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Uma breve história da economia - Niall Kishtainy

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CAPÍTULO 1
Cabeça fria e coração quente
O fato de você ter este livro nas mãos o coloca numa posição especial. Para
começar, você (ou quem quer que lhe tenha dado este livro) teve dinheiro
para comprá-lo. Se você fosse de um país pobre, sua família provavelmente
estaria sobrevivendo com alguns poucos dólares por dia. A maior parte do
seu dinheiro iria para comida, e não sobraria nada para comprar um livro.
Mesmo que você conseguisse um exemplar, muito provavelmente seria inútil,
porque você não conseguiria lê-lo. Em Burkina Faso, um país pobre na
África Ocidental, menos de metade dos jovens sabe ler; e apenas um terço
das meninas sabe. Lá, em vez de aprender álgebra ou idiomas, uma menina
de doze anos pode ter passado o dia carregando baldes d’água até a cabana
da família. Você talvez não considere a si mesmo e a sua família como
particularmente ricos, mas, para muitas pessoas no mundo, gastar dinheiro
num livro e conseguir lê-lo pareceria tão provável quanto uma viagem à lua.
As pessoas que morrem de curiosidade – e talvez de raiva – diante dessa
enorme diferença muitas vezes se dedicam à economia. A economia, ou
ciência econômica, é o estudo de como as sociedades usam seus
recursos: terra, carvão, pessoas e máquinas envolvidas na fabricação de
produtos úteis, como pão e sapatos. A ciência econômica mostra por que é
muito errado dizer que as pessoas em Burkina Faso são pobres porque são
preguiçosas, como fazem alguns. Muitas delas trabalham duro, mas nasceram
numa economia que, como um todo, não é muito boa em produzir coisas. Por
que o Reino Unido tem os edifícios, livros e professores necessários para
educar suas crianças, e Burkina Faso não? Essa é uma pergunta
incrivelmente difícil, e até agora ninguém encontrou a resposta exata. A
ciência econômica tenta encontrar.
Aqui está uma razão mais forte para ser fascinado pela ciência
econômica, e talvez conceber suas próprias ideias sobre ela. A ciência
econômica é uma questão de vida e morte. Um bebê nascido hoje num país
rico tem uma chance ínfima de morrer antes dos cinco anos de idade. A
morte de uma criança pequena é um acontecimento raro e chocante.
Entretanto, nos países mais pobres do mundo, mais de dez por cento das
crianças nunca chegam aos cinco anos de idade por falta de alimento e de
medicamentos. Os adolescentes nesses países podem se considerar sortudos
por terem sobrevivido.
A palavra “economia” pode soar um pouco chata e fazer você pensar em
um monte de estatísticas monótonas. Mas isso, na verdade, diz respeito a
ajudar as pessoas a sobreviverem e a terem saúde e educação. Trata-se de
como as pessoas obtêm o que necessitam para viver uma vida plena e feliz –
e por que algumas pessoas não o obtêm. Se pudermos resolver questões
econômicas básicas, talvez possamos ajudar todos a terem uma vida melhor.
Hoje, os economistas têm uma maneira particular de pensar sobre os
recursos – isto é, os tijolos para construir uma escola, os medicamentos para
curar doenças e os livros que as pessoas querem. Eles afirmam que essas
coisas são “escassas”. Nos anos 1930, o economista britânico Lionel
Robbins definiu a ciência econômica como o estudo da escassez. Coisas
raras, como diamantes e pavões brancos, são escassas; mas, para os
economistas, canetas e livros também são escassos, embora possam ser
facilmente encontrados em casa ou na loja do bairro. Com “escassez”, eles
querem dizer que há uma quantidade limitada, e que os desejos das pessoas
são potencialmente ilimitados. Se pudéssemos, possivelmente
continuaríamos comprando canetas e livros novos para sempre – mas não
podemos fazer isso, porque tudo tem um custo. Isso significa que precisamos
fazer escolhas.
Pensemos um pouco mais sobre a ideia de custo. O custo não são apenas
dólares ou libras, embora estes sejam importantes. Imagine um aluno
escolhendo que matéria estudar no próximo ano. As opções são história ou
geografia, mas não ambas. O aluno escolhe história. Qual o custo dessa
escolha? É aquilo de que você abre mão: a chance de aprender sobre
desertos, geleiras e capitais. E quanto ao custo de um novo hospital? Você
poderia somar os preços dos tijolos e do aço usados na construção. Mas, se
pensarmos em termos do que abrimos mão, então o custo é a estação de trem
que poderíamos ter construído no lugar do hospital. Os economistas chamam
isso de “custo de oportunidade”, e é fácil negligenciá-lo. A escassez e o
custo de oportunidade mostram um princípio econômico básico: há escolhas
a serem feitas, entre hospitais e estações de trem, shopping centers e campos
de futebol.
A economia, então, examina como usamos recursos escassos para
satisfazer necessidades. Mas faz mais do que isso. Como variam as escolhas
com que as pessoas se deparam? Os indivíduos nas sociedades pobres
encaram escolhas difíceis: uma refeição para os filhos ou um antibiótico
para a avó doente. Nos países ricos, como os Estados Unidos ou a Suécia,
isso raramente acontece. Talvez tenham de escolher entre um novo relógio e
o último iPad. Os países ricos enfrentam problemas econômicos graves – às
vezes, empresas vão à falência, trabalhadores perdem o emprego e têm
dificuldade para comprar roupas para os filhos –, mas com menos frequência
são questões de vida e morte. Uma questão central para a economia, então, é
como as sociedades superam os piores efeitos da escassez – e por que
algumas não o fazem com a mesma rapidez. A tentativa de uma boa resposta
requer mais do que ter um bom domínio do custo de oportuni dade – isto é,
ser bom em decidir se devemos ter um novo hospital ou um campo de
futebol, ou comprar um iPad ou um relógio. Sua resposta precisaria se
apoiar em todo tipo de teoria econômica e num conhecimento profundo sobre
como as diferentes economias funcionam no mundo real. Conhecer os
pensadores econômicos da história apresentados neste livro é um excelente
ponto de partida; suas ideias mostram quão incrivelmente variadas foram as
tentativas dos economistas.
Os economistas, obviamente, estudam “a economia”. A economia é onde
recursos são usados, novas coisas são feitas e se decide quem recebe o quê.
Por exemplo, um fabricante compra tecido e contrata funcionários para
produzir camisetas. Os consumidores – você e eu – vão às lojas e, se têm
dinheiro, podem comprar produtos como camisetas (nós os “consumimos”).
Também consumimos “serviços”, coisas que não são objetos físicos – cortes
de cabelo, por exemplo. A maioria dos consumidores é também trabalhador,
porque ganha dinheiro com um emprego. Empresas, trabalhadores e
consumidores são os principais elementos de uma economia. Mas os bancos
e os mercados de ações – o “sistema financeiro” – também influenciam o
modo como os recursos são usados. Os bancos emprestam dinheiro às
empresas – eles as “financiam”. Quando um banco empresta dinheiro a um
fabricante de roupas para comprar uma nova fábrica, o empréstimo
possibilita que o fabricante compre cimento, que acaba sendo destinado à
fábrica, e não a uma nova ponte. Para obter dinheiro, as empresas às vezes
vendem “participações” (ou “ações”) no mercado de ações. Quando você
tem ações da Toshiba, você tem uma parte minúscula da empresa e, se a
Toshiba se sai bem, o preço de suas ações sobe e você fica mais rico. Os
governos também são parte da economia. Eles afetam o modo como os
recursos são usados quando gastam dinheiro numa nova autoestrada ou numa
usina elétrica.
No próximo capítulo, conheceremos algumas das primeiras pessoas que
refletiram sobre questões econômicas: os gregos antigos. A palavra
“economia” vem do grego oeconomicus (oikos , casa, e nomos , lei ou
regra). Então, para os gregos, economia tratava-se de como os lares
gerenciavam seus recursos. Hoje, economia também inclui o estudo de
empresas e indústrias. Mas os lares e as pessoas que vivem neles continuam
sendo fundamentais. Afinal, são os indivíduos que compram coisas e que
compõem a força de trabalho. Portanto, ciência econômica é o estudo do
comportamento dos seres humanos na economia. Se você ganha £20 de
presente de aniversário, comodecide gastar o dinheiro? O que faz um
trabalhador aceitar um novo emprego por um determinado salário? Por que
algumas pessoas economizam dinheiro cuidadosamente e outras esbanjam
comprando um palácio para o cachorro?
Os economistas tentam abordar esse tipo de questão de uma maneira
científica. Talvez a palavra “ciência” faça você pensar em tubos de ensaio
borbulhantes e equações rabiscadas em quadros-negros – um tanto distantes
da questão de as pessoas terem comida suficiente. Na verdade, os
economistas tentam explicar a economia da mesma forma que os cientistas
tentam explicar o voo de foguetes. Os cientistas procuram por “leis” físicas
– de que modo uma coisa causa outra –, como a lei que relaciona o peso de
um foguete com a altura que este atinge. Os economistas procuram leis
econômicas que expliquem, por exemplo, de que modo o tamanho de uma
população afeta a quantidade de alimento disponível. Esta é a chamada
“economia positiva”. As leis não são boas nem ruins. Elas apenas
descrevem o que existe.
Se você está pensando que a economia não se resume a isso, tem toda a
razão. Pense nas crianças africanas que não sobrevivem à infância. É
suficiente descrever a situação e deixá-la como está? É claro que não! Se a
economia não servisse para avaliar a situação, pareceria um tanto
indiferente. Outro ramo da economia é a “economia normativa”, que diz se
uma situação econômica é boa ou ruim. Quando você vê um supermercado
jogando fora alimentos que estão aptos para o consumo, possivelmente fará
mau juízo dele, pois isso é desperdício. E quando pensa na diferença entre
os ricos e os pobres, talvez julgue isso ruim, porque é injusto.
Ao unir observação precisa e julgamento sensato, a economia pode ser
um motor de mudança para criar sociedades mais ricas e mais justas, em que
mais pessoas possam viver bem. Como certa vez declarou o economista
britânico Alfred Marshall, os economistas precisam de “cabeça fria e
coração quente”. Sim, descreva o mundo como um cientista, mas faça isso
com compaixão pelo sofrimento humano à sua volta – e então tente mudar as
coisas.
