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Código Logístico 59919 CLIMATOLOGIA LINDBERG NASCIMENTO JÚNIOR Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-65-5821-044-3 9 7 8 6 5 5 8 2 1 0 4 4 3 Climatologia Lindberg Nascimento Júnior IESDE BRASIL 2021 © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Piyaset/ Galyna Lysenko/Shutterstock Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ N195c Nascimento Júnior, Lindberg Climatologia / Lindberg Nascimento Júnior. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2021. 110 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-044-3 1. Climatologia. I. Título. 21-71562 CDD: 551.6 CDU: 551.58 Lindberg Nascimento Júnior Doutor e mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Licenciado e bacharel em Geografia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professor adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde atua nos cursos de Pós-Graduação em Geografia e em Desastres Naturais. Pesquisa temas voltados para a climatologia geográfica, geografia do clima e educação geográfica das relações étnico-raciais, com foco em impactos da variabilidade, teleconexões climáticas, clima urbano, riscos climáticos, vulnerabilidade e cartografia histórica da África. SUMÁRIO 1 Introdução à climatologia 9 1.1 História da climatologia 9 1.2 Objeto e método da climatologia 14 1.3 Conceitos de tempo e clima 17 1.4 Clima e sociedade 20 2 Escalas do clima 25 2.1 Escalas espaciais e temporais 25 2.2 Escalas locais – ritmo climático 31 2.3 Escalas regionais – variabilidade climática 33 2.4 Escalas globais – mudanças climáticas 36 3 A atmosfera da Terra 42 3.1 Origem e formação da atmosfera 42 3.2 Características da atmosfera 45 3.3 Estrutura da atmosfera 47 3.4 Balanço de energia 51 4 Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 56 4.1 Elementos climáticos 56 4.2 Circulação geral da atmosfera 60 4.3 Sistemas atmosféricos 64 4.4 Fatores geográficos do clima 69 5 Climatologia aplicada 74 5.1 Classificações climáticas 74 5.2 Clima e agricultura 79 5.3 Clima urbano 83 5.4 Clima e saúde 87 6 Mudanças climáticas 91 6.1 Os climas do passado 91 6.2 Aquecimento global 95 6.3 Riscos climáticos e desastres naturais 97 6.4 O clima e o futuro da humanidade 101 7 Resolução das atividades 104 APRESENTAÇÃO Vídeo Em tempos de emergência climática, os conceitos de clima e de tempo meteorológico – referente à previsão que diariamente acompanhamos nos jornais e na imprensa –, assim como de eventos extremos, desastres naturais, ilha de calor urbana, mudanças climáticas e aquecimento global, nunca foram tão debatidos e nem ganharam tanta importância como atualmente. Este livro trata exatamente desses processos, e vamos abordá-los como um todo, valorizando especialmente o clima como fenômeno geográfico, ou seja, como um dos processos de produção do espaço geográfico, uma construção social, incorporado e atravessado por uma série de contradições, sendo melhor entendido e explicitado no conjunto das relações entre sociedade e natureza do mundo contemporâneo. Basicamente, partiremos do clima em suas múltiplas dimensões. Vamos valorizar o conhecimento das suas bases físicas e biológicas, ecológicas, pois nos auxiliam na interpretação do conjunto dos condicionantes formadores da paisagem e dos graus de influência climática nos sistemas naturais, humanos e produtivos. Também discutiremos como o clima é apropriado pelos agentes sociais, sobretudo quando é utilizado como insumo econômico ao processo produtivo. Com essas possibilidades, podemos compreender o uso e a finalidade do clima para atender aos processos de territorialização da nossa sociedade, seja no contexto da humanidade global, seja no contexto das nossas cidades, comunidades e famílias. Esses conhecimentos devem ajudar você a questionar, problematizar, antecipar e propor resoluções para muitos problemas que nossa sociedade tem enfrentado e que, em grande parte, são atribuídos ao clima. Estamos falando, de fato, das chuvas extremas, das inundações, das secas, das ilhas de calor urbanas, do desconforto térmico, da proliferação de pragas e doenças, entre outros, que tornam altamente vulnerável e exposta a qualquer manifestação natural grande parte das populações e países pobres. Como geógrafos, esse conhecimento é inicialmente importante porque podemos definir regiões e zoneamentos, elaborar políticas públicas e sistemas para uso e conservação das riquezas naturais e defesa civil, além de nos ajudar a compreender estratégias para redução de conflitos socioambientais e os marcos regulatórios e geopolíticos do mundo atual. Este é, portanto, o principal objetivo desta obra: oferecer um debate sobre as dimensões do fenômeno climático e sua relação com o mundo contemporâneo. Por isso, este livro aborda os temas, os conteúdos e os problemas do clima, partindo da sua história natural e social, abrindo críticas ao conhecimento e à nossa sociedade sempre que possível. Essa estratégia didático-pedagógica deve indicar a formação de um olhar voltado para a análise das nossas ações (como sociedade) no passado, requerendo mudanças em nosso presente e transformações futuras. Associações e articulações entre o estudo do clima e da geografia são bastante valorizadas. Escolhemos essa perspectiva para evidenciar a particularidade da climatologia dentro da ciência geográfica, que chamamos de climatologia geográfica, e, ao mesmo tempo, para não perder de vista a indissociabilidade entre o clima e as diversas áreas e campos do conhecimento científico. Veremos esse encadeamento em seis capítulos. No primeiro vamos apresentar a história e o desenvolvimento da climatologia. Entendemos que as relações entre natureza e sociedade, ou clima e sociedade, são resultado, inicialmente, de um conjunto de significados e sentidos que foram sendo codificados com base em nossas visões de mundo e projetos de sociedade. Nesse caso, a climatologia é o ramo do saber orientado a desvendar como o tempo, os tipos de tempo e o clima são conceitos que servem para entender a organização das paisagens naturais e a constituição dos territórios. Em seguida, no segundo capítulo, trataremos das formas de representação, interpretação e explicação do fenômeno climático, com a premissa analítica possibilitada pelas escalas geográficas do clima. Vamos admitir que a escala geográfica do clima pode ser operada como um processo que integra movimentos com ritmos e variações muitos rápidos e constantes junto com outros lentos e excepcionais e que, por isso, carece de uma organização analítica para oferecer coerência da sua interface natural e social, diversidade e diferença. No terceiro capítulo vamos debater a gênese, a formação e a composição da atmosfera como o ambiente principal do fenômeno climático sob modelos explicativos mais bem aceitos pela comunidade científica. Vamos partir da sua importância geográfica para a manutenção e a transformação da vida no sistema terrestre, especialmente no que tange ao balanço de radiação e aos debates da degradação ambiental. No quarto capítulo vamos colocar mais foco na articulação entre elementos e fatores do clima. Tentamos utilizar uma abordagem de trabalho aplicado, que deve auxiliar na coerência entre conceitos e teorias, bem como na construção integrada e próxima da realidade e do cotidiano. Reconheceremos os princípios dinâmicos que regem os fluxos atmosféricos e explicam o tempo meteorológico, os tipos de tempo e o clima como resultados de complexos movimentosde troca de matéria e energia. No quinto capítulo daremos destaque às possibilidades de trabalho dos profissionais formados em Geografia e aos problemas reais. Vamos enfatizar o estudo do clima e sua relação com o espaço rural e urbano e, também, seus impactos na produtividade, na saúde, na qualidade ambiental e nos riscos de desastres. O objetivo é aprofundar o estudo mais prático do clima no sistema terrestre. No sexto e último capítulo vamos tratar das mudanças climáticas e considerar sua importância no passado, bem como os problemas associados aos dias atuais, inclusive quanto a questões relativas ao aquecimento global, à emergência climática e ao futuro da humanidade. Esperamos que esta obra enriqueça suas ideias atuais e suas perspectivas na Geografia. Boa leitura! Introdução à climatologia 9 1 Introdução à climatologia Com o estudo deste capítulo você será capaz de: • Definir o objeto de estudo da climatologia, suas relações com a Geo- grafia e conhecer os seus métodos teóricos e aplicados. • Entender a evolução histórica da climatologia e discutir seus paradigmas. • Distinguir as noções de tempo e clima e compreender suas intera- ções com a sociedade. Objetivos de aprendizagem Seja bem-vindo ao primeiro capítulo do material de Climatologia. Neste momento vamos aproximar você do estudo geográfico sobre o clima. Pretendemos, ainda, indicar elementos analíticos para que as conexões dentro e fora da Geografia também possam ser cada vez mais coerentes e interessantes. Para isso, vamos valorizar os fundamentos da climatologia geográfi- ca que mais podem ser articulados às práticas profissionais, seja como licenciado ou bacharel. Aprenderemos que, para além de fenômeno físico- -natural, o clima é um fenômeno geográfico, pois nos oferece maneiras de tratamento da história natural e social associadas às questões ambiental, agrária, urbana, econômica, política, social, de gênero, étnica, racial etc. Inicialmente, recorreremos aos atributos históricos da formação dos saberes que organizaram a climatologia como campo científico. Para isso, destacaremos seus objetos e métodos, valorizando especialmente a parti- cularidade que interessa à ciência geográfica. Além disso, apresentaremos os principais paradigmas e conceitos que envolvem as formas de análise e de interpretação do clima e quais oferecem processos consistentes de produção do espaço geográfico. Não se esqueça do bloco de anotações, da sua caneta ou lápis e construa sempre sínteses para otimizar seus estudos. Essa técnica de estudo serve sobretudo para que você construa um saber independen- te, autônomo e crítico. 10 Climatologia 1.1 História da climatologia Vídeo Na ordem do desenvolvimento histórico, a ideia de clima sempre foi apresenta- da de modo inseparável das preocupações biológicas, sociais e produtivas. Nessa perspectiva, os primeiros registradores não foram os instrumentos tecnológicos de medida, mas sim os naturais, em particular a sensibilidade dos seres humanos. Segundo Sorre (1943), não se conhecia o calor e o frio a não ser por seus efei- tos sobre o organismo humano, e, por isso, grande parte da representação desse saber, chamado saber climático, foi inicialmente associada às concepções mitoló- gicas ou sobrenaturais sobre a natureza. Trata-se do saber climático elaborado pelos primeiros seres humanos, que não diferenciavam a vontade dos deuses das suas práticas cotidianas. A construção de instrumentos tecnológicos, apropriados à produção agrícola, foi inserida na estru- tura socioespacial como meio de realização original de criação de tempo e produ- ção de espaço. Esses primeiros saberes climáticos eram obtidos, em geral, por presságios e adi- vinhações e relacionavam o fenômeno natural com ações associadas à vontade dos deuses. Em nossa história e até os dias atuais, nós operamos esse saber quando transvestimos o tempo e o clima de benção, dádiva, castigo e fúria, elementos que o artista do Romantismo John Martin representou em uma de suas obras (Figura 1). Figura 1 A sétima praga do Egito (1823) M us eu m o f F in e Ar ts /W ik im ed ia C om m on s Na pintura, Martin ilustra uma das histórias bíblicas sobre o processo de libertação do povo hebreu e a ocorrência de chuva de pedras misturada com fogo. Nesse período, a produção do espaço era definida pelos ritmos dos sistemas naturais, em uma concepção sobrenatural de um tempo-espaço eterno e absoluto, mas que já envolvia alguma possibilidade de se criarem parâmetros de medida e instrumentos de observação. Introdução à climatologia 11 A título de exemplificação, a Figura 2 representa um tipo de embarcação uti- lizada pelos egípcios da Antiguidade e que servia para medir as cotas fluviais do Rio Nilo acopladas. Essa concepção possibilitou representar os limites dos fenô- menos naturais, bem como princípios de um espaço-tempo cíclico que servia tanto para descrever o nascer e o pôr do sol, as mudanças das estações e as posições das constelações no céu quanto para subsidiar a origem das noções de calendário, orientação e localização geográfica. Figura 2 Embarcação egípcia retratada em baixo relevo Ré m ih /J M CC 1/ W ik im ed ia C om m on s Desse modo, o saber climático se fazia presente com base no regime de chuvas, na força do vento, nos espetáculos luminosos e ópticos (raios, auroras, arco-íris, estrelas cadentes etc.), na dinâmica dos rios e nas plantas que definiam das esta- ções do ano (a época de inundação, germinação, colheita), associados à história das primeiras civilizações (SANTOS, 2008). A utilização das técnicas de observar, descrever, medir e mapear foi suficiente para determinar os limites, o controle e a organização do território levando em conta a abrangência do sistema natural – os canais fluviais, por exemplo. A relação clima e produção do espaço não apenas era associada para definir períodos e lu- gares de lazer, moradia, trabalho, ritos, mas também para estabelecer uma cultura 12 Climatologia própria e autóctone, notadamente no entorno de grandes rios e sob domínio de climas semiáridos (secos ou com baixos índices de precipitação). Dentro de uma racionalidade explicada pelo conjunto de saberes empíricos, repletos de manifestações místicas e religiosas, esse saber pôde ser construído no conjunto de possibilidades tecnológicas e linguísticas das primeiras formas de apropriação da natureza. É importante considerar esses aspectos, uma vez que mostram desde esse momento uma estreita relação de princípios-base da geogra- fia no que se refere às relações natureza-sociedade e clima-sociedade. Como todo conhecimento humano, o saber climático foi inicialmente construído com base em concepções sobrenaturais. Atualmente, podemos atribuir esses saberes ao conjunto de tradições, folclores, artes e obras cinematográficas. Isso significa que, até os dias atuais, esse conhecimento subsidia grande parte das nossas concepções de clima, natureza e sociedade. Para que você tenha mais elementos sobre esse momento histórico, leia o artigo Mitologia e Climatologia: um estudo das divindades relacionadas à ocorrência de tempo severo, de Daniel Hen- rique Candido e Lucí Hidalgo Nunes, publicado na Revista Brasileira de Climatologia em 2012. Acesso em: 28 abr. 2021. https://revistas.ufpr.br/revistaabclima/article/view/27788/20844 Artigo No entanto, foi a partir da civilização grega, com a atribuição da razão como tarefa dos filósofos, que surgem os primeiros estudos sistemáticos sobre o clima. Baseando-se na separação espiritual, orientando para o entendimento naturalista e empirista com base nas perspectivas cosmológicas e físicas do mundo, essa sociedade ofereceu as principais contribuições lógicas, referindo- -se primeiro ao termo Klima 1 , utilizado por Parménides de Eleia para designar a inclinação da Terra e a explicação para a ocorrência de zonas climáticas: tórri- da, temperada e frígida (primeiro zoneamento climático da história).Em seguida, somam-se os avanços de Anaxímenes de Mileto, que acreditava que o fenômeno da vida estava ligado ao ar e que o vento era definido pelo movimento do ar; e também de Hipócrates, que escreveu a obra Dos Ares, Águas e Lugares (fins do século V a.C.) e associou as condições ambientais dos lugares às diferentes culturas, povos, sociedades, costumes, paisagens e enfermidades (doenças). De outro modo, foi fundamentalmente com as contribuições de Aristóteles, por meio da obra Meteorologika (340 a.C.), que o saber climático foi mais bem desenvolvido. Primeiramente porque o filósofo introduziu a noção de meteo- rologia como discurso sobre as coisas do alto, que incluíam meteoros e fenô- menos ópticos. Desse período em diante, as observações da natureza física do céu, do ar, da terra, da água e do mar já consideravam todos os fenômenos meteorológicos até então conhecidos. É também importante destacar que o saber climático construído na Antigui- dade grega constituiu-se pela representação local do mundo, com reconhecida legitimação do domínio e do controle dos ambientes topicalizados como terri- tórios destinados à exploração econômica. Ressaltamos que ainda se tratava de uma sociedade organizada em classes e estabelecida no escravagismo. A sociedade grega exagerou na influência que o clima exerce nas sociedades e nos povos, iniciando um processo de naturalização dos processos de domina- autóctone: original, primária. Glossário Klima também pode ser considerada a primeira classificação climática da história, e seu zoneamento atendia a concepção da Terra plana, em que as zonas tórrida e frígida estariam como as porções mais próximas e distantes do Sol, respectivamente. Por esse caráter, esse con- ceito orientou concepções de que nessas regiões o fenômeno da vida era impossível devido às re- giões extremas. Por outro lado, as zonas temperadas sugeriam uma condição climática ideal para o desenvolvimento da vida e do ser humano. 1 https://revistas.ufpr.br/revistaabclima/article/view/27788/20844 Introdução à climatologia 13 M ar k Pa rs on s/ W ik im ed ia C om m on s Sede da OMM, em Genebra, compartilhada com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e o Grupo de Observações da Terra. ção, que posteriormente seria chamado na geografia de Determinismo Ambien- tal. Nesse sentido, até hoje essa concepção tende a oferecer sentidos de que o clima é o principal agente determinante da vida, da sociedade, do desenvolvi- mento e da produção do espaço Essas concepções, em geral, prevaleceram por quase 1500 anos até a revo- lução científica, quando, a partir do século XIII, o cientista inglês Francis Bacon introduziu de maneira crítica aos estudos de Aristóteles o método experimen- tal. Após esse momento, houve um avanço expressivo das experimentações, que deram outra qualidade às observações do tempo e do clima (SANT’ANNA NETO, 2001). Ao mesmo tempo que essas experimentações foram paulatinamente intro- duzindo a instrumentalização para mensuração quantitativa dos elementos climáticos e meteorológicos, suplantando sobretudo as concepções religiosas vigentes, elas também ofereceram mais possibilidades de ampliação do uso do saber climático para fins de dominação dos povos e exploração das rique- zas naturais. Para exemplificar, a invenção de instrumentos de medida do vento, da umi- dade, das chuvas e da temperatura ocorre analogamente aos registros sobre o magnetismo e as manchas solares, bem como à explicação empírica dos equi- nócios, dos solstícios e das estações do ano. Observe que todos esses conheci- mentos formavam o estabelecimento de um momento rico sobre as dinâmicas da natureza, tanto em termos de produção de informação quanto de geração de dados. Essas transformações no conhecimento ofereceram aos agentes he- gemônicos da época uma visão ampla de mundo. Trata-se da origem da sociedade capitalista, cuja funcionalidade do instrumental técnico não servia somente para medir os elementos climáticos nos luga- res, mas também para sistematizar um conjunto de informações sobre as riquezas naturais (metais e pedras preciosas) a serem exploradas, especialmente a partir da fase mercantilista, das grandes navegações e do processo colonial. Da mesma forma, o desenvolvimento do saber climá- tico ocorre de maneira paralela ao conhecimento filo- sófico e se fundamenta notadamente pela sofisticação dos instrumentos tecnológicos. Em outras palavras, filosofia e técnica uniram-se em um único processo de produção do conhecimento científico, tanto para indicação de seus procedimentos como para consoli- dação de um campo que no futuro marcaria a gêne- se da climatologia e da meteorologia moderna (SANT’ANNA NETO, 2001). Se até o século XIX o saber climático era de- senvolvido no conjunto das ciências naturais, a partir do século XIX, com o extraordinário avanço da física newtoniana (mecanista), o rigor metodológico e a disciplinarização de todos os ramos do saber, ele começa também a ser sub- 14 Climatologia metido a fragmentações para se diferenciar e se distanciar de outros campos em termos metodológicos e em propósitos de análise. O momento era tão importante que, em 1950, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) foi criada, substituindo a Organização Meteorológica Internacio- nal (OIT), fundada em 1873, tendo como papel fornecer padronização de equi- pamentos, instrumentos e lugares de instalação de estações meteorológicas e normas para serem obtidas séries históricas confiáveis e consistentes, bem como suas formas de representação e análise. Nesse período, notáveis esforços por parte de geógrafos, meteorologistas, geólogos e biólogos foram imprescindíveis para consolidar o clima no rol dos estudos da natureza, com um objeto e uma teoria lógica que poderiam ser ab- sorvidos como processo do método científico. Nesse escopo, os estudos de previsão meteorológica foram os que ganharam maior destaque, uma vez que acurácia e precisão estariam associadas à qualidade das séries históricas (lon- gas e consistentes) e à padronização dos dados meteorológicos. Acompanhando o desenvolvimento técnico-científico, as previsões foram cada vez mais precisas conforme se ampliavam a quantidades de estações me- teorológicas pelo mundo. Enquanto o campo da meteorologia foi sendo orien- tado para concentrar estudos da previsão do tempo, a climatologia foi instigada ao estabelecimento do conceito e das regras do estudo científico do clima. 1.2 Objeto e método da climatologia Vídeo Podemos considerar que a origem da climatologia como campo do conheci- mento científico foi construída de modo análogo à astronomia, à meteorologia e à geografia, visto que sempre se tornaram centrais para definir os fenômenos processados no ambiente atmosférico. Além disso, até a modernidade, esses saberes atendiam quase que exclusivamente à constituição dos climas dos lu- gares, ou seja, a definição de clima era restrita às localidades e às condições do seu entorno imediato. A partir do século XIX, quando essas ciências começaram a oferecer con- tribuições mais consistentes sobre o que definiria o objeto e o método da cli- matologia, um conjunto de estudos sistemáticos sobre a distribuição espacial dos climas no mundo foi desenvolvida de maneira mais racionalista e criteriosa. Dentre esses estudos, destacam-se os realizados pelo naturalista Alexander von Humboldt, que, com base na integração entre meteorologia e geografia, elabo- rou observações que designaram os papéis dos climas na formação da paisa- gem (SANT’ANNA NETO, 2001). Para ele, o clima se apresentava por meio de múltiplas relações dentro do escopo da geografia física, isto é, poderia oferecer explicações de acordo com as correspondências de tamanho das formações naturais, da disponibilidade hí- drica, da cobertura vegetal, da presença de neve, entre outros. Dessas interpre- tações, Humboldt identificou a existência de determinados padrões regionais, principalmente combase em sua proposta de mapeamento global da tempera- tura 2 (Figura 3). O mapeamento foi basea- do em isotermas, ou seja, linhas desenhadas em um mapa que conectam diferentes localidades com as mesmas temperaturas iguais. Dessa representa- ção, Humboldt ofereceu uma explicação coerente do globo, em termos de correspondência com os domínios de paisagem mais abrangentes do planeta. 2 Introdução à climatologia 15 Figura 3 Carta de isotermas do mundo (1823) Sl ic k- o- bo t/ Ju ju ta cu la r/ W ik im ed ia C om m on s William Channing Woodbridge, criador do mapa, foi o primeiro a utilizar cores representando temperaturas. O geógrafo o elaborou baseando-se em dados de Humbodlt sobre as condições climáticas de vários países. É importante compreender já em primeira instância que a necessária coesão do fenômeno climático foi a valorização da sua dimensão espaço-temporal. Essa tradição, mais do que um fundamento dos estudos científicos sobre o clima, está presente até os dias atuais como um dos principais elementos para construção teórica do clima como objeto de estudo científico. Ou seja, para um estudo que busca utilizar valores e informações climáticas, o primeiro exercício a ser realizado é a definição de uma unidade espacial (uma casa, um bairro, um ambiente, uma cidade, um estado, um domínio, um país etc.) e outra temporal (horas, dias, semanas, meses, anos, décadas, séculos etc.). A união espaço-tempo é o que define, por exemplo, a área de estudo e sua periodização (MONTEIRO, 1971a). Humboldt praticamente ofereceu esses princípios e incorporou diretamente o estudo do clima no escopo da geografia. Nesse contexto, a climatologia tanto au- xiliou na consolidação e na institucionalização da ciência geográfica como também foi integrada a outros ramos do saber, atualmente designada como um dos cam- pos das ciências atmosféricas. 16 Climatologia O conjunto de campos que envolvem as ciências atmosféricas define o clima como o principal fenômeno do ambiente atmosférico. Seus processos de aná- lise são diversos, uma vez que cada campo científico retira do clima aquilo que é mais interessante para dimensionar seus estudos. Dessa forma, devido ao caráter múltiplo do clima, o fenômeno não pode ser reduzido e restrito a um de- terminado campo – pelo contrário, é fundamental entender que, antes de mais nada, o clima é uma teoria. O sentido é de que cada investigador implementa uma dada experiência de tempo meteorológico adequada aos seus próprios propósitos (CURRY, 1952). A Figura 4 apresenta esquematicamente o posicionamento da climatologia e seus subcampos, demonstrando seu caráter interdisciplinar, representado no âmbito das relações da climatologia com a geografia, com a meteorologia, e também os subcampos: bioclimatologia, agrometeorologia, dendroclimatologia e hidroclimatologia. Em geral, podemos entender que ela pode ser, em síntese, entendida como o campo voltado ao estudo científico do fenômeno climático, oferecendo desde o entendimento dos seus padrões espaço-temporais, asso- ciando-o às relações adaptativas dos seres vivos e da produtividade agrícola, como também às interações que promove com a dinâmica natural do sistema terrestre, sobretudo em relação à dinâmica da atmosfera e da hidrosfera. Figura 4 Organização da climatologia como campo científico • Padrões climáticos em sua concepção geográfica • Interações do fenômeno na produção do espaço • Ordem espacial do fenômeno climático • Estudo de processos atmosféricos em sua concepção física • Interação dos fluidos ar e água na atmosfera • Dinâmica dos sistemas atmosféricos • Relações adaptativas dos seres vivos à influência climática • Interações do clima na saúde e no conforto • Influência fisiológica do clima • Relações de causa e efeito entre clima e produtividade agrícola • Exigências climáticas de plantas e animais • Clima como fator de rendimento • Clima como fator de variação ambiental e de crescimento de árvores • Impacto registrado na estruturação e organização de anéis de árvores • Variações climáticas ao longo da formação da Terra por influência geofísica (interna ou externa) • Indicadores paleoclimáticos da história natural • Clima como fenômeno geológico CLIMATOLOGIA estudo científico do clima Geografia Meteorologia Bioclimatologia Agrometeorologia Dendroclimatologia Paleoclimatologia • Interação climática entre atmosfera, hidrosfera e criosfera • Papel de oceanos, geleiras e calotas • Clima e dinâmica da água no planeta Hidroclimatologia Fonte: Elaborada pelo autor. É por isso que os subcampos da climatologia não são puros e separados en- tre si; na verdade, cada um deles se articula e nutre o processo de produção do conhecimento do clima como um todo, sendo particularizados exclusivamente com base em critérios definidos e aplicados às suas indagações. Introdução à climatologia 17 A climatologia geográfica, ou a climatologia que interessa aos estudos geográfi- cos, além de aumentar a relação com outras áreas da geografia (física e humana), atende à particularidade de desenvolver a análise que envolve a ordem espacial do fenômeno climático. Isso significa afirmar que se trata essencialmente de uma análise orientada para integrar a complexidade do clima no escopo das relações natureza-sociedade considerando suas espacialidades, ou seja, sua realização, apropriação e construção no processo de produção do espaço geográfico. Em outras palavras, na climatologia geográfica o interesse é garantir a inse- parabilidade das questões biológicas, ambientais, sociais e produtivas, admitin- do-as como o centro das problemáticas que envolvem o clima como fenômeno geográfico, um exercício que pode ser realizado desde que se garanta a indis- sociabilidade entre suas dimensões física (natural) e social (histórica). Para aprofundar os conhecimentos sobre o aspecto particular da climatologia geográfica, recomendamos um texto clássico e introdutório do estudioso Max Sorre, publicado na Revista do Departamento de Geografia em 2006. Objeto e método da climatologia apresenta as preocupações iniciais para os geógrafos, inclusive indicando as diferenças e as similaridades com os estudos desenvolvidos por meteorologistas. Acesso em: 29 abr. 2021. http://docplayer.com.br/21446875-Objeto-e-metodo-da-climatologia-max-sorre-1.html Artigo Mas como operacionalizar de modo prático esses princípios? Digamos que, em função da natureza dos estudos geográficos do clima, a resposta para essa pergun- ta precisa ser dimensionada com base nos seus paradigmas e conceitos principais. Vamos facilitar a compreensão por meio da identificação das finalidades, dos pro- pósitos, das intencionalidades e das aplicabilidades do estudo geográfico do clima. 