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Edição Especial @ se n ti ra lh os ve dr os IS SN : 2 97 5- 83 94 Edição Especial Edição Especial A revista digital "Sentir Alhos Vedros" pretende dar a conhecer a toda a população em geral o que de bom existe, se faz e há na freguesia de Alhos Vedros. Temos como objectivo dinamizar e aumentar a economia local, aproximando pequenos negócios, comerciantes em nome individual e empresas da população Alhosvedrense. Pretendemos conciliar passado e presente e traçar um futuro próspero para a freguesia de Alhos Vedros e para as suas gentes. Somos a plataforma que ajudará a freguesia de Alhos Vedros a dar-se a conhecer a todo o nosso país e quiçá, dar a conhecer Alhos Vedros a nível europeu e/ou mundial. O projecto "Sentir Alhos Vedros" é um projecto apartidário, independente, sem cores políticas associadas, e que pretende trabalhar com todos e para todos os Alhosvedrenses. A todos os que pretendem descredibilizar este projecto e os seus membros efectivos, informamos que a equipa Sentir Alhos Vedros continuará a trabalhar em prol de toda a freguesia de Alhos Vedros, em prol das suas gentes e em prol de um futuro promissor para todos. Estamos e estaremos sempre a trabalhar por e para Alhos Vedros! Se tem um negócio na freguesia de Alhos Vedros (negócio físico e/ou online) e/ou outras informações sobre a freguesia que queira partilhar e divulgar, se pretende contribuir com sugestões para a melhoria contínua da revista "Sentir Alhos Vedros", contacte-nos via e-mail para geral@sentiralhosvedros.pt. PERIODICIDADE: Mensal | ANO: 3.º | EDIÇÃO: Especial 2.º Aniversário CONTACTO: geral@sentiralhosvedros.pt TÍTULO: Sentir Alhos Vedros EDIÇÃO, COORDENAÇÃO DE EDIÇÃO, REDACÇÃO E FOTOGRAFIA: Ana Cristina Rosado Fábio Silvano Irina Cardoso Paulo Sérgio Pereira Rosa Paula Marques http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt http://geral@sentiralhosvedros.pt No mês que assinala o 2.º aniversário do projecto Sentir Alhos Vedros e assinala também o lançamento do novo layout da revista, decidimos viajar pelos editoriais das 25 edições anteriores, relembrando e agradecendo a todos os que até hoje deram o seu contributo para elevar o nome de Alhos Vedros. Sentir Alhos Vedros EDITORIAL Pág. 4 Edição Especial Edição 1/2022 - Equipa Sentir Alhos Vedros "(...) Bem-vindo/a ao boletim Sentir Alhos Vedros! O boletim Sentir Alhos Vedros pretende alavancar o desenvolvimento da freguesia de Alhos Vedros e que esse desenvolvimento contribua para melhorar as condições de vida, habitabilidade, emprego, saúde e segurança de todos os Alhosvedrenses. Sentir Alhos Vedros é ter orgulho no nosso passado, respeitar o nosso presente e traçar um futuro de sucesso para a terra que tanto amamos. Sentir Alhos Vedros é honrar as nossas raízes, dignificando o nome desta freguesia e impulsionando o seu crescimento! (...)" Edição 2/2022 - Maria Celeste Cantante "(...) A celebração do Dia da Mulher remete-nos para o enaltecimento e o seu contrário, para a celeridade e o anonimato, para a magnificência e para a insignificância, mas sobretudo para a necessidade de lembrar ao mundo a sua importância na família, em todos os actos da vida social, em todas as lutas por uma igualdade, ainda hoje negada pela burka que a oculta e lhe retira o direito de existir e por tantos outros actos de segregação, que, de tão comuns, passam, quantas vezes despercebidos, numa sociedade que afirma defender os direitos do Homem. Por que não os direitos do ser humano? Uma tradição enraizada numa mentalidade de liderança e superioridade masculinas, ao longo de séculos, tem relegado para segundo plano a importância do papel da mulher em todos os actos da vida social, económica, política, nas artes. A supremacia masculina exibe-se, ainda nos dias de hoje, com a naturalidade dos seres superiores. Desde as sufragistas à actualidade, que a luta da mulher pela igualdade de direitos tem sido uma constante e muito se tem evoluído nesse sentido. De facto, a mulher, nomeadamente no mundo ocidental, adquiriu patamares jamais imaginados pelas subjugadas mulheres puritanas, pelas escravas dos campos de algodão nos Estados Unidos da América, de séculos atrás, pelas donas de casa da família tradicional dos, ainda muito lembrados e recentes, tempos salazaristas. Edição Especial Pág. 5 Porém, o caminho é longo, e muito está por alcançar. Sabemos que a História da Humanidade é feita de avanços e recuos e não basta evoluir na ciência e na tecnologia. É urgente uma transformação maior, sobretudo nas mentalidades. Embora as mulheres estejam conscientes de que podem celebrar, com alegria, os progressos alcançados, assistem, por vezes indefesas, ao recrudescimento da violência sobre as mulheres, ainda no namoro, ao seu assassinato frequente no seio das famílias, à negação camuflada, da igualdade de acesso a carreiras profissionais, políticas e económicas, à violação das mulheres em tempos de guerra, à barbárie da morte por apedrejamento. É com estupefação que se observa, que a mulher continua a ser vítima de exploração sexual. A capa de revista colorida de moda, de insignificantes acontecimentos da alta sociedade, aprimora-se na exposição, por vezes indecorosa, da mulher que se expõe para deleite. É tão constante, que já nem damos por isso, mas está lá. Todavia, é cheia de glamour, disfarçada de uma beleza que não enaltece o ser feminino com direito a direitos de dignidade. Em tempos de guerra é usada nas fábricas de material de guerra, é gestora familiar, mãe e pai, enfermeira e médica, voluntária na Cruz Vermelha. Meritórias todas estas tarefas a enobrecem, mas quando é que a sociedade estará preparada para o entendimento da existência da mulher na sociedade, enquanto parte integrante e igual? Tal como na paz e na guerra, nunca o ser humano pode baixar os braços e deixar-se embalar pelo que adquiriu. Há sempre que estar alerta e preparar-se para o ressurgimento do lado negro do ser humano. Assim, a mulher não deve ser incauta e estar atenta às sirenes que, sem que se espere, gritam o medo e recomendam a protecção no bunker. É urgente que as sirenes toquem, sim, para recordarem à mulher que o seu lugar de igualdade não se conquista no bunker, mas cá fora, no dia a dia, nas batalhas, aparentemente, mais insignificantes da vida. Quando se poderá afirmar com convicção, que a mulheconstitui, de facto a outra metade da Humanidade? (...)" Porém, celebre-se cada dia, como se fosse o primeiro da sua inteira liberdade, da sua individualização consciente, da sua individualidade permanente. Edição 3/2022 - Maria das Dores Nascimento "(...) Recuemos ao ano de 1972. Nesse ano aconteceu a primeira cimeira sobre o ambiente, na Suécia. Não foi atribuído prémio nobel da paz. A guerra colonial dizimava os jovens portugueses e massacrava os povos africanos, a ditadura de Marcelo Caetano abatia-se sobre o país, o analfabetismo dominava e o lápis azul da censura amordaçava as opiniões. E em Alhos Vedros nasceu a Feira do Livro. Os homens sonharam e a obra nasceu. Uma geração carregada de irreverência,coragem e vontades de mudança, sob o teto da Academia Musical e Recreativa 8 de Janeiro de Alhos Vedros, sonhou. Sonhou em fazer dos livros uma festa, uma celebração, um ato de coragem e de desafio. E os livros saíram à rua. No local onde se viria a instalar o parque infantil 25 de Abril, na avenida Humberto Delgado, nesses tempos Marechal Carmona, aconteceu a festa. Calcorrear Lisboa, contactar incrédulas editoras, trazer e devolver os livros, calcular preços e fazer os descontos. Montar e desmontar as bancas coloridas, usadas em mercados de rua, com folhos no topo, perante uma animada e curiosa multidão de gente, gente sedenta de conhecimento, num país fechado sobre si próprio, com o obscurantismo como presente e futuro. Muitos, ansiosos pela leitura dos clássicos, pela posse de gramáticas e dicionários expostos em lugar de destaque, por literatura temática. Outros, requisitando à boca fechada as publicações proibidas, clandestinamente guardadas e aguardando atrás das bancas. Leonel Coelho, José Augusto, Edgar, Sequeira, José da Palma, Zé Nando, Estreia, João Carvalho, Cordeiro, Adelaide, Júlio, eu própria, com os meus tenros 12 anos, e outros, rapazes e raparigas, com a felicidade e a esperança instaladas nos sentidos, assumiram Edição Especial Pág. 6 aquela corajosa responsabilidade, que foi o embrião de algo maior, algo que nascera para intervir, para medrar, para vingar, para continuar. Num estrado de madeira tosco, atuou o rancho das Arroteias, abrilhantando de música, ritmos e alegria um acontecimento improvável e corajoso. Foi magnífico. No ano seguinte, aconteceu a segunda feira do Livro. Alhos Vedros foi visitada pelo ilustre músico, compositor, maestro e professor Fernando Lopes Graça, acompanhado pelo coro que primorosamente dirigia e que maravilhosamente interpretou o cancioneiro português, de que recordo emocionada, parte da belíssima canção: à sombra do rio nascem violetas ao comprido já me vieram dizer que querias casar comigo Fernando Lopes Graça, entrevistado pelo jornal Notícias da Amadora, uns dias depois, a propósito da Feira do Livro de Alhos Vedros, disse: “Isto é heroico”. E foi. E a Feira continuou ininterruptamente, ano após ano, até à 48a edição. Passou por vários locais, mas foi no Largo do Coreto que mais se impôs. A pandemia adiou duas edições. Estes dois últimos anos de insuportáveis solidões, de desumanos distanciamentos e de doenças sorrateiras, foram trágicos para três dos mais empenhados obreiros da Feira do Livro, ano após ano. Maria Celina Baltazar, Manuel Figueira Carvalho e Leonel Eusébio Coelho, a quem muitos chamam o pai da Feira do Livro. Esta referência tem tanto de justa como de indispensável, pois honrar a memória dos bons que partem é o mínimo exigível aos que ficam. Continuar a obra é o que nos move e moverá. A “nossa Feira do Livro” envolve a comunidade, crianças e jovens, alguns do ténis de mesa e da ginástica, outros da vizinhança, que têm sido os fiéis vendedores, arrumadores incansáveis, em gerações renovadas. Comem a sandes e bebem o sumo, lanche que se tornou tradição, riem e brincam, correm e divertem-se. As rifas alimentam a feira, os prémios são oferecidos pelos comerciantes amigos e pelos artistas amantes destas iniciativas. O saudoso e querido Toninho oferecia um avio, a florista Mena um arranjo, o Nelson e o Assalto ao Tacho duas ou três refeições, o Tó dá pão para os lanches dos colaboradores. Do doutor Sampaio, do Barão e Costa e da Refrigue, há sempre um contributo monetário. O Luís Delgado, a Celeste, o Kira, o Vítor Moinhos, o Luís Guerreio, o Tapadinhas, a Amália, a Ilda, a Sandra, o José Augusto, o Paulo Nogueira e tantos outros, oferecem arte. A cabeleireira Sandra, serviços. O Coviran, sumos e condutos. A população compra rifas e muitos outros, ao longo dos anos, têm apoiado em atos, palavras e presença, palestras, colóquios e debates. O poder local tem ajudado com verbas, logística e alguma propaganda. E a quermesse também contribui. As exposições integradas na Feira do Livro já mostraram artes e ofícios, pintura e fotografia, trabalhos em pão, livros, autores e escultura, instalações, vida e obra de Zeca Afonso e objetos de estimação. Já passaram pela Feira oleiros e latoeiros, cesteiros, teares e artesanato, palhaços e dramatizações, atividade circense e passatempos, circuito ciclista e troféu Tiago Faquinha. Exibiu-se folclore, cante alentejano, jazz, rock, baladas, canto lírico e popular, música de intervenção fado e rap, teatro, coros, ballet, ginástica, dança contemporânea, de salão e de fusão, marchas e as Batucadeiras de Cabo Verde, instrumentistas e bandas, escolas de música e cinema. Estiveram presentes com os seus livros, simpatia e autógrafos, Aurora Rodrigues, Fernando Cardoso, Beatriz Costa, Ana Nunes, que nos visitaram de fora, e acima de tudo os autores locais, a prata da casa, que é ouro. Leonel Coelho, Manuel João Croca, Luís Carlos Santos, Maria das Dores Nascimento, Rafael Augusto, José Miguel Oliveira, Celeste Cantante, Luís Filipe Gomes, Hélder Martins, Fernando Reis, António Tapadinhas, Tomás Gavino Coelho, Carlos Vardasca, e peço perdão se alguém não foi nomeado. Este ouro de que falo merece sair do guarda-joias, ter superior Edição Especial Pág. 7 visibilidade e ser olhado como uma valia de que o concelho se deve orgulhar, que o poder local deve abraçar, mostrar e incentivar, como investimento na cultura, na literacia e na escrita. Esperemos que se mude o rumo. Atrevo-me a concluir que a inusitada quantidade de autores na freguesia de Alhos Vedros e arredores tem certamente uma relação com esta chama que se renova a cada ano, insistindo na leitura, na palavra, na escrita. Durante muitos anos, a Feira do Livro era o espaço e o tempo em que os leitores e amantes dos livros os adquiriam, se encontravam, conversavam, tertuliavam, se é que me é permitida esta palavra, talvez inventada. Que alternativas tinham? Praticamente nenhumas. Nesses tempos, as editoras precisavam das feiras de livro locais. Eram parceiras, eram amigas. Enviavam os catálogos, e permitiam que escolhêssemos os livros. Nos últimos tempos, as editoras desinteressaram-se da divulgação do livro como uma missão, abandonando estas louváveis iniciativas locais. Não se aplica a esta relação comercial a regra de fidelização. Infelizmente. Por essas e por outras, principalmente por outras, há que mudar um pouco o paradigma. Há que apostar mais na divulgação dos autores locais, nos autores independentes ou não, naqueles que escrevem sobre aquilo que entendem, livremente, e que amam os livros e as palavras. Há muitos anos atrás, adquiri, numa das edições da Feira do Livro, De Profundis, Valsa Lenta, de José Cardoso Pires, e li-o todo nessa mesma noite. Trata-se de uma magnífica descrição sobre um grave problema de saúde do autor, que ele descreve com a excelência a que o seu nome nos habituou. Deslumbrei-me tanto que, ao terminar o livro, fiz uma promessa aos meus botões: “Se alguma vez tiver um problema de saúde grave, comprometo-me a escrever sobre isso”. E fui posta à prova com um maldito cancro da mama, de que resultou o livro Inimigo do Peito. Mais tarde, escrevi e publiquei a História do Touro Azul, infantil. E, na 48a Feira do Livro, lancei um romance: O homem que tinha medo de que ninguém fosse ao seu funeral. Na 49a feira do livro, que terá lugar este ano de 24 a 26 de junho no FAVO, apresentarei o livro Maria Celina. Não fora a Feira do Livro, quem sabe se os meus pensamentos se aconchegariam nas páginas que os têm acolhido. Já agora, aproveito para divulgar que Luís Carlos dos Santos apresentará ao publico o seu último livro, Daqui até já, na próxima Feira do Livro. E talvez não fiquemos por aqui. Para finalizar, acrescento quea Feira do Livro de Alhos Vedros foi distinguida pela Região de Turismo da Costa Azul no ano de 2007. Alguém escreveu num jornal como título: “Esta é uma feira de afetos onde o livro é um amigo”. Vem e traz outro amigo também. (...)" Edição 4/2022 - Helder Martins "(...) Quando o Fábio Silvano, do Boletim Digital “Sentir Alhos Vedros”, me contactou no sentido de falar um pouco sobre o que é a literatura para mim ou do meu percurso como escritor; tudo isto envolto por um papel de embrulho que é a nossa vila, imediatamente o que trouxe em lembrança foi o de uma antiga tarefa escolar. Creio que no 8o ou 9o ano, não o posso precisar, mas recordo que foi um projeto que falava sobre o Foral de Alhos Vedros, atribuído por D. Manuel, realizado para o agora atual Agrupamento de Escolas José Afonso. E vejo-me perdido nos pensamentos desta memória, límpida como se o fosse hoje, que foi um trabalho onde sinto ter conhecido o meu primeiro contacto com a “inspiração”. A maneira como a escola explora a nossa capacidade de síntese; a nossa forma de construir um novo texto por palavras nossas; o zelo que nos compele a questionar e a esclarecer; tudo isso gerava em mim um agrado sobre os textos que ia formando, enquanto explorava a história de Alhos Vedros, quase que num mesmo sentimento poético como aquele que trago aqui hoje para este Boletim Digital. Mas claro, éramos miúdos naqueles tempos, e os livros eram uma obrigação e eu sei que não os procurava. Sem o saber, ou alguma vez ter equacionado uma reta direta para o mundo da literatura, algo existia lá. Sem reconhecer os sinais, como a facilidade que era Edição Especial Pág. 8 para mim em ultrapassar as metas escolares no âmbito das línguas, lembro-me que andava em esquiva a escritas cujos temas pouco interesse despertava em mim. Mas sei que uma história pairava, na altura, na minha mente. Borrões, claro; pacientes do meu próprio crescimento para ganharem forma e também para que eu descobrisse o fator que me levaria à leitura. E é isso que trago aqui hoje ao Boletim Digital; para além de um percurso, explorar o que nos inspira. Porém, e primeiramente, apresentações são devidas. O meu nome é Helder Martins, filho da terra de Alhos Vedros. Nascido a 10 de Março de 1986, no vizinho Barreiro e durante muitos anos residente no Bairro Gouveia. Mesmo hoje, já criado, ainda a laborar no concelho da Moita. Em paralelo à saga do que são as minhas crónicas editadas, a minha pessoal jornada teve início na Escola Primária do Bairro Gouveia. Ainda que trinta anos, bem distantes agora, recordo da professora o louvor pela letra “q” bem traçada na folha do caderno. Mas somos miúdos e a época trazia na altura a saga do Dragon Ball. Ultrapassado esse arranque que nos projeta para as horas que aprendemos a ver ou as contas que começamos