A economia de hoje, do tipo que as pessoas estudam na universidade,
surgiu num momento relativamente recente dos milhares de anos de
civilização humana. Apareceu há alguns séculos, quando o capitalismo, o
estilo de economia hoje encontrado na maioria dos países, nasceu. No
capitalismo, a maioria dos recursos – alimento, terra e mão de obra – são
comprados e vendidos por dinheiro. Essa compra e venda é chamada
“mercado”. Além disso, há um grupo de pessoas, os capitalistas, que detêm
o capital: a quantia de dinheiro, as máquinas e as fábricas necessárias para
produzir bens. Outro grupo, os trabalhadores, são empregados nas empresas
dos capitalistas. É difícil, hoje, imaginar o mundo de outra maneira. Mas
antes do capitalismo as coisas eram diferentes. As pessoas cultivavam seu
próprio alimento em vez de comprá-lo. As pessoas comuns não trabalhavam
para empresas, e sim para o senhorio que controlava a terra em que viviam.
Em comparação com a matemática ou a literatura, portanto, a ciência
econômica é nova. Trata-se, em grande medida, de coisas que dizem respeito
aos capitalistas: compra, venda e preços. Grande parte deste livro fala sobre
esse tipo de economia. Mas também veremos ideias econômicas muito
anteriores. Afinal, toda sociedade, capitalista ou não, precisa lidar com o
problema de como alimentar e vestir seu povo. Examinaremos como as
ideias sobre a economia foram mudando, e veremos como a própria
economia mudou – como as pessoas ao longo do tempo tentaram superar a
escassez enquanto trabalhavam nos campos e nas fábricas e se reuniam em
volta de suas panelas.
Os economistas sempre descrevem a economia e emitem opiniões sobre
ela como cientistas cautelosos e filósofos sábios? Às vezes, eles são
acusados de subestimar as dificuldades enfrentadas por grupos de pessoas
desfavorecidos, que são deixados para trás conforme a economia avança,
especialmente mulheres e negros. Isso ocorre porque, ao longo da história,
os economistas quase sempre vieram dos grupos mais favorecidos das
sociedades? No início do século XXI, houve uma grande crise econômica
causada pelas atividades imprudentes dos bancos. Muitas pessoas culparam
os economistas por não terem sido capazes de prevê-la. Alguns suspeitaram
que isso aconteceu porque muitos deles foram influenciados por aqueles que
se beneficiavam de uma economia dominada pelas finanças e pelos grandes
bancos.
Talvez, então, os economistas necessitem de algo além da cabeça fria e
do coração quente: um olhar autocrítico e a capacidade de superar os
próprios interesses e as maneiras convencionais de olhar para o mundo.
Estudar a história da economia nos ajuda a fazer isso porque, ao aprender
sobre como as ideias de pensadores antigos surgiram de seus interesses e
circunstâncias particulares, podemos ver mais claramente como surgem as
nossas. É por isso que unir a história e as ideias é tão fascinante – e tão vital
para criar um mundo em que mais pessoas possam viver bem.
CAPÍTULO 2
Os cisnes altivos
C omo todas as pessoas, os primeiros humanos enfrentaram o problema
econômico da escassez, que para eles consistia em encontrar o suficiente
para comer. Mas não havia “economia” no sentido de um conjunto de
fazendas, oficinas e fábricas. Os primeiros humanos sobreviviam nas
florestas coletando frutos silvestres e caçando animais. Foi apenas quando
surgiram formas de economia mais complexas, como as das antigas Grécia e
Roma, que as pessoas começaram a refletir sobre questões de economia.
Os primeiros pensadores econômicos foram os filósofos gregos, que
iniciaram a tradição de pensamento ocidental da qual a ciência econômica
faz parte. Suas ideias floresceram após milhares de anos de esforço humano
para criar as primeiras civilizações. Muito antes deles, os humanos
plantaram as sementes da vida econômica aprendendo a curvar a natureza às
suas necessidades. Quando as pessoas dominaram o fogo, por exemplo,
puderam fazer coisas novas com o que encontravam: confeccionavam
panelas de barro e cozinhavam refeições usando plantas e animais. Depois,
há mais de 10 mil anos, veio a primeira revolução econômica: bandos de
humanos inventaram a agricultura quando descobriram como cultivar plantas
e domesticar animais. Mais indivíduos puderam sobreviver numa área de
terra, e eles se reuniram em aldeias.
Desses primórdios, civilizações com economias complexas surgiram na
Mesopotâmia, na região do atual Iraque. Um significado importante de
“complexo”, aqui, é que as pessoas não precisam produzir seu próprio
alimento. Hoje, você provavelmente obtém alimento não o cultivando
pessoalmente e sim comprando-o daqueles que o fazem. A Mesopotâmia
abrigava novos estilos de pessoas que nunca colhiam cevada ou ordenhavam
uma cabra: os reis, que governavam as cidades, e os sacerdotes,
encarregados dos templos.
A complexidade econômica foi possível porque as pessoas haviam se
tornado tão boas em plantar e criar animais que conseguiam produzir mais
do que necessitavam para a própria sobrevivência. O excedente alimentava
os sacerdotes e os reis. Fazer a comida chegar dos produtores aos
consumidores requeria organização. Hoje, isso acontece por meio de compra
e venda com dinheiro, mas as sociedades antigas se apoiavam em velhas
tradições. As colheitas eram trazidas aos templos como oferendas e
partilhadas pelos sacerdotes. Para organizar a distribuição de alimento, as
civilizações antigas inventaram a escrita; alguns dos primeiros exemplos que
temos são listas de entregas de colheitas, feitas por agricultores. Uma vez
que as autoridades puderam registrar esses dados, foi possível reter uma
parte do que as pessoas produziam (em outras palavras, “tributar”), e então
usar os recursos para abrir canais a fim de irrigar as plantações e construir
túmulos para honrar os reis.
Alguns séculos antes do nascimento de Cristo, já existiam civilizações
humanas na Mesopotâmia e no Egito, na Índia e na China, por milhares de
anos, e lá estavampresentes os ingredientes para a nova civilização que
surgia na Grécia. Lá, as pessoas começaram a pensar mais profundamente
sobre o que significa ser um humano vivendo em sociedade. Hesíodo, um
dos primeiros poetas gregos, declarou o princípio da economia: “Os deuses
mantêm escondido dos humanos o sustento”. O pão não cai do céu em nossas
mãos. Para comer, precisamos plantar e colher o trigo, moê-lo para produzir
a farinha e então amassar e assar os pães. Os humanos precisam trabalhar
para sobreviver.
Um ascendente de todos os pensadores é o filósofo grego Sócrates, cujas
palavras só conhecemos por meio dos escritos de seus discípulos. Conta-se
que certa noite ele sonhou com um cisne que abria as asas e voava para
longe, enquanto arensava ruidosamente. No dia seguinte, ele conheceu
Platão, o homem que se tornaria seu pupilo mais célebre. Sócrates viu em
Platão o cisne de seu sonho. O pupilo se tornou professor de humanidades, e
seu pensamento alçou voo e pairou altivo durante séculos.
Platão (428/427-348/347 a.C.) imaginou uma sociedade ideal. Sua
economia seria diferente daquela a que estamos acostumados. E a sociedade
em que ele viveu era diferente da nossa. Em primeiro lugar, não havia uma
nação da maneira como entendemos hoje. A Grécia Antiga era uma coleção
de cidades-Estados como Atenas, Esparta e Tebas. Os gregos chamavam a
cidade-Estado de polis , que é de onde vem nossa palavra para “política”. A
sociedade ideal de Platão, portanto, era mais uma cidade compacta do que
um país grande. Era minuciosamente organizada por seus governantes, e
havia pouco espaço para mercados em que comida e mão de obra são
comprados e vendidos por um preço. Consideremos a mão de obra, por
exemplo. Hoje pensamos em como usar nossa mão de obra em termos de
escolha: talvez você decida ser encanador porque gosta de consertar coisas
e a profissão é bem remunerada. No Estado ideal de Platão, todos têm seu
lugar determinado ao nascer. A maioria das pessoas, inclusive os escravos,
trabalha na terra. Eles são a classe mais baixa, com bronze na alma, segundo
Platão. Acima dos agricultores, Platão colocou a classe de guerreiros, com
alma de prata. No topo estavam os governantes, um grupo de “reis-
filósofos”, homens com alma de ouro. Perto de Atenas, Platão construiu sua
famosa Academia para criar os homens sábios, aptos para governar o resto
da sociedade.
Platão desconfiava totalmente da busca pela riqueza, tanto que no Estado
ideal os soldados e os reis não poderiam ter propriedades privadas – para
evitar que os palácios e o ouro os corrompessem. Em vez disso, viveriam
juntos e partilhariam tudo, até os filhos, que seriam criados em comunidade e
não pelos pais. Platão temia que, se a riqueza se tornasse importante demais,
as pessoas começariam a competir por ela. No fim, o Estado seria
governado pelos ricos, que seriam invejados pelos pobres. As pessoas
acabariam discutindo e brigando.
O próximo cisne altivo foi Aristóteles, que se uniu a Platão na Academia.
Aristóteles (384-322 a.C.) foi o primeiro a tentar organizar o conhecimento
em campos diferentes: ciência, matemática, política e assim por diante. Sua
curiosidade ia de questões profundas de lógica às formas das guelras de
peixes. Algumas coisas que ele disse podem soar estranhas para nós, como a
afirmação de que pessoas com orelhas grandes gostam de fofocar, mas isso
não é surpreendente para um homem que tentou abarcar o mundo inteiro com
a mente. Durante séculos, os pensadores o consideraram a autoridade
máxima, e ele ficou conhecido simplesmente como “O Filósofo”.
Aristóteles criticou o plano de Platão para a sociedade. Em vez de
imaginar a sociedade ideal, ele refletiu sobre o que funcionaria levando em
consideração as imperfeições das pessoas. Ele acreditava que seria
impraticável banir a propriedade privada como Platão recomendara. É
verdade, ele afirmou, que quando as pessoas possuem coisas, têm inveja das
posses umas das outras e brigam por elas. Mas, se partilhassem tudo,
provavelmente acabariam brigando ainda mais. Melhor deixar as pessoas
terem seus próprios pertences, pois assim cuidarão melhor deles e haverá
menos disputas sobre quem contribuiu mais para o bem comum.
