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D. A. CARSON
DE JESUS
EXPOSIÇÃO 
DE JOÃO 14-17
O DISCURSO DE 
DESPEDIDA E A 
ÚLTIMA 
ORACAO
O QUE PODEMOS APRENDER COM 
OS ÚLTIMOS ENSINAMENTOS DE 
JESUS ANTES DA CRUCIFICAÇÃO?
-aJ 
A atmosfera era tensa, infeliz, incerta. São essas as palavras que 
abrem este livro, uma descrição sucinta da última noite de Jesus 
com seus discípulos. Nessa noite, após comer a Última Ceia e 
antes de ser preso, Jesus profere seu “Discurso de Despedida”, 
relatado apenas pelo apóstolo João, numa passagem 
considerada o clímax da história terrena de 
Jesus, o momento decisivo em que a tensão atinge seu ápice 
e começa a se resolver.
Em O Discurso de Despedida e a Última Oração de Jesus, D. A. 
Carson dedica sua atenção aos capítulos de 14 a 17 do 
Evangelho de João e analisa a mensagem final de Jesus a seus 
discípulos, uma mensagem de conforto, promessas, 
encorajamento e esperança. Mesclando academicismo, 
exposição sólida e linguagem em prosa - que em diversos 
momentos faz com que o leitor se sinta parte dos 
acontecimentos Carson explica os ensinamentos de Jesus 
sobre a vinda e a obra do Espírito Santo e, por fim, analisa a 
Oração Sacerdotal de João 17, em que Jesus ora por si mesmo, 
por seus seguidores e, finalmente, por nós.
VIDA NOVA
vidanova.com.br
O /vidanovaedicoes
O ©edicoesvidanova
© ©edicoesvidanova
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O DISCURSO DE 
DESPEDIDA E A 
ULTIMA 
ORAÇAO 
DE JESUS
Dados Internacionais de Catalogação na Puhlicação (CIP) 
Ange'lica Ilacqua CRB-8/7057
Carson, D. A., 1946-
O Discurso de Despedida e a Ultima Oração de Jesus : exposição de 
João 14—17 / D- A Carson ; tradução de Thomas de Lima. - São Paulo : 
Vida Nova, 2019.
192 p.
ISBN 978-85-275-0890-2
Título original: The Farewell Discourse and Final Prayer of Jesus: 
an Evangelical exposition ofjohn 14—17
1. Bíblia. N.T. João - Crítica, interpretação etc. I.Título II. Lima, 
Thomas de.
18-2190 CDD 226.5077 
índices para catálogo sistemático
1. Bíblia- N.T. João - Crítica, interpretação etc.
D. A. CARSON
O DISCURSO DE 
DESPEDIDA E A 
ÚLTIMA 
ORAÇAO
DE JESUS
EXPOSIÇÃO 
DE JOÃO 14-17
TRADUÇÃO
THOMASDE LIMA
VIDA NOVA
®1980, de Baker Publishing Group
Título do original: The Farewell Discourse and Final Prayer of Jesus: 
an Evangelical exposition ofjohn 14—17, 
edição publicada por Baker Books, 
divisão do Baker Publishing Group (Grand Rapids, Michigan, Estados Unidos).
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
Sociedade Religiosa Edições Vida Nova
Rua Antônio Carlos Tacconi, 63, São Paulo, SP, 04810-020 
vidanova.com.br | vidanova@vidanova.com.br
1.’ edição: 2019
Proibida a reprodução por quaisquer meios, 
salvo em citações breves, com indicação da fonte.
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Todas as citações bíblicas sem indicação da versão foram traduzidas diretamente 
da New International Version. As citações com indicação da versão in loco foram 
traduzidas diretamente da King James Version (KJV). O grifo nas citações bíblicas é de 
responsabilidade do autor.
Direção executiva
Kenneth Lee Davis
Gerência editorial
Fabiano Silveira Medeiros
Edição de texto
Leandro Bachega
Rosa Ferreira
Preparação de texto
Danny Charão
Mareia B. Medeiros
Revisão de provas
Gustavo N. Bonifácio
Gerência de produção
Sérgio Siqueira Moura
Diagramação
Claudia Fatel Lino
Capa
Souto Crescimento de Marca
vidanova.com.br
mailto:vidanova@vidanova.com.br
Para
David e 
Joyce Smith.
Sumário
Prefácio ..................................................................................................... 9
1. Prólogo (Jo 13)................................................................................................... 11
2. Uma introdução à fé triunfante (Jo 14.1-14).......................................17
3. A vinda do Espírito da verdade (Jo 14.15-24)...................................... 43
4. Três esclarecimentos (Jo 14.25-31)............................................................65
5. Intimidade espiritual com Jesus Cristo (Jo 15.1-16)...........................85
6. Calculando o custo (Jo 15.17—16.4).....................................................107
7. Dois ministérios especiais do Espírito (Jo 16.5-15)...........................127
8. Mas, primeiro, a cruz (Jo 16.16-33)..........................................................145
9. Jesus ora por si mesmo e por seus seguidores (Jo 17.1-19)..............161
10. Jesus ora por todos os cristãos e pelo mundo (Jo 17.20-26).....181
Prefácio
Durante os últimos oito anos passei mais tempo estudando o Evan­
gelho de João que qualquer outra parte das Escrituras. Isso demons­
trou ser uma lição de humildade. João é simples o bastante para uma 
criança ler e complexo o bastante para exaurir a capacidade mental das 
maiores mentes. Como disse um comentarista, o livro é como uma piscina 
em que uma criança pode brincar e um elefante pode nadar. Não sou um 
elefante; mas tomei consciência dos muitos pontos cuja profundeza está 
além do meu alcance.
Até agora, o que escrevi a respeito desse Evangelho foi preparado para 
o ministro de boa formação ou para o estudante sério e só está disponível 
em publicações ou em livros que não costumam ser lidos pelo leitor comum. 
No entanto, estou cada vez mais convencido de que aqueles de nós que pela 
graça de Deus tiveram o privilégio de passar muito tempo estudando as 
Escrituras devem o fruto de seu trabalho não só à comunidade acadêmica, 
mas também à igreja em geral. Há necessidade tanto das abordagens acadê­
micas como das populares; mas este volume pertence à segunda categoria. 
Ele se originou de uma série de palestras ministradas em várias conferências 
no Canadá e nos Estados Unidos. Estas foram retrabalhadas e reescritas como 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
ensaios, forma mais adequada à página impressa do que um sermão; no entanto, 
abstive-me propositalmente de eliminar todos os traços da forma anterior.
É comum na comunidade acadêmica afirmar que o Jesus histórico foi 
responsável por muito pouco do ensino registrado em João 14—17. Ficará 
rapidamente óbvio que não sou tão cético. Com alguma hesitação, abstive- 
-me de acrescentar um apêndice para explicar minha abordagem às questões 
histórico-críticas (como fiz em The sermon on the mount: an Evangelical expo- 
sition of Matthew 5—7, também publicado pela Baker);1 e só raramente aludi 
a questões de autenticidade ao longo da exposição. Os interessados em saber 
como eu abordaria tais problemas podem ler “Current source criticism of the 
Fourth Gospel: some methodological questions” (in:Journal of Biblical Literature 
97 [1978]: 411-29), e “Historical tradition in the Fourth Gospel: after Dodd, 
what?” (in: D. Wenham, org., Gospel perspectives [1981], vol. 2.
Renae Grams e Karen Sich datilografaram o texto com exatidão, eficácia 
e animação características; e sou muito grato.
Oro para que estes breves estudos sejam tão proveitosos espiritualmente 
para aqueles que os leem como foram para mim enquanto os preparava. Mas, 
acima de tudo, oro para que este volume encoraje muitos a voltarem repe­
tidamente às próprias Escrituras. Tudo o que nos ajuda a melhor entender, 
obedecer e acreditar na Palavra de Deus contribui para nosso bem-estar eterno; 
mas a fonte última desse bem-estar é tão somente Deus.
Soli Deo gloria.
D. A. Carson, 
Trinity Evangelical Divinity School, 
Deerfield, Illinois, 
fevereiro de 1980
’Edição em português: O Sermão do Monte: exposição de Mateus 5—7 (São Paulo: Vida Nova, 
2019).
1 Prólogo
atmosfera no espaçoso aposento superior era tensa, infeliz, incerta.
A noite havia sido ruim desde o começo. Os discípulos tinham se 
reunido com Jesus, como combinado, e subido ao aposento superior, onde a 
comida já estava preparada. Eles olharam ao redor procurando o servo habitual 
que lhes lavaria os pés; porém, não vendo ninguém, e sendo educados demais 
para mencioná-lo, estiraram-se sobre as esteiras em volta da mesa baixa sem 
dizer nenhuma palavra. Jesus ofereceu a tradicional precede ação de graças, e 
então perceberam que Jesus estava se levantando da esteira. A conversa cessou. 
O Mestre retirou o manto em silêncio. Para a total consternação deles, ele 
se dirigiu ao lavatório, amarrou a toalha à cintura, pegou a grande bacia de 
água e se dirigiu ao discípulo mais próximo.
Mestres não deveriam fazer coisas desse tipo. Nem mesmo os iguais 
deveriam lavar os pés uns dos outros: esse é um trabalho para servos — para 
aqueles da mais baixa posição, aliás. O primeiro discípulo, surpreso demais 
para se mexer, constrangido demais para protestar, sentiu que suas sandá­
lias estavam sendo retiradas e, depois, a água fria e a toalha seca. O Mestre 
passou ao segundo discípulo, e ao terceiro; e durante todo esse tempo o 
silêncio era ensurdecedor.
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Tipicamente era Simão Pedro quem rompia o silêncio. Enquanto Jesus se 
aproximava para lavar seus pés, Pedro encolheu as pernas e indicou a impro- 
priedade do ato do Mestre com o que julgou ser uma pergunta sagaz:
— Senhor, tu lavarás os meus pés?
Jesus endireitou as costas, olhou-o nos olhos e respondeu calmamente:
— Você não entende agora o que estou fazendo; mais tarde, porém, entenderá.
A voz de Pedro se endureceu; alguém tinha que dizer alguma coisa. Se 
o Mestre não conseguia perceber que estava se rebaixando, Pedro precisaria 
dizer isso a ele.
— Não — ele disse —, tu nunca lavarás meus pés.
Jesus continuava a olhá-lo com olhar inabalável.
— A não ser que eu o lave — ele disse —, você não terá parte comigo.
Confronto aberto. Por um instante o ar parado carregou-se de suspense. 
Jesus não reconhecia que Pedro estava falando por amor? Entretanto, confrontado 
com uma resposta como aquela, Pedro agora hesitava em responder à altura. 
Ele decidiu aproveitar da situação e declarar seu amor de forma diferente.
— Então, Senhor — respondeu ele —, não somente meus pés, mas também 
minhas mãos e minha cabeça.
Isso poderia ter aliviado a situação; mas então Jesus acrescentou algo mais, 
algo que, naquele momento, era altamente enigmático e que reintroduziu o ar 
sombrio e fatídico no aposento. Ele disse:
— Quem se banhou só precisa lavar os pés; seu corpo todo está limpo. E — 
acrescentou, olhando ao redor do aposento —, vocês estão limpos, mas nem todos.
Assim, no silêncio total que se seguiu, ele terminou de lavar os pés deles.
Os discípulos viram Jesus enxugar as mãos, vestir o manto e retomar à sua 
esteira. Incapazes de se entreolharem, constrangidos tanto por si mesmos como 
por seu Mestre, eles estavam silenciosamente gratos pelo hm do episódio. E então, 
de repente, o fim não havia chegado; porque Jesus começou a falar novamente.
— Vocês entendem o que lhes fiz? — ele perguntou.
Eles entendiam bem o suficiente; ele havia lavado os pés deles. Mas então 
começaram a perceber que ele esperava uma resposta mais profunda. O que Jesus 
havia feito foi para dar-lhes um exemplo; e, enquanto percebiam lentamente essa 
verdade, trazida à tona pela pergunta silenciosa, perceberam que suas respostas 
incertas eram confirmadas enquanto Jesus respondia à sua própria pergunta.
— Vocês me chamam “Senhor” e “Mestre” — ele disse —, e corretamente, 
porque é isso que sou. Agora que eu, seu Senhor e Mestre, lavei os pés de vocês, 
PRÓLOGO 13
vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo, para 
que façam como lhes fiz. Em verdade lhes digo que nenhum servo é maior que 
seu mestre, nem é o mensageiro maior que aquele que o enviou. Agora 
que vocês sabem essas coisas, felizes serão se as praticarem.
Esse foi o primeiro episódio constrangedor da noite. Jesus havia falado em 
termos vagos a respeito de traição e outros assuntos sombrios; mas naquele 
momento o que ele estava dizendo não parecia muito coerente. A conversa 
gradualmente voltou ao normal, e o banquete começou. Estranhamente, 
enquanto a atmosfera melhorava, Jesus parecia ficar cada vez mais desanimado, 
profundamente perturbado em seu espírito. A conversa minguou. Aproveitando 
o silêncio, Jesus falou novamente, dessa vez com clareza.
— Em verdade lhes digo — disse ele —, um de vocês me trairá.
A atmosfera instantaneamente voltou a ficar sufocante. O silêncio 
retornou, cobrindo tudo como um cobertor, enquanto os discípulos se entre- 
olhavam, atônitos. Dessa vez não havia nenhuma dúvida quanto ao sentido 
das palavras do Mestre. A única pergunta era qual discípulo Jesus tinha em 
mente. Os olhares ao redor da mesa baixa eram variados: curiosos, inexpressivos, 
assustados. A ceia foi interrompida.
Em uma explosão de perguntas confusas, vários perguntaram incredula- 
mente se era neles que o Senhor estava pensando; e Judas Iscariotes uniu-se a eles.
Pedro recuperou-se primeiro; mas, lembrando-se de que seu último 
desabafo havia recebido uma repreensão um tanto áspera, relutou em lançar a 
pergunta óbvia. Vendo que João olhava para ele, sussurrou a pergunta que agora 
se formava na mente de todos.
— Pergunte de quem ele está falando — gesticulou ele, acenando para João, 
que estava reclinado na esteira ao lado de Jesus.
João, apoiado no braço esquerdo, curvou-se lentamente para trás, para poder 
falar com Jesus. A cabeça de João reclinou-se sobre o peito de Jesus; e então 
João perguntou silenciosamente:
— Senhor, quem é?
Jesus respondeu:
— Aquele a quem eu darei este pedaço de pão que molhei no prato.
Todos olharam para Jesus. Ninguém disse nada. Lentamente, Jesus molhou 
o pão no prato, chacoalhou-o para remover o excesso e ofereceu o pão a 
Judas Iscariotes.
