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U12 - BADARO - Captacao ambiental

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oRGANTzAç0rs cntM
IO ANflS DA LEI tlAS
NOSAS
ASPECTOS CRIMINOLOGICOS, PENAIS E PROC SSUAIS PENAIS
[)aniel de Resende Salgado
Fábio Ramazzini Bechara
ßodrigo de Grandis
lluu tlonadores
\f̡{
I
E
2023
Biblioteca
TOmh6 No ,',^r --ì'-l -
Particular
Badaró
Al,t\ll,ll)lNA
-
CAPITULO 23
cApTAçÃ0 AMB¡ENTAT DE STNA|S ETETRoMAGNÉTICflS,
opilcos ou ncÚsilcos: DA tEr 9.034/1995 À tEl
t3.964/20r9. ENTRE EÌ'orUçfIES E 0MßS0ES
Gusr¡vo B,qo,rnó
Introdução
captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos
fora prevista na redação originária da revogada Lei nq 9.034,de 3 de
de 1995, entre as técnicas de investigação especiais cabíveis na per-
penal da criminalidade organizada.
Posteriormente, a Lei ne 10.217, de 11 de abril de 2001, acrescentou o
V ao art. 2e daLeine 9.03411995, incluindo entre os procedimen-
de investigação de quadrilha ou bando e organizações criminosa:
captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óti-
ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada
judicial". Todavia, não est¿beleceu uma disciplina mínima
tal meio de obtenção de prova, não atendendo a exigência de reserva
lei para toda e qualquer restrição de direito fundamental.
No mesmo erro incidiu o legislador ao editar a Lei 12.850, de 2 de
de 2013, que no inciso II do art. 3e, previu com um dos meios
obtenção de prova cabíveis na persecução penal de organização cri-
a "captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou
573
10 ANOS DA LEI DAS ORGANIZAÇOES CRIMINOSAS
acústicos",l nas sem lhe dar um regime jurídico próprio. O seja, n¡rlr
nas nominou essa modalidade de interceptação ambiental, sem estult¡r
lecer seus requisitos legais, prazo de duração da medida, espécies ctc,
Mais recentemente, a Lei 13.964/2019, acrescentou o artigo 8"4 I
Lei 9.29617996, disciplinando, ainda que sucintamente, a denonrlrudl
"captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústic<x",
Sua inserção na Lei 9.29611996 não decorre de sua na;tuteza ¡urldlril
desse meio de obtenção de prova, na medida em que não envolvc ftlr
trição ao direito assegurado no inciso XII do caput do art. 5q da ( )onlr
tituição.2
Todavia, como há grande semelhança entre os regimes da intcrclfF
tação telefônica e telemática, de um lado, e da captação ambientnl, ¡þ
outro, inclusive com previsão de que as regras sobre as primelrur, ||
aplicam, subsidiariamente às segundas (Lei 9.296/1996, an.8-4, $ Pll
apenas formalmente, a interceptação ambiental, enquanto mckr fi
obtenção de prova, foi disciplinada na mesma lei que rege a intcrp¡r
tação telefônica.
O presente artigo pretende analisar a captação ambiental à lul df
direito constitucional afetado, bem como tendo em vista regimes $ómü
thantes de aþns países, para propor uma interpretação confrrrnta
Constituição, dada a excessiva amplitude com que foram regratlnl
hipóteses de cabimento pelo legislador. Além disso, buscará expor
omissos, mas que deveriam ser disciplinados, vedando categoricont
a captação ambiental, sob pena de produção de prova ilícita.
2. Direíto constitucional afetado: ¿ liberdade de manifestaçflo
Pensamento
Todos têm do direito constitucional à liberdade de manifestaçflrr
pensamento (CR, art. 5q, caput, fÐ. A liberdade de manifestrçAo lf
pensamento inclui o direito de escolher para quem se deseja manll'orlfl
t Sobre os conceitos de sinais eleuomagnéticos, ópticos e acústicos, cf. Beonnr'r, (¡utlail
Henrique, Processo Penal. 11 ed. São P¿ulo: F{I,2023,irem 10.14.1.
2 Não estão sob a regência daLei9.296/I996: (i) a captação ambiental por um rorr[llt
mâs com ciência dos interlocutores, que pode ser denominada "escuta ambientrl"¡ e (llf I
gravâção ambiental feita por um dos próprios interlocutores, sem o conheclnrcrrt¡r fi
demais, que pode ser denominada, a semelhança com ¿ interceptação telefônlc:r, rlo "pj
vação ambienta clandestina").
574 575
A cAprAÇÃo AMBIENTAL DE sINArs ELITRoMAGNÉucos, óprtcos ou acúsucos...
o pensamento e, até mesmo, o direito de não manifestar o pensamento
para ninguém. Os aspectos positivo e negativo da liberdade de pensar
e de manifestar um pensamento, como destaca Por.Ires DE MIRANDA,
têm os seguintes desdobramentos: "liberdade de pensar, liberd¿de de
não pensar, liberdade de emitir o pensamento, liberdade de não emitir o
pensamento; liberdade de emitir o pensamento para todos, liberdade de
só emitir para aþns ou para aþém, ou para sim mesmo". 3
A, razáo de ser da garantia constitucional da inviolabilidade das
comunicações postal, telegráfica, telefônica e de dados, sem a intromis-
são de terceiros que o autor da mensagem não deseja que participe do
processo comunicativo, é direito à liberdade de manifestação e comu-
nicação do pensamento de modo reservado.a O inciso )(II do caput
do artigo 5q da Constituição não tem por objeto de tutela os meios de
comunicação à distância em si. A garantia da comunicação por tais
meios reservados, em que cabe ao emitente da mensagem escolher
quem será o receptor e, consequentemente, excluir todas as demais
pessoas, protege o exercício do direito à liberdade de manifestação do
pensamento.s Como explica M¡Nopr GoNçerves FrRRBTRA Frlnq
"correlativo à liberdade de expressão de pensamento é o direito de esco-
lher o destinatário da transmissão. Para tanto, é necessário assegurar o
sigilo das comunicações que não se dirige ao público em geral, mas a
pessoâ, ou pessoas certas e determinadas. Daí assegurar a Constituição
¡ PoNr¡s oE MrneNDe., Francisco Cavalcanti, Comentários à Constltuição de 1967, com a
Bmenda n. 1. 2.ed. São Paulo: Ed. RT, 1971, t. v, p. 170.
' GRrNovER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal: as interceptações tele-
fônicas.2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1982, pp.192-L93 distingue a "liberdade de manifestação
tlo pensamento", como gênero, do qual é espécie a "liberdade de manifestação do pensa-
mento", tendo por crítério de diferenciação o destinatário do pensamento m¿nifestado:
"n primeira concerne a uma difusão do pensamento que pode não ter destin¿tário certo, en-
quanto a segunda diz respeito a uma transmissão de pensamento com relação a determin¿do
dcstinatário", No mesmo sentido: An¡¡qrrs FIlno, Márcio Geraldo Britto. A interceptação
dc Comunlcação entre Pessoas Presentes. Brasília: GazetaJurídica, 2013, p. 105.
I No regime constitucional anterior, analisando o objeto da inviolabilidade das comunica-
çöes, Grinover (GmNown, Ada Pellegrini. Liberd¿des públicas...op. cit.,7982, pp. 190-191)
cxplicava que o art. 153, S 9e, "quis tutelar a vontade do sujeito no smtido de que determinadas notí-
clas sejam conhecidas somente por parte daquele a quem se desejou comunicd-las, Deriva daí que â tu-
tcla constitucion¿l não depende do fato de as notícias comunicadas ou transmitidas serem
rccretas, mas decorre de uma presunção iurís et de iure, da vontade do sujeito, no sentido de
lnr a conhecer algumø notícia øpenas a outro sujeito, por ele determinado" (destaquei)
1O ANOS DA LEI DAS ORGANIZAÇOES CRIMINOSAS
a inviolabilidade das comunicações de pensamento que não visam a pú.
blico indeterminado, seja por meio de carta, seja através do telefonl¡
do telégrafo, ou por qualquer técnica que se inventar'16 Em suma, o ltl.
ciso KI do art. 5a da Constituição tutela a liberdade de comunicação do
pensamento, enquanto mecanismo de salvaguarda do direito à ltbor.
dade de manifestação do pensamento de forma reservada, isto é, a rls6t.
yatezza, a que se refere a doutrina italiana.
