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ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO E EXERCÍCIO DA CIDADANIA A Constituição Federal e o exercício da cidadania Quando a Constituição vigente garante às pessoas residentes no país direitos fundamentais como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, não só prescreve quais são estes direitos, em 77 incisos subsequentes, como é seu dever possibilitar a qualquer cidadão recorrer aos órgãos públicos para exigir aquelas prestações, concretamente, passando da era das promessas constitucionais para o exercício pleno da cidadania. A superação do conceito de serviço público tradicional Imaginemos um cidadão comum que procure trabalho, habitação, escola, saúde, segurança, previdência social, lazer etc. (art. 6o da CF). Ele terá de bater às portas de várias repartições públicas, municipais, estaduais ou federais, que atuam em nome do Estado, mas por meio de outros cidadãos, os servidores públicos, investidos de função estatal, vale dizer, com poderes de decisão. De um lado do guichê ou do balcão está a grande massa dos cidadãos, sobretudo os que procuram seus direitos, pessoalmente, não por meio de procuradores, e de outro, os servidores públicos. Se da parte do publico é cansativa a espera em longas filas para cada um ver seu direito pessoal atendido, do outro também é exasperante ouvir repetidas vezes os mesmos pedidos e reclamações. A burocracia ainda é um sistema obsoleto em nossos serviços públicos, muito embora muitos pedidos e reclamações já se apresentem por via telefônica; há serviços a domicílio ou pelo correio, a exemplo da emissão de passaportes ou identidade e pedidos de aposentadoria; os pagamentos de pensões do INSS, por meio de cartões magnéticos já evoluiram sensivelmente. Um sistema burocrático emperrado, entretanto, ajuda a acirrar, com toda a evidência, as tensões entre o público e os servidores. Até bem pouco, e mesmo em nossos dias, o servidor público protótipo ou paradigma era aquele que encarnava a filosofia de sua repartição e do Estado; sua fidelidade interna era para com a hierarquia a que estava subordinado (chefes, diretores, superintendents etc.) e essa filosofia era defender o Estado, ocultando informações contra toda tentativa de lesar, iludir, enganar ou aproveitar-se de alguém, indevidamente, dos serviços públicos. A própria noção de "taxas de expediente" parece vir desse antigo costume. Se o particular deseja ou necessita de uma prestação de serviço deve pagar por ela. A ideia de imposto - que todos pagam para manter os serviços públicos em geral - parece não ser suficiente: há que cobrar algo mais, em determinadas circunstâncias, ainda que isso possa parecer indevido. Este era o figurino do servidor fiel ao Estado (ou à burocracia) e à filosofia de superestrutura da sociedade, o qual deveria cultuar a hierarquia e os regulamentos oficiais. A abertura democrática dos anos 80, consolidada na Constituição de 88, e em constante crise revisional, trouxe regras que autorizam ultrapassar esta concepção de serviço e de servidor público. O que avulta nesta Carta não é mais o Estado, mas a sociedade e os cidadãos, que devem ser respeitados em suas necessidades, sobretudo destes, para poderem exercer plenamente sua cidadania. O objetivo primordial dos serviços públicos e, portanto, de seus agentes, é prestar assistência efetiva e concreta às reivindicações legais e exigências individuais ou coletivas dos cidadãos em geral. Os serviços públicos devem se tornar, portanto, canais de realização dos direitos da pessoa humana, o exercício da cidadania - entendida não apenas no sentido político- eleitoral, mas numa visão globalizante dos direitos da pessoa humana - e não mais apenas veículos de realização do Estado burocrático. Resgatam-se, com isso, o autêntico sentido da expressão "servidor público", como aquele que serve, presta assistência, despacha, auxilia, encaminha, ampara o homem comum, sobretudo o cidadão carente (e todos sempre temos uma carência de direitos, frente ao grande Poder Público) a realizar-se, plenamente, como pessoa humana. Enfim, independente de nossa posição social, sempre temos um déficit de direitos à face do Poder estatal; ou seja, o Estado sempre tem um 'debitum' de justiça social, perante seus cidadãos e a forma privilegiada de resgatá-lo será por meio da prestação, eticamente correta, de bons serviços públicos. Esta é a recíproca do problema: se ao Estado e aos servidores públicos competem a oferta de bons serviços em benefício comum da coletividade; aos cidadãos cabe o direito de exigir o adimplemento desse débito, seja individual ou coletivamente, por meio do justo atendimento nos diversos serviços públicos. Moralidade pública ou moralidade do servidor público? Está escrito na Constituição Federal que "a administração pública [...], de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência [...]" (art. 37). A partir dessa conceituação constitucional, verifica-se que moralidade é uma característica e dever inerente ao Estado e, por consequência, de seus diversos servidores públicos. Vale dizer que, compete ao Governo custodiar, garantir, assegurar à sociedade que seus atos oficiais estão revestidos de princípios morais, ou seja, clareza, visibilidade, decoro e respeito nos relacionamentos com os entes individuais. Em decorrência, os agentes dos serviços públicos deverão, sempre, pautar sua conduta funcional pelos mesmos princípios exarados na Constituição; o servidor público não pode agir de forma contrária à conduta exigida à Administração, por isso que é agente do Estado. Portanto, se de um lado não se pode entender a organização de um Estado prevaricador, porque não está constituído como um ser vivo, portador de uma dignidade semelhante à do homem, de outro é de se lembrar que o agir estatal é exercido por pessoas humanas, com vontade, inteligência e liberdade, capazes de atuar segundo virtudes públicas exigidas pela lei e pelos costumes, mas também sujeitos à corrupção, ativa ou passivamente. Daí que a moralidade institucionalizada pela lei ou pelos regulamentos há de ser vivenciada, concretamente, em cada ato funcional praticado pelos agentes em nome do Estado, com fulcro nos princípios constitucionais. Inversamente, não poderá o Estado apresentar-se com a moralidade que a sociedade exige, se os executores das atividades estatais não ostentarem conduta moral inatacável; em suma, embora inscrita na Constituição, a moralidade pública só emerge e se explícita – daí a transparência exigível – por meio das ações moralmente corretas de seus funcionários, em cada setor de atividade. * Extraído do artigo: ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO E EXERCÍCIO DA CIDADANIA Carlos Aurélio Mota de Souza Consultor Jurídico. Professor e Orientador de Cursos de Pós- graduação em Direito, pela UNESP (Franca/SP), pelo Mackenzie, pela Fundação de Ensino UNIVEM (Marília/SP) e CEU. Administrador e Orientador do Portal Jurídico Academus. Membro do Tribunal de Ética Profissional da OAB - Seccional de São Paulo, do Instituto Jacques Maritain do Brasil (IJMB). Magistrado aposentado.
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