Agora todos olharam para Judas. Não parecia possível que ele fosse um 
traidor. Não havia ele estado com eles desde o começo, pregando e realizando 
14 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
milagres com os melhores deles? Não havia ele conquistado confiança e respeito 
suficientes para servir como tesoureiro? Era difícil acreditar que Judas poderia se 
tornar um vira-casaca. Quando isso aconteceria? Ou estava Jesus simplesmente 
oferecendo uma advertência e esperando que uma tendência perigosa pudesse 
ser cortada pela raiz com uma palavra afiada, com a exposição pública?
Mesmo assim Jesus ofereceu o pão ajudas. Judas sentiu os olhares. Enver­
gonhado e taciturno, ele nada disse enquanto sua mente frenética examinava o 
que deveria fazer em seguida. Eleja havia feito os preparativos para trair Jesus, e 
agora havia chegado a uma decisão final. Ele havia achado o episódio do lava-pés 
tão humilhante, tão inadequado para um suposto Messias, que percebeu que 
sua decisão de trair Jesus havia sido consideravelmente reforçada. E agora isso! 
A audácia desse Jesus! Mas qual era a intenção de Jesus? Ele o estava advertindo? 
Ou rogando que se recusasse a tomar o pão? Ou denunciando o blefe dele? 
Ou tentando dissuadi-lo por meio da vergonha? Apenas repare no olhar atônito 
e estúpido desses sujeitos — eles não parecem reconhecer que sua vitalidade e 
independência estão sendo castradas por esse Mestre curiosamente cativante, 
mas manso e fraco demais para providenciar a liderança de que a nação precisa.
Firme, decisivamente, Judas esticou o braço e tomou o pão molhado. O 
desafio foi aceito, ou o blefe foi denunciado. Judas atravessou seu Rubicão1 
pessoal, e Satanás se apossou dele.
Então Jesus voltou a falar, dirigindo-se diretamente ajudas:
— O que você está para fazer, faça depressa.
Judas respondeu com silêncio pétreo; todavia, ergueu-se da esteira e pôs-se 
lentamente em pé. Os outros observavam, atônitos, incertos. Não lhes ocorria 
que Jesus estava de fato dizendo a Judas para prosseguir com a traição, para 
traí-lo rapidamente; pois que homem em sã consciência diria isso? Eles não 
podiam imaginar tal coisa, porque continuavam não conseguindo acreditar 
que seu Mestre estava deliberada e decididamente dando todos os passos que 
o levariam à sua própria execução cruel. Incapazes a essa altura de entender a 
necessidade da cruz no plano de Deus e a submissão voluntária de Jesus a esse 
plano, eles não tinham categoriamental em que pudessem colocar os comentá­
rios de Jesus ou com que pudessem dar sentido à ordem de Jesus ajudas. Talvez, 
especulavam eles, Jesus estivesse passando a algum novo assunto. Talvez Jesus
'Referência ao rio Rubicão, na Itália, e ao famoso episódio em que Júlio César, contrariando 
a lei romana de que nenhuma tropa deveria atravessar o rio, avançou com seu exército, vindo 
do norte, em direção a Roma. (N. do E.)
PRÓLOGO 15
estivesse satisfeito com a advertência que tinha dado e agora estava mostrando 
ajudas que em algum sentido ainda confiava em sua aptidão para desempenhar 
as responsabilidades de tesoureiro. Nada estava muito claro.
Judas abriu a porta e saiu; e era noite. Não muito tempo depois, João se 
lembraria das trevas do outro lado da porta aberta e as julgaria adequadas. A 
verdadeira luz que dá luz a todo homem havia entrado no mundo (1.9); contudo, 
aqueles que fazem o mal odeiam a luz e não virão para luz, porque temem que 
seus feitos sejam expostos (3.20). Jesus afirmou ser a luz do mundo (9.5): quão 
apropriado que o traidor da luz saia e adentre as trevas.
Assim que Judas saiu, Jesus começou a falar aos discípulos restantes acerca 
de sua própria partida. Ele falou de forma um tanto enigmática sobre ser glori­
ficado, de deixá-los para trás. Ele os lembrou de amarem uns aos outros e falou 
de forma consoladora do futuro testemunho deles.
No entanto, a maior parte do que ele disse era desconcertante. Eram coisas 
impressionantes de certa forma, e dramáticas, mas não muito compreensíveis. 
O que os discípulos de fato entenderam, e o que os alarmou, foram essas pala­
vras a respeito da partida de Jesus. Finalmente, Pedro não aguentou mais. Ele 
queria respostas claras a perguntas claras, e ele as queria agora. Ele formulou 
sua pergunta francamente e perguntou firmemente:
— Senhor, para onde vais?
Foi assim que o terceiro episódio constrangedor e perturbador começou 
naquela noite. Jesus não aceitou ser pressionado e respondeu de forma calma, 
mas enigmática:
— Para onde eu vou, vocês não podem me seguir agora, mas seguirão 
mais tarde.
Pedro respondeu com outra pergunta:
— Senhor, por que não posso seguir-te agora?
Então, temendo que talvez sua própria lealdade estivesse sendo contestada, 
ele protestou vigorosamente:
— Darei minha vida por ti.
Jesus respondeu:
— Você realmente dará sua vida por mim? Digo-lhe a verdade: antes que 
o galo cante, você me negará três vezes.
Constrangimento, pesar e tristeza podem aguçar os sentidos e marcar detalhes 
de forma indelével na memória. Aquela noite incrível tornou-se eternamente
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
vivida para os discípulos, ainda mais depois da ressurreição, quando puderam 
situá-la em uma perspectiva adequada e apreciar plenamente o que havia acon­
tecido e o que Jesus havia dito. Aquela foi a noite em que Jesus instituiu a ceia 
do Senhor: mas seu significado aguardava os acontecimentos dos próximos 
três dias. As implicações mais completas do lava-pés também ficaram claras em 
retrospecto. Então os discípulos puderam entender melhor que, ao lavar-lhes os 
pés, Jesus forneceu não só um exemplo moral (13.15), mas também um sinal da 
redenção e da purificação que estava prestes a realizar em prol deles (13.10,11). 
Ele não apenas lavou os pés deles com água: muito mais do que isso, em sua 
missão naquele fim de semana ele os lavaria completamente. Mais uma vez, ele 
próprio era a “água viva” que sacia toda sede (4.10, 7.37), e ele haveria de prover 
o Espírito como fonte contínua de “água viva” dentro de cada cristão (7.38).
Naquela noite, Jesus aproveitou os sentidos aguçados dos discípulos para 
discorrer uma última vez acerca de vários temas. Sem dúvida ele retornou a 
muitos dos mesmos temas depois de sua ressurreição (cf. At 1.3), mas explicar 
algumas dessas coisas antes da cruz, mesmo que de forma enigmática, deixaria 
claro para os discípulos que ele não foi apanhado de surpresa. A cruz não era 
um erro nem um plano B, mas parte de sua missão — aliás, a parte central. 
“Contei-lhes agora, antes que aconteça”, disse ele, “para que, quando acon­
tecer, vocês creiam” (14.29).
Talvez um dos aspectos mais incríveis desse “Discurso de Despedida”, 
como ele veio a ser chamado, seja seu começo. E Jesus quem está rumando 
para a agonia na cruz; é Jesus quem está perturbado em seu espírito. Contudo, 
nessa noite, na qual dentre todas as noites teria sido adequado que os discípulos 
o encorajassem e o apoiassem, descobrimos que eles só conseguem enxergar 
sua própria perda. Jesus, portanto, precisa encorajá-los. Na própria noite em 
que provará a morte em prol deles, ele se dirige à perplexidade confusa, à fé 
inconstante, à visão fraca e ao egocentrismo deles; e diz: “Não se perturbe o 
coração de vocês...”.
Uma introdução à fé triunfante
O 
!< O
“Não se perturbe o coração de vocês. Confiem em Deus; confiem tam­
bém em mim. Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse 
assim, eu lhes teria dito. Estou indo para lá preparar um lugar para vocês. 
E se eu for e preparar um lugar para vocês, voltarei e os levarei para 
estarem comigo, para que vocês também estejam onde estou. Vocês 
sabem o caminho do lugar para onde estou indo.”
Tomé disse a ele: “Senhor, não sabemos para onde estás indo; como 
então podemos saber o caminho?”.
Jesus respondeu: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém 
vem ao Pai senão por mim. Se vocês realmente me conhecessem, também 
conheceriam meu Pai. De agora em diante vocês de fato o conhecem 
e o viram”.
Filipe disse: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos será suficiente”.
Jesus respondeu: “Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de 
eu estar entre vocês por tanto tempo? Todo aquele que me viu, viu o 
Pai. Como você pode dizer: ‘Mostra-nos o Pai’? Você não crê que eu 
estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que lhes digo não 
são apenas minhas. Antes, é o Pai, vivendo em mim, que está fazendo 
sua obra. Acreditem em mim quando digo que estou no Pai e que o 
Pai está em mim; ou ao menos acreditem na evidência dos próprios 
milagres. Digo-lhes a verdade: todo aquele que tem fé em mim fará o 
que tenho feito. Fará até mesmo coisas maiores que essas, porque estou 
indo para o Pai. E farei tudo o que vocês pedirem em meu nome, para 
que o Filho possa trazer glória ao Pai. Vocês podem pedir qualquer coisa 
em meu nome, e eu o farei”.
Contra o pano de fundo da confusão e da ansiedade dos discípulos, Jesus 
fala de fé serena, de tranquilidade espiritual: “Não se perturbe o coração 
de vocês. Confiem em Deus; confiem também em mim” (14.1). Exigir corações 
tranquilos (14.1a) seria apenas uma provocação cruel ou um conselho vazio não 
fosse o fato de que Jesus também ensina a única base sobre a qual seu povo pode 
realizar esse feito: a fé, fé no Pai e fé no próprio Jesus (14.1b).
18 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Se a passagem deve ser traduzida por “confiem em Deus; confiem também 
em mim” ou “vocês confiam em Deus; confiem também em mim” é de certa 
forma secundário; porque em ambos os casos Jesus está se associando diretamente 
a Deus. Todo judeu do primeiro século sabia que era seu dever confiar em Deus; 
todavia, que um homem exorte os outros a confiarem nele da mesma forma 
que devem confiar em Deus precisa ser interpretado, tanto hoje como naquela 
época, como reivindicação de divindade. Que um homem diga “confiem em 
mim” em um contexto tão absoluto é ou sublime ou ridículo: não há meio-termo. 
Um homem que é apenas um homem não merece tal confiança, e uma hora ou 
outra a frustrará; um homem que também é Deus não só merece tal confiança, 
mas não lhe é possível frustrá-la.
Tendo por base a confiança em Deus e em Jesus, os discípulos não devem 
se perturbar. Tanto a soberania como a bondade de Deus e de Jesus estão 
pressupostas. Eles têm o poder de realizar aquilo que querem, e o bem-estar 
dos discípulos está em seu coração: caso contrário, não se poderia acreditar que 
são confiáveis em sentidotão absoluto.
Sem dúvida essa exortação pode se aplicar com proveito aos cristãos de 
todas as épocas que passam por ansiedades e tribulações estarrecedoras. Em outra 
passagem do Novo Testamento, Paulo generaliza essa exortação ao escrever: 
“Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, mediante oração e 
súplicas, com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus. E a paz de Deus, 
que excede todo o entendimento, guardará o seu coração e a sua mente em 
Cristo Jesus” (Fp 4.6,7). No contexto do Discurso de Despedida, no entanto, o 
encorajamento de Jesus tem o propósito de atender a uma situação específica. 
Não só os incidentes dolorosos da Ultima Ceia — o lava-pés, a partida de Judas, 
a predição da covardia de Pedro — causaram mal-estar nesses homens; pior 
ainda, Jesus especificamente lhes disse que está prestes a partir e a deixá-los. 
“Meus filhos”, disse ele, “estarei com vocês apenas mais um pouco. Vocês me 
procurarão e, como eu disse aos judeus, agora digo a vocês: Para onde eu vou, 
vocês não podem ir” (13.33).
Incapazes de compreender que a partida de Jesus para longe deles é seu 
retorno à glória que é dele por direito, por meio da cruz e do sepulcro, os discí­
pulos afundam em tristeza, temendo que estejam prestes a ser abandonados. 
Nós também talvez vaguemos vez ou outra no pântano do desespero e nos 
sintamos abandonados; mas a situação em João 13 e 14 é única. A sensação de 
abandono experimentada pelos discípulos foi incitada por um acontecimento da
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE
história da redenção impossível de ser repetido: a partida física de Jesus Cristo 
por meio da cruz. Portanto, embora os discípulos precisassem da exortação 
geral de confiar em Deus e de confiar em Jesus, precisavam de algo mais: eles 
precisavam de instruções adicionais, de uma explicação mais detalhada do signi­
ficado dos acontecimentos prestes a ocorrer. Mesmo que continuassem incapazes 
de absorver todos os detalhes até que aquele fim de semana épico houvesse 
transcorrido, as palavras de Jesus forneciam não só algum alívio imediato, mas 
também o quadro que no fim das contas conferia sentido aos acontecimentos 
mais importantes de toda a História.
Em outras palavras, o Discurso de Despedida não deve ser tratado de 
forma simplista, como mero conforto cristão criado para consolar santos 
derrotados. Em vez disso, ele é antes de mais nada uma exposição do signifi­
cado da “partida” de Jesus para o Pai por meio da cruz. Trata-se de teologia 
elementar; e é só nesse sentido que ele oferece encorajamento e consolação. Para 
os cristãos atribulados, há pouco conforto genuíno que esteja separado do 
significado dos acontecimentos daquele fim de semana em Jerusalém e arre­
dores, quase dois mil anos atrás. Isso era especialmente verdade para aqueles 
primeiros cristãos, cuja angústia mostrou-se particularmente aguda pelo fato 
de eles próprios participarem desses acontecimentos e serem tragados por eles. 
Entretanto, também para os cristãos de hoje a melhor forma de descobrir fé e 
firmeza renovadas não é apegar-se a aforismos espirituais isolados e a clichês 
evangélicos, mas, sim, voltar a uma compreensão profunda da estrutura histó­
rica e redentora de sua fé.
Dentro desse quadro, Jesus fornece um conteúdo em que seus seguidores 
podem crer (14.2-7): ele enuncia verdades em que precisam acreditar para que 
sua fé seja triunfante e seu espírito fique tranquilo. Infelizmente, os discípulos 
entendem pouco do que é dito, porque já se equivocaram em relação a quem Jesus 
é. As implicações profundas da exortação: “Confiem em Deus; confiem também 
em mim" (14.1) não foram minimamente captadas por eles; portanto, Jesus precisa 
repassar alguns de seus ensinamentos anteriores e fornecer uma lição para alunos 
que demoram a aprender a respeito de quem ele realmente é (14.8-14).