a decifrar, mantive o meu percurso dentro do ensino de Alhos Vedros, saltando para o que conhecia na altura como a Escola EB 2,3 José Afonso. Lá, a literatura torna-se então mais real e mais poética. Como a escrita de Gil Vicente, com o Auto da Barca do Inferno, recriada numa peça teatral em aula, onde recordo o papel de Judeu por mim interpretado. Porém, e em franqueza, os temas abordados pouco favoreciam o meu interesse pela leitura, nomeadamente quando no foco da poesia, a qual trazendo o meu próprio calcanhar de Aquiles. Mas, os resultados lá eram conseguidos e as metas ultrapassadas, sobressaindo-me nas suas provas escritas e na facilidade em reter o importante dos temas abordados. Contudo, para mim, tudo ainda era visto num sentimento de obrigação, até que apareceu Ulisses, de Maria Alberta Meneres. E aí, pretendo deixar a minha primeira mensagem para um bom leitor: descobrir o(s) tema(s) que o identifica. Naquele tempo, não sei se seriam dos jogos de computador (RPG’S) que atraíam pela sua raiz medieval e aventureira ou se dos ares de Alhos Vedros com o histórico do seu passado ou das suas lendas, como a do poço mourisco, mas a literatura focada no fantástico passou a trazer em mim um desejo em pegar nos livros, pela primeira vez, a gosto. Mesmo hoje, lembro a primeira obra que li de “empreitada”: “O ciclo do Graal: Nascimento do rei Artur” de Jean Markale. E, então, desde aí a literatura passou a acompanhar- me pela minha vida projetada para o ramo laboral. Recordo obras como a “Trilogia de Bartimaeus” de Jonathan Stroud ou “Lobo Branco” de David Gemmel. E até mesmo da saga do Harry Potter, entre tantos. Todas elas construíram o meu caráter, fortaleceram a minha imaginação e enriqueceram o meu vocabulário e companheiras das minhas múltiplas profissões, que exigiam longas deslocações pelos transportes públicos. E aí remato com uma segunda mensagem para um bom leitor: descobrir o conforto para uma boa e inspirada leitura. Porque refiro isto? Porque, no meu caso, apenas e só, era capaz de ler/escrever se inspirado pelo exterior do que são as pessoas e ares do mundo à minha volta. Começou então a curiosidade em trazer para o papel as formas de uma história que sempre me acompanhara; e perceber, nas competências e formações adquiridas pelo ensino, e até mesmo pela minha experiência no kickboxing, como seriam os contornos das minhas personagens traduzidas em palavas. Na altura, cinco anos antes da data de lançamento do meu primeiro livro a 24 de Novembro de 2013, recriei na íntegra toda a obra a papel e caneta. Claro que apercebi-me mais tarde que para enviar estes originais, os mesmos seriam necessários em digital, e todo o livro foi novamente filtrado para o computador, criando assim no ecrã à minha frente: O TEMPLO DE BORKUDAN. Certo que tudo era apenas um hobbie, um escape e ao mesmo tempo uma necessidade para o meu bem-estar psicológico, mas as pessoas certas Edição Especial Pág. 9 alimentaram a minha curiosidade em saber se esta história poderia ser mais. Começa então aquele nervoso miudinho, naquilo que não sabemos se será bem correspondido. Pegamos naquele ficheiro, salvaguardado nos seus direitos de autor, e percorremos editoras e mais algumas para onde enviamos o nosso trabalho. Até que, quase sempre quando não esperamos, as primeiras respostas surgem e a excitação traduz o sentimento em ver-se reconhecido. Ainda que algumas editoras declinassem por se tratar de um nicho de mercado, no seu todo o interesse pela história em si era valorizada, percebendo-se nela a componente humana que retendo expor nesta literatura de ficção. Assinei então pela editora CHIADO BOOKS, e com eles até hoje, editando outros dois volumes das CRÓNICAS DE TELLARGYA, sendo eles: “AASA DA CONSEQUÊNCIA”, publicado a 31 de Julho de 2016 e “GRILHETAS DA APATIA”, o meu mais recente livro, lançado a 28 de Novembro de 2021. Uma saga - que irei sintetizar no final deste boletim – que conta com uma escrita rica nas suas metáforas e alegorias; trabalhada em muito no gerúndio, mas capaz de agradar até aqueles que reticentes da leitura de ficção. Isto npela capacidade em explorar não uma história de heróis, mas sim de personagens iguais a como quem as lê, nas suas virtudes, erros e sonhos. Mas esta é a parte fácil. A de trabalhar e estudar a capa certa; a de reverificar possíveis erros; a composição da sinopse ou mesmo da foto de autor; o ir a reuniões de estratégias de promoções e preparar e organizar o lançamento que nos projeta. O difícil é quando transformamos um hobbie num compromisso. Compromisso para quem leu e espera pela continuação; compromisso para mim, como autor, que acredita no melhor destas CRÓNICAS DE TELLARGYA; um compromisso melhor explicado pelas antigas palavras de JOSÉ SARAMAGO, quando na minha presença na 47a FEIRA DO LIVRO DO FUNCHAL, que dizem: “ser escritor não é apenas escrever livros, é muito mais uma atitude perante a vida, uma exigênciae uma intervenção.” Quando li tal passagem foi como que um reflexo do que tem sido o meu percurso como escritor; um resumo do que implica esta arte: o isolamento necessário, por vezes as quebras de inspiração, a própria dúvida, o procurar, em paralelo à nossa vida profissional, uma forma de persistir no que se acredita, pois para lá das fotografias, o confronto interior é maior do que aquele que as minhas personagens enfrentam. E como contornar o que por vezes nos questiona? Em resposta, lembro maior satisfação ao regressar à Escola EB 2,3 José Afonso e partilhar as minhas conquistas. O agrado de professores que me reconheciam e felicitavam pelos feitos, abrindo-me portas para uma das minhas missões que era o de chegar aos mais novos, revelando-lhes a importância da leitura e da escrita. É prazenteiro ser ouvido, não só por mim a narrar uma nova realidade, mas escutado por turmas de alunos, tal como eu onde no passado estive também, curiosos pelo tema em si e pelo percurso de alguém que da escola se projetou. Alhos Vedros, terra de um passado que certamente fomentou o épico da minha fantasia, sempre me facultou o melhor das suas gentes. Ainda hoje, lembro a minha entrada pela Junta de Freguesia, no meu primeiro livro, perguntando o que eu poderia fazer para partilhar este trabalho. Refletiu-se com a participação nas suas Feiras do Livro. 43a Feira do Livro de Alhos Vedros e tenho em memória estar, lado a lado, com Leonel Coelho, lutador e grande escritor, e o mesmo que em curiosidade abriu os meus livros numa leitura em diagonal dizendo-me, enquanto aguardamos por leitores curiosos: “isto é de profissional”. Mesmo mais tarde, numa nova oportunidade, na 46a Feira do Livro de Alhos Vedros, com Dores Nascimento, numa entrevista à luz do luar onde me foi permitido falar um pouco mais do meu trabalho. A verdade é que o percurso é de luta. Temos de procurar chegar mais longe; procurar espaços num Portugal inteiro e ter a disposição de alcançar aqueles que ainda hoje não conhecem o nome Helder Martins, escritor das Crónicas de Tellargya. Edição Especial Pág. 10 E o apoio é importante. A surpresa e o reconhecimento, como a do convite para este Boletim, para que eu hoje pudesse lembrar, quem sou em nostalgia, “recarregam baterias”. AS CRÓNICAS DE TELLARGYA O TEMPLO DE BORKUDAN,Vol. 1 Esta saga conta a história de um jovem mago, Helzar Tharmin, resignado com a sua vida estagnada na aldeia de Surdave, sentindo-se subvalorizado. No seu caminho, cruza passagem com um pequeno dragão, Drinus, sem qualquer memória do seu passado. Porém, numa noite marcada por más escolhas, o rapaz vê a sua aldeia atacada por uma figura que o identifica como a reencarnação de um deus antigo. Instigando-o a lutar, o vilão da história rapta-lhe a irmã e destrói toda a aldeia; lançando então aí o início de uma demanda. Helzar tem agora um dever em mãos, ao mesmo tempo que conhece Tellargya pela primeira vez, no verdadeiro sentido da exigência; enfrentando pelo caminho desafios que o superam por aquilo que nunca esperara ou ambicionara. A ASA DA CONSEQUÊNCIA,VOL. 2 Regressado de o Templo de Borkudan, Helzar e Drinus contam agora com um novo companheiro de viagem. Com um novo destino traçado, o mago enfrenta agora os imprevistos da vida, com agora as consequências das suas decisões, em que a cada uma se vê cada vez mais afastado do seu objetivo inicial; ainda que por elas, cruzando passagem com uma bela jovem. Em paralelo a esta história, uma nova personagem, Jllanu, põe em marcha um ressentimento antigo para com a sua vida bastarda. E mesmo dos túneis de Tellargya, um anão irrompe focado para um castigo a todos que da superfície. GRILHETAS DAAPATIA,VOL. 3 Com todos os companheiros do seu grupo raptados por figuras arcanas misteriosas, Helzar vê-se confrontado com o novo percalço. Dividido entre a necessidade do resgate dos seus amigos, a tenacidade falta-lhe com o encontro de uma nova vida, mais confortável, e agora bem mais desejada. Cruzados os mares pela primeira vez, Jllanu põe em marcha o seu desígnio e Tellargya enfrenta agora os tremores que assolam cada um dos seus habitantes. Com o papel do herói agora em suspenso, uma nova personagem insurge para essa responsabilidade, e com ela a verdade na ponta da sua espada. (...)" Edição 5/2022 - Tânia Alves "(...) Este mês comemora-se o Dia Mundial da Criança, celebrado no dia 1 de Junho. No nosso país comemoramos este dia mimando as nossas crianças com presentes, passeios, experiências fantásticas e com tudo aquilo que achamos que as fazem felizes. No entanto, este dia não surgiu apenas para oferecermos presentes aos nossos filhos, sobrinhos e amigos. Este dia é uma data muito importante para toda a comunidade mundial. Começou a celebrar-se na década de cinquenta, num cenário pós Guerra (II Guerra Mundial), por parte da ONU, que tinha como objectivo alertar e sensibilizar toda a população para os problemas e dificuldades que muitas crianças enfrentavam, sem que tivessem acesso a cuidados básicos como o amor, segurança e saúde (dificuldades essas, que infelizmente ainda nos dias de hoje se verificam). Defendiam o princípio de que todas as crianças têm direitos que devem e merecem ser respeitados. Desta forma a ONU e a Federação Democrática Internacional das Mulheres criaram a tão proclamada mas nem sempre cumprida ou seguida Declaração Universal dos Direitos das Crianças. Esta declaração é composta por dez princípios que devem ser seguidos para que as crianças vivam em paz: 1 - Todas as crianças têm direito à vida e à liberdade; 2 - Todas as crianças devem ser protegidas da violência doméstica, do tráfico humano e do trabalho infantil; 3 - Todas as crianças são iguais e têm os mesmos direitos, não importa a sua cor, sexo, religião, origem social e nacionalidade; 4 - Todas as crianças devem ser protegidas pela família e pela sociedade; Edição Especial Pág. 11 5 - Todas as crianças têm direito a um nome e nacionalidade; 6 - Todas as crianças têm direito a alimentação, habitação e atendimento médico; 7 - As crianças portadoras de dificuldades especiais, físicas e mentais, têm o direito a educação e cuidados especiais; 8 - Todas as crianças têm direito ao amor, à segurança e à compreensão dos pais e da sociedade; 9 - Todas as crianças têm direito à educação, que deve ser gratuita e obrigatória. E têm direito a brincarem; 10 - Todas as crianças têm direito de não serem violentadas verbalmente ou serem agredidas por pais, avós, familiares e pela sociedade. Nunca nos devemos esquecer que já todos fomos criança e que essa criança continua dentro de nós. Há dias em que essa criança pode estar mais adormecida mas há outros dias em que essa criança salta cá para fora e só nos apetece brincar, rir e descomplicar a vida e perceber como ela pode ser simples. Como educadora de infância, considero também indispensável reflectirmos naquilo que é ser criança, na sua verdadeira essência. Assim, ser criança é ser livre, é poder rir à gargalhada até a barriga doer, é brincar, correr e saltar e levar a vida de forma simples e espontânea. É ser verdadeiramente feliz! Cabe-nos a nós, enquanto pais, cuidadores, avós, tios, educadores, professores, etc., transmitir-lhes exemplos, princípios e valores que lhes permitam viver e crescer de forma harmoniosa e que entendam o quanto são importantes a tolerância, a humildade e o respeito. Também nos cabe a nós proporcionar-lhes vivências, experiências e ambientes que as deixem ser genuinamente felizes e que sejam capazes de tirar um maior partido da vida. Em jeito de conclusão, deixo-vos aqui um elucidativo poema de Dorothy Law Nolte: As Crianças Aprendem o que Vivem “Se as crianças vivem com críticas, aprendem a condenar. Se as crianças vivem com hostilidade,aprendem a ser agressivas. Se as crianças vivem com medo, aprendem a ser apreensivas. Se as crianças vivem com pena, aprendem a sentir pena de si próprias. Se as crianças vivem com o ridículo, aprendem a ser tímidas. Se as crianças vivem com inveja, aprendem a ser invejosas. Se as crianças vivem com vergonha, aprendem a sentir-se culpadas. Se as crianças vivem com encorajamento, aprendem a ser confiantes. Se as crianças vivem com tolerância, aprendem a ser pacientes. Se as crianças vivem com elogios, aprendem a apreciar. Se as crianças vivem com aceitação, aprendem a amar. Se as crianças vivem com aprovação, aprendem a gostar de si próprias. Se as crianças vivem com reconhecimento, aprendem que é bom ter um objectivo. Se as crianças vivem com partilha, aprendem a ser generosas. Se as crianças vivem com honestidade, aprendem a ser verdadeiras. Se as crianças vivem com justiça, aprendem a ser justas. Se as crianças vivem com amabilidade e consideração, aprendem o que é respeito. Se as crianças vivem com segurança, aprendem a confiar em si próprias e naqueles que as rodeiam. Se as crianças vivem com amizade, aprendem que o mundo é um lugar bom para se viver.“ (...)" Edição 6/2022 - Francisco José Noronha dos Santos "(...) Escrever sobre Alhos Vedros é um júbilo e um repto! Na margem esquerda do Tejo, na Barra-a-Barra e no Rosário foram encontrados vestígios da presença de comunidades do neolítico. Edição Especial Pág. 12 No devir das eras, a estas terras estuarinas acorreram as mais variadas gentes, em busca de pouso seguro. Tal amálgama de povos e de culturas forjou uma salutar miscigenação, qual coluna vertebral destas populações ribeirinhas. Das cerradas brenhas brotaram terras aráveis, e do rio, ora manso, ora alteroso, granjearam o sustento e a subsistência. No século XIII da era cristã, Alhos Vedros é um aglomerado de habitações edificadas em torno do seu templo religioso. Alhos Vedros «terra franca» escreveu alguém. Franca porque sem muralhas que tolhessem os passos a quem dela se abeirasse a rogar acolhida; terra de gente franca, solícita, laboriosa... Nos séculos subsequentes, a localização geográfica, a amenidade do clima, os recursos naturais atraíram Nobres e Plebeus. Alhos Vedros está intimamente encrustada na História Nacional. Em Alhos Vedros, no mês de julho de 1415, o Rei João, o primeiro de nome, transmitiu aos membros do Conselho Régio a decisão definitiva de materializar a abalada da frota para a conquista de Ceuta. Nos séculos seguintes, os Alhosvedrenses cooperaram ativamente na empresa marítima portuguesa. Mas o seu hercúleo labor também se verificou na agricultura, na pesca e na navegação fluviais, na salicultura... No dealbar século XX, o incremento da indústria corticeira e da indústria de confecções são marcos identitários da personalidade expedita deste povo ribeirinho. Ser Alhosvedrense é um regozijo, um privilégio! Oxalá cada um de nós, Alhosvedrense, se esforce por dignificar os nossos valorosos antepassados, incontestáveis Heróis locais e nacionais! Para mim, é uma honra ser natural desta vetusta «terra da borda d’água». Alhos Vedros e a sua História merecem ser divulgadas a nível nacional! Qual tem de ser o papel, o esforço e a obrigação das Autoridades Locais e de cada um dos Alhosvedrenses? Meditemos, organizemo-nos e exijamos aquilo a que Alhos Vedros tem direito. (...)" Edição 7/2022 - Carlos Vardasca "(...) O meu nome é Carlos Vardasca, tenho 72 anos e nasci em 1949 na freguesia do Socorro em Lisboa. Desde muito cedo e devido à extrema pobreza dos meus pais, com apenas quatro anos de idade fui internado no Colégio Nuno Álvares Pereira em Lisboa, e mais tarde, com 13 anos, na Fragata D. Fernando II e Glória, onde sobrevivi a um violento incêndio que deflagrou a bordo em 3 de Abril de 1963. Eram instituições do Estado, onde permaneci vários anos ficando desde muito cedo privado de afectos e do aconchego familiar, o que contribuiu para moldar um pouco a minha personalidade, embora em datas festivas (nem sempre) fosse passar férias a Santarém onde os meus pais viviam. Desde muito cedo me interessei pela leitura, dado que apenas com doze anos, e com as moedas que as minhas vizinhas me davam quando lhes fazia alguns recados, investia esses trocos na compra do jornal “O SÉCULO” que na altura custava 1 escudo, inicialmente para recortar as tiras de Banda Desenhada que geralmente vinham na última página. Mais tarde, com 14 anos de idade e por influência dos meus amigos que também frequentavam o Cine Clube de Santarém, começei a interessar-me por assuntos mais sérios, lendo livros e notícias sobre assuntos de ordem social e política, mais concretamente sobre a guerra de Vietname, a guerra colonial que passei a contestar, e sobre os acontecimentos donMaio de 68 que ocorreram em França. Foi com esses amigos que iniciei muito cedo a minha discussão que versava assuntos de ordem política e, por sua influência e por acreditar nos