Se as pessoas criam riqueza usando as sementes e as ferramentas que
possuem, como alguém obteria um novo par de sapatos, se não faz sapatos?
Essa pessoa pode conseguir os sapatos com um sapateiro, em troca de
algumas de suas azeitonas. Aqui, Aristóteles lança luz sobre a partícula
fundamental do universo econômico: a troca de um produto por outro. O
dinheiro ajuda nisso, ele afirmou. Sem dinheiro, você teria que carregar
azeitonas consigo para trocá-las pelos sapatos de que necessita, e precisaria
ter a sorte de topar com alguém oferecendo sapatos e querendo azeitonas.
Para simplificar, as pessoas concordam em designar um objeto, geralmente
de prata ou de ouro, como o dinheiro com o qual comprar e vender –
transacionar – coisas úteis. O dinheiro cria uma régua de medição do valor
econômico – o que algo vale – e possibilita que esse valor seja passado de
pessoa para pessoa. Com dinheiro, você não precisa encontrar alguém
disposto a lhe dar sapatos neste exato momento em troca de suas azeitonas;
você pode vender as azeitonas por moedas e, no dia seguinte, usar as moedas
para comprar um par de sapatos. As moedas são pepitas padronizadas do
metal designado como dinheiro. As primeiras foram feitas de eletro, uma
mistura natural de ouro e prata, no século VI a.C. no reino de Lídia, hoje
parte da Turquia. Mas foi na Grécia Antiga que o dinheiro efetivamente
deslanchou. Até mesmo os campeões olímpicos eram honrados com
dinheiro, recebendo quinhentas dracmas cada um. No século V a.C., havia
aproximadamente cem casas fabricando moedas. Esse rio de moedas de
prata ajudou a manter o moinho do comércio girando.
Aristóteles percebeu que, quando as pessoas trocam produtos usando
dinheiro, há uma diferença entre aquilo para que algo é usado (azeitonas,
para comer) e por que algo pode ser trocado (azeitonas, por um preço).
Segundo ele, é perfeitamente natural que uma família produza e coma
azeitonas, e venda-as por dinheiro para que possa obter os outros produtos
de que necessita. Quando as famílias veem que podem ganhar dinheiro
vendendo azeitonas, podem começar a produzi-las exclusivamente por lucro
(a diferença entre por quanto vendem as azeitonas e quanto custa produzi-
las). Isso é comércio: comprar e vender coisas para ganhar dinheiro.
Aristóteles era desconfiado em relação a isso e pensava que o comércio que
vai além da obtenção do que é necessário para a família era “antinatural”.
Ao vender azeitonas para obter lucro, as famílias ganham dinheiro à custa
dos outros. Como veremos posteriormente em nossa história, para os
economistas modernos isso é difícil de entender, porque quando
compradores e vendedores competem uns com os outros para comercializar
coisas, a sociedade ganha. Mas na época de Aristóteles simplesmente não
havia todos os compradores e vendedores concorrentes que parecem tão
comuns em nossos dias.
Aristóteles assinalou que a riqueza vinda de atividades econômicas
“naturais” tem um limite, porque uma vez que há o suficiente para satisfazer
as necessidades da família, não há necessidade de ter mais. Por outro lado,
não há limite para a acumulação antinatural de riqueza. Você pode continuar
vendendo mais azeitonas e encontrar todo tipo de coisas novas para vender.
O que o impede de acumular riquezas sem limites? Absolutamente nada –
 exceto o risco para sua sabedoria e virtude. “O tipo de caráter que resulta
da riqueza é o de um tolo afortunado”, disse Aristóteles.
Havia uma coisa pior do que produzir azeitonas para criar uma pilha de
moedas cada vez maior: usar o próprio dinheiro para ganhar mais dinheiro.
Assim como o uso natural de azeitonas é comê-las (ou trocá-las por algo de
que a família necessita), o uso natural do dinheiro é como um meio de troca.
Ganhar dinheiro com dinheiro, emprestando-o a alguém por um preço (uma
“taxa de juros”) é a atividade econômicamais antinatural possível. Como
veremos no próximo capítulo, o ataque de Aristóteles ao empréstimo de
dinheiro influenciou o pensamento econômico por séculos. Para Aristóteles,
então, estava claro que a virtude reside nos agricultores honestos, e não nos
banqueiros espertos.
Enquanto Platão e Aristóteles escreviam, a Grécia se distanciava de suas
visões para a economia. As cidades-Estados estavam em crise. Atenas e
Esparta travaram uma guerra longa. Os projetos econômicos dos filósofos
eram modos de se apegar à glória do passado. A solução de Platão era um
Estado disciplinado; a de Aristóteles, um guia prático para salvar a
sociedade do comércio excessivo. Os gregos estavam se tornando obcecados
por dinheiro, mesmo com Aristóteles e Platão condenando o amor ao
dinheiro. Conta-se que um governante de Esparta desencorajou a acumulação
de dinheiro fazendo a moeda da cidade na forma de barras de ferro, tão
pesadas que precisavam ser arrastadas por bois. Mas, em grande parte do
mundo grego, o comércio floresceu. As cidades negociavam azeite de oliva,
grãos e muitos outros produtos pelas águas do Mediterrâneo. Depois de
Aristóteles e Platão, as correntes de comércio se ampliaram ainda mais,
seguindo os passos do pupilo mais famoso de Aristóteles – Alexandre, o
Grande, cujos exércitos avançaram pelo mundo mediterrâneo e além,
espalhando a cultura grega por um novo e vasto império.
Como todos os impérios, a grande civilização grega e a romana que a
seguiu finalmente se extinguiram, e novos pensadores surgiram. Depois da
queda do Império Romano, no século V, o pensamento econômico foi
promovido por monges cristãos em toda a Europa, que mantiveram vivo o
conhecimento em mosteiros remotos.
CAPÍTULO 3
A economia de Deus
N a Bíblia, as pessoas precisam trabalhar para sobreviver, em consequência
do pecado. Quando estavam no Jardim do Éden, a vida era fácil para Adão e
Eva. Eles bebiam de um rio e comiam frutas das árvores. Ficavam sentados
o dia todo e não tinham que fazer muita coisa. Mas um dia desobedeceram a
Deus, e ele os expulsou do jardim – e, de uma vida de abundância,
degeneraram numa de dificuldades. “No suor do teu rosto comerás o teu
pão”, Deus disse a Adão. Desde então, as pessoas tiveram de trabalhar para
sobreviver. No entanto, Jesus alertou que, ao trabalhar, as pessoas corriam o
risco de cometer pecados que poderiam impedi-las de ir para o céu. Elas
poderiam se preocupar só em ficar ricas. Poderiam ter inveja da riqueza de
outras pessoas. Poderiam acabar amando roupas, joias e dinheiro mais do
que a Deus.
Em cada extremo da longa era medieval, situam-se dois pensadores
cristãos, gigantes intelectuais de sua época. Eles refletiram muito sobre o
que significava o ensinamento de Cristo. O que dizia sobre como os cristãos
deveriam participar da economia? No começo havia Santo Agostinho de
Hipona (354-430), um jovem e incansável professor que viria a se tornar um
homem santo e sábio. Já perto do final havia São Tomás de Aquino
(1224/1225-1274), um monge italiano que viveu enquanto uma nova
civilização comercial surgia na Itália. Seus escritos orientaram os cristãos
sobre como viver nessa sociedade em transformação.
Agostinho nasceu num Império Romano moribundo e tinha um pé no
mundo antigo e o outro no mundo medieval emergente. Depois de longas
perambulações e buscas espirituais, ele se converteu ao cristianismo. Os
gregos haviam refletido sobre a sociedade e a economia das cidades dos
reis, pequenos Estados com governantes sábios. Agostinho transformou isso
na Cidade de Deus, em cujo topo está Cristo, o salvador da humanidade. A
Cidade de Deus era governada por leis humanas e também por leis divinas.
Isso porque as pessoas tinham que participar da atividade ordinária e
cotidiana de ganhar dinheiro. A riqueza era uma dádiva de Deus para
pessoas pecadoras que necessitavam dela para sobreviver. A melhor vida
era alcançada quando se abria mão das posses, o que alguns cristãos faziam
ao viver sem dinheiro, como ermitãos ou em comunidades monásticas. Mas,
num mundo imperfeito, as pessoas precisam ter propriedades, e nesse caso
era importante não amar as posses, entender que estas são simplesmente o
meio para viver uma vida boa e sagrada.
As ideias de Agostinho ajudaram a moldar a sociedade medieval que
substituiu a dos romanos. Os romanos haviam criado um império vasto. Suas
cidades eram maravilhas de elegância e engenharia. Só Roma tinha mil
banhos públicos, abastecidos com água de aquedutos. Depois que Agostinho
morreu, o império foi derrubado por invasores, e durante os séculos
seguintes o comércio ruiu. As comunidades se voltaram para si, cultivando
alimento para consumo próprio em vez de comprá-lo e vendê-lo. As cidades
encolheram, e as pontes e estradas dos romanos desmoronaram. Do tecido
único do império, surgiu uma colcha de retalhos de governantes locais. O fio
que os unia era a nova fé cristã e os ensinamentos de homens como
Agostinho.
Outra parte da sociedade medieval era um sistema econômico que ficou
conhecido como feudalismo. Os governantes precisavam de guerreiros para
repelir hordas de invasores a cavalo. Era caro manter guerreiros, então os
reis lhes cediam terras em troca de lealdade. Os guerreiros prometiam lutar
pelo rei quando ele precisasse. A partir disso, desenvolveu-se todo um
sistema de produção que se baseava não em dinheiro, mas em promessas
feitas entre os governantes e os governados. A economia de Deus na terra foi
planejada como uma “cadeia de seres”. Essa era a visão medieval do
universo, como organizado numa ordem hierárquica estrita. No topo estavam
Deus e Cristo; seus representantes na terra eram primeiro o papa e depois os
reis, que cediam terras aos grandes senhores, e na base estavam os
camponeses, que trabalhavam na terra. Os camponeses entregavam a colheita
ao senhor, mantendo uma parte para si. A economia era governada pela
religião, e não pelos lucros e preços que hoje imperam; as autoridades eram
homens como Agostinho e os que vieram depois dele, os pregadores da
igreja e os monges eruditos.