A mesma ideia que justifica a proteção constitucional do direlto I
liberdade de manifestação do pensamento à distância, por meios dl
comunicação - postal, telegráfica, de dados e telefônica - vale parn C
direito à liberdade de comunicação de pensamento entre pessoas prl'
sentes. Embora para essa situação não haja um dispositivo semelhantl
ao inciso )ilI do caput do art. 5e da Constituição, isso se deve ao fatt¡ rb
que não há meios em si específicos para assegurar o direito de reservl
ou de exclusão de terceiros, nas conversas entrepresentes. Mas, cotïC
os meios de obtenção de provas invasivos em tal situação - a captrç10
ambiental de sons e imagens - também restringem um direito conitlr
tucional, de liwe manifestação do pensamento, do art. 5q, caput, lV¡
seu regime jurídico tem que obedecer aos princípios de reserva de ld
e de reserva de jurisdição. E foi nesse sentido que o artigo 8q-A da
9.2961L996, acrescido pela Lei 13.96412019, estabelece hipóteses,
zos, modo e necessidade de prévia autonzaçáo judicial para a
ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos e acústicos".7
6 F¡nnorn+ FIIHq Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição br¿sileira de l98t, f
ed. São P¿ulo: Saraiva, 1997,p.37,
7 
fustamente por isso não é correta a utilização do regime jurídico próprio para
tação telefônica, part a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos
cos. E exatamente por implicar afetações a direitos constitucionais distintos, antes dl
13.96+12019 acrescentar o art. 8e-A para na Lei9.29611996, afirmávamos que não serln F||
sível o emprego, por analogia, do regime legal das interceptações telefônicas para
da'taptação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos": Baoenó, Gu¡tlil
Henrique, Hipóteses que autorizam os meios excepcionais de obtenção de provl, til
Aunos, Kai; Rorunnq Enéas (Org.). Crime Organizedo - Análise da Lei 12.850/ZOl3, trt
São Paulo: Marcial Pons, 2012 p.26. Em sentido contrário, também antes da mudançl l¡l
gislativa, Eduardo Araújo da Silva (Sllva, Eduardo Araújo da. Organizações crlmlnoill
¿spectos penais e processuais da Lei ne L2850113. São Paulo: Atlas,2014, p.1I0) su¡rdl
quando não existia um regime legal captação ambiental de sinais eletromagnéticos, óptlgf
ou acústicos, que "diante desse quadro precário, de duvldosa constitucionalidade, devctlf
os operadores do direíto valer-se, por analogla e no que couber, do procedimento prcvlt[
s76
577
a intcrwf
ou rcúr]
A CAPTAçÁ,O AMBIENTAL DE SINAIS ELETROMi\GNÉrICOS, ÓPTICOS OU,tCÚSrrCOS...
Por se trataÍ de captação de elementos de som e imagem de um
acontecimento no qual os interlocutores (da conversa) ou agentes (da
cena captada) estão no mesmo espaço ffsico em que é colocado o apa-
relho de captação e gravação, não há resrrição do direito à liberdade de
comunicação à distância. Não são afetadas, portanto, as liberdades de
comunicação epistolar, telegráfica, de dados ou telefônica, asseguradas
pelo inciso XII do capur do art. 5e da Constituição.
|á na interceptação ambiental, ou como denomina a lei, a ,taptação
ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos", o que estará
em jogo é o direito à liberdade de manifestação do pensamenro (C&
art. 5e, caput, [V), na sua espécie de liberdade de comunicação do pen-
sâmento. Mais do que isso, a depender do conteúdo do que é comuni-
cado, ou do local em que se dá tal comunicação, também poderão ser
afetados o direito à intimidade e vida privada (CR, art. 5e, caput, X) e
a garantia constirucional da inviolabilidade do domicílio (cR, art. sq,
caput, XI).8 Por isso é fundamental distinguir as interceptações ambien-
tais stricto sensu, de um lado, e interceptações domiciliares, de outro,
sendo que nestas as hipóteses de cabimento da captação ambiental
devem ser mais restrita, por também afetar, de modo muito intenso,
a privacidade. De qualquer forma, em ambos os casos, será necessário
obedecer a reserva de lei e a reserva de jurisdição, sendo necessária a
prévia autorização judicial, nos casos e hipóteses previstos no art. 8a-A
da Lei 9.29611996, acrescido pela Lei 13.96412019.
Por outro lado, é perfeitamente possível a rca\ização de uma capÞ-
ção ambiental, com gravação de sons e imagens, em locais públicos nos
quais o pensamento esteja sendo manifestado por sons ou adrudes, e
sobre os quais não haja qualquer expectâtiva de reserva ou privacidade.
nn Lei n. 9.296196, que disciplina a interceptação das conversações telefônicas, meio de
obtenção de prova que também implica violação da intimidade e da vida privada dos inves-
tlgados".
I Por esse modvo, o $ 2'Q do art. 8-A daLei9.29611996, acrescido pela Lei 13.96412019, esta-
bclece que % inst¿lação do dispositivo de captação ¿mbiental poderá ser realizada,quando
nccessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, excero na casa,
nos termos do inciso xJ. do caput do art, 5q da Constituição Feder¿l". Se a entrada no domi-
clho ocorrer no período noturno, mesmo que com ordem judicial, restará violada a garantia
do lnciso x do caput do art. 5e da constiruição, que no período nofi.uno somente admite o
ln¡ryesso em casa alheia, "em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro".
10 ANOS DA LEr DAS ORGANTZAÇOES CRTMINOSAS
Por exemplo, um pastor pregando em praça pública ou arrisras de rua ra
exibindo em semáforos. Também não haverá qualquer violação à dirol.
tos constifucionais, incluindo a intimidade ou vida privada, na gravaçl0
de imagens de aþém numa arquibancada de um estádio de futehol,
O mesmo se cliga em relação à captação de imagens que são feitas indlr.
criminadamente, com finalidades preventivas, por câmeras de segurangl
em logradouros públicos. Se for captada a ocorrência de um crime, g
imagens poderão ser utilizadas para fins de investigação criminal. Pot
exemplo, no caso de câmeras de segurança de um parque público regh.
trarem um furto, ou de um estádio de futebol, que captem cenas de btl.
gas ou outras infrações penais. Não havendo restrição da liberdadc df
manifestação de pensamento (CR, art.5q, caput,IV) nem a intimidado I
vida privada (CR, art. 5q, caput, X), sequer haverá necessidade de prévll
autonzaçiojudicial para tal captação das imagens. Não são essas âs crpr
tações ambientais que encontram disciplina no regime do art. 8e-A dl
Lei9.29611996.
Muito diversa será a situação em que, pâra uma investigação crlmlnd
haja necessidade de captação de conversas ou imagens de pessoa qül
manifesta um pensamento do modo reservado (CR, art. 5q, caput, IV)
Terá incidência o aft. 8-A da Lei 9.29611996. O direito de comunlclr
ção do pensamento, de modo reservado, ainda será potencializado, nQl
casos em que tais comunicações digam respeito a fatos da intimldndf
ou vida privada do interlocutor, comunic¿dos reservadamente, ou ,i0 C
ato em si ocorrer em locais não abertos ao público, e especialmente tt01
domicílios que, por si sós, já denotam uma cl¿ra preocupação com n lü
serva da comunicação do pensamento. No primeiro caso, também esilft
envolvido o direito assegurado no inciso X do caput do art. 5e da Conrtr
tuição, e no segundo, o direito do inciso X[, do mesmo dispositivo.