Algumas verdades para acreditar (14.2-7)
Jesus estabelece três verdades em que certamente é preciso acreditar para que a 
fé dos discípulos se mostre triunfante:
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
1. Jesus não está simplesmente indo embora; ele está, na verdade, indo para a 
casa espaçosa de seu Pai — e está indo para preparar um lugar para seus seguidores. 
“Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. 
Estou indo para lá preparar um lugar para vocês” (14.2).
A KJV promete “muitas mansões” em vez de “muitos aposentos”; e sem 
dúvida a perspectiva de uma mansão eterna é mais atraente que a perspectiva 
de um aposento eterno. A palavra mansão inspirou um bom número de hinos 
que retratam o júbilo eterno em categorias em geral materialistas: “Tenho uma 
mansão logo depois do pico da montanha”, nós cantamos, mal conseguindo 
impedir nossa imaginação de contar os mordomos a nosso dispor. “Tenda ou 
cabana, que me importam? / Estão construindo um palácio para mim.” Aqui 
nós até promovemos a “mansão” a “palácio”.
A palavra usada no texto original é extremamente rara; mas ela é empregada 
em outra passagem do Novo Testamento — nesse mesmo capítulo, 14.23. Nesse 
versículo aprendemos que o Pai e o Filho, por meio do Espírito Santo, farão sua 
“morada” (KJV) ou “habitação” no cristão. A NIV de forma agradável, traz: 
“viremos [...] e faremos nossa morada nele”. A palavra em questão não deveria 
suscitar imagens de uma suntuosa propriedade rural. É um termo neutro, que 
significa morada, habitação, lugar para morar. Certamente seria uma metáfora 
bastante forçada falar em muitas mansões em uma casa.
Contextualmente, é óbvio que os discípulos não estão preocupados a essa 
altura com a fortuna de sua herança eterna. Eles estão aborrecidos com a pers­
pectiva de perder Jesus. A essência da garantia que ele lhes dá é que, embora 
esteja voltando para a casa de seu Pai, ele um dia se unirá a seus discípulos 
novamente. O retorno à casa de seu Pai não é um retiro de esplêndido isola­
mento, mas uma jornada para preparar o lugar para seus seguidores. “... Se 
não fosse assim”, ele os repreende gentilmente, “eu lhes teria dito...” — como 
se quisesse dizer que apenas uma forma grosseira de incredulidade imaginaria 
que Jesus pudesse de qualquer modo abandonar seus seguidores. Como se 
atrevem a pensar que ele poderia demonstrar ser tão inconstante quanto eles? 
Sua integridade é tal que, caso seu propósito último tivesse sido deixar seus 
seguidores sozinhos, ele lhes teria dito.
A verdade é que Jesus havia falado repetidamente aos seus discípulos a 
respeito de sua partida; mas, como no caso de tantas coisas que ele ensinou, 
a mentalidade deles impediu que captassem o que estava dizendo antes dos 
acontecimentos a que se referia. “O que acontecerá se vocês virem o Filho 
21UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE
do homem subir para onde ele estava antes?” (6.62), perguntou ele certa vez. 
Mesmo para os fariseus, ele declarou: “... Estou com vocês apenas por pouco 
tempo e logo irei para aquele que me enviou. Vocês procurarão por mim, mas 
não me encontrarão; e para onde estarei vocês não podem ir” (7.33,34, cf. tb. 
8.21). Naquela mesma noite, depois de Judas Iscariotes ter deixado o aposento, 
Jesus disse a seus discípulos: “Meus filhinhos, estarei com vocês apenas mais 
um pouco. Vocês procurarão por mim e, como eu disse aos judeus, agora lhes 
digo: Para onde eu vou, vocês não podem ir” (13.33). No entanto, agora ele 
lhes dá a garantia de algo adicional: sua partida tem o propósito de estabe­
lecer para eles habitações permanentes na própria presença de Deus. Essa é a 
verdade acerca da partida dele. Se acreditarem nela, a fé deles triunfará sobre 
suas dúvidas e sua mente atribulada. Tal fé dissiparia as suspeitas insistentes 
de que estavam sendo abandonados. Aliás, como homens que tinham todas 
as razões para confiar em Jesus assim como confiavam em Deus podiam se 
rebaixar a ponto de achar que a partida dele não era para o bem supremo deles?
A própria expressão “a casa de meu Pai” faz pensar na presença de Deus. 
Quando limpou o Templo, Jesus usou a mesma expressão: "...Tirem isso 
daqui! Como se atrevem a transformar a casa de meu Pai em um mercado?!” 
(2.16; cf. Lc 2.49). Ali, no entanto, “a casa de meu Pai” referia-se ao templo. 
Mas o templo não era entendido como o lugar onde os homens podiam entrar 
na própria presença de Deus por meio de sacrifícios oferecidos para expiar o 
pecado? Prevendo que o sacrifício definitivo era ele próprio, Jesus uma vez 
afirmou que o verdadeiro templo era nada menos que seu próprio corpo (2.21). 
Semelhantemente, embora “a casa de meu Pai” fosse uma descrição adequada 
do templo à medida que ele servia como ponto focal do encontro entre Deus 
e o homem, ela podia aplicar-se mais plenamente ao céu, a casa de Deus, e à 
esperança última do povo de Deus, a promessa da visão beatífica. “Aposentos” 
em tal casa significa nada menos que o puro júbilo de habitar para sempre no 
esplendor manifesto da glória de Deus.
Os cristãos não devem perder de vista essa perspectiva de longo alcance. 
Vivemos em uma época em que somos lembrados continuamente de nossos 
privilégios e de nossas responsabilidades temporais como cristãos: desfrutamos 
de vida abundante agora e precisamos lembrar de ajudar os pobres, buscar 
justiça para todos, insistir na integridade e demonstrá-la em nós mesmos. Tais 
lembretes são importantes precisamente porque é possível, em sentido superficial, 
ter uma mentalidade celeste que, contudo, seja moral e socialmente inútil. Ao 
mesmo tempo, os cristãos precisam evitar identificar os objetivos do reino de
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Deus com objetivos políticos, econômicos ou sociais; ou, mais precisamente, 
essa identificação nunca deve ser exclusiva. Assim como o reino de Jesus Cristo 
não é deste mundo (18.36), ele também não está restrito a este mundo. Nosso 
objetivo último não é a transformação da sociedade, por mais valioso que isso 
possa ser. Nosso objetivo último é a adoração pura na presença irrestrita de Deus.
Essa perspectiva, e somente ela, é poderosa o bastante para nos conclamar à 
obediência incondicional. Tal ponto de vista eterno nos capacita a sermos mais 
úteis em nossa sociedade do que seríamos de outra maneira; porque, ao seguir um 
Mestre exaltado, aprendemos alguma coisa sobre servir, enquanto caminhamos 
em uma atitude de autonegação que se recusa a construir um império pessoal. 
A construção de impérios é uma tentação tão comum para os idealistas que os 
revolucionários de hoje costumam se tornar os tiranos de amanhã. O cristão 
tem o potencial de escapar dessa armadilha porque seu objetivo mais elevado 
transcende o meramente temporal. Ele louva a integridade aliada à mansidão 
porque reconhece que essas graças são dons do Mestre, que as exemplificou.
Essa perspectiva é pressuposta pelo texto, embora não seja elaborada. O obje­
tivo de viver para sempre com Jesus na casa de seu Pai é concedido aos primeiros 
discípulos de Jesus e é concedido também a nós. O perigo que enfrentamos, não 
partilhado por eles, é que fiquemos tão confortáveis enquanto nos regalamos nas 
bênçãos que Deus já nos deu que percamos o gosto por coisas mais excelentes. 
Acabamos deixando de nos importar o suficiente com o fato de que Jesus pode nos 
abandonar — agora, não para ir à cruz, mas no sentido de deixar de nos ensinar 
que dependemos dele. Pior, podemos não desfrutar de nenhuma expectativa 
ansiosa pela eternidade; podemos deixar de exclamar com os cristãos de todas 
as épocas: “Vem, Senhor Jesus!”. O status quo é o desejável, não a consumação.
A ironia é que o amor por nossos privilégios não produziu, em geral, 
uma fé mais triunfante, uma serenidade mais espiritual do que seria o caso se 
a situação fosse outra. Bem pelo contrário: fomentamos uma geração neuró­
tica de insatisfeitos. Da mesma forma que os primeiros discípulos de Jesus 
precisavam confiar em Jesus e acreditar que sua partida era para o bem eterno 
deles, nós hoje precisamos confiar em Jesus e acreditar que sua partida, agora 
longínqua, é para o nosso bem eterno. Em ambos os casos, é a perspectiva de 
longo alcance que confere estabilidade à fé.
A verdadeira base da fé estável pode ser mais bem compreendida após o 
exame da oração gramatical a seguir. Jesus diz: “... Estou indo para lá preparar 
um lugar para vocês”. O texto grego subjacente precede essas palavras com 
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE 23
um “porque” causai: isto é, “na casa de meu Pai há muitos aposentos (as pala­
vras seguintes, “se não fosse assim, eu lhes teria dito”, são parentéticas); porque 
estou indo para lá preparar um lugar para vocês”. O “há” na primeira parte do 
versículo, como frequentemente é o caso no Evangelho de João, é proléptico 
(antecipatório). Podemos traduzir a ideia assim: “Na casa de meu Pai haverá 
muitos aposentos; porque estou indo para lá preparar um lugar para vocês”.
Mas o que Jesus está realmente preparando, e por que está demorando 
tanto? Os primeiros poucos versículos desse Evangelho já insistiram que a 
Palavra pré-encarnada foi o agente de Deus na criação. Se ele podia com suas 
palavras fazer irromperem novos mundos, por que demorou tanto para preparar 
uns poucos quartos?
A resposta fica óbvia quando examinamos de perto as palavras de Jesus da 
forma que João as relata: “Estou indo para lá preparar um lugar para vocês”. 
Nesse Evangelho, as descrições da partida de Jesus — também chamada sua 
ida, seu retorno ao Pai, sua glorificação, sua ascensão — referem-se todas ao 
mesmo acontecimento: seu retorno ao Pai por meio da cruz e da ressurreição, 
com todo o significado redentor compreendido por esse retorno. Em 14.2, 
portanto, Jesus não está, com efeito, dizendo: “Estou retornando à casa de meu 
Pai para que, depois de chegar lá, eu possa preparar o lugar para vocês”; mas, 
na verdade: “Estou retornando à casa de meu Pai para que este próprio retorno, 
esta jornada redentora, seja a forma de preparar o lugar”. Em outras partes do 
Novo Testamento, lemos a respeito da atividade do Jesus exaltado: ele é agora 
o rei mediador por meio de quem toda a soberania de Deus é exercida (lCo 
15.24ss.), o sumo sacerdote com o sacerdócio permanente que sempre vive para 
interceder por seu povo (Hb 7.24,25). Mas essa atividade provavelmente não está 
em vista em João 14. Antes, a “ida” de Jesus tem em si mesma o propósito de 
preparar um lugar para seus seguidores, e parte disso é preparar seus seguidores 
para o lugar, como bem disse Agostinho.
A fé daqueles primeiros cristãos era estável e forte uma vez que se baseava 
tanto em Jesus como em Deus, pela crença de que a partida de Jesus era um 
retorno à presença de seu Pai, um retorno que em si mesmo abria a casa do 
Pai para eles. A fé dos cristãos no século 21 será estável e forte à medida que 
se basear tanto em Jesus como em Deus, pela crença de que a partida de Jesus 
por meio da cruz, hoje um acontecimento há quase dois mil anos no passado, 
foi seu retorno triunfante ao Pai e o meio pelo qual nunca precisamos temer 
o abandono. Podemos exultar porque Jesus foi embora para preparar um lugar 
24 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
para nós, e essa perspectiva de longo alcance, essa expectativa de júbilo eterno, 
faz com que nossos temores efêmeros sejam absorvidos pela serenidade da 
fé. Exultamos com Paulo: “Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o 
entregou por todos nós — como também não nos dará graciosamente, junto 
com ele, todas as coisas?” (Rm 8.32).
Há uma segunda verdade que nos ajuda a estabelecer a fé triunfante:
2. Jesus voltará para os seus. Ele promete: “E se eu for e preparar um lugar 
para vocês, voltarei e os levarei para estarem comigo, para que vocês também 
estejam onde estou” (14.3).
Esse versículo inspirou muitas interpretações mutuamente excludentes. 
Como a ida de Jesus é uma referência à sua morte, alguns argumentam que sua 
promessa de voltar é uma alusão à sua ressurreição. Essa interpretação falha em 
dois pontos: primeiro, a ida de Jesus inclui uma referência à sua morte, mas não se 
restringe a isso— em última instância ele está indo por meio de sua morte ao seu 
Pai (17.13). Portanto, não é óbvio que “voltarei” deva ser restrito à ressurreição. 
Segundo, Jesus promete voltar e levar seus discípulos para estarem consigo. Não é 
óbvio que qualquer coisa desse gênero tenha se seguido à ressurreição. Por razões 
semelhantes, não é muito satisfatório julgar que a volta de Jesus seja simplesmente 
sua vinda na presença do Espírito Santo (como mais tarde em 14.23).
Outros defenderam vigorosamente que a volta de Jesus é a promessa de que 
ele retornará para os seus discípulos quando eles morrerem e os levará consigo 
para estarem com ele. A passagem é frequentemente lida em funerais cristãos, e 
provavelmente esse é o conforto que tal leitura pretende transmitir. Essa inter­
pretação é possível; mas não é de forma alguma persuasiva. O texto não fala 
em parte alguma da morte dos discípulos, nem sequer a sugere. Em nenhuma 
parte do Evangelho de João ou de suas epístolas há qualquer enunciação clara 
dessa doutrina; portanto, não temos nenhuma garantia de que esse era o tipo de 
coisa que interessava a João e que ele teria registrado ou a que ele teria aludido.
E melhor tomar a promessa como uma referência à segunda vinda: 
Jesus retornará para buscar os seus e levá-los para estarem com ele. Ele não 
está apenas indo embora; ele está voltando. João aborda esse tema em outras 
passagens, tanto explícita (e.g., 21.22) como implicitamente, em referências 
à ressurreição, ao juízo final, ao último dia, e assim por diante (e.g., 11.24,25; 
6.54; ljo 4.17).
Isso é mais que uma mera esperança distante. A natureza intensamente 
pessoal da promessa precisa ser percebida: “Estou indo para lá preparar um lugar 
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE 25
para vocês [...] E [...] voltarei e os levarei para estarem comigo, para que vocês 
também estejam onde estou". É a sensação de serem abandonados que perturba 
os discípulos, e Jesus responde que sua partida é uma preparação necessária para 
que os discípulos se unam a ele. E não somente isso, ele voltará para eles. Os 
discípulos não suportavam a ideia de perdê-lo, e ele garante que não o estão 
perdendo — eles o estão ganhando.