valores que defendiam, comunguei e partilhei com eles a crítica ao regime do Estado Novo, embora naquela altura eu não estivesse ligado ou associado a alguma formação política, apesar de a PIDE pensar que quem frequentava o Cine Clube de Santarém se Edição Especial Pág. 13 movia pelas vias da contestação e por isso exercia naquela instituição cultural uma vigilância apertada. Apesar da descrição anterior e dos valores que já defendia, em 24 de Janeiro de 1971 fui, embora contrariado, mobilizado para participar na guerra colonial para Moçambique, de onde por pouco pensei que não regressava, por ter sido ferido em combate numa emboscada desencadeada pela FRELIMO em 3 de Janeiro de 1972. Esclareço que, embora tivesse participado numa guerra que sempre condenei, fui convidado para desertar por duas vezes antes de embarcar no navio NIASSA, não o tendo concretizado com receio que a PIDE exercesse represálias sobre os meus pais como já vinha sendo prática daquela polícia política. Quando regressei da guerra colonial em 6 de Março de 1973 e porque os meus pais se tinham mudado para Alhos Vedros, vim morar para esta vila onde me integrei e acabei por ficar aqui até aos dias de hoje, onde arranjei novos amigos e com eles mais tarde partilhei preocupações que me ajudaram a abrir novos horizontes com os quais me tornei solidário, criando novas amizades que ainda hoje perduram. Como já não tinha muito entusiasmo em voltar ao meu primeiro emprego na Marinha Mercante onde entrei com apenas 17 anos de idade, em 1973 fui trabalhar para uma fábrica de automóveis em Setúbal e aí, como operário metalúrgico, fui reforçando a minha consciência política a exemplo do que já vinha fazendo em Santarém, tendo eu corrido o risco, apesar de estar lá apenas há um mês, de ser despedido, por terem descoberto que fora eu o autor da afixação na parede da fábrica de um cartaz que denunciava o golpe de Estado no Chile liderado por Augusto Pinochet, com o derrube do governo de Unidade Popular chefiado por Salvador Allende em 1973, que foi assassinado durante esse conflito. Como o processo disciplinar com vista ao meu despedimento durou alguns meses a ser elaborado e a ser decidido, a intenção de me despedirem não se concretizou por que entretanto deu-se 25 de Abril em 1974 e meu processo disciplinar acabou por ser arquivado, o que causou alguma irritação na direcção da fábrica por não ter concretizado aquele objectivo. Na primeira Comissão de Trabalhadores em que participei, propus a criação de uma Comissão de Extinção da PIDE/DGS na fábrica devido à desconfiança que recaia sobre dois operários. Apesar de ter conseguido documentos que confirmavam a sua ligação àquela polícia política, a sua extinção não se concretizou devido ao golpe do 25 de Novembro que inviabilizou aconclusão desse processo, tendo eu anteriormente participado activamente no PREC (Processo Revolucionário em Curso) como militante da UDP (União Democrática Popular) com várias intervenções políticas, nomeadamente percorrendo com outros amigos as ruas da Alhos Vedros vendendo o jornal “REPÚBLICA” em sua solidariedade, para que o mesmo não fosse tomado por outras forças políticas alheias aos princípios que norteavam aquele jornal em defesa da luta dos trabalhadores. Durante vários anos fui eleito membro de Comissões de Trabalhadores e de Delegados Sindicais da empresa onde trabalhava, e nessa condição propus numa delas que se estabelecesse um intercâmbio entre a fábrica e a Reforma Agrária, nomeadamente com as Cooperativas agrícolas, com o objectivo de escoar os seus produtos agrícolas devido às dificuldades por que passavam. Por outo lado e nesse período, propus também que se realizasse um facto inédito, com a deslocação à fábrica da orquestra do maestro José Atalaya, que realizou um concerto memorável que foi do agrado de todos os operários que assistiram com grande entusiasmo, ao contrário do que alguns mais conservadores diziam que não ia resultar por ser “música para ricos”. Aos quarenta anos de idade decidi voltar a estudar e, beneficiando do estatuto de trabalhador estudante conclui o 12o ano e entrei para a universidade no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) no curso de Sociologia do Trabalho. Em 1986 fui um dos fundadores da CACAV. Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros, sendo autor do seu símbolo, participação que fui exercendo em paralelo com a minha actividade na fábrica como Controlador de Qualidade e os estudos na universidade. Edição Especial Pág. 14 Na direcção daquela associação cultural tive, até aos dias de hoje uma participação regular, fazendo parte dos seus órgãos sociais desde a sua fundação, onde tem sido desenvolvida uma actividade cultural permanente e regular, com actividades diversificadas, desde o debate realizado na Escola José Afonso de denuncia do Massacre de Santa Cruz em Timor-Leste em 12 de Novembro de 1991, entre tantas iniciativas efectuadas ao longo dos anos, que trouxeram à nossa vila personalidades várias e tão distintas como Agostinho da Silva e António Vitorino de Almeida entre outros, assim como o Coral Alius Vetus, o coral Luiza Tody e o Coro da Casa da Achada. Foi através da CACAV que participei em iniciativas de âmbito cultural e partilhei a preocupação desta associação pelo Meio Ambiente, com a criação do grupo “ECOS da TERRA”, assim como pelo Património Histórico e Cultural de Alhos Vedros, como foi, entre outras, a realização das primeiras Comemorações do Foral de Alhos Vedros em 1987, muito antes de o poder local se ter lembrado disso; as Noites de Lua Cheia e o mais recente concerto de Tributo a José Mário Branco a propósito do 36o aniversário da CACAV em 2022, iniciativas que ao longo de vários anos têm granjeado a simpatia e a participação das populações de Alhos Vedros e do concelho em geral. Por me sentir um pouco irrequieto, o que não me permitia estar muito tempo “inactivo mas fazer mais qualquer coisa”, em 15 de Março de 2001, numa Assembleia de Pais e Encarregados de Educação da Escola Básica no 1 de Alhos Vedros, participei numa lista que foi eleita para os corpos sociais da respectiva Associação para os anos 2001/2002 onde, propus que fosse editado um boletim informativo de nome “INTERVIR” que visava propor melhorias e outras intervenções a efectuar no recinto escolar. “INTERVIR” era um boletim gratuito e distribuído mensalmente a todos os pais e encarregados de educação, cuja distribuição que era gratuita, só foi possível graças às cópias que eram tiradas de forma quase “clandestina” na fábrica onde trabalhava, e a sua publicação visava informa-los da actividade da nossa associação e medidas a tomar para melhoria do espaço escolar. Fazendo jus ao meu interesse pela leitura e pela escrita que já vinha desde os tempos da minha tenra juventude, fui colaborador assíduo do jornal “O RIO” dirigido por Brito Apolónia, contribuindo quinzenalmente com artigos de opinião até à sua extinção, ao mesmo tempo que nas eleições autárquicas de 2001 fui eleito nas listas do Bloco de Esquerda para um mandato para a Assembleia de Freguesia de Alhos Vedros, mandato renovado em eleições autárquicas seguintes no ano de 2005. No campo da literatura, em 2012 editei o meu primeiro livro com o título “Do Tejo ao Rovuma”, apresentado pelo professor António Ventura no Núcleo Cultural José Afonso (Biblioteca Municipal de Alhos Vedros), livro que retrata a história da minha Companhia na guerra colonial (1971-1973) e em homenagem aos meus companheiros que tombaram em combate naquela guerra de má memória, para onde também fui enviado “sem jeito nem prosa”. Em 2015 voltei a editar um novo livro com o título “Fardados de Lama”, apresentado pelo Tenente Coronel Mário Tomé e pelo tradutor meu amigo de infância José Colaço Barreiros (na mesma Biblioteca Municipal), sessão moderada por Joaquim Raminhos, romance autobiográfico que descreve e minha vivência desde a infância até ao ano de 1987, escrito com base e inspirado num poema de minha autoria em 19 de Dezembro de 1969 com o título, “Andei por aí”, onde se reflete uma parte da minha infância e juventude repleta de ausência dos afectos que já referi anteriormente, mas também por alguma rebeldia e contestação acumulada pelos acontecimentos de Maio de 68 em França. Andei por aí Nasci. Olhei à minha volta e Senti-me parido de ninguém. Gritei para dentro de mim e não me ouvi. Tentei abraçar alguém que era vento e nada senti. Corri, andei à procura, tudo era vazio E mergulhei no nada. Tudo parecia sorrir, Edição Especial Pág. 15 Mas nada para mim sabia a quem. Andei por aí, Por aí andei. A par do gosto e do amor que sentia pela escrita, a música também foi uma das áreas a que dei corpo, ao participar durante alguns anos no coro “ALIUS VETUS da colectividade a “Velhinha”, onde participei até que a minha entrada no ensino superior me impossibilitou de cumprir com a assiduidade desejada. Sempre atento e com a preocupação em transmitir aos outros a minha visão do mundo e o meu pensamento sobre as questões sociais e políticas que iam surgindo no meu dia-a-dia, em 2017 decido editar novo livro com o título “Tempos Inquietos” apresentado pelo ex-director do jornal “O RIO” Brito Apolónia, livro onde “desfilam” artigos de opinião por mim escritos de 1989 a 2016. Esta obra foi editada também com base numa de compilação de artigos de opinião escritos para o jornal “O RIO”, a par de outros que descrevem acontecimentos de ordem social e política, nacional e internacional, que fui registando durante o mesmo período. O interesse pela escrita e aproveitando o período de algum recolhimento que foi transversal a todo o país, “dei corda aos dedos” e praticamente tenho concluídos mais dois livros que muito entusiasmo me deram escrever, cuja apresentação só será possível quando as condições o permitirem. O primeiro é um romance autobiográfico que vem no seguimento de outro que escrevi anteriormente e que considero, em parte, a sua continuação, pois reconheço que algo ficou por dizer em “Fardados de Lama”. Esse romance tem como título “Uma Lua Ancorada no Cais” e nele conclui o que em “Fardados de Lama” me pareceu ter findado abruptamente, ao ponto de algumas pessoas que o leram terem ficado curiosas, pois o seu final indiciava que algo mais havia para dizer devido à expectativa e ao interesse que ficou a pairar no ar com o seu final tão inesperado. O seguinte livro, este sim já concluído, tem como título “Regressámos Todos Tão diferentes” e é mais uma incursão ao período da guerra colonial. Regressei a estetema porque verifiquei que sobre o assunto havia muito para dar conhecer daquilo que fui escrevendo durante o conflito colonial, mais concretamente sobre os momentos vividos em Moçambique, no Planalto dos Macondes, província da Cabo Delgado na fronteira com a Tanzânia. Durante esse período e quando regressava aos aquartelamentos fui alinhavando alguns apontamentos no meu caderno diário de tudo o que fui observando durante as operações em que participei, ou registando fotos batidas pela minha “MIRANDA”, máquina fotográfica de fabrico japonês que me acompanhava sempre que me deslocava para o mato, ao ponto do comandante da companhia me ter dito um dia: - Oh nosso soldado! - Você pensa que está em Hollywood ou quê? Para sua irritação, não dei grande importância a este tipo de observações que este oficial era hábito fazer sobre a minha pessoa e o meu pensamento, ao ponto de me alcunhar de “maoista”, continuei a registar apontamentos fotográficos que hoje os vejo com muita satisfação estampados nas páginas de “Do Tejo ao Rovuma” e em “Regressámos Todos Tão Diferentes”, este último que em breve estará à disposição de quem se interessar por este género de leitura. Actualmente tenho como “profissão” a de reformado, condição onde me sinto extremamente feliz, porque ainda hoje recordo a frase que disse ao engenheiro, responsável pelo sector do controlo de qualidade onde eu trabalhava na minha despedida da fábrica, quando ele me perguntou: - Então Carlos Vardasca! – O que é vai fazer agora que se vai reformar? Ao que eu lhe respondi sem hesitações: - “Agora, vou fazer tudo aquilo que não tive tempo de fazer quando trabalhava para os outros”. Abraçamo-nos e disse-me: - Gostei muito de trabalhar consigo, e espero que continue fiel aos seus princípios e valores que sempre Edição Especial Pág. 16 o vi defender. Para meu espanto, foi ao seu gabinete e ofereceu-me uma pequena placa com a efigie de Che Guevara gravada em madeira, que me trouxera numa das suas férias à ilha de Cuba. Finalmente, concluo este meu “Pedaço do meu sentir” que é mais do que elucidativo e um testemunho daquilo que vos dei a conhecer de mim, para que cada um que o vai ler possa fazer o seu juízo de valor, que eu não fico nada preocupado com aquilo que legitimamente possam pensar. Por agora, tenho dito. (...)" Edição 8/2022 - Manuel João Croca "(...) “Eu acho que, para toda a gente, o que é necessário haver num país é os três S: S número um, sustento; S número dois, saber; S número três, saúde. Só a seguir ao sustento é que vem o saber.” Professor Agostinho da Silva 1. O primeiro S: Sustento. Para que uma sociedade seja livre, educada e democrática deve reger-se por princípios e valores que respeitem e dignifiquem a comunidade na sua pluralidade e diversidade. Nesse sentido, e considerando que a quase totalidade da população se sustenta do rendimento do trabalho, a todos deverá ser assegurado esse direito. Se não for garantido a todos e a todas a possibilidade de ganhar o seu sustento como será possível viver condignamente e com liberdade para fazer escolhas e construir o seu destino? Deveremos por isso abordar o trabalho na perspectiva de um direito e não de uma mera possibilidade geradora de conflitos, por via de uma competição desenfreada e tantas vezes sem regras onde prolifera o tráfico de influências ou, para sermos mais directos, o cancro das chamadas “cunhas”. E porque uma sociedade democrática não se erege apenas na vertente política – a possibilidade de regularmente sermos chamados a eleger os nossos representantes – , antes se afirma, também, nas vertentes social e económica importa considerar o seguinte: - Sendo que todas as ocupações são socialmente necessárias, deverá ser assegurado a cada trabalhador(a) um salário que lhe garanta a possibilidade de viver com dignidade. Para isso será preciso fazer contas, as contas necessárias e certas. As contas que importam a cada e a todos, as contas que possibilitem o acesso a uma habitação digna, à saúde, à educação, à cultura e ao lazer. Será esta a forma mais justa de chegarmos ao valor mínimo a pagar como rendimento do trabalho. Só assim será possível assegurar uma mais justa distribuição da riqueza criada, ao invés do que agora se verifica e em que 5% da população mundial detém mais de 90% da riqueza criada no planeta. Garantir o primeiro S é fundamental para poder garantir os seguintes pois só depois do sustento estar assegurado haverá disponibilidade e motivação para tudo o resto. Sem o sustento garantido toda a nossa atenção (e preocupação) será canibalizada por esse problema que é o que infelizmente acontece a milhões de portugueses que, não obstante estarem numa situação de pleno emprego, vivem no limiar da pobreza. A desvalorização do factor trabalho é uma chaga que importa corrigir e eliminar. 