Tomás de Aquino foi um deles. Ele nasceu numa família rica, mas quando
jovem entrou para a ordem dos dominicanos, monges que viviam sem
dinheiro nem posses. Seus pais odiaram isso e arranjaram para que ele fosse
sequestrado e trancafiado num de seus castelos. Inclusive colocaram uma
prostituta no quarto do filho para tentar fazer com que ele esquecesse a ideia
de virar monge, mas ele se recusou a ceder à tentação. Em vez disso, rezou e
escreveu livros sobre os métodos da lógica. Por fim, seus pais desistiram e o
soltaram, e ele se mudou para Paris, onde continuou sua busca religiosa e
intelectual.
Aquino descreveu a cadeia dos seres como uma colmeia, sendo os papéis
das abelhas determinados por Deus: algumas coletam néctar, algumas
constroem as paredes da colmeia, outras servem a abelha-rainha. A
economia humana era assim. Algumas pessoas trabalham na terra, algumas
rezam e outras lutam pelo rei. O importante era não ser ganancioso e não
invejar o dinheiro de outras pessoas.
Assim como Agostinho percebera, num mundo de pecado as pessoas
precisavam possuir coisas para garantir o próprio sustento e o de suas
famílias. Não era errado vender algo por lucro, desde que se fizesse bom
uso do dinheiro, dizia Aquino; se alguém tivesse mais dinheiro do que
necessitava, devia dar um pouco para os pobres. Suponhamos que alguém
ganhasse a vida vendendo carne. A pergunta que Aquino tentou responder
era: qual seria o “preço justo” para a carne? Qual era a quantia justa,
moralmente correta, a ser cobrada dos clientes? Aquino afirmou que não era
o preço mais alto que um vendedor seria capaz de obter, talvez mentindo
sobre a qualidade da carne. A trapaça era uma preocupação constante na
época medieval: um inglês reclamou que os açougueiros em Londres
passaram a pintar com sangue os olhos de ovelhas em putrefação para fazer
com que parecessem frescas. Aquino dizia que um preço acordado em tais
condições seria injusto; um preço justo era o normalmente cobrado numa
comunidade,sem truques nem vendedores poderosos dominando o comércio.
Como os pensadores que o antecederam, Aquino acreditava que o pior
pecado econômico era a “usura”: o empréstimo de dinheiro por um preço
(em outras palavras, a uma taxa de juros). A usura era condenada pela igreja
medieval. Os padres que enterrassem usurários em solo sagrado podiam ser
expulsos da igreja, e os usurários iriam para o inferno junto com os ladrões e
os assassinos. Um pregador contou a história de um usurário que pediu para
ser enterrado com seu tesouro. Depois que ele morreu, sua esposa cavou o
túmulo para recuperar o dinheiro. Ela viu demônios empurrando moedas –
 agora transformadas em brasas – para dentro da garganta do marido.
Os clérigos medievais diziam que emprestar dinheiro a juros era roubar,
porque o dinheiro era “estéril”: era infértil e, portanto, não podia se
reproduzir. Se deixado numa pilha, não procria como faz um bando de
ovelhas. Se você recebesse vinte e cinco moedas de um homem para quem
emprestou vinte e duas, estaria recebendo três moedas a mais. As três
moedas pertenciam ao homem. Aquino, como os pensadores da Grécia
Antiga, afirmava que o uso apropriado do dinheiro era para compra e venda.
Era errado tentar fazer o dinheiro se reproduzir por meio do truque de cobrar
juros sobre ele, de maneira que a quantidade devida ficasse maior. Quando o
dinheiro é usado para comprar e vender coisas, a compra e a venda
“consomem” o dinheiro. É exatamente como quando você usa o pão com a
finalidade de se alimentar – você consome o pão. (É diferente com uma casa,
porque você pode viver numa casa sem consumi-la.) É errado fazer alguém
pagar pelo pão e pagar pelo uso do pão. Isso é fazer a pessoa pagar duas
vezes. Da mesma maneira, é errado fazer alguém devolver o dinheiro que
você emprestou pagando-lhe juros sobre isso. Ainda pior, a usura é um
pecado que nunca termina. Pelo menos os assassinos param de matar
enquanto dormem. Os pecados dos usurários não cessam quando eles vão se
deitar, e as quantias que lhes são devidas ficam ainda maiores.
Aquino escreveu numa época em que a Europa estava redescobrindo o
comércio e os negócios. Alguns séculos antes de ele nascer, a população
começou a crescer, e as cidades ganharam vida novamente. Invenções como
arados pesados e novos tipos de arreios de cavalo ajudaram os agricultores
a trabalharem melhor a terra. Rodas d’água começaram a girar nos rios,
fornecendo energia aos moinhos para a moagem de milho. As comunidades
saíram do isolamento e começaram a negociar umas com as outras, e o
dinheiro, mais uma vez, ajudou a estimular a compra e a venda de produtos.
Nas grandes cidades de Veneza e Florença, a cadeia medieval de seres foi
alongada e estendida por novos tipos de pessoas: os mercadores, que
compravam e vendiam produtos por lucro, e os banqueiros, que faziam
operações com o dinheiro. A sociedade já não era composta apenas por
aqueles que rezavam, aqueles que plantavam e aqueles que lutavam. Os
habitantes da cidade acenderam as brasas do comércio, e agora elas
flamejavam. Navios levavam vidro e lã para a Ásia e voltavam com sedas,
especiarias e pedras preciosas. Veneza criou o primeiro império comercial
desde os tempos antigos.
À medida que o comércio florescia, também floresciam as finanças. Em
Veneza e Gênova, os mercadores armazenavam suas moedas com ourives,
que emitiam recibos que podiam ser repassados entre os mercadores no
lugar das moedas de ouro. Esses recibos por fim deram origem aos atuais
cheques e cédulas de dinheiro. Os ourives também começaram a emprestar
dinheiro aos mercadores, tornando-se assim os primeiros banqueiros – mas
também usurários pecadores. Para ajudar a lidar com os riscos envolvidos
no envio de cargas valiosas por mares perigosos, os mercadores criaram o
seguro: pagar a alguém uma quantia de dinheiro em troca da promessa de ser
compensado pelas perdas causadas por um infortúnio, como no caso de um
naufrágio.
As cidades movimentadas enfraqueceram o feudalismo, porque os
camponeses deixaram o campo e se mudaram para esses centros para
trabalhar por dinheiro. A movimentação começou a minar também os
ensinamentos da igreja tradicional. O santo patrono de Milão era Ambrósio,
que ordenara a morte dos usurários, mas isso pouco contribuiu para
desencorajar os citadinos de Milão a ficarem ricos emprestando dinheiro. A
vida econômica passou a ser governada mais pelo dinheiro e pelo lucro e
menos pela tradição. Até mesmo os monges começaram a ver que o
empréstimo de dinheiro era essencial para a economia e que só aconteceria
se os usurários fossem pagos por isso. Aquino afirmou que os juros sobre
empréstimos eram, na verdade, aceitáveis em certas ocasiões. Tudo bem que
os usurários cobrassem juros para compensar os lucros dos quais tinham que
abrir mão enquanto emprestavam seu dinheiro. Pouco a pouco, os clérigos
passaram a ver que havia uma diferença entre a usura – taxas de juros
elevadas que arruínam o tomador – e as taxas razoáveis que eram
necessárias para os bancos trabalharem.
No começo do século XI, o papa declarou que os mercadores jamais
entrariam no céu. No fim do século seguinte, o papa tornou santo um
mercador chamado Homobono. A ideia de que para estar próximo de Deus
era preciso ser pobre começou a desvanecer. Jesus disse a seus discípulos
que eles não podiam servir a Deus e ao dinheiro ao mesmo tempo, mas na
época de Aquino os mercadores acreditavam que podiam. Em 1253, uma
empresa italiana começou sua contabilidade manuscrita com as palavras “em
nome de Deus e do lucro”. A economia de Deus estava se fundindo com o
novo mundo do comércio.
CAPÍTULO 4
Em busca de ouro
N a primavera de 1581, o mercador e explorador inglês Francis Drake deu
um banquete a bordo de seu navio, o Golden Hind . O Hind tinha acabado de
levar Drake e sua tripulação por uma volta ao mundo e sobrevivera a uma
perigosa viagem de três anos. Agora atracado no rio Tâmisa, o navio estava
limpo e decorado com faixas, preparado para a chegada da convidada de
honra e patrona de Drake, a rainha Elizabeth I. Assim que a rainha subiu a
bordo, ordenou que Drake se ajoelhasse à sua frente. Um servo o tocou em
ambos os ombros com uma espada dourada, transformando o reles Francis
Drake – nascido pobre e criado por piratas – em Sir Francis e garantindo,
assim, sua posição como símbolo do grande poder militar marítimo da
Inglaterra.
Elizabeth enviara Drake nessa expedição instruindo-o a buscar vingança
contra seu inimigo, o rei Filipe da Espanha. Drake havia se empenhado ao
máximo, atacando navios espanhóis pelo mundo todo. Voltou para casa com
um volume gigante de espólio, incluindo ouro, prata e pérolas – agora sob a
custódia da guarda real na Torre de Londres.
Naquela época, os monarcas da Europa estavam criando as nações
modernas a partir da colcha de retalhos medieval de terras sob o controle de
diferentes príncipes e duques. As nações competiam umas com as outras
para ser a mais poderosa. A Espanha era a principal potência da Europa, e
então os holandeses e os ingleses estavam logo atrás. Naquela época,
também, mercadores como Drake estavam ganhando poder e influência como
nunca antes. Os mercadores ajudavam os monarcas a enriquecerem, e os
monarcas financiavam as viagens dos mercadores. O ato de Elizabeth, ao
nomear Drake cavaleiro no convés de seu navio, simboliza a aliança entre os
governantes e os mercadores.