A esperança suprema da igreja sempre foi o retorno de Jesus Cristo. Entre­
tanto, ao contemplar essa feliz perspectiva, não devemos jamais perder de vista o 
fato de que o objetivo é estar com Cristo. E verdade que a segunda vinda promete 
ser um fim para a História como a conhecemos e constitui uma garantia de que 
o caos moral e a rebelião humana não prevalecerão no final. E verdade que rece­
bemos, dessa forma, a garantia de que a História não está fora de controle nem é 
desprovida de sentido. Mas é preciso não se esquecer da maior fonte de conforto 
para todos: a perspectiva de estar com Cristo. Não surpreende que Jesus coloque 
tamanha ênfase nas implicações pessoais de sua volta. A consumação em si mesma 
seria um triunfo vazio se Jesus não estivesse ali.
Do mundo os prazeres fugazes 
seriam mar turbulento, 
o céu, ele próprio sem ti, 
como as trevas da noite seria.
Cordeiro de Deus! Tua glória, 
é a luz do céu.
Cordeiro de Deus! Tua glória, 
é a vida do amor.1
Os cristãos serão serenos e estáveis em sua fé quando confiarem em Jesus assim 
como confiam em Deus e direcionarem sua atenção, suas aspirações e seus 
valores à volta de Jesus e à perspectiva abençoada de desfrutar de sua presença 
para sempre.
3. Os seguidores de Jesus sabem o caminho do lugar para onde ele está indo 
(14.4-7). Essa é a terceira verdade que precisa ser entendida e apreendida. Jesus 
diz: “Vocês sabem o caminho do lugar para onde estou indo” (14.4). (Deve-se 
preferir essa à variante textual refletida na KJV: “e para onde eu vou vós sabeis, 
e o caminho vós conheceis”). Jesus está dizendo algo semelhante a isto: Agora,
'D. A. McGregor (1847-1895). 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
com base em tudo o que lhes contei, vocês certamente sabem que o caminho 
para a casa de meu Pai é, para mim, tanto o caminho da vergonha e crucificação 
como o caminho da glória e ressurreição. Eu falei repetidamente a respeito de 
“ser elevado”, de ser traído, de morrer: assim, vocês precisam aceitar o fato de 
que, embora eu agora fale de ir para meu Pai, estou indo por meio da cruz. É 
para esse caminho que agora estou indo. Isso vocês sabem.
É Tomé quem faz a pergunta, mas provavelmente outros a fizeram 
mentalmente: “... Senhor, não sabemos para onde você está indo; como então 
podemos saber o caminho?” (14.5). Em certo sentido há algo atraentemente 
direto nesse homem, Tomé. Pensamos nele como aquele que duvida, por causa 
de seu ceticismo rígido logo depois da ressurreição (20.24-29); mas, mesmo 
naquela ocasião, não está de modo algum claro se outro discípulo qualquer 
teria se saído minimamente melhor caso tivesse estado ausente e perdido a 
primeira aparição pós-ressurreição de Jesus aos discípulos reunidos. Vale a 
pena lembrar que esse mesmo Tomé está preparado para enfrentar a morte 
com Jesus: “Vamos também [à área de Jerusalém], para morrermos com ele” 
(11.16). Ele é um homem franco que encara o medo, a dúvida e a confusão 
de forma direta. Ele se recusa a blefar ou a ostentar um rosto piedoso e assentir 
sabiamente como se entendesse aquilo que não entende. O que ele diz, efeti­
vamente, é isto: Veja, você está nos dizendo que conhecemos o caminho para 
onde está indo. Estou lhe dizendo que nós nem sequer sabemos para onde 
você está indo; então, como poderiamos saber o caminho para lá?
A objeção de Tomé é ainda mais ignorante do que ele pensa. Jesus vem 
falando a respeito de ir ao Pai e do caminho que ele mesmo precisa trilhar para 
chegar lá. Tomé afirma que não sabe nem para onde Jesus está indo nem o 
caminho — dando a entender que o caminho que Jesus trilhar para chegar onde 
quer que ele esteja indo também será o caminho que os discípulos precisarão 
trilhar para segui-lo até lá. Como podem eles saber como seguir Jesus até a casa 
de seu Pai se eles não sabem o caminho para lá? Assim, Tomé não distinguiu 
entre o caminho que Jesus precisa trilhar para voltar ao Pai e o caminho que os 
discípulos precisam trilhar para se unirem a ele. Esse é o mesmo tipo de erro 
que Pedro cometeu alguns minutos antes, quando perguntou impulsivamente: 
“... Senhor, por que não posso segui-lo agora? Darei minha vida por você” 
(13.37). Muito pelo contrário: Jesus daria sua vida por Pedro, e o ato redentor 
abriria o acesso ao único caminho pelo qual Pedro um dia seguiría Jesus até a 
presença do Pai.
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE
Jesus, sensível ao engano de Tomé, para de falar de seu próprio caminho até 
o Pai, o caminho da cruz, e responde à pergunta de Tomé contando-lhe acerca 
do caminho que os discípulos precisam percorrer: “Eu sou o caminho”, responde 
ele, “a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim” (14.6). Assim, 
uma das maiores afirmações das Escrituras Sagradas é enunciada pelo Mestre, 
suscitada pela incapacidade dos discípulos de captar o que ele vinha ensinando.
Trata-se de uma afirmação incrível. “Eu sou o caminho” — dito por alguém 
cujo caminho era a vergonha ignominiosa da cruz romana, a morte dos crimi­
nosos desprezados e degradados. “Eu sou a verdade” — dito por alguém prestes 
a ser condenado por testemunhas mentirosas, alguém que, em geral, não era 
acreditado por seu próprio povo, por sua própria família. “Eu sou a vida” — 
enunciado por alguém cujo cadáver espancado em breve descansaria em um 
sepulcro escuro, selado pelas autoridades.
Há glória nesse paradoxo e bastante espaço para meditar em adoração. Como 
o caminho de Jesus era a cruz, ele próprio tomou-se o caminho para outros. 
Como Cordeiro de Deus, ele retirou o pecado do mundo (1.29); como Bom 
Pastor, ele deu sua vida pelas ovelhas (10.11). O cordeiro morre, o mundo vive. 
O pastor morre, as ovelhas vivem. Jesus é a porta pela qual os homens entram e 
encontram a vida (10.9; cf. Hb 10.19,20); ele é o caminho deles. O caminho de 
Jesus éa cruz: o caminho dos discípulos é Jesus. Não surpreende que os primeiros 
cristãos fossem chamados “seguidores do Caminho” (At 9.2; 22.4; 24.14).
Aquele que foi traído por um apóstolo, renegado por outro apóstolo, aban­
donado por todos eles, condenado por testemunhas mentirosas era a verdade. 
Não lemos simplesmente que aquilo que ele diz é verdade, mas que ele próprio 
é a verdade. Ele é a verdade encarnada, assim como é o amor e a santidade 
encarnados; porque ele é a Palavra encarnada. “...A Palavra se fez carne e viveu 
por um tempo entre nós. Vimos sua glória, a glória como do Unigênito que 
veio do Pai, cheio de graça e verdade” (1.14). “Pois a lei foi dada por meio de 
Moisés; graça e verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu 
a Deus, mas o Deus Unigênito, que está ao lado do Pai, o tornou conhecido” 
(1.17,18). João não está nos dizendo que os escritos de Moisés não eram verda­
deiros, nem que fossem outra coisa que não a Palavra de Deus. Mas, por mais 
que a Lei tenha sido revelada por Deus, ela não era o desvelamento do próprio 
Deus, a revelação da graça e da verdade encarnadas.
Nas férias de Natal de 1963, eu trouxe para casa, na região de Ottawa, 
um amigo que eu havia conhecido e apreciado na universidade que estava 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
frequentando. Mohammed Yousuf Guraya era paquistanês, muçulmano devoto, 
amigo gentil e sensível. Ele estava tentando me converter ao islã; eu estava 
tentando convertê-lo a Cristo. Ele havia começado a ler o Evangelho de João 
quando o levei para visitar os edifícios do parlamento de Ottawa. Desfrutamos 
de uma visita guiada àquelas estruturas majestosas e aprendemos um pouco 
de sua história e simbolismo. Nosso grupo havia chegado ao último saguão 
quando o guia explicou o significado das estatuetas de pedra esculpidas nos arcos 
estriados. Uma delas, para a qual ele apontou, representava Moisés, concebida 
para proclamar que o governo depende da lei.
— Onde está Jesus Cristo? — perguntou Guraya, com sua voz alta e agra­
dável, seus dentes brancos irradiando um sorriso brilhante por trás da barba preta.
— Não entendi — gaguejou o guia.
— Onde está Jesus Cristo? — insistiu Guraya, um pouco mais devagar, 
levemente mais alto, enunciando cada palavra por temer que o sotaque tivesse 
tornado a pergunta incompreensível.
Os turistas de nosso grupo pareciam estar constrangidos. Enquanto isso, eu 
ria no meu íntimo, perguntando-me o que viria a seguir e se eu deveria intervir 
ou abster-me de aconselhá-lo.
— Não entendi — o guia repetiu, um tanto estupefato, um tanto rabugento.
— O que você quer dizer? Por que Jesus deveria estar representado aqui? 
Guraya respondeu, ele mesmo um tanto atônito agora:
— Li em seu livro sagrado que a Lei foi dada por Moisés, mas a graça e a 
verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Onde está Jesus Cristo?
Creio que meu amigo Guraya havia sentido o impacto do Evangelho 
de João mais profundamente do que eu. E de forma alinhada com o foco do 
prólogo de João (1.1-18), em que a Palavra eterna se torna a Palavra encarnada, 
que o próprio Jesus proclama: “Eu sou a verdade”.
“Eu sou a vida.” Antes, no sepulcro de Lázaro, Jesus declarou: “... Eu sou a 
ressurreição e a vida. Aquele que acredita em mim viverá, mesmo que morra; 
e quem viver e acreditar em mim jamais morrerá...” (11.25,26). A respeito 
de Jesus, João escreve: “Ele é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (ljo 5.20). 
Aquele que morreu, condenado, capacita os outros a viverem, perdoados.
Sou o caminho a Deus: não vim iluminar
a senda, abrir caminho, para que sigas 
os meus passos simplesmente, que persigas 
minha sombra como prêmio fácil de ganhar.
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE 29
Minha vida revela a vida de Deus, a soma 
de tudo o que ele é e faz. Como então podem, 
filhos da noite, fitar-me e interpretar 
meu caminho como mera estrada para seus pés?
Meu caminho passa pelo Getsêmani, pela cruz, 
e pela dura rejeição vestida de agonia.
Meu caminho a Deus abraça a perda total: 
seu caminho a Deus não é o meu, sou eu.
Todo outro caminho é triste pântano ou fraude.
Eu sou único: eu sou o caminho a Deus.
Eu sou a verdade de Deus. Não reivindico 
apenas dizer a verdade, como se fosse 
um profeta (não mais que isso), um canal, movido 
pelo poder do Espírito, de forma puramente humana. 
Nem digo que, quando tenho seu nome 
em meus lábios, minha doutrina seja infalível 
(embora seja verdade). Mero intérprete 
eu não sou, alguma voz profética de fama especial.
Nos confins atemporais da eternidade 
o Deus triúno decidiu que a Palavra, 
a autoexpressão da Divindade, 
revestir-se-ia de carne e sangue — e assim seria ouvida. 
A alegação de dizer a verdade os bons homens aplaudem. 
Alego muito mais: sou a verdade de Deus.
Sou a vida da ressurreição. Não é 
como se eu apenas trouxesse bebida que dá vida, 
elixir mágico que (talvez pensem os homens) 
é barato porque, embora fino, não foi comprado. 
O preço da vida foi integralmente pago: lutei 
com a morte e o negro desespero; pois sou a bebida 
da vida. A manhã da ressurreição é o elo 
entre minha morte e a vida infinda há muito buscada.
Sou o primogênito dentre os mortos; e, com 
meu triunfo, decreto a morte às luxúrias e aos ódios. 
Minha vida agora estendo aos homens, e aplico-lhes 
o sopro que sacia para sempre.
A página da religião está cheia de vangloria vazia: 
mas eu sou a ressurreição e a vida.
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
A reivindicação tripla é chocante. Os artigos não são acidentais: “Eu sou o 
caminho, a verdade e a vida”; ele não é uma alternativa agradável, um caminho 
entre outros. Para que todos captem a mensagem, a segunda parte do versículo 
não deixa dúvidas: “Ninguém vem ao Pai senão por mim”.
Essa última oração gramatical realiza duas coisas. Primeiro, ao falar clara­
mente a respeito de ir ao Pai por meio dele próprio, Jesus indica como Tomé 
entendeu de forma completamente equivocada os comentários anteriores que 
ele havia feito de seu próprio caminho até o Pai. Tomé e os outros seguidores 
precisam reconhecer que o caminho que Jesus trilha não deve simplesmente 
ser imitado. Unir-se a Jesus na casa do Pai exige o reconhecimento de que o 
próprio Jesus é o caminho. Os seguidores de Jesus não devem simplesmente 
seguir seu ensino verdadeiro ou copiar sua vida, antes reconhecem nele a 
verdade encarnada, o adoram e recebem vida dele. “Ninguém vem ao Pai 
senão por mim”.
Não menos significativo é o segundo ponto em que essa afirmação insiste. 
Jesus é o caminho, a verdade e a vida de modo exclusivo. Isso não é popular em 
nossa época sincretista; contudo, a mesma ideia é ensinada repetidamente no 
Novo Testamento. “A salvação não se encontra em nenhum outro”, proclama 
Pedro, “porque não há nenhum outro nome dado aos homens debaixo do céu 
pelo qual devamos ser salvos” (At 4.12). Paulo acrescenta: “Mas, mesmo que nós 
ou um anjo do céu pregue um evangelho que não este que pregamos a vocês, 
que ele seja eternamente condenado!” (G1 1.8). Talvez seja particularmente 
importante reconhecer essa característica de exclusividade do Evangelho de 
João, porque aqui, mais que em muitos livros do Novo Testamento, há uma 
vasta variedade de termos literários e religiosos encontrados em outras religiões. 
João pode estar disposto a tomar emprestado o vocabulário religioso de outros, 
mas não está disposto a conceder que a salvação seja encontrada em qualquer 
outro senão em Jesus. E esse, ele insiste, é o ensinamento do próprio Jesus.
Aí está a resposta à pergunta de Tomé. Jesus não se concentra mais no 
caminho que ele próprio precisa trilhar; ele se concentra, antes, no caminho que 
os discípulos precisam trilhar. O equívoco de Tomé e de seus colegas deve-se 
ao fato de não perceberem quem Jesus realmente é e a natureza da missão que 
ele se dispôs a realizar. Portanto, Jesus diz: “Se vocês realmente me conhecessem, 
também conheceríam meu Pai...” (14.7).