3. Espécies de Captações ambient¿is
Quando ao conteúdo do que é captado, com finalidade probatórl¡, I
possível distinguir as interceptações ambienrais, ou captações ambl0[r
tais, em "captação de imagens" e ucaptação de sons", podendo lnclgr
sive ocorrer as duas conjuntamente. As imagens, por sua vez, podent l1|
captadas estaticamente, na forma de fotografias, ou em sequência, conC
filmes ou vídeo. A distinção entre captâção de sons e imagens parccc rlt
s78
579
A CAPTAÇÃO AMBIENTAL DE SINAIS ELETROMAGNÉTICOS, ÓPTICOS OU ACÚSrICOS.,.
o sentido em que a lei se refere à captação de sinais "acústicos" e à cap-
tação de sinais "ópticos".e
sob outro enfoque, do local em que é realizadaa captação, com vis-
tas aos diversos regimes de proteção legal, o gênero interceptação de
comunicação entre pessoas presentes,lo pode ser dividido nas espécies
captação ambiental e captação domiciliar. A captação ambiental, em
sentido estrito, é aquela que se refere à captação de comunicação do
pensamento de modo reservado, em locais que não são especialmente
protegidos pela constiruição, podendo ocorrer até mesmo em espaços
públicos. Por ourro lado, a inrerceptação domiciliar é aquela que ocor-
re no_âmbito protegido pela inviolabilidade do domicílio, tanro no que
se refere à casa, propriamente dita, quanto em outros locais a eles eqìi-
parados, como locais não abertos ao público, escritórios profissionais,
trailers etc.
Quandoaþém decide comunicar um pensamento, ou reakzar ar-
gum ato em um local reservado, não estando sob vigia dos ouvidos e
olhares públicos, é possível exrrair desse modo de manifestar o pensa-
mento uma clara escolha pelo seu caráfter reservado. consequentemente,
é correto considerar que o emitente exclui de tal ato comunicativo to-
dos os demais indivíduos que não estejam presentes em tal ambiente
ou espaço. Algo que se passa em locais não abertos ao público esrá pro-
tegido por a uma correta expectativa de privacidade.tl se este locai é o
domicílio, em relação ao qual cada indivídvo gozado máximo de prote-
ção e intimidade, a possibilidade de captação de sons e imagens deve ser
restritivíssima, porque ao direito de liwe manifestação do pensamento
cm oPeração ocult¿ e simultânea à comunicação, sem o conlecimento dos interlocutores ou
com o conhecimento de um ou de alguns deles',.
rr Há locais que, potencialmente, evidenciam o desejo de que a manifestação do pensa-
mento permeneça reservado. Por exemplo, quando um advogado realiza uma reunião em
reu escritório com o cliente, ou quando um amigo chama o seu confidente, para conversar
cm sua casa, a reserva está ínsita.
i0 ANos DA LEI DAS ORG,C,NIZAçOES CRTMINOSAS
(CR, art. 5q, caput, IV) se soma a proteção constitucional da intimicl:r.h,
e vida privada (CR, art. 5q, caput, X) e a garantia da inviolabilidadc .1,,
domicílio (CR, art.5q, caput, XI).
Mas o catâter reservado de uma conversa ou imagem não será dctt.t
minado somente pelo local em que se realiza. Especialmente na connr
nicação verbal de pensamentos entre pessoas presentes - que potlt.r,l
ser objeto de captação ambiental acústica - a forma e o modo de reuliz,rr
a manifestação pode indicar que o emitente deseja excluir tal contcri,l,'
do conhecimento de terceiros. Se as pessoas sentadas lado a lado ..rrr
poltronas de um avião, com muitos passageiros, conversarem, falrrrr,l,'
baixo, e ao ouvido uma da outra, estará claro que o conteúdo da r',,rr
versa não está aberto à captação de terceiros. O mesmo se diga dc rrrrr
diálogo de namorados, de um banco de jardim público, aos cochiclr,,',
Nesse caso, também haverá a proteção constitucional à liberdaclc rlr,
comunicação do pensamento (CR, art.5q, caput, [V), mas por se rlul'u
de um ambiente que não goza de especial proteção, não estarão clrvol
vidos os direitos assegurados nos incisos X e XI do caput do art. 5" rl'r
Constiruição.
Por haver situações variadas, no caso de afetação dos direitos e,,rr¡
titucionais é preciso destacar as captações ambientais stricto s€nsrr, tl+'
um lado, e captações domiciliares, de outro.l2
Numa escala de intensidade, considerando a expectativa de ¡rlotr,
çáo, a captação ambiental é menos restritiva que captação domiclll,u
A interceptação telefônica, por sua vez, é menos restritiva do quc ruu
bas. Arualmente, todos sabem que é muito pouco seguro cotìv€rSrrr rrl
telefone. As conversas pessoais, com cuidados para não serem escutrr(l,tì
por terceiros, são mais seguras que conversas telefünicas.
Na captação ambiental entre presentes, que se realize em krr',rl¡
diversos do domicílio, o regime deve ser mais restrito que o das intll
ceptações telefônicas, seja quanto às hipóteses de cabimenro, sr'lrr
quanto aos requisitos exigidos quanto ao suporte probatório de ¡rr',rlr,r
bilidade de participação criminosa da pessoa que sofrerá restriçrro crrr
seu domicílio, nos fatos investigados.
12 Na doutrina nacional, a distinção entre interceptação ambiental e intercepreçiìo tl,,rrl
ciliar é feita por AteNrrs Frr,Ho, Márcio Gclllcft¡ lì-itto. A interceptação...op. (:it.,;ttll
pp.180-185.
580 581
A cÄprAçAo AMBIENTAL DE srNnrs Er.ri'rr{oMAGNÉucos, óprrcos ou acúsucos..
Nas captações domiciliares, em que são colhidas conversas dentro
das residências, a invasão da privacidade é ainda maior que a da inter-
ceptação telefônica, pois são captadas todas as conversas ocorridas
dentro do lar, sobre os assuntos mais íntimos, muitos deles que jamais
seriam falados com interlocutores em conversas telefônicas. A situação
é equivalente a atos e práticas que ocorrem no domicílio, com o desejo
que seja absolutamente desconhecido das demais pessoas. Evidente que
ninguém espera estar sendo filmado por estranhos, sem seu consenti-
mento, quando está em seu dormitório.
4. Alguns regimes estrangeiros de captação ambiental e domiciliar
No direito estrangeiro, as exigências legais têm sido fortemente res-
tritivas para autorizaçáo de captação domiciliar, devido ao seu elevado
potencial de atingimento de aspectos da privacidade, não só do inves-
tigado, como de pessoas que com ele convivem. Bem diverso é o que
se exige para uma captação ambiental em outros espâços, nos quais a
expect¿tiva de privacidade é mais reduzida. Se o indivíduo age sob os
olhares de terceiro, evidentemente é menor a sua expectativa de pri-
vacidade e reserva.l3
Na Alemanha, o tema foi objeto de muitas discussões.l4 Atualmente,
segundo o regime da SIPO, é possível a realização de interceptação
rr Como destaca Francisco Muñoz Conde (Muñoz CoNor, Francisco. Valoración de las gra-
lraciones audiovisuales en el proceso penal.2. ed. Buenos Ai¡es: Hammurabi,20O7,p.66) é
necessário "distinguir lo que serian las manifestaciones privadas en espacios públicos, cuyri cap-
trrción filmada genérica puede admitirse bajo ciertas condiciones, de lo que es el núcleo estricto
tle la intimidad en domicilio particular, cuya filmación sólo puede admitirse excepcionalmente, y
:run así de forma discutible, con una autorización específica de Ia autoridad judicial".
r{ A reforma constitucion¿l de 1998 acrescentou incisos ao art. 13 da Constituição, passando
rr admitir, no inciso III, a utilização de meios técnicos de captação e transmissão sonora sem
o conhecimento do morador, para tom¿r a persecução penal mais eficiente, com o que pas-
sou â ser possível uma autorização judicial para instalação de microfones dentro das resi-
tlôncias ou a utilização de microfones exlernos capazes de captar as conversas ocorridas no
lnterior do domicílio, por suspeitos da prdtica de crimes especiølmente graves. O Tribunal Cons-
titucional Federal alemão, na sentença de 3 de março de 2004 (BVerfGE f09, p. 279-391),
considerou constitucional a Emenda Constitucional, mas inconstitucionâl a lei que inseriu
novos dispositivos no Código de Processo Penal alemão (SIPO). Destaque-se o seguinre
¡rrsso da decisão, extraído do detalhado artigo de Leonardo Martins (Menrrr.rs, Leonardo.