A aliança veio a ser chamada “mercantilismo”. Surgiu quando os
pensadores começaram a se afastar da religião medieval e a se aproximar da
razão e da ciência. Em épocas anteriores, os que escreveram sobre questões
econômicas foram monges que estavam um tanto apartados do alvoroço do
comércio, mas agora surgiram novos pensadores econômicos que estavam
menos interessados em religião. Eram pessoas práticas, muitas vezes
mercadores ou funcionários da realeza, que escreviam sobre como os reis e
as rainhas poderiam cuidar melhor da riqueza de suas nações. Um deles foi o
mercador chamado Gerard de Malynes (c.1586-1641) a quem Drake certa
vez vendeupérolas saqueadas durante uma batalha com os espanhóis. O mais
famoso foi o inglês Thomas Mun (1571-1641), que, quando jovem, fez
transações comerciais no Mediterrâneo. Certa vez, perto da ilha grega de
Córcira, ele foi capturado pelos espanhóis, e seus colegas temeram que o
queimassem numa estaca. Felizmente, conseguiram que ele fosse solto, e
Mun veio a se tornar um homem rico e influente.
Em vez de uma teoria econômica bem desenvolvida, os mercantilistas
tinham uma mistura de crenças. Hoje, os economistas tendem a ridicularizá-
los por não entenderem as verdades econômicas mais básicas. Por exemplo,
o que você quer dizer exatamente quando afirma que um país é rico? Uma
versão básica do mercantilismo afirma que riqueza é ouro e prata; portanto,
um país rico é um que tenha muito ouro e prata. Aqui, a crítica é que os
mercantilistas cometem a “falácia de Midas”. Na lenda grega, o deus
Dionísio concedeu ao rei Midas um desejo. Midas pediu que tudo que ele
tocasse virasse ouro; quando tentou comer, aconteceu com seu alimento
exatamente isso, e a fome o ameaçou. A história nos mostra que é uma tolice
ver riqueza no brilho do ouro em vez de em pães e carne. Você pode acabar
morrendo de fome, ou, como Smaug, o dragão em O hobbit , de J.R.R.
Tolkien, seduzido a sentar sobre um monte de ouro, nada fazendo o dia todo
exceto contar moedas e cuspir fogo nos caçadores de tesouros.
Ainda assim, durante séculos os exploradores procuraram ouro, e os
monarcas tentaram acumulá-lo. Os primeiros exploradores da Europa, um
século antes de Drake, foram os portugueses e os espanhóis, e um deles,
Hernán Cortés, sabia algumas coisas sobre a atração do ouro quando falou:
“nós, espanhóis, sofremos de uma doença do coração que só o ouro pode
curar”. Eles abriram os portões da Europa para uma enxurrada de ouro a
partir de fins do século XV, quando seus exploradores velejaram pelo
Atlântico e descobriram o Novo Mundo das Américas. Lá, encontraram
antigas civilizações abarrotadas de ouro e prata. Os exploradores atacaram
as cidades, assassinaram seus habitantes e levaram o tesouro para a
Espanha. Governaram as novas terras para que o ouro continuasse escoando.
A Espanha ergueu uma montanha de tesouros e se tornou a nação mais
poderosa da Europa. Para os ingleses, a Espanha virou algo parecido com
Smaug: uma ferrenha acumuladora de riquezas, com uma pele aparentemente
invencível, mas com pontos fracos que podiam ser atacados. Homens como
Drake ganharam a vida tentando perfurar a pele da Espanha. Por fim, isso se
transformou numa guerra total.
Os economistas modernos criticam os mercantilistas por serem obcecados
por ouro, em vez de pelos produtos de que necessitamos para viver. Hoje,
medimos quão rica é uma nação em termos da quantidade de alimento,
roupas e outros bens que seus negócios produzem. Já não pagamos por
coisas usando ouro. Em vez disso, usamos “papel-moeda”: notas de dólares
e de libras que, em si mesmas, não têm valor. Nossas moedas também são
feitas de metais baratos que valem muito menos do que o valor real das
moedas. As notas e as moedas são valiosas simplesmente porque todos
acordamos que são. Mas na época dos mercantilistas o ouro era a única
maneira de comprar as coisas, e à medida que o comércio se expandia, mais
das coisas úteis de que as pessoas necessitavam, fosse comida, terra ou mão
de obra, precisavam ser compradas com ele. Hoje em dia, os governos
podem criar dinheiro emitindo mais; na época, reis e rainhas tinham que
encontrar ouro de verdade para pagar os exércitos e castelos necessários
para defender suas fronteiras. Então, em seu amor pelo ouro, os
mercantilistas não estavam tão equivocados quanto às vezes afirma-se que
estavam. As ideias econômicas estão relacionadas com as circunstâncias em
que as sociedades se encontram, e naquela época essas circunstâncias eram
muito diferentes das nossas – algo que é fácil de esquecer quando olhamos
para o passado.
Malynes escreveu um livro intitulado A Treatise of the Canker of
England’s Common Wealth [Um tratado sobre o cancro da riqueza comum da
Inglaterra], que seguia a linha mercantilista de que a nação precisava de um
estoque saudável de ouro. Para Malynes, a doença econômica da Inglaterra
(seu “cancro”) era as compras excessivas de produtos estrangeiros e as
vendas insuficientes de produtos britânicos para estrangeiros. As pessoas na
Inglaterra compram vinho de vinicultores na França usando ouro; e recebem
ouro quando vendem sua lã para os franceses. Quando a Inglaterra compra
muitos produtos estrangeiros e não vende muitos de seus próprios produtos
para eles, o estoque de ouro do país diminui. A solução de Malynes era
impor restrições à saída de ouro para preservar o estoque da nação. Essa era
uma política comum na época; alguns governos, como o da Espanha,
determinaram que a saída de ouro e prata do país era passível de ser punida
com a morte.
Mas em seu livro mais famoso, England’s Treasure by Forraign Trade [O
tesouro da Inglaterra pelo comércio exterior], Mun afirmou que a melhor
maneira de a Inglaterra obter ouro não era a imposição de restrições ao
escoamento do tesouro ou, ainda, o método de Drake de saquear navios
estrangeiros, e sim a venda de tantos produtos quanto possível para os
estrangeiros. Os países fazem-no bem quando se tornam bons em produzir
coisas. O objetivo era alcançar uma “balança comercial” favorável em que o
valor das exportações (produtos saindo) excedesse o das importações
(produtos entrando). A partir do século XVI, com navios mais rápidos e
robustos, os espanhóis, portugueses, ingleses, holandeses e franceses
competiram pelo domínio do comércio exterior para melhorar sua balança
comercial. As embarcações iam e voltavam por novas rotas, transportando
açúcar, tecido e ouro pelo oceano Atlântico, e capturando milhões de
africanos para serem vendidos como escravos para latifundiários nas
Américas.
Apoiados pelos mercantilistas, os governos adotaram medidas para
estimular as exportações e desencorajar as importações. Os produtos
importados estavam sujeitos à tributação, o que os tornava mais caros,
fazendo com que as pessoas comprassem mais produtos fabricados
localmente. Havia também leis “suntuárias”, que baniam produtos caros
(suntuosos). Na Inglaterra, os exibicionistas podiam ir para o pelourinho por
vestir sedas e cetins; muitos dos luxos ilegais eram produtos importados.
À medida que os exploradores e os exércitos conquistaram novas terras,
os governantes deram aos mercadores o direito de negociar com os
territórios. As viagens marítimas eram arriscadas, e por isso uma pessoa não
estaria disposta a financiá-las sozinha. Os governantes permitiram que os
mercadores criassem companhias especiais em que um grupo de investidores
contribuía com dinheiro e cada um recebia uma parte dos lucros. As
companhias lideraram a incursão por terras estrangeiras, obtendo riqueza e
fama para si e para seus governantes. A Companhia Britânica das Índias
Orientais, fundada em 1600, na qual Mun ocupou um alto cargo, era uma
delas. A companhia se transformou numa organização poderosa e ajudou a
Inglaterra a estabelecer o império na Índia.
Ao protegê-los dos produtos importados e ajudá-los a exportar seus
próprios produtos, os governos ajudaram os mercadores a ficarem ricos. Os
autores mercantilistas argumentavam que o que era bom para os mercadores
era bom para a nação. Aqui vemos como as ideias econômicas às vezes
acabam favorecendo certos grupos na sociedade. Ao restringir as
importações, o mercantilismo favoreceu os empresários em detrimento dos
trabalhadores. Quando os produtos importados são tributados, os negócios
do país prosperam, mas as pessoas comuns acabam pagando mais pela
comida e pelas roupas de que necessitam. Esse é outro motivo pelo qual
pensadores posteriores consideraram que os mercantilistas estavam errados.
Daqui a alguns capítulos, conheceremos Adam Smith, geralmente
considerado o pai da economia moderna. Ele pensava que a tarefa dos
economistas era revelar leis objetivas sobre como a economia funcionavae
afirmou que os mercantilistas não foram capazes de fazê-lo porque
defendiam principalmente os seus próprios interesses. O que era bom para
os mercadores nem sempre era bom para o país, disse Smith.
Os mercantilistas consideravam que as importações eram ruins, mas os
economistas de hoje pensam que isso não faz sentido. Na época, a visão era
de que se a Inglaterra vende pregos para os holandeses, então o ganho da
Inglaterra (o pagamento pelos pregos) é a perda da Holanda. Mas as
importações não são ruins se o que os holandeses querem são os pregos
ingleses – ou caviar russo e queijo francês. Muitas vezes, as importações são
essenciais para o progresso econômico, por exemplo, se os pregos fortes
estrangeiros são usados para construir os vagões necessários para
transportar alimento do campo para a cidade. Portanto, se a Inglaterra vende
pregos para os holandeses, tanto a Inglaterra quanto a Holanda ganham: a
Inglaterra ganha dinheiro, e a Holanda obtém pregos bons e baratos.
Smith atacou o mercantilismo no fim do século XVIII. Na mesma época,
este sofreu outro golpe quando as colônias britânicas na América do Norte
se libertaram. O controle britânico sobre as colônias dera a seus mercadores
um mercado garantido para venderem seus produtos, mas isso acabou
quando as colônias se rebelaram contra o governo britânico e se declararam
independentes.