1.3 Conceitos de tempo e clima Vídeo O desenvolvimento da climatologia geográfica, em sua fase moderna, teve seu princípio na sua legitimação como campo científico, fundamentando-se no método positivista e respaldando-se na abordagem clássica. Nesse sentido, a literatura clássica aponta duas vertentes teóricas e metodológicas principais: a climatologia tradicional e a climatologia dinâmica. A climatologia tradicional, também conhecida como separativa ou analítica, organiza os estudos do clima baseando-se na análise separada e fragmentada dos elementos climáticos – radiação, temperatura, precipitação, umidade etc. –, passando pela sua máxima descrição. Não à toa, até os dias atuais a climatolo- gia valoriza muito a linguagem matemática e estatística. Essa vertente está historicamente vinculada aos conceitos de tempo e clima de Julius Hann, que elaborou a obra Handbuch der Klimatologie (Manual de clima- tologia), publicada em 1883. Segundo ele, o clima é o conjunto de fenômenos me- teorológicos que caracterizam o estado médio da atmosfera sobre determinado ponto da superfície terrestre. Já o tempo seria a condição instantânea, efêmera, momentânea da atmosfera sobre um determinadolugar (CONTI, 2001). http://docplayer.com.br/21446875-Objeto-e-metodo-da-climatologia-max-sorre-1.html 18 Climatologia Essa perspectiva valoriza a espacialidade do clima como um fator estático e um fenômeno passível de fragmentação, sendo bem definido em termos es- tatísticos e associado às configurações territoriais (limites e abrangência) dos sistemas naturais – os domínios vegetacionais, por exemplo. Em seu processo de análise, a climatologia estática oferece inicialmente a caracterização do clima tratando os valores médios e o regime climático. Pelo tipo climático regional, ela confere a indicação geográfica e o enfoque locacional de onde, como e quando as riquezas dos lugares poderiam ser extraídas. Contudo, a concepção de clima como estado médio apresenta duas limi- tações importantes, que foram bastante debatidas pelo geógrafo francês Maximilien Sorre em pelo menos dois pontos. O primeiro se refere ao uso ex- cessivo das médias. Segundo Sorre (1943), os valores médios são abstrações e não permitem a compreensão da realidade climática concreta em suas caracte- rísticas e sua manifestação. O segundo é que esse conceito representa o clima como fenômeno estático, com limites e valores quase absolutos, o que não pos- sibilita compreender como o desenvolvimento e a formação de paisagens, bem como os sistemas produtivos e sociais podem estar adaptados às condições climáticas. A título de exemplificação, apresentando os valores médios de 30 ºC de tem- peratura no deserto do Saara, sugere-se um clima típico de verão no Brasil, ou seja, não se tem a noção de uma paisagem naturalmente seca e que apresenta grandes amplitudes térmicas, podendo variar de -10 ºC a 50 °C diariamente, dependendo da época do ano. O valor médio de 30 ºC mascara uma realidade em que diferentes tecnologias, como construções, vestimentas, domesticação de animais e conservação de água e alimentos, ofereceram historicamente às populações africanas um conhecimento adequado sobre a dinâmica climática do clima semiárido. An na O m /S hu tte rs to ck Deserto do Saara, terceiro maior deserto da Terra e maior deserto quente. A definição de clima de Hann é tradicionalmente expressa no sequenciamento das con- dições de tempo, em termos de observação da tempera- tura, chuva, umidade do ar, visibilidade etc. O período mínimo de observação é de 30 anos, sendo admitido pela OMM e comumente denomi- nado normal climatológica. As normais climatológicas para todo o território nacional podem ser acessadas no site do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), que é a instituição federal responsável por prover informações meteorológicas por meio de monitoramento, análise e previsão do tempo e do clima. No portal são apresentados dois conjuntos de dados – 1961-1990 e 1981-2010. Acesse o site e descubra quais são os valo- res médios da sua região. Disponível em: https://portal.inmet. gov.br/normais. Acesso em: 29 abr. 2021. Saiba mais O regime climático é um conceito-chave da climatologia estática e que serve para caracterizar inicialmente os climas par- tindo da variação anual dos elementos. Habitualmente, o regime é apresentado de modo gráfico, sendo con- vencionalmente represen- tado pela variação anual, como por termogramas (representação gráfica de temperaturas máxi- mas, médias e mínimas mensais); pluviogramas (representação gráfica da média dos totais mensais de chuva); e climogramas (representação gráfica das temperaturas médias mensais e da precipitação média mensal conjun- tamente). Para além da representação gráfica, a análise estatística também valoriza a descrição dos valores médios, máximos, mínimos, entre outras medidas de descrição estatística. Importante https://portal.inmet.gov.br/normais https://portal.inmet.gov.br/normais Introdução à climatologia 19 Partindo dessas críticas, Sorre (1943) elaborou o conceito de clima que está di- retamente relacionado com a vertente da climatologia dinâmica, que Pédèlaborde (1970) intitulou de climatologia sintética das massas de ar e dos tipos de tempo, essencial para definir e caracterizar o clima de um lugar. É importante considerar que essa abordagem foi desenvolvida em outro contexto técnico-científico, sobre- tudo porque as ciências da natureza já apresentavam incorporações das teorias do movimento (gravidade e termodinâmica). Sorre (1943) conceituou o clima como sendo a sucessão habitual dos tipos de tempo sobre um determinado lugar. Essas interpretações já estavam sendo con- templadas na meteorologia sinótica pelos estudiosos da Escola Escandinava de Meteorologia Sinótica, que ofereciam à sociedade a inclusão da dinâmica do ar atmosférico pelos conceitos de massas de ar, frentes, ciclones e anticiclones, bem como a organização dos movimentos atmosféricos por modelos de circulação geral. Nessa abordagem a dinamicidade do clima está presente nos princípios de va- riação, duração, intensidade e frequência, que pressupõem a existência de ritmos, sendo fundamentais para uma interpretação do tempo (uma parte do fluxo, uma fração do clima, um momento no movimento dinâmico da atmosfera) e do clima como totalidade espaçotemporal (MONTEIRO, 1971b). Como você deve ter percebido, a transposição do paradigma estático para o paradigma dinâmico ofereceu à climatologia um reordenamento quase que total dos seus conceitos. Para além da ideia de clima baseado na abstração matemáti- ca, a sucessão habitual demonstrava não só a dinâmica apresentada pelo ritmo de entrada da energia solar na atmosfera, na superfície terrestre e nas atividades humanas, mas também outra maneira de compreender o ambiente atmosférico (SANT’ANNA NETO, 2001; MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). De outro modo, as condições de adaptação do clima no deserto do Saara mos- tram fundamentalmente a marca cultural de uma sociedade que convive com seus climas e fez da adversidade um obstáculo momentâneo. Em geografia, chamamos de ajuste espacial essa habilidade das sociedades humanas de extrair dos sistemas naturais aquilo que é suficiente para incrementar suas formas de reprodução so- cial (SANTOS, 2008). Esse jogo complexo de ajustes espaciais e adaptação climática foi mais relevante quando a introdução dos satélites orbitais e as técnicas computacionais ajudaram a conceber o clima como um sistema, chamado de sistema climático. O tempo, por outro lado, seria a condição empírica, experimentada e percebida da atmosfera. Essa maneira de compreender colaborou para a construção do discurso e das práticas da geografia, bem como das demais ciências atmosféricas, e estas dirigi- ram seu olhar para a análise do sistema climático, que integra e articula os fatores bióticos e abióticos passíveis de serem compreendidos tanto por correspondências quanto pela articulação com o sistema terrestre como um todo. Assim, o conceito de sucessão habitual sugeriu a integração entre os elementos que compõem a atmosfera dinâmica, altamente mutável a qualquer alteração no sistema climático. E, dependendo das combinações, as sensações para os seres vivos podem ser muito diferentes. Ao considerar esse caráter, a análise climáti- Como você descreveria a sucessão dos tipos de tempo da sua cidade, co- munidade e região? Você pode encontrar a resposta para essa pergunta em sites, pesquisando a tipologia climática. Seguem algumas dicas: • Weather Spark - O clima típico de qualquer lugar da Terra é um portal que apresenta análises com gráficos de regimes climáticos para qualquer lugar do planeta. Inclui também possibilidades de comparação do clima entre lugares diferentes. Disponível em: https:// pt.weatherspark.com/. Acesso em: 29 abr. 2021. • CLIMATE-DATA.ORG. – Dados climáticos para cidades mundiais é um portal que apresenta análises com gráficos de regime climático, tipolo- gia e previsão do tempo instantânea. Disponível em: https://pt.climate- data.org/. Acesso em: 29 abr. 2021. Dica Vilhelm Bjerknes e Carl-Gustaf Rossbysão os principais estudiosos da Escola Escandinava de Meteorologia Sinótica. Preo- cupados com a acurácia dos sistemas de previsão meteo- rológica – grande parte ba- seada nas cartas de pressão em superfície (também cha- madas de cartas sinóticas ou de isóbaras) – e da interação do ar atmosférico em altos e baixos níveis da troposfera, esses estudiosos fundamen- talmente contribuíram com a estruturação e são, também, os precursores da aborda- gem da climatologia dinâ- mica. Nessa concepção, o clima de um lugar não pode ser caracterizado somente por valores médios, mas, sobretudo, pelo conjunto de fluxos (locais e remotos) que resultam da atuação de sistemas atmosféricos e definem a sucessão habitual dos tipos de tempo. Saiba mais https://pt.weatherspark.com/ https://pt.weatherspark.com/ https://pt.climate-data.org/ https://pt.climate-data.org/ 20 Climatologia ca foi organizada em dimensões escalares (global, zonal, regional, local e micro), contemplando a participação de eventos excepcionais ou extremos como parte da dinâmica natural do clima dos lugares. O clima, de acordo com essa lógica, é o fenômeno formado na interação de processos naturais e antrópicos, além de incorporar as irregularidades da variabi- lidade sazonal e de eventos que formam a paisagem e afetam os sistemas sociais, produtivos e humanos. Essa concepção foi fundamental para destacar a gênese dos processos climáticos que se manifestam na superfície terrestre, seja na forma de impactos, seja como variações ao longo da história natural. Dessa forma, o sistema climático pode ser interpretado por meio da ocorrência dos eventos e episódios concretos, que, para além das condições médias e habi- tuais, são os processos que se constituem como os principais insumos, por ex- celência, das transformações ecológicas e históricas da paisagem, bem como das calamidades que causam alterações para o ambiente e para os sistemas sociais, produtivos e humanos (SANT’ANNA NETO, 2008). 1.4 Clima e sociedade Vídeo Você deve estar convencido de que, ao longo do desenvolvimento histórico, o clima sempre esteve presente na organização dos saberes e das sociedades. De fato, as mudanças nas noções sobre esse aspecto foram provocadas por cada nova transformação tecnológica e avanço no conhecimento. Do mesmo modo, nenhuma dessas mudanças ficou de fora das transformações que se processavam nos con- textos políticos, sociais, culturais e produtivos. A partir disso, a abordagem geográfica incorporou a interpretação dos seus im- pactos do clima, assumindo papel de condicionante ambiental e insumo econômi- co. Agora o clima não pode mais ser concebido exclusivamente como dádiva divina, fruto do acaso, fator aleatório ou acidental, fenômeno físico ou sistema climático – tudo isso fará parte do processo da produção do espaço. Desse modo, são os contextos social, político e cultural das sociedades que de- vem produzir, desenvolver e orientar determinadas ideias, que caracterizam uma concepção ou tendência mais geral do que o tempo e o fenômeno climático. No processo, não somente a gênese e a configuração espacial do clima são interes- santes, mas também as múltiplas concepções de clima que orientam e revelam a ordem espacial das relações entre sociedade e natureza. Em outras palavras, toda sociedade constrói um determinado conceito de cli- ma. Sob o modo de produção capitalista, por exemplo, o clima se territorializa por diferentes formas de uso e ocupação da superfície terrestre e por lógicas incompa- tíveis com o bem-estar de grande parte das pessoas. Assim, o fenômeno climático se manifesta espacialmente de maneira desigual, gerando problemas também de origens desiguais. Introdução à climatologia 21 Por isso, a incorporação da dimensão socioespacial na interpretação do clima na produção do espaço deve compreender que a repercussão dos fenômenos atmosféricos na superfície terrestre se dá em um território, transformado e produ- zido pela sociedade, e apropriado segundo os interesses, as intencionalidades e as capacidades dos agentes sociais (SANT’ANNA NETO, 2001). Recomendamos a leitura do artigo Da climatologia geográfica à geografia do clima gênese, para- digmas e aplicações do clima como fenômeno geográfico, de João Lima Sant’Anna Neto, publica- do na Revista da Anpege em 2008, para você se aprofundar nas questões contemporâneas e que estão diretamente associadas às formas com que relacionamos com o clima atualmente. Acesso em: 29 abr. 2021. https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/view/6599/3599 Artigo Essa perspectiva de análise foi denominada por Sant’Anna Neto (2001) como Geografia do Clima. Observe que essa noção qualifica uma abordagem geográ- fica orientada para explicação dos processos formadores do planeta (com con- junção com estrutura geológica, relevo, solo, água, fauna e flora no escopo da paleoclimatologia), como também da problemática ambiental, do aquecimento global, dos desastres naturais e das alterações antrópicas no escopo de um mundo em globalização. Além disso, é interessante avaliar a essência geográfica do fenômeno climático, já que ele sugere a inseparabilidade de conexões e da sua origem dentro e fora da geografia. Ou seja, se inicialmente os serem humanos eram os instrumentos na- turais de medida, uma vez que só os sentidos podem oferecer percepção e obser- vação concreta das variações atmosféricas, atualmente, em um estágio bem mais avançado do desenvolvimento técnico-científico, quando se adquire uma ideia mais lógica das relações e interações climáticas, os seres humanos ainda conti- nuam como parâmetro principal e final de estudo Por esses aspectos, a relação entre clima e sociedade, com base na climatolo- gia geográfica, sugere pelo menos duas abordagens complementares. A primeira é que o clima desempenha um importante papel como condicionante ambiental, principalmente quando ele é entendido como: gerador de impactos e se qualifica na ocorrência de desastres, influencia a saúde ambiental, o desempenho humano e as perdas e os prejuízos econômicos; modificante e estruturante da paisagem natural, quando é a variável de primeiro tratamento para explicar as diversas varia- ções (pretéritas e atuais) e os níveis de intervenção humana em termos de degra- dação ambiental, alteração climática, entre outros. A segunda vê o clima como insumo econômico ao processo produtivo, quando ele é incorporado na cadeia produtiva (da mecanização, das sementes, da prepa- ração do solo, dos funcionários etc.) por meio dos custos econômicos e financeiros que oferece a cada manifestação (CURRY, 1952). O princípio é que o resultado do https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/view/6599/3599 22 Climatologia impacto é relativo à capacidade de elaborar planos de ação e de adaptabilidade frente à dinâmica climática, uma concepção que não dissocia os padrões climáticos das consequências humanas e das decisões políticas. O que queremos afirmar é que, para o estudo geográfico do clima, devemos sempre partir da indissociabilidade sociedade-natureza na produção do espaço. Dizendo de outra maneira, o clima como fenômeno geográfico pode ser operado para explicar a organização das paisagens naturais (representada pela espacialida- de dos domínios naturais e que incorpora uma abordagem sistêmica quando se as- sume o caráter condicionante ambiental); e, ao mesmo tempo, revela os processos de constituição dos territórios, com base na identificação das lógicas da produção da riqueza e da apropriação da natureza (Figura 5). Na relação clima-produção do espaço, as interpretações correspondem às pos- sibilidades técnico-científicas de representação da dinâmica natural como algumas das formas mais adequadas à profissão de geógrafo, ou seja, no conjunto das sé- ries históricas de dados, podemos também desenvolver estudos com recursos que auxiliam a análise climática, como mapas, geotecnologias, técnicas estatísticas, sen- soriamento remoto e geoprocessamento. Alémdisso, há interpretações e formas com que podemos utilizar e construir o fenômeno climático segundo determinadas práticas espaciais. Por exemplo, quando desenvolvemos políticas e planos de recuperação ambiental, exploração de recursos naturais, zoneamento climático para produção agrícola, calendário de atividades turísticas, mitigação das mudanças climáticas, gestão dos riscos natu- rais, entre outros, estamos de fato utilizando o clima para desenvolver o território. Figura 5 O clima como fenômeno geográfico Condicionante ambiental Concepção: Natureza físico-natural Explicação: Leis gerais do movimento Abordagem: Sistêmica – dinâmica e funcionamento Representação: Gênese e formação dos domínios naturais Interpretações associadas ao desenvolvimento e à sofisticação técnico-científica Insumo econômico Concepção: Natureza híbrida (complexa) Explicação: Transformações epistemológicas Abordagem: Crítica – construção social Representação: Estruturação e apropriação da natureza Interpretações associadas às práticas espaciais e das lógicas da produção da riqueza Produção do espaço geográfico Organização das paisagens naturais Constituição dos territórios Fonte: Elaborada pelo autor. Assim, na climatologia geográfica é importante incorporar a dimensão socioes- pacial do fenômeno climático, na qual ele deve ser sistematicamente conhecido e definido segundo suas manifestações socioespaciais, sendo negativas ou positi- vas. Ou seja, desde que previamente estabelecidos, representados e conhecidos, o clima e suas variações e manifestações poderão ser suportáveis, o que oferece possibilidades de qualificar os processos de mitigação e adaptação. Mas como isso pode ser apresentado de maneira prática? Vejamos a situação do clima no Brasil. Na qualidade de condicionante ambiental, o clima é apresen- tado em grande parte do país como tropical, por isso ele oferece naturalmente, e a partir da sazonalidade, pelo menos duas estações: uma chuvosa e outra seca ou menos chuvosa. A primeira é também predominantemente mais quente que a segunda e, em razão disso, muitas dinâmicas dos sistemas naturais ocorrem e são desenvolvidas com base nessa organização – por exemplo, o fluxo sazonal dos rios (enchente e vazante) e de reprodução plantas e animais. O conhecimento da dinâmica climática tropical é utilizado também para desen- volver uma série de práticas espaciais, como as atividades turísticas e de lazer, que na estação chuvosa ocorrem concentrando atividades na zona costeira ou próximo a rios, cachoeiras, resorts, clubes etc. Podemos destacar, ainda, as atividades agrí- colas, como é o caso do cerrado brasileiro, que, devido ao desenvolvimento de uma agricultura altamente tecnológica e adaptada, tem transformado a paisagem natu- ral no maior território produtor de commodities 3 e também em um dos ambientes mais degradados do país. Observe que nesses dois exemplos destacamos o clima como um dos fatores de produção do espaço, mas, para que esse processo aconteça, é preciso ainda muito conhecimento sobre a dinâmica (condicionante ambiental), algo que não se dá sem o avanço técnico-científico, e também sobre sua participação nas políticas de desenvolvimento regional e territorial (insumo econômico). É possível considerar que as múltiplas concepções foram definidas com base nos interesses de cada sociedade em escolher seus parâmetros e conceitos de tempo e clima. Para isso, basta rever que todas as sociedades, povos e nações representaram e representam o clima com muitas e diferentes faces, grande parte destas estabelecidas por concepções próprias de espaço. Mercadorias produzidas em larga escala e que são comercializadas no mer- cado internacional (bolsa de valores). O Brasil é um dos principais produtores de commodities do mundo, sobretudo no que tange à produção de soja, milho, laranja, petróleo, minério de ferro, entre outros. 3 Pe dr o Bi on di /A Br /W ik im ed ia C om m on s Introdução à climatologiaIntrodução à climatologia 2323 Área de plantio no noroeste do Mato Grosso, próximo à região do Parque Indígena do Xingu. Assim, na climatologia geográfica é importante incorporar a dimensão socioes- pacial do fenômeno climático, na qual ele deve ser sistematicamente conhecido e definido segundo suas manifestações socioespaciais, sendo negativas ou positi- vas. Ou seja, desde que previamente estabelecidos, representados e conhecidos, o clima e suas variações e manifestações poderão ser suportáveis, o que oferece possibilidades de qualificar os processos de mitigação e adaptação. Mas como isso pode ser apresentado de maneira prática? Vejamos a situação do clima no Brasil. Na qualidade de condicionante ambiental, o clima é apresen- tado em grande parte do país como tropical, por isso ele oferece naturalmente, e a partir da sazonalidade, pelo menos duas estações: uma chuvosa e outra seca ou menos chuvosa. A primeira é também predominantemente mais quente que a segunda e, em razão disso, muitas dinâmicas dos sistemas naturais ocorrem e são desenvolvidas com base nessa organização – por exemplo, o fluxo sazonal dos rios (enchente e vazante) e de reprodução plantas e animais. O conhecimento da dinâmica climática tropical é utilizado também para desen- volver uma série de práticas espaciais, como as atividades turísticas e de lazer, que na estação chuvosa ocorrem concentrando atividades na zona costeira ou próximo a rios, cachoeiras, resorts, clubes etc. Podemos destacar, ainda, as atividades agrí- colas, como é o caso do cerrado brasileiro, que, devido ao desenvolvimento de uma agricultura altamente tecnológica e adaptada, tem transformado a paisagem natu- ral no maior território produtor de commodities 3 e também em um dos ambientes mais degradados do país. Observe que nesses dois exemplos destacamos o clima como um dos fatores de produção do espaço, mas, para que esse processo aconteça, é preciso ainda muito conhecimento sobre a dinâmica (condicionante ambiental), algo que não se dá sem o avanço técnico-científico, e também sobre sua participação nas políticas de desenvolvimento regional e territorial (insumo econômico). É possível considerar que as múltiplas concepções foram definidas com base nos interesses de cada sociedade em escolher seus parâmetros e conceitos de tempo e clima. Para isso, basta rever que todas as sociedades, povos e nações representaram e representam o clima com muitas e diferentes faces, grande parte destas estabelecidas por concepções próprias de espaço. Mercadorias produzidas em larga escala e que são comercializadas no mer- cado internacional (bolsa de valores). O Brasil é um dos principais produtores de commodities do mundo, sobretudo no que tange à produção de soja, milho, laranja, petróleo, minério de ferro, entre outros. 3 Pe dr o Bi on di /A Br /W ik im ed ia C om m on s Introdução à climatologiaIntrodução à climatologia 2323 Área de plantio no noroeste do Mato Grosso, próximo à região do Parque Indígena do Xingu. 24 Climatologia CONSIDERAÇÕES FINAIS Inicialmente apresentamos que as bases mitológicas e o instrumental foram funda- mentalmente os antecedentes dos saberes climáticos. Da mesma forma, destacamos a elaboração das primeiras noções de tempo e clima, da dimensão espaço-temporal e da racionalidade científica, que promoveu a instituição da climatologia moderna. O es- tudo do clima incorpora, mais recentemente, uma multiplicidade de concepções, por isso distintos campos do saber são organizados para dar ênfase em seus interesses, definindo suas particularidades. Podemos considerar, assim, que o estudo do clima sempre muda quando o conhe- cimento sobre a dinâmica natural se modifica, e esses avanços sempre são incorpo- rados de transformações nas formas de observação, sobretudo a cada novo contexto técnico-científico. Nesse sentido, o estudo geográfico do clima não limita o fenômeno climático a ser físico e natural, uma vez que ele é também uma construçãosocial, ou seja, um conjun- to de processos e práticas espaciais. Essa análise pode ser elaborada desenvolvendo estudos que orientem as questões evolvendo a constituição de paisagem (clima como condicionante ambiental) e/ou a definição de territórios (insumo econômico). Separa- das ou combinadas, as duas formas de análise são bastante adequadas ao trabalho do geógrafo. ATIVIDADES 1. Quais são os atributos fundamentais de constituição do clima? 2. O que diferencia as abordagens da climatologia estática e tradicional? 3. Com quais critérios podemos desenvolver uma análise geográfica do clima? REFERÊNCIAS CONTI, J. B. Geografia e climatologia. Revista GEOUSP, São Paulo, n. 9, p. 91-95, 2001. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/123516/119794. Acesso em: 29 abr. 2021. CURRY, L. Climate and economic life: a new approach with examples from the United States. Geographical Review, v. 42, n. 3, p. 367-383, 1952. MONTEIRO, C. A. de F. Análise rítmica em climatologia: problemas da atualidade climática em São Paulo e achegas para um programa de trabalho. Climatologia, São Paulo, n. 1, p. 1-21, 1971a. MONTEIRO, C. A. de. F. Análise rítmica em climatologia. São Paulo: USP/Igeog, 1971b. MENDONÇA, F.; DANNI-OLIVEIRA, I. M. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina de textos, 2007. PÉDÈLABORDE, P. Introduction a I´étude scientifique du clima. Paris: Sedes, 1970. SANT’ANNA NETO, J. L. Por uma geografia do clima: antecedentes históricos, paradigmas contemporâneos e uma nova razão para um novo conhecimento. Terra Livre, São Paulo, n. 20, 2001. SANT’ANNA NETO, J. L. Da climatologia geográfica à geografia do clima gênese, paradigmas e aplicações do clima como fenômeno geográfico. Revista da Anpege, v. 4, n. 4, p. 51-72, 2008. Disponível em: https:// ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/view/6599/3599. Acesso em: 29 abr. 2021. SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2008. SORRE, M. Les fondements biologiques de la géographie humaine. Paris: Colin, 1943. Vídeo https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/123516/119794 https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/view/6599/3599 https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/anpege/article/view/6599/3599 Escalas do clima 25 2 Escalas do clima Com o estudo deste capítulo você será capaz de: • Compreender a importância das escalas espaciais e temporais e suas implicações na análise geográfica do clima. • Distinguir as escalas locais, regionais e globais, por meio dos concei- tos de ritmo climático, variabilidade climática e mudanças climáticas. Objetivos de aprendizagem Seja bem-vindo ao segundo capítulo do estudo de climatologia. Dessa vez discutiremos outros elementos para a construção da perspectiva analí- tica dos estudos geográficos do clima, que é inicialmente operada com base nas escalas do clima. Entenderemos as escalas do clima como processos espaçotemporais, os quais integram não somente a área e a frequência para as representações gráfi- ca e cartográfica do fenômeno climático, mas fundamentalmente a definição de sua espacialidade, organização e estruturação com base na realidade concreta. Discorreremos sobre como os atributos naturais e sociais são articulados em processos temporais e espaciais e sugerem, no conjunto do estudo geo- gráfico do clima, a potencialidade de explicar, caracterizar e interpretar as con- figurações do clima nos lugares. Desse modo, nosso objetivo é que você possa compreender a importância das escalas espaciais e temporais e suas implica- ções para os estudos geográficos do clima. Para isso, distinguiremos as escalas locais, regionais e globais por meio dos conceitos de ritmo, variabilidade e mudanças, fundamentos analíticos para aten- dermos os processos de particularização, organização e generalização do clima. 2.1 Escalas espaciais e temporais Vídeo Para uma interpretação analítica da diversidade climática, as escalas do clima apresentam-se como recurso fundamental para o enquadramento dos fluxos atmosféricos nos lugares, sejam eles utilizados para a sistematização dos controles que condicionam ambientalmente a formação das paisagens naturais, sejam como conhecimento inicial para territorialização – quando é utilizada e apropriada como insumo econômico do processo produtivo. 26 Climatologia Com o auxílio das escalas, é possível revelarmos sistematicamente a definição do fluxo atmosférico com base em sua duração, abrangência, domínio, padrão, intensidade, frequência, variação e ritmo, oferecendo, assim, uma maneira lógica para entendermos a dinâmica, os movimentos, o funcionamento e a manifestação em impactos concretos. Nessa perspectiva, a qualidade, a consistência e a confiabilidade da análise cli- mática dependerão, basicamente, de como as escalas climáticas são operacionali- zadas e integradas à abordagem espaçotemporal coerente, a qual envolve: Um conjunto metodológico rigoroso de técnicas de análise quantitativas e qualitativas. Um sistema apropriado de instrumentos tecnológicos e adequados aos tipos de dados e informações. Um processo criterioso para validação dos resultados associado a uma representação gráfica e cartográfica significativa. Para contemplar esse caráter do uso das escalas do clima, Monteiro (1999) apre- senta uma organização hierárquica e taxonômica das escalas do clima (Quadro 1), articulando os níveis de influência superiores (na faixa dos milhões de km² de abrangência espacial), passando pelas dimensões intermediárias (da ordem de centenas ou milhares de km²), chegando às escalas inferiores (a dezenas de km²) na dimensão dos climas locais, dos topoclimas (climas organizados pelo relevo) e dos microclimas (climas muito específicos relativos a qualquer fluxo turbulento ou unidade muito particular). Ordens de grandeza Unidades de espaço Unidades de tempo Escalas cartográficas Espaços climáticos Zonal Milhões de km² Uma semana a seis meses 1:45.000.000 1:10.000.000 Zonal Regional Milhares de km² Centenas de km² Um dia a um mês 1:5.000.000 1:2.000.000 1:1.000.000 1:500.000 Regional Sub-regional Local Dezenas de km² Centenas de m² 12 horas a uma semana 1:250.000 1:100.000 1:50.000 1:25.000 Local Mesoescala Topoclima Dezenas de m² Variações diurnas (24 horas) 1:10.000 1:5.000 Topoclima Microclima Alguns m² Horas, minutos e segundos 1:2.000 1:1.000 Microclima Quadro 1 Ordem de grandeza e níveis taxonômicos das escalas do clima (Continua) Escalas do clima 27 Espaços rurais Espaços urbanos Estratégias de abordagens Meios de observação Fatores de organização Técnicas de análise Grandes zonas climáticas Satélites e reanálise Latitude e centros de pressão Caracterização comparativa Biomas e domínios morfoclimáticos Megalópole Região metropolitana Cartas sinóticas, sondagens aerológicas, rede de superfície (30 anos) Sistema meteorológico e circulação atmosférica Fatores geográficos regionais Redes de superfície e transectos Grande propriedade Pequena e média propriedade e parcela rural Metrópole Cidade ou periferia de metrópole Posto meteorológico Registros móveis (episódios) Paisagem natural e atividades humanas Forma e estrutura da superfície Mapeamento sistemático, análise espacial, rede de abrigos meteorológicos, e transectos móveis Desnível em relação ao plano e rugosidade do terreno Diferenças altimétricas Planta e espécie vegetal Quarteirão, edificações, material construtivo etc. Instrumentos de captação do turbilhamento Habitação, condições de contorno, planta etc. Fonte: Monteiro, 1999. Observamos que para ordem de grandeza – zonal, regional, local, topoclima e mi- croclima – Monteiro (1999) oferece unidades de espaço e de tempo específicas, as quais podem ser tanto representadas pela escala cartográfica quanto por processos espaciais, sobretudo quando atendem à dinâmica dos espaços rurais e urbanos. Além disso, precisamos destacara preocupação do autor com a qualificação das estratégias de abordagem, em que os parâmetros de análise e os instrumentos de observação são decisivos para o desenvolvimento do estudo do clima por meio das escalas. Nessa hierarquia escalar, a possibilidade de estabelecer conexões com as esca- las superiores (zonal) pode ser designada com um nível de gradualismo, que se dá por meio dos desdobramentos dos impactos dos fluxos atmosféricos e meteoroló- gicos em todas as variáveis climáticas observadas nas escalas inferiores (regional e sub-regional), bem como sua identificação e particularização no conjunto dos cli- mas locais – mesoclima, topoclima e microclima (SANT’ANNA NETO, 2013). Outra característica importante é que na lógica hierárquica e gradual quanto mais inferior se torna a escala, maior será a exigência de tratamento integrado e articulado com os conhecimentos produzidos por outros campos do saber, para além da climatologia. Por exemplo, no clima local, que ocorre em espaços urbanos, o debate entre cli- matologia, geografia, arquitetura e engenharias é tão importante quanto a articula- ção entre agronomia e biologia nos espaços rurais. O mesmo nível de diálogo deve acontecer quando são integrados os impactos do clima na saúde e no conforto humano, que atendem também um rico diálogo com a medicina, a saúde pública, a epidemiologia, a educação física etc. É importante sempre considerarmos que os processos físico-naturais e os de origem socioeconômica interferem nas suas características e/ou as determinam e 28 Climatologia é por meio delas que o clima se articula ao espaço geográfico (SANT’ANNA NETO, 2013). Nesse caso, as escalas do clima não devem ser entendidas como a tradi- cional escala cartográfica 1 , isto é, apenas com base nas dimensões espaciais ou temporais nas quais os elementos climáticos se manifestam. De outro modo, as escalas climáticas devem ser compreendidas como processos dinâmicos dotados de atributos altamente sensíveis aos ritmos, às variações e às alterações de todas as forças terrestres, atmosféricas e cósmicas que de alguma forma exercem ou provocam qualquer tipo de interferência no sistema climático. Incluem-se também as interferências de origem antrópica e socioespacial com valor importante na dinâmica integrada do sistema climático (SANT’ANNA NETO, 2013). Estudiosos das alterações climáticas globais contemporâneas têm debatido que os processos climáticos de larga escala podem afetar os climas regionais e locais não somente em um sentido hierárquico e gradual, mas também com formas va- riadas e contraditórias, modificando, inclusive, os padrões originais e preexistentes. Em outras palavras, o desenvolvimento de dado processo climático (uma chuva, uma seca, um vento, um tornado) pode ser desencadeado nas escalas superiores e manifestar-se de maneira oposta em diferentes regiões remotas do planeta. A mudança, a variabilidade e o ritmo são os três conceitos analíticos que mais devem servir para a compreensão desses processos e que auxiliam em suas determinações espaçotemporais, ora dotando-os de estabilidade e constância, ora manifestando-se como perturbações e instabilidades que modificam os pa- drões habituais e provocam alterações em variadas intensidades e magnitudes. Nessa perspectiva, o encontro da duração, velocidade e extensão com que os processos climáticos se manifestam está associado à produção do espaço geográ- fico. Assim, nesse processo, é mais relevante integrar o tempo longo ao tempo cur- to, como unidades fundamentais, para explicitar os níveis de articulação, sincronia e diacronia das relações entre sociedade e natureza, clima e espaço (SANT’ANNA NETO, 2013). O esquema apresentado na Figura 1 resume essa perspectiva e repre- senta a articulação desses processos. Figura 1 Processos espaçotemporais das escalas geográficas do clima Tempo curto (histórico) Tempo longo (geológico) Mudança Variabilidade Ritmo Fonte: Elaborada pelo autor com base em Sant’Anna Neto, 2013. A escala cartográfica (gráfi- ca ou numérica) é utilizada fundamentalmente para reproduzir de maneira pro- porcional determinada área de um mapa. Trata-se, por- tanto, de um valor arbitrá- rio de referência espacial, que depende da finalidade do produto e do propósito de sua representação. 1 A perspectiva de Sant’Anna Neto (2013) nos orienta a compreender as escalas do clima para além do caráter hierárquico e do gradual, os quais sugerem defini- ções absolutas com limites precisos. Nessa perspecti- va, a forma mais adequada de tratar do fenômeno cli- mático é em sua totalidade espaçotemporal, uma vez que ele se apresenta muito mais como resposta final do conjunto de forçan- tes, movimentos e fluxos diversos, que atuam no decorrer do tempo (geoló- gico e/ou histórico), do que necessariamente como um evento isolado, sob determinada área ou com relação a determinados sistemas atmosféricos. Importante Escalas do clima 29 Enquanto o tempo longo é definido pela escala geológica de processos que duram milhares ou milhões de anos, modificando os climas do planeta (global), ora mais quentes, ora mais frios, alternadamente mais secos ou mais úmidos, o tempo curto relaciona-se diretamente ao tempo histórico, ou seja, as variações do clima estão associadas à presença do homem e da sociedade como agentes de transformação das paisagens e modificadores dos ambientes (regional e local) ou como grupo social que percebe e sofre as suas variações (SANT’ANNA NETO, 2013). O tempo logo é explicado por movimentos astronômicos da órbita da Terra, pelas manchas solares, pela intensa atividade vulcânica de determinados períodos geológicos ou mesmo pela tectônica de placas. Já no tempo histórico essas forças deixam de influenciar exclusivamente os climas terrestres, tornando-os muito mais complexos e de difícil determinação (SANT’ANNA NETO, 2013). Em todas essas movimentações, o fenômeno climático remete a princípios dis- tintos de análise (Quadro 2). Por exemplo, o encontro de processos adequados às escalas globais e de mudança é mais bem interpretado por análises mais generali- zantes, que valorizam o fundamento da gênese natural do clima. Quadro 2 Escalas geográficas do clima Escala espacial Escala temporal Gênese Processos Generalização Global Mudança Natural Movimentos astro- nômicos, glaciações, vulcanismo, tectônica de placas Organização Regional Variabilidade Natural e antrópica Sazonalidade, padrões e ciclos naturais, mudanças da paisa- gem (desmatamento, poluição) Especialização Local Ritmo Antrópica Uso da terra, expan- são territorial urbana, cotidiano Fonte: Sant’Anna Neto, 2013. Assumimos também atributos regionais e da variabilidade como necessários quando os processos climáticos integram seu caráter híbrido, isto é, da mistura, in- teração e combinação de processos com gêneses naturais e antrópicas, que podem ser identificados como níveis de organização espaçotemporal. Para além da organização e generalização, variações climáticas muito par- ticulares e até singulares favorecem a especialização climática, uma vez que absorvem com maior significância a influência antrópica, da fauna, da flora, de organismo vivos e de objetos naturais e artificiais mais adequados às escalas locais e do ritmo climático. 