Esse versículo (14.7) tem uma complicação textual extremamentedifícil 
de resolver. O texto em que a NIV se baseia traz: “Se vocês realmente me 
UMA 'NTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE 31
conhecessem, também conheceríam meu Pai. De agora em diante vocês de 
fato o conhecem e o viram”. Isso sugere uma repreensão: Se vocês realmente 
me conhecessem, como a essa altura certamente deveríam, vocês também 
conheceríam meu Pai. As outras evidências textuais principais apoiam a 
nota de rodapé da NIV ao versículo 7: “Se vocês realmente me conhecerem, 
também conhecerão meu Pai. De agora em diante vocês de fato o conhecem 
e o viram”. Isso sugere uma promessa: Se vocês agora me conhecem, como 
de fato ocorre, também conhecerão meu Pai. Alguns defenderam que a 
segunda parte do versículo, “De agora em diante vocês de fato o conhecem 
e o viram”, exige a segunda leitura. Pelo contrário, Filipe em seguida mostra 
que eles ainda não o conhecem realmente (14.8). A segunda parte de 14.7 está 
dizendo que, em certo nível, os discípulos de fato vieram a conhecer a Cristo: 
eles podiam descrevê-lo, conversar com ele, viajar com ele, comer com ele, 
fazer-lhe perguntas, e assim por diante. Nesse sentido, como Jesus e seu Pai 
são um (10.30), eles vieram, objetivamente falando, a conhecer o Pai também. 
Por causa de quem Jesus é, conhecer Jesus é conhecer a Deus. Objetivamente, 
é assim. A ironia é que os próprios discípulos não percebem o que vieram 
a conhecer! Eles conhecem Jesus; no entanto, não captando, mesmo a essa 
altura, quem realmente ele é, eles não o conhecem de fato e, portanto, não 
reconhecem que conhecê-lo é conhecer a Deus.
Parece melhor, pensando bem, reconhecer que Jesus os está repreendendo 
por sua lentidão em perceber quem ele é. Diferente mente dos fariseus (8.19), 
os discípulos avançaram um pouco em conhecer ajesus; no entanto, deveríam 
ter avançado mais. Ele se identifica mais uma vez como aquele que tornou 
Deus manifesto (cf. 1.18): “De agora em diante vocês de fato o conhecem e 
o viram” (14.7). Os discípulos precisam perceber que conhecer ajesus é nada 
menos que conhecer a Deus, porque o próprio Jesus é o caminho, a verdade 
e a vida. Enxergar essa verdade claramente equivale, assim, a realmente 
conhecer Jesus. Portanto, os seguidores de Jesus de fato sabem o caminho 
do lugar para onde Jesus está indo (14.4), porque eles conhecem Jesus. O 
problema é que eles próprios não percebem que sabem o caminho: nesse 
sentido, eles não o conhecem.
A questão é profundamente cristológica. Essa terceira verdade, que os 
discípulos de Jesus precisam apreender firmemente se quiserem que sua fé seja 
triunfante, é quem Jesus é. Realmente saber quem Jesus é equivale a saber o 
caminho que eles precisam trilhar para chegar ao lugar para onde Jesus está indo.
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Retornamos assim ao desafio do primeiro versículo, em que Jesus diz: “Não se 
perturbe o coração de vocês. Confiem em Deus; confiem também em mim”. A 
fé estável, serena, precisa ter como seu objeto o próprio Cristo.
O conforto que Jesus oferece a seus discípulos tornou-se intensamente 
cristológico, mas seus discípulos continuam incapazes de absorver essas verdades 
sublimes. Jesus entende ser necessário resumir parte do que vem ensinando 
há muito tempo e explicar de forma mais completa a afirmação cristológica 
profunda que fez.
Uma lição para alunos que custam a aprender: 
uma exposição resumida da revelação 
do Pai no Filho (14.8-14)
Como professor, é profundamente encorajador para mim que o próprio Jesus 
também tenha tido alunos que custavam a aprender. Meus alunos que demoram 
a aprender costumam ser assim mais por capacidade limitada que por preguiça 
ou perversidade; já os alunos de Jesus que custavam a aprender costumavam ser 
dessa maneira mais por incredulidade moralmente indefensável e mesmo por 
desobediência do que por razões mais lisonjeiras.
Apesar da clareza da afirmação de Jesus, os apóstolos não conseguem 
aceitá-la literalmente. Imersos em uma herança judaica em que o mono- 
teísmo desempenhava papel tão forte, eles mal conseguiam conceber um 
monoteísmo trinitário como aquele que os cristãos com o tempo vieram a 
confessar. Eles continuavam a manter um abismo fundamental entre Jesus e 
o Pai. É triste dizer, mas alguns dos oponentes mais amargos de Jesus discer­
niram o que ele estava reivindicando mais rapidamente que seus apóstolos. 
“... Buscamos apedrejá-lo”, disseram eles, “por blasfêmia, porque você, mero 
homem, reivindicou ser Deus” (10.33). No entanto, a essa altura, Filipe ainda 
pede: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos será suficiente” (14.8).
Jesus respondeu: “Você não me conhece, Filipe, mesmo depois de eu estar 
entre vocês por tanto tempo? Todo aquele que me viu, viu o Pai. Como você 
pode dizer: ‘Mostra-nos o Pai’?” (14.9). Efetivamente, Jesus diz a Filipe que sua 
pergunta é supérflua precisamente porque o Pai se fez conhecido na Palavra, 
que é Deus, mas que se tornou carne. Portanto, todo aquele que viu a Palavra 
encarnada viu o Pai. Jesus já não havia deixado isso claro? Não muito antes 
disso ele havia ensinado publicamente: “... Quando um homem crê em mim, 
ele não crê em mim apenas, mas naquele que me enviou” (12.44).
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE
Mas como isso pode ser verdade?
1. Afirmação de fato: a revelação do Pai no Filho (14.10). “Você não crê que eu 
estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que lhes digo não são apenas 
minhas. Antes, é o Pai, vivendo em mim, que está fazendo sua obra” (14.10).
Para entender esse versículo adequadamente, é preciso se distanciar um 
pouco dele e refletir a respeito de como João apresenta Jesus Cristo no Quarto 
Evangelho2 e também a respeito de como os cristãos lutaram para formular 
afirmações teológicas acerca da divindade e da humanidade de Jesus Cristo 
enquanto continuavam a permanecer fiéis aos pressupostos bíblicos.
2Tratei dessa questão com alguma profundidade em meu livro Divine sovereignty and human 
responsibility: some aspects of fohannine theology againstJewislt background (London, Reino Uni­
do/ Atlanta: Marshall, Morgan and Scott/John Knox, 1980 [edição em português Soberania 
divina e responsabilidade humana (São Paulo: Vida Nova, 2019)]. O que escrevi acima é uma 
simplificação dos temas tratados com um pouco mais de rigor nesse volume.
Muitas pessoas estão cientes de que o Evangelho de João enfatiza fortemente 
a divindade de Jesus. Ele é identificado com a Palavra encarnada, e desde toda 
a eternidade essa Palavra era Deus (1.1). Em um momento de enorme drama, 
Tomé adora o Jesus ressuscitado com palavras que só podem ser aplicadas a Deus: 
“Senhor meu e Deus meu” (20.28); e Jesus aceita a atribuição de divindade e 
pronuncia uma bênção sobre aqueles que chegam a uma fé semelhante sem 
precisar de prova como aquela (20.29). Os atributos da divindade são aplicados 
a Jesus, assim como as funções da divindade. Não surpreende que Jesus diga a 
Filipe: “Todo aquele que me viu, viu o Pai” (14.9).
Contudo, há outra ênfase no Evangelho de João que muitos ignoram: a 
obediência e a completa dependência de Jesus em relação a seu Pai. O alimento 
de Jesus é fazer a vontade daquele que o enviou e concluir sua obra (4.34). 
"... Digo-lhes a verdade”, Jesus insiste, “o Filho não pode fazer nada por si 
mesmo; ele só pode fazer aquilo que vê seu Pai fazer [...] Por mim mesmo não 
posso nada; julgo apenas o que ouço, e meu julgamento é justo, porque não 
busco agradar a mim mesmo, mas àquele que me enviou” (5.19,30). Mais uma 
vez: “... Meu ensinamento não é meu. Ele vem daquele que me enviou” (7.1 ó). Se 
o Pai que enviou Jesus não o abandonou, é porque, nas palavras de Jesus, “sempre 
faço o que lhe agrada” (8.29). O próprio sacrifício de Jesus de si mesmo, como 
o Bom Pastor por suas ovelhas, é uma ação realizada em resposta à “ordem” do 
Pai (10.18). Perto do fim de seu ministério público, Jesus podia afirmar: “... Não
34 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS 
falei de minha própria parte, mas o Pai que me enviou meordenou o que dizer 
e como dizê-lo [...] De modo que tudo o que digo é apenas aquilo que o Pai 
me mandou dizer” (12.49,50). E, na oração que pronuncia bem na iminência 
da cruz, Jesus pode afirmar: “Eu lhe trouxe glória na terra ao completar a obra 
que você me deu para fazer” (17.4).
Como interpretar esses temas aparentemente opostos? Os cristãos sustentam 
que Jesus é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem; mas é um pouco 
espantoso observar em detalhes os contornos bíblicos dessa doutrina incrível. 
No Evangelho de João, Jesus e Deus são um em relação ao homem, na criação, 
na revelação e na autoridade; mas ele e o homem são um em relação a Deus, 
na submissão, na dependência e na obediência.
Cristãos ao longo dos séculos tentaram oferecer formulações que façam 
justiça a todos esses indícios bíblicos aparentemente discordantes. Eles refletiram 
a respeito do que a Palavra eterna teria de abandonar para se tornar a Palavra 
encarnada. Para usar as categorias que Paulo emprega em Filipenses 2.5-11, eles 
se perguntam do que Cristo “se esvaziou” para se unir à raça humana.
A resposta certa a tais perguntas não é fácil de encontrar; não obstante, 
é razoavelmente fácil detectar grandes porções de respostas erradas. Alguns 
sugerem que Cristo abandonou sua divindade ao se tornar homem; mas isso 
certamente é simples demais, já que o Novo Testamento insiste em que Jesus 
durante seu ministério e paixão era tanto Deus como homem. Outros dizem 
que ele abandonou parte de seus atributos divinos — talvez sua onisciência, 
sua onipotência, sua onipresença. O problema com tal formulação é que um 
ser não pode ser prontamente separado de seus atributos. Se vejo um ser que 
se parece com um gorila, corre como um gorila e tem todos os atributos de 
um gorila, presumo que estou vendo um gorila. Se afirmam que um ser é um 
gorila, mas ele tem poucos atributos de gorila e muitos atributos de lemingue 
ártico, provavelmente não me impressionarão as alegações entusiasmadas de 
que o ser é de fato um gorila. Quando Paulo, por exemplo, insiste em que, “em 
Cristo, toda a plenitude da Divindade vive em forma corpórea” (Cl 2.9), ele 
parece eliminar a possibilidade de uma encarnação que retenha apenas alguns 
atributos da divindade; e Paulo não está sozinho nessa insistência.
Outros teólogos sugeriram que, embora o Filho eterno de Deus não tenha 
abandonado nenhum de seus atributos divinos, ele de fato abandonou o uso 
de seus atributos divinos. Isso significaria que, durante seu ministério, Jesus 
Cristo nunca usou mais atributos do que, digamos, os usados por um profeta 
do Antigo Testamento. Afinal, se Jesus realizou milagres, eles também o fizeram.
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE
Se Jesus alegou pronunciar as palavras de Deus, eles também o fizeram. Mas 
mesmo essa formulação restrita é falha. Em todos os Evangelhos, Jesus alega ter 
um relacionamento com o Pai do qual nenhum mero profetajamais desfrutou. 
Em todos os Evangelhos, mas sobretudo no Evangelho de João, os milagres 
realizados são interpretados como sinais que apontam para quem Jesus é. Fora 
do Evangelho de João, o silenciamento da tempestade suscita o medo, o espanto 
e a indagação: “... Quem é este? Ele manda até nos ventos e na água, e estes lhe 
obedecem” (Lc 8.25; cf. Mt 14.33). E quem pode perdoar pecados, em qualquer 
sentido absoluto, senão o próprio Deus (cf. Mc 2.1-12)?
Alguns, consequentemente, buscam um refinamento adicional. O Filho 
eterno de Deus, eles dizem, para os propósitos da encarnação, abandonou o uso 
independente de suas prerrogativas divinas. Isso está bem próximo de estar certo. 
O Filho de Deus abandonou todo uso de suas prerrogativas e capacidades divinas 
das quais, como um homem, ele não teria desfrutado a não ser que seu Pai celestial 
lhe desse a direção de usar tais prerrogativas. Dessa forma, ele se recusou a usar 
seus poderes para transformar as pedras em pão para si próprio: isso equivalería 
a corromper sua identificação com os seres humanos e, portanto, abandonar sua 
missão, porque os seres humanos não têm acesso instantâneo a tais soluções. Sua 
missão o proibia de arrogar para si mesmo as prerrogativas que lhe eram de direito. 
Todavia, se essa missão exigia dele que multiplicasse pães para os cinco mil, ele o 
fazia. Seu próprio conhecimento era, por confissão própria, limitado (Mt 24.36).
Estamos lidando com coisas santas, coisas que, apesar de nossas melhores 
tentativas de análise e formulação, continuam a desafiar nossa capacidade finita 
de entender — elas nos incitam a cobrir a boca em adoração silenciosa. A Palavra 
estava com Deus, e a Palavra era Deus: isso é claramente um pressuposto. A 
Palavra tornou-se carne: isso também é um pressuposto. Mas, quando saímos 
dos pressupostos, corremos o risco de introduzir alguma nova implicação negada 
pelas Escrituras em outras passagens. Mesmo na última tentativa de formulação, 
há um problema. Dizer que o eterno Filho de Deus, para efeitos da encarnação, 
abandonou o uso independente de suas prerrogativas divinas é quase sugerir 
que o Cristo pré-encarnado desfrutou de independência irrestrita no uso de 
suas prerrogativas divinas. Nesse caso, fica extremamente difícil imaginar como 
alguém ainda poderia defender a forma de monoteísmo que a doutrina da 
Trindade representa. Será que o Filho alguma vez foi independente da vontade 
de seu Pai? Deus enviou seu Filho ao mundo; e, mesmo se presumirmos que o 
Filho voluntariamente consentiu nessa missão, sempre descobrimos, no pouco
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
que sabemos do relacionamento pré-encarnado do Filho com seu Pai, que a 
iniciativa e a ordem estão com o Pai, enquanto a submissão e a obediência 
pertencem ao Filho. Ousamos, portanto, supor que o Filho alguma vez desfrutou 
do uso verdadeiramente independente de suas prerrogativas divinas?
