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NOTA DE AULA 01 - Introducao a Hidrologia

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NOTA DE AULA 01: INTRODUÇÃO À HIDROLOGIA 
 
1.1 Hidrologia – O Estudo da Água 
 
A água é a mais abundante substância na superfície da terra, sendo o principal 
constituinte dos seres vivos. A água desempenha um fator chave para a existência 
da vida no planeta terra, condicionando a superfície da atmosfera terrestre. 
 
A palavra hidrologia combina a palavra grega hudor, que significa “água”, com o 
termo logos, que significa “estudo de”. Mais especificamente, a palavra hidrologia 
refere-se à ciência que estuda a água e suas propriedades, distribuição e efeitos na 
superfície da terra, no solo e na atmosfera. 
 
A atmosfera da terra, os oceanos, massas de gelo, lagos, rios e solos, contêm em 
torno de 1.386 milhões de km3, o qual tem permanecido aproximadamente 
constante durante os últimos 500 milhões de anos. Vale ressaltar, todavia, que as 
quantidades estocadas nos diferentes reservatórios individuais de água da Terra, 
variaram substancialmente ao longo desse período. Por exemplo, durante a Grande 
Idade do Gelo, cujo apogeu ocorreu há cerca de 20 mil anos, as massas de gelo 
cobriram grandes extensões de terras emersas. Este quadro resultou da 
transferência da ordem de 47 milhões de km3 de água dos oceanos para os 
continentes. 
 
A Tabela 1 mostra as quantidades estimadas de água nas suas diversas formas no 
planeta. 
 
Tabela 1: Quantidades de Água Estimada na Terra nas Diferentes Formas 
Item Área ( 106 
km²) 
Volume (km³) Percentagem 
Total de Água 
Percentagem de 
Água Doce 
Oceanos 361,3 1.338.000.000 96,5 0 
Água Subterrânea Doce 134,8 10.530.000 0,76 30,1 
Água Subterrânea Salgada 134,8 12.870.000 0,93 0 
Umidade do Solo 82,0 16.500 0,0012 0,05 
Geleiras Polares 16,0 24.023.500 1,7 68,6 
Outras Geleiras e Neve 0,3 340.600 0,025 1,0 
Lagos de Água Doce 1,2 91.000 0,007 0,26 
Lagos de Água Salgada 0,8 85.400 0,006 0 
Pântanos 2,7 11.470 0,0008 0,03 
Rios 148,8 2.120 0,0002 0,006 
Água Biológica 510,0 1.120 0,0001 0,003 
Água Atmosférica 510,0 12.900 0,001 0,04 
Total de Água 510,0 1.385.984.610 100 
Água Doce 148,8 35.029.210 2,5 100 
 
 
Como se pode observar pela Tabela 1, 96,5 % da água do planeta é salgada e está 
contida nos oceanos. Se o planeta fosse uma esfera uniforme, essa quantidade seria 
suficiente para cobri-la com uma profundidade de 2,6 km. Do restante, 1,7 % é de 
gelo polar, 1,7% de água subterrânea e apenas 0,1 % na superfície e atmosfera. 
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA 
CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS 
CURSO DE ENGENHARIA CIVIL 
DISCIPLINA DE HIDROLOGIA APLICADA 
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O sistema atmosférico, que é a força motriz da hidrologia de águas superficiais, 
contém apenas 12.900 km³ de água ou menos do que uma parte em 100.000 de toda 
água do globo terrestre. 
 
Com relação a água doce, cerca de 2/3 está contida nas geleiras polares e a maioria 
do restante é de água subterrânea indo até uma profundidade de 200 a 600 m. A 
maior parte da água subterrânea contida abaixo desta profundidade é de água 
salgada. Somente 0,006 % da água doce está contida nos rios. A água biológica que 
representa 0,003% da água doce está contida nos tecidos dos seres vivos animais e 
vegetais, sendo equivalente à metade da água contida nos rios. 
 
Apesar de ser pequeno o conteúdo de água existente na atmosfera e superfície 
terrestre (rios e lagos), todos os anos uma imensa quantidade de água circula entre 
estes dois sistemas. O balanço global anual é mostrado na Tabela 2. 
 
Tabela 2: Balanço Global Anual de Água no Planeta 
 Unidade Oceano Continentes 
Área km² 361.300.000 148.800.000 
Precipitação km³/ano 458.000 119.000 
Evaporação km³/ano 505.000 72.000 
Escoamento para o Oceano: 
dos Rios km³/ano 44.700 
da Água Subterrânea km³/ano 2.200 
Escoamento Total km³/ano 47.000 
 
Pela Tabela 2 pode ser visto que a evaporação sobre a superfície dos continentes 
consome cerca de 61% da precipitação sobre a mesma. Os 39% restantes da 
precipitação são formadores do escoamento para os oceanos sob a forma de 
escoamento superficial nos rios e água subterrânea. A evaporação dos oceanos 
contribui com 90% da umidade atmosférica. 
 
