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ZOOLOGIA DE VERTEBRADOS AULA 2 Profª Michelle Micarelli Struett 2 CONVERSA INICIAL Os vertebrados podem ser classificados como amnióticos e não amnióticos. Os animais não amnióticos são aqueles em que os embriões não produzem um anexo embrionário de proteção (o âmnio). Por isso, quem confere essa proteção é o trato reprodutivo da fêmea, o qual produz uma membrana para proteger o embrião. Os vertebrados não amnióticos são representados pelas lampreias, feiticeiras (já vistas anteriormente), peixes e anfíbios. Nesta aula, abordaremos os peixes, um dos grupos de vertebrados mais bem-sucedidos e diversos. Com mais de 31 mil espécies, esses animais fazem parte do nosso cotidiano, seja na alimentação, na ornamentação, no ecoturismo ou até como animal de estimação. Os peixes são classificados em duas classes atualmente: os peixes cartilaginosos (Chondrichthyes) e os peixes ósseos (Osteichthyes). Dessa forma, a aula está estruturada nesses dois grupos e, assim, iremos caracterizar sua morfologia, sistemática, diversidade, filogenia e evidenciar suas importâncias ecológicas e econômicas. TEMA 1 – PEIXES CARTILAGINOSOS: CARACTERÍSTICAS GERAIS Os Chondrichthyes são divididos em duas subclasses: os tubarões e raias (Elasmobranchi) e as quimeras (Holocephali). No entanto, eles possuem características que os agrupam; a principal é a presença de um esqueleto cartilaginoso, mas formado predominantemente por cartilagem impregnada com cálcio (Kardong, 2010). O crânio é alongado e sem suturas entre as estruturas. Também, seu corpo é coberto por escamas placoides (estruturas pontudas ou formato de cone), cinco a sete pares de brânquias com fendas expostas, boca localizada ventralmente, crânio e maxilas unidas e articuladas. Em relação aos aspectos reprodutivos, podem ser dioicos (sexos separados) e os machos apresentam um clásper pélvico – duas projeções alongadas na nadadeira pélvica para cópula (lembra que os placodermi também apresentavam essa característica?). A fecundação é interna e, quanto ao desenvolvimento, podem ser vivíparos (embriões se desenvolvem dentro da fêmea) ou ovíparos (embrião dentro de um ovo, externo ao corpo da fêmea). Aqui, a estratégia reprodutiva envolve proteção pela fêmea e poucos descendentes. Os condrictes podem ser grandes predadores, filtradores ou 3 podem se alimentar de pequenos invertebrados. Tanto peixes cartilaginosos quanto ósseos possuem circulação simples (sangue passa pelo coração uma vez), fechada, um átrio e um ventrículo. Por fim, tubarões e raias possuem eletrorreceptores que detectam facilmente uma presa sem vê-la, chamados de ampola de Lorenzini. 1.1 Elasmobranchi – tubarões e raias Você já deve ter visto em aquários, em fotos ou até na natureza (quem sabe?) os tubarões e as raias. No entanto, eles diferem principalmente em aspectos morfológicos e de hábitos. Possuem duas nadadeiras dorsais com ou sem espinhos, cinco pares de aberturas branquiais e a primeira pode ser um espiráculo localizado atrás dos olhos, que auxilia no fluxo da água para as brânquias. Os tubarões são excelentes nadadores; seu corpo alongado e hidrodinâmico pode variar de 15 centímetros até 20 metros, como o tubarão- baleia. Apesar de nadarem muito bem, são mais densos que a água e, por isso, possuem um enorme fígado com óleos que permitem a flutuação, além de nadadeiras peitorais e caudais que ajuda manter a posição na água (Kardong, 2010). A maioria vive em ambiente marinho profundo; poucos, como o tubarão- de-cabeça-chata (Carcharhinus leucas), encontrado no litoral brasileiro, habitam água doce. Muitas pessoas têm medo de tubarões e têm o “pré-conceito” de que serão atacadas e que todas as espécies são predadoras. No entanto, sua dentição é variada e possui relação com o