Em certo sentido, é correto supor que o Filho, como pessoa distinta e 
distinguível, gozava de “independência” como pessoa; mas iria contra total às 
Escrituras pensar que tal “independência” poderia resultar em um curso de ação 
no Filho e um curso de ação diferente no Pai, ou que seus respectivos papéis 
poderíam ser trocados. Podemos dizer, então, que a formulação que arriscamos 
é aceitável?
Não creio que seja; não, ao menos, se a palavra independente for salientada 
e tornada absoluta. Mas talvez estejamos muito perto da melhor formulação 
teológica, por mais insatisfatório que possa ser descrever uma realidade tão 
sublime como a Encarnação, se voluntariamente forçarmos a formulação para 
dentro de um molde menos preciso. Se dissermos que, para efeitos da encarnação, 
o Filho eterno abandonou uma medida substancial de independência no uso de 
suas prerrogativas divinas, não estaremos sendo tão claros, mas provavelmente 
estaremos refletindo de forma mais verdadeira os pressupostos bíblicos.
João vê a perda que a Palavra encarou ao tornar-se carne como uma perda 
de glória. É por isso que ele registra o conteúdo da Ultima Oração prolongada 
de Jesus antes da cruz: “E agora, Pai, glorifica-me em tua presença com a glória 
que eu tinha contigo antes de o mundo ter início” (17.5). Tal afirmação resu­
mida é até aonde podemos ir; mas não estamos indo muito longe, muito porque 
glória e glorifica são palavras poderosas que trazem à tona imagens tremendas, 
mas não transmitem informações precisas. O que está claro é que o Filho pré- 
-encarnado e o Filho pós-ascensão desfrutam da mesma glória que o Pai; mas 
em sua missão terrena o Filho deixou sua glória de lado.
Estamos agora em melhor posição para pensar novamente a respeito das 
passagens no Evangelho de João que salientam a dependência e submissão de 
Jesus a seu Pai. Jesus não só diz: "... Digo-lhes a verdade, o Filho nada pode por 
si mesmo; ele só pode fazer o que vê o Pai fazer...”, mas em seguida acrescenta: 
“porque tudo o que o Pai faz o Filho também faz” (5.19). Jesus está em tão 
completa dependência da direção de seu Pai que tudo o que ele diz ou faz é 
nadamais e nada menos que aquilo que seu Pai diz e faz."... Tudo o que digo”, 
ele afirma, “é apenas aquilo que meu Pai me mandou dizer” (12.50). Aliás, a 
maioria das passagens que sublinham a dependência e a qualidade de “enviado” 
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE 37
de Jesus funciona em seu respectivo contexto como a base da autoridade de Jesus 
(5.17-30; 6.29,32,33; 7.16,18,28,29; 8.16,29,42; 10.17,18; 11.41,42; 12.45,48,50; 
14.23,24,28-31; 17.2,7).
Essa é a magnificência da ironia: como homem, Jesus depende comple­
tamente de Deus; todavia, essa dependência é tão absoluta, tão pura, que, na 
realidade, tudo o que ele diz e faz é exatamente aquilo que Deus diz e faz, e, 
portanto, está amparado por toda a autoridade de Deus. O caráter absoluto da 
autonegação resultou no caráter absoluto da autoridade; mas essa autoridade 
agora está investida em uma pessoa encarnada, um ser humano que pode ser 
imediatamente percebido, tocado e ouvido por outros seres humanos. Ao 
pronunciar as palavras de Deus (3.34; 7.16; 8.26,38,40; 14.10,24; 17.8), realizar 
apenas as obras do Pai (4.34; 5.17,19ss.,30,36; 8.28; 14.10; 17.4,14) e fazer apenas 
a vontade do Pai (4.34; 5.30; 6.38; 10.25,37), Jesus está em perfeita submissão a 
seu Pai e simultaneamente exerce com ele perfeita autoridade sobre os homens.
Por causa dessa posição única em uma pessoa, o Senhor Jesus Cristo, 
segue-se que o homem que aceita o testemunho de Jesus atestou que Deus diz 
a verdade (3.33). A verdadeira fé que tem a vida eterna ouve a palavra de Jesus 
e acredita naquele que o enviou (5.24; cf. 14.24). Só Jesus viu o Pai (6.46), mas 
agora aquele que viu Jesus viu também o Pai (14.9). E, se tudo isso traz glória 
ao Pai (afinal, Jesus ora: “Eu lhe trouxe glória na terra ao completar a obra 
que você me deu para fazer” [17.4]), trata-se igualmente do método divino de 
garantir que todos os homens honrem o Filho assim como honram o Pai (5.23): 
“Aquele que não honra o Filho não honra o Pai, que o enviou”.
Estamos agora mais bem situados para entender João 14.10: “Você não crê 
que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que lhes digo não são 
apenas minhas [o grego é ainda mais forte: As palavras que digo a vocês eu não as 
digo de mim mesmo.]. Antes, é o Pai, vivendo em mim, que está fazendo sua obra”.
Jesus aqui fornece aos discípulos mais uma afirmação resumida de seu 
relacionamento com o Pai, algo que ele vem lhes ensinando desde o começo. 
Ele está insistindo em que suas palavras e obras são as palavras e obras do Pai, 
e, portanto, o Pai revelou-se em seu Filho. O que eles haviam testemunhado 
nesses últimos anos enquanto viviam e viajavam com Jesus é nada menos que 
a revelação do Pai no Filho.
As analogias não ajudam muito. Os pregadores muitas vezes compararam a 
encarnação à decisão de um grande e autocrático rei de trajar vestes de camponês 
e visitar seus súditos no nível deles, disfarçado, recusando-se a usar sua autoridade 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
régia para clamar por ajuda ou proteção quando precisasse. Mas a analogia, 
ao iluminar a missão do Filho, obscurece o relacionamento do Filho com seu 
Pai. Quem ficou em casa, no castelo do rei? As analogias nos desapontam; pois 
quem ou o que é intimamente análogo a Deus ou à encarnação do Filho que 
ele ama? Para sermos fiéis à verdade bíblica acerca dessas questões, precisamos 
insistir em que o Filho é ontologicamente Deus, divino em seu próprio ser; 
contudo, em sua missão como homem, é ao esconder sua própria glória e, em 
perfeita resposta ao Pai, ao mostrar com suas palavras e obras a glória de seu 
Pai que ele mais reflete a Deus. A revelação do Pai no Filho é o pano de fundo 
essencial do drama da redenção que está prestes a se desenrolar em Jerusalém, 
no monte das Oliveiras, no Gólgota e em um sepulcro vazio.
Essa é uma reivindicação crucial. Os discípulos continuam a pedir para 
ver o Pai, quando o tempo todo eles estão desfrutando da revelação mais clara 
possível do Pai, sem reconhecê-lo. Tão cegos são os olhos espirituais do homem 
que ele não consegue por si mesmo ver a luz em seu esplendor. Tao vagarosa é a 
mente do homem ao pensar sobre coisas espirituais que ele tropeça nas verdades 
centrais que foram ensinadas vezes sem fim.
Se os discípulos de Jesus apreenderem com mais firmeza que é ele próprio essa 
revelação do Pai, suas palavras de conforto terão maior efeito: “Não se perturbe o 
coração de vocês; confiem em Deus, confiem também em mim” (14.1).
2. Exortação a crer na revelação do Pai no Filho. Jesus então encoraja seus 
discípulos: “Acreditem em mim quando digo que estou no Pai e que o Pai está 
em mim; ou ao menos acreditem na evidência dos próprios milagres” (14.11).
A fé que os discípulos precisam ter em Jesus não é nem meramente pessoal 
nem vazia de conteúdo. A fé deles precisa ser pessoal no sentido de que cons­
titui fé no próprio Jesus; mas essa fé no próprio Jesus implica acreditar que as 
coisas que ele diz são verdade: “Acreditem em mim quando digo que...”. A fé 
na pessoa de Jesus precisa suscitar fé na verdade do conteúdo do que ele ensina. 
Nesse caso, o conteúdo do que ele ensina está ligado à sua pessoa, a quem ele é. 
Isso significa que acreditar na verdade do que ele ensina influirá na fé em Jesus 
como pessoa. O argumento está em um círculo, mas o círculo não é vicioso.
É triste que Jesus julgue necessário exortar seus seguidores mais próximos 
a acreditarem em suas palavras, e, portanto, a acreditarem que ele próprio é a 
revelação do Pai. Triste, de fato, mas não estranho. Não é nossa incredulidade 
prova suficiente do quanto a incredulidade é comum? Mesmo depois de termos
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE
recebido repetidas vezes a garantia de que Deus nos ama, de seu prazer soberano 
em abençoar seu povo com o que ele julga ser bom para nós, não voltamos ao 
ceticismo prático quando as circunstâncias difíceis parecem lançar dúvidas a 
respeito de sua bondade ou poder?
Os primeiros discípulos de Jesus em João 14 estão experimentando dificul­
dades de vários tipos. Eles talvez estejam demorando a entender intelectualmente 
a reivindicação ousada nos lábios de Jesus, repetida várias vezes, de que ele 
está no Pai e o Pai nele. Pior, eles estão desorientados tanto emocional como 
intelectualmente enquanto tentam entender essas palavras a respeito da morte, 
da traição, da partida de Jesus, da incapacidade deles de segui-lo no presente, 
e assim por diante. O que eles precisam acima de tudo é acreditar em Jesus, 
acreditar que o que ele está dizendo é verdade. Se apenas acreditarem, então 
as incertezas que cercam essas e outras grandes questões serão tragadas pela 
confiança de que Jesus é nada menos que a revelação do Pai. Não há fé mais 
fundamental para o triunfo espiritual do que essa.
Percebendo que a incredulidade dos discípulos perdurava, Jesus vai um passo 
além. "... Ao menos acreditem na evidência dos próprios milagres” (14.11). 
Jesus não nutre nenhuma ilusão em relação ao poder que seus milagres têm de 
suscitar a fé. Ele está ciente de que, depois do milagre estupendo da ressurreição 
de Lázaro, embora muitos judeus tenham sido encorajados a crer nele, o mesmo 
ato incitou outros a delatá-lo para as autoridades religiosas (11.45,46) — as quais, 
por sua vez, expandiram seu plano de matar Jesus e incluíram matar Lázaro 
(12.10,11). (A teoria deles era: se as evidências são particularmente persuasivas, 
livrem-se das evidências.) Afinal, não disse o próprio Jesus que "... se não ouvem 
Moisés e os profetas, não serão convencidos mesmo que alguém ressuscite dentre 
os mortos” (Lc 16.31)? Jesus repreende aqueles que não creem a não ser que 
vejam sinais milagrosos e maravilhas (4.48); e, em outras passagens, ele ensina 
que os milagres em si mesmos não provam que a pessoa que os está realizando 
seja boa ou verdadeira (Mt 24.24), porque os milagres podem ser realizados 
por falsos Cristos e falsos profetas. E sempre extremamente perigoso identificar 
toda manifestaçãodo sobrenatural com o divino — lição que a geração atual 
precisa desesperadamente aprender.
No entanto, admitir que os sinais e maravilhas não exigem necessariamente 
a fé ou notar que eles podem induzir a uma fé falsa não significa dizer que eles 
não têm nenhum valor evidenciai, nem que não possam ajudar a aprofundar 
a fé. Aos seus oponentes, Jesus diz: “... mesmo que não acreditem em mim,
40 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
acreditem nos milagres, para que possam aprender que o Pai está em mim, e eu 
no Pai” (10.38). O mesmo desafio é agora oferecido aos discípulos.
Faríamos bem em nos preocupar menos em como as pessoas alcançam a fé 
profunda e mais em que a fé seja verdadeira — verdadeira tanto subjetivamente 
(que haja confiança e compromisso genuínos) como objetivamente (que o 
objeto da fé seja verdadeiro). Alguns põem sua confiança em Jesus porque são 
conquistados pelo seu amor; outros porque temem a ameaça do juízo. Alguns 
aprendem a confiar em Cristo por causa do exemplo de outros cristãos; outros 
chegam à fé lendo as Escrituras por conta própria, sem nenhuma testemunha 
cristã por perto. Alguns vêm a Cristo porque são intelectualmente convencidos 
da verdade de suas reivindicações; outros vêm por causa do impacto de seus 
milagres. Nosso Deus soberano e gracioso usa todos esses meios e outros mais; 
não devemos desprezar nenhum deles, nem elevar um deles a uma posição de 
supremacia exclusiva, nem tampouco pensar que algum meio seja em si mesmo 
suficiente para induzir à fé.
Jesus, portanto, depois de brevemente afirmar mais uma vez que ele próprio 
é a revelação do Pai, encoraja seus seguidores a acreditar nessa verdade. Mas não 
se deve pensar que essa fé seja estéril, meramente intelectual, um tanto árida.
3. Os resultados de crer na revelação do Pai no Filho. “Digo-lhes a verdade: 
todo aquele que tem fé em mim fará o que tenho feito. Fará até mesmo coisas 
maiores que essas, porque estou indo para o Pai. E farei tudo o que vocês pedirem 
em meu nome, para que o Filho possa trazer glória ao Pai. Vocês podem pedir 
qualquer coisa em meu nome, e eu o farei” (14.12-14).
Ao que tem fé verdadeira em Jesus são prometidas duas coisas.
Primeiro, tal pessoa fará coisas maiores que as obras de Jesus. Mas o que 
significa “maiores”? Os cristãos realizarão atos mais sensacionais? E difícil 
imaginar milagres mais sensacionais que os de Jesus; “maiores” certamente não 
significa isso. Será que “maiores” significa “mais numerosos” ou “mais vasta­
mente espalhados”? Nesse sentido, os cristãos de fato fizeram coisas “maiores” 
que Jesus. Nós pregamos ao redor do mundo todo, vimos milhões de homens 
e mulheres se converterem, fornecemos auxílio, educação e alimentos a mais 
milhões ainda. As obras “maiores” talvez sejam, portanto, o ato de trazer os 
convertidos à igreja por meio do testemunho dos discípulos (cf. 17.20; 20.29) 
e a abundância de bondade que se origina das vidas transformadas.
Jesus diz que obras maiores ocorrerão “porque estou indo para o Pai”. 
Em outras palavras, a partida de Jesus por meio da morte e ressurreição para 
UMA INTRODUÇÃO À FÉ TRIUNFANTE 41
sua exaltação é a pré-condição da missão de seus discípulos. Porque ele “vai 
ao Pai”, a igreja embarca em sua missão. Além disso, a exaltação de Jesus é a 
pré-condição da descida do Espírito Santo prometido (7.39; 16.7), que trabalhará 
com os discípulos em seu testemunho (15.26,27; cf. 16.7-11). Por essas razões, 
os seguidores de Jesus realizarão obras “maiores”.