2. O segundo S: Saber. A construção do edifício social em que queremos viver é tarefa de toda a comunidade e, por isso mesmo, ninguém pode ser isentado de tal responsabilidade. Uma comunidade culta e informada estará, pois, muito melhor apetrechada para alcançar tal propósito com sucesso, considerando-se aqui sucesso o conseguimento de uma sociedade justa, livre e democrática. Aceder ao “Saber” implica uma atitude activa e reflexiva permanente por parte de cada um e de todos enquanto receptores/emissores de conhecimentos. A aquisição de conhecimentos, de “Saberes”, começa desde logo na família, depois na escola, depois uns Edição Especial Pág. 17 com os outros, nas colectividades e associações, nas artes, ... enfim, em toda a comunidade no geral. E, por isso mesmo, será mais correcto falarmos de “Saberes” tendo em conta a diversidade das suas naturezas e dos seus interlocutores. Daí, também, falar do papel receptor/emissor que todos temos, visto que, se para isso estivermos disponíveis, com todos poderemos aprender qualquer coisa e, concerteza, também teremos algo para ensinar. Parece-me, no entanto, inquestionável, no processo educativo de aquisição de conhecimentos, o papel primordial e insubstituível da escolaridade e de tudo o que a envolve. Falar da escola pública é, desde logo, falar de Professores e de Alunos, de Pessoal Auxiliar e de Conselhos Directivos, de Planos Curriculares e de Edifícios, de Ministério, de Ministro e de Estado (tudo com maiúsculas porque são muito importantes). É um universo complexo como todos os que envolvem pessoas. Muitas pessoas. Com histórias, percursos, circunstâncias e contextos diferentes. Pessoais e sociais. Não sou, obviamente, especialista na matéria, já decorreram várias décadas desde que cumpri a escolaridade e mesmo a dos filhos já ocorreram há quase uma década. No entanto, como a educação (ou a falta dela) é um factor estruturante de qualquer sociedade, é um universo que me interessa e que procuro compreender na sua grande complexidade. Tenho vários amigos e amigas professores ou ligados ao processo educativo e conversamos frequentemente (quer dizer eu escuto, fundamentalmente) sobre o assunto. Alguns amigos (e conterrâneos) têm até obra publicada nesse domínio como são os casos de Luís Carlos Rodrigues dos Santos e a sua tese de doutoramento “Agostinho da Silva: Filosofia e Espiritualidade, Educação e Pedagogia” e José Miguel Oliveira com a obra “Dar aulas é fácil.Difícil é ser professor! Manual em 7 lições ”, obras que para mim foram (são) bastante enriquecedoras e que me permito vivamente recomendar. Lendo e ouvindo e escutando (que não são a mesma coisa) aprende-se muito e alarga-se substancialmente o universo das problemáticas em equação. Há quem pense que ser professor é “apenas” debitar um programa curricular superiormente definido e programado e, provavelmente, há professores que tenderão a ser “apenas” isso, embora, depois,o enfrentar da(s) realidade(s) os obrigue a ser muitas outras coisas. A reflexão e prática pedagógicas têm evoluído. Têm surgido novos pensadores, novas correntes dentro do universo educacional como, por exemplo, a denominada “Escola Nova” e é nesses contextos que tomamos conhecimento e percebemos (por aproximação) da imensa complexidade da actividade docente. Na escola desembocam todos os problemas sociais de que a comunidade padece. Famílias desestruturadas, separações, divórcios, desemprego, carências financeiras, violência doméstica, iliteracia, toxicodependência, violações, delinquências várias, enfim, tudo aquilo que inferniza e destrói vidas, tudo aquilo que corrói os alicerces de uma sociedade que se deseja equilibrada. Para os receber e para os ensinar. Para com eles, educandos, construir uma equipa. Com papéis e funções diferentes como em qualquer equipa mas, ainda assim, uma equipa. Tudo isto entra dentro de uma sala de aula. Turmas sobrelotadas muito para além do que seria desejável e recomendável. Salas de aula frequentemente mal equipadas e desconfortáveis. Aí estão os professores para os receber. Esse é o objectivo e a sua persecução é o factor mais determinante para o sucesso (ou o insucesso) da missão. E são professores tantas vezes deslocados centenas de quilómetros da sua área de residência. Afastados do convívio das suas famílias e sem quaisquer ajudas de custo para fazer face às despesas de deslocalização, delapidando um salário que tem vindo a ser minguado progressivamente. Edição Especial Pág. 18 Professores desinseridos do meio, desconhecendo os seus contextos e as suas circunstâncias. Professores. Homens e mulheres de quem se esperam resultados e sucesso “numa das grandes, mais desafiantes e ainda nobres tarefas que se pode colocar a um ser humano: educar crianças e jovens para que possam um dia contribuir para a melhoria da sociedade em que vivemos, afirmando-se como sujeitos críticos e proactivos, agentes transformadores, capazes de (re)pensar e de agir sobre o presente com vista ao progresso e à melhoria do mundo. E, tudo isto enquanto se fornecem ferramentas, técnicas e conhecimentos, enquanto se treinam comportamentos e reforçam atitudes, enquanto se proporcionam aprendizagens e se desocultam caminhos para a felicidade.“1 Neste contexto, o professor acaba por se assumir como transmissor de conhecimentos, pedagogo, psicólogo, sociólogo,... e até “aprendiz de feiticeiro”, não sendo por isso estranho considerar-se a actividade docente uma profissão de desgaste rápido. Professores. Uma tão nobre missão que tem vindo a ser progressivamente desvalorizada (e por isso iremos - já estamos - a pagar um preço elevado), traduzindo-se em: - “pouco reconhecimento social, numa crescente pressão dos encarregados de educação, ataques à imagem da classe na comunicação social, onde germinam opiniões pseudo-especializadas de (não) especialistas sobre a educação e a vida nas escolas, categorizações e generalizações abusivas; Diminuição dos direitos e das condições laborais; aumento da precariedade e da incerteza; cortes salariais; alterações ao nível da protecção e segurança social; aumento do tempo de trabalho e da idade de reforma.”2 Professores. E cada vez há menos. Podem brandir gráficos e estatísticas, números e orçamentos que, neste como em muitos outros casos, a percepção não engana: cada vez há menos professores, mais mal pagos e com menos condições. Este tema é tão importante e pertinente que apetece organizar um ciclo de conferências sobre o assunto onde pudessem ser ouvidos todos os participantes do processo educativo: professores, alunos, auxiliares, gestores, encarregados de educação, representantes do ministério, ... Pensando bem nesta ideia é isso mesmo que irei propor na Associação que integro, a Cacav. *** Recentemente procedeu o Ministério da Educação a uma descentralização de competências para as Autarquias Locais. As escolas ficam sob responsabilidade das autarquias. O processo é recente e carece de mais algum tempo para se poder tirar conclusões mas o que já se vai ouvindo por aí é que «descentralizaram responsabilidades mas não os recursos necessários». Vamos ficar atentos. 1 José Miguel Oliveira, “Dar aulas é fácil. Difícil é ser professor!”, pág. 10; 2 ibidem, pág. 125 3. O terceiro S: Saúde. Uma das maiores conquistas do 25 de Abril foi a criação de um Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito para todos. É uma conquista de elevado alcance, garante que a ninguém será negada assistência médica por falta de meios. Muito à frente de outros países apresentados como modelos de desenvolvimento onde, neste domínio da saúde (e também noutros), campeia a barbárie. É o garante de que a assistência na saúde é um direito e não um negócio como ficou exuberantemente provado neste período de pandemia do covid que grassou no mundo. Exuberantemente provados os propósitos quer do SNS quer dos grupos privados da saúde. Só não vê quem não quiser ver. Todos os serviços que são indispensáveis e públicos, tendencialmente gratuitos portanto, têm vindo a ser sujeitos a uma pressão cada vez maior por parte dos privados. Edição Especial Pág. 19 Tal situação tem sido particularmente evidente no domínio da saúde (embora também se verifique no domínio da educação) e tem vindo a provocar um evidente desgaste no SNS e nos seus profissionais. Os motivos repetem-se: faltam profissionais e faltam meios. Faltam médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, pessoal auxiliar, ... Consequência do arrastar de tal situação, é o facto de os profissionais do SNS serem chamados, cada vez mais, a trabalho extraordinário. Tratando-se de profissões sujeitas a enorme responsabilidade e elevado desgaste, e porque as capacidades humanas não são ilimitadas, os serviços estão a entrar em ruptura um pouco por todo o país. Os serviços de obstetrícia claudicaram um pouco por todo o lado com consequências dramáticas, nalguns casos, como todos sabemos. As listas de espera para consultas externas e intervenções cirúrgicas continuam a crescer e a dilatar. Nos centros de saúde assiste-se à ignomínia de os utentes terem de ir de madrugada para as filas de espera na esperança, frequentemente frustrada, de conseguirem uma consulta. Faltam médicos de família. Só na freguesia de Alhos Vedros há mais de 5.000 utentes sem médico de família. A ministra Marta Temido, que estoicamente enfrentou a crise pandémica, demitiu-se. Não é de admirar, todos temos limites. E no entanto, todos sabemos que a culpa da situação não é da ministra. A culpa é de quem enfia a cabeça na areia e não vê porque não quer ver. O SNS tem falta de meios e de profissionais. Tem falta de um plano de carreiras para os seus profissionais que seja aliciante e os fidelize em exclusividade. Mas também aqui os que exercem o poder brandem mapas, gráficos e relatórios, extrapolam números tentando-nos convencer de que está tudo bem quando a nossa percepção não engana e nos evidencia que não está, não se conseguindo responder às necessidades. Não porque os profissionais sejam maus, antes pelo contrário, é por serem insuficientes. E também os profissionais de saúde têm vindo a ser desvalorizados. Quer ao nível das condições salariais que são insuficientes quer ao nível de um plano de carreiras que seja aliciante e motivador. Estamos em situação preocupante em áreas sensíveis da sociedade. Trabalho, Educação, Saúde. E não falamos de Justiça porque o tema não é aqui tratado. Está mais do que na hora de arrepiar caminho. Já ontem era tarde! *** E já que falamos de saúde convém atentar no seguinte: O planeta Terra é um organismo vivo e também ele está doente, muito doente. Precisamos tratar dele até porque, como se sabe, não há Planeta B. Só algunsdados: Desde que as Nações Unidas reconheceram a existência de alterações climáticas, nos anos 70, as emissões mundiais praticamente duplicaram. Os últimos cinco anos foram os mais quentes desde que há registos, mas o compromisso de redução das emissões poluentes nos acordos climáticos internacionais ficou por cumprir. Por este caminho – e apesar dos discursos bem intencionados – todas as metas para limitar o aumento da temperatura ficarão por atingir nos próximos anos, empurrando o planeta para a catástrofe. Mas muita gente, sobretudo as gerações mais jovens, já percebeu a dimensão do problema e sai às ruas em todo o mundo para exigir acção urgente dos governos. Não bastam promessas e acordos no papel. É preciso descarbonizar a economia agora e não ficar à espera de 2050, porque nessa altura já será tarde de mais. A luta em defesa do planeta e do seu equilíbrio é para já e para agora e é uma luta de todos, diária e permanente, onde devemos tentar pôr em prática a máxima de “pensar global, agir local”. Significa isto que sem perder de vista o fenómeno à sua escala global devemos procurar acudir ao que Edição Especial Pág. 20 nos é mais próximo já que há muito por fazer. Devemos começar, desde logo, por alterar os nossos próprios hábitos dando especial atenção ao consumismo supérfluo, ao reciclar dos lixos domésticos, ao restringir a utilização automóvel ao indispensável, ao moderar o consumo da água e outros procedimentos diários que, no seu conjunto, podem ajudar qualquer coisinha na luta maior que é necessário travar. Por todos, já que ninguém está isento nem se deve demitir. Creio que estaremos de acordo ao considerar que vale a pena pensar nisto. E, depois, tentar agir em conformidade. (...)" Edição 9/2022 - Maria Gabriel Filipe "(...) Escolha o comércio tradicional e surpreenda-se com as pequenas histórias da Vila ou dos bairros, de quem lá vive e trabalha. As lojas, sejam antigas ou mais recentes, fazem parte da identidade da terra, da rotina diária. Têm a vantagem de ter um atendimento personalizado, em que se pode confiar e fazem qualquer pessoa sentir- se em casa. Muitas têm uma história que se identifica no mobiliário ou na decoração e foram passando pelo tempo graças à paixão dos seus proprietários. Escolher o comércio tradicional para fazer compras é também uma forma de contribuir para salvaguardar este património e fazer parte da história local. Em cafés antigos, bares, relojoarias, talhos, lojas de tecidos ou roupa, retrosarias onde se encontram peças únicas, há muitas histórias a descobrir. Não podemos esquecer que, em situações de maior dificuldade, era no pequeno comércio que se socorriam todos aqueles que necessitavam de crédito para alimentarem as suas casas, vestirem os seus filhos, levantarem as reformas que chegavam por vales de correio, etc. Hoje, é o pequeno comércio, aquele que deu alma e vida às suas terras, que mais sente as vicissitudes da atual situação. Vamos ajudar o comércio local e dezenas de famílias que dele dependem. A sensação de entrar na mercearia ao pé de casa e receber um “Bom dia, Gabriela” ou no café da esquina ou ao fundo da rua e ouvir “Então, o que vai ser? É o costume?” é uma sensação única, comum nos nossos bairros ou na Vila. Este é o comércio local na sua mais profunda identidade – recheado de relacionamentos de proximidade e atendimento personalizado. Quando a pandemia chegou e apanhou todos desprevenidos, as pessoas mudaram a forma de estar, socializar e viver. As compras no comércio local, especialmente nas lojas de comida, aumentaram, seja pela proximidade e conveniência das lojas – as pessoas estiveram mais tempo em casa e evitavam fazer grandes deslocações. O comércio local é uma atividade bastante representativa da nossa economia. Das lojas familiares que passam o seu legado de geração em geração, às novas tendências que vão dando mais vida à localidade, estas lojas lutam pela sua sobrevivência em tempos de consumismo de massas e contra as grandes superfícies. Numa altura em que o on-line passa a ser crucial para a sobrevivência de qualquer empresa, loja ou atividade, é importante perceber, para além dos apoios económicos, como este sector de atividade pode vingar nos dias de hoje. Uma das respostas pode passar pelo contar histórias: a história da loja, as memórias da terra, as peripécias de uma atividade familiar. Não deixar que o comércio local desabe perante a incerteza económica é crucial para a nossa economia porque são geradoras de postos de trabalho, pela autonomia da Câmara Municipal, através do cumprimento das obrigações fiscais, e por manter o dinheiro a circular. Comprar local é a forma mais fácil e a mais imediata de apoiar. Procurar farmácias, padarias, talhos, mercearias, cafés, cabeleireiros, etc. nas redondezas. Trocar as grandes redes pelos pequenos comerciantes, pode ajudar a dar um pequeno fôlego Edição Especial Pág. 21 às finanças de um pequeno comerciante, para além de ter um efeito multiplicador de emprego. Se comprarmos numa loja, esta terá que contratar um contabilista local, por exemplo, o proprietário e seus funcionários podem ir a restaurantes locais e a outras lojas próximas. Todos nós conhecemos alguém que tem uma loja de roupa, um café, um restaurante, um bar, um cabeleireiro. Tornarmo-nos cliente desse alguém e incentivarmos outros a serem clientes, tornamo-nos responsáveis por garantir uma receita mensal que permite o funcionamento do negócio. Só há vantagens em ajudar o comércio local. - O período de pandemia mostrou fragilidade do comércio local. Agora é importante ajudar estes negócios e manter as suas lojas. A melhor forma de fazer é trocar o hipermercado pela compra local. - As lojas de rua são pequenas e acolhedoras, são perto das nossas casas e não precisamos de transporte para lá chegar. - Temos atendimento personalizado. O dono da padaria já sabe o que queremos, o café recebe-nos com o pedido de sempre, etc. - Em regra geral, a qualidade dos produtos no comércio local, supera em muito os da produção em massa, disponíveis nos hipermercados. O comércio local pode ser descoberto ao explorarmos as lojas que rodeiam a nossa casa, mas também em alternativas digitais, como aplicações e plataformas on-line. A existência de políticas públicas dirigidas ao apoio a estas atividades económicas, criadoras de emprego, é hoje uma excelente oportunidade de valorização de recursos. Ao Município e respectivas Freguesias compete dar apoio e incentivo à proteção dos estabelecimentos, integrando em programas de apoio ao comércio tradicional. (...)" Edição 10/2022 - João Paulo de Sousa da Silva Gaspar "(...) Quando recebi o simpático convite do Fábio Silvano para escrever o Editorial da Revista Sentir Alhos Vedros, projeto incrível de louvar que acompanho, pensei de imediato se sabia que tema iria abordar, pensei nos mais de 20 anos de pesquisa genealógica sobre as gentes de Alhos Vedros, desde o Séc. XVI até ao Séc. XX, contar as suas incríveis histórias de vida, de como as suas vidas fazem parte dos dias de hoje, de como se fez o “caminho de Ferro” no Sec. XIX , dos que arrotearam campos, dos que construíram marinhas , dos que faziam sal , dos que construíram monumentos que nos chegam aos dias de hoje e de que obra iremos deixar para ser avaliada daqui a 100 anos? Como vamos ser conhecidos? Estas e outras questões inquietam-me e como tal seria um belo Editorial. Mas dias depois mudei de ideias e pensei em falar sobre Arquitetura civil na nossa Freguesia, mostrando ao olhar mais desatento a beleza de edifícios que urge preservar antes que sejam reduzidos a nada e Alhos Vedros continue a ficar mais pobre, mas esse levantamento e o das Árvores Monumentais demorará mais algum tempo a ficar completo, e a seu tempopoderá ter interesse de ser partilhado. Então numa crise de criatividade, mas seguro que a honra de escrever um editorial não deverá ficar reduzido a uma promoção narcísica como tantos outros, compreendi que o editorial deverá ser sobre o facto que nos une a todos e nos distingue dos demais que é “Ser Alhosvedrense”! Ser de Alhos Vedros é um privilégio e uma angústia, privilégio por crescermos numa Vila com tanta historia e tanto passado que desde crianças que somos intensos, envolvidos na sociedade... e uma angústia porque a queremos mais e melhor e a temos visto definhar como uma bela senhora de outrora que fora abandonada a um canto para morrer. Relembro vários momentos da minha vida com a maior ternura e saudade, os Carnavais da Velhinha em que grande parte da comunidade se envolvia, de pessoas extraordinárias tais como é exemplo o Vítor Cabral, a Dona Edite, a Fatinha, a Dona Luisinha, da Edição Especial Pág. 22 Paula Panoias, do Cláudio Neves, da Vanessa Lavrador, Torcato a Vitália e os filhos, o Vladimir de Sousa, a mulher e os filhos e tantos outros que fizeram os melhores Carnavais da vida de tantos de nós! Os bailes da Velhinha , a cave e as suas tertúlias , percorrer os corredores e andares da nossa Velhinha nesses tempo, fazia-me imaginar ao encontrar uns instrumentos da Banda, como teria sido Alhos Vedros e a Velhinha no tempo do meu avô Joaquim de Sousa o Barrote e do seu pai António Pedro de Sousa, ambos músicos da Banda da Velhinha? Como seriam as