tipo de dieta. A maioria possui inúmeros dentes pontiagudos e serrilhados dispostos em fileiras; então, podem ser substituídos quando quebrados ou perdidos. O tubarão-elefante (Figura 1) possui dentes diminutos e não funcionais; são animais filtradores e adquirem uma enorme quantidade de zooplâncton simplesmente divagando lentamente com a boca aberta pelo mar. 4 Figura 1 – Tubarão-elefante nadando de boca aberta para se alimentar por filtração Créditos: Simon/Adobe Stock. As raias possuem hábito bentônico e rastejam no fundo do mar ou rios com seu corpo achatado, com nadadeiras peitorais amplas e fundidas na cabeça que permitem um movimento ondulatório no corpo. Como forma de defesa e alimentação, há espécies que são dotadas de uma nadadeira caudal com uma estrutura em forma de chicote, podendo conter espinhos que inoculam veneno nas suas presas ou inimigos. Dessa forma, podem ser considerados animais peçonhentos. Por fim, algumas pessoas confundem os olhos das raias. Seus olhos estão na posição superior da cabeça; aquelas duas aberturas acima da boca são fendas nasais (Figura 2). 5 Figura 2 – Anatomia externa de uma raia jovem fêmea (ausência de clásper) Créditos: icestylecg/Shutterstock. 1.2 Holocephali – quimeras As quimeras vivem apenas em ambiente marinho profundo. Diferente dos elasmobrânquios, possuem quatro brânquias protegidas por um opérculo dérmico, cauda longa e afilada. Os lábios superiores são fundidos à caixa craniana e possuem olhos grandes (Kardong, 2010; Pough, 2008). Possuem cerca de 40 cm de comprimento e se alimentam de invertebrados. TEMA 2 – PEIXES CARTILAGINOSOS: DIVERSIDADE E FILOGENIA Os peixes cartilaginosos sofreram duas grandes irradiações associadas a mecanismos para alimentação e locomoção: a primeira foi no período Devoniano, há 400 milhões de anos, quando possuíam corpos lisos e fusiformes; a segunda foi no Jurássico, há 150 milhões de anos, e persiste até hoje (Kardong, 2010). Os primeiros condrictes não possuíam escamas placoides. Além disso, a principal diferença morfológica entre os organismos da primeira radiação e os atuais tubarões são: o rostro ventral que se sobressai à boca, vértebras calcificadas e seus dentes cobertos por estrutura semelhantes a esmaltes. Na Figura 3, podemos visualizar a relação filogenética dos Chondrichthyes e suas duas subclasses. Os elasmobrânquios, de modo geral, possuem importância trófica. Os tubarões e raias são considerados predadores de topo de cadeia e, assim, fazem controle do equilíbrio geral no sistema aquático (Bornatowski et al., 2014). Fenda nasal Boca Nadadeira pélvica Nadadeira caudal Olhos Nadadeira peitoral cloaca 6 Infelizmente, podem ser afetados pelas redes de arrasto, nas quais são capturados e descartados. Também existem alguns países onde comer barbatanas de tubarão é cultural, no entanto, pode acontecer de elas serem retiradas e apenas o restante dos corpos dos animais ser devolvido ao mar. Figura 3 – Árvore filogenética dos Chondrichthyes Créditos: Channarong Pherngjanda/shutterstock; Bodor Tivadar/shutterstock; Andcurrant/shutterstock. Fonte: Elaborado com base em Kumar et al., 2017. 2.1 Elasmobranchi – tubarões e raias Os tubarões provavelmente vieram da linhagem dos Xenacanthus, que surgiram no Devoniano e desapareceram no Triássico. Uma adaptação da dentição ocorreu no Triássico e persiste até hoje em Heterodontus. A dentição heterodonte consiste em dentes com formas diferentes ao longo da maxila; os frontais eram afiados e utilizados para perfurar, enquanto os finais eram rígidos para triturar. Também tiveram adaptações em suas nadadeiras, tornando-se mais estreitas, o que facilitou a mobilidade em diferentes ângulos, como a nadadeira caudal do tipo heterocerca (tamanho do lobo superior e inferior diferentes). Atualmente, existem mais de 360 espécies de tubarões agrupados na superordem Selachii (Figura 3) e são amplamente distribuídos, excetona Antártica. As raias pertencem à superordem Batoidea, existindo aproximadamente 456 espécies, diferenciadas pelo formato da cauda e o modo reprodutivo. São 7 animais bentônicos e, ainda que não se saiba ao certo se derivaram dos tubarões, acredita-se vieram dos tubarões esqualoides primitivos. 