No entanto, embora essa explicação sem dúvida esteja correta, por que Jesus 
fala em obras “maiores”, quando essa explicação soa mais como se ele estivesse 
se referindo a “mais” obras?
Talvez seja útil comparar a passagem com uma afirmação de Jesus em 
Mateus 11.11: “Digo-lhes a verdade: Entre os nascidos de mulher não surgiu 
ninguém maior que João Batista; mas até mesmo o menor no reino de Deus é 
maior que ele”. O sentido da comparação é que, apesar da grandeza sem par de 
João Batista, ele nunca participou do reino do céu. Seu chamado o situou cedo 
demais na história da redenção para que essa participação fosse possível. Nesse 
sentido, a pessoa menos privilegiada que participa do reino é maior que João 
Batista. E uma grandeza de privilégio que está em jogo, uma grandeza que 
é conferida com o privilégio de participar da já inaugurada era escatológica.
Algo semelhante pode estar em vista em João 14. Jesus, com sua obra 
redentora, sua “ida ao Pai”, inaugura essa nova fase na história da redenção, e 
os discípulos, em sua missão, participam das obras peculiares a essa era escato­
lógica que já chegou. Em seu ministério terreno, Jesus nunca o fez. Sua obra 
trouxe essa era, mas então ele partiu e não participou dela (em sua presença 
física) depois do Pentecostes. Isso não quer dizer que os discípulos de Jesus sejam 
maiores que ele. Antes significa que suas obras são maiores que as dele nesse 
sentido, de que eles têm o privilégio de participar dos efeitos da obra concluída 
de Jesus. Até retornar ao Pai e outorgar o Espírito, tudo o que Jesus fez ainda 
estava necessariamente incompleto. Em contraste, as obras dos discípulos parti­
cipam da nova situação que veio a existir uma vez concluída a obra de Jesus. 
Suas obras são maiores no sentido de que têm o privilégio de ocorrer depois 
do momento desse cumprimento.
Essa tela magnífica precisa ser constantemente exposta aos olhos de toda 
testemunha cristã. Nossa fé em Jesus não nos empurra para um conflito em que 
estamos sozinhos, em que o resultado é incerto, em que a bênção prometida é 
reservada exclusivamente ao doce “logo mais”. Muito pelo contrário: nossa fé 
em Jesus nos empurra para um conflito em que a batalha decisiva já foi vencida, 
em que a prometida bênção escatológica já chegou, mesmo que ainda não tenha 
42 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
sido consumada. Aliás, nossos próprios esforços débeis participam do triunfo de 
Cristo e da obra de seu Espírito outorgado para chamar um exército inumerável 
de novos seguidores do Salvador e Mestre a quem temos o privilégio de servir. 
Essas são as verdadeiras dimensões de nosso chamado; e nossas atividades mais 
prosaicas precisam ser vistas contra esse vasto pano de fundo.
A segunda coisa prometida àqueles que depositam verdadeira fé em Jesus 
é a generosidade divina, a rica resposta às petições oferecidas em nome de 
Jesus, com o propósito de trazer glória ao Pai (14.13,14). Esse tema reaparece 
em vários lugares, notavelmente em 15.7,8,16 (cf. tb. 16.23,24); abstenho-me 
de examiná-lo até o capítulo 5 deste livro. Contudo, é importante observar já 
agora que essa promessa é para aquele que deposita sua fé em Jesus como a 
revelação de Deus. O encorajamento aos cristãos baseia-se em algo mais além 
da necessidade da fé se quisermos desfrutar da nova vida, em algo mais além da 
importância da fé para superar as tribulações da alma. O encorajamento a crer 
também realiza seu apelo ao apontar os privilégios esplêndidos que pertencem 
aos cristãos: a participação nas obras “maiores” que fluem da obra de Cristo e a 
participação na oração verdadeiramente frutífera. Em suma, a fé conhecedora, 
estável e triunfante não é meramente uma ação que estabiliza mentes atribuladas. 
Ela é antes a pré-condição de uma vida cristã frutífera, de orações ungidas que 
trazem as bênçãos do Jesus exaltado.
Tudo isso ocorre porque Jesus culmina sua obra como revelação do Pai ao 
“retornar ao Pai” por meio da cruz. A obra lhe foi custosa. Duas vezes ele revela 
que ele próprio está com o espírito profundamente atribulado (12.27; 13.21) 
enquanto contempla as horas que estão adiante; e, no entanto, essa mesma obra 
constitui a base por meio da qual ele pode dizer aos discípulos: “Não se perturbe 
o coração de vocês. Confiem em Deus; confiem também em mim” (14.1).
A vinda do Espírito da verdade
“Se vocês me amam, obedecerão àquilo que mando. E pedirei ao Pai, 
e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocêspara sempre 
— o Espírito da verdade. O mundo não pode aceitá-lo, porque não o 
vê nem o conhece. Mas vocês o conhecem, pois ele vive com vocês 
e estará em vocês. Eu não os deixarei órfãos; eu virei a vocês. Em 
pouco tempo, o mundo não me verá mais, mas vocês me verão. Por­
que eu vivo, vocês também viverão. Nesse dia vocês perceberão que 
eu estou no meu Pai, e vocês estão em mim, e eu em vocês. Aquele 
que tem meus mandamentos e obedece a eles, esse é quem me ama. 
Aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei 
e me revelarei a ele.”
Então Judas (não Judas Iscariotes) disse: “Mas, Senhor, por que 
pretendes revelar-te a nós e não ao mundo?”.
Jesus respondeu: “Se alguém me ama, obedecerá aos meus manda­
mentos. Meu Pai o amará, e nós viremos a ele e faremos nossa morada 
nele. Aquele que não me ama não obedecerá aos meus ensinamentos. 
Essas palavras que vocês ouvem não são minhas; elas pertencem ao Pai 
que me enviou”.
Nos primeiros catorze versículos de João 14, vemos Jesus encorajando 
seus discípulos a exercer a fé triunfante. Essa fé capta quem Jesus verda­
deiramente é, a revelação do Pai, e confia nele, superando assim o medo e o 
mal-estar suscitados pelas referências de Jesus à sua “ida” para o Pai. Afinal, 
Jesus voltará; e sua “partida” por meio da cruz completa sua missão e prepara 
um lugar na presença do Pai para os discípulos. O próprio Jesus é, portanto, 
o “caminho” que eles precisam trilhar para o Pai.
Mas esse conforto prometido desconsidera o período que se estende entre 
a partida de Jesus e sua volta, e é a essa lacuna que ele agora volta sua atenção. 
Ele promete enviar em seu lugar o Espírito da verdade.
Essa é a primeira de várias passagens do Discurso de Despedida que tratam 
do Espírito Santo, e todas elas se referem a ele como o Paráclito (14.15-21,25-27;
44 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
15.26,27; 16.7-15). A palavra Paráclito é uma transliteração aproximada da palavra 
grega parakeletos, que recebe várias traduções: “Confortador”, “Conselheiro”, 
“Defensor”, “Auxiliador”. Voltarei ao significado desse título mais adiante. Por 
ora, basta reconhecer que o propósito de Jesus aqui é delinear para os discípulos 
os preparativos que ele fez para ajudá-los durante sua ausência e que ele está 
apresentando um tema importante que será progressivamente desenvolvido.
Várias ênfases estão entrelaçadas nesses versículos. João mostra Jesus insis­
tindo nos seguintes pontos:
O Deus triúno faz-se presente aos discípulos de Jesus 
por meio do Espírito da verdade
Um dos aspectos mais notáveis do ensino de Jesus nessa passagem, no entanto, 
é que é o Deus triúno quem faz morada nos discípulos de Jesus. Esta verdade 
é inevitável: “Pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com 
vocês para sempre — o Espírito da verdade...” (14.16,17a). Até aqui aprendemos 
a respeito do envolvimento do Espírito com os discípulos, mas nada mais. Dois 
versículos depois, contudo, Jesus acrescenta: “Eu não os deixarei órfãos; eu virei 
a vocês” (14.18). E possível supor que Jesus está falando de sua volta na ressurreição 
(como parece ser o caso em 14.19) ou de sua volta no fim dos tempos (como 
em 14.3); contudo, talvez seja mais provável que ele esteja falando de estar 
pessoalmente presente entre os discípulos por meio do Espírito. Afinal, ele 
promete não deixar os discípulos órfãos, e a passagem como um todo trata do 
período entre sua partida e retorno final. Mais importante e menos ambíguo 
é o versículo 23: “... Se alguém me ama, obedecerá aos meus mandamentos. 
Meu Pai o amará, e nós viremos a ele e faremos nossa morada nele”. Aqui o Pai 
e o Filho fazem morada no cristão. Todas as três pessoas da Divindade estão, 
portanto, envolvidas.
Os autores do Antigo Testamento preocupavam-se com a ideia de Deus 
viver entre os homens. Na dedicação do Templo, o rei Salomão, ciente da total 
transcendência de Deus, exclama: “Mas fará Deus realmente morada na terra? Os 
céus, mesmo os mais altos céus, não podem contê-lo. Quanto menos o templo 
que edifiquei!” (iRs 8.27). Embora nem o homem nem suas estruturas possam 
conter Deus, mesmo assim Deus escolhe viver entre os homens. Os profetas do 
Antigo Testamento têm prazer na expectativa do dia em que tal intimidade será 
cotidiana. “Minha morada será com eles; serei seu Deus e eles serão meu povo”, 
A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE 45
Deus promete; e Ezequiel registra fielmente a promessa (Ez 37.27). ‘“Cante e se 
alegre, ó Filha de Sião. Porque eu estou vindo, e morarei entre vocês’, declarou 
o Senhor” (Zc 2.10). João insiste em que isso aconteceu historicamente na 
encarnação: “A Palavra se fez carne e viveu por um tempo entre nós...” (1.14). 
Mas agora somos levados uma etapa adiante: esse Deus revela-se ao cristão 
individual e faz morada nele. “Pedirei ao Pai”, Jesus promete, “e ele lhes dará 
outro Conselheiro para estar com vocês para sempre — o Espírito da verdade 
[...] Se alguém me ama, obedecerá aos meus mandamentos. Meu Pai o amará, 
e nós viremos a ele e faremos nossa morada nele” (14.16,17a,23).
Outros autores do Novo Testamento têm em alta estima o mesmo privilégio 
glorioso. “... Porque somos templo do Deus vivo...”, Paulo escreve. "... Como 
disse Deus: ‘Viverei com eles e caminharei entre eles, e serei seu Deus, e eles 
serão meu povo” (2Co 6.16; cf. Lv 26.12; Jr 32.38; Ez 37.27). Paulo ora para 
que o Pai "... os fortaleça com poder por meio de seu Espírito no íntimo de 
vocês, para que Cristo possa fazer morada em seu coração por meio da fé...” 
(Ef 3.16,17a). Tal experiência não deve tampouco ser exclusivamente coletiva. 
Mesmo que em uma igreja local inteira tenha início um processo de decadência 
(Ap 3.14-21), o Cristo exaltado continua a exclamar ao cristão individual'. “Aqui 
estou! Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, 
entrarei e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3.20).
Esse privilégio é parte da bênção da nova era. Ele é parte integral da vida 
eterna de que já desfrutamos. Essa vida aguarda a volta de Cristo para ser 
consumada, e, portanto, também o privilégio de experimentar a morada de 
Deus entre os homens aguarda o retorno de Cristo para ser consumado. Então 
ouviremos o brado fantástico: “... Agora a morada de Deus é entre os homens, 
e ele viverá com eles. Eles serão seu povo, e o próprio Deus estará entre eles e 
será seu Deus. Ele enxugará toda lágrima de seus olhos. Não haverá mais morte, 
nem tristeza, nem pranto, nem dor, porque a antiga ordem passou” (Ap 21.3,4).
Jesus insiste em que esse privilégio já é nosso em alguma medida. Um 
pouco depois, bem na iminência de sua ascensão, ele mais uma vez promete a 
seus seguidores: “... E certamente estarei com vocês para sempre, até o fim dos 
tempos” (Mt 28.20). O cristianismo, é verdade, é uma religião que se baseia 
diretamente na história espaço-temporal. Ele tem uma revelação proposi­
cional, confissões na forma de credos, padrões morais, expedições missionárias, 
adoração pública. No entanto, por mais essenciais que essas coisas sejam, um 
aspecto adicional não pode ser ignorado. O cristianismo reivindica ser o meio 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
pelo qual o homem pode conhecer a Deus e pelo qual Deus pode vir e fazer 
sua morada no homem. A ideia é espantosa; contudo, essa é a herança de todo 
verdadeiro cristão.
Muitas religiões prometem algum tipo de experiência mística com a 
divindade. Frequentemente essas religiões alegam que o próprio homem é 
deificado de alguma forma no processo. O ensino do Quarto Evangelho precisa 
ser distinguido de tais crenças. João não consegue vislumbrar a possibilidade 
de conhecer a Deus nem conceber um homem que seja morada de Deus fora 
da revelação histórica de Jesus Cristo e da remoção do pecado pelo retorno 
de Jesus ao Pai por meio da Paixão. Mesmo assim, em nossa insistência na 
verdade e nas realidades históricas centrais de nossa fé, não devemos mini­
mizar a promessa importantíssima dacomunhão experiencial com Deus. Essa 
intimidade, como veremos, depende de nossa obediência (14.15,21,23), mas 
não é nem um pouco menos real por isso. Nós, cristãos modernos, precisamos 
muito de um aprofundamento da consciência da presença sagrada de Deus 
em nós tanto quanto de renovação moral, de uma consciência histórica e de 
acuidade bíblica e teológica.
Amor Divino, maior de todos, 
alegria celeste, descida à terra, 
faze em nós tua humilde morada, 
coroada por tua fiel misericórdia.
Jesus, tu és pura compaixão, 
puro amor ilimitado tu és;
visita-nos com tua salvação; 
entra em todo aflito coração.
Sopra, oh, sopra teu amoroso Espírito
em todo peito atribulado;
que todos nós em ti herdemos,
em ti achemos o descanso prometido.
Tira de nós o amor pelo pecado, 
sê tu o Alfa e o Omega, 
o fim da fé e seu começo;
liberta nosso coração.
Todo-Poderoso, vem libertar; 
recebamos todos a tua vida, 
súbito voltemos e jamais,
A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE 47
jamais deixemos teus templos outra vez.
A ti para sempre bendiremos,
teus servos no alto nós seremos,
oraremos e louvaremos sem cessar
a glória de teu perfeito amor.