tardes de Domingo com a banda no coreto, ou a grafonola na janela da Velhinha a dar música todos os Domingos para o jardim em frente? Como seria o Cinema e as suas dinâmicas? Quem se lembra das marchas populares do Bairro Gouveia e do Saudoso Ezequiel? dos Jogos do CRI , da Dinossauros e antes dela a Mobil Garden, do La Fontaine nas Arroteias, de celebrar o dia da Árvore no destruído Parque dos Eucaliptos , nas Cavalhadas no Xico Pires, no Baile da Pinha, tantas são as pessoas e as memórias que não caberão num só artigo. E como este editorial é sobre todos nós, sobre as nossas memórias e sobre que memórias queremos construir hoje para o amanhã, vou terminar com uma história verídica que resume muito bem este sentimento de comunidade e pertença que todos devemos almejar reconstruir para a nossa amada Vila de Alhos Vedros e devemos recordar sempre e para não voltarmos a repetir erros do passado que, Um Mundo de Igualdade não é feito de Pessoas Iguais mais de pessoas com direitos iguais para serem diferentes. Alhos Vedros e a sua maior riqueza foi sempre a diversidade de gentes que aqui convergiam para criar algo único e especial. Respeitar as diferenças e a partir dai construir algo grandioso é a lição que os nossos antepassados nos deixaram, mas que teimosamente não quisemos ouvir. Aqui fica esta memória. Esta história verídica é me contada pela minha mãe Raquel , que ouvia o seu pai contar... No Século XIX em Alhos Vedros, não sei precisar o ano, fora Corregedor da Vila de Alhos Vedros, o Sr. Eusébio António de Sousa (bisavô da minha mãe, fora batizado em Alhos Vedros em 1820 e morava ele mais ou menos onde é a casa do Victor Cabral), certa noite, o foram chamar a casa, porque havia dias que a população de Alhos Vedros andava assustada , eram ouvidos barulhos estranhos , vindos de outro Mundo seguramente, no cemitério da Vila, pela noite. O Eusébio lá rumou até ao cemitério, seguido por um número de gente, homens e mulheres com paus e terços, com medo, mas juntos, lá foram ver de expulsar as almas d’outro Mundo. Chegados ao cemitério da Vila, ficaram todos ao longe vendo o Corregedor Eusébio entrar porta adentro destemido e um silencio ensurdecedor reinou. Minutos depois saíram a correr uns quantos burros assustados e atrás deles o Corregedor a gritar: aqui têm as almas penadas” e entre gritos de susto e gargalhadas de alívio, ficou desvendado o mistério, eram os burros de saltimbancos que na calada da noite pastavam no cemitério. (...)" Edição 11/2022 - Joaquim Raminhos "(...) AS MEMÓRIAS QUE NOS MARCAM E FAZEM CRESCER Todos os povos, todas as comunidades têm as suas memórias, que constituem referências fundamentais da sua identidade social e cultural, que se perpetuam no tempo, de geração em geração, constituindo um património histórico, que contribui para entendermos melhor o presente e perspetivarmos o futuro. A Vila de Alhos Vedros pela sua antiguidade e pelos contextos vividos, caracteriza-se por uma grande riqueza histórica, quer pela importância que foi adquirindo na administração de um vasto território, do então designado Concelho do Ribatejo, cujos limites se estendiam da então aldeia Galega (Montijo), até Coina, quer pelas vivências sociais, económicas e culturais registadas ao longo de séculos, que António Ventura muito bem caracteriza na sua investigação. Muitas das memórias de Alhos Vedros estarão ainda Edição Especial Pág. 23 por registar, mas muitos factos históricos têm vindo à luz do dia, através do trabalho, de investigadores, de antropólogos e de historiadores, como António Gonzalez, António Ventura, José Manuel Vargas e tantos outros, que têm dado importantes contributos para o conhecimento e compreensão da evolução do nosso território regional e local, sobre o património construído, sobre as atividades aqui desenvolvidas e sobre os modos de vida e das relações humanas que se foram construindo ao longo dos tempos. Sem precisarmos de nos colocar em bicos de pés, Alhos Vedros regista nas memórias da sua história local, muitos acontecimentos que nos orgulham e que não podem cair no esquecimento nem no anonimato. É certo que fruto da evolução dos tempos, Alhos Vedros que foi sede de concelho, deixou de o ser, mas fica-nos a memória de alguns factos de relevo na nossa história, como a chegada do rei D. João I a Alhos Vedros, vindo refugiar-se dos efeitos da peste, que alastrava pelo país e por Lisboa. A vinda dos Infantes a Alhos Vedros, no ano de 1415, (D. Duarte, D. Pedro e o Infante D. Henrique ), a designada “ínclita geração”, que vieram reunir-se com o pai, a fim de receberem a permissão para partirem para a expansão ultramarina, que seria a epopeia dos descobrimentos, são alguns factos que enaltecem a história local da nossa Vila ribeirinha. Mas as memórias de Alhos Vedros também se estendem às gentes que aqui têm vivido, gente simples e humilde que constituíram família e aqui desenvolveram a sua atividade social e laboral, de início com maior incidência na agricultura, com uma ligação muito estreita com a vida ribeirinha, nas atividades da pesca e da extração do sal, nas salinas que proliferavam ao longo da nossa frente ribeirinha do Tejo. A extração do sal foi uma atividade de algum relevo e que marcou muitas gerações. Com a sua mestria e ensinamentos ancestrais, passados de geração em geração, os homens das salinas moldavam os talhos, preparavam a água até ao final do circuito, para fazerem a rapação do sal, que tinha sido facultado com a ajuda do efeito do calor do verão. No final do verão avistavam-se ao longo da borda d ́água muitas serras de sal, que aguardavam o seu em embarque, e transporte através do rio para outras paragens. No entanto, devido a conjunturas económicas e concorrências de mercado, esta atividade foi perdendo o seu fulgor e as últimas salinas ainda funcionaram até à década de 80. Hoje praticamente estão todas extintas. Mas esta ocupação era sazonal, ocupando a mão de obre no verão e era repartida pela atividade corticeira que na primeira metade do Sec. XX, veio a transformar Alhos Vedros num núcleo onde se aglutinavam bastantes fábricas de cortiça, que empregavam muitos residentes e constituía o sustento de muitas famílias. A vida de Alhos Vedros foi marcada ao longo de décadaspor esta atividade. A cortiça depois de ser retirada dos sobreiros, principalmente nas herdades alentejanas, era aqui trabalhada, cozida, selecionada e enfardada, para ser comercializada e exportada. Em dias de embarque da cortiça já trabalhada nas fábricas, as carroças e galérias puxadas por animais, movimentavam-se nas ruas num vai vem, em direção ao Cais de Alhos Vedros, onde os fardos eram descarregados e levados às costas pela força humana, para dentro das fragatas, que seguiriam pelo rio Tejo até Lisboa. Na segunda metade do Séc. XX, todo este movimento industrial começou a entrar em declínio, e as fábricas foram encerrando uma após outra, restando hoje apenas uma em atividade plena. Esta atividade corticeira envolveu toda a vida social de Alhos Vedros. Logo pela manhã, ao som da buzina da fábrica do Rolim, que ecoava por toda a Vila, cadenciava-se o ritmo das pessoas que despertavam para mais um dia ativo. Uns caminhavam em passo acelerado para as fábricas, outros iam para a escola e outros que iam ocupar os seus postos de trabalho nalgum comércio e serviços aqui existentes. Relembrando ainda a atividade industrial, nestas memórias não podemos esquecer o surgimento das fábricas de confeções, que alimentadas por capitais do norte da Europa, vieram ocupar por algum tempo Edição Especial Pág. 24 o “espaço” deixado pela atividade corticeira, a Gefa, a Bore, a Norporte e a Helly Hansen, são algumas daquelas que ainda recordo. Aqui se empregava mão de obra essencialmente feminina, que logo de manhã dava vida às ruas de Alhos Vedros, caminhando às dezenas para as fábricas. À hora do almoço com as batas de várias cores, passavam pelas ruas imprimindo um colorido pouco vulgar. Mas as conjunturas económicas e empresariais esfumaram toda esta dinâmica, e uma após outra todas as fábricas de confeções em Alhos Vedros encerraram. Hoje ainda restam em escombros testemunhos de uma outra época. A propósito de comércio, nestas memórias não poderemos esquecer a existência da Cooperativa Operária de Crédito e Consumo de Alhos Vedros, fundada em 25/05/1916, cuja sede ainda está de pé, onde a partir das 18 h. abria as suas portas, para atender os trabalhadores que saíam aquela hora das fábricas. Era assim naquele tempo. Ainda me recordo do sr. Serafim que vinha à pressa da fábrica e ia para trás do balcão com a sua bata cinzenta, para atender os clientes (sócios). Esta organização em cooperativa permitia fazer frente a muitas dificuldades económicas, sentidas por todas as famílias trabalhadoras que viviam em Alhos Vedros. As despesas eram feitas mediante o registo feito numa caderneta de cada sócio, cujo saldo ia sendo liquidado conforme as possibilidades de cada um naquele mês. No final do ano, quando a Cooperativa registava alguns lucros, estes eram distribuídos pelos sócios. Era a nossa grande superfície comercial. O Associativismo teve sempre uma componente muito forte aqui em Alhos Vedros, onde as coletividades eram locais de encontro, de convívio e de diversão, das passagens de ano, ou dos bailes da pinha. Mas também eram polos de cultura e aprendizagem, onde também não faltavam as bibliotecas, nalgumas havia teatro e temos a realçar a banda filarmónica da SFRUA. É de realçar também o ensino do Esperanto, uma linguagem internacionalista que permitia a comunicação de todos os povos na mesma língua, cujo mestre Aníbal Paula dinamizava as aulas no CRI e na SFRUA. No entanto o regime político nunca viu com bons olhos estes ensinamentos, considerados subversivos. Nestas memórias é de referir o papel que muitas Associações tiveram na resistência ao obscurantismo, à censura e à ditadura fascista quereinou no nosso país até ao 25 de Abril/74. Algumas destas coletividades eram revistadas pela PIDE (polícia política), onde por vezes apreendiam os livros das bibliotecas, por conterem conteúdos considerados subversivos, e algumas bibliotecas chegaram a ser seladas. Falando de resistência ao fascismo, Alhos Vedros regista nas suas memórias muitas perseguições e prisões de homens e mulheres, que apesar de todas as dificuldades nunca baixaram os braços, contra a repressão pela liberdade e democracia. Não devem cair no esquecimento os cercos que a PIDE fazia na rua da Corça, em perseguição de ativistas da resistência, como o Germano. Talvez a história da rua da Corsa ainda esteja por contar. Não poderei deixar de referir aqui um episódio, contado pelo José Filipe, que já não está entre nós, vivido enquanto músico da Banda da SFRUA. A fim de se festejar o fim da Segunda Guerra Mundial, a Banda Filarmónica saiu a tocar, em desfile pelas ruas. Mas a festa foi interrompida por uma brutal carga policial, motivando a dispersão de todos músicos. Segundo nos relatou o José Filipe, conseguiu fugir atravessando o esteiro a nado, do lado da Corsa para o Cais de Alhos Vedros, tendo conseguido salvar o seu clarinete, que era o instrumento com que tocava na Banda. Neste contexto não posso deixar de referir a atividade da Academia M.R. 8 de Janeiro, que foi uma referência para muitas gerações, foi uma escola social e política, onde não faltavam as tertúlias, os colóquios, com diversas figuras da oposição como Urbano Tavares Rodrigues, Isabel do Carmo e tantos outros, não esquecendo as músicas do Zé Mário Branco e do Edição Especial Pág. 25 Zeca Afonso que nos visitou por diversas vezes. Ao terminar estas referências sobre memórias de Alhos Vedros, não poderia deixar de recordar o velho cais, onde se “guardam”, tantas histórias de vida de figuras como o Mário da Graça, o João Mantas, o Manuel Tavares, e tantos outros que nos deixaram páginas da história da vida ribeirinha, que talvez ainda estejam por escrever. Fica-nos também a saudade dos barcos, das fragatas, dos varinos e das canoas, que com as velas abertas ao vento, nos acenavam para as margens dos esteiros e do estuário. Deixo apenas uma referência à “Pombinha” uma canoa de Alhos Vedros, que hoje talvez ainda pudesse estar ancorada no cais, a testemunhar tantas viagens e aventuras vividas no nosso Tejo, mas veio a terminar os seus dias no estaleiro do mestre Jaime em Sarilhos Pequenos. Agora em pleno Séc. XXI, vamos continuar a “navegar à bolina”, olhando a linha do horizonte e levando no farnel tantas memórias que serão o fermento para continuar a viagem. Estando em vésperas da inauguração das obras do palacete dos Condes de Sampaio, que será o espaço do Museu Municipal, talvez também tenha lugar a ideia da criação da Casa das Memórias de Alhos Vedros, onde possamos reunir todo um espólio histórico que está disperso em casas particulares, em arquivos ou bibliotecas. (...)" Edição 12/2023 - Andreia Ramos "(...) No passado mês de dezembro abrimos portas do Palacete do Morgado da Casa da Cova / Condes de Sampayo, localizado no Largo do Descarregador, em Alhos Vedros, após a conclusão da primeira fase das obras de reabilitação. Envolvidos por estas paredes históricas, é-nos possível observar uma exposição da Coleção Régia, um conjunto de pinturas do século XVIII que retratam e representam os reis de Portugal, da autoria do pintor e retratista Miguel António do Amaral. Coleção essa que se encontra à guarda do Município desde finais do século XIX, e é única no país, sendo constituída por 26 quadros, dos quais 19 integram esta exposição e são exibidos ao grande público pela primeira vez. Há algo sobre a história de reis e rainhas, príncipes e princesas, que sempre me fascinou, pelo que este tema é-me impossível de ignorar. E esta vila, embora muitos não o saibam, está ligada desde cedo a reis e rainhas, príncipes e princesas. E, portanto, por entre outros motivos, fascina-me. Ao longo do século XV, Alhos Vedros conquistou a reputação de ser uma povoação de ares saudáveis e aprazíveis,funcionando como zona de veraneio para algumas famílias nobres portuguesas. E, em 1415, na sequência da pandemia de Peste Negra que assolava a capital e levou à morte da própria rainha Da Filipa de Lencastre, é em Alhos Vedros que o rei D. João I se refugia, a pedido do seu Conselho, de forma a afastar-se dos ambientes pestíferos da epidemia. Após a morte da rainha, os Infantes reuniram-se duas vezes com o seu pai, em Alhos Vedros. Foi num desses encontros que o monarca tomou a decisão final de dar continuidade à expedição da tomada de Ceuta que estava já planeada desde o ano de 1412. Enquanto os três Infantes retornaram à capital para ultimarem os preparativos da viagem, o Rei permaneceu na nossa vila, saindo apenas na antevéspera da partida da armada para Ceuta, para o Restelo, com o seu filho, D. Afonso, Conde de Barcelos. Este passo, tomado nesta vila, simboliza o começo da expansão ultramarina portuguesa. Deixo-vos assim o meu convite para, nos próximos dias, visitarem a Coleção Régia no Palacete do Morgado da Casa da Cova / Condes de Sampayo e também vocês inspirarem um pouco da magia de reis e rainhas, príncipes e princesas, que respiramos aqui na nossa vila. (...)" Edição 13/2023 - Cláudio Neves "(...) O Carnaval em Alhos Vedros, já é uma tradição que vem de há muito tempo. Na década de 50, do século passado, era normal na altura do Carnaval, saírem grupos de jovens e adultos, de carroça, a brincar ao Entrudo, faziam Edição Especial Pág. 26 desde as Arroteias passando por Alhos Vedros, passavam as marinhas e iam até à Baixa da Banheira. Era muito usual nessa altura, serem surpreendidos pelo caminho por outros que moravam nessas zonas e lhes faziam partidas de Carnaval. Na minha memória, tenho muito presente, ser levado pelo meu pai nos dias de Carnaval (Domingo ou Terça-Feira) até à zona do coreto para assistir ás brincadeiras que existam nessa zona por essa altura, raro era o carro que passava por essa área que não tinha a surpresa de ficar todo encharcado, tal era a força da água que vinha das dezenas de pessoas que se aglomeravam por ali... Durante os anos 80, começou então a ser organizado pela SFRUA o Corso de Carnaval, no primeiro ano tive o privilégio de participar, numa charrete, devidamente trajado pelo Rancho Folclórico do Clube das Arroteias. Nessa altura, existia um grupo muito bonito e muito bem organizado no Bairro Gouveia, que tinha a sua sede no GRF, saíam do bairro até à vila para se juntarem ao desfile de Carnaval, acabou com a morte prematura do principal organizador (foi pena). Foi o início da aventura para mim. Depois dessa participação comecei a integrar o desfile de Carnaval, e a seu tempo, fazer parte daquela organização que muito me orgulha e onde aprendi imenso. Foi um local onde aprendi, conheci pessoas que levo para a vida, e que prezo para que se mantenha sempre atual. De há alguns anos a esta parte, como elemento do Rancho das Arroteias, numa altura em que as associações estavam a passar uma situação muito difícil, pensámos em criar uma escola de samba nas Arroteias, poderíamos desta forma revitalizar a coletividade e trazer esta festa para o bairro. Foi então que nasceu a ESUCA (Escola de Samba Unidos do Clube das Arroteias). No início, a medo, criámos o grupo de passistas, que foi crescendo e que atualmente já tem trabalho feito e reconhecido. No ano de 2023, apareceu a Bateria Ousada, projeto de precursão em parceria com o grupo musical OUSADIA, que se irão apresentar pela primeira vez no desfile de Carnaval da ESUCA deste ano. (...)" Edição 14/2023 - Edgar Cantante "(...) Antes de iniciar esta breve reflexão sobre a