 
A despeito da abundância, há problemas de escassez em partes localizadas do 
mundo, ou seja, causado pela distribuição espacial da água em diferentes regiões do 
planeta. Outros problemas resultam da variação temporal da distribuição da água, 
principalmente das chuvas, ao longo do ano ou de uma série de anos consecutivos, 
resultando eventualmente nas secas ou cheias periódicas. Isto afeta a agricultura, o 
abastecimento humano e a produção industrial com sérias consequências de 
natureza econômica e social. 
 
Dessa forma, apesar da quantidade total de água no planeta ser adequado para 
atender todas as necessidades de água, existem graves problemas relacionados à 
variação espacial e temporal da água no mundo. Problemas extremos, incluindo 
situações de ameaça à vida, resultam de variações extremas na distribuição espacial 
ou temporal da água ou ambos simultaneamente. 
 
 
Numa tentativa de superar os problemas causados por estas variações da 
quantidade de água, conduziram a que engenheiros e hidrologistas desenvolvessem 
ferramentas para prever a disponibilidade de água. Estas predições são usadas na 
avaliação de meios alternativos de prevenção ou solução destes problemas. 
 
 3 
Porém, um grande número de fatores contribui para a ineficiência desses processos 
de predição. Em primeiro lugar, a ocorrência de precipitação é imprevisível, isto é, 
não é possível se prever exatamente quanto de chuva vai cair num determinado 
período de tempo (dia, mês, ano). A incerteza de uma variação extrema na 
quantidade de precipitação é ainda maior do que a incerteza dos volumes de 
precipitação ocorrendo na maioria das tempestades mais frequentes. Por isso é 
muito difícil se projetar obras de engenharia que possam controlar a água em todas 
as condições de variação temporal e espacial de distribuição da água. 
 
Em segundo lugar, mesmo que tivéssemos informações perfeitas sobre a previsão 
das chuvas, o custo de todos os projetos válidos que proporcionassem uma 
disponibilidade ótima de água seria ainda proibitivo. Por exemplo, se fosse 
desejado construir uma galeria de águas pluviais numa avenida que jamais viesse a 
ser transbordada durante qualquer chuva em qualquer tempo no futuro, com certeza 
a galeria teria a largura muito maior do que a da própria avenida, o que a tornaria 
impraticável de ser construída. Por isso, todas as obras são feitas para uma 
determinada previsão ótima em função da natureza da própria obra, levando-se em 
conta sempre a análise custo/benefício. 
 
Em terceiro lugar, os processos hidrológicos tais como precipitação e escoamento 
superficial são muito complexos e, uma teoria completa e unificada dos processos 
hidrológicos simplesmente não existe. 
 
Portanto, medidas de ocorrências observadas são usadas para se fazer uma previsão 
hidrológica dentro de uma base teórica existente. No entanto, dada a limitação dos 
dados hidrológicos normalmente disponíveis, a precisão de muitos projetos de 
engenharia é menor do que nós gostaríamos que fosse. 
 
Estes três fatores (incerteza hidrológica; limitações econômicas e falta de uma 
teoria completa e de dados observados) são justamente a causa de não podermos 
proporcionar soluções perfeitas para todos os problemas criados pelas indesejáveis 
variações temporais e espaciais da distribuição de água. 
 
A despeito da inerente incerteza sobre a precipitação, das restrições econômicas e 
dos limites de nosso entendimento teórico dos processos hidrometeorológicos, é 
possível para os engenheiros hidrologistas criarem soluções para resolver o 
problema da variação temporal e espacial na disponibilidade de água. Todos os 
engenheiros projetistas devem, no mínimo, serem racionais. Um entendimento 
pleno dos processos físicos é um pré-requesito essencial para o desenvolvimento de 
projetos racionais. 
 
1.1.1 Conceito de Tempo de Residência 
 
Tempo de Residência (T) é definidocomo a o tempo médio que uma molécula de 
água leva para passar de um subsistema hidrológico para outro. É calculado pela 
relação entre o volume de água armazenado num determinado subsistema pela taxa 
de fluxo entrando ou saindo desse subsistema (vazão). 
 
Q
S
Tr = 
 
 4 
Tr = Tempo de residência 
S = Armazenamento 
Q = taxa de fluxo ou vazão. 
 
Exemplo: Calcule o tempo de residência da água na atmosfera. 
 