30 Climatologia É importante observarmos que esses processos são essencialmente temporais, manifestando-se em todas as escalas espaciais. Entretanto, alterações espaciais em escalas inferiores (locais e regionais) podem resultar em modificações na cir- culação da atmosfera capazes de afetar todo o planeta (SANT’ANNA NETO, 2013). É imprescindível nos orientarmos por definições que contemplem respostas à seguinte indagação: quais espaçotemporalidades são exigidas para interpretar, ex- plicar e analisar o fenômeno climático de interesse? Em outras palavras, essa ques- tão remete necessariamente à identificação de como os mecanismos climáticos evidenciam essencialmente suas movimentaçõese manifestações em seu quadro espaçotemporal. A Figura 2 a seguir sintetiza uma parte desses atributos, sobre- tudo a identificação dos diversos processos climáticos e sua relação com os ciclos observados na Terra. Figura 2 Processos climáticos de ciclos da Terra ---------------------- MUDANÇA ------------------------------------------------------ VARIABILIDADE --------------------------- RITMO ----- 20 0 a 40 0 M a* 30 a 6 0 M a (im pa ct o de as te ro id es ) 10 0 a 40 0 M a Ex ce nt ric id ad e da ó rb ita Impacto de grandes asteroides Ciclos vulcânicos e tectonismo Ciclos solares e lunares Oscilações de baixa frequência Teleconexões climáticas Sistemas atmosféricos 40 M a O bl iq ui da de e cl íp tic a 22 M a Pr ec es sã o do s eq ui nó ci os 1, 5 M a Ev en to s de D an sg aa rd -O es ch ge r 10 0 a 40 0 an os Ci cl os d e G le is sb er g, S ue ss 50 a 9 0 an os O M A 25 a 3 5 an os N AO 10 a 2 0 an os O D P 5 a 7 an os En os 2 a 2, 5 an os Q BO 6 m es es Ci cl os s az on ai s 30 a 6 0 di as O M J 3 a 7 di as C ic lo s si nó pt ic os 10 M a Ev en to s de H ei nr ic h Superciclos (galácticos e tectônicos) Ciclos orbitais (Milankovitch) Ciclos do Holoceno (solares, lunares, atmosféricos e oceânicos) Ciclos curtos (diários a interanuais) An o ga lá ct ic o – Ó rb ita d o Si st em a So la r a o re do r d o ce nt ro d a Vi a Lá ct ea O sc ila çã o ve rt ic al d o Si st em a So la r n o Pl an o G al ác tic o Ci cl os g eo ló gi co s Ci cl os m ile na re s Ci cl os s ec ul ar es Ci cl os m ul tid ec ad ai s Ci cl os d ec ad ai s Ci cl os in te ra nu ai s Ci cl os m en sa is Ci cl os s em an ai s Ci cl os d iá rio s Fonte: Elaborada pelo autor. Partindo dos princípios da velocidade, duração, intensidade, mobilidade, instabilidade, estabilidade e alternância de padrões climáticos, é possível reco- nhecermos os ciclos (as repetições e os retornos dos processos climáticos), as periodicidades (a organização de instabilidades e estabilidades em fases distin- tas) e principalmente a estruturação, os quais induzem a gênese e formação das paisagens e a constituição dos territórios. Para aprofundar esse debate, detalharemos cada um desses processos separa- damente, evidenciando suas formas de representação e seus meios instrumentais para a análise e diversidade de aplicações. *Ma: milhões de anos. Escalas do clima 31 2.2 Escalas locais – ritmo climático Vídeo Como inicialmente apresentado, na escala do ritmo, as interações dos processos climáticos apresentam velocidades muito variadas, por isso são muito complexas em termos de dinâmicas, ciclos e manifestações associados à articula- ção do tempo histórico. Trata-se de uma escala inferior, pois seus atributos permitem a identificação dos tipos de tempo associados ao cotidiano da sociedade e apresentam um nível de especialização muito ligado à produção dos espaços urbano e rural. A análise rítmica mostra-se nessa escala como o instrumento principal de enten- dimento do clima, já que associa a decomposição do tempo a nível cronológico como também o clima do cotidiano, o clima mais próximo do homem, em uma feição emi- nentemente geográfica (MONTEIRO, 1999). Essa técnica é representada pelo gráfico de análise rítmica, em que são ordenados todos os elementos do clima observados no conjunto dos tipos de tempo e dos sistemas atmosféricos (Figura 3). Figura 3 Exemplo de gráfico de análise rítmica Fonte: Borsato; Borsato, 2014. 32 Climatologia A estratégia de abordagem relaciona-se com uma perspectiva embricada das pers- pectivas dinâmica, sistêmica e dialética, em que a sucessão dos tipos de tempo tam- bém é construída por climas antropizados, ou seja, produzidos pelas interferências dos agentes sociais e econômicos e pelas incorporações tecnológica (medidas adap- tativas) e infraestrutural (material construtivo e densidade das edificações), as quais se efetivam em alterações dos padrões climáticos originais. Destacam-se nessa esca- la os estudos de clima urbano, das relações clima e planta e clima, saúde e qualidade ambiental e dos impactos de eventos e episódios extremos. Sem dúvida, os estudos dos climas urbanos são mais difundidos. Contemplam-se nesse escopo o estudo do clima das cidades, restrito à área urbana, admitida pelos seus diversos portes, tamanhos, estruturas e formas, articulado aos processos históricos de transformação do sítio urbano (ambiente original da área urbana) por meio da implantação de residências, arruamentos, edificações, equipamentos urbanos etc. A influência significativa dessa transformação deve resultar em um ambiente al- terado, que promove modificações primeiro no balanço enérgico e hídrico e depois em todos os elementos climáticos – temperatura, umidade, ventos, composição química da atmosfera etc. O estudo também deve envolver as interações com o material construtivo, a densidade construtiva, a distribuição de áreas verdes e a presença de corpos hídricos. Em função de todos esses processos, o clima urbano contempla ainda uma série de derivações associadas, que, em geral, deve se constituir em outros fenômenos de mesma complexidade, como as ilhas de calor (Figura 4) e de frescor, as inver- sões térmicas, a insalubridade do ar, a inércia térmica, o conforto bioclimático e as morbidades negativas à saúde humana. Figura 4 Representação do efeito das ilhas de calor urbanas em diferentes solos PERFIL DAS ILHAS DE CALOR URBANAS Área rural Temperatura ºC 33.3 32.8 32.2 31.7 31.1 30.6 30.0 29.4 Área periférica Área comercial Cento da cidade Área residencial Área verde Área periférica Al ex ch ris /W ik im ed ia C om m on s Já nos espaços rurais, a interpretação por meio da escala do ritmo é contextuali- zada segundo a seletividade e exigência de plantas e animais e a sua adaptabilidade Escalas do clima 33 natural ao regime pluviométrico, à variação da temperatura, ao fotoperíodo e à ra- diação solar. Basicamente, os tipos de tempo devem revelar os graus de interação e dependência, nos quais o clima é fator natural que condiciona o desenvolvimento da diversidade de práticas econômicas. O resultado é sem dúvida reconhecer a influência climática no rendimento e na produtividade. A explicação é conjuntiva, sistêmica e ecológica, uma vez que a produtivida- de final corresponde em grande parte à radiação solar (primeira fonte de ener- gia), à importância ecológica da temperatura do ar e do mar, à disponibilidade hídrica e ao regime de ventos. Em geral, são esses os atributos principais que acarretam as condições ambientais ideais para as atividades agrícolas, pecuá- rias, pesqueiras e silvícolas. Portanto, o progresso científico e a sofisticação tecnológica são muito relevan- tes para proporcionar segurança a essas atividades, possibilitando práticas com culturas adaptadas às distintas regiões edafoclimáticas 2 , mesmo que o sistema climático ofereça adversidades e excepcionalidades, como as condições naturais que estimulam a proliferação de pragas e a ocorrência de estresses hídricos (secas e estiagens) e térmicos (baixas ou altas temperaturas). Conceito que integra o con- junto sistêmico da relação solo, clima e vegetação. 2 2.3 Escalas regionais – variabilidade climática Vídeo A escala da variabilidade, que compreende os níveis de organização da escala regional, valoriza análises com níveis abrangentes e em constante combinação, po- dendo potencializar e minimizar mecanismos climáticos e combinar-se com eles, sendo tanto de ordem global quanto local. Por isso, esse domínio escalar é tradicio- nalmente chamado de intermediário, pois atende à complexidade eminentemente geográfica das interações entre sistemas naturais,sociais e produtivos. Ela apresenta elementos e atributos geográficos por excelência pela possibilidade de estabelecer conexões tanto com as escalas superiores (mudança), compreen- dendo como se desdobram os processos climáticos e como as transformações das paisagens impactam as variáveis climáticas, quanto com as escalas inferiores (ritmo), identificando sua particularização por meio dos climas locais (SANT’ANNA NETO, 2013). Mas o que isso quer dizer? A interpretação é que essas escalas orientam o encontro de unidades climáti- cas híbridas, uma vez que as atividades humanas podem definir graus importan- tes de alteração ou intervenção, assim como a definição de macrorregiões, como os domínios naturais da Floresta Amazônica, do Deserto do Saara e da Tundra Siberiana, e de microrregiões, associadas às zonas costeiras e aos complexos de ocorrências de serras, planaltos, depressões e planícies. A título de exemplificação, a Figura 5 representa esquematicamente o território sul-americano. Vemos que a disposição dos relevos oferece uma diversificação impor- tante em termos de paisagem e orientação dos fluxos atmosféricos, sobretudo quan- do estes penetram o continente e em trajetória habitual são organizados pelas calhas dos principais rios do continente – Rio da Prata no Sul e Rio Amazonas no Norte. 34 Climatologia A dinâmica atmosférica regional associa a cir- culação geral à circulação secundária dos sistemas atmosféricos e das áreas homogêneas de pressão atmosférica. Além disso, ela contempla a influência do relevo, da altitude, da maritimidade, da continentali- dade, dos domínios morfoclimáticos, do uso da terra e das transformações históricas da paisagem na orga- nização, estruturação e trajetória habitual dos fluxos atmosféricos na superfície. Isso significa afirmar que na escala da variabilidade não só os mecanismos físicos naturais do clima podem ser usados para determinar a dinâmica, mas também a forma com que a sociedade tem produzido seus territórios, que por sua vez implica interferências dire- tas nas interações entre atmosfera e superfície terres- tre, capazes de gerar modificações nas características dos padrões climáticos regionais. Figura 5 Fluxos atmosféricos da América do Sul Harvepino/Shutterstock Por exemplo, a instalação de monocultura agrícola em grandes espaços rurais, a expansão territorial das grandes cidades e áreas metropolitanas, os processos de desmatamento e a influência de ressurgências marinhas são fatores decisivos da influência dos regimes climáticos nas escalas regionais e da constância, estrutura e composição dos sistemas atmosféricos. Essa dimensão não assume, portanto, o enquadramento absoluto de determinadas áreas da superfície da Terra, mas sim como esses espaços estão submetidos aos fluxos atmosféricos pretéritos e recentes. Por isso, são valori- zadas análises que identifiquem os prazos para a compreensão das alterações climáticas com base nas variações sazonais e interanuais, por meio da ocorrên- cia e do retorno em termos de periodicidade, das ciclicidades e das excepciona- lidades (eventos e episódios e extremos). Além disso, nessa abordagem, grande parte das interpretações assume a in- fluência das oscilações climáticas de baixa e alta frequência e as teleconexões climáticas. Segundo Cavalcanti e Ambrizzi (2009), as teleconexões climáticas referem-se a um padrão recorrente e persistente de anomalias de certa variável, que pode persistir por várias semanas ou meses e, algumas vezes, tornar-se domi- nante por vários anos consecutivos. Com base na Figura 6 você consegue descrever os períodos e os prazos da tem- peratura média global? É possível identificar pelo menos três fases distintas: uma fria, que ocorre de 1880 a 1940; uma de transição, em que alternâncias de tem- peraturas positivas e negativas definem o período que vai de 1940 a 1980; e uma terceira, com aumento significativo, que se iniciou em 1980 e permanece até os dias atuais. Escalas do clima 35 Figura 6 Desvios da temperatura média global de 1880 a 2021 Fonte: Noaa, 2021. 1.40 ºC 1.20 ºC 0.80 ºC 0.40 ºC 0.00 ºC -0.40 ºC -0.80 ºC 1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2021 2.52 ºF 2.16 ºF 1.44 ºF 0.72 ºF 0.00 ºF -0.72 ºF -1.44 ºF Atualmente, são observados cerca de 11 padrões de teleconexões no Hemis- fério Norte e cinco no Hemisfério Sul. Cada um deles apresenta uma temporali- dade e espacialidade específica, mostrando a relevância de sistemas acoplados oceano-atmosfera e resumindo-se em oscilações – variações cíclicas definidas pela frequência no contexto das espaçotemporalidades. O avanço desses estudos tem proporcionado um conhecimento bastante avançado do sistema terrestre, sobre- tudo sobre os impactos da variabilidade e das mudanças climáticas. De modo geral, esses padrões explicam como as anomalias de determinada re- gião podem ser associadas às anomalias de regiões remotas, devido à característica de conexão a distância. Entre os fenômenos mais importantes podemos destacar o El Niño e o La Niña (Figura 7), que respectivamente mostram como o aquecimento e o resfriamento excepcional das águas superficiais do Oceano Pacífico equatorial modificam grande parte dos padrões de circulação geral da atmosfera e promovem impactos em todo o planeta. Figura 7 Anomalia da temperatura dos oceanos em novembro de 2007, sob a influência de um La Niña NA SA E ar th O bs er va to ry /W ik im ed ia C om m on s Durante o La Niña, as temperaturas da superfície do mar no Pacífico tropical oriental ficam abaixo da média e as temperaturas no Pacífico tropical ocidental ficam acima da média. Esse padrão é evidente nesta figura de anomalia da temperatura, que mostra a temperatura do milímetro superior da superfície do oceano em novembro de 2007, em comparação à média de longo prazo. Uma forte faixa de água fria (azul) aparece ao longo do Equador, perto da América do Sul, e condições quentes (laranja a vermelho) aparecem ao norte e ao sul dessa faixa azul. Os dados foram coletados pelo Advanced Microwave Scanning Radiometer (AMSR-E) voando no satélite Aqua da Nasa. A média de longo prazo é baseada em dados de uma série de sensores que voava nos satélites Pathfinder da Noaa de 1985 a 1997. Para saber mais dos padrões associados às teleconexões climáticas, suas formas de análise, escalas de ação e impactos, recomendamos a leitura do artigo Estudos de teleconexões atmosféricas e possibilidades de avanços na climatologia geográfica: conceitos, fontes de dados e técnicas, em que a autora discute com bastante didá- tica a importância desses fenômenos para os estudos geográficos do clima. LIMBERGER, L. Revista Brasileira de Climatologia, Curitiba, v. 19, p. 10 -19, jul./dez. 2016. Disponível em: https:// revistas.ufpr.br/revistaabclima/arti- cle/view/48870/29378. Acesso em: 10 maio 2021. Leitura https://revistas.ufpr.br/revistaabclima/article/view/48870/29378 https://revistas.ufpr.br/revistaabclima/article/view/48870/29378 https://revistas.ufpr.br/revistaabclima/article/view/48870/29378 36 Climatologia Distinguem-se as áreas em que a atmosfera mostra acoplamento com os ocea- nos, incluindo a influência das correntes oceânicas, da temperatura da superfície do mar, da estrutura vertical da atmosfera e da articulação de ventos em superfí- cies com baixos e altos níveis. Por esse caráter, partimos dessa escala para inferir que todos esses mecanismos podem agir conjuntamente, separadamente e alter- nadamente e que oferecem modificações importantes na intensidade e estrutura dos sistemas atmosféricos, dos tipos de tempo e do clima. Por isso, grande parte dos estudos da escala da variabilidade também contem- pla interpretações das modificações nas estruturas das paisagens e seus impactos no clima oriundos ou não das forçantes antropogênicas 3 . Assim, podem ser de- tectadas alteraçõespor meio da identificação de tendências, ciclos e períodos, os quais se baseiam em séries temporais de dados observados (oriundos de rede de estações meteorológicas), orbitais (obtidos por imagens de satélite e radar) e de reanálise (produtos gerados da composição de dados climáticos de diferentes fontes e instituições). Além da utilização de imagens de satélite e cartas sinóticas para a identificação dos tipos de tempo, as estratégias e abordagens inerentes a essa escala pressupõem a caracterização, a comparação e a classificação climática de base genética, por meio de redes e transectos espaciais e temporais, pelo mapeamento sistemático (poten- cial ecológico e agroclimático) e pelo uso de estatística aplicada. 2.4 Escalas globais – mudanças climáticas Vídeo Os atributos da escala da mudança são relativos à natureza física, geofísica e astrofísica. A circulação geral da atmosfera (Figura 8), as zonas climáticas da Terra e os movimentos astronômicos que definem a sazonalidade e a dinâmica climática diferencial nos hemisférios Sul e Norte formam fundamentalmente o escopo principal desse nível escalar. Trata-se da escala de primeira ordem de grandeza, em que os processos atmosféricos são determinados pelo conjunto das forças endógenas e exógenas da Terra, com a definição dos padrões climáticos que abrangem todo o planeta em articulação com as diferentes latitudes, a distribuição dos oceanos e a orga- nização dos continentes. Conjunto de processos oriundos das atividades humanas que oferece incre- mento, redução ou alteração dos movimentos do sistema climático, como mudanças no uso da terra ou modifica- ções na composição química da atmosfera. 3 Escalas do clima 37 Figura 8 Modelo tricelular da circulação geral da atmosfera Fonte: Elaborada pelo autor. Polar Polo Sul Ventos glaciais e polares Zona de frentes Zona de frentes Altas subtropicais Altas subtropicais Zona de convergência intertropical Florestas subtropicais e temperadas Florestas subtropicais e temperadas Anticiclones oceânicos Anticiclones oceânicos Florestas equatoriais Desertos Desertos 60º Sul 30º Sul 30º Norte 60º Norte Polo NorteEquador Polar Ferrel Ferrel Hadley Hadley Ventos glaciais e polares Estabilidades atmosféricas Instabilidades atmosféricas Nesse sentido, observamos exclusivamente os parâmetros iniciais de análise que enquadram comparações e generalizações abrangentes. A título de explica- ção, é possível identificarmos na escala de primeira ordem a estruturação espacial dos grandes sistemas de circulação atmosférica planetária e, consequentemen- te, os grandes domínios climáticos e de paisagem, como os biomas terrestres, as regiões oceânicas, os desertos subtropicais e os domínios equatoriais, tropicais, subtropicais, temperados, polares e glaciais. Ela sugere o entendimento da gênese, dos centros de ação e da produção dos climas na Terra e permite três formas distintas de abordagem. A primei- ra, sem dúvida, contempla os estudos voltados aos paleoclimas e refere-se aos processos climáticos ressaltados por meio do tempo geológico, como os perío- dos de aquecimento e as glaciações observados desde o primeiro momento da formação do planeta. Grande parte dos estudos dessa forma de análise é voltada para o entendimen- to dos processos climáticos na perspectiva naturalista, uma vez que contemplam os mecanismos que remetem à origem das paisagens naturais e aos impactos dos períodos glaciais e interglaciais, especialmente desenvolvimentos durante a época do Pleistoceno no período Quaternário 4 . A Teoria dos Ciclos de Milankovitch, que explicita os diferentes processos de alteração da posição da Terra em relação ao Sol e, consequentemente, as altera- ções no balanço de energia, é um dos principais exemplos de desenvolvimento dessa análise. A utilização de indicadores paleoclimáticos, como fósseis, rochas, sedimentos, polens, anéis de crescimento de árvores etc., serve para inferir as condições climáticas por meio da estruturação, composição e organização obti- das por datação relativa e absoluta. Para além da perspectiva paleoclimática, a segunda abordagem também atende às variações em períodos mais recentes, explicadas por ciclos que se repetem mais ou menos de maneira periódica em segmentos de tempo que podem se estender Esses elementos foram estudados, sobretudo, com base nas contribuições do professor Aziz Nacib Ab’Saber a respeito da Teo- ria dos Refúgios Florestais. 4 38 Climatologia por décadas e até séculos. Nesse caso, inserem-se as influências das manchas sola- res na incidência da radiação solar que chega à Terra, ou ainda os movimentos das correntes oceânicas, associando objetos arqueológicos e documentos históricos, como registros de eventos, relatos de viajantes, obras de arte etc. Para exemplificarmos a ocorrência de alterações climáticas com base em do- cumentos históricos, na representação da Batalha de Óstia (Figura 9), ocorrida em 849 d.C., o nível do mar estava alto o suficiente para que os navios de guerra pudessem ser atracados na foz do Rio Tibre. Atualmente, as ruínas de Ostia es- tão a 3 km da foz do Tibre, o que representa uma condição de clima mais quente que o atual. Figura 9 A Batalha de Óstia, pintura atribuída a Rafael. Sa ilk o/ W ik im ed ia C om m on s Já entre os séculos XIII e XIX, o Rio Tâmisa, que se situa na Inglaterra e banha as cidades de Oxford e Londres, estava totalmente congelado, a ponto de Thomas Wyke representá-lo como uma pista para esquiar (Figura 10). Esse período é documentado na história moderna, sendo conhecido como a Pequena Era do Gelo, associada ao mínimo de Maunder 5 , devido à diminuição da radiação solar na época. A terceira forma de análise na escala da mudança climática contempla a designação do aquecimento global contemporâneo, que resulta de alterações na composição da atmosfera (sobretudo devido à queima de combustíveis fós- seis pelas atividades humanas). Como consequência, vemos a intensificação do efeito estufa planetário e o aumento da temperatura média do planeta. Nesse caso, as transformações antropogênicas (a causa) datam particular- mente da Revolução Industrial, a partir do final do século XVIII, e atualmente se Período entre 1645 e 1715, quando foi observada uma redução da atividade solar, sobretudo no número de manchas solares, em relação a outros períodos pretéritos e posteriores. 5 https://pt.wikipedia.org/wiki/1645 https://pt.wikipedia.org/wiki/1715 Escalas do clima 39 manifestam na diversidade de altera- ções (os efeitos), sendo as mais impor- tantes a elevação do nível dos mares, as modificações nos padrões climáticos regionais, o aumento e a intensidade de eventos extremos e os impactos na biodiversidade. Cabe destacarmos que tradicional- mente os estudos com base na escala da mudança não compreendiam a inter- pretação exclusivamente geográfica. De outro modo, grande parte dos processos era mais bem explicada pela geologia, oceanografia e meteorologia. Mas, nos dias de hoje, dada a imperativa emer- gência climática, o debate por meio da geografia tem se tornado essencial para pensar as estratégias de adaptação, mi- tigação e proteção dos impactos negati- vos das mudanças climáticas. A emergência climática é uma me- dida política adotada por entidades, organizações, Estados-nacionais e seus Figura 10 Thames frost fair Sa ilk o/ W ik im ed ia C om m on s territórios como resposta à mudança climática. Podemos afirmar que ela não é nova, há tempos tem sido gerida nos mais diversos setores da sociedade e mo- mentos distintos da humanidade, em que o clima sempre foi colocado no centro do debate social, econômico e político, sendo sistematicamente apresentado desde as primeiras discussões a respeito do futuro do planeta na problemática ambiental. Podemos, então, argumentar que a origem dessa preocupação coincide com a importância do clima no trato das questões construídas nointerior do movi- mento ambiental-ecologista entre as décadas de 1950 e 1960. Naquele momen- to, a problemática concentrava-se nos temas da degradação ambiental, da falta d’água, da proliferação de pestes, da desertificação, dos desastres naturais, dos processos migratórios e da fome. Desse modo, o clima esteve sempre no centro do debate, sendo reduzido aos problemas relativos à desertificação, ao buraco da camada de ozônio e ao aquecimento global. Hoje, a sua forma mais avançada chamamos de mudança climática global. Com base nessas escalas, também têm sido fonte de debate dentro da clima- tologia geográfica as questões fortemente associadas a parâmetros geopolíticos e econômicos, designando um papel imperativo dos Estados-nação nas formas de implementar políticas e marcos regulatórios para assegurar o futuro da humani- dade, os modelos de desenvolvimento, as fontes alternativas de energia – com a valorização das renováveis e limpas – e o reconhecimento dos níveis de vulnerabi- lidade e exposição de populações e países aos impactos das alterações climáticas. Para saber mais do debate da emergência climática, recomendamos a live O que é clima e como compreendê-lo em tempos de emergência climáti- ca?, apresentada pelo Congresso Virtual da UFBA. Disponível em: https://youtu.be/Uz_ 3gi2GDbA. Acesso em: 10 maio 2021. Vídeo https://youtu.be/Uz_3gi2GDbA https://youtu.be/Uz_3gi2GDbA 40 Climatologia CONSIDERAÇÕES FINAIS As escalas do clima são um recurso de análise fundamental para a compreensão das relações temporais e espaciais entre o clima e o espaço geográfico. A necessidade de compreendê-las como processo dá o sentido de que todo fenômeno climático exi- ge uma articulação espaçotemporal para sua interpretação, explicação e análise. Em linhas gerais, podemos considerá-las um processo de adequação espa- çotemporal segundo um conjunto sistematizado de atributos. Elas devem servir para que o estudo do clima seja realizado de modo consistente, garantindo con- fiabilidade e validação da análise. A finalidade é evidenciar os graus de articulação físico-natural e socioeconômica do fenômeno climático e sua relação com a produ- ção do espaço geográfico. Os conceitos básicos para operacionalizar as escalas são definidos pela mudança, pela variabilidade e pelo ritmo climático e devem integrar os processos climáticos que se manifestam no tempo longo (geológico) e no curto (histórico). Cada escala também orienta um conjunto metodológico de técnicas de análise, sistemas apropriados de instrumentos tecnológicos, formas de validação e modelos de representação gráfica e cartográfica significativos. Para além dos atributos inerentes a cada escala, é importante entendermos que sua definição deve estar inicialmente associada às espaçotemporalidades que o estu- do exige para interpretar, explicar e analisar algum fenômeno ou os eventos climáti- cos, garantindo um processo analítico e investigativo consistente e firme. ATIVIDADES 1. Como as escalas podem ser estruturadas e combinadas? 2. Quais critérios podem ser admitidos para utilizar determinada escala? 3. Sob quais abordagens podemos desenvolver estudos com base na mudança climática? 4. Em quais níveis a influência antropogênica no clima pode ser enquadrada? REFERÊNCIAS BORSATO, V. da. A.; BORSATO, F. H. A elaboração dos gráficos da análise rítmica por meio do software livre gnuplot. In: 11º SBCGA – SIMPÓSIO BRASILEIRO DE CLIMATOLOGIA GEOGRÁFICA APLICADA E 5° SPEC – SIMPÓSIO PARANAENSE DE CLIMATOLOGIA. Anais [...] Curitiba: Contribuições Científicas, 2014. CAVALCANTI, I. F. de. A.; AMBRIZZI, T. Teleconexões e suas influências no Brasil. In: CAVALCANTI, I. F. de. A. et al. (org.). Tempo e clima no Brasil. São Paulo: Oficina de textos, 2009. MONTEIRO, C. A. de. F. O estudo geográfico do clima. Cadernos Geográficos, Florianópolis, n. 1, 1999. NOAA. Global climate report for March 2021. National Centers for Environmental Information, abr. 2021. State of the climate. Disponível em: https://www.ncdc.noaa.gov/sotc/global/202103. Acesso em: 10 maio 2021. SANT’ANNA NETO, J. L. Escalas geográficas do clima: mudança, variabilidade e ritmo. In: AMORIM, M. C. de. C. T.; SANT’ANNA NETO, J. L.; MOTNEIRO, A. (org.). Climatologia urbana e regional: questões teóricas e estudos de caso. São Paulo: Outras Expressões, 2013. Vídeo A atmosfera da Terra 41 3 A atmosfera da Terra Seja bem-vindo ao terceiro capítulo do material de Climatologia. Agora nos- so foco estará concentrado fundamentalmente no ambiente principal do fenô- meno climático – a atmosfera. Antes de falarmos propriamente sobre o significado e o conceito que envol- ve a atmosfera, porém, vamos considerar que sob o viés da climatologia geo- gráfica ela tem história, gênese e funcionalidades que dependem sempre das possibilidades técnico-científicas de observação da sua dinâmica, com foco na importância ecológica e suas características de massa, composição química e estrutura física. Nosso objetivo é compreender a origem e a formação da atmosfera terrestre ao longo da história do planeta e, com base nesse processo, caracterizar suas pro- priedades físicas e químicas, sua estrutura vertical e suas formas de classificação. Vamos introduzir também a definição de balanço de energia, que se dá por interações do sistema Sol – superfície terrestre – atmosfera. Esse conhecimen- to deve demonstrar implicações fundamentais para interpretar a dinâmica dos movimentos atmosféricos nas formações dos principais domínios e tipos climá- ticos do planeta. 3.1 Origem e formação da atmosfera Vídeo Você deve imaginar que, como qualquer outro sistema natural, a atmosfera tem uma história, uma gênese, um início, além de ter sido desenvolvida no conjunto de todos os outros processos de formação da Terra. E, de fato, é isso mesmo! Com isso, você já tem construído um dos elementos mais fundamentais para o estudo geográfico do clima, ou seja, a busca pela origem do sistema climático. Com o estudo deste capítulo você será capaz de: • Compreender a origem e formação da atmosfera terrestre ao longo da história do planeta. • Caracterizar as propriedades físicas e químicas da atmosfera, bem como sua estrutura vertical e tipos de classificação. • Conceituar o balanço de energia da relação Sol - Terra, demonstran- do suas implicações na dinâmica atmosférica e na formação dos tipos climáticos. Objetivos de aprendizagem 42 Climatologia Nesse sentido, consideramos inicialmente que a atmosfera é o ambiente forma- do pelo ar atmosférico, tradicionalmente uma fina camada de ar que envolve a Ter- ra, constituída por diferentes gases e agregada à superfície terrestre pela força da gravidade (BARRY; CHORLEY, 2013). Ela não apresenta um limite superior em um sentido físico, fixo e marcado; pelo contrário, o que se verifica é uma progres- siva rarefação do ar atmosférico com a altitude (Figura 1). Dentre as suas principais funções, po- demos destacar a distribuição glo- bal da energia proveniente do Sol, uma vez que a atmosfera determina o modo como essa energia tende a entrar, trans- formar e sair do sistema ter- restre, além da capacidade de redução das amplitudes térmi- cas entre períodos diferentes de insolação – por exemplo, entre o dia e a noite e as esta- ções do ano. Primeiramente, dentro do sistema terrestre, a atmosfera é o principal meio que favorece a troca de matéria e energia entre Sol e a superfície da Terra, favorecendo a retroalimentação dos processos físicos, químicos e bióticos integrados a outros sistemas, como a litosfera, a criosfera, a hidrosfera e a biosfera. Por esse aspecto, é importante destacar como os processos da história natural foram cruciais para sua formação. O pressuposto é de que, como o sistema terrestre passou por diversas transfor- mações ao longo de 4,5 bilhões de anos, a formação da atmosfera também revela que alterações químicas e mudanças físicas drásticas impactaram diretamente as formas de vidae a formação das paisagens naturais. Aliás, atualmente essas são, em primeira estância, as chaves para entender a origem e a reprodução dos seres humanos no planeta. E o que de fato a história natural nos mostra da origem e formação da atmosfera? Com base nos estudos geológicos, a história natural mostra que o planeta Terra, antes muito semelhante a uma bola de fogo, começou a diminuir a velocidade do movimento de rotação e, em seguida, passou por um grande resfriamento, for- mando a primeira crosta terrestre. Trata-se do momento que marca o fim do éon Hadeano e início do éon Arqueano, há 3,85 bilhões de anos (TEIXEIRA et al., 2001). Nesse momento, o Sol era em torno de 40% mais ativo do que é hoje, não havia oxigênio suficiente para atuar como filtro dos altos níveis de radiação UV e uma at- mosfera pretérita começava a se formar como um ambiente rico em hidrogênio (H), oxigênio (O), carbono (C), enxofre (S), hélio (He), sulfetos (elementos químicos Figura 1 A atmosfera terrestre KeyFame/Shutterstock A atmosfera da Terra 43 compostos de enxofre), cianetos (compostos de carbono e hidrogênio), e que, por processos fotoquímicos, provavelmente se transformavam em metano (CH4), nitro- gênio (N), amônia (NH3) e dióxido de carbono (CO2) (TEIXEIRA et al., 2001). Em um outro momento do Arqueano, impactos de meteoros incrementaram o elemento água (H2O) e por essa condição vulcanismos e atividades sísmicas foram se desenvolvendo no conjunto de outros mecanismos de liberação de gases (oxi- dação, precipitação etc.), e reações físico-químicas rapidamente produziram o que se chama de atmosfera primitiva (TEIXEIRA et al., 2001). O resultado foi que grandes quantidades de água foram lançadas na atmosfera, resultando em ambiente tóxico, muito quente e cheio de vapor, em que, com a consolidação da crosta terrestre, a água precipitada na forma de chuvas e tempes- tades originou os primeiros oceanos (cerca de 20 cm de profundidade). Nessa nova situação, o dióxido de carbono reagiu com rochas sílicas originando carbonatos, e houve a formação de outros gases atmosféricos, como argônio (Ar), neônio (Ne), criptônio (Kr) etc. (FERREIRA; ALVES; SIMÕES, 2008). A partir disso, com a presença de água no sistema terrestre e a formação de sín- teses pré-bióticas, formaram-se moléculas orgânicas fundamentais para a origem do fenômeno da vida. Sobretudo a partir do éon Fanerozóico, a interação com radiações ultravioletas provenientes do Sol viabilizou a formação dos primeiros organismos vi- vos, as cianobactérias primitivas, que apresentavam características celulares simples, metabolismo exclusivamente anaeróbio e utilizavam compostos inorgânicos (como derivados de ferro e enxofre, abundantes à época) para desenvolver processos de síntese de energia química e fixação do nitrogênio (TEIXEIRA et al., 2001). Como você deve perceber, a formação da atmosfera terrestre aconteceu de maneira paralela ao fenômeno da vida (origem e evolução). Para aprofundar esse detalhamento, recomenda- mos a leitura do artigo A evolução da composição da atmosfera terrestre e das formas de vida que habitam a Terra, publicado na QNEsc em 2016, no qual os autores Eduardo Galembeck e Caetano Costa discutem conceitos fundamentais da seleção natural. Acesso em: 7 maio 2021. http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc38_4/06-EA-57-15.pdf Artigo O interessante é que processos fotossintéticos foram desenvolvidos em série nesse ambiente. Esses organismos passaram a absorver dióxido de carbono e li- berar oxigênio no ambiente líquido (os grandes oceanos), e, a partir disso, o oxi- gênio se combinou com o ferro (Fe), que estava dissolvido no assoalho oceânico ( FERREIRA; ALVES; SIMÕES, 2008). O resultado foi a origem dos compostos do tipo óxidos de ferro (FeO), que pre- cipitaram criando uma fina camada no fundo do oceano, a lama anóxica, formando xisto e cherts (rochas sedimentares constituídas por sílica – SiO2). Uma parte desse oxigênio fixava-se em rochas sintetizando como óxido de ferro – as formações ferríferas bandadas, por exemplo (Figura 2) (FERREIRA; ALVES; SIMÕES, 2008). http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc38_4/06-EA-57-15.pdf https://pt.wikipedia.org/wiki/Hip%C3%B3xia_(ambiente) 44 Climatologia Figura 2 Rocha oriunda de formações ferríferas bandadas 1 An dr é Ka rw at h/ W ik im ed ia C om m on s Formações ferríferas bandadas são rochas sedimentares de origem química do período Pré- cambriano, fundamentalmente compostas de camadas alternadas (bandas) de óxido de ferro (coloração acinzentada ou escura) e de chert e/ou jaspe (tons avermelhados, que indicam teores baixos de óxido de ferro). No Brasil, elas podem ser encontradas em Minas Gerais e na Serra dos Carajás, localizada no Pará. Devido a intensos vulcanismos e atividades sísmicas, a destruição do assoalho oceânico possibilitou a liberação e o transporte oxigênio, antes preso ao óxido de ferro, para a atmosfera. Na mesma medida, o dióxido de carbono e de vapor de água só existiam enquanto vestígios, sendo o nitrogênio o gás principal (FERREIRA; ALVES; SIMÕES, 2008). Assim, há cerca de 2.100 a 2.300 milhões de anos, o oxigênio começou a en- riquecer a atmosfera alterando sua composição química para dar condições de manutenção da vida no planeta. Nesse sentido, consideramos que os patamares da composição química estão estáveis há pelo menos 400 a 65 milhões de anos, ou seja, a atmosfera terrestre foi inicialmente consolidada no Período Cretáceo, da Era Mesozoica, do éon Fanerozoico. 