importância do Associativismo na nossa comunidade, quero agradecer o convite que me foi endereçado pelo "Sentir Alhos Vedros" para escrever um artigo, à minha escolha, para a sua revista. Nos tempos que correm, em que se acentua o individualismo, o isolamento, a competição, o fervilhar dos interesses pessoais acima dos interesses coletivos, o aparecimento de um grupo de jovens com esta iniciativa de fazer uma revista para dar a conhecer e a valorizar a sua terra, assume uma enorme importância ao contrariar aquilo que, há muito tempo, se sente: a crise e algum declínio do associativismo. Neste sentido, devemos reconhecer a importância que as coletividades e todo o movimento associativo tiveram, antes e depois do 25 de abril, nas nossas terras e nas nossas gentes, ao promover o convívio, a formação cívica, a aproximação entre as pessoas, a instrução e o recreio, a consciencialização política, a cultura e o desporto. Como sinal de reconhecimento e gratidão, é de toda a justiça, destacar e homenagear as várias gerações de dirigentes associativos que num espírito de voluntariado, de entrega aos outros, sem ter qualquer retribuição monetária, nas horas livres, depois da sua atividade profissional, de alma e coração, sempre se disponibilizaram para servir o interesse coletivo. Num outro plano e como consequência de todo este importante trabalho realizado nas coletividades, é de destacar o seu contributo para a consciencialização e formação de muitos dos dirigentes políticos e autárquicos no pós 25 de Abril que com esses ensinamentos e experiência, contribuíram decisivamente para o progresso e desenvolvimento locais. É preciso ter sempre presente, que a liberdade e a democracia são como as plantas sensíveis, que precisam de ser cuidadas e regadas regularmente, Edição Especial Pág. 27 caso contrário não sobrevivem. Por isso, é da maior importância para o nosso futuro coletivo, que as gerações mais novas tenham consciência disso e também estejam disponíveis para participar e colaborar, de acordo com as suas possibilidades, nas várias iniciativas locais, nomeadamente nas reuniões públicas autárquicas onde são discutidos e se procuram as soluções para o problemas existentes. A nossa Vila, em particular, que em tempos teve importância industrial, principalmente na cortiça e confeções, dando emprego a muita gente dos concelhos vizinhos, em que o comércio também era pujante e dinâmico. Como o prova, destacamos o facto de haver, por esses tempos, três agências bancárias e hoje não termos nenhuma. Nos últimos tempos, a dinâmica da vila tem vindo a decair a vários níveis, estando hoje, de certa forma, reduzida, essencialmente a um dormitório. Por isso, são benvindos todos os esforços e contributos daqueles que gostam e sentem Alhos Vedros para que, em conjunto e não com divisões descabidas e sem sentido, possamos recolocar a nossa Vila onde sempre deveria ter permanecido. (...)" Edição 15/2023 - Paula Diogo "(...) Começo por agradecer à equipa do “Sentir Alhos Vedros” o convite que me endereçou para escrever o editorial deste número sobre um tema à minha escolha. Depois de bastante reflexão e alguma angústia sobre a decisão do tema que escolheria para este editorial, por haverem tantos e tão pertinentes, inspirei-me no nome desta revista, “Sentir Alhos Vedros”, e esta pena, que é como quem diz os meus dedos, afagarão o teclado num mote que me é querido: “Sentir a primavera em Alhos Vedros”. Com a chegada da primavera as temperaturas começam a aumentar, o céu torna-se mais claro, o sol mais radiante e os dias são maiores. Estes fatores contribuem para que o estado de espírito das pessoas, no geral, se torne mais alegre e positivo. O início da primavera é, no entanto, um verdadeiro pesadelo para alguns por causa das alergias. Com a chegada da primavera, existe uma maior circulação de pólenes e fungos no ambiente exterior que induzem e acentuam os sintomas de alergias. Essas pessoas deverão adotar comportamentos que minimizem os efeitos da primavera nas suas alergias, não devendo, em certos horários, realizar atividades ao ar livre. Para as outras pessoasé um deleite ouvir o chilrear dos passarinhos e o sentir a reflorestação da nossa primavera boreal através do odor dos jardins e dos campos, do cheiro da terra e do aroma esfuziante das flores. A freguesia de Alhos Vedros, onde resido há cerca de 20 anos, torna-se especialmente bela durante a época da Primavera. Como é do conhecimento de todos a primavera caracteriza-se por ser uma época do reflorescimento da flora terrestre. Em Alhos Vedros existem zonas com características rurais, ribeirinhas e urbanas. Em todas essas zonas sentimos a presença da primavera. O verde aparece de onde menos se espera e as flores estão por toda a parte, até nos terrenos que parecem abandonados ou não cultivados. Quando caminhamos podemos observar uma flora diversificada e encontrar espécies tais como o Alho- bravo, o Cachapeiro-das-Traças, o Cardo-dos-Picos, o Rosmaninho, a Salgadeira, o Espargo-bravo, o Bem- me-quer, a Papoila-brava, entre outras. Os percursos pedestres são uma forma maravilhosa de ver com outros olhos a natureza e desfrutar deste meio deslumbrante que nos rodeia, através de atalhos, caminhos tradicionais e zonas agrícolas. Dito isto, proponho a todos nós promover em Alhos Vedros mais iniciativas de caminhadas organizadas, constituindo verdadeiros produtos de turismo ativo. A prática de Passeios Pedestres é uma atividade de lazer de carácter lúdico, que pode ser feita de forma autónoma e independente. Mas, para que se torne uma prática saudável e segura para a população local ou visitante, é necessário definir e sinalizar trilhos nos vários locais. Temos espaços maravilhosos na nossa Freguesia, por onde podemos dar belos passeios, desfrutar de paisagens paradisíacas e Edição Especial Pág. 28 únicas. Puxando a brasa à minha sardinha, observemos matemática na natureza que nos rodeia: - O número de pétalas numa flor segue, em muitas espécies, a sequência matemática conhecida por Fibonacci. A sequência de Fibonacci começa com os números 1 e 1. O número seguinte é o resultado da soma dos dois números anteriores (1+1=2). O número que se segue é o 3 (1+2) e depois o 5 (2+3) e assim sucessivamente. Esta sequência está muito presente na natureza, como por exemplo, no número de espirais numa pinha, na pereira, na ameixeira, na roseira, ou em sementes de um girassol. - As simetrias nas flores são fenómenos muito interessantes de se observar. Elas têm um eixo central, à volta do qual as partes das flores se repetem. Acredita-se que várias flores têm simetrias para atrair polinizadores, como as abelhas e as borboletas. A simetria ajuda esses animais a identificar a posição do néctar e do pólen da flor. Se observarem uma borboleta, constatam facilmente que tem um eixo de simetria que divide o seu corpo e asas em duas metades muito semelhantes entre si. As simetrias são de facto muito comuns na natureza. - Os flamingos, patos e gansos, tão típicos dos sapais de Alhos Vedros, voam em V para aproveitar a aerodinâmica do vento e poupar energia, conseguindo assim percorrer grandes distâncias. Quem vai à frente quebra a resistência do vento e as aves vão-se revezando. - As formigas fazem operações aritméticas simples para calcular distâncias a percorrer até aos locais onde estão os alimentos, passando seguidamente essa informação aos restantes membros da colónia. E poderia dar mais exemplos da matemática na natureza. Para terminar, sentir a primavera é de todos, sintamos a natureza de Alhos Vedros que é para todos. Aproveitemos esta estação do ano. Carpe diem! (...)" Edição 16/2023 - Elvira Freitas "(...) Falar sobre Alhos Vedros no mês que se celebra o dia da mãe é, para mim, nostálgico! À semelhança de muitos dos habitantes desta pacata vila, também eu, sou uma migrante há décadas por estas bandas! Oriunda da Ilha da Madeira decorria o ano de 1990 quando me radiquei no Bairro das Arroteias. Ironicamente rua de migrantes alentejanos, fui literalmente, adoptada! Sem laços familiares ganhei muitos “tios” e "tias", voltei a sentir-me na TERRA! Duas décadas depois deixei de viver lá, mas os meus laços de fraternidade e amizade ainda hoje se mantêm! Continuo ligada à vila pois há dez anos que trabalho no Bairro da Quinta Fonte da Prata e também ali sou muito “amada”, gosto do bairro, das pessoas e de tudo o que lá se faz! É dando que se recebe e procuro dar o maior contributo para ajudar as pessoas pois também ali há muitos emigrantes, alguns migrantes, gente deslocada à procura de uma “terra”! Na década de 90 encontrei uma Alhos Vedros cheia de vida! Eram dezenas, centenas de mulheres a “correr” para as fábricas!... À hora de almoço era quase impossível ir a um banco ou a uma farmácia! Até um hospital com urgências existia! Outrora maternidade... muitos se recordam da vida/ritmo de Alhos Vedros de então! Mas tudo muda, e Alhos Vedros também “sofreu” a desaceleração do País, fábricas que fecharam, comércios abandonados e todo um desinvestimento que fez de Alhos Vedros quase uma vila “fantasma”. E é hora de louvar e parabenizar a revista Sentir Alhos Vedros. Com esta iniciativa é possível fazer a ponte entre o antes e o agora. Vão surgindo relatos que vão desde a história longínqua de Alhos Vedros, passando por ao longos dos tempos acontecimentos, pessoas, factos e actualidade com este e aquele acontecimento, este ou aquela história de vida. Parabéns pela iniciativa e continuem este belo trabalho de manter viva tão nobre Vila. Com o vosso trabalho dão a conhecer e mantêm viva Edição Especial Pág. 29 e presente a importância desta Vila! Felizmente, hoje, Alhos Vedros vai “renascendo” e acredito que melhores dias virão. A propósito de melhores dias virão, não vou finalizar sem deixar um apelo em jeito de desafio. Para todos nós e vós, migrantes, naturais ou até emigrantes, é preciso amar o nosso espaço, o nosso Bairro, a nossa Vila, em suma a nossa "TERRA"! Aprendam a amar esta terra tão “natural”, pois nós somos e fazemos o que nos rodeia! É urgente cuidar, tratar, amar o nosso espaço, o espaço de todos. Somos parte de um todo, pedras de uma mesma comunidade. Não podemos esquecer que juntos somos mais fortes. Não deixem o individualismo e o materialismo desvalorizar o ser humano que há em vós. Se todos se lembrarem que existe o “outro” estou certa de que todos passarem a SENTIR e a CHAMAR esta terra de SUA/NOSSA - ALHOS VEDROS. Edição 17/2023 - Tiago Faquinha "(...) 50 anos de Feira do Livro de Alhos Vedros: Troféu Tiago Faquinha, Torneio Leonel Coelho e prémio de Conto Leonel Coelho. Chegou junho. Tudo aponta para um mês quente como é esperado. E esperam-se consigo muitas iniciativas por parte do associativismo como tem vindo a ser regra ao longo dos anos. Umas por gosto, outras por paixão e outras ainda por teimosia. As entidades institucionais lá vão apoiando uns e outros eventos. Mas muito se deve à “carolice”, de pequenos e/ou grandes grupos de pessoas que pretendem levar aos alhosvedrenses o que melhor sabem fazer. Desenvolvendo projetos de cariz artístico, cultural ou desportivo. A nossa Vila de Alhos Vedros não é muito grande mas é muito rica e diversificada em iniciativas. Umas já com décadas de existência e outras mais recentes. Este mês arrancou com mais uma edição do Festival de Rock. Segue- se a Feira Medieval e, por fim, e não menos importante - a 50a Edição da Feira do Livro de Alhos Vedros. É na Feira do Livro que me debruçarei, por ser dirigente da coletividade que a organiza, a Academia Musical e Recreativa 8 Janeiro, (AMR8J). Este ano por celebrar um redondo número de edições são várias as niciativas agregadas que a organização a cargo da Academia Musica e Recreativa 8 janeiro tem planeadas para a comunidade. A Feira do Livro de Alhos Vedros é a mais antiga do país a nível associativa. Ao longo dosanos foram vários os locais da nossa vila histórica por onde passou. Este ano será realizada novamente no F.A.V.O (Fábrica de Artes Visuais e Ofícios), junto ao depósito da Água, em Alhos Vedros. Apesar de ter inicio a 29 de junho, este ano antecipa as comemorações com mais uma edição do Troféu Tiago Faquinha a 17 de junho no Pavilhão da Escola Básica José Afonso com entrada grátis. O Troféu Tiago Faquinha que este ano conta com a sua IX edição é um dos maiores eventos de Ginástica Aeróbica do país organizada a cargo de uma associação. A sua origem remonta a 2012 com a proposta de um diretor da Sfrua, de seu nome Fernando Dinis, que me propôs a organização de um evento de Ginástica Aeróbica na coletividade. Não hesitei e prontamente aceitei o convite e o desafio. Afinal, todo o meu percurso e resultados ao longo dos anos (anteriores e posteriores), seriam motivo para organizar o evento que não seria mais do que: um motivo para dinamizar a disciplina, incrementar novas dinâmicas e impulsionar no concelho e distrito o gosto pela mesma. O meu percurso gímnico começou na AMR8J com nove anos de idade. Mas foi na SFRUA que descobri a Ginástica Aeróbica. A disciplina da ginástica à qual estou ligado desde então. Fui ginasta, hoje treinador e juiz internacional. Assim, fez todo o sentido iniciar lá o o projeto. Atleta na seleção nacional desde os meus quatorze anos, foi com dezassete anos que, a convite da Federação de Ginástica de Portugal, passo a treinar com a seleção e os treinadores 3nacionais no Centro de treinos da Federação, em Barcarena. Aos dezoito anos mudei- Edição Especial Pág. 30 me para Centro de Alto de Rendimento no Jamor. Local onde vivi oito anos e onde partilhei bons momentos e troquei experiências com a elite do desporto nacional. Atletas como: Francis Obikwelu, (atletismo) Vanessa Fernandes (triatlo) ou Patrícia Mamona, (atletismo) entre muitos outros de muitas outras modalidades. Até à data tinha participado em três campeonatos do Mundo, três campeonatos da Europa e uns Jogos Mundiais (a competição olímpica onde modalidades não olímpicas competem). Onze vezes campeão nacional na categoria de individual masculino e outras tantas em pares mistos. Em 2013 mal sabia eu que dois anos depois, em 2015, iria estar a representar o país nos Jogos Europeus (Jogos olímpicos da Europa) em Baku. O curriculum era vasto. Porque não organizar uma competição já que para as camadas mais jovens seria uma inspiração? Se não me falha a memória a ideia foi pioneira a nível nacional. Hoje em dia contamos já com algumas competições com nomes de ginastas ou ex-ginastas em outras disciplinas. O Troféu Tiago Faquinha realizou-se três anos na SFRUA, passando depois por ser organizado um ano pela Associação de Ginástica de Setúbal e desde 2017 que é organizado pela AMR8J. Com uma interrupção devido à pandemia, o ano passado foi organizado não num contexto “prova”, mas mais com atributos de espetáculo. Com atletas de todos os cantos do país e com o pavilhão cheio de público, o sucesso foi plausível e, por isso, este ano o formato será semelhante. No fim de semana seguinte, a 24 de junho, prosseguimos com as comemorações antecipadas. Desta vez com o Torneio Leonel Coelho. Um torneio de ténis de mesa organizado pela primeira vez pela Academia Musical e Recreativa 8 de Janeiro. Leonel Coelho que foi treinador de ténis de mesa durante décadas na AMR8J, que conquistou inúmeros títulos e que, mais do que resultados, instruiu crianças passando verdadeiros valores como o - desportivismo. Que colocou as relações humanas sempre à frente de qualquer resultado. Que percorreu Portugal de norte a sul numa carrinha com os seus atletas para ver sobretudo nos seus rostos sorrisos esboçados. Era sobretudo e essencialmente a alegria que proporcionava às crianças que o motivava. Este evento desportivo é mais do que merecido e tem que se realizar para manter viva a sua memória. E por falar na sua memória, este ano, também pela primeira vez, numa iniciativa da Junta de Freguesia de Alhos Vedros, foi criado o Prémio de Conto Leonel Coelho”, cujos premiados serão divulgados na Feira do Livro, no dia 2 de Julho pelas 17 horas. Como é do conhecimento geral, Leonel Coelho esteve ligado ao associativismo durante muitas e largas décadas tendo sido diretor da AMR8J e foi ainda escritor. Publicou inúmeras obras literárias. Obras que poderão adquirir na Feira do Livro ou que poderão consultar na biblioteca da coletividade. A 50a Edição da Feira do Livro está recheada de iniciativas que prometem ser do agrado de todos. Conta com lançamento de livros; presença de autores; música ao vivo; animação; exposições de pinturas, espaço para os mais novos, entre outras surpresas. Mas alguém duvida que a feira do livro está para continuar? A feira do livro de Alhos Vedros é um marco e não pode morrer! A Feira do Livro de Alhos Vedros engrandece a nossa terra. A sua cultura e história. Para comemorarmos cinco décadas convido todos a participarem com a vossa presença. Afinal, é para a comunidade que a direção, sócios, pais, comércio local entre outros, dão o seu contributo para que possamos mostrar que: o que é nosso é o que nos move! (...)" alfacinha Edição 18/2023 - Dr.