t)rime Organizado, Terrorismo e inviolabilidade do domicílio. Sobre o controle de consti-
tucionalidade de novas regras de Direito Processual Penal alemão e sua relevância para a
10 ANOS DA LEI DAS ORGANIZAÇOES CRIMINOSAS
domiciliar,ls com regramento distinto da interceptação ambiental.l6 C,r¡tt
base nessa diferenciação do texto legal, a doutrina distingue as 'þantl.'r
espionagens acústicas" (grosser Lauschøngrifr), no caso de escutas dotrtl
ciliares, das "pequenas espionagens acústicas" (kleiner Lauschøngri,ll),
realizadas fora do domicílio privado,lT que integram o gênero escutas lrr
tensivas (L øu s ch øngrifi) .rB
As grandes espionagens acústicas sáo rcalizadas no interior de dortrl
cílio privado que, em regrâ, deve ser o domicílio do investigado. No crts,r
de domicílio de outra pessoa, a medida somente é admissível em carf l,'r
excepcional, desde que haja suspeita, fundad¿ em circunstâncias fátit,r',
interpretação do art. 5e, XI, da CR. Re\¡istâ dos Tribunais, n.824, p. 40I-437, jun./2(xl'l I
"domicílio goza, 'enriquecido' com a dignidade human¿ e o mandamento constitucionrrl ,l'r
observância incondicional de um¿ esfera do desenvolvimento exclusiv¿mente privado c 1','r
sonalíssimo, de uma proteção absoluta. A comunícação sigilosa necessita de uma prolcrr'lr
'espacial'em que ela se dê e na qual o indivíduo con-fie. Ao indivíduo deve ser assegttr,t,h'
o real exercício do direito de ser deixado empaz, mormente em seus espaços privrttllr,.
mesmo sem medo de que órgãos do poder de polícia estatal vigiemou acompanhem o tk:r,'tt
volvimento de sua personalidade no núcieo da configuração privada da vida. Neste núclc, ', 't
vigilância acústica do domicílio não pode intervir, ainda que seja no interesse da eficfcl.r ,l¡
persecução penal e investigação da verdade real. Neste mister, não ocorre uma pondcr.r¡,1,,
noneada pelo critério daproporcionalidade entre a inviolabilidade do domicílio e o lntr,
resse estatal na persecução penal. Nem mesmo interesses muito imponantes da coietivl,l,r,l'.
têm o condão de justificar uma intervenção nesta liberdade para o desenvolvimerrto ,'ttt
questões personalíssimas que tenham ligação com a dignidade humana". Por outro lltl,,, r,
TCF considerou que: "O conteúdo de conversas sobre crimes cometidos não pertencc x r'rlr
núcleo absolurâmente protegido da administração privada da vida." (MenrrNs, Leott¡ttrl,r
Crime Organizado... op. cit.,2004, p. a08). Como explica Kai Ambos (Arrleos, Kai. Lrts ¡'r,
hibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In GóMss Coronttr, lrr'rtr
Luis (Coord.). Prueba y proceso penal. Análisis especial de la prueba prohibida en ('l rlr
tema español y en el derecho comparado, Valencia, Tirant 1o Blanch, 2008, p. 339), p:rr,r t,'r
compatível com a exigência do Tribunal Constirucional Federal, que exigia uma pr(,lr'\,ltr
absoluta do "núcleo da vida privada", "o legislador excluiu explicitamente esse campo c:'lr'l
cial da possibilidade de vigilância ($ 100c tV 1). As medidas de vigilância têm que scr htr,'t
rompidas imediatamente ($ l00c V l), e anular as respectivas gravações ($ 100c V .l), tl,
podendo ser utiliz¿dos os respectivos conhecimentos ($ 100c V 3)".
's SIPQ $$ 10I.c a 101.e.
16 StPq S 101.f.
17 RoxrN, Claus, La prohibición de autoincrlminación y de las escuchas domlclll¡rr lrr¡
Buenos Aires: Hammurabi, 2008, p. 75.
r8 AMBos, Kai. Las prohibiciones...op. cir., 2008, p :ì3t't.
582 583
A cAprAÇAo AMBTENTAL DE srNArs nr.ri IRoMA(ìNr!r'lcos, ópucos ou Acúsrlcos
determinadas, de que o investigado se encontre em tal local;le ou quando
a medida realizada, apenas no domicílio do investigado, não propicie,
por si só, a investigação do fato ou a averiguação do paradeiro de outro
investigado.2o
Além disso, a escuta domiciliar somente pode ser ordenada com base
em elementos obietivos, Que indiquem, especialmente no que se refere
ao local em que seráL realizada a medida, as relações entre as pessoas
que serão vigiadas; bem como seia possível identificar que não serão
registradas expressões relativas ao âmbito essencial da vida privada.2l
Quanto ao conteúdo da ordem judicial, é necessário que haja refe-
rências às circunstâncias do câso concreto, com indicação de elementos
fáticos que fundamentam a suspeitâ em relação ao investigado, além da
indicação de elementos objetivos que revelam a ligação entre as pessoas
investigadas e o local onde devam ser realizadas as diligências.22
Na Itália, o Codice di Procedura Penale também distingue a inter-
ceptação entre presentes, de um lado, e da interceptação domiciliar, de
outro. Os requisitos daquela são mais tênues que os desta. A intercepta-
ção entre presentes segue o mesmo regime da interceptação telefônica,
cxigindo 'þraves inícios de crime" previsto num rol de delitos graves e
que "a medida seja absolutamente indispensável para o prosseguimento
da investigaÇã.s".zt Já a interceptação domiciliar de comunicação de pes-
soas presentes exige que haja fundado motivo para considerar que no
domicílio esteja se desenvolvendo atividade criminosa.24
Diferentemente, o ordenamento jurídico de Portugal não se distin-
gue entre interceptação domiciliar e ambiental. A Lei n. 512002, de lI
de janeiro, que estabelece medidas de combate à criminalidade orga-
nizada e econômico-financeira, prevê o "registro de voz e imagem", por
c¡ualquer meio, mediante prévia autoúzaçáo ;udicial, cabível somente
cm relação a um rol taxativo de crimes.2s No regime geral do Código de
l)rocesso Penal português, o art. 189.1 prevê que, para as interceptações
p SIPQ $ 101.c III L
r" SIPQ $ 101.c III 2.
'r SIPQ $ 101.cIV.
'i SIPQ S 101.d III.
" CPP italiano, art.266, comma 2e, primeira parte, c.c. art.267, commale
" CPP italiano, art. 266, corrrma 2e, pane frnal, c.c. art. 267, comma le.
'' Lei5f2002,art.6e.
10 ANOS DA LEI DAS ORGÁ,NIZAÇÕES CRIMINOSAS
das comunicações entre presentes, aplica-se, por extensão, o regime dtl
interceptações telefônicas. No aspecto do suporte probatório, a medldl
somente será cabível "se houver razões para crer que a diligência é lnr
dispensável para a descoberra da verd¿de ou que a prova seria, de outfl
forma, impossível ou muito dificil de obter".26
Também no Chile, o Codigo Procesal Penal náo faz distinção enttrl
interceptação ambiental, de um lado, e domiciliar, de outro. É posd.
vel a obtenção de autonzação judicial para que se fotografe, filme o0
registre, mediante outro meio de reprodução de imagens, bem como l|
determine a gravação de comunicações entre presentes.2T Há exprefil
remissão ao regime das interceptações telefônicas, que exige "fundad{
suspeitas, baseadas em fatos determinados, de que uma pessoa tenhl
cometido ou participado de um crime'128
A legislação brasileira não se valeu dos melhores modelos de dirolü
estrangeiro, e disciplinou, em regime único, a interceptação ambienttl¡
como 'taptação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos e acúT
ticos". Além disso, como se verá, comparado com os regimes de outfol
países, o direito brasileiro estabelece requisitos mais amplos que a pÍó.
pria interceptação ambiental stricto sensu, dos outros países.
5. Requísitos legais para a captação ambiental
A Lei 13.964/2019 acrescentou o arr. 8e-A ìt Lei 9.296/7996,
cendo um regime legal próprio enrre nós para a captação
Até então, a revogada Lei do Crime Organizado - Lei 9.034/19g5,
como a atual Lei 12.850120L1 apenas nominavam o meio de o
de prova de "captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticor
acústicos" (respectivamente, art.2e, caput,II, e art.3e,II), sem
previsão sobre hipóteses de cabimento, requisitos legais ou mesmo
cessidade de autorização judicial.