2.2 Holocephali – quimeras As quimeras são um grupo pequeno pouco conhecido (Chimaeriformes), de águas profundas e com aproximadamente 34 espécies. Provavelmente, ramificaram-se de ancestrais elasmosbrânquios no final da Era Paleozoica (Pough, 2008). TEMA 3 – PEIXES ÓSSEOS: CARACTERÍSTICAS GERAIS A principal modificação morfológica nos Osteichthyes ou Euteleostomi (peixes ósseos) foi a presença de ossos endocondrais (endoesqueleto) e ossos dérmicos na cintura escapular. No entanto, lembre-se de que a presença de osso por si só não é o que caracteriza esse grupo, até porque os Placodermi, Agnatha e Acanthodi também possuíam (Pough, 2008). Além disso, apresentam um esqueleto cefálico, que inclui um opérculo que protege as brânquias. Enquanto os peixes cartilaginosos possuíam um sistema sensorial do tipo eletrorreceptor (Ampola de Lorenzini), aqui é uma linha lateral do tipo mecanorreceptor para percepção dos objetos na água. Outra adaptação foi o surgimento de órgãos como o pulmão ou bexiga natatória, que contém gases e auxilia na flutuação. Possivelmente, ela foi derivada do pulmão (Kardong, 2010). Sendo assim, um órgão importante para seus descendentes tetrápodes com vida na Terra. Em relação à reprodução, são animais dioicos, com fecundação geralmente externa e desenvolvimento indireto, com a sua larva conhecida como alevino. No entanto, são muito diversificados os modos reprodutivos nos peixes ósseos. Nesse grupo, há diversas formas corporais, de nadadeiras, coloração, boca, dentes e tipos de escamas (ganoides, cicloides, ctenoides)! Você verá que são muitas adaptações evolutivas e abordaremos parte delas. Deve ser por isso que este é um dos maiores grupos de vertebrados até hoje. Saiba mais Leia o artigo disponível em: <https://demersais.furg.br/images/producao/2010_bemvenuti_peixes_morfologi a_caderno_ecol_aquat.pdf>. Ele apresenta imagens didáticas para aprendizado da morfologia e adaptações dos peixes! 8 Por fim, esses animais são reconhecidos em dois grandes grupos atuais conforme a morfologia da nadadeira: os peixes de nadadeiras raiadas (Actinopterygii) e os peixes de nadadeiras lobadas (Sarcopterygii). 3.1 Actinopterygii – nadadeiras raiadas Os actinopterígios possuem nadadeiras pares raiadas, lembrando um leque. Seu corpo é recoberto com escamas cicloides ou ctenoides. Suas narinas não se comunicam com a cavidade bucal e presença de bexiga natatória. Com o tempo, o crânio e as escamas foram diminuindo sua ossificação (Kardong, 2010). Associado a isso, houve adaptações nas nadadeiras caudais (homocerca), escamas mais finas, movimentação das nadadeiras feita por um músculo interno, maxilas com osso pré-maxilar (ampliando sua dieta alimentar) e aumento do opérculo para maior passagem de água e, assim, melhoria na respiração. Figura 4 – Esqueleto de peixes ósseos Créditos: Suphatthra olovedog/shutterstock. Em relação aos aspectos reprodutivos, a maior parte é ovípara (embrião desenvolve no ovo fora do corpo da fêmea) e de fecundação externa; podem ter cuidado parental, comportamento de corte e podem desovar em diferentes tipos de ninhos. Espécies como Sarotherodon e Oreochromis (tilápia) podem incubar ovos dentro da boca. Opérculo Nadadeira dorsal raiada Crânio Nadadeira caudal homocerca Nadadeira anal Nadadeira pélvica e peitoral 9 3.2 Sarcopterygii – nadadeiras lobadas A principal característica dos sarcopterígeos é a