º António do Carmo Alfacinha "(...) Um pouco de mim... Hoje relembro uma irmã que já partiu deste plano de vida e de quem fui mais amigo que médico. No enorme sofrimento físico e mental ela aguentava as noites escuras porque sabia que do outro lado havia um amanhecer mais brilhante do que qualquer outro que ela já tinha vivido antes... Agora que já partiu a Luz dela está crescendo e Edição Especial Pág. 31 iluminando a Luz dos outros, deste mundo, da Humanidade. E pela primeira vez vou desrespeitar o segredo profissional para que muitos dos meus amigos e pacientes de Alhos Vedros, onde exerci durante mais de 30 anos possam saber de quem falo.... Josefa Santos! Quando vivia as pessoas achavam que a Josefa tinha um comportamento diferente, estranho, como alguns diziam, mas eu sabia o porquê de ser diferente, o quanto ela se sentia inadaptada a esta sociedade. Juntos, muitas vezes em pequenos diálogos caminhámos juntos por outros mundos. Até um dia Josefa! (...)" Edição 19/2023 - Ruben Martins "(...) A casa assombrada A história que vos vou contar teve inicio no verão de 97. Se há coisa à qual a nossa terra sempre foi muito fértil, é em locais «abandonados» (ou pelo menos com aspecto de tal). A casa assombrada foi o nome que lhe demos. Será fácil de perceber que para crianças na idade dos 12 anos, qualquer local em tais circunstâncias carregava consigo uma forte carga de mistério, exploração e aventura. Como um amigo de longa data costuma dizer, «não existe local abandonado em Alhos Vedros que não tenha sido explorado por nós». Ele está certo. Mas nenhum outro local está presente de forma tão vivida na minha memória, como aquela casa. Alguns de vós pensarão que me refiro à casa que fica na Estrada Nacional, a poucos metros da estação dos correios. Mas estão enganados. A casa a que me refiro ficava situada na rua Dom. Jerónimo de Noronha, rua paralela à S.F.R.U.A, e as suas traseiras davam para a rua 5 de Outubro. A história tem inicio no verão de 97, mas estende-se até outono do ano seguinte. Durante aquele período, a exploração da casa assombrada foi o passatempo de muitos dos miúdos da nossa terra. Para mim, a casa assombrada foi muito mais do que isso. Foi nela que, numa tarde chuvosa de outono, tive o maior susto da minha vida. O episódio foi de tal forma tenso, que me mijei pelas calças abaixo. Mas já lá chegaremos. Descobrimos a casa por mera coincidência. Eram as férias grandes, e como em grande parte dos dias, o nosso grupo andava de bicicleta pela vila em busca de algo comque ocupar o tempo. Quem cresceu em Alhos Vedros nos anos 90, sabe que nessa época a vila estava repleta de crianças que brincavam pelas ruas. Fosse no largo atrás do mercado, no campo de futebol das Morçoas, ou no parque da rua de Damão. Não vos sei dizer ao certo se o nosso destino naquela tarde era ou não o cais novo. Sei que deveriam ser umas 15:00 horas quando cruzamos pela rua Dom. Jerónimo de Noronha, montados nas nossas bicicletas. Eu era o último da fila de um grupo de quatro rapazes. Passámos por um muro onde existiam garagens do outro lado, coloquei-me de pé em cima dos pedais (um movimento típico) para espiar acima dele. Foi quando que por mero acaso, rodei para a minha direita e me deparei com a casa. Da estrada era difícil de vê-la. Ela ficava escondida à direita de uma propriedade que parecia efectivamente abandonada. Existia um portão de ferro gradeado, pelo qual espreitamos, e vimos a vegetação do jardim que havia crescido de forma completamente descontrolada. O muro da propriedade era relativamente baixo. Para nos facilitar ainda mais a tarefa, existia um monte de areia junto dele que possibilitava escalá-lo sem grandes dificuldades. Recordo-me que nenhum de nós tinha cadeado para prender as bicicletas, e a solução foi passá-las por cima do muro até ao interior da propriedade. Sim, sei o que estão a pensar. Invasão de propriedade privada. Mas dêem um desconto. Tínhamos 12 anos e muito pouca noção do que isso significava. Caminhámos cerca de vinte metros pelo meio daquela selva, onde a vegetação chegava a atingir quase um palmo acima das nossas cabeças. Por fim, ali estava ela diante de nós. Ao vê-la de perto, imaginei-a saída de um filme de terror dos anos 80. Achámos de imediato que o nome lhe assentava perfeitamente. A casa assombrada. Era uma moradia de dois andares, desprovida de qualquer tom colorido que lhe concedesse um ar Edição Especial Pág. 32 menos sombrio. Ao invés disso, as paredes eram preenchidas por um cinzento gasto, o que demonstrava claramente o estado de degradação em que se encontrava. Ainda do lado de fora, pude perceber que uma das paredes do primeiro andar tinha cedido, o que tornava possível ver uma parte da divisão desde o local onde nos encontrávamos. Caminhámos lentamente, sempre receando que alguém estivesse dentro da casa. Mas estávamos completamente sós. Pelo menos, naquele dia. Não existiu a necessidade de entrar por uma janela, ou de escalar até à divisão ausente de parede exterior. A ausência de porta na entrada principal da casa, mostrou-se ser um convite à nossa passagem. O andar de baixo possuía quatro divisões, e um pequeno corredor que terminava nas escadas que levavam ao piso superior. Uma das divisões era fácil de perceber que outrora havia sido a cozinha. Por cima da bancada que ficava situada no centro da cozinha, pude ver um grande buraco no tecto, o qual mais tarde serviu para subirmos ao primeiro andar. Sim, existiam escadas. Mas meses mais tarde estas acabaram por ruir, e aquela passagem na cozinha passou a ser o nosso elevador improvisado. Existia uma outra divisão que, pelo seu tamanho, imaginei que se tratava de uma sala de estar. Ao passarmos por ela, deparámos-nos com um outro quarto que ficava na zona mais a este da casa. Apelidamos-o de quarto escuro, porque a ausência de janelas tornava impossível ver um palmo à frente do nariz. Eu nunca passei da porta e tenho dúvidas que alguma vez alguém o tenha feito. Nunca soube o que existia no seu interior. Quando me preparava para subir ao primeiro andar, apercebi-me de uma porta que ficava ao lado das escadas. Estava trancada com um cadeado. Calculei que se tratasse de uma espécie de despensa. No primeiro andar existiam quatro divisões. Três quartos, e uma casa de banho. Em alguns dos quartos ainda era possível ver o papel de parede, o qual era igual em todos eles, respeitando o mesmo padrão de listras verdes e brancas. Não existiam mobílias nem utensílios esquecidos ou perdidos no tempo, com uma excepção. Um quadro. Quem viveu em Alhos Vedros naquela época, recordar-se-á que houve um período em que era comum encontrarmos esses quadrados espalhados pelas ruas da nossa vila. Os quadradinhos azuis serviram de moeda de troca durante algum tempo, e mais tarde, quando muitos já conheciam a sua origem, passaram a munição nas nossas guerras de faz de conta. Com o passar do tempo, a casa assombrada foi perdendo um pouco do seu interesse. Não só porque explorá-la já não era novidade para nós, mas essencialmente devido à descoberta de novos locais que mereciam a nossa atenção. Penso que terei regressado à casa mais um par de vezes, até aquele último dia fatídico no outono de 98. Recordo-me que naquele dia chovia imenso. Não vos sei precisar exactamente se era uma quarta ou quinta-feira. Sei que nessa época, existia uma tarde em que a escola José Afonso encerrava para todos os alunos. O motivo seriam as reuniões de professores. Mas posso não estar totalmente correto. Pelo meio da tarde, a chuva terá abrandado por alguns instantes. Eu encontrava-me na casa de um colega de turma, um dos quais tinha estado presente no dia em que vimos a casa pela primeira vez. Um de nós terá sugerido aproveitar a oportunidade para sair e visitar a casa. E assim fizemos. Não levámos connosco as bicicletas, ao invés disso fizemos o nosso percurso a pé. E ainda bem que assim foi. Penso que de outra forma, teríamos abandonado a casa naquele dia e deixado lá as bicicletas. Pulámos o muro, e como sempre fomos rogando pragas enquanto atravessávamos os vinte metros de vegetação até ao nosso destino. Passámos a entrada principal, e utilizámos o balcão da cozinha para subir e atravessar o buraco até ao primeiro andar. Explorámos novamente as divisões daquele piso, como se de alguma forma esperássemos descobrir algo de novo. Penso que nem dez minutos tinham passado da nossa chegada, quando me afastei do meu amigo e caminhei até à divisão mais a oeste da casa. Aquela era a divisão na qual a parede tinha cedido. Do local onde me encontrava (na beira do Edição Especial Pág. 33 andar) era possível ver uma parte da rua Dom. Jerónimo de Noronha. Fiquei por breves instantes a imaginar que talvez alguém me conseguisse ver da estrada caso se colocasse no ângulo certo. Depois, olhei para baixo e foi ai que me pareceu ver algo. Mais do que parecer, eu tinha quase a certeza. Só que havia sido tudo tão rápido, que por momentos duvidei. Em bicos de pés caminhámos até à divisão da parede ruída. Por mais que tentássemos não fazer barulho, o chão chiava a cada passo dando a sensação que um gigante caminhava pelo primeiro andar. Parámos junto à beira da divisão e olhámos para baixo. - O que viste? - perguntou-me. - Vi algo a passar bem aqui por baixo - expliquei, apontando com o dedo. Ele sorriu. Foi um sorriso trocista. - Provavelmente um desses milhares de gatos que por ai andam - disse. - Ou então estás a espetar-me uma peta, meu! Não era um gato, eu tinha a certeza disso. O que vi passar era algo muito maior. Era um vulto. O vulto de uma pessoa. Ficámos mais algum tempo parados na beira do andar, de olhos postos na vegetação do lado de fora. Eu com cara de assustado, ele com um sorriso de parvo estampado no rosto. O que aconteceu quando nos virámos para o interior da casa, é algo que ainda hoje me custa a perceber. Não ouvimos qualquer barulho. Nada a arrastar, passos, qualquer movimento. NADA! Na entrada da divisão, do lado oposto onde nos encontrávamos, estava um homem. Ele estava ali parado, de olhos fixos em nós. Eu não olhei para a cara do meu amigo, estava demasiado assustado para o fazer. Mas acredito que o sorriso que tinha se evaporou. As minhas pernas tremeram. A minha bexiga que já gritava para ser aliviada,acabou por ceder. A única coisa que me recordo sobre aquela pessoa, é que tinha um bigode. Não me lembro das suas feições, do que tinha vestido, se era alto ou baixo, ou que idade aparentava ter. Penso que de alguma forma o meu cérebro terá bloqueado tudo isso. Li algures que é algo comum numa situação deste género. - O que estão vocês aqui a fazer? - foi a única pergunta que nos fez. Não sei se a telepatia existe, mas a verdade é que naquele instante pensámos os dois da mesma forma. Saltámos do primeiro andar para a vegetação do lado de fora. Hoje dou graças por ela ali estar e ter aparado a nossa queda. Corri. Corri o mais que pude por entre as ervas daquele caminho esquecido. Não me recordo de escalar o muro, nem tão pouco de correr pela rua. Apenas despertei quando o meu amigo gritou, e alertou que ninguém nos seguia. Estávamos ao lado do antigo edifício da prisão. Ofegantes e de mãos nos joelhos, tentando recuperar o fôlego. Como aquele homem subiu até ao primeiro andar sem que nenhum de nós tivesse dado por isso, é algo que ainda hoje me questiono. Talvez existisse uma outra passagem que levasse até lá. Talvez fosse naquele quarto escuro que nunca tive a coragem de explorar. Quem sabe? Passaram 25 anos desde aquele dia. Hoje, a casa assombrada apenas existe na nossa memória como uma boa lembrança. Poderia contar-vos outras histórias, outras aventuras e explorações. Mas acho que para muitos dos miúdos que cresceram em Alhos Vedros naqueles anos, a casa assombrada é uma marca no tempo. Um tempo em que não existiam telemóveis ou redes sociais. A Internet ainda era um termo estranho, e fazia uns ruídos ainda mais estranhos quando nos tentávamos conectar. Não sabíamos o que eram selfies nem filtros para as fotos. As mães gritavam o nosso nome pela janela quando era hora de jantar. Os pacotes de batatas fritas traziam brindes, e parávamos às 16:30 para ver o Dragon Ball. Um tempo em que saíamos de casa sem destino, mas sempre sabendo os locais onde podíamos encontrar um companheiro para as nossas aventuras. O tempo em que ser criança não passava disso mesmo. Edição Especial Pág. 34 Recordo-me quando naquela tarde parámos junto ao antigo edifício da prisão. Ofegantes, tentando recuperar daquele que provavelmente havia sido o maior susto das nossas vidas. O meu amigo olhou para mim. - Fogo, meu! Foi do caraças não foi? Sim amigo, foi do caraças. Aqueles tempos, foram do caraças! (...)" Edição 20/2023 - Rosa Paula Santos Marques "(...) A terra que me acolheu Alhos Vedros é a terra que me acolheu há 41 anos. Aqui vivi grandes e marcantes momentos da minha vida. A terra que me acolheu na adolescência, onde casei e onde nasceram os meus filhos. Onde trabalho e resido. Quando vim para cá em 1982 era tudo muito diferente. A azáfama diária por causa das fábricas que existiam na Freguesia tornava a vila mais activa. O comércio local estava ao rubro, até havia um mercado, onde eu costumava ir ao sábado de manhã e que bom era ver aquelas bancas com alimentos frescos. Uns anos mais tarde também a Quinta da Fonte da Prata teve um mercado de rua, onde a querida “Tia” Edite tinha uma banca de legumes que era um “mimo”. Algum tempo depois construíram um mercado onde está a fonte (salvo erro). Existiam entidades bancárias. Também havia um hospital com maternidade, foi aí que nasceu o meu filho mais velho. Que foi baptizado pelo Sr. Padre Carlos na igreja mais bonita do Concelho, a de Alhos Vedros. Em 2013 já mais estabilizada relativamente à família, os filhos cresceram e a disponibilidade para agir no sentido de melhorar a qualidade de vida dos Alhosvedrenses permitiu-me participar activamente e civicamente. Comecei a frequentar reuniões públicas e assembleias de Freguesia e Municipais participando com intervenções. Em 2014 foi criada a Comissão de Moradores da Quinta da Fonte da Prata da qual fui presidente. A Comissão funcionava como elo-de-ligação entre a Junta de Freguesia de Alhos Vedros e a Câmara Municipal da Moita. A relação com o poder local foi sempre dentro da cordialidade e com resultados positivos. Hoje, as fábricas fecharam, o comércio local na sua maioria “morreu”, o mercado da vila “virou” FAVO, o mercado da Quinta da Fonte da prata foi destruído, não existem entidades bancárias, o hospital (maternidade) também já não existe, “salva-se” a igreja. Alhos Vedros perdeu a vida de outrora. Tudo na vida tem um fim, mas esse fim pode sempre tornar-se num recomeço. A expressão certa, para todo um passado, que é um presente com futuro é: “SENTIR ALHOS VEDROS” Hoje eu continuo disponível para participar ativamente na melhoria da qualidade de vida da terra que me acolheu. Como costumo dizer: eu vou andando por aí. (...)" Edição 21/2023 - Nuno Castanheira "Larápio" "(...) O tempo é uma coisa estranha, passa rápido e nunca sabemos quando acaba, se soubéssemos talvez nunca viveríamos realmente. Existem pessoas que se cruzam nas nossas vidas que esperamos não ter de cruzar e depois temos outras que não queremos acreditar que partiram. Vou parafrasear Tiago Henriques, porque não sou ninguém, porque precisa ser dito em voz alta, pois hoje represento o sentimento de milhares por este mundo espalhado. Algures na margem a sul do Tejo, onde as nossas vidas foram parar, há um lugar circunscrito e escondido para o azar não o encontrar sempre. Aqui moram muitas das pessoas mais importantes para o crescimento pessoal, espiritual e humano de cada um. Aqui ficam guardadas muitas das nossas melhores memórias da vida. Aqui fomos felizes. Neste pequeno bairro isolado do mundo, mas rodeado de uma aura especial que faz encher de um orgulho tonto muitos dos que aqui cresceram, muitos dos que aqui vivem e muitos que deixaram este porto de abrigo, rumo a outras paragens. De entre muitas dessas memórias e pessoas que deixamos para trás, há umaque é merecedora de um respeito inigualável, de uma admiração transversal à geração que nasceu com lendas e mitos e de uma estima que poucos que nos conseguem fazer sentir. Edição Especial Pág. 35 Tu tratavas todos pelo nome, todos se sentiam especiais, tu ensinaste-nos o respeito, valores, a crescer sem nada e mesmo assim a sentirmo-nos grandes, enormes. Tu usas-te o desporto como arma e o sorriso como escudo. Claro que tudo tem um princípio e um fim, mas o caminho é que importa, e tu caminhaste em grande com bué putos ao teu lado. Acredito que continuaremos a ser os “teus putos”. E que putos! O GP dispensa apresentações e tudo o que precisava ser dito, já o foi por quem mais perto dele privava. Para todos nós, fica essas memórias de alguém que tinha um carisma único, de alguém que tinha sempre uma palavra de apreço para com quem tivesse a sorte de se cruzar com ele e receber um pouco dessa energia. Numa época de fraturas, cisões e individualismo, GP mostrava-nos que os “verdes” podiam ser amigos dos “amarelos”, que as raças eram apenas uma, que os benfiquistas podiam ver os jogos com os sportinguistas. É assim que nos lembramos de ti GP, um farol, um pilar, um agregador, um apaziguador, um missionário da fé humana e um homem com um coração maior que ele, sempre acompanhado – esse mesmo coração que lhe falhou, sozinho. Irónico. Paulo Flores eternizou-te com a música “GEPE”, um clássico de 2008, onde ele viu em ti o orgulho de ser angolano, na diáspora sem nunca perder o encanto pela terra, uma alegria tão genuína, tão pura que nos contagiava a todos. Ficámos mais pobres. O mundo é um lugar ainda mais estranho sem ti, nosso kota. One love e onde estiveres recebe a nossa pequena homenagem, espero que continues a tua missão, para o lugar onde foste. Um brinde a ti e como tu dizias: “EU SOU DE UM LUGAR ONDE O VENTO NÃO QUER CHEGAR...ONDE NASCEU DEUS, AKWÁ,BONGA E PAULO FLORES. SOU DE LÁ... SOU FRUTO DAQUELA TERRA E CRESCI COM A SECA...SOU DEANGOLA. Ginho Proprio GP” RIP (...)" Edição 22/2023 - Dinorá da Silva Martins Vilhana Ribeiro "(...) 