3.2 Características da atmosfera Vídeo Atualmente, o estudo, a observação e a descrição da atmosfera e sua dinâmica em altos níveis têm sido significativamente ampliados com o uso de satélites, fo- guetes e equipamentos eletrônicos. Com base nesses estudos, a atmosfera atual compreende uma mistura mecânica estável de gases, sendo os mais importantes: nitrogênio (78%), oxigênio (20%), argônio (0,93%), dióxido de carbono (0,03%) e va- por d’água em quantidades e proporções variáveis (BARRY; CHORLEY, 2013). Os três primeiros gases apresentam proporções constantes até 80 km de altitu- de, já os demais, como ozônio, neônio, hélio, metano, hidrogênio etc., ocorrem em proporções muito pequenas. O Quadro 1 apresenta alguns dos principais compo- nentes gasosos da atmosfera agrupados naqueles que são fixos e variáveis, uma As diferentes colorações desse tipo de rocha, bem marcantes, representam processos de sedimentação em camadas sobrepostas. 1 A atmosfera da Terra 45 vez que estes tendem a apresentar importante variabilidade espaçotemporal de acordo com a sazonalidade (estações do ano) e as fontes de emissão na superfície terrestre 2 . Especificamente o nitrogênio, embora seja o constituinte mais abundante, não desempenha papel relevante em termos químicos e energéticos na superfície ter- restre. Na alta atmosfera, no entanto, esse gás absorve uma parte de energia solar na faixa das ondas curtas, no domínio do ultravioleta, que é nocivo à vida. O oxigênio, por outro lado, desempenha um papel essencial do ponto de vista químico e biológico: torna possível a vida aeróbica da Terra, a oxigenação dos com- postos orgânicos, por meio do processo fisiológico da respiração, e a reciclagem dos elementos químicos por meio da oxidação. Além disso, sua participação na atmosfera favorece a formação de ozônio (O3). Quadro 1 Principais componentes gasosos da atmosfera Componentes Gases % por volume de ar seco Concentração em ppm de ar Fixos Nitrogênio 79 - Oxigênio 21 - Argônio 0,1 - Neônio 18,2 Hélio 5,24 Metano Menor que 0,09 1,5 Criptônio 1,4 Hidrogênio 0,5 Variáveis Vapor d’água < 4 - Dióxido de carbono 0,03 325 Monóxido de carbono < 100 Ozônio < 2 Dióxido de enxofre - < 1 Dióxido de nitrogênio < 0,2 Fonte: Elaborado pelo autor com base em Barry; Chorley, 2013. O vapor d’água é um constituinte atmosférico que interfere diretamente na dis- tribuição da temperatura no planeta. Em primeiro lugar,ele participa ativamente dos processos de absorção e emissão de calor sensível para a atmosfera; em se- gundo, atua como veículo de energia ao transferir calor latente de evaporação de uma região para outra, liberado como calor sensível quando o vapor se condensa (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Em sua variação espaçotemporal, o vapor d’água também tende a ser distri- buído de modo diferencial no planeta. Por exemplo, nas regiões de clima árido (notadamente secas) sua composição pode chegar a 0% na atmosfera, já nas zonas úmidas dos trópicos ele não passa de 4%, uma vez que, ao ultrapassar esse pata- Por exemplo, é natural o vapor d’água existir em maior quantidade sob a superfície de lagoas e mares do que em uma área de solo exposto e seco. A mesma razão acontece para o CO2, que pode ser observado em grandes quantidades no ar próximo a florestas ou em áreas onde há queima de com- bustíveis fósseis. 2 Apesar de o oxigênio apre- sentar uma variabilidade espaçotemporal importante (sua concentração é alta no Equador e baixa nos polos ou latitudes maiores que 50º, e se concentra entre 15 e 35 km de altitude), ele é um gás instável que se dissocia produzindo uma molécula e um átomo de oxigênio quando absorve radiação solar ultravioleta. Sua propriedade é, assim, fundamental, uma vez que, se a radiação solar ultravio- leta não fosse interceptada pelo ozônio, ela passaria a atingir a superfície terrestre diretamente, causando impactos nocivos aos organismos vivos, como queimaduras na epiderme dos seres vivos e aumento drástico da incidência de câncer de pele. Por outro lado, se a concentração de ozônio aumentasse ao ponto de absorver toda a radiação ultravioleta solar, não haveria formação de vitamina D no organismo animal e, por consequência, a formação óssea ficaria prejudicada. Saiba mais 46 Climatologia mar, o ar atmosférico satura e há ocorrência de condensação e/ou precipitação (BARRY; CHORLEY, 2013). Por outro lado, durante o verão, nas latitudes médias a capacidade de retenção do vapor d’água na atmosfera é maior do que no inverno. Sobre a Floresta Amazô- nica há cinco vezes mais vapor d’água do que sobre o Deserto do Saara e sobre a Amazônia; ainda, sua concentração varia de 30% entre a estação seca e a chuvosa. Em regiões polares e em regiões tropicais a uma altura acima de 4 km existe pouco vapor d’água (BARRY; CHORLEY, 2013). O vapor d’água também é quase ausente em altos níveis da atmosfera, entre cerca de 10 e 12 km acima da superfície. Além disso, ele é um dos principais gases de efeito estufa (GEE). O efeito estufa é o mecanismo planetário caracterizado pela retenção de calor irradiado pela superfície terrestre que promove a manutenção da temperatura da Terra, um dos atributos essenciais para as formas de vida atuais. Assim, a atmosfera e o conjunto dos GEE agem como controladores da radiação solar, não permitindo que a radiação terrestre saia para o espaço sideral. Sem essa capacidade, a Terra seria de 30 a 40º mais fria do que atualmente. Além disso, o vapor d’água é único constituinte da atmosfera que muda de es- tado em condições naturais e, em consequência disso, ele também é o responsável pela origem das nuvens, por uma série de fenômenos meteorológicos importantes (chuva, neve, orvalho etc.), e sua proporção na atmosfera também determina o ní- vel de conforto ambiental e humano (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Com concentração até 100 vezes inferior à do vapor d’água, o dióxido de car- bono é o segundo gás do efeito estufa mais importante da atmosfera, por isso ele desempenha um papel de destaque nos processos energéticos do sistema terrestre, absorvendo energia solar e terrestre de comprimentos de onda longa. Ao mesmo tempo, sua entrada na atmosfera se dá principalmente por processos biológicos de organismos vivos nos oceanos e continentes. Há um intercâmbio contínuo entre o CO2, a atmosfera e os seres vivos (respiração e fotossíntese), os materiais da crosta (combustão e oxidação) e os oceanos; ainda, cerca de 90% dos constituintes vegetais não provêm do solo, mas da atmosfera, por meio da atividade fotossintética. Por exemplo, o carbono integrante das moléculas sintetizadas pelos vegetais provém do CO2 atmosférico. Assim, é possível considerar que o processo de fotossíntese ajuda a manter o equilíbrio do CO2 na atmosfera (TORRES; MACHADO, 2008). Contudo, a utilização crescente de combustíveis fósseis desde a industrializa- ção tem proporcionado cerca de 27% de aumento de CO2 na concentração no ar atmosférico, sendo atualmente o principal debate acerca das mudanças climáticas, do aquecimento global e da precarização do ar nas cidades. Por esse motivo é um gás que tem causado grande polêmica, pois sua con- centração, embora baixa, aumentou de 315 ppmv 3 em 1958 para 379 ppmv em 2005, crescendo à taxa média de 0,4% ao ano. Esse crescimento é atribuído às emissões decorrentes das atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento das florestas tropicais (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Além desses gases, a atmosfera também é composta de material particulado em suspensão (aerossóis, poeira, fumaça, matéria orgânica, sais, pólen etc.), que se apresentam em quantidades significativas, mas mesmo assim variáveis segundo as 1 ppmv = 1 parte por milhão por volume, ou seja, 1 ml de gás por m3 de ar. 3 A atmosfera da Terra 47 características naturais ou de uso da superfície. Esses materiais podem, inclusive, ser associados ao nível de salubridade, sobretudo nos ambientes urbanos e em áreas muito poluídas. Em grande parte, doenças do aparelho respiratório, viroses, e alergias têm como fonte a presença desses compostos no ar. 3.3 Estrutura da atmosfera Vídeo Por ser uma fina camada de gás, a atmosfera apresenta-se extremamente volátil, compressível e expansiva. Em outras palavras, a capacidade de ser presa à Terra pela gravidade favorece que ela seja mais densa nos limites inferiores (mais próximos da superfície) do que nos limites superiores. Ao mesmo tempo, ela tende a ficar mais espessa quanto mais chega aos limites externos, entrando no espaço sideral. Vapor d’agua, ozônio, dióxido de carbono e materiais particulados desempenham papéis importantes na distribuição e nas trocas energéticas na atmosfera e entre at- mosfera e superfície terrestre (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Devido à cons- tante e turbulenta mistura, não há separação entre gases leves e gases pesados; o que há, de fato, é a distribuição estruturada verticalmente na coluna atmosférica. A densidade do ar atmosférico, no entanto, diminui gradativamente em relação à altitude. Cerca da metade do total da massa da atmosfera está concentrada abai- xo de 5 km de altitude. É dessa característica que é possível inferir a organização da atmosfera em duas camadas. A primeira, chamada de homosfera, está localizada em uma altitude inferior de 80 a 100 km, na qual a combinação dos componentes químicos existentes é homogênea. A camada da atmosfera situada acima da homosfera é chamada de heterosfera e se caracteriza pela variação em sua composição química e pelo peso molecular médio dos gases constituintes. Apresenta altitude acima de 80 km ( MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). A homosfera e a heterosfera oferecem a observação da pressão atmosférica, que é a força mecânica da gravidade exercida pelo peso do ar verticalmente aci- ma de uma unidade de área horizontal centralizada em um determinado lugar. A pressão é determinada segundo a capacidade de que cada gás tende a exer- cer uma pressão parcial independente dos outros, mas também está condicio- nada pela temperatura do ar, pelo teor de umidade, pela latitude e sazonalidade ( MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Essa diversidade mostra que a atmosfera vertical apresenta uma estrutura físi- ca, e a temperatura do ar é a grandeza meteorológica utilizada para dividir a atmos- fera terrestre em três camadas relativamente quentes – entre50 e 60 km e acima de 120 km de altitude –, que são separadas por duas camadas relativamente frias – entre 10 e 30 km e cerca de 80 km acima da superfície. A camada denominada troposfera contém cerca de 75% em 1% da massa total da atmosfera, basicamente a totalidade do vapor d’água e material particulado, apresentando uma taxa média de decréscimo de 6,5 ºC a cada km de altitude e 1300 g/m3 de densidade. É a camada de mistura que interessa à climatologia geo- gráfica, uma vez que nela a relação com a superfície se dá por meio dos processos e sistemas atmosféricos que estabelecem as condições e os tipos de tempo. A figura a seguir representa as camadas atmosféricas. 48 Climatologia Figura 3 Características e estrutura da atmosfera Fonte: Adaptado de Torres; Machado, 2008. TEMPERATURA -80 -60 -40 -20 0 20 ºC mb 00,1 0,1 1 10 100 1000 PR ES SÃ O TERMOSFERA MESOSFERA ESTRATOSFERA TROPOSFERA MESOPAUSA ESTRATOPAUSA TROPOPAUSA A tropopausa corresponde à seção superior da troposfera e é caracterizada pela inversão térmica que limita a convecção e outras atividades do tempo. A altura não é constante, apresentando uma variabilidade espaçotemporal bastante importan- te. De todo modo, ela é mais elevada na região equatorial (16 km) e mais baixa nos polos, onde pode chegar a 8 km. A estratosfera é a segunda camada principal da atmosfera, entende-se até 50 km da superfície e apresenta aquecimento da temperatura em altitude. Isso acontece porque é nessa camada que se encontra grande concentração de ozônio (em torno dos 22 km), que, em contato com a radiação solar, libera uma grande quantidade de energia e provoca o aumento da temperatura. Essa camada é muito importante para o transporte aéreo, pois diminui proces- sos mecânicos entre o ar atmosférico devido à baixa temperatura, favorecendo a redução de movimentos turbulentos e a condição de estabilidade. A seção superior é chamada de estratopausa e limita a chamada atmosfera infe- rior. A atmosfera superior começa na estratopausa e termina na exosfera quando se funde com o espaço sideral. Nessa segunda estrutura, ocorre ainda a mesosfera, na qual a temperatura di- minui com a altura, chegando a valores de -90 ºC aos 80 km, seguida da termosfe- NO AA /M ys id /P ed ro S po la do re /W ik im ed ia C om m on s 10.000 km 690 km 100 km 85 km 50 km 6-20 km Balões meteorológicos Meteoros Monte Everest (linha Káman) Satélite Aurora Ex os fe ra Te rm os fe ra M es os fe ra Es tr at os fe ra Tr op os fe ra A atmosfera da Terra 49 ra, que apresenta aumento da temperatura devido à absorção e reflexão de radiação de ondas curtas (UV, X etc.), provocando forte ionização ou carregamento elétrico. É denominada às vezes de ionosfera na seção acima de 100 km. Os fenômenos de auroras (boreal e austral) ocorrem na altura dessa camada e podem ser associados à grande prática turística em países onde esses efeitos óp- ticos são mais facilmente vistos. Devido ao processo de ionização, essas camadas também apresentam uma diversidade de energia em diferentes comprimentos de ondas e são preferencialmente utilizadas para comunicação. Nesse caso, as on- das longas são fundamentais para transmitir mensagens, difundir informação e ampliar capitais devido às conexões elaboradas por meio das tecnologias de rádio, TV e internet. A exosfera se entende a partir de 500 e 750 km, e nela gases como oxigênio, hidrogênio e hélio for- mam uma atmosfera muito tênue, menos densa e progressivamente inexiste, pois a camada de gases da atmosfera não apresenta limite superior exa- to. Nessa camada, assim como na exosfera, estão também localizados grandes instrumentos de tele- comunicação e de geração de informação da super- fície terrestre, como os satélites. Observe que atribuímos à troposfera o papel de camada principal de manifestação dos processos de tempo e clima, definindo-a como a atmosfera geo- gráfica, uma vez que é a parte da atmosfera mais próxima aos seres vivos (MENDONÇA; DANNI-OLI- VEIRA, 2007). No entanto, o estudo geográfico não se restrin- ge a ela, pois a atmosfera tem sido usada pratica- mente como uma totalidade, seja para observação dos fenômenos meteorológicos, seja para desenvolvimento dos sistemas sociais e produtivos, por meio das atividades turísticas, do transporte, da comunicação e do conhecimento. Nesse sentido, para o estudo geográfico da atmosfera, geralmente se considera a baixa troposfera, a camada de mistura. Isso quer dizer que a climatologia geográ- fica se preocupa com a representação da atmosfera em sua seção mais importan- te, que se restringe a apenas 0,3%. Justifica-se, portanto, a crescente preocupação em preservá-la e considerá-la como um todo, uma vez que é nela que os sistemas atmosféricos tendem a se manifestar, contribuindo para substanciar as formas de apropriação dos sistemas produtivos e humanos Isso significa entender que a superfície terrestre não pode ser reduzida como espaço geográfico, mas compreende todo o planeta, desde o ponto central do nú- cleo, indo à periferia da atmosfera, até os limites do universo. Essa abrangência deve ser considerada espaço geográfico, já que é por esse meio que nós, os seres humanos, temos construído o nosso lugar. Aurora austral capturada pelo satélite Image, da NASA, em 2005. Ela foi sobreposta digitalmente à fotografia conhecida como The Blue Marble, tirada em 1972 pela tripulação da Apollo 17. IM AG E Sp ac ec ra ft Pi ct ur es /W ik im ed ia C om m on s 50 Climatologia 3.4 Balanço de energia Vídeo Como apresentado, a radiação solar é um dos elementos climáticos que serve para estruturar e organizar a atmosfera verticalmente. Mas, para além disso, a ra- diação também está associada à energia disponível para o sistema terrestre e aos diversos processos de transformação e circulação da matéria no planeta, sendo crucial para o desenvolvimento do fenômeno da vida. Vamos por partes. Consideramos inicialmente que o Sol é a primeira e principal fonte de energia de que o planeta Terra dispõe para efetivar os diversos processos físicos, químicos e biológicos. No sistema terrestre a radiação solar incidente tende a ser diferencia- da por pelo menos três fatores: período do ano, período do dia e latitude. Dessa forma, sua distribuição espaçotemporal não é simétrica. O processo começa assim: o Sol emite para o espaço sideral uma grande quan- tidade de energia, chamada de energia radiante ou radiação. A radiação solar apre- senta configurações de ondas eletromagnéticas em diversos comprimentos de onda (principalmente radiação de onda curta – ROC), que se propagam de maneira difusa (em todas as direções) até interagir com o planeta Terra (BARRY; CHORLEY, 2013). A quantidade de radiação solar interceptada pela Terra está relacionada com o total de energia emitida pelo Sol, ou seja, quanto maior for a atividade solar, maior será a energia que chega ao planeta. Convencionalmente, essa radiação é constan- te e pode variar entre 1 e 2%, dentro do valor de 1360 kW/m2. Os fluxos de ROC não refletido passam pela atmosfera terrestre e boa parte deles é absorvida pela superfície, que se aquece. Porém, para as temperaturas dos corpos, encontrados tanto na superfície como na atmosfera terrestre, os compri- mentos de onda emitida estão entre 4,0 e 50 micrometros, em uma faixa espectral denominada radiação de ondas longas (ROL). O fluxo de ROL emitida pela superfície é absorvido por gases, material particulado e pequenos constituintes da atmosfera. Esses, por sua vez, emitem ROL em todas as direções, inclusive à superfície terres- tre e ao espaço exterior (BARRY; CHORLEY, 2013). Empiricamente, o mecanismo pode ser explicado com base no total de radiação solar (ROC) que chega à Terra (100%). Desse total, pelo menos 6% são difundidos de volta para o espaço sideral pela própria atmosfera e, em seguida, 20% são re- fletidos pelasnuvens e 4%, pela superfície do globo. Assim, 30% da radiação em ROC perdem-se para o planeta, recebendo o nome de albedo planetário (BARRY; CHORLEY, 2013). Dentro do sistema terrestre, as nuvens absorvem 3% da radiação solar restante, ao passo que o vapor d’água, as poeiras e outros componentes no ar contam para mais 16%. O resultado de todas essas interferências atmosféricas garante que ape- nas 51% da radiação solar incidente atinja verdadeiramente a superfície do globo (BARRY; CHORLEY, 2013) (Figura 4). Como resultado, apenas uma pequeníssima quantidade de radiação terrestre escapa diretamente para o espaço, e a radiação que por fim chega à superfície da Terra promove todos os processos físicos, químicos e bióticos. O balanço de ener- gia, assim, é resultado da diferença entre quantidade de radiação de ondas curtas (radiação solar) e de ondas longas (radiação terrestre) que é absorvida e transfor- mada em energia térmica (calor). Dos instrumentos desig- nados para a mensuração da radiação, o piranómetro é usado para medir toda a radiação que chega à superfície da Terra, quer seja direta, difusa ou refle- tida. Ele mede a radiação direta, e o heliógrafo regista o número de horas de insolação. Desse ponto, é importante destacar o papel da OMM em fornecer padronização de equipa- mentos, instrumentos e lugares de instalação de estações meteorológicas com a introdução dessas ferramentas para obten- ção de séries históricas confiáveis e consistentes, bem como suas formas de representação e análise. Saiba mais A atmosfera da Terra 51 Figura 4 Representação do balanço de energia Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck Topo da atmosfera Energia solar Atmosfera Nuvens Superfíc ie terre stre Albedo planetário Nuvens, gases atmosféricos e material em suspensão Superfície terrestre O primeiro fator que diferencia a distribuição da radiação no planeta é o pró- prio movimento astronômico de translação. Quando atinge o afélio e o periélio, o planeta pode estar ora mais distante, ora mais próximo do Sol, respectivamente, e cada hemisfério tende a receber mais energia do que outro devido à inclinação do seu eixo. Essa diferenciação é suficiente para promover a sazonalidade do sistema ter- restre, proporcionando uma primeira regionalização do clima global entre Hemis- fério Sul e Norte, com dinâmicas distintas, e definindo que em alguns lugares as estações são definidas segundo a intensidade da radiação recebida e conforme os eventos de solstícios e equinócios. Além da translação, a rotação – que define o período do dia – altera a distribui- ção de radiação devido à da influência no ângulo de incidência dos raios solares em um ponto de observação na superfície terrestre. Nesse caso, quanto maior for a altura do Sol, ou altura solar, mais concentrada será a intensidade da radiação por unidade de área, já que os raios incidem perpendicularmente. De modo geral, nesse processo a radiação solar é bastante elevada à tarde, diminui ao entardecer até o anoitecer, é baixa pela manhã e tende a aumentar con- 52 Climatologia forme a altitude do Sol, sendo o movimento de rotação o processo que organiza a radiação solar quando a face exposta do planeta está virada para o Sol. A altura do Sol também é determinada pela latitude dos lugares. Quanto a esse aspecto, a radiação solar tende a diminuir conforme aumenta a latitude. Isso acon- tece porque o planeta é um geoide 4 e os raios solares tendem a incidir de maneira perpendicular na zona equatorial e tangencialmente nos limites dos polos. Essa situação faz com que nas baixas latitudes seja observado um superávit radiativo (máximos de incidência solar), enquanto nos polos ocorre déficit radiativo (mínimos de incidência solar), e pode ser particularizada também na duração do dia com horas de Sol. Por exemplo, durante o solstício de verão no Hemisfério Sul, os dias são mais longos do que a noite, e no Polo Sul a luz solar é constante por pra- ticamente as 24 horas do dia. O contrário acontece no Hemisfério Norte, quando, no mesmo momento, observa-se o solstício de inverno (Figura 5). Er eb or M ou nt ai n/ Sh ut te rs to ck Figura 5 Diferenciação da radiação no Hemisfério Sul e Norte Luz do Sol DiaNoite Além dos superávit e déficit radiativos, nas baixas latitudes, devido à passagem do máximo solar duas vezes ao ano, observa-se uma sazonalidade marcada prin- cipalmente pela presença de períodos chuvosos e secos, típicos dos climas tropi- cais. Nas latitudes médias e altas, a sazonalidade está condicionada à variação das temperaturas, sendo comum observar diferença estacional entre verão, outono, inverno e primavera. A intensidade com que essas radiações alcançam o solo é denominada intensidade de insolação e está diretamente relacionada à altura solar de cada lugar. Por exemplo, a região tropical (por volta dos 20 graus de latitude) apresenta-se como setor do planeta com os mais acentuados valores de insolação, enquanto nas regiões polares são regis- trados valores mais baixos em consequência da reduzida altura solar. A faixa equato- rial possui índices inferiores às áreas tropicais devido à nebulosidade mais intensa que tende a reduzir a quantidade de radiação solar que atinge o solo (Figura 6). O planeta Terra apresenta uma forma quase esferoi- dal, ou seja, ela não é uma esfera como concebida idealmente nos globos terrestres. 4 A atmosfera da Terra 53 Fonte: GLOBAL SOLAR ATLAS, 2019. Figura 6 Representação da distribuição da radiação A ação conjunta de movimentos astronômicos, altura solar e latitude dos luga- res apresentam um padrão de recebimento da energia solar que é ligeiramente alterado em interação com a superfície terrestre e a atmosfera. Esses dois com- ponentes recebem radiação solar, mas também a absorvem, difundem e irradiam. Em geral, aproximadamente 25 a 30% da radiação que entra no planeta é di- retamente refletida para o espaço sideral e não é utilizada para processos físicos, químicos e biológicos no sistema terrestre. Essa reflexão da radiação de onda curta chama-se albedo, sendo comumente representado em termos percentuais. Albedo é um conceito que explica que toda radiação solar, ao incidir sobre qual- quer corpo, vai, em maior ou menor quantidade, sofrer uma mudança de direção, sendo reenviada para o espaço por reflexão. É a fração de energia refletida por uma superfície em relação ao total de energia nela incidente (expresso em percen- tagem) (BARRY; CHORLEY, 2013). A absorção e a emissão pela atmosfera reduz a perda de ROL emitida pela su- perfície, que escaparia para o espaço exterior, constituindo uma parte do processo chamado efeito estufa (BARRY; CHORLEY, 2013). Deste modo, o balando de energia mostra o albedo e o efeito estufa como os dois mecanismos de transformação de energia eletromagnética em energia tér- mica (calor) (Figura 7). Em síntese, esses são os princípios da circulação geral da atmosfera e devem ocorrer de tal forma que nenhuma parte do sistema se aqueça ou se resfrie de maneira significativa no período de um ano. A variabilidade do albedo planetário é explicada, entre outros fatores, pela composição e pelas carac- terísticas da superfície. Por exemplo, a neve tem um dos maiores índices de al- bedo, uma vez que a super- fície branca tende a refletir de maneira eficiente os raios solares incidentes. Já o asfalto, de cor preta, tem um dos menores índices de albedo. Além da composi- ção e das características da superfície, o albedo tende a ser maior em função do comprimento de onda e do ângulo de incidência. Daí a explicação de que o albedo de uma dada superfície é maior durante o nascer e o pôr do sol (momento em que os raios luminosos estão tangenciado a super- fície) e menor por volta do meio-dia (momento em que os raios luminosos estão perpendiculares à super- fície). Em outras palavras, raios solares em posição vertical tendem a produzir albedo menor do que quando em posição oblíquaou inclinada. Saiba mais 54 Climatologia Figura 7 A estabilidade do clima da Terra resulta do balanço entre o fluxo de radiação absorvido pelo planeta e o emitido para o espaço Vi to ria no J un io r/ Sh ut te rs to ck A análise da radiação no estudo geográfico do clima pode indicar diferentes possibilidades. Por exemplo, na bioclimatologia e no clima urbano o estudo tem sido realizado com foco na função fisiológica e ambiental, sugerindo o encontro da exigência ecológica e das derivações ambientais associadas aos impactos na pro- dutividade agrícola e animal, na qualidade ambiental e na saúde humana na cidade e no campo. Além disso, os valores de radiação são um indicador interessante para identificação de sistemas atmosféricos e de tipos de tempo estáveis e instáveis. CONSIDERAÇÕES FINAIS A atmosfera é caracterizada por um complexo de inter-relações, envolvendo pro- cessos de trocas de matéria e energia, segundo sua composição química, sua estru- tura física etc. Altamente mutável, variável, fluida e dinâmica, a atmosfera interage com oceanos, continentes, solos, vegetação e o conjuntos de seres vivos e define de modo abrangente a organização das paisagens naturais e a constituições dos sistemas produtivos. Cabe ressaltar que a relação entre temperatura e altura e os limites entre as diver- sas camadas variam, entre outros fatores, em função do local e do período do ano. Também não podemos esquecer que a divisão em camadas depende dos critérios estabelecidos, e isso quer dizer que, em um dado instante e região da atmosfera, as condições reais podem estar diferentes daquelas previamente estabelecidas. Por isso, não podemos deixar de considerar que a atmosfera é um ambiente fluido, bem como não devemos esperar que existam limites absolutos. Além disso, a radiação tem papel crucial na análise geográfica do clima, uma vez que as variações sazonais e diárias são importantes, principalmente pelos impactos que tendem a promover nos sistemas produtivos e humanos, e em interação com os fatores geográficos pode qualificar os processos atmosféricos em sua função fisiológi- ca, ambiental, natural ou antropogênica. A atmosfera da Terra 55 ATIVIDADES 1. Explique as principais características da atmosfera pretérita, primitiva e atual. 2. Qual é a importância dos vulcanismos e da vida para a formação da atmosfera terrestre? 3. Quais fatores podem influenciar a distribuição da radiação no planeta Terra? 4. Quais mecanismos (físicos) contribuem para a transformação, o armazenamento, a dispersão e a reflexão da radiação no planeta? 5. Qual é a particularidade da atmosfera nos estudos desenvolvidos pela geografia e pela climatologia? REFERÊNCIAS BARRY, R. G.; CHORLEY, R. J. Atmosfera, tempo e clima. Porto Alegre: Bookman, 2013. FERREIRA, S.; ALVES, M. I.; SIMÕES, P. P. Ambientes e vida na Terra: os primeiros 4.0 Ga. Revista Estudos do Quaternário, n. 5, p. 99-116, 2008. GLOBAL SOLAR ATLAS. Direct normal irradiation. 2019. Disponível em: https://globalsolaratlas.info/ download/world. Acesso em: 30 jun. 2021. MENDONÇA, F.; DANNI-OLIVEIRA, I. M. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Oficina de Texto, 2007. TEIXEIRA, W. et al. (org.). Decifrando a terra. São Paulo: Oficina de Texto, 2001. TORRES, F. T. P.; MACHADO, P. J. O. Introdução à climatologia. Ubá: Geographica, 2008. (Série Textos Básicos de Geografia). Vídeo 56 Climatologia 4 Dinâmica climática e fatores geográficos do clima Seja bem-vindo ao quarto capítulo do material de Climatologia. Neste mo- mento desenvolveremos os conhecimentos sobre os estudos geográficos do clima, fundamentados na abordagem da meteorologia sinótica e da climatolo- gia dinâmica. Nos interessamos em construir análises climáticas que interpretem os ele- mentos climáticos integrados aos fatores do clima e aos sistemas atmosféricos na unidade de tempo meteorológico, ou melhor, nos tipos de tempo. Por isso, vamos valorizar os princípios da gênese climática e meteorológica dos tipos de tempo, partindo sempre das trajetórias, das características e da manifestação espacial dos sistemas atmosféricos. Nosso objetivo é oferecer a você o entendimento mais aprofundado da circulação geral da atmosfera e dos sistemas produtores dos tipos de tempo (massas de ar e frentes). Esse saber vai auxiliá-lo a desenvolver articulações de como os elementos do clima podem ser integrados na definição dos tipos de tempo e como os fatores geográficos do clima condicionam os aspectos mais específicos de suas manifestações. Antes de iniciar esse debate, vale a pena destacar que especialmente neste capítulo vamos nos aprofundar na dimensão do clima como condicionante am- biental, ou seja, a ideia de como o clima pode ser associado à história natural dos lugares e à formação das paisagens. Com o estudo deste capítulo você será capaz de: • Entender a circulação geral da atmosfera e os sistemas produtores dos ti- pos de tempo (massas de ar e frentes). • Compreender os fatores geográficos que determinam os tipos climáticos. • Conhecer os elementos do clima e como se articulam na produção de tipos de tempo. Objetivos de aprendizagem Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 57 4.1 Elementos climáticos Vídeo Tradicionalmente os elementos climáticos são definidos como atributos físi- cos que representam as propriedades da atmosfera em um determinado lugar (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Em outras palavras, eles representam variá- veis climáticas, por isso podem ser medidos, observados, mensurados. A título de exemplificação, a análise do clima na abordagem clássica parte pri- meiro da caracterização sumária dos elementos climáticos nos lugares, sendo de- senvolvida basicamente por meio de valores observados em tempo instantâneo oriundos dos equipamentos instalados nas estações meteorológicas. É importante destacar o papel da Organização Meteorológica Mundial (OMM) em fornecer padronização de equipamentos, instrumentos e lugares de instalação de estações meteorológicas, já que os valores dos elementos climáticos podem ser transformados em valores numéricos e descritos de maneira relativa com uso de cálculos estatísticos, como máxima, mínima, média, amplitude etc. Em geral, o estudo dos elementos é o recurso mais elementar para se definir o clima dos lugares, sendo o mais utilizado para uma definição inicial de radiação, temperatura, umidade e pressão atmosférica. Da combinação e interação entre esses elementos também são gerados outros, como insolação, fotoperíodo, ne- bulosidade, chuva, descargas elétricas, ventos, evaporação, evapotranspiração etc. Essa interação acontece em variados níveis de influência, mas pode ser inicial- mente explicada por meio da dinâmica da atmosfera, sobretudo assumindo os mo- vimentos que envolvem a transferência de energia no sistema climático, iniciado a partir do instante que a energia solar atinge a superfície terrestre. Nesse sistema, o Sol é a principal fonte de energia, e a superfície terrestre fun- ciona como fonte de calor que aquece a atmosfera por baixo. Por isso, nem a su- perfície terrestre nem a atmosfera tendem a aquecer ou esfriar bruscamente, já que a energia (radiação e calor) é distribuída a partir dos processos de transfe- rência, transformação e armazenamento, fazendo com que deficits sejam repostos e superavits sejam controlados. Essa movimentação deve ser conduzida por pelo menos quatro processos que desempenham o papel de fluir energia no sistema, sendo eles: condução, convecção, advecção e condensação. A condução consiste na transferência de calor por contato entre dois corpos, com distintas temperaturas, de maneira que o corpo mais quente cede calor para o mais frio. Na atmosfera esse processo acontece quando um dado volume de ar se aquece se estiver em contato com uma superfície mais quente e se resfria pelo mesmo processo, caso a superfície esteja mais fria. 58 Climatologia E o que é temperatura? Meteorologicamente,a temperatura é produto de processos físicos-naturais, concebidos em termos do movimento mecânico das moléculas, e é determinada pelo fluxo de calor que passa de uma substância para outra. Desse modo, quanto mais rápido é o deslocamento de calor entre os corpos, mais elevado será o aquecimento, e maior será a temperatura. Por isso, a temperatura é sempre definida em termos relativos, considerando-se o grau de calor que um determinado corpo possui. Entende-se que o calor é deslocado de um corpo que tem uma temperatura mais elevada para outro com temperatura mais baixa. O movimento de troca de calor ocorre porque a temperatura é determinada pelo balanço entre a radiação eletromagnética que chega e sai de um determinado corpo ou sistema e pela sua transformação em calor latente e sensível. A temperatura do ar, então, é a medida do calor sensível armazenado no ar e é comumente dada em escalas de graus (Celsius ou Fahrenheit) e medida por termômetros ou por termógrafos. Na convecção a transferência de calor ocorre por deslocamento vertical. Na atmosfera o processo é relativo ao aquecimento da superfície, que transfere calor para o ar em contato, promovendo o movimento cinético de suas moléculas, se expandindo e tornando o ar menos denso. O inverso acontece para a superfície fria. Enquanto o ar quente ascende (sobe), o ar frio compensa com o movimento descendente, conduzindo a troca vertical de matéria e energia em diferentes níveis da troposfera, organizando células convectivas. E o que é pressão atmosférica? Inicialmente consideramos que apesar de invisível a atmosfera terrestre é extremamente volátil, compressível e expansiva, por isso ela apresenta uma densi- dade, um peso. A atmosfera, portanto, exerce uma força mecânica originada pelo peso do ar verticalmente acima de uma unidade de área em um determinado lugar. Dá-se a essa força o nome de pressão atmosférica. A pressão atmosférica está relativa, em primeiro lugar, à força da gravidade e, em segundo, pela mecânica dos fluidos, uma vez que dife- rentes gases exercem níveis diferentes de pressão. Ela tem sido observada desde a criação do barômetro de mercúrio por Torricelli em 1643. O barômetro e seus respectivos, barógrafo e aneroide, fornecem a leitura por unidades de pressão da coluna de mercúrio (mmHg) em termos milibar (mB) ou hectopascal (hPa), esta última convencionalmente adotada para unidade internacional para representa- ção sinótica, sendo 1013 hPa. Além disso, a densidade do ar é alterada pelo aquecimento que conduz ao aumento de energia cinética das moléculas, ocasionando expansão do ar e consequentemente diminuindo a pressão exercida por unidade área. Nesse movimento, configura-se uma área de baixa pressão atmos- férica. O contrário acontece quando o ar se resfria, pois o ar frio é mais denso e, portanto, é uma área de alta de pressão atmosférica. aydngvn/Shutterstock M ic ro On e/ Sh ut te rs to ck Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 59 A advecção ocorre em conjunto com a convecção, mas nesse processo o movi- mento ocorre quando o volume de ar é forçado a deslocar-se horizontalmente. Na atmosfera esse processo está análogo ao ar que se desloca de uma área de maior pressão para outra de menor de pressão e leva consigo as características do lugar de origem. Nesse caso, por ser gasoso e submetido à termodinâmica, o ar atmos- férico tende a instalar-se em áreas contíguas com pressões distintas (alta x baixa pressão). E para que se estabeleça equilíbrio barométrico, o ar mais denso da alta pressão flui em direção à área de menor pressão, tendo como resultado a geração do vento, isto é, o ar em movimento 1 . O processo de condensação transfere para o ar quantidades importantes de calor que foram consumidas no ambiente durante a evaporação da superfície, por isso envolve a transformação do calor latente (quantidade de calor que promove mudanças no estado físico da água) em calor sensível (quantidade de calor que pode ser mensurada por termômetros). E o que é umidade? A água em estado gasoso (vapor d’água) é definida como umidade atmosféri- ca e pode ser descrita em termos de pressão de vapor (que auxilia na compreensão dos processos de saturação do ar), umidade absoluta (definida pelo peso em g/m³ do vapor d’água em um dado volume de ar), umidade específica da razão de mistura (razão entre o peso do vapor d’água e o peso do ar) e umidade relativa (razão da proporção entre vapor d’água existente no ar e o pon- to de saturação). A umidade relativa é sem dúvida o parâmetro mais usual e comum para se tratar da umidade atmosférica. De modo geral, ela é inversamente proporcional ao ponto de saturação de vapor e, em consequência disso, é também inversamente proporcional à temperatura do ar, uma vez que é o elemento controlador do teor de umidade máxima presente em um volume de ar. Isso significa que o aumento da temperatura do ar resulta na diminuição da umidade relativa no ambiente observado. Por isso, a quantidade de umidade é uma indicação da capaci- dade potencial de a atmosfera produzir precipitação, isto é, toda água proveniente do meio atmosférico que atinge a superfície terrestre, seja em estado líquido ou sólido. Os parâmetros de medição da umidade obtidos por instrumentos, tais como o higrômetro, seus equivalentes higrógrafo (baseado na relação entre a temperatura do ar e o coeficiente de alonga- mento do cabelo) e psicrômetro (formado por dois termômetros – bulbo úmido para temperatura da água em processo de evaporação e bulbo seco para temperatura do ar). Ao contrário do que acontece com os demais gases que compõem o ar, a umi- dade atmosférica se apresenta em proporções muito variadas. Em primeiro lugar, porque a umidade atende fundamentalmente aos processos de transformação do estado físico da água que ocorrem na movimentação do ciclo hidrológico. Neste caso, ela é um dos indicadores de como o calor latente é liberado, sobretudo quando ele é utilizado para efetivar os processos de evaporação (passagem do estado líquido para o gasoso) e de condensação (passagem do estado gasoso para o líquido). Em segundo lugar, a umidade pode absorver tanto a radiação solar quan- to a terrestre e, assim, desempenha papel de regulação térmica no sistema atmosfera-superfície. Esses processos ocorrem pela presença de água em super- fície, que, dependendo do ambiente fornecedor (solo, vegetação, oceanos, mares, lagos rios e banhados) e da variação diária da atmosfera, pode oferecer alterações espaço-temporais bastante significativas, acarretando inclusive outros elementos do clima, como a temperatura e a pressão. A intensidade, a ve- locidade, e o tipo do vento é controlado pelo gradiente de pressão, o qual é estabelecido pela diferença de pressão entre as duas áreas contíguas. Ou seja, quanto maior for o gradiente, maior será a velocidade do vento, que tende a convergir em áreas de baixa pressão e divergir em alta pressão. 1 Stefan Holm/Shutterstock 60 Climatologia Em terceiro, a umidade afeta diretamente a estabilidade do ar e o desenvolvi- mento de sistemas atmosféricos associados. Isso acontece porque do ponto de vis- ta dinâmico o ar úmido é mais leve que o seco. Por essa razão, o ar úmido tende a se movimentar de modo vertical mais do que o ar seco, embora ambos estejam sob as mesmas condições térmicas. O processo é inicialmente explicado pela ascensão do ar úmido, que, pelo processo de resfriamento adiabático 2 , promove alterações relativas às mudanças de temperatura na densidade sem que haja perda ou ganho de energia com o ar circundante. De outro modo, o ar resfriado adiabaticamente tende a descer, devido ao aumento de sua densidade e, por causa disso, há possi- bilidade de contato entre as moléculas, realizando o aquecimento adiabático. À medida que a coluna de ar em ascensão vai sendo rebaixada adiabaticamen- te, sua umidade relativa aumenta e a temperatura do ponto de orvalho 3 decresce. Uma vez alcançada essa temperatura,ocorre a condensação do vapor no ar e con- sequentemente formação de nuvens. Neste momento, ocorre a liberação de calor latente, o qual possibilita o resfriamento do ar (diminuição do calor sensível), auxi- liando na saturação do ar atmosférico. Importante As nuvens são formadas por gotículas de água e cristais de gelo em suspensão no ar, sendo estes depen- dentes do tipo, forma e processo de formação. Por exemplo, as nuvens cumulonimbus são geradas por movimentos ascendentes rápidos e intensos do ar em contato com a superfície quente, podendo chegar até 18 km de altitude, por isso apresentam grande desenvolvimento vertical. Sua base é formada por gotículas de água enquanto, conforme a altitude aumenta, formam-se mais cristais de gelo até o topo, com o predomínio de cristais de gelo. Nuvens, orvalho, geada e nevoeiro também são formas de condensação da umidade. O orvalho origina-se quase ao amanhecer ou anoitecer, quando ocorrem as temperaturas mí- nimas do dia. A geada ocorre quando há resfriamentos intensos que podem promover tanto a sublimação do vapor (mudança do estado gasoso para sólido) quanto a solidificação do orvalho (mudança de estado do líquido em sólido). Já o nevoeiro, conhecido como neblina ou cerração, constitui nuvens muito baixas em contato com o solo. O conjunto de processos de condensação, formadores de nuvens principal- mente, configura em um determinado lugar a nebulosidade. A nebulosidade é um parâmetro importante na análise do tempo e do clima, pois tende a funcionar como barreira de penetração da radiação solar e de perda da radiação terrestre, diminuindo a amplitude térmica diária e uniformizando a distribuição da temperatura do ar. As nuvens também marcam o início do processo de precipitação. Nesse processo, as gotas d’água são agregadas por coalescência, na qual gotas maiores devem absorver gotas menores ao longo de seu percurso e, por isso, crescem e adquirem peso até que em sua queda, pela força da gravidade, possam atingir a superfície na forma de precipitação. O crescimento e aumento das gotas estão relativos à existência de partículas em suspensão cha- madas de núcleos de condensação 4 . Assim, o conceito de precipitação atmosférica refere-se a qualquer deposição de água em estado líquido ou sólido que é derivada da atmosfera, sendo chuva, granizo e neve as principais formas. Sendo, portanto, um dos principais elementos que resulta da dinâmica dos sistemas atmosféricos e dos tipos de tempo. A análise dos elementos climáticos é relevante, pois o entendimento dos movi- mentos atmosféricos sugere suas definições basicamente por meio das condições de estabilidade e instabilidade atmosféricas. Nessa perspectiva, a análise dinâmica Quando o ar é forçado a ascender, sua temperatura deve diminuir devido à diminuição da pressão atmosférica, que é menor em altitude. Nesse caso, o resfriamento acontece por mudança de pressão e não há troca de calor para o exterior desse sistema. 2 Trata-se da temperatura ideal para que a umidade no ar se condense, ou seja, apresente água no estado líquido. O ponto de orvalho pode mudar em razão das condições sinóticas, uma vez que diferentes massas de ar promovem condições distintas de temperatura e umidade. Caso o orvalho ocorra em condições muitos frias, pode ser submetido ao congelamen- to, originando o fenômeno conhecido como geada. 3 Pi xe l E m ba rg o/ Sh ut te rs to ck Referem-se a partícu- las minúsculas que em suspensão na atmosfera funcionam como superfície para que o vapor d’água se condense, por exem- plo: poeira, aerossóis e materiais provenientes da queima de combustíveis, vegetação etc. 4 Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 61 dos elementos climáticos deve ser orientada para definir a gênese e a trajetória em sua sucessão habitual e manifestação espacial. Vamos nos aprofundar nesses mecanismos? 4.2 Circulação geral da atmosfera Vídeo Historicamente a análise geográfica do clima valoriza a interpretação de como os tipos de tempo se manifestam e se relacionam com as práticas cotidianas, aque- las que podem ser entendidas como processos de produção do espaço geográfico. Nesta análise, a dinâmica atmosférica oferece a observação empírica dos elemen- tos climáticos e principalmente dos impactos do clima e dos tipos de tempo no cotidiano, isto é, de como os dias ensolarados ou chuvosos são diferencialmente apreendidos socialmente e, ainda, sob quais fluxos atmosféricos eles são origina- dos (MONTEIRO, 1962; SANT’ANNA NETO, 2010). Consideramos primeiramente que o clima de qualquer lugar no planeta Ter- ra é explicado, em grande parte, pela distribuição diferencial da radiação solar na superfície terrestre. Esse é o principal mecanismo que organiza e inicia a movi- mentação a partir do gradiente térmico entre polos e Equador. Esses movimentos correspondem às direções horizontais e verticais e são, sobretudo, promovidos pela diferença entre campos de pressão atmosférica, por processos convectivos ou de subsidência (CAVALCANTI et al., 2009) 5 . Nesse caso, a leitura desses movimentos mostra uma repartição da atmosfera em unidades espaciais homogêneas, isto é, a organização em áreas de alta ou bai- xa pressão atmosférica. No primeiro caso, configuram-se movimentos oriundos do aquecimento do ar, que promovem sua expansão e diminuição da sua densidade, fa- zendo com que o ar atmosférico seja levantado, iniciando o processo de convecção. Somam-se a esse processo as condições de umidade, em que, no movimento de ascensão, o ar passa por resfriamento adiabático, gerando em consequência condensação do vapor, formação de nuvens e precipitação. É comum nas áreas de baixa pressão a observação de tipos de tempo instáveis. O exemplo prático dessa situação pode ser observado a partir da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que é um sistema atmosférico organizado pela convergência dos alísios 6 . Trata-se de um dos sistemas atmosféricos mais importantes para a zona equatorial e que condiciona a formação das paisagens mais úmidas e chuvosas do planeta. O segundo movimento acontece nas áreas de alta pressão atmosférica, com predominância de movimentos subsidentes (de descida do ar). Depois do resfria- mento adiabático, o ar tende a se tornar mais denso, seco e pesado, descendo dos altos níveis da troposfera para a superfície terrestre. Nesse processo, as áreas de alta pressão implicam restrição de processos de condensação e, portanto, não há formação de nuvens e as condições de estabilidade são garantidas. O resultado é a formação de tipos de tempo firmes, com predominância de dias ensolarados, céu limpo e pouco vento. A título de exemplificação, os movimentos das altas pressões geram as grandes paisagens desérticas do planeta e também os anticiclones oceânicos na zona subtropical. A título de exemplificação, é a partir desses movimen- tos que se configuram as circulações primárias, ou de grande escala, que definem em grande parte a distribuição espacial dos domínios macroclimáticos mais evidentes do planeta (AYOADE, 2006). 5 Ventos oriundos das zonas tropicais do Hemisfério Norte e Sul que se propa- gam em direção ao Equa- dor, onde se convergem. 6 62 Climatologia Além dos movimentos verticais, a pressão atmosférica explica os movimentos horizontais. Para que se estabeleça equilíbrio, o ar mais denso da alta pressão flui em direção à área de baixa pressão, denominado advecção, e tem como resultado a geração do vento (Figura 1). De si gn ua /S hu tte rs to ck Anticiclone Ciclone alta pressão atmosférica baixa pressão atmosférica Figura 1 Movimentos ciclônicos e anticiclônicos Anticiclones (zonas de alta pressão atmosférica – subsidência do ar) e ciclones (zonas de baixa pressão atmosféricas – ascendência do ar) são movimentos que au- xiliam na configuração da circulação atmosférica. Desses processos originam-se as massas de ar (Figura 2); sistemas atmosféricos que se referem a grandes volumesde ar com características homogêneas quanto à pressão, à umidade e à tempera- tura (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Figura 2 Formação de frente fria e frente quente An tó ni o M ig ue l d e Ca m po s/ W ik im ed ia C om m on s Ar frio presente no local Frente quente Massa de ar úmida e quente Massa de ar seca e fria Frente fria Para que você tenha um aprofundamento maior dos elementos climáticos, recomendamos a leitura do capítulo 3 do livro Climatologia: noções básicas e clima do Brasil. Além de trazer uma definição mais completa dos elementos, os autores oferecem ou- tros exemplos que devem ampliar sua compreensão sobre o tema. MENDONÇA, F.; DANNI-OLlVEIRA, I. M. A interação entre os elementos do clima com os fatores da atmosfera geográfica. In: MENDONÇA, F.; DANNI-OLlVEIRA, I. M. São Paulo: Oficina de Texto, 2007. Livro Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 63 Por esse caráter, as massas de ar, com algumas exceções, estão diretamente vinculadas com a localização dos anticiclones (subtropicais e polares), que podem ser entendidos como as áreas fonte ou centros de ação. Por apresentarem desco- lamentos em função do movimento da circulação geral e da sazonalidade, sempre resultam em alterações das características das condições de tempo dos lugares localizados no caminho de sua trajetória (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Assim, a circulação geral da atmosfera é o conceito que explica esse meca- nismo global de distribuição de calor e água a nível planetário (CAVALCANTI et al., 2009). Por isso, ele é mais bem pensado como um sistema fechado, inicialmente representado pelo modelo tricelular formado pela Célula de Hadley, Ferrel e Polar. Para além do modelo tricelular, o sistema é representado em conjunto com ou- tros sistemas (alta e baixa pressão atmosféricas) e são estes últimos que proporcio- nam de fato a real complexidade e concreticidade do sistema climático. Esses sistemas podem ser variados a nível planetário e correspondem às di- versidades de superfícies homogêneas, que constituem desde regiões polares até vastas extensões marítimas e continentais. Sua formação acontece desde que o ar atmosférico permaneça estacionário durante tempo suficiente para uma massa de ar ser organizada. Como essas massas de ar habitualmente são relacionadas ao centro de ação, elas sempre serão influenciadas pela superfície de contato imediato. Por exemplo, massas de ar frio são formadas pelos anticiclones localizados nos setores polares do planeta (Ártico e Antártica), enquanto as de ar quente se formam nas áreas onde predominam as zonas equatorial e subtropical (Figura 3). Figura 3 Condições favoráveis para formação de massas de ar Fonte: Elaborada pelo autor. Situação do ar atmosférico estacionário Ausência de movimentos horizontais Ar úmido e quente Superfície oceânica tépida Superfície continental fria Ar frio e seco Massas de ar associadas a centro de baixa pressão (ciclones) são exclusivas das regiões equatoriais, já que nessas áreas a convergência de ventos alísios e a acedên- cia do ramo de Hadley origina o sistema de atração de massas de ar. Cada massa de ar – quente ou fria – também vai ser caracterizada de acordo com a área fonte. Além desse aspecto, as condições de contorno do ar serão preponderantes para definir o grau de umidade da massa de ar, podendo ser classificadas em massas de ar úmida (formadas sob oceanos) ou seca (originadas nos continentes). De outro 64 Climatologia modo, à medida que uma massa de ar originalmente seca se desloca sobre uma superfície hídrica, sua umidade aumenta. E ainda, se a mesma massa se desloca sobre o continente, perde seus teores de umidade, assimilando as características dos lugares em sua trajetória. O mesmo processo deve acontecer quanto às suas propriedades térmicas. Nesse caso, uma massa de ar originalmente fria, ao deslocar-se sobre uma su- perfície quente, tende a assimilar o calor em seus baixos níveis, em um processo chamado de aquecimento basal. O contrário, quando uma massa de ar quente avança para uma superfície fria, é submetida ao resfriamento basal e perde suas características originais de calor nos seus níveis mais baixos. Em síntese, durante seus deslocamentos as massas de ar influenciam direta- mente os tipos de tempo das áreas nas quais predominam. Porém, à medida que uma massa de ar se afasta de sua região de origem, tem suas propriedades ini- ciais modificadas. O interessante é que tendo em vista a complexidade do siste- ma terrestre, a dinâmica climática só foi bem explicada a partir de 1920, quando foi reconhecida a Teoria da Frente Polar, proposta pelo meteorologista Jacob Aall Bonnevie Bjerknes. Cabe destacar que a complexidade de todos esses fenômenos climáticos não pode ser reduzida exclusivamente à observação dos elementos climáticos, como desenvolvido na abordagem clássica. O entendimento da circu- lação geral da atmosfera representa sinteticamente o conceito de dinâmica climática. Esse caráter tem sido fundamental para elaborarmos uma série de outros debates históricos e atuais. O exemplo do mito do Triângulo das Bermudas mostra uma parte dessas problemáticas, já que o lugar foi conhecido pelos aspectos sobrenaturais que causariam acidentes aéreos e marítimos, inclusive com desaparecimento de seus vestígios. Para que você tenha uma explicação diver- tida e instigante sobre esse mito, assista ao episódio 1, intitulado “Os mistérios do Triângulo das Bermudas”, da série Mundo Mistério, criada pelo youtuber Felipe Castanhari. Direção: André Lefcadito. EUA: Netflix, 2020. Série 4.3 Sistemas atmosféricos Vídeo Como você já deve ter percebido, os sistemas atmosféricos são um conceito elaborado dentro da meteorologia sinótica e da climatologia dinâmica e se referem aos fenômenos climáticos como uma unidade completa do escoamento atmosféri- co, definindo as condições de estabilidade e instabilidade atmosféricas. As trajetórias habituais desses sistemas sempre vão obedecer aos princípios da circulação geral da atmosfera e da sazonalidade. Diante desse exemplo, observe que o setor norte do país, devido à ocorrência do ramo ascendente e à convergên- cia dos ventos alísios, origina a Massa Equatorial Continental (mEc) e a Massa Equa- torial Atlântica (mEa), sistemas associados à configuração da ZCIT. Essas massas tendem a manter tipos de tempo úmidos e quentes, tipicamente habituais nessa região do país. Já no ramo descendente de Hadley, origina-se a Massa Tropical Continental (mTc), que induz a formação de tipos de tempo secos e estáveis nos domínios conti- nentais, especialmente na região conhecida como Depressão do Chaco. No Oceano Atlântico, essa subsidência origina o Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul (ASAS), definido como o centro de ação da Massa Tropical Atlântica (mTa). Todo o setor sul do país é frequentemente invadido por circulações advindas do Anticiclone Migratório Polar (APM), que forma especificamente a Massa Polar Atlântica (mPa). Por ser mais frequente no inverno, esses sistemas podem provocar Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 65 tipos de tempo frios e geadas, ocasionando precipitações em forma de neve, parti- cularmente nas regiões serranas de Santa Catarina e Rio Grande Sul, e o fenômeno da friagem no norte do país, sobretudo quando são reforçadas pelos fluxos oriun- dos da Massa Polar Pacífica (mPp). De maneira geral, a mPa apresenta característica física seca e fria e em sua tra- jetória habitual pode encontrar algumas das massas tropicais, oferecendo a ge- ração de Frente Polar Atlântica (FPA). Monteiro (1962) sugere que a frente polar é responsável por cerca de 80% das chuvas no sul do Brasil e esse valor pode não ser diferente para outros estados, uma vez que em sua rota habitual tende a provocar também a geração de outros sistemas atmosféricos associados. É importante ressaltar que as frentes (fria ou quente) 7são um sistema atmos- férico resultante do encontro de massas de ar de características diferentes (Figura 4). Trata-se de uma zona ou superfície de descontinuidade térmica, anemométri- ca, barométrica e higrométrica, que sempre atua como dinamizadora dos tipos de tempos estáveis, transformando-os em instáveis. Figura 4 Zona de contato entre duas massas de ar com características distintas e organização de frente fria e frente quente Fonte: Adaptada de Mendonça e Dani-Oliveira, 2007.. Superfície Ar frio Ar quente TPO Ar fresco Frente quente Frente fria Área de instabilidade atmosférica Área de estabilidade atmosférica Área de instabilidade atmosférica Nesse escopo, os processos de convergência de ventos em superfície são de- terminados pelos campos de pressão em que o ar quente (menos denso) tende a subir (ser levantado), e o ar frio tende a descer, em um ciclo em que os movimentos ciclônicos (baixa pressão) indicam uma fase de frontogênese, quando há o levanta- mento do ar quente mediante ao avanço do ar frio. O movimento finaliza na fron- tólise, quando o ar do sistema de alta pressão (denso) se instala e paulatinamente perde suas características ou propriedades originais, até que um outro avanço de uma frente fria reinicie o clico. Você já deve imaginar que é por essa movimentação que as condições de esta- bilidade e instabilidade do tempo são desenvolvidas, ou seja, toda a situação de es- tabilidade atmosférica deve mudar com a entrada de uma frente fria. Esse sistema O termo frente é análogo às frentes de batalha da Pri- meira Guerra Mundial e é um dos principais conceitos da meteorologia sinótica e da climatologia dinâmica. 7 66 Climatologia basicamente abre espaço para o avanço do ar polar, ao mesmo tempo que força o levantamento da massa de ar quente. Nesse caso, a temperatura vai ser o primeiro elemento a ser alterado, já que quanto mais rápido for o deslocamento da frente, mais elevado será o aquecimento chamado pré-frontal. Trata-se fundamentalmente do movimento que o ar frio faz quando escoa pró- ximo da superfície (por ser mais denso), enquanto o ar quente (representado pelas setas vermelhas) é forçado ao levantamento, gerando um aquecimento rápido, que pode ser entendido como sinal de anúncio da chegada de frente fria, como repre- sentado na Figura 5. Figura 5 Entrada de uma frente fria (A) e condições de nebulosidade de seu anúncio (B) s tih ii/ Sh ut te rs to ckDireção do vento Massa de ar frio Frente fria Cumulonimbus Cirrostratus Cirrus Altocumulus Massa de ar quente A So rin V id is /S hu tte rs to ck B Além do aquecimento rápido, o anúncio de uma frente fria é observado nas mudanças dos ventos (devido às alterações nos campos de pressão) e na nebulosi- dade, com presença de nuvens médias, como as altocumulus. Será que você consegue fazer relação entre a explicação sobre o anúncio da chegada de frente fria e o ditado popular “céu pedrento, ou chuva ou vento”? Observe que por mais tradicional que esse conhecimento seja, ele explica de maneira muito coerente que nuvens do tipo altocumulus anunciam a chegada de uma frente e apresentam configurações análogas a pedras no céu. Curiosidade Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 67 As nuvens de halo (Figura 6) também podem ser enquadradas como sinal que anuncia uma frente, já que o levantamento do ar antes da chegada da frente gera a formação de cirrus stratos, os quais tendem a dispersar a luz do Sol ou da Lua por serem compostos de gelo. Figura 6 Nuvens halo em torno do Sol (A) e da Lua (B) Lu ci an C om an /S hu tte rs to ck c ih an yu ce /S hu tte rs to ck A B Com o contínuo avanço do ar polar, observa-se diminuição brusca da tempera- tura e aumento rápido da umidade no local, bem como precipitação, variações na direção do vento, formação de tempestades e descargas elétricas (raios e trovões). A frente fria é restrita espacialmente, ela pode apresentar cerca de 200 a 400 km de largura. É comum observar nuvens de grande desenvolvimento vertical, tipo cumulonimbus (Figura 7) ou supercéculas de convecção. Figura 7 Condições atmosféricas (A) e nuvens (B) associadas à frente fria : N ic ol a Pa tte rs on /S hu tte rs to ck Ca m m ie C zu ch ni ck i/S hu tte rs to ck A B Assim como a frente fria, a frente quente também promove instabilidades. Ela sugere que o ar quente, que foi forçado a ascender na dianteira da massa polar, escoa em altitude e por resfriamento adiabático desce e avança na retaguarda da massa de ar frio, completando o movimento ciclônico e provocando a ampliação da área de atuação da massa (Figura 8). A frente quente se desloca mais lentamente do que a frente fria e de maneira gradativa altera a temperatura e aumenta a ne- bulosidade. Sua extensão pode chegar a 1.000 km. 68 Climatologia Figura 8 Entrada de uma frente quente (A) e condições de nebulosidade de seu anúncio (B) s tih ii/ Sh ut te rs to ck Direção do vento Stratocumulus Nimbostratus Altostratus Cirrosstratus Cirrus Massa de ar quente Frente quente Frente fria A So m yo t M al i-n ga m /S hu tte rs to ck B Quando a frente está em oclusão, isto é, quase completando o movimento com- pleto da espiral no ciclone, a massa de ar polar avança com maior velocidade do que a massa de ar quente, e a frente fria (fronteira das duas massas) alcança a retaguarda da massa de ar onde ocorre a frente quente. As duas frentes se fun- dem, formando uma espécie de frente híbrida, e aumentam as condições de tempo muito instáveis, podendo inclusive ser transformadas em tempestades de grande escala, como ciclones extratropicais, furacões, tufões etc. O último momento do ciclo acontece quando a frente oclusa no movimento ciclônico favorece a instalação do ar polar e sua permanência indica a condição de tipos de tempo estáveis, com alguns elementos originais da massa de ar polar. Devido à assimilação das características locais, que já foi iniciada no começo de seu deslocamento, o ar frio começa a ser substituído pelo ar quente e deve permanecer Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 69 estacionário até que seu movimento seja incorporado ao movimento da massa de ar quente, ou que outro sistema frontal reinicie o ciclo. Nesta perspectiva, os elementos climáticos são como o resultado de uma série de forças e processos atmosféricos organizados segundo suas fases no ciclo de uma frente polar. Cada tipo de tempo associado é exclusivamente a representação de um momento, uma parte do movimento completo de um ciclone, que deve du- rar, inclusive, em torno de cinco a sete dias. Você já deve imaginar que nem elementos, nem sistemas atmosféricos fluem sem uma determinação espacial, certo? Todos eles estão de alguma forma entre- laçados a partir da importância dos fatores geográficos do clima, que comumente são entendidos como controles climáticos – grandezas objetivas que condicionam a interação e a manifestação dos elementos climáticos. Assista ao vídeo Weather fronts explained (Frentes meteo- rológicas explicadas), publicado pelo canal Met Office – Weather, ins- tituição responsável pelos serviços meteorológicos do Reino Unido. No vídeo, você vai compreender melhor como visualmente os fluídos – ar e água – apresentam os movi- mentos se submetidos a temperaturas distintas. Disponível em: https://youtu.be/ naarbGHoAGU. Acesso em: 20 maio 2021. Vídeo 4.4 Fatores geográficos do clima Vídeo Na análise geográfica do clima, a relação entre elementos e fatores é opera- cionalizada como uma das bases para interpretação dos climas, uma vez que eles são admitidos como diversificadores da paisagem (MENDONÇA; DANII-OLIVEIRA, 2007). Por isso, eles podem ser entendidos como dinâmicos (massas de ar, frentes, correntes oceânicas) e estáticos (latitude, altitude, relevo, continentalidade, mariti- midade e atividades humanas). Vamos dar alguns exemplos decomo esses fatores influenciam os elementos. A latitude é o fator que explica as alterações sazonais da radiação, uma vez que a incidência dos raios solares sobre a superfície muda de ângulo de acordo com a posição que se encontra a Terra em sua órbita ao redor do Sol, o que leva a dispo- nibilizar quantidades diferentes de energia para os aquecimentos do ar em cada época do ano. Nas baixas latitudes, a variação da altura solar é pequena e caracteriza essa região também com baixas amplitudes térmicas anuais. Contrariamente, nas altas latitudes, a sazonalidade é bastante marcada e repercute diretamente na diferen- ciação das temperaturas durante o ano, apresentando uma importante amplitude térmica 8 e caracterizando geralmente as quatro estações do ano – primavera, ve- rão, outono e inverno. Os efeitos da maritimidade e da continentalidade são relevantes para explicar que a capacidade calorífera da água é diferente da terra e, por isso, ela favorece po- tencialmente o equilíbrio e controle das amplitudes térmicas nas zonas costeiras, ou os ares continentais de contato com os mares e oceanos. As maiores amplitudes são observadas no interior dos continentes. Podemos observar melhor esses exemplos a partir das condições de estabilida- de e instabilidade. A Figura 9 representa o deslocamento de uma massa de ar marí- tima (quente e úmida) sob uma superfície continental fria. Nesse caso, esse sistema provoca resfriamento basal e isso gera uma inversão térmica, fazendo com que a at- mosfera funcione como um tampão com presença de nuvens tipo nimbusestratus. Diferença entre os valores máximos e mínimos de temperatura observada em um determinado local. 