Pensadores como Mun abarcaram duas épocas. Numa ponta estava a era
medieval, em que a vida econômica era local e determinada mais pela
religião e por vínculos pessoais do que por dinheiro. Na outra ponta estava a
chegada de uma era industrial, em que o dinheiro imperava e a vida
econômica se expandia por regiões e pelo globo. Os mercantilistas uniram as
duas. Foram alguns dos primeiros a enfatizar questões acerca de recursos e
dinheiro em detrimento de questões morais, a característica de grande parte
do pensamento econômico posterior. Não os preocupava se a busca pela
riqueza era permitida pelo ensinamento bíblico. Para eles, dinheiro era o
novo deus. Enquanto os homens do comércio se tornavam mais poderosos,
outros choravam a morte dos antigos modos de vida em que o valorizado não
eram o comércio e o dinheiro, e sim o cavalheirismo: a honra e a bravura de
cavalheiros e reis. “A era do cavalheirismo se foi”, disse o estadista e
escritor irlandês Edmund Burke em 1790. “A dos [...] economistas e
calculistas a sucedeu; e a glória da Europa se extinguiu para sempre.”
CAPÍTULO 5
Dádiva da natureza
N o Palácio de Versalhes, numa tarde de 1760, François Quesnay (1694-
1774) estava em estado de desespero. Seu amigo e colaborador intelectual, o
marquês de Mirabeau, tinha acabado de publicar um livro que aborreceu
muitas pessoas. Chamado The Theory of Taxation [A teoria do imposto],
soava realmente um tanto monótono. Mas fez com que Mirabeau fosse jogado
na prisão. Quesnay era o médico de Madame de Pompadour, a amante
predileta do rei Luís XV. Alguns anos antes, aos sessenta anos de idade, ele
se tornara (com ajuda de Mirabeau) a principal figura num grupo de
pensadores que se reunia no palácio de Mirabeau todas as terças-feiras para
discutir ideias. Foi a primeira “escola” de economistas do mundo. Quesnay
era uma figura reconhecida na corte real e fez críticas incisivas à economia
francesa de uma maneira respeitosa. Mas Mirabeau era impetuoso: em seu
livro, ele apregoou a proposta de Quesnay de que os impostos sobre os
camponeses da França fossem eliminados e que, em seu lugar, os aristocratas
fossem tributados. O rei ficou furioso e mandou prender Mirabeau. A
Madame de Pompadour tentou confortar o médico preocupado, dizendo que
tentaria acalmar o rei e que tudo se resolveria. Quesnay comentou
tristemente com ela que sempre que estava na presença do rei, tudo que
conseguia lembrar era que “este é um homem que pode cortar minha
cabeça”.
Como Mirabeau descobrira, os impostos são uma questão delicada. Os
governantes precisam tributar seus súditos. De que outra maneira eles
pagariam a corte e os soldados para defender o reino? A França, naquela
época, gastava muito dinheiro em guerras e precisava de ainda mais para
bancar os esplêndidos castelos, banquetes e joias do rei e dos nobres. Mas,
primeiro, há o problema de quem tributar, e, depois, de quanto tributar. O
governante tem que manter os aristocratas poderosos ao seu lado, e por isso
não é fácil tributá-los. Se os impostos sobre os camponeses forem
demasiado onerosos, eles podem parar de trabalhar – ou pior, podem se
rebelar. Jean-Baptiste Colbert, o ministro da Economia do rei anterior, um
século antes, tinha esse equilíbrio em mente quando falou: “A arte da
tributação consiste em depenar o ganso de modo a obter a maior quantidade
de penas com a menor quantidade possível de grasnadas”. Quesnay
acreditava que o ganso francês – a sociedade francesa e sua economia – fora
tão depenado que estava praticamente calvo. Algumas décadas depois, o
ganso grasnou ruidosamente e se insurgiu numa revolução. Mas, por ora, a
morte se pronunciava mais do que as grasnadas. Em comparação com a da
Grã-Bretanha, a agricultura da França era retrógrada e improdutiva. Os
camponeses levavam uma existência miserável. A vida no campo era uma
labuta longa e árdua, cheia de pobreza e fome. Quesnay culpava os altos
impostos cobrados dos camponeses que iam para a corte real e para os
aristocratas. Já os aristocratas e o abastado clero não tinham que pagar
imposto algum.
Quesnay afirmou que a agricultura era especial. A natureza, aproveitada
nos campos, rios e áreas de caça, era a fonte definitiva da riqueza de uma
nação. É por isso que as ideias de seu círculo de pensadores, os primeiros a
se denominarem economistas, vieram a ser conhecidas como “fisiocracia”,
que significa “governo da natureza”. Os fisiocratas afirmavam que riqueza
eram o trigo e os porcos produzidos pela terra. Os camponeses usam suas
colheitas, ou os ganhos obtidos com a sua venda, para se alimentar. Além
disso, eles às vezes produzem um excedente que pode ser vendido para
outras pessoas. Quesnay acreditava que o excedente era a força vital da
economia. Ele o chamou de “produto líquido”: era o que sobrava da
produção agrícola (o produto total) depois que os agricultores tiravam o que
necessitavam. Ele afirmou que o produto líquido só poderia ser produzido
por pessoas junto da natureza: pelos pescadores pescando no rio, pelos
pastores criando ovelhas nas pradarias.
Os fisiocratas acreditavam que o produto líquido emanava da economia
de acordo com leis da natureza que eram imutáveis e determinadas por Deus.
Não era sábio que um governante tentasse adulterá-las, mas eles afirmavam
que isso era exatamente o que a monarquia francesa fizera. Dessangrara os
camponeses e estancara a agricultura do país. Pior ainda, enquanto os
camponeses eram explorados, o Estado encheu de privilégios os artesãos e
mercadores nas cidades. A França tinha um labirinto de leis concebidas para
construir sua indústria, em grande parte protegendo fabricantes da
competição interna e externa. Muito disso estava de acordo com o sugerido
pelos pensadores mercantilistas que conhecemos no último capítulo.
Os mercadores e os artesãos defendiam seus privilégios por meio de
“guildas”. As guildas eram organizações que remontavam aos tempos
medievais, e muitas delas eram bastante poderosas. Se examinarmos Paris
algumas décadas antes, veremos até que ponto chegavam as guildas para
defender a posição de seus membros. Em junho de 1696, os fabricantes de
botões da cidade causaram um alvoroço. Eles invadiram alfaiatarias à
procura de botões ilegais que ameaçassem seu domínio no comércio de
botões de seda. O problema era que alguns alfaiates empreendedores
começaram a fazer botões de lã. A guilda de fabricantes de botões reclamou,
e as autoridades proibiram os botões de lã. Os lojistas de Paris ignoraram a
proibição, e então os guardas da guilda passaram à caça de alfaiates
rebeldes, inclusive tentando prender qualquer pessoa na rua que estivesse
usando botões de lã. Hoje é inconcebível que uma associaçãode produtores
tenha tamanho poder sobre o que as pessoas podem comprar. Os privilégios
de que gozavam os fabricantes de botões os ajudaram a ganhar dinheiro. Os
fisiocratas acreditavam que os lucros desses fabricantes só eram possíveis
por causa dos privilégios que lhes eram concedidos, e não porque haviam
criado um excedente real.
Segundo Quesnay, as indústrias manufatureiras eram, de fato,
completamente incapazes de criar excedente. Os fabricantes de botões só
obtêm lucro com a venda de botões por causa da mão de obra e da seda que
usam para fabricá-los. Tudo o que eles fazem é transformar o que a natureza
já criou. Quesnay, por isso, chamou a manufatura de atividade “estéril”. O
pior é que a promoção da indústria por parte do Estado francês havia tirado
recursos de terras produtivas para destiná-los a muitas indústrias estéreis.
Ele foi ainda mais crítico com relação aos banqueiros e mercadores, os
quais, em sua visão, eram parasitas econômicos que manipulam o valor
criado por outras pessoas sem contribuir com nada.
Quesnay, médico que era, via a economia como um organismo gigante,
com o precioso excedente econômico agindo como uma provisão de sangue
vital. Para explicar a ideia, ele criou o primeiro “modelo” econômico, uma
imagem simplificada da economia. Quesnay o criou em seu engenhoso
Tableau Économique [Quadro econômico]. Ele desenhou uma série de
zigue-zagues para representar a circulação de recursos pela economia. Os
agricultores produziam o excedente e o pagavam na forma de aluguel para os
aristocratas, que eram proprietários das terras e que então compravam trajes,
botões de seda e castiçais de prata dos artesãos. Os artesãos, por sua vez,
compravam alimento dos agricultores, completando assim o ciclo. A
economia era um fluxo circular do excedente entre agricultores,
proprietários de terra e artesãos. Quando o excedente aumenta, mais
recursos fluem entre eles, e a economia cresce. Quando o excedente diminui,
a economia encolhe, como os fisiocratas acreditavam que havia acontecido
na França.
Os zigue-zagues de Quesnay impressionaram e desconcertaram as
pessoas. Assim que Mirabeau decifrou o que significavam, declarou
Quesnay o homem mais sábio da Europa, tão inteligente quanto Sócrates.
Sem dúvida, o quadro foi influente: economistas posteriores (entre os quais
Adam Smith) o elogiaram, e até hoje a ideia de circulação de recursos entre
trabalhadores, empresas e consumidores é fundamental para o nosso
entendimento da economia.
O médico tinha uma cura para a doença da França. A questão principal
era aumentar o excedente produzido na economia. Mirabeau se metera em
apuros ao tentar explicar como fazer isso. Os zigue-zagues de Quesnay
mostraram o problema em tributar os agricultores. Os impostos mais altos os
deixavam com menos sementes para plantar no ano seguinte e menos
dinheiro para investir na melhoria de ferramentas. Se apenas os aristocratas
proprietários de terra fossem tributados, os agricultores ficariam com mais
recursos com os quais cultivar a terra. Isso ajudaria a aumentar o excedente
na economia como um todo. No fim, inclusive os aristocratas se
beneficiariam, porque a economia cresceria – um argumento que caíra em
ouvidos surdos quando o desafortunado Mirabeau foi preso.
Além de serem oprimidos por impostos onerosos, os agricultores não
tinham permissão para exportar grãos e precisavam seguir regras sobre
como vendê-los para seus compatriotas. As restrições baixavam os valores
que eles recebiam, reduzindo ainda mais o excedente. Quesnay instou o
Estado a isentar a agricultura de todos os controles asfixiantes e a abolir os
privilégios de que gozavam os mercadores. Ele estava defendendo uma
política de laissez-faire , que literalmente significa “deixar fazer”; ainda
hoje usamos o termo francês para descrever uma política econômica não
intervencionista por parte do governo. Os fisiocratas tiveram certa influência
na política, por exemplo quando o governo francês, nos anos 1760, tornou
mais fácil para os agricultores venderem seus grãos. Mais tarde, a escola de
pensamento de Quesnay entrou em declínio, e ele se retirou das questões
práticas da economia para os encantos abstratos da geometria.