50 anos do 25 deAbril e Poder Local Comemoram-se em 2024 os 50 anos do 25 de Abril de 1974. Celebrar Abril é invocar o Movimento das Forças Armadas, lembrar Salgueiro Maia, Otelo Saraiva de Carvalho, Melo Antunes e todos os demais. No dia 9 de Setembro de 1973 cerca de 136 jovens Capitães reuniram-se em Monte Sobral, Alcáçovas, Viana do Alentejo e iniciaram o caminho vitorioso para a Revolução/ Liberdade. Pela minha parte, que vivi intensamente aqueles tempos únicos, de perfeita harmonia entre todos os portugueses, sempre me comovo quando penso naquela gesta de Capitães e da enorme dívida que tenho para com eles e que nunca conseguirei pagar. Como testemunho da minha gratidão nunca traí os valores de Abril e tenho passado a mensagem aos meus filhos e netos. Abril muito nos trouxe, mas essencialmente: a Liberdade, que temos imperativamente de defender dia a dia, tão frágil ela é; o fim da Guerra Colonial, profundamente traumática e injusta para ambos os lados; a Constituição da República Portuguesa que, se cumprida à risca, faria de Portugal o tal “jardim à beira mar plantado”. A Constituição, aprovada em 2 de Abril de 1976, consagrava o Poder Local Democrático através do Arto.235o., (Autarquias Locais) que, no ponto 2., diz: - “ As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas”. No final desse mesmo ano, no dia 12 de Dezembro, realizaram-se as primeiras eleições autárquicas onde, por voto directo e livre, foram eleitos 304 presidentes de Câmara, 5135 deputados Municipais e 26.000 membros das Assembleias de Freguesia. Estava-se no princípio de uma nova era que se adivinhava árdua e trabalhosa, porque quase tudo estava por fazer: estradas, caminhos, rede eléctrica, distribuição de água ao domicílio, saneamento básico, escolas, bibliotecas, creches, recintos desportivos, postos médicos, etc., etc.! Então, os autarcas puseram mãos Edição Especial Pág. 36 à obra e, com o seu insano trabalho desenvolvido em prol do interesse das populações, os municípios, as freguesias, obtiveram profundas alterações, para melhor, e a face de Portugal mudou radicalmente de Norte a Sul! O Poder Local que emergiu nos alvores da Revolução de Abril afirmou-se como um espaço de intervenção cívica e com uma inegável capacidade para reconhecer e resolver problemas. Assim, e do ponto de vista das populações, com todo o enorme processo de transformação, pelas imensas realizações levadas a cabo, podemos afirmar sem qualquer margem para dúvidas que o Poder Local Democrático resultou, até hoje, na conquista maior do 25 de Abril. Alhos Vedros e as Mulheres Autarcas Artigo 109o. Da Constituição da República (Participação política dos cidadãos) A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condiçãe instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação do sexo no acesso a cargos políticos. Estava lançada a directiva! O pior eram as realidades! Durante anos a fio a vida política foi talhada por homens e para homens e à mulher atribuído o papel obrigatório de dona de casa, de mãe, de cuidadora dos mais velhos e, de preferência, nada de trabalhar fora de casa. Essa era a função principal do homem, enquanto chefe de família, pai e marido, a quem todos os familiares deviam respeito e submissão, muito particularmente a sua mulher. A Revolução do 25 de Abril veio introduzir importantes mudanças na vida das mulheres, ainda que muito lentas, de tal modo que ainda hoje não foi alcançado, verdadeiramente, o desejado patamar da igualdade. De sublinhar, porém, que entre avanços e recuos no número de mulheres eleitas e após muita discussão, foi publicada a Lei da Paridade- Lei Orgânica 3/2006 de 21 de Agosto, a qual assegurava a representação mínima de 33% de ambos os sexos na Assembleia da República, Parlamento Europeu e Autarquias. Posteriormente a Lei Orgânica 1/2009 de 29 de Março, subia para 40% essa representatividade. As mulheres de Alhos Vedros com tradições de luta e atentas às realidades da sua freguesia, cientes do que poderiam desenvolver, agarraram a oportunidade e, logo nas eleições autárquicas de 1976, integraram a lista para a Assembleia de Freguesia. Em todas as eleições seguintes nunca a nossa freguesia deixou de ter mulheres nas suas listas para os órgãos autárquicos (Assembleia de Freguesia, Assembleia Municipal e Câmara Municipal), mulheres que, quando eleitas, souberam desempenhar com rigor e no feminino o seu lugar. Alhos Vedros foi a freguesia pioneira com uma mulher na presidência da Junta, à qual se juntaram, mais tarde, outras duas, ( Fernanda Gaspar e Eli Rodrigues). Na presidência da Assembleia de Freguesia também esteve uma mulher e, actualmente, está outra (Maria Albertina Cardoso e Maria Gabriela Nunes Filipe). Em 1976 eu aceitei com um grande entusiasmo o convite para integrar a lista para a Assembleia de Freguesia pela APU (Aliança Povo Unido), mais tarde CDU (Coligação Democrática Unitária) e do meu percurso autárquico fazem parte os seguintes mandatos: - 1977/79 – Secretária da Assembleia de Freguesia; - 1980/82 – Secretária do Executivo da Junta de Freguesia; - 1983/85 e 1986/89 – Presidente da Junta de Freguesia; - 1993/97 e 2001/05 – Presidente da Assembleia de Freguesia. Alhos Vedros de 2023 não tem nada a ver com o da década de 70! Desde as primeiras eleições autárquicas que a vida da sua população se foi transformando, com o surgimento de novos equipamentos, novas actividades de cariz cultural e desportivo, nomeadamente: a creche “O Charlot”, a Escola Básica E.B. 2/3- José Afonso, a escola de “Iniciação Musical” da Junta de Freguesia, a fundação do Coro “Alius Vetus”, a instituição do “Dia das Colectividades”-1 de Julho, o “Musivedros”- festival de música para jovens, as festas em Honra de Nossa Senhora dos Anjos, por iniciativa da Junta e após 18 anos de interregno, a comemoração do Marçob -Mês Edição Especial Pág. 37 da Mulher com um colóquio onde, convidadas pela Junta, estiveram presentes Hélia Correia - escritora ,Irene Ribeiro- pintora, Eunice Munhoz- actriz, Teresa Rico- Tété - Palhaço e Margarida Morgado, da Comissão da Condição Feminina, a aquisição da primeira carrinha de caixa aberta para o serviço da autarquia, as obras nas nossas escolas e a distribuição de novo mobiliário para salas de aula a par de outros equipamentos, a compra de painéis de azulejos ao nosso artista Luís Guerreiro, etc., etc.. O que atrás refiro é apenas uma pequenina gota de água e, talvez, eu as entenda como aquelas realizações mais emblemáticas! E era o tempo em que não havia eleitos a tempo inteiro, o que só aconteceu, creio, a partir de Setembro de 1999. Como sempre concebi que o colectivo é a mais valia de todo um trabalho e para que não sejam esquecidos, aqui ficam os nomes dos queridos companheiros que me acompanharam nos executivos a que pertenci: - Frederico Jorge Bajanca Fatia, Hermenegildo José da Luz Pinho, Joaquim Baptista Lima, António Gaspar de Oliveira, Carlos António Vieira, João José de Almeida, Elísio Brás, Júlio da Costa Delgadinho e João Manuel de Jesus Lobo. Infelizmente, desta equipa, já só resto eu e o João Lobo. Cabe aqui, também, uma palavra de grande apreço para os trabalhadores da autarquia, sempre leais e colaboradores. Por último, e nunca será em vão fazê-lo, aqui deixo o nome de todas as Mulheres que fizeram parte da Juntae da Assembleia de Freguesia até ao ano de 2009: - Dinorá da Silva Martins V. Ribeiro ,Elisabete dos Reis Moura , Maria Albertina Calvário Cardoso, Guilhermina Nunes Almeida Dias, Lucinda Carrusca, Maria Elisabete Zeverino da S. Santos, Fernanda de Oliveira Gaspar, Liberdade Maria Ramos de Almeida, Judite dos Santos Pereira Faquinha ,Dora Maria Freixo da Siva ,Maria Eduarda Teixeira da Silva, Helena Maria Valente Simões Pereira, Mónica Alexandra da Silva Vilhana Ribeiro, Vivina Maria Semedo Nunes, Maria Zulete Arês Vieira Xufre Ferreira, Andreia Susana Correia Estrela, Maria Gabriela Nunes Filipe, Maria Irene Marques A. da Conceição Cunha, Ana Maria Mendes de Carvalho, Andrea da Conceição M. Plácido Corte Real, Cláudia Alexandra Magalhães Soares, Maria Luís Marques M. Fernandes Gaio, Maria Cristina Martins, Eli Andrea Martins Dias de B. Rodrigues, Sílvia Cristina Valadas Aires, Marilú Luísa Graça Goto, Maria Josefa Nunes R. Lourenço, Isaura Lopes Belo, Elisabete Raposo Vidal, Mariana Gonçalves Baptista, Ana Paula Pina Henrique M. Ruivo, Teresa Paula Soares Dias, Marisa Pires Marques R. Correia, Maria Dulce Maia Marques. Fonte onde fui buscar os nomes das Mulheres Autarcas: “As nossas escolhas – homenagem às Mulheres Autarcas da Freguesia de Alhos Vedros, comemorações do Dia Internacional da Mulher”, livro editado em 2008 pelo executivo da Junta de Freguesia de Alhos Vedros (Fernanda Gaspar, Maria Luís Gaio, Manuel Graúdo, Jorge Taylor e Pedro Levy). À Equipa do “Sentir Alhos Vedros” agradeço pois, ao escrever este modesto, despretensioso e muito incompleto texto, obriguei-me a revisitar os meus velhos documentos das lides autárquicas, o que é sempre uma maneira de recordar e voltar a sentir o que foram aqueles tempos! (...)" Edição 23/2023 - Vítor Cabral "(...) Tradição dos presépios Em AlhosVedros Comecei a frequentar a Igreja de Alhos Vedros aos 8 anos de idade, quando os meus pais compraram um terreno no Bairro Francisco Pires e construíram a casa de família. Família católica praticante, logo comecei a frequentar a Igreja de Alhos Vedros e as missas celebradas pelo Pe. José Feliciano. Pese embora terem decorrido 58 anos as memórias continuam bem presentes, das missas em latim, dos rituais, da Festa de Verão em honra de Na. Sa. dos Anjos mas principalmente do Natal. Os meus olhos brilhavam a admirar os presépios com as suas figuras em cerâmica, S. José. Na. Senhora, o Menino, a vaca e o burrinho, os Reis Magos, os Anjos, os pastores, tudo distribuído num cenário onde predominava o musgo e as verduras mas principalmente a cortiça virgem. Edição Especial Pág. 38 Para o Sr. Joaquim Afonso Madeira, o artista desta arte efémera à época, a cortiça não faltava, pois podia muito bem escolher entre as dezenas de fábricas de cortiça que laboravam nesta época em Alhos Vedros. Passados uns anos, esta arte foi continuada pelo Alexandre Ventura que chegou a ocupar toda a Capela de Na. S. dos Anjos com os seus presépios monumentais. E sempre, sempre a cortiça virgem a brilhar e a dar forma com a sua superfície rugosa às grutas, montes e vales. Quando me passaram o testemunho, depressa coloquei em prática aquilo que tinha aprendido. E assim, durante vários anos continuei esta tradição dos presépios em cortiça. Actualmente é o Agrupamento de Escuteiros que mantém viva esta prática. Com o passar dos anos comecei a colecionar pequenos presépios, uns mais comerciais, outros mais artesanais. Pelos locais por onde passava era habitual dirigir o olhar para uma montra ou escaparate, à procura daquela peça especial para juntar à coleção, tendo já exposto presépios em diversos locais. Com a moda das feirinhas de Natal, e através da Associação Aliusvetus, começámos a montar uma casinha do presépio na Praça da República, a fazer lembrar aos passantes a origem e o significado do Natal. Neste ano de 2023, lembramos S.Francisco de Assis e os 800 anos do acto visionário que teve em Gressio, no norte de Itália em que, pela primeira vez representou o nascimento de Jesus com um cenário vivo. Nesse ano de 1223, em vez de festejar a noite de Natal na Igreja, como era seu hábito, o Santo fê-lo na floresta para onde mandou transportar uma manjedoura, um boi e um burro, para melhor explicar o Natal aos camponeses que não conseguiam entender a história do nascimento de Jesus. O costume espalhou-se por entre as principais Catedrais, Igrejas e Mosteiros da Europa durante a Idade Média, começando a ser montado também nas casas de Reis e Nobres já durante o Renascimento. Em Portugal os primeiros vestígios de um presépio português datados de 1569 foram encontrados no Convento de Santa Catarina da Carnota, no concelho de Alenquer. Dos conventos o costume passou aos palácios e depois à classe média e ao povo. Foi já no Século XVIII que o costume de montar o presépio nas casas comuns se disseminou pela Europa e depois pelo mundo. Lembrando esta comemoração dos 800 anos dos presépios, a Associação Aliusvetus promove esta exposição de “Presépios do Mundo” onde vão estar presentes cerca de 200 presépios da minha coleção. Também não poderia faltar um presépio monumental, montado todo em cortiça virgem, fornecida pela única fábrica a laborar no concelho, Correia, Branco & Nunes Lda, a quem agradecemos. Um agradecimento especial à Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros pela cedência da Capela e à Junta de Freguesia de Alhos Vedros e Câmara Municipal da Moita pelos apoios habituais. Feliz Natal para todos! (...)" Edição 24/2024 - Irina Cardoso "(...) Bem-vindos às Arroteias! Para mim escrever-vos sobre as Arroteias, é muito mais do que querer explicar-vos a origem do nome tão peculiar e do seu surgimento como bairro pertencente à freguesia de Alhos Vedros, é querer transmitir-vos por palavras, o amor e o orgulho que sinto e tenho em ser Arroteense... O amor e o orgulho na terra que foi, é e sempre será a minha casa... Nasci em Maio de 1987 e passei a ser filha das Arroteias desde então... Nessa altura e até meados dos anos 90, o bairro não tinha arruamentos alcatroados nem passeios, as ruas eram de gravilha e os poucos passeios existentes eram construídos pelos próprios moradores. Apesar das parcas condições de acesso, nós, os miúdos do bairro, eramos felizes e sentia, como hoje ainda sinto, que vivemos como se fossemos uma família/comunidade. Recuar no tempo e relembrar a minha infância no bairro, é relembrar tempos felizes... Tempos em que as Arroteias proporcionavam aos Edição Especial Pág. 39 seus moradores condições de vida melhores que ao dia de hoje... Até ao ano 2000, as Arroteias tinham duas escolas primárias, um parque infantil, um talho, duas mercearias, uma papelaria/retrosaria, uma pastelaria/taberna, cinco padarias, uma sapataria, quatro cabeleireiros, várias oficinas automóveis e diversos negócios ligados à restauração (desde já as minhas mais sinceras desculpas se não enumerei algum comerciante/negócio). Tenho um enorme orgulho em ter sido uma das alunas que frequentou a Escola Primária n.o 2 das Arroteias (Escola Primária Henrique Galvão, construída por moradores e inaugurada a 24 de Dezembro de 1975). Fui aluna da antiga professora Adelina Vinagre... Naquela época, a Escola Primária n.o 2 era o ex-libris das Arroteias por ter nela inserido um parque infantil. Parque esse que naquele tempo era encarado como inovador, por ter nele um espaço com cegonhas e outras aves. Recordo-me, como se fosse hoje, do último dia do parque infantil... Recordo-me da professora Adelina nos informar que a Câmara Municipal estava a retirar os brinquedos do parque para proceder à reparação de alguns e colocar outros novos... Contudo, após o espaço do parque infantil ter ficado devoluto, nada mais regressou, e nós,filhos do bairro, começámos a perder a nossa identidade enquanto Arroteenses... O parque infantil deu lugar a uma parcela de terreno com eucaliptos e mato rasteiro e, a partir desse momento, os dias de funcionamento da Escola Primária n.o 2 estavam contados. A Escola foi encerrada com a informação de que o número de alunos tinha diminuído e não se justificava manter no bairro duas escolas primárias. O comércio de proximidade foi fechando portas... Uns por falecimento dos proprietários, outros por falta de rentabilidade... E todas estas percas direccionaram as Arroteias para o papel/valor que tem ao dia de hoje para o poder local: o bairro tornou-se aos olhos dele invisível... Apostar na comodidade e melhoria das condições de vida de quem cá vive não é prioridade, nem excepção, simplesmente o bairro para o poder local é nulo... Vejamos pequenos exemplos: 1. A Rua Padre António Vieira é um perigo permanente para a circulação de pessoas e veículos; 2. As iniciativas e eventos realizados pelo poder local não contemplam o bairro; 3. Foi colocada à entrada do bairro, junto à Papelaria Topline, uma pequena iluminação de Natal, mas toda a restante área não teve direito; 4. A deficiência na rede urbana de escoamento (sarjetas) nunca foi corrigida, pelo que cada vez que a precipitação é em quantidade maior, as ruas das Arroteias passam a ser piscinas a céu aberto. Como filha do bairro e, tendo a possibilidade de fazer mais e melhor pela casa que me acolheu, jamais deixarei de lutar por aquilo que é nosso por direito enquanto Arroteenses. Está nas mãos de todos, incluindo do poder local (se o mesmo estiver predisposto a isso), dignificar e valorizar o bairro das Arroteias! (...)" Edição 25/2024 - Cláudio Neves "(...) O desfile de carnaval da ESUCA este ano tem como título ‘ Esuca traz o terror as Arroteias’ , vamos contar a história de várias personagens maléficas que vão animar quem nos vai assistir. Desde o Fredie Krüger , a Maléfica, a Rainha do Gelo a boneca Annabelle , alguns personagens que vão desfilar na avenida mais aterradora do nosso concelho. Na quarta feira, recuperando uma tradição do Rancho das Arroteias, secção onde o carnaval está inserido, fazemos o enterro do bacalhau por algumas ruas da freguesia de Alhos Vedros. Tanto o desfile de carnaval como o Enterro do Bacalhau só é possível graças à ajuda do comércio e empresas locais, bem como das entidades oficiais (Junta Fregusia de Alhos Vedros e Câmara Municipal da Moita) A Escola de Samba Unidos do Clube das Arroteias, deseja a todos os Alhosvedrenses um excelente carnaval com muita alegria e muita folia. (...) Edição Especial Pág. 40