8 https://youtu.be/naarbGHoAGU https://youtu.be/naarbGHoAGU 70 Climatologia Ao mesmo tempo que impede movimentos verticais, tende a reduzir a claridade, provocando dias nublados, e também pode apresentar relativa estabilidade (pouco vento), mas com visibilidade baixa e ocorrências de precipitações fracas. Figura 9 Avanço de uma massa de ar marítima sob superfície continental fria Superfície oceânica Superfície continental Fonte: Elaborada pelo autor. Já o deslocamento de uma massa de ar marítima (fria e úmida) sob uma superfí- cie continental quente provoca aquecimento basal (Figura 9). Essa condição favore- ce muita instabilidade com pancadas de chuva e formação de nuvens tipo cumulus e cumulonimbus. Depois da passagem dessa massa, o tempo deve seguir firme, com boas condições de visibilidade, ou seja, tipos de tempo ensolarados. Figura 10 Avanço de uma massa de ar marítima sob superfície continental quente Superfície oceânica Superfície continental Fonte: Elaborada pelo autor. Quando uma massa de ar marítima se desloca para uma superfície continental montanhosa, ela é submetida ao efeito orográfico, ou seja, o ar é forçado a subir das baixas altitudes para ultrapassar a barreira montanhosa ou acidente topográfico (Figura 10). Desse modo, a barlavento 9 , o ar úmido tende a sofrer descompressão barométrica, apresentando resfriamento adiabático, o que o leva a perder 0,6 ºC a cada 100 metros de elevação e provocando precipitações. A sotavento 10 , o fluxo da massa de ar deve ganhar 1°C na temperatura a cada 100 metros por aceleração na decida e, devido à compressão barométrica e à força gravitacional, deve gerar ressecamento e ventos fortes, por isso, é também é chamado de sombra-chuva. Refere-se à posição de um observador, na qual se identifica o lado em que o vento sopra. 9 Refere-se à posição oposta ao barlavento, isto, é, para onde o vento vai. 10 Dinâmica climática e fatores geográficos do clima 71 Figura 11 Neve na Cordilheira dos Andes mostra como relevo e altitude são fatores diversificadores do clima Ve ct or M in e/ Sh ut te rs to ck Condensação de vapor de água Ventos prevalecentes Vapor d’água Ar seco descendente Precipitação Essas condições explicam a ocorrência das paisagens do Andes na região do Chile Meridional (Figura 11), em que, sob latitudes baixas, o lado a barlavento, que está voltado para o oceano, recebe toda a umidade marítima, enquanto, ao trans- por a cordilheira, o ar em sotavento amplia o ressecamento do interior, auxiliando a formação do Deserto do Atacama. Essa situação se distingue também na ocorrên- cia de temperaturas muito baixas e precipitações na forma de neve em altitudes. O clima também pode ser considerado o principal determinante do tipo de ve- getação, mas não podemos desconsiderar que essa trabalha poderosamente in- fluenciando os elementos climáticos, já que oferece enormes quantidades de vapor d’água (evapotranspiração), por isso facilita os processos de calor latente, ameni- zando as amplitudes e os controle térmicos. Por outro lado, a retirada da vegetação – por desmatamento, queimadas etc. –, sua substituição por culturas agrícolas, a construção de cidades bem como a po- luição do ar têm impacto direto no balanço hídrico e enérgico, que tendem a inibir processos de calor latente e a estimular a geração do calor sensível. Grande parte dos problemas ambientais atuais estão de certa forma relaciona- dos a essa capacidade de construção de um clima próprio, de um clima antropiza- do. Por isso, as atividades humanas também são consideradas um fator do clima. Se de um lado, o efeito oro- gráfico gera muitas chuvas, do outro, ele gera resseca- mento. Por isso, existe um conjunto de tecnologias que tem auxiliado diferen- tes povos a se desenvolver de maneiras adaptadas para conviver com essa situação. Isso ocorre tam- bém no deserto peruano. Assista ao vídeo Transfor- mando névoa em água no deserto peruano, publicado pelo canal ZoominTV Brasil e veja como a coleta da água presente nos ventos do deserto tem sido uma estratégia para garantir benefícios e continuar a produção agrícola familiar, reduzindo o risco de pobre- za no país. Disponível em: https://youtu. be/9aUkK_GrZ8Y. Acesso em: 24 maio 2021. Vídeo https://youtu.be/9aUkK_GrZ8Y https://youtu.be/9aUkK_GrZ8Y 72 Climatologia CONSIDERAÇÕES FINAIS A definição de clima como sucessão habitual dos tipos de tempo sob um deter- minado lugar leva em consideração que o tempo meteorológico é muito variável e se manifesta espacialmente em resoluções cíclicas. Sendo assim, mais importante que definir os valores climáticos, é necessário encontrar sob quais condições atmosféricas esses valores foram ou são produzidos. Isso significa considerar que a manifestação espacial do fenômeno climático é sem- pre resultado da atuação instantânea, da trajetória momentânea e do resultado final de um conjunto complexo de fluxos atmosféricos. Nesse sentido, a variação, a dura- ção, a intensidade e a frequência dos tipos de tempo são oriundas de mecanismos organizados tanto no âmbito local e regional quanto no remoto. Chamamos esse com- plexo sistema de sistema climático. Podemos analisar o sistema climático por meio da articulação entre elemen- tos climáticos, fatores do clima e características, trajetórias e impactos dos siste- mas atmosféricos nos tipos de tempo. Nessa perspectiva o interesse final é que a caracterização dos climas nos lugares seja coerente com o quadro de realização es- pacial do complexo atmosférico. ATIVIDADES 1. Quais condições atmosféricas são favoráveis à concentração de poluentes e qual impacta diretamente as operações em aeroportos e transportes aéreos? 2. As massas de ar oriundas do Deserto do Saara, na África do Norte, podem provocar chuvas na Europa Meridional. Quais mecanismos explicam esse processo? 3. Como você explica a condição em que o Chile Meridional é uma região úmida e a Patagônia uma região seca, apesar de serem regiões vizinhas? 4. Quais sinais podem ser observados na fase de anúncio de uma frente fria? 5. Como podemos desenvolver uma análise geográfica inicial do clima dos lugares? REFERÊNCIAS CAVALCANTI, I, F. A. et al. (org.). Tempo e clima no Brasil. São Paulo: Oficina de Textos. 2009. MENDONÇA, F; DANNI-OLIVEIRA, I.Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São Paulo: Contexto, 2007. MONTEIRO, C. A. F. Da necessidade de um caráter genético à classificação climática. Revista Geográfica, Rio de Janeiro, v. 31, n. 57, p. 29-44, jul./dez. 1962. SANT’ANNA NETO, J. L. A climatologia dos geógrafos: a construção de uma abordagem geográfica do clima. In: SPOSITO, E.; SANT’ANNA, J. (org.). Uma geografia em movimento. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 295-318. Vídeo Climatologia aplicada 73 5 Climatologia aplicada Seja bem-vindo ao quinto capítulo do material de Climatologia. Vamos construir um debate sobre os fundamentos que mais articulam as práticas profissionais de geógrafos, seja como licenciado ou bacharel, e também do es- tudo acadêmico-científico. Vamos tratar o clima como um dos fenômenos de primeiro tratamento das problemáticas que envolvem as questões ambientais, agrárias, urbanas, econô- micas, políticas e ideológicas. Nosso objetivo é que você conheça as principais classificações climáticas e os climas regionais do Brasil e do mundo. Além disso, neste capítulo vamos nos aprofundar nos processos de inter- pretação e explicação de como o clima afeta e impacta os espaços urbanos e rurais, admitindo a necessária compreensão da influência dos tipos de tempo no agravamento de enfermidades da população e na diversificação das deriva- ções ambientais. Para isso, vamos apresentar os principais paradigmas e conceitos relacio- nados às formas analíticas que compreendem concepções e critérios para a classificação climática; relações que englobam clima, planta e agricultura; pro- cessos que constituem o clima urbano como uma derivação da urbanização dos climas locais; e contingências climáticas que envolvem a saúde humana a partir da qualidade ambiental. 5.1 Classificações climáticas Vídeo Podemos começar a discussão sobre as classificações climáticas, considerando que o clima de determinado lugar é resultado da combinação singular e interacio- nal dos elementos climáticos (temperatura, umidade e pressão) em relação aos seus fatores dinamizadores (latitude, maritimidade-continentalidade, altitude, rele- vo, vegetação e atividades humanas). Com o estudo deste capítulo você será capaz de: • Conhecer as principais classificações climáticas e os climas regionais do Brasil. • Demonstrar as formas com que o clima afeta e impacta os meios urbanos e rurais. • Compreender a influência dos tipos de tempo no agravamento de enfermi- dades da população. Objetivos de aprendizagem 74 Climatologia Por meio da organização dos dados climáticos e dos tipos de tempo em sua sucessão habitual, as classificações orientam a necessidade de sintetizar e agrupar aspectos similares, resultando, por sua vez, na elaboração de tipologias climáticas, sendo que a principal finalidade é a “obtenção de um arranjo eficiente de informa- ções em uma forma simplificada e generalizada” (AYOADE, 2010, p. 224). O objetivo de toda classificação é fornecer uma síntese suficientemente eficien- te e explicativa para a compreensão dos padrões e variações dos climas e dos tipos de tempo nos lugares. Geograficamente esse processo indica designar e produzir um conhecimento orientado para desenvolver as sociedades, sendo muito utiliza- do na gestão e planejamento territorial e regional, e também como parte da análise ambiental e dos sistemas naturais. Não à toa, existe também uma estreita relação entre as diversas concepções de clima na história e as diferentes abordagens rebatem diretamente nas representa- ções dos tipos climáticos e na realização das classificações. Toda classificação climática é dependente de uma determinada concepção de clima e serve para entender parte da dinâmica natural tanto dos lugares quanto dos processos de regio- nalização (definição de regiões). O produto final deve oferecer parâmetros para desenvolver processos de planejamento e gestão de território. Para maior aprofundamento desses aspectos, recomendamos a leitura do artigo Panorama dos sistemas de classificação climática e as diferentes tipologias climáticas referentes ao estado de Goiás e ao Distrito Federal/Brasil, de Diego Tarley F. Nascimento, Ivanilton José de Oliveira e Gislaine Cristina Luiz, publicado na revista Élisée. Acesso em: 18 maio 2021. https://www.revista.ueg.br/index.php/elisee/article/view/5769 Artigo As primeiras classificações climáticas não foram obtidas pelos atuais instrumen- tos de medida, mas por registradores naturais, em particular a sensibilidade dos seres humanos e a observação dos ciclos e ritmos dos sistemas naturais. Segundo Sorre (1951), não se conhecia o calor e o frio, a não ser por seus efeitos sobre o organismo humano e pela constituição das paisagens naturais, no sentido da defi- nição dos períodos e das áreas a serem exploradas. Podemos dizer que a primeira classificação mais sistemática do clima foi rea- lizada, na Antiguidade, no Egito. Preocupados com os períodos de cheias e com o aproveitamento de várzeas do Rio Nilo, os egípcios consideraram aspectos da sazonalidade, oferecendo a classificação que combinava o regime de chuvas e a dinâmica fluvial do rio em estações de inundação, germinação e colheita, valo- rizando significativamente a dimensão temporal da dinâmica climática. Acesso em: 8 jun. 2021. matrioshka/Shutterstock https://www.revista.ueg.br/index.php/elisee/article/view/5769 Climatologia aplicada 75 Em outro contexto técnico, os gregos desenvolveram uma série de estudos em- píricos sobre temperatura, água, precipitação, ventos e im- plicações nas culturas e na saúde humana, dentre eles a introdução de instrumentos de medição. Com base no con- ceito de Klima, ofereceram a primeira classificação global, que dividia o planeta em zona tórrida (quente), zona frígida (fria) e zona temperada (tépida). A classificação grega se as- semelha com as modernas latitudes, sua elaboração estava associada à distância/proximidade do Sol, sendo a zona temperada a única ideal e possível de sobreviver e se repro- duzir. Com essa classificação os gregos atribuíram diversas condições climáticas encontradas em diversos lugares do mundo. Atualmente, os princípios dessa classificação podem ser equivalentes a grandes zonas climáticas da Terra, que designam as áreas distintas de acordo com a incidência da radiação solar e a latitude. Nesse sentido, o planeta contempla os domínios dos climas equatoriais e subequatoriais nas baixas latitudes; os domínios tropicais, sub- tropicais, e temperados das médias latitudes; e os domínios subpolares e polares das altas latitudes (Figura 1). Figura 1 Principais zonas climáticas do planeta Zona equatorial Zona subequatorial Zona tropical Zona subtropical Zona temperada Zona subpolar Zona polar Ve ct or Im ag e Pl us /S hu tte rs to ck Mais recentemente, na modernidade (período que marca a ruptura entre a cul- tura tradicional e o racionalismo científico como fundamento do conhecimento), os instrumentos de medição dos elementos climáticos (termômetro, barômetro, higrômetro, pluviômetro) já ofereciam aos estudiosos do clima uma visão abran- gente das configurações climáticas na Terra. Desse período origina-se também a sistematização das ciências atmosféricas e a organização teórica da climatologia tradicional, que baseada em uma noção estática de clima foi sustentada pela observação em valores médios dos elementos climáticos e pela conformação estanque e absoluta de sua manifestação espacial. Zona frígida Zona Temperada Zona tórrida Zona temperada Zona frígida 76 Climatologia A título de exemplificação, a principal contribuição é sem dúvida a classificação de Köppen-Geiger, a mais conhecida. Essa classificação climática oferece a divisão planetária do clima, na qual os tipos climáticos são definidos segundo os limites dos conjuntos vegetacionais nativos e a sua relação com os graus de aridez (indica- dos pela relação entre precipitação, temperatura e evapotranspiração). Fundamentadana espacialização de valores como precipitação, temperatura e evapotranspiração, essa proposta valoriza associações com aspectos das paisa- gens a nível global, sobretudo a vegetação e os grandes compartimentos de relevo, como base para sua classificação climática em escala global (ROSSATO, 2011). São utilizadas médias mensais e anuais na classificação, que resultam na iden- tificação de cinco grupos principais de climas mundiais, correspondente aos cinco grupos vegetacionais. Koppen-Geiger utilizaram um grupo de letras para defini-los, assim como os subgrupos no interior das cinco grandes classes, e outras divisões para identificar outras características de precipitação e temperatura (ROSSATO, 2011). A Figura 2 apresenta essa proposta com indicação dos grupos climáticos e relação com os domínios vegetacionais e biomas do planeta. Figura 2 Classificação climática segundo Koppen-Geiger V ec to rM in e/ Sh ut te rs to ck Equador Equador Tropical Seco (árido e semiárido) Temperado Continental e subártico Polar A B C D E Climatologia aplicada 77 Em outro contexto técnico-científico, a climatologia mostrava incorporação das teorias do movimento (gravidade e termodinâmica) na dinâmica do ar atmosférico pelo conceito de massas de ar, ciclones e anticiclones explicados com base nos modelos de circulação atmosférica e na teoria da frente polar. Nessa abordagem, às classificações climáticas caberia a explicação da sucessão dos tipos de tempo segundo um caráter genético, com base na movimentação dos campos de pressão atmosférica, mesmo que se utilizassem os valores médios dos elementos climáti- cos (ROSSATO, 2011). Nessa perspectiva, podemos citar as contribuições de Nimer (1989) quando pro- pôs sua classificação considerando a identificação das fontes dinâmicas da origem e dinâmica das chuvas, os limiares de temperatura para as estações do ano, os períodos chuvosos, secos e subsecos (Figura 3). Nimer (1989) ofereceu cinco grandes domínios climáticos zonais para o Brasil: Clima equatorial Clima tropical equatorial Clima tropical litorâneo do Nordeste oriental Clima tropical úmido-seco ou tropical do Brasil central Clima subtropical úmido Cada um desses climas zonais é dividido em subtipos que denotam as caracterís- ticas de precipitação sazonal, regime térmico e atuação das massas de ar (Figura 3). 78 Climatologia Figura 3 Climas do Brasil segundo a classificação de Nimer Fonte: IBGE, 2021. Climatologia aplicada 79 Cabe ressaltar que, embora as classificações estáticas e dinâmicas apareçam em parte significativa da literatura como oposições de perspectivas climáticas dis- tintas, os dados sintetizados nas médias, por si só, não bastam para compreender a dinâmica atmosférica. Mas podemos partir dos valores médios para buscar a gênese e sucessão habitual dos tipos de tempo. 5.2 Clima e agricultura Vídeo O quadro atmosférico se configura por diferentes padrões climáticos regionais, altamente suscetíveis às irregularidades do balanço hídrico e energético. O fenô- meno climático é então analisado como o principal fator de formação das paisa- gens naturais e favorece a explicação dos tipos vegetacionais mais predominantes nas diversas regiões do planeta. Por exemplo, é possível reconhecer a distribuição espacial das florestas equa- toriais em domínios com significativa disponibilidade hídrica, alta radiação solar e baixa variação térmica em praticamente todo ano. Florestas tropicais situam-se em domínios climáticos marcados pela sazonalidade em duas estações com períodos pluviométricos distintos – estação chuvosa e estação seca. Florestas subtropicais e/ ou temperadas podem ser associadas com domínios climáticos determinados pela distribuição anual das chuvas e marcada variação térmica, que, por sua vez, define a sazonalidade em quatro estações – primavera, verão, outono e inverno. Essa variabilidade, no entanto, alterna-se em episódios de redução ou incre- mento pluviométrico que repercute nos espaços rurais pela redução de safras, que desestabilizam o mercado, provocam desemprego e comprometem a segurança alimentar, ao mesmo tempo que tendem a intensificar queimadas, perda da fertili- dade dos solos e aceleramento de processos erosivos. A relação clima-agricultura 1 é inicialmente construída para promover diagnósti- cos dos efeitos do clima sobre a organização das práticas agrícolas, do rendimento e da produtividade, geralmente associados por estratégias de zoneamento agroclimá- tico, que se baseiam na articulação por estresses bióticos e abióticos. Isso porque nos espaços rurais, voltados para as práticas produtivas de alimentos, a interpre- tação deve ser contextualizada segundo o ciclo de vida de plantas e animais, bem como sua seletividade, exigência e adaptabilidade ao regime climático, ou seja, dis- ponibilidade hídrica, variações da temperatura, fotoperíodo, radiação solar, neve etc. Trata-se, então, de uma análise focada na interação de dependência da planta ao clima, uma dimensão que envolve essencialmente relações ecológicas. A relação clima-agricultura, na perspectiva ecológica, basicamente é desenvolvi- da atribuindo como a sazonalidade tende a definir a quantidade de horas de brilho solar (insolação) durante um dia, e a distribuição das temperaturas e das chuvas durante o ano. Nesse sentido, o interesse é garantir uma interpretação da ciclicida- de da produtividade de plantas e animais de acordo com os ciclos climáticos, garan- tido inclusive que eventos adversos possam ser previamente conhecidos, tendo em vista o regime climático do lugar. Desse modo, por exemplo, é possível conhecer quais demandas as plantas e animais exigem em termos de luz solar ou temperatu- Vamos entender a agricul- tura no conjunto de todos os sistemas tecnológicos desenvolvidos para obter e produzir alimento, ou seja, inclui-se a pecuária e a piscicultura. 1 Estresses bióticos referem-se aos impactos de condições climáticas favoráveis à proli- feração de pragas e doenças. Por exemplo, tipos de tempo muito úmidos e quentes podem aumentar a dissemi- nação de fungos e bactérias, enquanto os tipos de tempo secos podem restringir. Já os abióticos são os conjuntos de impactos associados aos estresses hídricos (dispo- nibilidade hídrica no solo e na atmosfera), energéticos (quantidade de luz solar – fotoperíodo – que as plantas precisam para se reproduzir) e mecânicos (devido à ação dos ventos, que promove choque entre plantas e, por consequência, diminuição dos processos de respiração). Saiba mais 80 Climatologia ra da água, o que favorece a definição de um calendário agrícola ou a demarcação dos períodos de migração sazonal de determinadas espécies marinhas. Com essa estratégia, a climatologia geográfica explica e organiza também uma série de análises que articulam os tipos de tempo e de clima aos padrões de uso e tipo de solos para uso agrícola, incluindo recursos tecnológicos para adaptar deter- minadas culturas, seja como estratégia de aumento da produtividade, seja como alternativa de diminuição dos impactos adversos, devendo garantir a segurança em relação à variabilidade climática. Contudo, reconhece-se que muitos dos efeitos negativos da variabilidade climá- tica às atividades produtivas são em grande parte consequências muito mais da in- capacidade técnico-científica de elaborar planos de ação para adaptação das plantas frente aos padrões e às dinâmicas climáticas. Isso ocorre porque em áreas inseridas num contexto de forte modernização da agricultura, a relação de dependência é in- ferior a 50%, enquanto em áreas tradicionais a dependência da rentabilidade com relação às precipitações pluviométricas pode ser superior a 70% (ORTOLANI, 1995). O esquema de Ortolani (1995) (Figura 4) busca representar a razão de influência climática na produção de café do estado de São Paulo. Observe que a dificuldade da ação humana é proporcionalao controle do rendimento; ela aumenta conside- ravelmente quando se aproxima da base, determinada pelas condições de tempo e clima. De outro modo, a dificuldade de ação pode ser reduzida com manejo ade- quado das culturas em relação aos solos e às plantas adaptadas (genética). Figura 4 Causas da variabilidade anual da produção agrícola Fonte: Elaborada pelo autor com base em Ortolani, 1995. D ifi cu ld ad e de a çã o hu m an a M an ej o Solo Genética Tempo e clima Nesse sentido, a importância das relações entre clima e planta, além de deter- minar a distribuição global dos cultivos, é explicada pelas práticas agrícolas, que compreendem desde o preparo da terra para receber as sementes até o rendi- Climatologia aplicada 81 mento final da produção, o uso de fertilizantes, os sistemas de irrigação, o uso de agrotóxicos etc. Em outras palavras, em conjunto com os fatores naturais, o es- paço rural também é estruturado por avanços tecnológicos, por práticas agrícolas (tradicionais, modernas, extensiva, intensi- va etc.) e pela estrutura fundiária. Esses são os outros fa- tores fundamentais da relação clima-agricultura, e, nessa perspectiva, a análise é bastante atravessada pela relação clima-agricultura na perspectiva econômica. Por isso a necessidade de tratá-la como insumo ao processo produ- tivo, auxiliando na definição e constituição de territórios. No Brasil, temos o exemplo da cultura de soja. Utilizan- do esse exemplo, vamos articular as duas perspectivas. De origem chinesa e uso milenar no continente asiático, a soja é uma leguminosa extremamente rica em óleo e proteínas. Inicialmente, seu ciclo de vida anual e seu porte arbustivo aéreo de- ram a possibilidade de que seu cultivo fosse desenvolvido por meio de má- quinas, contemplando desde a semeadura, a erradicação de plantas invasoras e insetos pragas, a colheita, o armazenamento, até a comercialização. A planta da soja adequou-se ao modelo agroexportador, permitindo um retorno rápido do capital investido (maquinários e fertilizantes), como também determinou a escala global de circulação-produção para controle de preços (commoditie 2 ), ou seja, os grãos saírem das áreas de produção e chegarem ao uso final seja ele para abastecimento de mercados ou para indústria. Assim, a relação clima-soja garantiu que a cultura fosse introduzida no Brasil por comunidades de agricultores que apresentavam nível técnico suficiente para fazer parte da cadeia produtiva, bem como nas áreas que apresentam climas e solos similares às de origem da cultura ou que possibilitavam adaptação de outras variedades/cultivares. O estado do Rio Grande do Sul foi o que apresentou inicial- mente as condicionantes ecológicas mais adequadas às exigências fisiológicas e climáticas das plantas. Além disso, o estado apresentava fortes incentivos para im- plementação de um complexo agroindustrial iniciante no Brasil. Fotokostic/Shutterstock Conjunto de produtos primários em que o preço é determinado internacio- nalmente, considerando as bolsas de valores, por exemplo. São commodities o petróleo, a soja, o trigo, o ouro. 2 nnattalli/Shutterstock 82 Climatologia A consistência desse projeto ganhou mais destaque a partir do pacote tecno- lógico e da modernização da agricultura dada pela Revolução Verde. O sentido é de que o investimento em pesquisa e a substituição de sistemas de cultivos tradi- cionais por maquinário e agrotóxicos favoreçam mudanças estruturais no campo e, também, um desenvolvimento vegetativo adaptado ao fotoperíodo mais curto, típico de regiões de baixa latitude. A Revolução Verde é um dos marcos mais importantes das transformações do mundo urbano e rural brasileiro do final do século XX. Trata-se de um processo pautado na profunda reestruturação de ordem técnica e econômica das atividades agrícolas, legitimada principalmente por políticas da fome, de transferência tecnológica e de desenvolvimento. Devido à forte modernização e racionalização da produção, essa revolução também se caracteriza pelos importantes impactos em todos os sistemas – produtivos, sociais e humanos, em que os sistemas naturais não ficaram de fora. Para entender melhor essa discussão, leia o artigo : Alterações ambientais no estado do Paraná: um enfoque geográfico sobre a dinâmica fluviométrica e as transformações no campo, de Lindberg Nascimento Júnior e Douglas Ambiel Barros Gil Duarte, publicado na Revista NERA, que mostra como a Revolução Verde consolidou a substituição natural da vegetação, promovendo mudanças do padrão do uso do solo na transição da cafeicultura para sojicultura e modificações no regime hidrológico. Acesso em: 7 jun. 2021. https://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/view/5974/4689 Artigo Assim, o ajuste da fisiologia da planta de um ambiente temperado, conhecido como tropicalização da soja, proporcionou a adaptação da cultura reduzindo o ciclo anual para o período entre 90 e 200 dias, coincidindo com a sazonalidade do perío- do chuvoso do clima tropical e proporcionando a migração da cultura do sul para o interior norte do país, sobretudo nos últimos 40 anos (Figura 5). Figura 5 Quatro décadas de marcha da soja – 1975-2015 Fonte: Knorr, 2017. https://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/view/5974/4689 Climatologia aplicada 83 Observe que, nesse processo, a sojicultora foi paulatinamente mais consistente inicialmente na região Sul e em parte das regiões Sudeste e Centro-oeste. Na úl- tima década, observa-se que o vetor da produção tem se deslocado para o norte da região Centro-Oeste, setores da região Norte (Roraima e Pará) e Nordeste (oes- te baiano, sul do Maranhão e Piauí). E o que isso significa em termos da relação clima-agricultura? Você já deve ter percebido que o interior do país, que apresenta clima tropical, se consolidou como o ambiente ideal para efetivação da produção da soja do país. E isso não ocorreu só em termos climáticos e de extensão territorial, mas tam- bém porque o domínio Cerrado contempla relevos de planalto e chapadões com vertentes suaves onduladas que permitem o uso de mecanização por máquinas. Podemos afirmar que o Cerrado é atualmente o principal espaço para produção agrícola do país. Por isso, se em alguns territórios da agricultura tradicional o clima ainda exerce papel determinante, em outros, a sofisticada tecnificação e as relações de produ- ção altamente modernas minimizam os efeitos adversos da dinâmica climática so- bre seus domínios. Além disso, é necessário considerar que os processos de organização agrícola afetam negativamente o quadro ecológico, e qualquer evento climático fora dos padrões habituais é capaz de deflagrar uma reação em cadeia que afeta não só a produção agrícola como também a dinâmica dos sistemas naturais. Ao mesmo tempo, “o descompasso entre os benefícios econômicos e o seu retorno social, ao impacto de qualquer risco climático eventual, põe a nu toda a fragilidade da orga- nização social” (MONTEIRO, 1990, p. 32). Por essas razões, a relação clima-agricultura não pode ser concebida exclusiva- mente na perspectiva ecológica, uma vez que ela é importante para uma aproxima- ção inicial, e como insumo econômico, o clima assume um papel variado, associado aos meios distintos que os agentes sociais apresentam para lidar com os impactos do tempo e do clima, seja para minimizar, neutralizar ou otimizar os seus efeitos. 5.3 Clima urbano Vídeo Os processos de urbanização, de industrialização e de construção das cidades in- troduziram elementos físicos e químicos na atmosfera e alteraram sobremaneira as condições naturais pretéritas. Todo o processo de caracterização do clima tem início na radiação solar incidente e nas características da superfície receptora, sendo por meio dessa interação que se configuram as características climáticas específicas. Nas cidades essa interação favorece ainda mais alterações, inicialmente conhe- cidas a partir das transformações no balanço de energia,que possibilitam mudan- ças em todos os elementos climáticos, como temperatura, umidade relativa do ar, ventos, precipitações e composição química e física da atmosfera (AMORIM, 2000). Essa configuração parte das alterações do meio natural preexistente – o sítio urbano, que em num primeiro momento se dá pela remoção da cobertura vegetal para a instalação de bairros, ruas e casas, favorecendo a alteração do balanço de 84 Climatologia radiação e caracterizando mudanças nos processos termodinâmicos de gênese no clima local. Com a ampliação das intervenções, tais como construção de grandes prédios (verticalização), pavimentação asfáltica, remoção de árvores remanescentes, cana- lização de rios, entre outras, somadas às intervenções cotidianas, com destaque para a emissão de resíduos tóxicos na atmosfera, os processos termodinâmicos vão ganhando cada vez mais alterações, e os elementos climáticos repercutem com maior clareza na configuração de um clima local específico. Esses processos são, assim, retroalimentados por maior aquecimento do ar, au- mento das precipitações, velocidade e orientação dos ventos, poluição atmosférica. O clima local assume dimensões espaciais associadas à área construída, oferecen- do a explicação de que o clima urbano é o clima de um dado espaço terrestre e sua urbanização (MONTEIRO, 1976). Em cidades de países desenvolvidos, o maior aquecimento no ambiente urbano decorre durante o dia e da combinação dos materiais utilizados nas construções e edificações (centro da cidade e zona industrial), como mostra a figura a seguir. Nesse sentido, a intensidade das ilhas de calor está relacionada à maior diferença de temperatura entre a zona rural e a zona urbana. Figura 6 Efeitos da ilha de calor urbana durante os períodos diurno e noturno Va le nt in aK ru /S hu tte rs to ck Podemos inferir que o marco inicial dos estudos sobre clima urbano se deu a partir do século XIX, mais especificamente em 1661, com a obra Fumifugium, de John Evelyn. Naquele momento, Evelyn descreveu o clima urbano de Londres, des- tacando a participação da poluição do ar causada pela queima de carvão dentro do período da recente industrialização. Ele já articulava os efeitos negativos da polui- ção na qualidade da saúde humana e recomendava maneiras de melhorar a quali- dade do ar por meio do plantio de árvores e vegetação florísticas. Para aprofundar o debate histórico e avançar nos te- mas contemporâneos das questões que envolvem o clima urbano, assista à live Clima urbano como Risco Climático, apresentado no Canal do Laboratório de Climatologia e Análise Ambiental – LabCAA, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Disponível em: https://youtu.be/ a6EA1Z6WMVo. Acesso em: 8 jun. 2021. Vídeo https://www.ufjf.br/labcaa/ https://www.ufjf.br/labcaa/ https://www.ufjf.br/labcaa/ https://www.ufjf.br/labcaa/ https://www.ufjf.br/labcaa/ https://youtu.be/a6EA1Z6WMVo https://youtu.be/a6EA1Z6WMVo Climatologia aplicada 85 Mais recentemente, após a Segunda Revolução Industrial, a insalubridade do ar londrino foi novamente estudada pelo químico inglês Luke Howard em 1833. Em The climate of London, ele descreveu grande parte dos elementos climáticos (nu- vens, precipitação, temperatura) e os ciclos sazonais e mensais. Howard também detectou a contaminação do ar e observou diferenciação de temperatura do ar na cidade de Londres em comparação com as áreas rurais e/ou vizinhas. A popularização dos estudos também proporcionou maior abrangência nas prá- ticas de gestão e planejamento urbano, sobretudo a partir da urbanização acelerada observada no período pós-Segunda Guerra Mundial, em conjunto com a expansão territorial urbana das grandes metrópoles, a industrialização mais intensa e um importante aumento demográfico, principalmente nos países subdesenvolvidos. Nessa perspectiva, pelo menos duas abordagens são bastante destacadas. A primeira relaciona-se a questões de cunho meteorológico para compreensão e mo- delagem dos tipos e padrões de circulações induzidas sobre uma cidade, cujo inte- resse é a interpretação dos padrões termais com os materiais construtivos. Nessa abordagem, o clima urbano é condicionado principalmente pelo incre- mento térmico, tendo em vista que na cidade muitos materiais de construção absorvem e retêm mais radiação solar do que os materiais naturais em áreas rurais ou menos urbanizadas, que se configuram em ilhas de calor urbanas. A outra abordagem de clima urbano é baseada em uma leitura sistêmica e geo- gráfica. O precursor dessa abordagem foi o professor Carlos Augusto Figueiredo Monteiro (1976), que se preocupava com a cidade na condição de premissa básica para a ciência geográfica e carecia de uma intepretação sistêmica para promover a indissociabilidade sociedade-natureza. Para ele, entre o núcleo urbano e a área metropolitana há a “cidade”, tomada em seu sentido habitual, que se identifica como o “lugar”, e cuja configuração da atmosfera sobre ele, configura a condição local da observação meteorológica e definição climática. Ao dizer-se “urbanização” – processo de implantação humana concentrada sobre um dado lugar –, quer-se chamar a atenção sobre a mobilidade do fato urbano. (MONTEIRO, 1990, p. 80) A impossibilidade de tratamento a partir da separação dos elementos naturais e sociais destacava (e ainda destaca) as questões ambientais e urbanas em um ponto de vista único, numa perspectiva que considerou que toda cidade possui um clima próprio, resultado da influência de todos os elementos (naturais, ambientais e urbanos) processados sobre a camada limite urbana 3 . Por se tratar de um sistema climático aberto, o Sistema Clima Urbano (SCU) indicava as formas de detecção por meio de subsistemas e canais de percepção em uma estrutura interna. O processo de troca de matéria e energia atmosférica é descrito a partir da entrada de energia solar no ambiente (input e insumo prin- cipal), sua transformação (a partir do núcleo – estrutura interna do sistema), sua percepção (canais do impacto meteórico, qualidade do ar e conforto térmico), saída (output – que compreende os níveis de resolução e efeitos paralelos), com interde- pendência de processos em sua organização funcional e complexa (Figura 7). A ilha de calor urbana é um fenômeno que resulta na formação de bolsões de ar quente decorrentes da capacidade diferenciada de armazenar e refletir a energia solar dos materiais encontrados na superfície (AMORIM, 2000). Segundo Oke (1979), a característica mais significante da ilha de calor é sua intensi- dade, entendida como a diferença entre o máximo da temperatura urbana e o mínimo da temperatura rural. Essa característica está relacionada com os fatores que contribuem para a formação da ilha de calor, tais como os naturais (situação sinótica, relevo e presença de superfícies com vegetação e/ou água) ou propriamente urbanos (morfologia urbana e ativi- dades antropogênicas). Saiba mais Do inglês urban boundary layer, é o conceito proposto por Oke (1979) para tratar da atmosfera imediata à superfície urbana. Basica- mente ela integra todos os movimentos de estratifica- ção da temperatura e os movimentos turbulentos do ar na cidade. 