Embora prevista na Lei de Interceptação Telefônica - Lei
/1996 -, a captação ambiental de sinais eletromagnéricos, ópticor
acústicos tem requisitos próprios (art. 8e-A, cøput), diversos doi
interceptação telefônica e telemática (art. 2q, caput).
'z6 CPP pornrguês, art. 187.1.
27 CPP chileno, art.226.
28 CPP chileno, art. 222, n. l.
584
585
A cAprAÇÁo AMBIENTAL DE sINArs ELETRoMAGNÉrrcos, ópucos ou acúsucos...
O primeiro requisito é: "a prova não puder ser feita por outros meios
disponíveis e igualmente eficazes" (Lei 9.296/1996, art.8q-4, caput, I).
A captação ambiental será cabível se os outros meios disponíveis (p. ex.:
a busca e apreensão, a obtenção dos registros das ligações telefônicas
etc.) forem menos efetivos ou de igual efetividade que a captação am-
biental. Em outas palawas, a interceptação ambiental deve ser método
mais eficaz para a investigação. Isso vale, inclusive, para em comparação
com a própria interceptação telefônica ou relemática (Lei 9.29611996,
art. 2e). Se a interceptação telefônica ou a telemânca for igualmente
efrcaz, será preferível à captação ambiental de sinais eletromagnéricos,
ópticos ou acústicos. Em suma, o inciso I do caput do art. 8e-A da Lei
9.29611996 deixa claro que a captação ¿mbiental só deve ser urilizada
como ultima tatro, mesmo em relação à interceptação telefônica ou
telemática.
Obviamente, no requerimento e na fundamentação não basta repetir
os termos da lei e afirmar que a investigação não poderia ser realizada
por outros meios þalmente eficazes, o que não será uma fundamenta-
ção válida, nos termos do inciso I do $ 2e do art.315 do CPP. O inciso I
do caput do art. 8q-A da Lei9.29611996 deve ser lido em conjunto com
o aft.4e, caput, da mesma lei, que determina que pedido de captação
ombiental contenha "a demonstração de que a sua rcahzaçáo é necessá-
rla à apuração de infraçáo penal"?e Devem ser expostos os motivos que
Justifiquemo porquê não será possível apurar as infrações penais por
outros meios igualmente eficazes. Para tanto, será necessário apontar,
com base nos elementos de informação já disponível que, dentre os di-
versos meios de prova e meios de meios obtenção de prova que possam
vlr a ser utilizados, o que terá melhor êxito, em termos de reconstrução
histórica dos fatos, será a captação ambiental. Será necessário fazer um
prognóstico, partir do estado da investigação e dos meios disponíveis,
valendo-se de uma máxima de experiência sobre o que normalmente
¡contece nas investigações, justificando a inferência de que a realtzaçãio
de todos os demais meios provavelmente não terá como consequência
¡e Lênio Luiz Streck (Srnncç Lênio Luiz. As lnterceptações telefônicas e os direitos
fì¡nd¿menteis. 2. ed. Porto Alegre: Liwari¿ do Advogado, 2001, pp. 52-53) observa que
o¡ meios disponíveis não são o que, materialmente, a autoridade policial tenha à sua dispo-
tlçllo, mas, sim , os meíos legais processuais.
l0 ANos r)A LEI DAS ORGANIZAçÕES CRIMINOSAS
um resultado melhor que a captação ambiental de sinais eletromagnétl
cos, ópticos ou acústicos.
O segundo requisito é haver "elementos probatórios razoáveis rk.
autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximu¡
sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexls"
(artigo 8e-A, cøput,Il, da Lei 9.296196).
A expressão "elementos probatórios razoáveis", do ponto de vist,r
terminológico, não parece ser diversa da expressão "indícios razoáveis"
do inciso I do art. 2e da Let 9.296/1996, aplicável às intercepraçirt.r
telefônicas. Em ambos os casos, é aplicável um standard de prrvu
simples probabilidade. Ou, seja a autoria é "mais provável que sim tlr
que não". Serão insuficientes meras suspeitas ou simples possibilidrtlc
de o investigado ser autor do crime. Não se exige um standard tlc
prova de elevadíssima probabilidade, que é necessário somente parr ú
condenação penal.
E necessário, também, que o fato investigado constitua infração ¡rc
nal cuja pena máxima cominada seja superior a 4 anos, ou seja infraç,lo
penal conexa.3o Como se trata de artigo de lei que funciona como crrrrl
logo de crimes, não há que se considerar a 'toma de penas máxinr¡l¡
cominadas", no caso de investigação de mais de um delito de mesr¡rrt
espécie ou de espécies diversas. Uma lesão corporal leve, cuja pena nrrl
xima cominada é de um ano, não autoriza a interceptação ambientrrl,
assim como também não a autoriza a investigação de cinco lesões c:or
porais leves praticadas em concurso material. O número de crimes lliìo
altera a gravidade abstrata do delito, que é o fator considerado a, rc
pensar em um catálogo de delitos ou categoria de infrações penais.
A opção legislativa por infrações penais cuja pena máxima seja su¡rl
rior a quatro anos indica a necessidade de que se trate de crimes ¡ir;r
ves. Contudo, no ordenamento brasileiro, há vários crimes que l(rrrr
penas máximas superiores a quatro anos, mas com penas mínimlls th,
um ano,3t o que permite, inclusive, a suspensão condicional do proccs*,,
30 Trata-se de critério mais restrito que a interceptação telefônica, cabívei para todo c , 
¡r r,r 
I
quer crime punido com detenção (Lei 9 .29 6 / I99 6, art. 2a, lIl).
3t somente no código Penal há os seguintes crimes: lesão corporal grave (cp, arr. 129, () 1,,I
abandono de incapazes, qualificado pelo resultado lesão corporal (Cp, an.133, $ lu), t.rr,,
lionato (CP, art.l7l, caput),fra:ude no comércio (Cp, art. l75, S la), sonegação de cst:r,1,, ,1,
filiação (CP, an. 243), atentad.o contra a segurançrì rlc scrviço cle utilidade públice (( ì1,, ,rrr
586
A cAprAçAo AMBIENTAL DE stN^rs rir.ri lrì()M^(;Nrilrcos, óprlcos ou Rcúsrlcos...
(Lei 9.09911995, art.89). Em tais hipóteses, sendo possível dispensar
a própria instrução processual, cabível ao final do período de prova,
declarar extinta a punibilidade sem que haja o acertamento do fato, é
rematado exagero admitir-se a interceptação ambiental, mormente se
for aceita a espécie rnais restritiva de interceptação domiciliar. Haverá
flagrante desproporcionalidade entre a restrição do direito fundamen-
tal a ser realizada e o beneficio a ser obtido. Assim sendo, para evitar
situação de inconstirucionalidade, por contrariedade aos incisos IV e XI
do caput do art. 5e da Lei Maior, o correto será dar ao inciso II do caput
do art. 8e-A da Lei9.29611996 interpretação conforme a Constituição,
para considerar que será cabível em tais casos a captação ambiental de
sinais eletromagnéticos, ópticos e acústicos, desde que não seja cabível,
cm tese, a suspensão condicional do processo. Pela mesma razã"o, náo
se deve decretara a captação ambiental em investigação de crimes que
tenham pena máxima cominada maior que 4 antos, mas seja "infração
penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4
(quatro) anos", pois permitem, em tese, o acordo de não persecução pe-
nal, nos termos do art. 28-A do CPP. É absolutamente desproporcional
admitir um meio de obtenção de prova, visando a correta reconstrução
histórica de um fato, que pode ser objeto de um ato negocial que leva a
uma solução consensuada, sem sequer haver oferecimento de denúncia.
Há mais a ser considerado, ainda sobre os crimes que admitem a in-
terceptação ambiental. A parte final do inciso II do caput do art. 8q-A
da Lei 9.29611996, ao admitir a captação ambiental de "infrações pe-
nais conexas", deve ser lida restritivamente, sob pena de inconstitucio-
nalidade. Não é proporcional admitir a interceptação ambiental para
investigação de crimes de pequena e média gravidade. Haverá despro-
porcionalidade manifesta. Cabe considerar que, até a edição da Lei
13.96412019, embora apenas nominada na lei, a"captaçáo ambiental de
sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos" era meio de obtenção de
prova somente cabível para persecuções penais envolvendo apenas orga-
nizações criminos¿s!