presença de nadadeiras pares lobadas na extremidade de apêndices curtos e articulação monobasal, permitindo assim maior controle nos movimentos. Sua nadadeira caudal é do tipo dificerca, ou seja, simétrica e afilada na ponta devido ao prolongamento da coluna vertebral. Além disso, possuíam uma abertura de comunicação nasofaríngea e os pulmões denominada coana (Patricio-Costa, 2021). Em períodos de seca, utilizam o pulmão para respiração (estivação-comportamento de se enterrar em lodo e diminuir metabolismo basal); no entanto, dependem da água para se alimentar e reproduzir e, assim, possuem e respiram por brânquias. Os Dipnoi (peixes pulmonados) vivem em água doce, no entanto, os primeiros eram marinhos. Os Dipnoi atuais não possuem articulação entre os ossos pré-maxilar e maxilar; seu esqueleto é predominantemente cartilaginoso e pulmões pares. Possuem pele sem escama, corpo alongado e membros únicos pareados (Pough, 2008). Os machos podem ser territoriais e cortejam as fêmeas para reprodução; não se sabe se a fertilização é interna ou externa. Actinistia (celancantos) são marinhos de águas profundas, possuem cauda dificerca, sem pulmão funcional e são ovovivíparos, ou seja, o embrião se desenvolve dentro de um ovo no corpo da fêmea. Os Tetrapoda também fazem parte dos sarcopterígeos; a principal característica é a presença de quatro membros com carpos, tarsos e dígitos. Além de várias modificações no esqueleto e crânio, na fase adulta, perdem fendas branquiais; há presença de diversas glândulas e a porção proximal dos apêndices possui osso único e dois ossos na porção distal. Por fim, variam muito em tamanho, morfologia, coloração, habitat, reprodução e alimentação. TEMA 4 – PEIXES ÓSSEOS: DIVERSIDADE E FILOGENIA Os peixes ósseos correspondem à maior riqueza e diversidade dentro dos vertebrados, com mais de 30.000 espécies no mundo. Sua explosão se deu no meio do Devoniano no Paleozoico, tanto que esse período ficou conhecido como a Era dos Peixes. Os atuais grupos derivaram dos teleósteos. Os peixes são considerados um grupo parafilético entre os vertebrados, porque o grupo não tem um ancestral em comum exclusivo. Os Acantódios (Acanthodii) são considerados grupo irmão dos peixes ósseos; às vezes, são 10 agrupados como Teleostomi (acantódios e osteítes) (Pough, 2008). Os acantódios ocorreram do Siluriano até o Permiano, Era Paleozoica (Figura 5). Suas principais características são a presença de espinhos nos seis pares de nadadeiras, e presença de nadadeiras peitorais e pélvicas. Características semelhantes do crânio estão no Teleostomi, porém, sua morfologia é muito distinta dos peixes. Figura 5 – Relações filogenéticas simplificada de Osteichthyes. Esse diagrama representa o parentesco entre os grupos atuais Créditos: Serafima Antipova/Shutterstock; Victoria Sergeeva/Shutterstock; Uncle Leo/Shutterstock. Fonte: Elaborado com base em Pough, 2008. 4.1 Actinopterygii – nadadeiras raiadas Os actinopterígeos ancestrais eram pequenos, com nadadeira dorsal única e a caudal bifurcada e heterocerca (Pough, 2008). Podemos ver na Figura 5 que os actinopterígeos podem ser divididos em dois grupos: Chondrostei (ancestrais) e Neopterygii (radiação moderna do Permiano Superior). Esse último é dividido em três linhagens, porém, a terceira é a que persiste até hoje: os Teleostei (Era Mesozoica). Os teleósteos marinhos radiaram para o ambiente dulcícola, as adaptações nas nadadeiras e maxilas (protusão mandibular) que proporcionaram o sucesso da diversidade deste grupo com aproximadamente 27 mil espécies. Alguns representantes actinopterígeos são: peixe-espada, 11 esturjão, sardinha, atum, cavalo-marinho, bacalhau, salmão, cascudo, bagre e inclusive um peixe que provavelmente você teve quando criança: o peixe-beta. 4.2 Sarcopterygii – nadadeiras