3 86 Climatologia Figura 7 Sistema Clima Urbano Ambiente Insumo Níveis de resolução Produção Ilhas de calor Ventilação Condensação Poluição atmosférica Precipitação Disritmias externas Efeitos paralelos Percepção Co nf or to té rm ic o Sa úd e Q ua lid ad e do a r Im pa ct o m et eó ric o D es or ga ni za - çã o ur ba na D es em pe nh o hu m an o Ação planejada Autorregulação M et as Pe sq ui sa bá si ca Co ns ci ên ci a so ci al Es tr at ég ia s al te rn at iv as Po de r pú bl ic o D ec is õe s So lu çõ es Ex pe ct at iv a Núcleo Transformação Estrutura do sistema (caixa preta)Energia Solar Ci rc ul aç ão a tm os fé ric a re gi on al En er gi a líq ui da RetroalimentaçãoAjustamento adaptativoExportação para o ambiente Intervenção corretiva Espaço ecológico alterado Espaço urbano adaptado (uso do solo, estrutura urbana) Espaço natural alterado (aterros, represas etc.) Dinâmica urbana (funções e atividades) Fonte: Adaptado de Monteiro, 1976. Nessa perspectiva, os climas urbanos que pudessem atingir negativamente a cidade, ou seja, a saúde das pessoas, a destruição de infraestruturas e a desorga- nização do espaço, poderiam ser transformados pela ação planejada (autorregu- lação). A participação de agentes sociais na consciência dos problemas relativos aos impactos das cidades seria o ponto-chave para mudar as rotinas, a cultura e os planos urbanos, que sistemicamente rebateria na reorganização do clima urbano. As duas abordagens se complementam, contudo o Sistema Clima Urbano ofe- rece uma abrangência maior e mais robusta, uma vez que a identificação da ilha de calor faz parte de um subsistema e deve ser articulada a outros fatores do coti- diano urbano, não se limitando somente à caracterização de sua intensidade e aos padrões espaço-temporais. De modo geral, o estudo do clima urbano pelo Sistema Clima Urbano absor- ve grande eficiência no trato do clima e da cidade, revelando não só os sistemas atmosféricos que deflagram impactos à população, mas também questionando as formas e os processos de produção do espaço urbano e incorporando outros pro- cedimentos devido ao avanço técnico-científico. 5.4 Clima e saúde Vídeo Além das classificações climáticas, da relação clima-agricultura e do clima urba- no, a influência do tempo e do clima sobre a vida vegetal e animal é reconhecida desde a Antiguidade 4 . Nesse escopo, o contato inicial entre geografia (climatolo- gia – biogeografia) e saúde humana derivou os primeiros trabalhos sistemáticos A influência do estado do tempo e do clima sobre a saúde humana é reconheci- da desde a Antiguidade. 4 Climatologia aplicada 87 de Geografia Médica, voltados à descrição minuciosa da distribuição regional das doenças, empregando amplamente recursos cartográficos (FERREIRA, 2001). O resultado desse processo foi a produção de obras importantes que orienta- vam a necessidade de saneamento, medidas preventivas e melhoramento de áreas precárias e insalubres, principalmente no mundo tropical, onde se manifestavam com impactos direto na saúde humana. A teoria dos complexos patogênicos, proposta pelo geógrafo Maximilian Sorre, em 1951, é uma das mais relevantes De acordo com essa teoria, uma determinada patologia (doenças infecciosas e parasitárias, fundamentalmente) seria produto de uma interação que combina as características do meio físico, a ocorrência de doenças pela detecção de agentes patogênicos em suas condições ecológicas e fisiológicas e as possibilidades das transformações antrópicas no meio geográfico – que compreende o entorno ime- diato, próximo e distante de atuação e convivência humana. A complexidade das relações que interessam aos geógrafos remeteria à “inter- dependência dos organismos postos em jogo na produção de uma mesma doença permite inferir uma unidade biológica de ordem superior: o complexo patogênico” (SORRE, 1951, p. 237). Nesse jogo, todos os seres vivos condicionam ou comprome- tem a existência, além do ser humano e do agente causal da doença infecciosa (os vetores), em que o clima é um dos fenômenos mais importantes. A Figura 8 apre- senta a organização esquemática dessa estrutura e mostra que no nível elementar a doença resulta da interação entre meio biológico, meio social e clima. Figura 8 Estrutura do complexo patogênico Meio biológico Meio social Clima Vetores Vírus Bactérias Ambiente Metabolismo Tipos de tempo Fonte: Elaborada pelo autor. A capacidade de adaptação dos seres humanos aos diferentes tipos de tempo é ampla, porém a facilidade ou dificuldade dessas adaptações também pode ser alte- rada pelas diferentes vulnerabilidades e pela resiliência da população e dos corpos dos indivíduos. Essas questões devem ser operadas considerando as mudanças dos tipos de tempo e sua influência no organismo humano, que necessita sempre se readaptar para permanecer com saúde e bem-estar. Atualmente tem-se deno- minado esse processo de efeito meteorotrópico, e varia de indivíduo para indivíduo. Desso modo, consideramos que algumas condições climáticas são favoráveis na recuperação fisiológica humana, como o ar umidificado e a insolação, que po- dem auxiliar na recuperação de riníticos e asmáticos. Entretanto, outras condições atmosféricas e climáticas, como períodos chuvosos com altas temperaturas, permi- tem o desenvolvimento dos vetores que transmitem doenças (ALEIXO, 2012). Os complexos patogêni- cos recebem o nome da doença a que se referem (por exemplo, complexo malárico, da peste etc.). O interessante é que cada complexo seja tratado não como seções absolutas em termos numéricos e es- paciais, mas fundamental- mente por meio de grupos que se desenvolvem de ma- neira indissociável e muitas vezes inter-relacionados (SORRE, 1951). A natureza da abordagem é ecológica, por isso o princípio é en- tender que cada complexo é organizado com vida própria, que é originado, desenvolvido e desintegra- do epidemiologicamente de maneira geográfica (em termos históricos, biológi- cos e evolutivos). O papel antropogênico é essencial para determinar a gênese e a desintegração dos com- plexos, e não se restringe à atuação como hospe- deiro ou como vetor das doenças, mas como agente transformador de espaço (SORRE, 1951). Saiba mais 88 Climatologia Segundo Aleixo (2012), a escala de estudo da relação clima-saúde tem sido cada vez mais associada ao ambiente urbano, pois as cidades têm se tornado o lugar do viver da sociedade e a alteração dos componentes físicos e químicos, por sua vez, repercute diretamente na saúde (Figura 9). Figura 9 Canais de percepção do clima urbano e suas manifestações na saúde Organização socioambiental urbana Tipos de tempo Falta de planejamento e prevenção dos riscos Impacto na saúde Canal 1: Conforto térmico • Doenças psicossociais • Doenças respiratórias • Doenças circulatórias • Doenças cardiovasculares • Desempenho físico Canal 2: qualidade do ar • Doenças respiratórias • Doenças circulatórias • Doenças gástricas • Doenças dérmicas • Doenças crônicas Canal 3: Impacto meteórico • Doenças de veiculação hídrica • Doenças infecciosas • Doenças parasitárias Subsistema termodinâmico Subsistema físico-químico Subsistema hidrometeórico Fonte: Elaborada pelo autor com base em Aleixo, 2012. O sentido é que a alteração na quantidade de matéria e energia do sistema climá- tico, provocada pela produção e expansão territorial dos espaços urbanos e pelas condições de saúde-doença, bem como de sobrevivência dos vetores, pode modifi- car, consequentemente, a capacidade de adaptação e o estresse humano também. Além disso, a relação com a vulnerabilidade humana contempla a população de anemosensíveis, isto é, o conjunto de pessoas com comorbidades preexisten- tes (idosos, riníticos, asmáticos, mulheres grávidas e crianças) ou que apresentam maior sensibilidade fisiológica aos agravos relacionados ao clima. O que remete, então, a uma diversidade de riscos que comprometem o bem-estar humano e a qualidade de vida. A figura a seguir apresenta um esquema dessa ideia: Climatologia aplicada 89 Figura 10 Relação clima, saúde e vulnerabilidade humana Capacidade de adaptação dos seres humanos Recuperação fisiológica Readaptação para permanecer com saúde e bem-estar Riscos à saúde Clima urbano / eventos externos Períodos chuvosos e com altas temperaturas Vulnerabilidade humana População de anemosensíveis (pessoas idosas, com enfermidade preexistente, riníticos, asmáticos, gestantes e crianças) Derivados de climas fortemente agressivos ou de paroxismos climáticos particularmente violentos.X Ligada às especificidades de determinados indivíduos aos fenômenos climáticos particulares. Fonte: Elaborada pelo autor As alterações ambientais provocadas por ações humanas manifestam-se em modificações importantes no meio ecológico e climático, podendo promover o comprometimento e condicionamento da qualidade ambiental em impactos epi- demiológicos significativos. A ideia é que as relações entre o ser humano e o am- biente compreendem também a ação da natureza (meio físico e biológico) sobre o ser humano, ao passo que a ação humana (social e histórica) modela a natureza. Por isso, é sempre um desafio sem sucesso tentar separar os efeitos climáticos na saúde e os determinantes socioeconômicos e culturais, uma vez que o clima apa- rece muitas vezes como fator de confusão e menos de explicação. Devido a essa natureza, as perspectivas produzidas têm como princípio a totalidade do problema, ou seja, integram a saúde e a doença como um processo, que ativa a problemática das condições para a qualidade ambiental. Nesse contexto, o processo saúde-doença perpassa múltiplas facetas no espa- ço urbano, podendo também ser relacionado desde análise de políticas públicas de saneamento e saúde coletiva até aspectos estruturais de moradias e localiza- ção da habitação. 90 Climatologia CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo geográfico aplicado ao clima apresenta pelo menos quatro grandes fren- tes – a que origina os processos de classificação, a relação clima-agricultura, o clima urbano e a saúde. Cada abordagem inclui outras possibilidades de estudo, como ris- cos, desastres, qualidade ambiental, restauração ecológica etc. De todo modo, a complexidade dos problemas que envolvem as aplicações em climatologia não é mais passível de ser analisada exclusivamente à luz dos conceitos e técnicas tradicionais, ou dos problemas em si. O trabalho do geógrafo pode ser mais propositivo se a análise for encandeada para o encontro das ordens espaciais do fe- nômeno climático. É por isso que, por meio da climatologia geográfica, os estudos priorizam a dimen- são espaço-temporal dos processos climáticos como fator condicionante das paisa- gens e como constituição dos territórios. A associação com manifestações diferentes e impactos específicos se abre inclusive para diferentes técnicas de análise e propostas críticas para resolução de problemas contemporâneos. ATIVIDADES 1. Para quais propósitos a classificação climática se faz importante? 2. Como pode ser desenvolvido um estudo geográfico sobre a relação clima-agricultura? 3. Quais as principais abordagens dos estudos sobre o clima urbano e quais seus elementos principais? 4. Na relação clima-saúde, quais fatores climáticos são considerados para estabelecer a análise? REFERÊNCIAS ALEIXO, N. C, R. Pelas lentes da climatologia e da saúde pública: doenças hídricas e respiratórias na cidade de Ribeirão Preto. 2012. 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Vídeo https://repositorio.unesp.br/handle/11449/101455 https://repositorio.unesp.br/handle/11449/101455 https://journals.openedition.org/confins/12592 https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/12740 https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/32620/000782660.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/32620/000782660.pdf?sequence=1&isAllowed=y Mudanças climáticas 91 6 Mudanças climáticas Com o estudo deste capítulo você será capaz de: • Entender como o clima da Terra foi se formando ao longo do tempo geológico e as grandes mudanças climáticas do Período Quaternário. • Discutir o aquecimento global e suas implicações no aumento dos ris- cos e desastres, comprometendo o futuro da humanidade. Objetivos de aprendizagem Seja bem-vindo ao sexto e último capítulo do material de Climatologia. Dessa vez, nosso debate vai focar nas questões contemporâneas que envolvem o papel do clima e o futuro da humanidade na Terra, ou seja, vamos abordar especialmente as mudanças climáticas. Inicialmente, vamos entender o conceito de mudança no conjunto das trans- formações do clima da Terra, aquelas que ocorrem ao longo do tempo geoló- gico. Essa discussão é importante para dimensionar o clima como elemento de constituição de paisagens e para destacar que o princípio da variação é uma das suas características mais essenciais. Em seguida, vamos tratar do aquecimento global contemporâneo, sobretudo de sua gênese, seus impactos e suas implicações socioespaciais. Basicamente, vamos relacionar esse processo com o aumento dos eventos climáticos extre- mos que podem acarretar riscos e desastres naturais. De modo geral, pretendemos oferecer mais um momento de reflexão crítica com interpretações analíticas do fenômeno climático com base na climatologia geográfica e que podem servir para as suas práticas profissionais futuras, seja como licenciado ou bacharel. 6.1 Os climas do passado Vídeo Partimos inicialmente da definição mais abrangente de mudança climática, que, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM, 1969), compreende “toda e qualquer manifestação de inconstância climática independentemente de sua natu- reza estatística, escala temporal ou causas físicas”. No escopo da climatologia geográfica, as mudanças climáticas não são uma no- vidade, já que ao longo da história natural ocorreram modificações que impacta- ram em grande magnitude os sistemas naturais e sociais e, desse ponto de partida, 92 Climatologia as mudanças climáticas têm sido estudadas sob pelo menos três perspectivas dife- rentes. Primeiramente, as que se relacionam com a abordagem paleoclimática no período anterior à existência humana; as mudanças climáticas na história, que con- templam as variações mais recentes; e também as que envolvem o aquecimento global contemporâneo, que marca o estágio atual do clima, destacando sobretudo as lógicas e os modelos de desenvolvimento. Por isso, a mudança climática é vista na geografia essencialmente como uma questão de escala, uma vez que, das escalas globais às locais, tanto os processos físico-naturais quanto os de origem socioeconômica interferem e/ou determinam as características por meio das quais o clima é apropriado na produção do espaço geográfico (SANT’ANNA NETO, 2011). Para exemplificar, o debate se resolve se considerarmos os níveis de organiza- ção espaço-temporal das modificações do clima que atendem aos princípios das causasnaturais e antropogênicas, bem como das suas dimensões temporais. Essa articulação está representada no quadro a seguir. Quadro 1 Modificações globais do clima Conceito Duração temporal Gênese Revolução climática Superior a 10 milhões de anos Atividades geotectônicas e variações polares Mudança climática 10 milhões a 100 mil anos Movimentos astronômicos Flutuação climática 100 mil anos a 10 anos Vulcanismos e ciclos solares Oscilação climática Anos e décadas Modos e padrões de teleconexão climática Interação climática Inferior a 10 anos Fenômenos acoplados oceano-atmosfera Alteração climática Muito curta Atividade antrópica e transformações históricas na paisagem Fonte: Conti, 1998. Nesta seção vamos focar na primeira abordagem, visto que, em grande parte, essas variações são oriundas de flutuações climáticas que propiciaram a constitui- ção das paisagens naturais atuais. Trata-se da influência cíclica de climas de um passado muito antigo, que basicamente marcam períodos alternadamente secos e frios (glaciação), e úmidos e quentes (interglaciação). Esses períodos são sempre descritos conforme a gênese natural de ordem geofísica, ou seja, sua origem é sempre exógena ou endógena 1 . Para que você tenha ideia, nesses períodos os regimes hídrico e térmico globais foram significativamente modificados à medida que a distribuição de chuvas nas regiões temperadas deslocava-se sobre as regiões semiáridas, e estas, por conse- guinte, deslocavam-se sobre as regiões equatoriais quentes e úmidas. Isso significa entender também que os domínios dos climas e das paisagens glaciais (restritas aos polos) se expandiam até regiões próximas a 60º e 50º de latitude. A título de exemplificação, a Teoria dos Refúgios, desenvolvida pelo professor Aziz Ab’Saber, é um dos principais sistemas referenciais explicativos dessas varia- ções. Na teoria, essas alternâncias ocorreram sobretudo durante o Pleistoceno, no Os fatores exógenos das mudanças climáticas estão associados à constante so- lar, aos ciclos orbitais e aos movimentos astronômicos – por exemplo, os Ciclos de Milankovitch, os ciclos solares e lunares. Já os endógenos são associados à dinâmica terrestre, sendo importantes os vulcanis- mos, o tectonismo, a deriva continental etc. 1 Mudanças climáticas 93 Período Quaternário (1,8 milhões de anos AP, ou antes do presente) e provocaram fortes e profundas mudanças no tipo de vegetação e biomassa nas zonas continen- tais tropicais, causando extinção, diferenciação e alterações na distribuição biogeo- gráfica dos animais e das plantas (AB’SÁBER, 1992). Conforme Ab’Sáber (1992), os glaciares correspondem às grandes eras que du- raram cerca de 100 mil anos e provocaram forte ampliação das calotas continentais e polares devido à precipitação da água na forma de gelo e neve. Por consequên- cia, houve a redução do nível médio dos mares (cerca de 100 metros), como tam- bém exposição de grandes faixas de terras (antes cobertas pelas águas marítimas e oceânicas), recuo natural das florestas e dos climas tropicais, além de expansão dos climas áridos e semiáridos. Na América do Sul, por exemplo, nesses períodos as características climáto- lógicas foram predominantemente semiáridas nas faixas intertropicais, já que a dinâmica climática era marcada pelo deslocamento do centro do anticiclone do Atlântico Sul para baixas latitudes (mais próximas das zonas equatoriais) e domina- va toda a extensão continental (Figura 1). TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO TRÓPICO DE CÂNCER TRÓPICO DE CÂNCER EQUADOR OCEANO PACÍFICO OCEANO ATLÂNTICO EQUADOR TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO TRÓPICO DE CÂNCER TRÓPICO DE CÂNCER EQUADOR OCEANO PACÍFICO OCEANO ATLÂNTICO EQUADOR PE RU EQUATORIAL GUIANA FA LK LA N D BRASIL EQUATORIAL QUENTE - ÚMIDO SEMIÁRIDO TROPICAL ÚMIDO E SECO SUBTROPICAL ÚMIDO C O R D I L H E IR A D O S PERU EQUATORIAL GUIANA CANÁRIAS FA LK LA N D N EB LI N A BR ASIL DES ÉR TI CO SEMIÁRIDO SEMIÁRIDO PARA-ÁRIDO SEMIÁRIDO Rio Lago Área urbana Calota de gelo 0 1000 Km 6.800 0 Quente Fresca Fria (Corrente) (Vento)(Altitude em metros) Julho Janeiro Figura 1 Dinâmica climática nos períodos interglaciais e glaciais na América do Sul Fonte: Adaptada de Viadana, 2000 apud Silva, 2011. Juntamente com os anticiclones do Pacífico Sul, esses sistemas de alta pres- são impediam a ascensão de eventual umidade e restringiam a possibilidade de ocorrências de precipitações na forma liquida (chuvas), resultando na condição de semiaridez em toda a faixa intertropical. Nas fases glaciais, o sertão nordestino – hoje semiárido – estava individualizado por climas áridos, portanto mais seco em relação ao atual (CASSETI, 2005). Por isso, durante as glaciações, além da queda na temperatura, a precipitação ocorre majoritariamente no estado sólido (gelo e neve), o que, por sua vez, provoca o rebaixamento do nível do mar 2 e a diminuição de rios perenes 3 . Ao mesmo tem- Para aprofundar os seus conhecimentos sobre os impactos das mudanças climáticas sob o viés dos estudos paleoclimáticos, recomendamos a leitura da nota publicada pelo professor Pedro Hauck da Silva, intitulada “A Teoria dos Refúgios Florestais e sua Relação com a extinção da Megafauna Pleistocêni- ca: um estudo de caso”. O autor apresenta elemen- tos para entender como grande parte de animais da megafauna sul-americana foram extintos e chama a atenção ao caso excepcio- nal dos sítios paleontoló- gicos situados na estado do Piauí. SILVA, P. A. H. da. Estudos Geográficos: Revista Eletrônica de Geografia, Rio Claro, v. 5, n. 1, p. 121-134, 2007. Disponível em: https:// www.periodicos.rc.biblioteca. unesp.br/index.php/estgeo/article/ view/1021/948. Acesso em: 21 jun. 2021. Leitura O domínio das correntes oceânicas também se associa às fases glaciais – que provocam o resfria- mento do ar atmosférico –, uma vez que a condição das águas oceânicas mais frias estimula estabilida- des atmosféricas. Nessa circunstância, o clima era resultado do domínio do fluxo extratropical. 2 Conjunto de rios cujos leitos correm durante todo ano, ao contrário dos rios intermitentes, cujos leitos secam ou congelam pelo menos uma vez ao ano. 3 https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/estgeo/article/view/1021/948 https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/estgeo/article/view/1021/948 https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/estgeo/article/view/1021/948 https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/estgeo/article/view/1021/948 po, observa-se a expansão das calotas polares e continentais, bem como a expan- são de climas áridos e semiáridos devido ao recuo de florestas tropicais. De outro modo, nos períodos interglaciares, correspondentes a pequenos inter- valos em torno de 10 mil anos entre glaciares, a condição climática se caracteriza por temperatura mais amena, proporcionando precipitações de água na forma lí- quida e, em consequência, aumento do nível médio dos mares, expansão das flo- restas e dos climas tropicais e redução dos climas áridos e semiáridos. Neste aspecto, o deslocamento dos centros dos anticiclones do Atlântico e Pa- cífico Sul permitia o avanço menos frequente de massas de ar extratropicais e das correntes marítimas frias, bem como a permanência de sistemas atmosféricos tro- picais, úmidos e quentes. Sob essas condições, a dinâmica favorece maiores flu- xos tropicais e intertropicais, enriquecidos pela entrada das correntes quentes (do Brasil e do Golfo), que apresentam grande atuação no continente, e das correntes frias (das Ilhas Falkland ou Malvinas), sendo restritas à seção meridional, muito semelhante aos aspectos atuais. Em síntese, a última fase interglacial conhecida ocorreu há cerca de 120 a 150 mil anos AP e foi seguida por uma fase glacial de Würm, tendo esta terminado há 10 mil anos, quando se iniciou a atual fase interglacial. Considerando essaciclicidade, essas grandes flutuações são explicadas principalmente por mecanismos inerentes ao próprio sistema planetário, oriundos de movimentos gravitacionais, que alte- ram a posição da Terra em relação ao periélio (ponto da órbita da Terra que está mais próxima do Sol). Para além dos fatores exógenos, os fatores internos também devem ser consi- derados. Por exemplo, a criosfera, ou a superfície terrestre coberta de gelo (polos, calotas, geleiras, permafrost etc.), auxilia no balanço de energia que entra e sai do sistema terrestre e, junto com os oceanos, devem condicionar em grande parte as variabilidades climáticas do planeta. A quantidade de aerossóis emitidos na atmosfera por vulcanismos também deve alterar o balanço de energia da Terra e provocar resfriamentos de dois a três anos seguidos. Para ilustrar, a erupção do vulcão Pinatubo, localizado na ilha Luzon, nas Filipinas, ocorrida em 1991, reduziu a temperatura média global em 0,5 ºC e impactou a distribuição das chuvas na zona tropical. Engineer studio/Shutterstock Mudanças climáticas 95 As variações na concentração de gases do efeito estufa, intensificada, por exem- plo, pelas atividades humanas, também podem ser consideradas um fator interno. Para este debate, no entanto, vamos considerar o aquecimento global contem- porâneo, que tem sido interpretado como fato consolidado, consensual e causador das mudanças climáticas atuais. 6.2 Aquecimento global Vídeo As discussões sobre o fenômeno do aquecimento global mostram o cenário formado por preocupações e inquietações de dimensões ambientais na escala planetária e desenvolvido nas últimas décadas, principalmente tendo em vista as possíveis repercussões socioespaciais em um futuro próximo (MENDONÇA, 2006). Levando em consideração esse debate, é importante reconhecer a distinção quanto às mudanças climáticas anteriormente debatidas, uma vez que o aqueci- mento global pode ser interpretado como tendência climática, isto é, trata-se do “aumento lento dos valores médios ao longo de série de dados (em escala mundial) de no mínimo três décadas, podendo ou não ocorrer de forma linear” (OMM, 1969). De todo modo, a complexidade do aquecimento global não está em sua defini- ção conceitual, mas fundamentalmente em seu caráter de ser um problema social e produtivo 4 , que remete à importância de forçantes antropogênicas na dinâmica climática. O argumento é de que, nos últimos 160 anos ,o aumento na ordem de 1,1 ºC da temperatura média global tem sido atribuído à intensificação do efeito estufa pelas atividades humanas, como queima de combustíveis fósseis e desmatamento e incêndios de florestas tropicais, que emitem CO2, um dos principais gases de efeito estufa. M ar ti Bu g Ca tc he r/ Sh ut te rs to ck Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2007), a hipótese do efeito estufa intensificado é fisicamente simples e está representada Por exemplo, se os regis- tros históricos observados globalmente indicassem diminuição de valores de temperatura, o fenômeno seria o resfriamento global, o que ainda assim seria um problema. 4 po, observa-se a expansão das calotas polares e continentais, bem como a expan- são de climas áridos e semiáridos devido ao recuo de florestas tropicais. De outro modo, nos períodos interglaciares, correspondentes a pequenos inter- valos em torno de 10 mil anos entre glaciares, a condição climática se caracteriza por temperatura mais amena, proporcionando precipitações de água na forma lí- quida e, em consequência, aumento do nível médio dos mares, expansão das flo- restas e dos climas tropicais e redução dos climas áridos e semiáridos. Neste aspecto, o deslocamento dos centros dos anticiclones do Atlântico e Pa- cífico Sul permitia o avanço menos frequente de massas de ar extratropicais e das correntes marítimas frias, bem como a permanência de sistemas atmosféricos tro- picais, úmidos e quentes. Sob essas condições, a dinâmica favorece maiores flu- xos tropicais e intertropicais, enriquecidos pela entrada das correntes quentes (do Brasil e do Golfo), que apresentam grande atuação no continente, e das correntes frias (das Ilhas Falkland ou Malvinas), sendo restritas à seção meridional, muito semelhante aos aspectos atuais. Em síntese, a última fase interglacial conhecida ocorreu há cerca de 120 a 150 mil anos AP e foi seguida por uma fase glacial de Würm, tendo esta terminado há 10 mil anos, quando se iniciou a atual fase interglacial. Considerando essa ciclicidade, essas grandes flutuações são explicadas principalmente por mecanismos inerentes ao próprio sistema planetário, oriundos de movimentos gravitacionais, que alte- ram a posição da Terra em relação ao periélio (ponto da órbita da Terra que está mais próxima do Sol). Para além dos fatores exógenos, os fatores internos também devem ser consi- derados. Por exemplo, a criosfera, ou a superfície terrestre coberta de gelo (polos, calotas, geleiras, permafrost etc.), auxilia no balanço de energia que entra e sai do sistema terrestre e, junto com os oceanos, devem condicionar em grande parte as variabilidades climáticas do planeta. A quantidade de aerossóis emitidos na atmosfera por vulcanismos também deve alterar o balanço de energia da Terra e provocar resfriamentos de dois a três anos seguidos. Para ilustrar, a erupção do vulcão Pinatubo, localizado na ilha Luzon, nas Filipinas, ocorrida em 1991, reduziu a temperatura média global em 0,5 ºC e impactou a distribuição das chuvas na zona tropical. Engineer studio/Shutterstock 96 Climatologia esquematicamente na Figura 2. O que isso quer dizer? Se considerarmos que os va- lores médios de energia solar e albedo planetário estão mantidos e são constantes, as concentrações dos gases de efeito estufa devem aumentar a transformação da energia solar em energia térmica (provocando aquecimento), e seu aprisionamento diminuiria sua liberação para o espaço exterior à Terra – por consequência, a tem- peratura do planeta seria mais alta. Figura 2 Esquema de representação do aquecimento global contemporâneo ALBEDO Disponível para os processos físicos e químicos que ocorrem no sistema Terra-Atmosfera-Oceano EFEITO ESTUFA Aprisionamento da parte da radiação solar que penetra o sistema Terra-Atmosfera que gera aquecimento Radiação solar em ondas curtas chega à superfície terrestre Na superfície terrestre a radiação em ondas curtas é transformada em radiação de ondas longas Superfície, atmosfera, nuvens e gases do efeito estufa absorvem e reemitem a radiação solar e terrestre Quanto maior é a concentração de GEEs, mais intenso é o efeito estufa e maior é o aquecimento do planeta. Assim, uma discussão crítica acerca dos conceitos de mudança climática e aquecimento global sugere, sobretudo, o conjunto de “fenômenos climáticos al- terados por uma complexa cadeia de ações sociais e naturais iniciadas a partir da Revolução Industrial e intensificadas no bojo da sociedade capitalista fossilista” (ZANGALLI JR., 2020, grifo nosso). Observe que, em decorrência da intensificação do efeito estufa, o aumento na temperatura média global deve ser associado a outra série de modificações que ocorreriam como uma cadeia, atingindo o sistema climático como um todo. Se essas modificações ocorrerem nos sistemas naturais – como distribuição e com- posição das florestas, processos de desertificação e alteração da disposição da bio- diversidade –, todos os outros sistemas (sociais, humanos e produtivos) estarão expostos e condicionados a uma outra condição de variabilidade e dinâmica climá- tica (IPCC, 2007). A união dessas alterações pode promover impactos associados, como a expul- são de populações das regiões afetadas, que serão obrigadas a migrar em busca de terras, alimentos e água potável (migrações ambientais), e o acirramento das injustiças sociais decorrentes das mudanças globais, o que incidirá diretamente no desenvolvimento de sérios e intensos conflitossocioambientais e socioespaciais (MENDONÇA, 2006). A figura a seguir resume esquematicamente essa situação. Mudanças climáticas 97 Cu be 29 /S hu tte rs to ck Figura 3 Resumo dos impactos das mudanças climáticas Elevação do nível do mar Poluição do ar e da água Ameaça à sobrevivência das espécies da fauna e da flora Aumento da radiação solar que chega à superfície Perda da diversidade/ variabilidade genética Aumento da temperatura do ar Derretimento de geleiras e calotas polares É importante destacar que essa preocupação, por ser global, também tem sido representada pelos resultados de pesquisas organizadas e apresentadas nos rela- tórios do IPCC, que, além de demonstrarem as causas e as consequências, deba- tem a mitigação e a adaptação. O IPCC (2007) também apresenta projeções altamente tecnológicas obtidas por meio de modelagem climática em níveis regionais e globais. Em sua maioria, essas projeções são elaboradas em sistemas computacionais que oferecem a integração de uma série de elementos e recursos com procedimentos para tomada de deci- sões, levando em consideração uma série de cenários futuros. Por isso, as alterações climáticas assumiram uma destacada importância geopo- lítica e estratégica para o desenvolvimento dos países, sendo também uma questão que problematiza o atual modelo de desenvolvimento, de consumo (baseado na exploração globalizada e predatória de recursos naturais e humanos) e de produ- ção de energia (porque abre possibilidades de diversificação das matrizes energéti- cas, valorizando as de energia limpa). O momento exige que a sociedade global reconheça o aumento da severidade, magnitude, intensidade e frequência dos impactos no clima em seus territórios, já que, desde a metade do século XX, esses eventos têm sido cada vez mais extremos e perigosos, revelando a cada ocorrência as fragilidades, as vulnerabilidades e os diversos graus de exposição das sociedades e dos sistemas produtivos e humanos. É sob esse caráter que a climatologia geográfica tem lançado questionamentos e interpretações dos eventos climáticos no que tange tanto à história natural, ou seja, a dinâmica desses eventos em sua variabilidade, quanto às sequentes ruptu- ras engendradas no decorrer da história social, isto é, dos seus riscos (SANT’ANNA NETO, 2011). Como todo debate cien- tífico e político, o aque- cimento global congrega agentes dissonantes. Para que você perceba que existe diversidade sobre essa questão, indicamos dois documentários. O primeiro, Uma verdade inconveniente, refere-se ao debate do aquecimen- to global antropogênico. O segundo, A grande farsa do aquecimento global, apresenta a questão de que a gênese do aqueci- mento global é natural. Assista aos dois, formule sua opinião e pondere sobre os limites e as pos- sibilidades de cada uma dessas abordagens. • Uma verdade inconveniente. Direção: Davis Guggenheim. EUA: Paramount Vantage, 2006. • A grande farsa do aquecimento global. Direção: Martin Durkin. Reino Unido, 2007. Filme 98 Climatologia O aquecimento global antropogênico contemporâneo não deve ser limitado ex- clusivamente ao debate conceitual, da sua gênese e dos seus impactos em si, mas deve-se levar em conta que tanto resfriamento quanto aquecimento sempre foram e são, na realidade, as fontes principais de perigos sociais. Por isso, essa é uma questão não apenas geológica, mas também meteorológica (CARTER, 2009). 