Solução: 
 
Pela Tabela 1, o volume de água armazenado na atmosfera é de 12.900 km³. A taxa 
de fluxo de precipitação (retirada de umidade da atmosfera) é pela Tabela 2, cerca 
de 458.000 km³/ano nos oceanos e de 119.000 km³/ano nos continentes. A taxa de 
fluxo total Q = 458.000+119.000=577.000 km³/ano. 
 
O tempo de residência será: diasanos
anokm
km
Tr 2,8022,0
/000.577
900.12
3
3
=== 
 
Esse tempo de residência tão baixo (8,2 dias) da umidade (água) na atmosfera é 
uma das razões pelas quais não se pode prever com exatidão o comportamento do 
tempo (meteorológico) mais do que uns poucos dias (2 a 4 dias). 
 
1.2 O Ciclo Hidrológico 
 
Ciclo Hidrológico é o termo dado ao processo físico que controla a distribuição e o 
movimento da água na natureza. Apesar de não haver uma distinção clara onde 
começa e finda o ciclo hidrológico, geralmente adota-se a precipitação como ponto 
de partida. Para o propósito da discussão nós assumimos que a precipitação 
consiste de chuva e neve. Um esquema mostrando as variáveis do ciclo hidrológico 
é mostrada na Figura 1.1. 
 
A chuva caindo no planeta Terra pode cair diretamente num corpo de água 
(oceanos, rios e lagos), ou escoar sobre a superfície da terra desde o ponto de queda 
até um curso d`água (rio, riacho, talvegue) ou infiltrar no subsolo. 
 
Alguma chuva é interceptada pela vegetação: a água interceptada pela vegetação é 
temporariamente armazenada na mesma até evaporar-se de volta para a atmosfera, 
ou ser capturada pelas raízes das plantas, passando então pelo processo de 
fotossíntese, saindo finalmente pelas folhas das plantas de volta à atmosfera, 
chamando-se a esse processo conjunto de evapotranspiração. 
 
Alguma outra chuva é armazenada nas depressões da superfície até sua infiltração 
total no subsolo ou evaporação de volta à atmosfera. À água armazenada nas 
depressões, e/ou interceptada pelos vegetais e a água que infiltra no solo durante o 
início de uma precipitação intensa, representa a abstração inicial ou perdas 
iniciais, onde as perdas configuram a água que não aparece como escoamento 
superficial (runoff) durante ou imediatamente após um evento de chuva. 
 
A água que escoa pela superfície da terra, chega às nascentes (talvegues e pequenos 
riachos) ou cursos d`água e daí viaja pelos rios até o encontro com o mar. A água 
que infiltra na terra pode percolar para o lençol freático ou viajar pela zona 
insaturada do solo até reaparecer novamente como escoamento superficial. 
 
 5 
A quantia de água armazenada no solo determina, em parte, a quantidade de chuva 
que infiltrará no próximo evento de chuva. A água armazenada nos lagos, mares e 
oceanos evaporam de volta para a atmosfera, completando o ciclo ao ficar 
novamente disponível para precipitação. 
 
Apesar do ciclo hidrológico de um ambiente natural parecer estático, é importante 
reconhecer que a paisagem e a natureza estão em constante transformação, 
principalmente pela interferência do homem. Tempestades de alta intensidade 
causam erosão do solo e alteram as declividades naturais. 
 
Cheias provocadas por grandes tempestades causam transbordamentos das calhas 
dos rios, fluxos de alta velocidade nos talvegues, criando condições potenciais para 
elevadas erosões. 
 
Por outro lado, durante períodos longos de seca, o perímetro de terras semi-áridas 
ou desérticas pode crescer. 
 
À medida que cresce a população do mundo, incrementa-se a mudança no uso e 
ocupação da terra trazendo grandes consequências para o escoamento superficial 
das bacias hidrográficas. 
 
O desmatamento para fins agrícolas acresce a quantidade de solo exposto (nu), com 
o óbvio declínio da camada de proteção contra erosão dada pela vegetação natural. 
Este declínio de proteção natural faz com que decresça o potencial de infiltração do 
solo, aumentando o escoamento superficial e a consequente erosão do solo. 
 
Porém, nenhuma ação antrópica (originária do homem) é mais danosa ao ciclo 
hidrológico do que a urbanização. Em primeiro lugar, a urbanização implica em 
desmatamento e, portanto, uma redução da massa natural de interceptação, 
armazenamento e infiltração. 
 