lobadas Os peixes de nadadeiras lobadas foram diversificados na Era Paleozoica. Os sarcopterígeos antigos possuíam escamas do tipo cosmoides, nadadeiras dorsais duplas e a caudal era do tipo heterocerca. Esses peixessão divididos em dois grupos irmãos: Actinistia (celancantos) e Rhipdistia: um grupo monofilético de peixes pulmonados (Dipnoi) e tetrápodes (Tetrapoda) (Figura 5). São poucos os celacantos e dipnoicos que existem atualmente; há aproximadamente 9 espécies marinhas ou dulcícolas. Os raros celacantos (Latimeria) surgiram no Devoniano e são encontrados no Oceano Índico e na Indonésia Central. Os celacantos viventes possuem bexiga natatória preenchida por gordura; a caixa craniana é dividida e sua notocorda é proeminente (Kardong, 2010). Já os três gêneros de peixes pulmonados (Dipnoi) estão localizados no Hemisfério Sul; seus ancestrais eram marinhos e surgiram no Devoniano. O maior grupo e mais representante dos sarcopterígeos são os Tetrapoda distribuídos globalmente. Os tetrápodes foram originados dos ripidístios que foram extintos no Permiano; esses animais tinham dentes labirintodontes com articulação e crânio especializados. Os principais representantes dos sarcopterígeos não tetrapoda são Protopterus sp. (África) e Neoceratodus forsteri (Austrália). Na América do Sul, temos a piramboia (Lepidosiren paradoxa) (Figura 6). Os sarcopterígeos tetrápodes são representados pelo que conhecemos de anfíbios, répteis, aves e mamíferos. 12 Figura 6 – Representante dos peixes pulmonados (Dipnoi) – Piramboia Créditos: Galina_Savina/Adobe Stock. TEMA 5 – PEIXES ÓSSEOS: CAMINHO EVOLUTIVO PARA OS TETRÁPODES, IMPORTÂNCIAS E DESAFIOS PARA A PRESERVAÇÃO DO GRUPO Os vertebrados terrestres que conhecemos atualmente são todos sarcopterígeos, ou seja, nossos ancestrais são peixes de nadadeiras lobadas! Os celacantos (Actinistia) e peixes pulmonados (Dipnoi) são os mais aparentados e possuem registro fóssil do Paleozoico. Estes deram origem aos tetrápodes terrestres. Aqui discutiremos sobre esse trajeto evolutivo dos tetrápodes, bem como as importâncias e desafios para conservação dos peixes ósseos. 5.1 Caminho evolutivo para os tetrápodes No final do Devoniano (365 milhões de anos), os primeiros tetrápodes (Acanthostega e Ichthyostega) possuíam membros com dígitos, uma única vértebra sacral e músculos epiaxiais unidos (músculos dorsais) para controle da postura corporal e ventilação dos pulmões. Provavelmente, esses primeiros Tetrapoda vieram de uma linhagem definida recentemente: a Elpistostegidae, que inclui dois gêneros: Panderichthys e Elpistostege, do fim do Devoniano 13 (Pough, 2008; Kardung, 2010). Os representantes dessa linhagem tinham olhos no topo da cabeça, ausência de nadadeira dorsal e anal e redução da nadadeira caudal (Pough, 2008). Um peixe recém descrito Tiktaalik (Figura 7), no Devoniano posterior, é um elo intermediário entre peixes e tetrápodes, possuíam costelas grandes, nadadeiras peitorais robustas e flexionadas, crânio achatado, ausência da cobertura branquial, escamas cosmoides e era predador. Figura 7 – Representante sarcopterígeo considerado elo intermediário entre peixes e tetrápodes (Tiktaalik) Créditos: Danny Ye/Shutterstock. Uma das teorias para o caminho evolutivo dos Tetrapoda da água para a terra está relacionada às condições climáticas extremas. No Devoniano, houve secas sazonais; assim, alguns peixes ficavam restritos a pequenas poças de água e dependiam das chuvas. Provavelmente, essas condições levaram os peixes com nadadeiras lobadas a buscarem alimento na terra e em outro local com água. Além disso, eles desenvolveram adaptações para respirar nesses períodos; essas adaptações são vistas nos peixes pulmonados associados ao comportamento de estivação, que existe até hoje, quando necessário. No entanto, as hipóteses para a vida terrestre não se limitaram a isso; afinal, se eles tinham a capacidade de se deslocar, por que não se “mantiveram peixes”? 