6.3 Riscos climáticos e desastres naturais Vídeo Devemos considerar que a ocorrência de eventos extremos faz parte da dinâ- mica natural do clima, mas, historicamente, eles promovem uma preocupação co- letiva que é tão antiga quanto a própria percepção do homem sobre o ambiente habitado. A relevância é tão significativa que as civilizações organizavam suas atividades em razão de uma série de fatores naturais e condicionantes ambientais, entre as quais aquelas associadas aos eventos climáticos foram paulatinamente incorpo- radas na produção do espaço geográfico. A constituição das primeiras civilizações como sociedades hidráulicas – mesopotâmicos e egípcios são exemplos desse mo- mento – marca o início dessa história. Podemos destacar também outros povos. Por exemplo, entre cerca de 800 a 1200 d.C., o clima era mais quente do que o de hoje; e, naquela época, os povos nórdicos, notadamente os vikings, ocuparam grande parte das terras que atual- mente correspondem ao norte do Canadá. Uma grande ilha da região foi chamada de Groelândia, do norueguês Grønland, que significa “terra verde”. A interpretação sugere que a Groelândia apresentava condições climáticas ame- nas, e elas favoreciam a presença de vegetação, inclusive com possibilidade de prá- ticas agricultoras e criação de gado, marcas históricas da cultura norueguesa. Nos dias atuais, a ilha é, em grande parte, coberta de neve durante o ano todo. Mais recentemente, particularmente na Europa Ocidental, entre os séculos XIV a XVIII, estima-se que temperatura global estava 2 °C mais fria do que o observado atualmente. Após esse período, descrito como “Pequena Era Glacial”, o clima come- çou a apresentar um aquecimento paulatino das temperaturas, coincidindo tam- bém com o início do processo de industrialização e de observação dos elementos climáticos por meio de instrumentos de medida. Com esses relatos históricos e com todos os conhecimentos que temos sobre o clima, você deve ter percebido que mudanças periódicas das condições climáticas – em alguns momentos muito drásticas – são um fato! Durante a história natural e social, sem dúvida esses processos sempre se fizeram presentes. Por isso, devemos compreender também os fenômenos de mudanças climáti- cas como os processos causados por uma complexa cadeia de ações humanas (e naturais) e como um agente que poderia influenciar um conjunto abrangente de fenômenos imaginativos e materiais (HULME, 2015). Para ilustrar isso, no mundo tropical, cuja precipitação é o principal elemento da dinâmica climática, os eventos extremos se associam sempre ao contexto e às características da sazonalidade. Por exemplo, os períodos menos chuvosos, asso- Mudanças climáticas 99 ciados à redução da disponibilidade hídrica, deflagram desastres como secas e es- tiagens, em grande parte relacionadas a bloqueios atmosféricos ou intensificação de sistemas de alta pressão. A ocorrência de chuvas intensas e extremas, por outro lado, associa-se à ocorrência de fenômenos como tempestades, tornados, ciclones, enchentes, inundações, enxurradas. As secas e estiagens, relacionadas à redução intensa e paulatina das precipita- ções, são responsáveis pela insegurança das atividades agrícolas e pela geração hidrelétrica em áreas povoadas, principalmente espaços rurais e regiões de grane densidade populacional. Em alguns países, como o Brasil e os da África Austral – Moçambique, África do Sul, Malawi –, o fenômeno das secas auxilia em processos severos de turbulência social (conflitos por acesso a água) e migração das popula- ções atingidas (MARENGO, 2009). No espaço urbano, o mais recente caso de problemas associados à redução pluviométrica é o da cidade de São Paulo, onde o abastecimento de água na região foi afetado significativamente. Em 2014, a metrópole passou pela pior seca dos últi- mos 84 anos, uma das maiores crises hídricas da história, produto em grande parte da ineficácia governamental e de uma redução pluviométrica paulatina observada em grande parte do território nacional (Figura 4). As chuvas intensas deflagram, nas cidades e nas metrópoles, transtornos verifi- cados principalmente nas estações chuvosas. As cidades de Buenos Aires, Santiago, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador e Florianópolis são algumas que apre- sentam anualmente transtornos ligados às chuvas excepcionais, e isso traz a ne- cessidade de se garantirem melhores condições de previsibilidade e antecipação. Figura 4 Sistema Cantareira durante a crise hídrica em 2014 Ne ls on A ntoi ne /S hu tte rs to ck De outro modo, as chuvas intensas também geram perdas agrícolas, sobretudo para culturas de frutas, legumes e verduras no espaço rural. As regiões de culturas sazonais (milho, soja e trigo) se apresentam mais suscetíveis à redução da precipi- tação, sendo as secas e as estiagens os eventos destacados. 100 Climatologia Cabe ressaltar que, quando adquirem a natureza de desastre, esses eventos causam prejuízos socioeconômicos relacionados aos impactos que tendem a ge- rar para os sistemas humanos (ocorrência de mortes, desabrigados, saneamento, proliferação de vetores de diversas patologias etc.), bem como para os produti- vos (abastecimento de água, produção de energia, transporte, mobilidade etc.) ( MARENGO, 2009). Assim, admite-se o conceito de eventos extremos como eventos concretos, pois são apreendidos como os principais geradores das adversidades climáticas, ou episódios que causam algum impacto social, ou que proporcionam a sucessão significativa de danos à sociedade (MONTEIRO, 1991). Entendidos sob essa ótica, esses eventos só podem ser observados na relação entre clima e sociedade, ou seja, por meio das estruturas dos sistemas socioeco- nômicos, socioambientais e socioespaciais no escopo da produção do espaço. Nes- se escopo, os extremos climáticos destacam-se como um elemento condicionante para manifestações e ocorrência de desastres – isto é, um fenômeno natural iden- tificado como deflagrador potencial na geração de danos, prejuízos e mortes. A Figura 5 apresenta um esquema da diversidade de desastres, e o clima apa- rece como um dos seus principais fenômenos indutores. Nessa perspectiva, os desastres pressupõem a incerteza e se destaca o reconhecimento das causas e gê- neses diretamente ligadas aos mecanismos físico-naturais do sistema terrrestre na ocorrência espaçotemporal das suas manifestações e repercussões na supefície, bem como na forma de impactos que tendem a provocar ameaça a determinadas situações socioespaciais. Por isso, o encadeamento da manifestação dos eventos extremos é ainda mais preocupante quando associado aos níveis de vulnerabilidade das populações e dos lugares. Eles sugerem diferentes desdobramentos dos impactos conforme a ocorrência em áreas socioespacialmente desiguais e segregadas. Dessa forma, even- tos perigosos oferecem uma leitura que considera a relação entre os fenômenos na- turais destacando os níveis de vulnerabilidade como medida de risco (VEYRET, 2007). Figura 5 Esquema representativo dos tipos de desastres naturais M ac ro ve ct or /S hu tte rs to ck DESASTRES NATURAIS TORNADO POLU IÇÃO AMBIEN TA L SE CAS E ES TIA GEM INUNDAÇÕES IMPACTOS DE METEORITOS TEMPESTADES POLUIÇÃO DO AR DESLIZAMENTOS DE TERRA NEVASCAS ERUPÇÃO VULCÂNICA DERRETIMENTO DE GELEIRAS TSUNAMI O avanço nos estudos sobre desastres tem apre- sentado uma sistematiza- ção importante, que tem garantido, de modo critico, conceitos consistentes e classificação segundo seus tipos, sua gênese e seus impactos. Se você quiser se aprofundar nesses con- ceitos, termos e formas de analisar esses processos, indicamos a leitura do livro Prevenção de desastres natu- rais: conceitos básicos. KOBIYAMA, M. et al. Curitiba: Organic Trading, 2006. Livro Mudanças climáticas 101 O risco é um conceito importante na análise da dinâmica e da ocorrência dos desastres naturais, já que perpassa pelas noções de limites, segurança, adaptabili- dade, capacidade de suporte, crises, exposição, suscetibilidades e vulnerabilidades. Em específico, os riscos naturais resultam da associação entre fenômenos decor- rentes de processos naturais perigosos (eventos extremos) agravados pela ativida- de humana e sua territorialização (VEYRET, 2007). Uma diversidade de conceitos de riscos naturais tem sido formulada para interpretar a socie- dade atual. Podemos considerar o risco natural em pelo menos três possibilidades, segundo Adriana Dutra: a) uma probabilidade – que valoriza processos estatísticos para admitir a ocor- rência espacial e temporal de um fenômeno perigoso acontecer; b) uma construção social – que valoriza a identificação dos perigos naturais identificados segundo uma coesão social; c) um mecanismo de luta – que atende ao princípio de efetivação de direitos para garantir segurança e proteção civil com relação à série de ameaças identificadas e ao aumento da qualidade de vida. Por esse aspecto, indicamos a leitura do artigo Problematizando o conceito de risco, publicado em 2015 na revista O Social em Questão. Acesso em: 21 jun. 2021. http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ_33_6_Dutra.pdf Artigo O caráter reorienta o risco, o perigo, a suscetibilidade e a vulnerabilidade das questões relativas às relações sociedade-natureza, principalmente ao entendimen- to de como os processos históricos – urbanização, colonização, desenvolvimento, escravização, migrações, patriarcado – elaboraram diferentes relações entre as pessoas e entre as pessoas e a natureza, que repercutem em condições específi- cas de vulnerabilização incorporadas ao corpo, ao indivíduo, pelas diferenças de gênero, raça, etnia, idade, religião, entre outros fatores, e também nas formações socioespaciais dos territórios (cultura, cidades, estados, países). Sendo assim, os eventos extremos, os riscos climáticos e os desastres não são somente um problema para climatologia geográfica, mas também para a comuni- dade científica como um todo, uma vez que requerem instrumentos explicativos e complementares voltados a um clima que não pode ser dividido em componentes natural e social, pois trata-se de um híbrido: inseparável e articulado às demandas produtivas e aos contextos socioeconômicos (MENDONÇA, 2006). 6.4 O clima e o futuro da humanidade Vídeo Como você deve ter observado, o clima, todas as questões ambientais e o es- tudo da natureza ganharam novos sentidos a partir do sentido global do mundo. Se por um lado, pela primeira vez na história, o ser humano teve uma visão abrangente e pôde estabelecer os limites do planeta e das suas atividades, por outro, ele também foi colocado como vítima e agressor do ambiente, exigindo in- clusive transformações e críticas ao atual modelo de desenvolvimento. O conjunto desses processos, na produção do espaço, qualifica as mudanças climáticas sob um caráter relativo e seletivo. Primeiro porque as condições de im- pacto da medida são mediadas mais por parâmetros políticos e jurídicos do que essencialmente naturais. E, segundo, porque essas mudanças têm servido muito http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ_33_6_Dutra.pdf 102 Climatologia mais para legitimar ações de interesse econômico e político de segmentos sociais mais privilegiados, com as camadas mais pobres da população sendo o alvo. Assim, o conceito de risco é central para a tomada da decisão e para a elabora- ção de políticas públicas. Desse modo, precisamos inverter as definições correntes sobre as mudanças climáticas e tratá-las como possibilidade de ação e transforma- ção atual, na luta por justiça social e ambiental. Em especial, apontar para a supe- ração da lógica reducionista que, em última instância, naturaliza processos sociais e políticos complexos e culpabiliza os sujeitos pela sua condição de risco, para além da emergência climática. A emergência climática é uma medida política adotada pelas entidades orga- nizadas (civis ou não), por instituições e Estados-nacionais e seus territórios como resposta às alterações climáticas. Apesar de não ser nova, a medida coloca o clima no centro do debate político, tecnológico e social, apresentando uma carga alta- mente geopolítica, já que, em seu quadro, ele é sistematicamente associado às con- dições de segurança, proteção e ao futuro da humanidade. Para transformar essa realidade, é necessário, portanto, definir os parâmetros de emergência climática ou assumir um que não privilegie a exploração e a concen- tração desigual da riqueza, mas queindique as fontes para efetivação da dignidade humana com justiça social e ambiental. O sentido prático para efetivação dessa ideia deve integrar-se aos estudos geo- gráficos dos riscos e às formações socioespaciais dos lugares, ou seja, ao conjunto das relações natureza-sociedade na história e das práticas estabelecidas pelos di- ferentes grupos sociais, seus modelos de desenvolvimento e projetos de futuro. A importância desses estudos é garantida na prática profissional do geógrafo, já que grande parte desses processos admite sua espacialidade em dimensões das escalas locais (cidades e municípios) e regionais (conjunto de municípios, estados e bacias hidrográficas). As possibilidades de desenvolvimento contemplam análises climáticas com uso de séries históricas, identificação de sistemas atmosféricos e mapeamento geotécnico. No último caso, produtos cartográficos articulam princípios da carto- gráfica clássica (topográfica e temática), de síntese, coremática e geoestatística. O interesse do uso da linguagem cartográfica consiste, basicamente, em sistematizar como e onde o conjunto de indicadores fornece a melhor explicação sobre os im- pactos dos desastres e a manifestação dos riscos climáticos. Além disso, nossas práticas podem ser subsidiadas por parâmetros legais para a tomada de decisão dos setores públicos, privados e de proteção civil. Nosso pa- pel é elaborar análises para empreender políticas de desenvolvimento territorial e planejamento urbano e regional, levando em consideração os aspectos legais da legislação brasileira. Sobre esse aspecto, é importante considerar a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei n. 12.608, de 10 de abril de 2012) e a Política Nacional sobre Mu- dança do cCima (Lei n. 12.187, de 29 de dezembro de 2009) como algumas estraté- gias para se pensar o clima e o futuro da humanidade e do país. A emergência climática foi popularizada com os movimentos ambientalistas recentes, nos quais jovens como a ativista Greta Thunbergm têm sido desta- que por seu protagonismo nos protestos. Para se aprofundar nessa temática, indicamos a live intitula- da O que é clima e como compreendê-lo em tempos de emergência climática?, disponibilizada no canal da TV UFBA. Disponível em: https://youtu.be/ Uz_3gi2GDbA. Acesso em: 21 jun. 2021. Vídeo https://youtu.be/Uz_3gi2GDbA https://youtu.be/Uz_3gi2GDbA Mudanças climáticas 103 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como qualquer saber do sistema natural, o clima é explicado por variações, que sugerem a alternância de tempos estáveis e instáveis, secos e úmidos, frios e quen- tes, glaciais e interglaciais. No período contemporâneo, esse caráter tem colocado o clima como uma das principais questões ambientais nos mais variados setores da sociedade. Essas discussões estão associadas fundamentalmente ao advento das tecnologias, sobretudo das técnicas de sensoriamento remoto, do lançamento de satélites para monitoramento planetário e da lógica matemática-computacional para representação do clima como um fenômeno global. Resta destacar que a dinâmica climática já tem sido incorporada há tempos na produção do espaço geográfico, e podem ser visualizadas repercussões socioespa- ciais, seja por meio do nível de sofisticação tecnológica na história do desenvolvimento, seja pelo grau de adaptação dos sistemas naturais, sociais e produtivos à variabilida- de climática. Assim, cada zona climática, região, cidade e comunidade oferece seus significados em termos de indissociabilidade da sociedade e da natureza nos impactos positivos ou negativos do clima. ATIVIDADES 1. Qual é a relação entre o aquecimento global e a ocorrência de fenômenos climáticos extremos? 2. Como os fenômenos climáticos tornam-se perigosos? 3. Quais conceitos podem ser operacionalizados para garantir a proteção e a segurança civil dos sistemas humanos, sociais e produtivos? REFERÊNCIAS AB’SÁBER. A. N. A teoria dos refúgios: origem e significado. Revista do Instituto florestal, Edição especial, São Paulo, mar. 1992. CARTER, R. M. The myth of dangerous human-caused climate change. Australasian Institute of Mining and Metallurgy, p. 61-74, 2009. CASSETI, V. Geomorfologia. 2005. Disponível em: https://docs.ufpr.br/~santos/Geomorfologia_Geologia/ Geomorfologia_ValterCasseti.pdf. Acesso em: 21 jun. 2021. CONTI, J. B. Clima e meio ambiente. São Paulo: Atual Didático, 1998. HULME, M. Climate and its changes: a cultural appraisal. Geo: Geography and Environment, v. 2, n. 1, p. 1-11, 2015. IPCC. Cambio climático 2007: Informe de síntesis. Contribución de los Grupos de trabajo I, II y III al Cuarto Informe de evaluación del Grupo Intergubernamental de Expertos sobre el Cambio Climático [Equipo de redacción principal: Pachauri, R.K. y Reisinger, A. (directores de la publicación)]. IPCC, Genebra, Suíça, 2007. MARENGO, J. A. Mudanças climáticas, condições meteorológicas extremas e eventos climáticos no Brasil. In: FBDS; LLOYD’S BRAZIL. Mudanças climáticas e eventos extremos no Brasil. Rio de Janeiro: FBDS, 2009. p. 4-19. MENDONÇA, F. Aquecimento Global e suas manifestações regionais e locais: alguns indicadores da região Sul do Brasil. Revista Brasileira de Climatologia, v. 2, 2006. MONTEIRO, C. A. F. Clima e excepcionalismo: conjecturas sobre o desempenho da atmosfera como fenômeno geográfico. Florianópolis: Editora da UFSC, 1991. OMM. Nota técnica n. 79. Mudança climática. Genebra, Suíça, 1969. Vídeo https://docs.ufpr.br/~santos/Geomorfologia_Geologia/Geomorfologia_ValterCasseti.pdf https://docs.ufpr.br/~santos/Geomorfologia_Geologia/Geomorfologia_ValterCasseti.pdf 104 Climatologia SANT’ANNA NETO, J. L. O clima urbano como construção social: da vulnerabilidade polissêmica das cidades enfermas ao sofisma utópico das cidades saudáveis. Revista brasileira de climatologia, v. 8, 2011. SILVA, M. L. da. A dinâmica de expansão e retração de cerrados e caatingas no Período Quaternário: uma análise segundo a perspectiva da Teoria dos Refúgios e Redutos Florestais. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 1, p. 57-73, 2011. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/rbgfe/article/ viewFile/232642/26655. Acesso em: 21 jun. 2021. VEYRET, Y. Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2007. ZANGALLI JR., P. C. A natureza do clima e o clima das alterações climáticas. Revista Brasileira de Climatologia, v. 26, 2020. https://periodicos.ufpe.br/revistas/rbgfe/article/viewFile/232642/26655 https://periodicos.ufpe.br/revistas/rbgfe/article/viewFile/232642/26655 Resolução das Atividades 105 RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES 1 Introdução à climatologia 1. Quais são os atributos fundamentais de constituição do clima? O clima sempre esteve presente nas preocupações humanas. Sua inclusão como objeto científico se deu a partir da Antiguidade grega, quando foi usado para explicar as relações entre povos, culturas e lugares, e pela elaboração dos conceitos de meteorologia e Klima. Na modernidade, com a inclusão dos estudos geográficos sobre as paisagens e a incorporação do método científico, surgiram os conceitos de tempo e clima. 2. O que diferencia as abordagens da climatologia estática e tradicional? A diferença entre as duas abordagens está, basicamente, no nível teórico e conceitual. Primeiramente porque o clima não pode ser reduzido a medidas estatísticas (média), nem ser interpretado como algo inerte, fixo. O clima é um fenômeno físico e natural e, portanto, se movimenta e é dinâmico, tem origem e é mais bem explicado como um sistema oriundo de fluxos naturais e antrópicos. 3. Com quais critérios podemos desenvolver uma análise geográfica do clima? Podemos desenvolver uma análise geográfica com base na ordem espacial representada pelo fenômeno climático. Umas dessas possibilidades é admiti-lo como insumo econômico ao processo produtivo ou como condicionante ambiental de formação das paisagens. 2 Escalas do clima 1. Como as escalas podem ser estruturadas e combinadas?Tradicionalmente, as escalas podem ser estruturadas como zonal, regional, sub-regional, local, topoclima e mesoclima. Contudo, é mais interessante que elas sejam estruturadas por meio da totalidade espaçotemporal do clima e dos processos que envolvem o ritmo local, a variabilidade regional e as mudanças globais. A combinação deve garantir os níveis de especialização, organização e generalização. 2. Quais critérios podem ser admitidos para utilizar determinada escala? É importante que se indague a respeito de quais processos espaçotemporais o fenômeno climático exige para ser analisado. Com base nessa questão, a escala é definida pelo fenômeno e, com isso, o conjunto de meios instrumentais e de representação gráfica e cartográfica pode ser mais bem admitido. 3. Sob quais abordagens podemos desenvolver estudos com base na mudança climática? Na escala da mudança, as abordagens podem contemplar os estudos por meio dos paleoclimas e das alterações climáticas recentes (associadas aos registros históricos) e contemporâneas (associadas ao aquecimento global). 106 Climatologia 4. Em quais níveis a influência antropogênica no clima pode ser enquadrada? Todos os processos escalares garantem a participação humana como agente modificador do ambiente e do clima. Na escala do ritmo, essa ação é muito decisiva, seja pela alteração ambiental (mudança da dinâmica original), seja pela construção de tecnologias. Na escala regional, a influência humana deve ser efetiva com base nos processos de transformações históricas da paisagem, sendo o desmatamento, a implantação de culturas agrícolas em grandes propriedades e o processo de urbanização alguns exemplos. Já na escala da mudança a participação humana tem sido observada sobretudo devido à alteração da composição química atmosférica, causada pela queima de combustíveis fósseis. 3 A atmosfera da Terra 1. Explique as principais características da atmosfera pretérita, primitiva e atual. A atmosfera pretérita pode ser descrita como a que se formou a partir da redução do movimento de rotação e o resfriamento da Terra no éon Hadeano, basicamente dos primeiros gases em grande proporção, como o nitrogênio. A atmosfera primitiva foi formada a partir do éon Arqueano e pode ser descrita como quente, úmida e tóxica, rica em nitrogênio, enxofre, gás carbônico, vapor d’água etc. Já a atmosfera atual, formada a partir do éon Fanerozóico, é composta basicamente de nitrogênio e oxigênio, que somam 99% da composição, sendo 1% outros gases. 2. Qual é a importância dos vulcanismos e da vida para a formação da atmosfera terrestre? Tanto os vulcanismos quanto a vida foram importantes para incrementar transformações e mudanças na composição química da atmosfera terrestre. Enquanto os vulcanismos possibilitaram a liberação de elementos químicos presos nas rochas, a vida (por meio dos primeiros organismos) praticamente contribuiu para a formação de ambiente propício para a sua manutenção e, em consequência, sua evolução. Podemos afirmar que sem o fenômeno da vida nossa atmosfera seria muito similar à observada no Arqueano (quente, úmida e tóxica). 3. Quais fatores podem influenciar a distribuição da radiação no planeta Terra? Os fatores que podem influenciar a distribuição da radiação no planeta são os movimentos astronômicos (translação e rotação) e a forma do planeta (geoide), que podem ser resumidos pelo período do ano (sazonalidade) e do dia, pela altura solar e pela latitude. 4. Quais mecanismos (físicos) contribuem para a transformação, o armazenamento, a dispersão e a reflexão da radiação no planeta? São pelo menos dois mecanismos (físicos) que contribuem para transformação, armazenamento, dispersão e reflexão da radiação no planeta Terra: o albedo, que basicamente oferece a explicação da energia refletida e armazenada no sistema; e o efeito estufa, que integra as formas de transformação de energia solar em energia térmica. Resolução das Atividades 107 5. Qual é a particularidade da atmosfera nos estudos desenvolvidos pela geografia e pela climatologia? A particularidade da atmosfera nos estudos desenvolvidos pela geografia é basicamente associada às formas como as sociedades se relacionam entre si e com a natureza. Nesse caso, a atmosfera pode ser usada como espaço geográfico quando atende às necessidades de transporte, comunicação, atividades turísticas, conhecimento e degradação. Em particular, a atmosfera que interessa aos estudos do clima é concentrada na camada inferior, a troposfera, que também pode ser chamada de atmosfera geográfica, porque, além de ser de primeiro contato com as atividades humanas, é a que concentra os fenômenos meteorológicos e climáticos. 4 Dinâmica climática 1. Quais condições atmosféricas são favoráveis à concentração de poluentes e qual impacta diretamente as operações em aeroportos e transportes aéreos? Das condições atmosféricas apresentadas as favoráveis à concentração de poluentes são aquelas nas quais a atmosfera funciona como se fosse um tampão, impedindo movimentos verticais do ar. E o que impacta diretamente as operações em aeroportos e transportes aéreos é a condição em que os movimentos de convecção são muito intensos e provocam fortes ventos, chuvas e baixa visibilidade. 2. As massas de ar oriundas do Deserto do Saara, na África do Norte, podem provocar chuvas na Europa Meridional. Quais mecanismos explicam esse processo? Os mecanismos que explicam chuvas na Europa Meridional ocorrem devido à umidificação das massas de ar oriundas do Deserto do Saara (originalmente secas) no Mar Mediterrâneo. 3. Como você explica a condição em que o Chile Meridional é uma região úmida e a Patagônia uma região seca, apesar de serem regiões vizinhas? O Chile Meridional é uma região úmida e a Patagônia é uma região seca devido ao efeito orográfico. Nesse caso, a umidade é condicionada ao setor a barlavento dos Andes, onde se localiza o Chile Meridional, enquanto a sotavento a umidade é reduzida, influenciando as condições atmosféricas de estabilidade da Patagônia. 4. Quais sinais podem ser observados na fase de anúncio de uma frente fria? Os sinais que podem ser observados na fase de anúncio de uma frente fria são a presença de nuvens tipo cirros e halo (solar e lunar) e a formação de nuvens do tipo autocumulus. Na fase de instalação da frente fria observa-se a formação de nuvens de desenvolvimento vertical, como cumulunimbus. 5. Como podemos desenvolver uma análise geográfica inicial do clima dos lugares? As possibilidades iniciais para análise geográfica do clima dos lugares podem ser interpretadas por meio dos fluxos dos sistemas atmosféricos e sua definição nos tipos de tempo. Com base na identificação desses sistemas é possível integrar de maneira mais coerente os elementos e a interação com os fatores do clima. 108 Climatologia 5 Climatologia aplicada 1. Para quais propósitos a classificação climática se faz importante? Toda classificação climática deve fornecer uma síntese eficiente e explicativa dos padrões e variações dos climas e dos tipos de tempo nos lugares. Isso significa designar um conhecimento propositivo para a gestão e o planejamento territorial e regional, compondo parte da análise ambiental e da paisagem. 2. Como pode ser desenvolvido um estudo geográfico sobre a relação clima-agricultura? Um estudo geográfico sobre a relação clima-agricultura deve contemplar uma leitura que interpreta o fenômeno climático como o primeiro e o principal fator das paisagens naturais e contextualizada segundo a seletividade, exigência e adaptabilidade natural das plantas em uma dimensão ecológica; a interação de dependência ao condicionamento climático; a capacidade tecnológica e da estrutura fundiária, por exemplo, com estratégias de apropriação do clima, adaptação de culturas a diferentes domínios climáticos e constituição de territórios, isto é, clima como insumo econômico ao processo produtivo. 3. Quais as principais abordagens dos estudos sobreo clima urbano e quais seus elementos principais? Os estudos sobre o clima urbano podem ser caracterizados pela abordagem de cunho meteorológico para compreensão e modelagem dos tipos e padrões de circulações induzidas sobre uma cidade, cujo interesse é a busca de padrões termais com os materiais construtivos, sendo destacado o fenômeno de ilha de calor e as circulações associadas. A abordagem geográfica, que parte de uma concepção do clima urbano, é uma derivação ambiental, um sistema aberto, que integra canais de percepção, níveis de resolução, formas de transformação e regulação. 4. Na relação clima-saúde, quais fatores climáticos são considerados para estabelecer a análise? Considera-se as condições climáticas que são favoráveis à recuperação fisiológica humana, por exemplo, umidade, temperatura e insolação em níveis ideais para o conforto humano. De outro modo, condições hostis devem promover a propagação de doenças ou até mesmo o desenvolvimento dos vetores. Por isso, a importância da relação com a vulnerabilidade humana, já que a população anemosensível deve apresentar maiores comorbidades preexistentes (idosos, riníticos, asmáticos, mulheres grávidas e crianças) e maior sensibilidade aos agravos relacionados ao clima. 6 Mudanças climáticas 1. Qual é a relação entre o aquecimento global e a ocorrência de fenômenos climáticos extremos? A relação entre o aquecimento global e a ocorrência de fenômenos climáticos extremos é que, nos últimos 160 anos, houve aumento na ordem de 1,1 ºC da temperatura média global, e, em decorrência desse aumento, são previstas alterações e modificações no sistema climático como um todo, que são sumariamente interpretados por meio de impactos concretos e que indicam perigos aos sistemas naturais, sociais e produtivos. Resolução das Atividades 109 2. Como os fenômenos climáticos tornam-se perigosos? Os fenômenos climáticos tornam-se perigosos quando são observados na relação com as estruturas dos sistemas socioeconômicos, socioambientais e socioespaciais, destacando-se como deflagradores de impactos com diferentes intensidades e muitas consequências (danos, prejuízos e mortes), ou seja, quando se efetivam sobre as vulnerabilidades e as formas de exposição a desastres no escopo da produção do espaço geográfico. 3. Quais conceitos podem ser operacionalizados para garantir a proteção e a segurança civil dos sistemas humanos, sociais e produtivos? Os conceitos que podem ser operacionalizados para atender à segurança e à proteção civil tratam dos níveis de vulnerabilidade das populações e dos perigos naturais dos lugares. O interessante é compreender que os diferentes impactos do clima, sejam eles negativos ou positivos, devem ser relacionados conforme o contexto de áreas socioespacialmente desiguais e segregadas. Se essa dimensão for considerada, estaremos, de fato, analisando o risco e definindo os parâmetros de proteção, segurança e defesa civil. Código Logístico 59919 CLIMATOLOGIA LINDBERG NASCIMENTO JÚNIOR Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-65-5821-044-3 9 7 8 6 5 5 8 2 1 0 4 4 3 Página em branco Página em branco