Nem mesmo em relação aos crimes praticados por organizaçáo cri-
minosa faz sentido a admissão de que qualquer delito conexo, mesmo
265, cøput),falsificação de documento particular (CP, art. 298), falsidade ideológica (CP, an.
299,caput), falso reconhecimento de firma (CP, art.300), supressão de documento parti-
cular (CP, art. 305), exploração de prestígio (CP, art. 357, caput).
1O ANOS DA LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
que de pequena ou baixa gravidade, possa ser investigado medirrrrr¡,
captação ambiental. Embora haja a previsão da captação ambiental .ll
sinais eletromagnéticos, ópticos e acústicos, no inciso II do art. 3e dl l,r,l
12.850/2013, como um dos meios de obtenção de provas passíveis tll
utilizâção para a investigação de tais organizações, o próprio conceiro rll
organização criminosa do art. 1n, $ 1n, da mesma lei, exige, entre outrn¡
elementos, que tal associação obtenha vantagem mediante "a prfll.,r
de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (qulrro¡
anos". Em tais casos, é aceitável que se realize a interceptação ambir.rr
tal não somente para provar o crime de participação em organização r.rl
minosa (Lei 12.85012013, aft.2e), cuja pena máxima é de 8 anos, contl
também os crimes por ela praticados, e que lhe são conexos. Mas, cstr,r
crimes devem ser punidos com "penas máximas que sejam superiorr..., 
'r
4 (quatro) anos"!
Portanto, admitir a intercepção ambiental, além das infrações pcrr,rh
com pena máxima superior a 4 anos, também em relação às quaist¡rrr.r
"infrações penais conexas", independentemente das penas destas, st.rl,r
'utilizú tal meio de obtenção de provas até mesmo para contravençr1r,r
penais conexas, o que náo faz nenhum sentido. Ao mais, essa amplirrçítl
desmedida teria importantes reflexos na chamada "descoberta fortrrlt,r"
de provas. Isso porque, em qualquer infração conexa que fosse clc.st u
berta, como em tese se admitiria, por si, 'taptação ambiental de sirr,rh
eletromagnéticos, ópticos ou acústicos", automaticamente a descolrt. r I rr
seria legitimamente utilizável.
Em suma, uma interpretação restritiva que sedefende é que a lrl¡r,i
tese legal a exigir "elementos probatórios razoâveis de autoria e pîr'tlr I
pação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiorcs :r 'l
(quatro) anos ou em infrações penais conexas" (Lei9.29611996, arr. t{" /\,
caput, II) seria: em relação ao investigado contra o qual haja elenrcrrr,rr
probatórios que indiquem a probabilidade de ter praricado crimc t'rrf,r
pena máxima é superior a 4 anos, na investigação desse delito é adr¡rlrsl
vel a interceptação ambiental e, se na realizaçáo de tal meio de obtcrrq,t,,
de prova, forem captado elementos de que tal imputado também ¡rr,rrl
cou crime conexo, com pena inferior a tal patamar, tais element()s t;rilt
bém poderão ser valorados. Por outro lado, o juiz náo poderá antoriz.u ,r
interceptação ambiental contra quem haja somente elementos prolr,rtri
rios razoáveis de autoria e participaçio cr.r.r inlrirções com pena rlrrixlrrr,r
588 589
A cAprAçAo AMBIENTAL DE sINAIS lìl.ri lROMA(;Nrj'rrcos, óprlcos ou acúsucos...
lgual ou inferior a 4 anos, mesmo que estas sejam conexas com infrações
praticadas por outras pessoas, cuja pena máxima seja superior a 4 anos.
6. Hipóteses inadmissíveis de captação ambiental: o sigilo profis-
sional e o direito ao silêncio do imputado
O regime jurídico da'taptação ambiental de sinais eletromagnéticos,
ópticos e acústicos" devia expressamente veda¡ considerando inadmis-
slvel a medida, no caso que envolva o sigilo profissional. A captação am-
biental não pode ser autorizada para funcionar como meio sub-reptício
para superar ¿ garantia do sigilo profissional.
No plano constitucional, o dever de sigilo profissional deriva da pro-
teção da privacidade e da intimidade.32 Como explica JosÉ AnoNSo DA
Srrva: 'b tirular do segredo é protegido, no caso, pelo direito à intimi-
dade, pois o profissional, médico, advogado e também o padre-confes-
sor (por outros fundamentos), não pode liberar o segredo, devassando
rr esfera íntima, de que teve conhecimento, sob pena de violar aquele
tlireito e incidir em sanções civis e penais".33
Há determinadas profissões, atividades ou funçõestu qr., para seu
bom exercício,3s exigem que lhes sejam revelados fatos que compõem a
vida íntima das pessoas. É o caso, por exemplo, dos padres, dos médicos
c dos advogados, a quem as pessoas recorrem paru fazet confidências,
u Nesse sentido: B,c,RRos, Marco Antonio. A busc¿ da verdade no processo penal. São
I'rulo: Ed. RT, 2002, p. 201; Sonnrxno, Mário Sérgio e Lacavq Thaís Aroca Datcho.
t) sigilo profissional e a produção da prova, In. Sc,rn¡Ncp FrrueNors, Antonio, G¡vrÃo o¡
i\lurtxe, José Raul e Z¡Noron or Monaus, Maurício (Coords.). Sigilo no processo penal.
lificiência e garantismo. São Paulo: Rl 2008, p. 174.
" SrLvA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19 ed. São Paulo:
Mrlheiros, 2001, pp. 2I0-2II.
''r A parrir da redação do art. 154 do Código Penal, que tipifica o crime de violação de sigilo
¡rrofessional, Paulo José d¿ Costa Júnior (Cosre JúNIon, Paulo ]osé da. Comentários ao
{)ódigo de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1988, v. II, p. 121) explica que "função é o
cncârgo recebido por lei, decisão judicial ou contrato (tutor, curador, inventariante, síndico,
tliretores de escola, hospitais ou empresas); ministério é o mister que tem origem em deter-
rrrinada condição social, de fato ou de direito (padre, freira, missionário, assistente social);
ollcio é a ¿tividade remunerada, mecânica ou manual (sapateiro, ourives, cabeleireiro, cos-
t ureiro etc.); profissão é a atividade remunerada, exercida com habitualidade, via de regra de
t unho intelectual".
"' CrNrrrva, Walter. Segredos profissionais. São Paulo: Malheiros, 1996,p.27.
1O ANOS DA LEI DAS ORGANIZAÇÕES CRiMINOSAS
tornando a relação de confiança e a obrigação de discrição inerentes u,,¡
profissionais.
Uma vez detentor desse segredo, o profissional que recebe tal infì,r
mação não está autorizado a revelar o fato da intimidade de seu clicrrr,,,
de que teve conhecimento, a terceiras pessoas. Para proteg€r o s€$rr,rl',
e a relação de confiança entre as partes, há o dever de sigilo profissiorr,rl,
cuja violação sem justa causa, caracteriza o crime do art. 154 do Critll¡,i,,
Penal.
Ao estabelecer tal sigilo aos confidentes necessários, o legislador' ,rr
segurâ dupla proteção, como bem destaca JoÃo BEnNARDTNo GoNznr,,r
"ao impor o dever de sigilo aos confidentes necessários, a lei está, c,rr
comitantemente, tutelando estes dois aspectos da liberdade indivitlrr,rl
poder conservar ocultos certos dados da vida íntima, isto é, imunes rr lrr
débitas interferências; e a liberdade de recorrer a determinados prolrr,
sionais, cuja ajuda só se pode pedir com a garantia de que não trairiro , r¡
segredos a eles transmitidos".36
Há, porém, outro aspecto que não pode ser ignorado no sigilo ¡rrrr
fissional: o interesse público no correto exercício de uma ativirl:r,ll
relevante socialmente. A proteção do segredo profissional é tanrh,,rrr
uma garantia instirucional: "por via da proteção dispensada âo S€glcrln
particular, a norma busca também o seu escopo de garantir a confi:rrr¡,r
pública na lealdade dos confidentes necessários; o que, à sua vez, i. lrr
dispensável na preservação da saúde coletiva, na distribuição da jusrl¡rr,
na moralidade dos negócios etcl'.37
Médicos, jornalistas, psicólogos e advogados, por exemplo, rtrrr l
mesmo dever de resguardar o sigilo profissional não como obri¡¡:rçiìo
para com o cliente que lhes depositou o segredo, ou como condição ¡rr,l
soal para o exercício profissional, mas sob um enfoque mais amplo, ¡t,rr'r
resguardar a credibilidade da corporação profissional a que pertcnçrn,
pois esta é uma exigência ético-profissional.
