para a aprendizagem, principalmente se estivermos atentos
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