14 Devido ao enorme tamanho corporal dos primeiros Tetrapoda, provavelmente na forma juvenil (menor), eles se congregavam para escapar de predadores e depois colonizar ambientes diferentes daquele de sua origem, ou seja, saíam do ambiente aquático. Além disso, características de transição entre peixes e tetrápodes como membros com dedos, desenvolvimento de pescoço, da cintura pélvica e focinho longo podem estar associadas com ambientes de águas rasas enfrentados naquele período. Essas adaptações mencionadas para a vida na terra são encontradas até hoje em alguns peixes, como o saltador do lodo ou Mudskipper Atlântico (Periophthalmus barbarus) (Figura 8) que ocorre em locais com lama e águas tropicais na África, Ásia e Oceania. Assim, utilizam suas nadadeiras pélvicas para andar na terra. Figura 8 – Saltador do lodo ou mudskipper atlântico (Periophthalmus barbarus) com características que permitem viver dentro e fora da água Créditos: Suphatthra olovedog/Shutterstock. 5.2 Importâncias e desafios para a preservação do grupo Os peixes ósseos são fundamentais em vários aspectos. Podemos mencionar os peixes ornamentais, cuja morfologia e cuja coloração compõem cenários decorativos em residências ou comércios. Possuem importância econômica e social, prevalecendo a pesca, que serve de renda para muitas pessoas e também para lazer, em que pessoas vão até um pesqueiro e fazem pesca esportiva. Podemos mencionar também que fazem parte da nossa alimentação; inclusive, há diversos estudos mencionando a importância do ômega-3 (óleo 15 encontrado nos peixes) para nossa saúde, podendo auxiliar na prevenção ao câncer de mama (Kaizer, 2009). O famoso caviar, ovos não fertilizados de alguns peixes, é considerado uma iguaria e um alimento de luxo em muitos países. Outra importância é o uso de peixes para controle biológico. Por exemplo, pesquisadores utilizaram peixes não nativos que se alimentam de larvas de insetos (Aedes aegypti) que podem transmitir doenças como a dengue, Zika, Chikungunya e febre amarela (Azevedo-Santos et al. 2017). Esta pode ser uma alternativa fácil e barata para controle de doenças. Além disso, fazem parte da cadeia alimentar, consumindo diversos itens alimentares e sendo também presas de inúmeros animais. Outro ponto importante para pensarmos é que os peixes vivem em ambiente aquático; sendo assim, o que consumimos e acabamos descartando pode ser despejado nesse ambiente, causando poluição aquática. Por exemplo, quando (erroneamente) as pessoas descartam remédios no vaso sanitário, isso pode provocar inúmeras consequências para os animais aquáticos; muitos são bioindicadores da qualidade da água. Bila e Dezotti (2007) compilaram diversos estudos sobre os efeitos dos desreguladores endócrinos. Essas substâncias podem induzir a feminização dos peixes machos, induzir hermafroditismo e inibir desenvolvimento das gônadas; dessa forma, diminui o sucesso reprodutivo das espécies e, consequentemente, diminui sua população. Além disso, os plásticos e microplásticos são considerados o mal do século, porque os animais marinhos, principalmente os peixes, são encontrados com microplásticos em diversos tecidos. Também foram registrados microplásticos em peixes de interesse comercial, ou seja, aqueles que nós consumimos. Silva (2020) avaliou a ingestão de microplásticos e detectou que a maior ingestão dos peixes avaliados foi de 81% em caracapaus e 72% em sardinhas, sendo encontrados principalmente nos músculos e nas brânquias. Vale a pena ressaltar o processo de biomagnificação, em que ocorre acúmulo de substâncias nocivas (metais pesados), que são transferidas ao longo da