Quesnay foi absolutamente moderno ao tentar encontrar leis para
descrever o comportamento da economia e ao representá-las em modelos;
hoje, esse é o método da ciência econômica. Antes dele, a economia era
vista pela lente da religião e da tradição ou, quando a religião era deixada
de fora (como pelos mercantilistas), por uma névoa de ideias conflitantes –
dificilmente um conjunto de princípios claros. Ao argumentar que, em geral,
era melhor não se intrometer na economia, ele antecipou uma crença de
muitos dos economistas de hoje: de que muitas vezes é melhor o governo não
intervir na economia – por exemplo, estabelecendo impostos onerosos. Ele
foi revolucionário ao situar firmemente a fonte de valor econômico em
coisas reais – trigo, porcos e peixe – e não apenas no dinheiro. Mas, ao
restringir a fonte de valor à agricultura, os fisiocratas ficaram presos ao
passado. Eles escreveram momentos antes de uma revolução econômica que
transformaria a Europa, na qual as indústrias criariam valor fabricando
produtos mais baratos e inventando produtos novos. A dádiva da natureza
logo daria frutos nas fábricas, e não só nos rios e nos campos.
No fim, Quesnay foi ao mesmo tempo um crítico e um defensor do sistema
econômico da França. Ele foi ousado ao defender a tributação dos
aristocratas franceses: não ter de pagar impostos era um privilégio que eles
valorizavam como um símbolo importante de status na sociedade. Também
foi ousado ao criticar os reis da França por asfixiar sua economia. (No fim
das contas, os temores de Quesnay em perturbar o rei não se revelaram
concretos. Depois que Mirabeau caiu em desgraça com seu livro, Madame
de Pompadour o ajudou a ser libertado, e Quesnay teve uma vida longa,
vivendo alguns meses a mais do que o rei.) Embora Quesnay arriscara
incomodar os ricos e poderosos, era leal a eles. Passava os dias andando
discretamente pelos corredores do palácio para ter audiências com o rei e
com Madame de Pompadour. Ele fazia parte do “velho regime” de reis e
rainhas da Europa, e acreditava na divisão da sociedade em classes de
aristocratas e camponeses. Portanto, embora instasse o rei a alterar sua
abordagem em relação à economia, ele ainda queria um monarca todo-
poderoso para governar tudo. Até mesmo economistas ousados como ele
muitas vezes precisam pensar nos termos das pessoas mais poderosas em
suas sociedades.
Depois que Quesnay morreu, os aristocratas da França foram levados em
rios de sangue quando a poderosa revolução de 1789 abalou o velho regime
de reis, duques e camponeses. Os economistas descartaram a fé de Quesnay
na autoridade absoluta dos monarcas, mas ele já abrira o caminho para eles
rumo à forma de economia moderna de nossos dias.
CAPÍTULO 6
A mão invisível
O filósofo escocês Adam Smith (1723-1790) era conhecido por ficar tão
absorto em seus pensamentos que às vezes esquecia onde estava. Seus
amigos o observavam falando consigo mesmo, os lábios se mexendo e a
cabeça acenando, como se estivesse testando uma ideia nova. Certa manhã,
ele acordou e começou a caminhar pelo jardim de sua casa, na pequena
cidade escocesa de Kirkcaldy, profundamente concentrado. Vestindo apenas
um robe, caminhou até a estrada e continuou caminhando até chegar à cidade
seguinte, a quase vinte quilômetros dali. Só voltou a si quando ouviu os
sinos da igreja tocando para a missa de domingo.
Ele tinha um bom motivo para se perder em seus pensamentos. Havia se
afastado do alvoroço das cidades, onde fizera nome como filósofo, para
escrever aquele que provavelmente viria a ser o livro mais celebrado na
história da economia, levando algumas pessoas a chamá-lo de pai da
economia moderna. Incentivado por caminhadas revigorantes e noites
insones, o volumoso livro foi publicado em 1776 e intitulado A riqueza das
nações.
Nele, Smith apresentou uma das questões mais fundamentaisda economia.
O interesse próprio é compatível com uma boa sociedade? Para entender o
que isso significa, comparemos o funcionamento da sociedade com o de um
time de futebol. Um bom time de futebol precisa, obviamente, de bons
jogadores. Bons jogadores fazem mais do que apenas driblar e chutar bem.
Eles sabem jogar em equipe. Se você é defensor, fica atrás e defende a área;
se é atacante, avança e tenta marcar gol, e assim por diante. Num time ruim,
os jogadores se importam apenas com a glória pessoal: eles só querem
marcar gols, e assim todos correm atrás da bola em vez de se espalhar e
ajudar uns aos outros a marcar. O resultado é o caos no campo e poucos
gols.
A sociedade é um time de milhões de pessoas que trabalham juntas e
negociam juntas. O que é preciso para fazer o time funcionar bem? Se a
economia é como o futebol, o que a sociedade precisa é que as pessoas
trabalhem para o time, considerando os interesses da sociedade como um
todo. O que não precisa são pessoas que só se importam basicamente
consigo mesmas – com seus próprios interesses –, como os jogadores
obcecados com a glória pessoal. Por exemplo, em vez de tentar ganhar o
máximo de dinheiro possível, os padeiros garantiriam que seus vizinhos
tivessem pão suficiente para o jantar. Os açougueiros contratariam novos
assistentes não porque realmente precisam deles, e sim porque seus amigos
precisam de emprego. Todos seriam bons uns com os outros e a sociedade
seria um lugar de harmonia.
Smith virou isso de cabeça para baixo. Ele argumentou que a sociedade
funciona bem quando as pessoas agem em interesse próprio. Em vez de
tentar ser bom o tempo todo, faça o que é melhor para você e, no fim, mais
pessoas se beneficiarão. “Não é da benevolência do açougueiro, do
cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, e sim da consideração
que eles têm para com seus próprios interesses”, afirmou. Você recebe o
jantar do padeiro não porque os padeiros sejam pessoas boas e amáveis.
Alguns são, outros não. Mas isso na verdade não importa. O que importa é
que você consegue o pão porque os padeiros perseguem seus próprios
interesses ao vender pão para ganhar dinheiro. Por sua vez, os padeiros
ganham a vida porque você persegue seu próprio interesse ao comprar pão.
Você não se importa com o padeiro, e o padeiro não se importa com você.
Vocês provavelmente nem se conhecem. As pessoas se beneficiam umas das
outras não porque são como o Bom Samaritano, que quer ajudar estranhos,
mas porque estão fazendo o que é melhor para si. No fim, o interesse próprio
leva à harmonia social, e não ao caos.
Há outra diferença importante entre um time de futebol e uma economia.
Um time de futebol precisa de um técnico para organizar seus jogadores.
Pense no técnico como alguém que pega os jogadores pela mão e os conduz a
diferentes áreas do campo – defensores atrás, atacantes na frente e assim por
diante. A mão do técnico garante que o time jogue bem. Mas ninguém faz
isso na economia. Ninguém diz aos padeiros quantos pães assar, aos
cervejeiros que tipo de cerveja fabricar. Eles decidem por si mesmos, com
base no que acreditam que dará dinheiro. A sociedade funciona bem assim.
É como se precisasse haver a mão de um técnico organizando as coisas, mas
quando você tenta encontrá-la, ela não está lá. Para descrever a situação,
Smith criou um dos termos mais famosos em economia. Ele disse que é como
se a sociedade fosse conduzida por uma “mão invisível”.
Neste momento, você talvez esteja pensando: e quanto ao governo? Ele
não conduz a economia? É verdade: em certa medida, sim. De onde quer que
você seja, provavelmente há um governo que faz todo tipo de coisa. Uma
parte posterior da nossa história será sobre o que o governo faz exatamente.
(Como também veremos, em algumas sociedades – as “comunistas” – o
governo assumiu o controle completo e dizia a todos o que fazer o tempo
todo.) Ainda assim, a economia do seu país provavelmente tem muito em
comum com o que Smith descreveu. Da próxima vez que estiver num
comércio do bairro, observe as caixas de tomate, de leite e as pilhas de
jornal. Como foram parar lá? Porque o comerciante decidiu comprá-los para
vendê-los a pessoas como você. Ninguém – nem o governo, nem ninguém –
disse ao comerciante o que fazer.
É tentador pensar na ideia de mão invisível de Smith como “a ganância é
boa”. Mas isso seria uma distorção. Smith viu que a sociedade comercial
envolvia uma gama de boas qualidades humanas. Geralmente, os padeiros e
os açougueiros são gentis com outras pessoas. Eles ficam tristes quando seus
amigos adoecem ou perdem dinheiro. É assim que as pessoas desenvolvem
um senso de certo e errado. O comércio não funcionaria bem se as pessoas
fossem totalmente egoístas o tempo todo: os padeiros mentiriam sobre o
peso do pão, e os cervejeiros diluiriam a cerveja. Mentir e trapacear se
tornaria normal, e o resultado seria o caos. É quando as pessoas são
honestas e confiáveis que o fato de agirem em interesse próprio beneficia a
sociedade.
A mão invisível de Smith funciona, então, quando pessoas honestas têm a
liberdade de trocar produtos umas com as outras – comprar e vender coisas.
A necessidade de trocar coisas diferencia os humanos de outros animais.
Você nunca vê cachorros trocando ossos, mas os humanos fazem esse tipo de
coisa o tempo todo. Eu lhe dou pão em troca de algumas de suas cervejas
(ou, mais provavelmente, vendo meu pão por dinheiro e então vou e compro
algumas cervejas). Um resultado de toda essa troca é que as pessoas se
especializam em determinadas funções: surge uma “divisão de trabalho”.
Numa pequena aldeia, possivelmente todos começaram assando o próprio
pão e fazendo a própria cerveja. Então algumas pessoas se tornaram boas em
assar pão, passaram a ter mais do que necessitavam e venderam o excedente
em troca de cerveja. Finalmente, pararam totalmente de fazer sua própria
cerveja e só assavam pães para vender, comprando toda a cerveja que
queriam daqueles que eram bons em fazer cerveja, para benefício de todos.