Em suma, arazáo de ser do sigilo profissional é a preservação do t,'rr
teúdo do segredo emrazão da necessidade de manutenção e respcito rl,r
relação de confiança que lhe é inerente.3s
36 Gor.rzace,João Bernardino. Violação de segredo profissional. São Paulo: Max l,in¡r,rr,r,l
I976,p.43.
37 GoNzaca, ]oão Bernardíno. Violação de segredo...op. cít.,1976,p.44.
38 Comentando o tipo penal do art. 154 do Código l)cnrrl, João Bernardino Gonza¡¡rr ((.,rrr
ztoa,,Jo:ao Bernardino. Violação de segredo...r4t. t:it., lt)76, p. 24) expiica que "a lci ohlr.rrr,r
590
59r
A cAprlçÃo AMBTENTAL DE srNAts Irr.tì r't{oM^(ìNÉr.lcos, ópucos ou Rcúsrrcos...
A outra face do dever de sigilo profissional é o direito de não ser
obrigado a revelar os fatos proregidos pelo sigilo. Trara-se de um direito-
-dever de todo profissional:3e um dever perante o cliente, um direito
perante o juiz.ao
Por tal motivo, o aft.207 do Código de Processo Penal proíbe o depoi-
mento de pessoas que, razáo de função, ministério, offcio ou profissão,
devam guardar segredo. De modo semelhante, o arr. 448, inc.Il, do
Código de Processo Civil, prevê que a restemunha não é obrigada a depor
sobre fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.al
E, por força do art. 388, inc. II, nem mesmo a parte não é obrigada a depor
de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.a2
rqui, garantir a tranquila utilização dos serviços de determinados profissionais, encorajando
r convicção pública de que perante eles, podemos desvendar nossas intimid¿des".
, Nesse sentido, em relação ao sigilo profissional do advogado: SoonÉ, Ruy de Azevedo.
O Advogado, seu Estatuto e a Ética Profissional. 2 ed. São Paulo, R! 1967, p.301; So-
unÉ, Ruy de Azevedo. A ética profissional e o Estatuto do Advogado. São paulo: Ltr, 1991,
p. 396; Crunvrve, Walter. Segredos proûssionais. ..op. cit.,1996, p.18. No mesmo sentido,
na doutrina estrangeira: Cervq Mario Gómez. El secreto profesional de abogacía. Revista
de ciencias Jurídicas, n. 11, 1968, p. 231. como *plica Juan Manuel Gonzâlez sabathié
(Norma de Ética Profesíonal del Abogado, Colegio de Abogados de Rosario,1982) "El se-
creto profesional constituye alavezun deber y un Derecho del abogado. Es hacia los clien-
tes un deber de cuyo cumplimiento ni ellos mismos pueden eximirle;es un derecho del
:rbogado hacia los jueces, pues no podría escuchar expresiones confidenciales si supiese que
podía ser obligado a revelarlas".
{{' CALvo, Ma¡io Gómez. El secreto profesional ... op. cit.,1968,p.231.
{r Além disso, o art.166 do Código de Processo Civil, em relação às atividades de concilia-
ção e mediação, prevê, na cabeça do artigo, que entre outros princípios, é governada pelo de
confidencialidade. E os $$ te e 2'Q do referido dispositivo estabelecem: $ le A confdenciali-
clade estende-se a todes as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não
¡roderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes.
$ 2e Em razio do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim
como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou ele-
nrentos oriundos da conciliação ou da mediação".
'rt Analisando regra semelhanre no direito argentino, Hugo Alsina (ArsrNe, Hugo. Tra-
tndo de Derecho Procesal civil y comercial. Buenos Aires, cia. Argentina de Editores,
f941, t. III, p.5a7) explica que "No es exacto que el dueño del secreto sea la parte, pues
nrcdia tømbién una cuestión de ética profesionøl. No es sólo a aquélla a quien interesa la reserva,
slno también al tesrigo, en cuya probidad y decoro confía la sociedad por razones de orden ptiblico.
l'or consiguiente, ni la parte ni el juez pueden obligar al testigo a revelar un hecho que en su
('oncepto debe reservarlo por respeto a su dignidad profesionøl' (destaquei).
IO ANOS DA LEI DAS ORGAN]ZAçÕES CRIMINOSAS
Justamente por violar o sigilo profissional , náo é admissível a aur( )r I
zação judicial de captação ambiental de manifestações do pensamr.rrtn
protegidas pelo sigilo profissional e, caso produzida, tratar-se-á de pr',rv,r
ilícita, que deverá ser desentranhada do processo. Não se pode autorl
zar a captação ambiental em escritório de advocacia, em consultrirl,'¡
médicos, em confessionários ou outros lugares em que se exerçanr lrrrr
ção, ministério, oficio ou profissão protegidos pelo sigilo profissiorr,rl
Mas, independentemente no local em que se desenvolva a ativirlrrrlrr,
não se pode admitir a captação ambiental de conversas entre advo¡p,|,'
e cliente, mesmo que esteja, por exemplo, em antessalas de audiônr,l,r,
num parlatório de presídio ou mesmo em um restaurante. Da nrcsrrrr
forma, um sigilo entre padre e seu fiel deve ser protegido indepentk,rr
temente do local em que ocorra a confissão.
Outro direito que pode ser indevidamente afetado pela caprlçitl
ambiental é o direito ao silêncio e a garantia constitucional conlr,r,l
autoincriminação (CR, art. 5e, ca¡tut,Lxlll).
Implementando tal direito, o Código de Processo Penal estahclr., r'
que, antes do interrogatório, o acusado deveri¿ ser advertido dr¡ r,'l
direito de permanecer calado e de não responder perguntas quc llrr,
forem formuladas (art. 186, caput), bem como de que o silêncio, r¡ul
não importa em confissão, não poderia ser interpretado em prejulzo rl,r
defesa (art. 186, parâgrafo segundo).
]ustamente por isso, não é lícito buscar obter uma confissão clc lrr
vestigados ou acusados por meios sub-reptícios, ardilosos, sem o irrlot
mar de que poderia pennanecer calado. Uma autorizaçáo judicill .lr,
captação ambiental de sinais acústicos, por exemplo, em uma cclrr rll
penitenciária, num parlatório de presídio, ou mesmo em viaturrìs rll
transporte de presos, caractetizatá prova ilícita, por violar o art. 5rr, rrr¡rlf ,
LX[I, da CR" c.c. art.186 do CPP.
Na Alemanha, RoxrN posiciona-se contrariamente à utilizaçiro ,ll
confidentes que gravam conversas com investigados em celas de ¡rllslrr,
para depois ser utilizado como prova, por violação do nemo tenetur st' lrtr
gere.a3 E, noutro estudo, afirma que o interrogatório por ardil devcri,r r,r.r
a3 Roxrw, Claus. "Nemo Tenetur" la jurisprudencia en la encrucijada, In. Roxl¡, ( ll,rrrr
Pasado, presente y futuro del Derecho Proces¡¡l Pcn:rl. Trad. Óscar Julián (lur.rr, r,,
Peralta, Buenos Aires: Rubinzal - Culzoni Ed., 2009, ¡r. I(r7.
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A caprAÇÁo ÄMBTENTAL DE srNArs ur,ri'r rìoM^(ìNri rrcos, óprrcos ou acúsrlcos...
rubsolutamente proibido, independentemente da gravidade do crime, da
maior ou menor complexidade das investigações ou de qualquer outra
característica especial do caso, porque significa iludir a lei.aa O direito
iro silencio será afetado, se os métodos utilizados pelos agentes estatais
"se afiguraram um sucedâneo funcional'do interrogatório formal".as
Trata-se de um imperativo de todo e qualquer Estado Democrático
de Direito que acredite que, no processo penal, embora a obtenção da
verdade seja muito relevante, não deve ser obtida a qualquer custo ou
qualquer preço.