cadeia alimentar. Assim, se nós humanos somos os últimos da teia alimentar, seremos aqueles com maior concentração da substância ingerida. Por fim, dadas as relevâncias dos peixes para o ecossistema, temos o desafio de preservá-los. Relatamos na aula diversos fatores que prejudicam e até matam esses animais aquáticos. Dentre esses desafios, temos a redução do lixo, diminuir consumismo,repensar sobre alimentação e sobrepesca dos peixes, 16 redução dos materiais descartáveis (com a pandemia, isso foi agravado, devido ao uso de máscaras) e inúmeras atitudes para desacelerarmos o aquecimento global que também aquece as águas. Não é à toa que especialistas dizem que estamos em rumo da sexta extinção em massa! NA PRÁTICA 1. Esta atividade é similar ao jogo dos 7 erros, mas aqui você irá apontar na figura as principais adaptações morfológicas dos peixes cartilaginosos e ósseos, conforme vimos na aula. Figura 9 – Peixes cartilaginosos e ósseos 17 Créditos: Amadeu Blasco/Shutterstock; EreborMountain/Shutterstock. 2. Leia o texto a seguir: Os tubarões produzem relativamente poucos descendentes durante a vida de uma única fêmea. Este é um padrão biológico que depende de altas taxas de sobrevivência dos animais jovens e de expectativa de vida longa para os adultos... Muitas espécies dependem dos locais de cuidado parental – geralmente águas rasas costeiras. (Pough, 2008, p. 112) Atualmente, esse tipo de reprodução pode ser considerado um sucesso reprodutivo? Compare com o modo reprodutivo dos peixes ósseos. Pense e relacione com as atividades antrópicas e ecológicas. 18 FINALIZANDO Nesta aula, abordamos o maior e mais próspero grupo de vertebrados conhecido. Os peixes atuais (vertebrados não amnióticos) são classificados em dois grandes grupos: Chondrichthyes e Osteichthyes. Vimos as adaptações morfológicas desses peixes, principalmente em relação ao esqueleto, maxilas, nadadeiras, habitat e reprodução. Também discorremos sobre a origem e as relações filogenéticas entre os grupos atuais e seus ancestrais. Dessa forma, os peixes são nossos ancestrais aquáticos, sendo que os peixes sarcopterígeos deram origem à linhagem tetrapoda. É evidente a presença dos peixes no nosso cotidiano e o quão importante eles são para o ecossistema. Mencionamos vários exemplos disso e, principalmente, discutimos sobre os desafios para preservação desse grupo, devido ao seu hábito aquático ser impactado pelo descarte de toneladas de lixo e de substâncias nocivas. Além da sobrepesca e dos efeitos do aquecimento global, por exemplo, aquecimento das águas. Assim, esse grupo bem-sucedido pode entrar em declínio com todos esses impactos antropogênicos. Então, é nosso dever preservar e conservar esses animais. 19 REFERÊNCIAS BILA, D. M.; DEZOTTI, M. Desreguladores endócrinos no meio ambiente: efeitos e conseqüências. Química nova, v. 30, n. 3, p. 651-666, 2007. BORNATOWSKI, H. et al. Ecological importance of sharks and rays in a structural foodweb analysis in southern Brazil. ICES Journal of Marine Science, v. 71, n. 7, p. 1586-1592, mar. 2014. KAIZER, L. et al. Fish consumption and breast cancer risk: an ecological study. Nutrition and Cancer, v. 12, n. 1, p. 61-68, 2009. KARDONG, K. V. Vertebrados: anatomia comparada, função e evolução. 5. ed. São Paulo: Roca, 2010. KUMAR, S. et al. TimeTree: a resource for timelines, timetrees, and divergence times. Molecular biology and evolution, v. 34, n. 7, p. 1812-1819, 2017. PATRICIO-COSTA, P. Zoologia. 1. ed. Curitiba: InterSaberes, 2021. POUGH, F. H. A vida dos vertebrados. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 2008. SILVA, A. C. A. da. Microplásticos em vários tecidos de espécies de peixes pelágicos com interesse comercial. 89 f. Dissertação (Mestrado em Ecologia Marinha) – Universidade de Lisboa, Lisboa, 2020.