Em segundo lugar, a terraplenagem para fins de ocupação humana reduz as 
depressões naturais que interceptavam água de chuva favorecendo a infiltração e 
reduzindo os picos de escoamento superficial. Portanto, há um acréscimo de 
escoamento superficial e de velocidade das águas devido ao desenvolvimento 
urbano. 
 
Em terceiro lugar, a impermeabilização do solo, com a urbanização, diminui a 
infiltração e a recarga do lençol freático, diminuindo a quantidade de água 
disponível nos poços rasos e aumenta também a velocidade de escoamento das 
águas na superfície favorecendo a transbordamentos e enchentes. 
 
A redução do armazenamento natural nos centros urbanos e da resistência ao fluxo 
de água devido a impermeabilização (redução das asperezas), diminui o tempo de 
viagem da água nos canais de drenagem e galerias de águas pluviais, provocando 
um incremento dos picos de vazão nestas obras e aumentando os efeitos danosos 
das chuvas de grande intensidade. 
 
O caso dos grandes alagamentos sofridos pela cidade de São Paulo durante as 
chuvas de verão é um exemplo típico de como a urbanização pode trazer sérias 
consequências no escoamento natural das águas. Nesse caso, São Paulo tenta hoje 
 6 
reduzir os picos de cheias com a construção dos piscinões, que são, tecnicamente, 
bacias de detenção para diminuir a velocidade de fluxo das águas nos canais e 
retardar os picos de cheias para jusante destas obras. 
 
 
 7 
1.3 Análise versus Síntese 
 
Tal como a maioria das ciências básicas, a hidrologia requer análise e síntese para 
uso dos conceitos fundamentais que a auxiliarão a resolver os problemas de 
engenharia. 
 
A palavra análise é derivada do grego analusis que significa liberar e, analuein 
que significa desfazer. Em outras palavras, análise significa quebrar ou separar em 
seus constituintes fundamentais. A análise deve ser comparada com a palavra 
síntese que vem do latin suntithenai que significa juntar, em outras palavras, 
significa combinar elementos separados para formar um todo. 
 
Por causa da complexidade da maioria dos problemas de engenharia hidrológica, os 
elementos fundamentais da ciência hidrológica não podem ser usados diretamente. 
Ao invés disso, é necessário se fazer observações da resposta de um processo 
hidrológico e analisar as medições feitas numa tentativa de entender como o 
processo funciona. 
 
Normalmente o que se faz é formular um modelo (equação matemática, por 
exemplo) com base nos conceitos físicos que estão subjacentes ao processo 
hidrológico em questão e, então, tentar calibrar o modelo com as medições ou 
observações efetuadas no passado para que se possa prever como o processo 
hidrológico variará, em função da mudança das condições de entrada do modelo. 
 
Isto é, após tomadas as medições e feitas as análises para se ajustar o modelo, este 
poderá ser finalmente empregado para sintetizar determinadas regras. Em outras 
palavras, a análise conduz a uma série de regras sistemáticas que explicam como o 
processo hidrológico funcionará no futuro. 
 
É preciso reconhecer que a sintetização obtida pelo uso de um modelo não é uma 
reprodução total do processo original, mas sua simplificação e, como qualquer 
simplificação, ela não reproduzirá com perfeição o processo físico sob quaisquer 
condições. Mas em geral, os modelos hidrológicos proporcionam razoáveis 
soluções, especialmente quando muitos projetos foram baseados nas mesmas regras 
desintetização levadas em consideração pelo modelo. 
 
Devido a importância dos conceitos de análise e síntese, é válido colocar a questão 
numa moldura mais conceitual. Conceitualmente definimos o processo hidrológico 
como constituído de três partes: 
- as entradas; 
- as saídas e; 
- a função de transferência. 
 
Quando estamos na fase de análise, as entradas e as saídas são conhecidas e a 
análise deverá achar um modelo racional ou função de transferência. Quando a 
análise é concluída, ou o modelo da função de transferência, ou as ferramentas de 
projeto desenvolvidas pelo modelo estão prontas para a fase de síntese. 
 
Na fase de síntese ou de projeto, as entradas referentes ao projeto e as funções de 
transferência são conhecidas e as saídas previstas para o sistema deverão ser 
computadas. A verdadeira saída do sistema não é conhecida. O projetista ou 
 8 
engenheiro prediz a resposta do sistema usando o modelo e baseia as soluções do 
projeto de engenharia na resposta predita pelo modelo ou resposta sintetizada. 
 
A Figura 1.2 mostra este esquema conceitual de síntese: 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fig 1.2: Representação do processo de síntese 
 
 
Entradas Função de 
Transferência ou 
modelo 
Saída ou 
Predição

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