O STF já decidiu que é ilícita a prova nos casos de interrogatório for-
nal, ou de 'þravação clandestina de 'conversa informal' do indiciado
com policiais", se em um ou outro, não houve a expressa adverrência do
direito ao silêncio.tr Notadamente no caso de acusado preso, considerou
que as "regras sobre a instrução quanto ao direito ao silêncio - as cha-
madas Miranda rules - hao de se aplicar desde quando o inquirido está
cm custódia ou de aþma outra forma se encontre significativamente
¡rrivado de sua liberdade de açio".a7 Mais recentemente, também con-
siderou ilícita as "entrevistas informais", realizadas em cumprimento de
'a RoxtN, Claus. La prohibición de ¿utoincriminación y de las escuchas domiciliarias.
lluenos Aires: Hammurabi, 2008, p. 65. No mesmo sentido, na Espanha, também Muñoz
{ )onde (Muñoz CoNor, Francisco. Valoración de las grabaciones...op. cit.,2007, p. 43),
eonsidera que o direito " a no se declarar contra sí mismo" é violado: "cuando se utilizan agentes
cncubiertos o confidentes que graban conversaciones con el presunto responsable (con el
(lue, por ejemplo, conviven en Ia misma celda) u luego esas grabaciones se utilizan como
¡rruebas en el proceso, pues está claro que en estos casos la policía, o el agente estatal que
sca, está incumpliendo su obligación de proporcionarle asistencia jurídica al sospechoso en
su deciaración y de advertirle a éste que todo lo que diga puede ser utilizado en su contra''.
No mesmo sentido, na doutima italiana: Cenl'Errr, Fernanda. Captazione indebita di dialoghi
r rr imputati detenuti. Rivista Italiana di Diritto Processuale Penale, 1976, p. 1110.
t" OuvEIRA r StrvA, Sandra. O Arguido como Meio de Prova contra sl mesmo. Conside-
r;rções em torno do princípio nemo tenetur se ipsum accusar¿. Coimbra: Almedina, 2018, p. 316.
4" STF, Primeira Turma, HC 80.949-9/RJ, Rel. Min. Sepulveda Pertence, j.slll}l}l,Dj
t4l12lor.
" STF, Segunda Turma, RflC 122.2791R), ReI. Min. Gilmar Mendes, j. l2l08lI4, DI.
\0ll0l14. Ou ainda, que "a Constituição Federal impõe a o Estado a obrígação de informar
rro preso seu direito ao silêncio não apenas no interrogatório formal, mas logo no momento
tll abordagem, quando recebe voz de prisão por policial, em situação de flagrante delito.
;1. Inexistência de provas independentes no c¿so concreto. Nulidade da condenação". (STR
Scgunda Turma, AgR no RHC 192.7981SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 24l12l2l, Dj
0210312r)
IO ANOS DA LEI DAS ORGANIZAÇÓES CRIMINOSAS
mandados de busca e apreensão, quando o investigado não é advclrl,l,'
do seu direito ao silêncio.a8
Em suma, como afirmava Ane PsrrEcntNt GnrNoven: "o interrr,¡r,,r
tório sub-reptício do indiciado ou acusado, clandestinamente grlvu,l,,,
constifui, inequivocamente prova ilicitamente obtida, não só enr f ,rr r
dos princípios gerais, mas ainda por contrariar frontalmente as r€grur r lr
advertência quanto ao direito ao silêncio".ae
Por fim, não teria valia o paralelo com a possibilidade de legalnrcrrr,
o Poder Judiciário autorizar a interceptação telefônica, telemáticn ,'rr
captação ambiental, em local público ou em residência, de um sus¡rr.tt'
ou investigado. Evidente que em tais casos, a produção do meio clt. ,,lr
tenção de prova não exige prévia advertência do direito ao silêr¡r tl
Se assimo fosse, tais técnicas de investigação seriam absolutamentc lrrr'
ficazes. Em tais hipóteses, conrudo, os investigados que convers:ur,lr
por telefone, ou trocam mensagens telemáticas, ou mesmo quc: ('.n
versarem pessoalmente em local público ou privado, estarão livrcs, ,'¡
pressando seus pensamentos e exercendo normalmente suas ativirl:rrlr,r
rotineiras. Muito diferente é a situaçáo de uma pessoa que estejt l)r '.!'t,
sob a tutela do Estado, que tem o direito de ser alertado de quc ¡',',1,,
permanecer calado, como condição de validade para que qualqucr rl,'
claração autoincriminatória possa ser utilizada contra si.
Em suma, constitui prova ilícita a "captaçáo ambiental de sinrris r,ll
tromagnéticos, ópticos e acústicos" de manifestações de penslrrrr.rrtl
de investigado sob tutela estatal, seja em celas de prisões, parlar<5rir':, rll
presídio ou viatura policial, por violar o direito de permanecer cll,rrhr,
assegurado pelo art. 5e, caput,inc. LKII, da Constituição.
7. Conclusões
1. O direito constitucional atingido pela ambiental de "crì¡rt.r¡,t,'
ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos e acústicos" é o cìirt.tr,r I
liberdade de comunicação de pensamento entre pessoas preserìlt.s, rlrr
art. 5q, caput, IV, da Constiruição.
48 STF, Segunda Turma, Rcl 33.71ÿSP, ReL Min. Gilmar Mende s, j. Ill 06119, Dj 28 I ut I t',
ae GRINoVER, Ada Pellegrini. As interceptações telefônicas e gravações clantlt.stlrrrq rrr,
Processo Penal. In. Gnrxovrn, Ada Pellegrini. Novrrs T'endências do direito procr.rrrtl
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. (r7.
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A CAPTAçÁO AMBIENT,A.L DE SINATS Iil.lt',l ROMA(ìNri'r'lCOS, Óprtcos ou Rcúsucos...
2. A legislação brasileira não distingue a captação ambiental strito
sensu, da captação domiciliar. Deferia o fazer, pois nesse último caso há
também a afetaçio do direito à inviolabilidade do domicílio (CR, art. 5e,
caput, XI), que somente deveria ser admitida em hipóteses ainda mais
restritas.
3. A expressão "elementos probatórios razoáveis", do inciso II do art.
8-A da Lei 9.29611996, deve ser interprerada como sendo um støndard
de prova de prova simples probabilidade: é mais provável que o investi-
gado seja autor do delito que não seja.
4. A previsão do inciso II do art. 8-A da Lei9.29611996, permitindo a
captação ambiental no caso de crimes com pena máxima superior a qua-
tro anos necessita de uma adequação, sendo exigida uma interpretação
conforme a Constituição. A medida não deverá ser decretada em rela-
ção a crimes que, em razáo da pena mínima cominada, admitam a sus-
pensão condicional do processo ou acordo de não persecução penal, sob
pena de uma ilegítima violação do direito a liberdade de manifestação
do pensamento, porque desproporcional ao resulto obtido de efetivida-
de da persecução penal.
5. A Lei admite a captação ambiental de "infrações penais conexas",
sem qualquer limite de pena. O dispositivo deve receber uma interpre-
tação conforme à Constituição, para que não seja admitido, por incons-
titucionalidade, a decretação de tal meio de obtenção de prova crimes
de pequena e média gravidade, por ser medida desproporcional em face
clos resultados que podem.
6. Não é admissível a "captação ambiental de sinais eletromagnéricos,
ópticos e acústicos" de manifestações do pensamento proregidas pelo
sigilo profissional e, caso produzida, tratar-se-á de prova ilícita, que
deverá ser desentranhada do processo.
7. Não deve ser admitida a"captaçio ambiental de sinais eletromag-
néticos, ópticos e acústicos" de manifestações de pensamento de inves-
rigado sob tutela estatal, seja em celas de prisões, parlatórios de presídio
r¡u viatura policial, por violar o direito de permanecer calado, assegu-
rado pelo art. 5q, cøput,inc. LXI[, da Constituição.

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