Enquanto Smith escrevia, a divisão de trabalho estava assumindo uma
nova forma. Na Inglaterra, os empresários abriram fábricas movidas a
grandes rodas d’água. Algumas tinham vários andares e empregavam
centenas de pessoas. Cada sala continha ferramentas e trabalhadores para
realizar uma etapa específica da produção. Smith explicou de que modo a
mão de obra especializada aumenta a eficiência dessa produção. Imagine
tentar fazer um alfinete, ele propõe. Primeiro você teria que esticar o fio de
aço e então limar a extremidade para fazer uma ponta. Depois teria que fazer
a cabeça e prendê-la ao corpo do alfinete. No final, teria que embalar os
alfinetes acabados. Smith identificou dezoito etapas separadas para fazer um
alfinete. Sozinho, você provavelmente teria de se esforçar muito para fazer
mais do que um ou dois alfinetes por dia. No entanto, se um grupo fizesse os
alfinetes, cada indivíduo poderia trabalhar numa tarefa separada e se tornar
muito bom nisso, sobretudo se vocês tivessem máquinas especiais para as
várias tarefas. Juntos, conseguiriam produzir muitos alfinetes por dia.
Quando o sistema de trabalho especializado se dissemina pela economia,
pode-se fabricar muitos tipos de produtos a um custo mais baixo.
A especialização se intensifica quando os mercados se intensificam. Num
povoado de apenas dez pessoas sem relação com o mundo externo, o
mercado é pequeno, e faria pouco sentido ter alguém o dia todo limando as
extremidades de alfinetes, e outros fazendo apenas as cabeças. Não haveria
necessidade de um padeiro exclusivo, nem de um cervejeiro ou um
açougueiro. Quando os mercados se disseminam, a aldeia se conecta com
outras, e o trabalho especializado se torna lucrativo. Uma cidade grande
possibilita uma divisão de trabalho realmente complexa, em que arquitetos e
afinadores de piano, fabricantes de cordas e coveiros, todos são capazes de
ganhar a vida. Tudo isso acontece pela mão invisível quando as pessoas
compram e vendem coisas umas para as outras.
Isso, segundo Smith, ajuda atodos, até mesmo os mais pobres na
sociedade. A produção da camisa barata de um trabalhador depende dos
esforços de muitas pessoas e máquinas fazendo tarefas especializadas:
fiandeiros de lã para fazer o fio, tecelões para criar o tecido e alfaiates para
costurar os botões. Então, pense nas pessoas que cortaram a madeira para
construir o tear no qual o tecido foi feito e os mineiros que extraíram o ferro
para fazer os pregos do navio em que a camisa pronta foi transportada. A
camisa é resultado do trabalho de milhares. Juntas, suas ações formam um
vasto mecanismo social, cada peça se movendo com as outras como as de
um relógio para que a camisa esteja no corpo do trabalhador exatamente
quando ele quiser.
Smith também trouxe uma nova compreensão acerca da riqueza
propriamente dita. Para os fisiocratas, a riqueza era o que cresce no solo;
para os mercantilistas, era o ouro. Para Smith, a riqueza de uma nação era a
quantia total de bens úteis – trigo, cerveja, camisas, livros – que a economia
de um país produz para as pessoas. É assim que os economistas de hoje a
concebem. A renda de uma nação (a “renda nacional”) é o valor total de
todos os bens que os negócios de um país produzem. Smith percebeu que o
objetivo da economia era fornecer produtos para as pessoas consumirem. Já
os mercantilistas não estavam tão preocupados com os benefícios de as
pessoas terem acesso aos produtos. O que importava para eles era produzir
bens para vender a estrangeiros em troca de ouro; a disponibilidade de
muitos bens, inclusive importados, poderia até mesmo ser ruim se o gasto
com estes levasse a um escoamento do ouro do país.
Smith tinha uma visão de uma nova economia que estava nascendo,
baseada na divisão de trabalho e no interesse próprio. Ele foi aclamado
como sábio, quase sempre por aqueles que acreditavam que os mercados
devem imperar acima de todo o resto, que os governos devem intervir o
mínimo possível e que os negócios devem atuar como quiserem. Duzentos
anos depois que A riqueza das nações foi publicada, o presidente norte-
americano Ronald Reagan defendeu esses princípios, tomando Smith como
inspiração. Alguns de seus funcionários na Casa Branca inclusive
resolveram usar gravatas estampadas com o retrato de Smith.
Mas Smith possivelmente não teria se sentido lisonjeado com isso. Para
começar, ele defendia o papel dos mercados como um ataque ao sistema
mercantilista que então imperava na Europa, com suas inúmeras restrições
sobre a compra e a venda. Ele queria que o sistema fosse desmantelado, mas
ainda acreditava que os governos tinham importantes papéis a exercer na
economia. Além disso, por trás da harmonia de pessoas honestas
perseguindo os próprios interesses, Smith ouviu acordes dissonantes. A
divisão de trabalho torna simples a tarefa de cada trabalhador. Embora isso
aumente a produção, torna os trabalhadores “estúpidos e ignorantes”. E
também, de que modo toda a nova riqueza seria dividida entre os
trabalhadores e seus empregadores? A nova economia tinha o potencial para
o conflito tanto quanto para a harmonia; os economistas depois de Smith
vieram a enfatizar um deles em detrimento do outro.
CAPÍTULO 7
O grão encontra o ferro
O viajante e historiador francês Alexis de Tocqueville ficou maravilhado
com os sinais de uma nova sociedade que ele encontrou ao visitar
Manchester nos anos 1830. Fábricas altas soltavam fumaça e fuligem sobre
as ruas e casas. Em toda parte, ele ouvia os sons da indústria: as
“engrenagens rangentes das máquinas, os agudos do vapor das caldeiras” e
“a batida regular dos teares”. Fábricas como as de Manchester
transformaram a economia britânica ao longo do século XIX. Os donos das
indústrias compravam as ferramentas e as máquinas necessárias para
fabricar os produtos – tecido, vidro e talheres – e pagavam salários aos
trabalhadores, que afluíam diariamente das casas de campo das redondezas.
Os produtos eram fabricados a um custo menor, e novos produtos eram
inventados. Homens, mulheres e crianças deixavam os campos e se mudavam
para as cidades em expansão. Lá, eles trabalhavam duro ao lado de
máquinas a vapor e já não eram governados pelo nascer e pôr do sol sobre
os campos, e sim pelos relógios e cronogramas de seus empregadores. As
mudanças eram tão profundas que, posteriormente, vieram a ser chamadas de
Revolução Industrial.
Além da cidade estava a zona rural, onde se cultivava o trigo necessário
para alimentar os trabalhadores das fábricas. A agricultura fora, durante
muito tempo, a espinha dorsal da economia, e consequentemente os
proprietários de terra eram ricos e poderosos. No passado, a terra fora
dividida de acordo com antigos costumes da aldeia. Mas, pouco a pouco, os
proprietários cercaram áreas de terra para criar grandes fazendas, e os
pastores e agricultores da aldeia se tornaram funcionários contratados para
trabalhar para eles em troca de um salário. Os fazendeiros capitalistas
empregavam os funcionários e produziam safras para vender por lucro, e não
para se alimentar. Os novos métodos de cultivo tornaram possível produzir
uma quantidade maior de alimento para nutrir a população crescente nas
cidades. Então, à medida que Manchester e outras cidades se encheram de
armazéns e fábricas, a base da riqueza do país deixou de ser a agricultura e
passou a ser a indústria. As pessoas começaram a acumular fortunas
investindo na economia industrial. Uma dessas pessoas foi o britânico David
Ricardo (1772-1823), um importante corretor de ações (alguém que negocia
no mercado de ações). Depois de ficar rico, ele se voltou para a economia,
mostrando capacidades lógicas nunca antes vistas num economista.
No século XVIII, rapazes de famílias abastadas aprendiam grego e latim
antes de ir para a universidade. Não o jovem Ricardo. Seu pai, um
empresário judeu bem-sucedido, acreditava que uma educação prática era
mais importante, de modo que aos catorze anos Ricardo foi enviado para
trabalhar no mercado de ações. Ele teve um desempenho brilhante e ganhou
muito dinheiro. Mais tarde, ajudou a emprestar dinheiro para o governo
britânico combater Napoleão. Um de seus negócios foi, efetivamente, uma
aposta no resultado da Batalha de Waterloo em 1815. Ao emprestar para o
governo, Ricardo estava assumindo um risco enorme: se os britânicos
fossem derrotados, ele perderia muito dinheiro. Seu amigo Thomas Malthus,
também economista, tinha uma pequena participação no empréstimo. Malthus
entrou em pânico, e escreveu a Ricardo pedindo para se livrar de suas
ações. Ricardo, no entanto, manteve a calma e se aferrou a seu próprio
investimento. Quando chegou a notícia da vitória britânica, ele se tornou um
dos homens mais ricos do Reino Unido da noite para o dia.
Ricardo se deparou com a ciência econômica numa biblioteca onde
descobriu A riqueza das nações , de Adam Smith. Este veio a ser o livro
mais importante que ele leu, e o inspirou a aplicar sua mente formidável à
análise da economia numa época em que os novos capitalistas estavam
competindo por poder com os antigos aristocratas proprietários de terra. A
questão era como a riqueza crescente do país seria dividida entre os
proprietários de terra, os capitalistas e a massa de trabalhadores. Embora
Smith tivesse mostrado de que maneira os mercados traziam prosperidade,
ele detectara notas de conflito. Estas ficaram mais sonoras no início do
século XIX, quando os trabalhadores se enfureceram com o preço alto dos
alimentos.
Algumas pessoas pensavam que o preço alto dos alimentos era causado
pelos aluguéis caros cobrados pelos proprietários de terra, o que fazia subir
os custos dos agricultores. Ricardo discordava, afirmando que era o
contrário: o preço alto dos alimentos causava os aluguéis caros. Ricardo
acreditava que os proprietários de terra estavam ficando com a maior parte
da riqueza da nação à custa de todos os demais porque o alimento era tão
custoso. Baixar os aluguéis não faria nada para corrigir o desequilíbrio.
Para explicar sua lógica, Ricardo nos pede para pensar na economia
como uma fazenda gigante produzindo

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