Conclui, então, tua nova criação; 
puros e imaculados sejamos nós;
vejamos tua grande salvação 
perfeitamente restaurada em ti;
transformados de glória em glória,
até que no céu nosso lugar tenhamos,
até deixarmos diante de ti nossa coroa, 
perdidos em assombro, amor e louvor.1
Agora estamos bem perto do mistério sublime da Trindade. O fato de a 
palavra Trindade não se encontrar nas Escrituras não precisa nos deixar alar­
mados. A palavra em si não é nada mais que uma forma conveniente de se referir 
a Deus assim como ele se revelou: como um só, único, e, contudo, existindo 
eternamente em três pessoas, todas igualmente Deus, de uma só substância, mas 
distintas em seu papel.
Em uma passagem anterior do Evangelho de João, aprendemos que todas 
as pessoas da Divindade estão envolvidas na missão de Jesus, ainda que com 
papéis distintos a desempenhar no drama da redenção: “Pois aquele que 
Deus enviou profere as palavras de Deus; a ele Deus dá o Espírito de forma 
ilimitada. O Pai ama o Filho e pôs tudo em suas mãos” (3.34,35). Conforme 
esse texto, o Pai ama o Filho e envia o Filho; o Filho é amado e enviado. 
O Pai dá o Espírito ao Filho, em medida ilimitada. O Filho o recebe e profere 
as palavras de Deus.
Quando o foco é o ministério do Espírito, vemos novamente que todas as 
pessoas da Divindade estão envolvidas (14.16-21,23,24). Jesus pede ao Pai que 
dê o Espírito aos discípulos; o Espírito é dado, e ele próprio é o meio pelo qual 
o Pai e o Filho estão presentes com os cristãos e nos cristãos. As distinções são 
ao mesmo tempo mantidas e diluídas: o Filho está indo embora e, portanto, 
envia o Espírito como substituto (distinção), mas a presença do Espírito nos
'Charles Wesley (1707-1788) [conhecido no Brasil como: Ó Amor divino, rico, disponível 
em: http://hinario.org/detail.php?id=428, acesso em: 27 dez. 2018].
http://hinario.org/detail.php?id=428
48 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
discípulos é igualmente a presença do Pai e do Filho (indistinção). Ainda que 
a palavra Trindade não seja parte do vocabulário de João, os ingredientes da fé 
trinitária estão todos ali.
O Paráclito, o Espírito da verdade, opera em 
muitos aspectos como o substituto de Jesus
Essa verdade fica clara graças a três aspectos. Primeiro, Jesus promete enviar 
em sua ausência “outro Paráclito” (14.16). No original grego, há dois vocábulos 
com significados em geral diferentes que podem ser traduzidos em nossa língua 
pela palavra “outro”. Por exemplo, Paulo, em Gálatas 1.6, expressa espanto pelo 
fato de os cristãos gálatas abandonarem tão rapidamente aquele que os chamou 
à graça de Cristo e se voltarem a “outro evangelho: que não é outro” (KJV). 
O primeiro “outro” realmente significa um evangelho diferente1, e o segundo 
“outro” significa “um evangelho do mesmo tipo”. É por isso que a NIV traduz 
a passagem de Gálatas assim: “... voltando-se a um evangelho diferente — que 
na verdade não é evangelho coisa nenhuma...”.
Em João 14.16, a palavra traduzida por “outro” na expressão “outro Pará­
clito” é a mesma palavra que o segundo “outro” em Gálatas 1.6,7. Jesus está 
prometendo não um Paráclito diferente, mas um Paráclito essencialmente do 
mesmo tipo que o próprio Jesus.
Isso, é claro, volta nossa atenção para a palavra Paráclito. Em que sentido 
Jesus é um Paráclito e em que sentido o Espírito Santo é outro Paráclito do 
mesmo tipo?
A palavra Paráclito, como indiquei, é notoriamente difícil de definir. 
Etimologicamente, a palavra parece referir-se a “alguém que é chamado a vir 
junto”; mas a etimologia em si mesma raramente determina o sentido de uma 
palavra. Ela está relacionada ao verbo que significa “encorajar” ou “exortar”; 
é possível, portanto, que um Paráclito seja aquele que encoraja ou exorta. 
A palavra é encontrada em contextos legais: um Paráclito pode ser um consultor 
ou conselheiro jurídico, ou talvez por vezes um advogado de acusação. O uso 
jurídico do termo predomina na literatura extrabíblica.
O fato é que praticamente todas essas funções são explicitamente atribuídas 
ao Espírito Santo no Discurso de Despedida, e provavelmente é por isso que o 
termo “paráclito” é usado. A palavra ostenta uma vasta gama de significados; 
todavia, ela é corretamente atribuída ao Espírito Santo, o Paráclito enviado da 
49A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE
parte do Pai, porque ele está envolvido em uma vasta gama de atividades em 
favor dos discípulos de Jesus. Veremos que o Espírito Santo, como advogado de 
acusação, expõe o pecado do mundo. Ele ajuda os cristãos em seu testemunho 
e os fortalece e conforta com sua presença. Ele fornece explicações adicionais 
a respeito da pessoa e o ministério de Jesus, atuando como agente de revelação. 
Em todos esses ministérios, o Espírito Santo é mostrado como ativamente 
envolvido (14.16,17,25,26; 15.26; 16.7-15).
Reconhecer essas coisas nos leva a refletir acerca do segundo aspecto desses 
versículos, que nos mostra que o Paráclito serve em muitos sentidos como o 
substituto de Jesus. Trata-se disto: de acordo com Jesus, o Paráclito prometido 
fará muitas das coisas que o próprio Jesus faz durante seu ministério. O Paráclito 
ensinará os discípulos, guiando-os a toda a verdade (16.13)? Ora, o próprio Jesus 
é conhecido como o Mestre (p. ex., 7.14; 13.13). O Paráclito dará testemunho 
da verdade diante de um mundo atento (15.26,27)? Assim fez Jesus durante 
seu ministério (p. ex., 8.14). O Paráclito convencerá o mundo de seu pecado 
(16.8-11)? Jesus também o fez (15.24). Além disso, mesmo que seja o Paráclito 
quem virá estar com os discípulos para sempre (14.16), esse mesmo Paráclito é o 
meio pelo qual o próprio Jesus e seu Pai fazem morada no cristão (14.23).
Isso não significa dizer que as funções do Espírito Santo e as funções do 
Filho de Deus sejam precisamente idênticas. Cada um dos dois adota alguns 
papéis não assumidos pelo outro. Só o Filho encarnou. Só ele morreu e ressuscitou. 
Só ele intercede por nós diante da glória do Pai, porque ele próprio sofreu como 
o sacrifício expiatório que desvia a ira divina, permitindo que a divindade seja 
justa e ao mesmo tempo justifique os ímpios (Rm 3.21-25; ljo 2.1,2). Aliás, a 
única passagem do Novo Testamento que claramente chama Jesus de Paráclito 
(traduzido por “aquele que fala em nossa defesa” na NIV) vislumbra Jesus 
nesse papel: “... Mas se alguém pecar, temos alguém que fala ao Pai em nossa 
defesa —Jesus Cristo, o Justo. Ele é o sacrifício expiatório por nossos pecados...” 
(ljo 2.1,2). O Espírito Santo intercede por nós em nossa fraqueza, rogando pelos 
santos de acordo com a vontade de Deus (Rm 8.26); no entanto, essa atividade 
não surge de qualquer sacrifício expiatório que ele próprio tenha realizado, mas 
de seu papel de auxiliador. Nem todos os feitos de Jesus podem ser repetidos 
pelo Espírito Santo.
Em contrapartida, Jesus estavafisicamente limitado no espaço durante seu 
ministério: se estava em Caná, ele não estava em Jerico ou em Cesareia. Em 
contraste, ao desempenhar seu ministério para nós, o Espírito Santo não está 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
limitado pelo espaço: ele simultaneamente faz morada nos cristãos em Montreal 
e em Moscou, em Baltimore e em Burton-on-Trent. Parte do ministério do 
Espírito não poderia ter sido reproduzida por Jesus durante seu ministério na terra.
Mesmo assim, depois de todas essas qualificações, uma leitura cuidadosa 
do Evangelho de João nos mostra que o Paráclito prometido por Jesus faz pelos 
discípulos muitas coisas que o próprio Jesus fez; e, ao fazê-lo, ele serve como 
substituto de Jesus.
O terceiro aspecto está no título dado a esse Paráclito: ele é o Espírito da 
verdade (14.17). A expressão é usada três vezes no Quarto Evangelho, sempre 
em referência ao Paráclito (14.17; 15.26; 16.13). A expressão é carregada de 
significados, sobretudo porque Jesus acabou de reivindicar ser a verdade (14.6). 
Entretanto, a expressão “Espírito da verdade” certamente significa mais do 
que “Espírito de Jesus, que é a verdade”. Isso fica claro quando examinamos o 
contexto das duas outras passagens em que o título ocorre. “Quando o Conse­
lheiro [Paráclito] vier [...], o Espírito da verdade que provém do Pai, ele dará 
testemunho de mim” (15.26). “Tenho muito mais a lhes dizer, mais do que vocês 
podem suportar agora. Mas quando ele, o Espírito da verdade, vier, ele os guiará 
a toda a verdade. Ele não falará de si mesmo; falará apenas aquilo que ouvir, e 
lhes dirá aquilo que ainda está por vir” (16.12,13). Em outras palavras, o Espírito 
da verdade é o Espírito que comunica a verdade. Em particular, ele comunica 
verdades adicionais acerca do significado da missão de Jesus — verdades que os 
discípulos ainda não são capazes de suportar.
Devemos nos alegrar no fato de que Jesus designou esse outro Paráclito 
como o Espírito da verdade. Se o Espírito Santo é aquele que completa a reve­
lação de Jesus Cristo ao explicar coisas que os discípulos não conseguiríam 
suportar ouvir naquele momento (16.12-15), então é reconfortante saber que 
ele é caracterizado pela verdade, porque podemos ter certeza de que seu teste­
munho será verdadeiro. Assim como Jesus autentica a veracidade da revelação 
bíblica que está diante dele (p. ex., Mt 5.17-20; Jo 10.35), assim também ele 
autentica a veracidade da revelação bíblica que ainda está por vir.
O Paráclito, o Espírito da verdade, é dessa forma um substituto admirável 
de Jesus. Ele ministra aos discípulos por meio de muitas das formas pelas quais 
Jesus ministrou; mas sobretudo ele lhes comunica uma explicação mais plena 
da missão de Jesus. Os próprios mistérios em torno da “partida” de Jesus ficarão 
claros quando o Espírito da verdade tiver elucidado a questão. Dessas muitas 
maneiras, o Paráclito prometido é o substituto adequado de Jesus.
A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE
Talvez um dos aspectos mais maravilhosos da promessa de Jesus de pedir 
ao Pai que envie outro Conselheiro (Paráclito) seja o próprio fato de Jesus se 
importar em fazê-la. Ele poderia simplesmente enviar o Espírito Santo sem 
antes ser tão solícito diante da confusão e do pesar de seus discípulos. Afinal, é 
Jesus quem enfrenta o Getsêmani e a cruz, não eles. Contudo, aqui é ele quem 
os consola: “Eu não os deixarei órfãos” (14.18) — sem provisão, sem amor, sem 
um guardião e auxiliador, sem um protetor e conselheiro, sem uma explicação 
para esses acontecimentos importantíssimos desenrolando-se diante dos olhos 
deles. Ele promete: “... eu virei a vocês” (14.18) — não só no fim dos tempos, 
mas também na pessoa do Paráclito, o Espírito Santo enviado como sucessor 
de Jesus e em muitos aspectos substituto de Jesus.
Não podemos evitar perguntar a nós mesmos a essa altura se adoramos a 
Deus Espírito Santo e se lhe damos a reverência e o amor que oferecemos ao 
Pai e ao Filho. O sucessor que Jesus designou não é inadequado para substituí-lo. 
Pelo contrário: ele deve ser para nós aquilo que Jesus era para seus próprios 
discípulos durante os dias de sua carne. Adoremos e sejamos gratos.
O Espírito da verdade, que não pode ser visto, vive para 
sempre com os discípulos de Jesus e nos discípulos de Jesus
O propósito do pedido de Jesus ao Pai de que o Pai envie o Espírito é que 
esse Conselheiro esteja com os discípulos de Jesus para sempre (14.16). Esse 
não é nenhum dom transitório: o abençoado Paráclito vem a nós não só em 
nossos melhores momentos, nem exclusivamente em tempos de necessidade 
esmagadora, mas sempre e para sempre. O Espírito Santo é concedido para 
que a presença divina possa estar com os discípulos para sempre. “... Vocês o 
conhecem”, Jesus então assegura aos seguidores, “porque ele vive com vocês 
e estará em vocês” (14.17).
As leituras em relação a esses dois últimos verbos variam. As palavras 
“porque ele vive com vocês” poderiam ser “porque ele viverá com vocês” (tudo 
o que é preciso no grego para a mudança de tempo verbal é uma mudança de 
ênfase); e as palavras “e estará em vocês” são trocadas em muitos manuscritos 
por “e está em vocês”. Eu suspeito que o debate acadêmico nesse caso faça 
pouca diferença para o sentido. O Evangelho de João claramente insiste em que 
o Espírito Santo não foi concedido antes de Jesus ter sido glorificado (7.39); 
assim, é pouco provável que João aqui esteja defendendo que os discípulos
O DISCURSO DE; DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
desfrutaram da presença do Espírito Santo antes da glorificação de Jesus. Dentro 
da própria passagem Jesus promete que pedirá ao Pai que envie outro Conse­
lheiro: a pressuposição é que, no momento em que Jesus está falando, esse outro 
Conselheiro ainda não chegou.
O fato é que João regularmente situa as coisas no presente mesmo quando 
está se referindo ao futuro. A cruz, a ressurreição, a ascensão, a glorificação, o 
envio posterior do Espírito Santo — tudo isso é visto como um só grande evento. 
Aliás, esse evento figura de forma tão predominante no pensamento de Jesus que, 
no período que o antecede, Jesus começa a falar a respeito dele como se já tivesse 
ocorrido, ou ao menos como se estivesse ocorrendo naquele momento. Poucos 
dias antes, ainda um bom tempo antes da Paixão, Jesus pôde olhar para ele com 
uma estranha mistura de tempos verbais: “Agora meu coração está atribulado, 
e o que direi? ‘Pai, salve-me desta hora’? Não, foi por esta razão que vim a esta 
hora [...] Agora é o tempo do julgamento deste mundo; agora o príncipe deste 
mundo será expulso. Mas eu, quando for levantado da terra, atrairei todos os 
homens a mim” (12.27,31,32).
Em nossa língua nós às vezes usamos o tempo presente para aludir ao futuro. 
“Estou indo à cidade amanhã”, dizemos, em vez de “Irei à cidade amanhã”. 
De forma semelhante, não é improvável que os verbos no versículo 17 estejam 
no presente, mas tenham sentido futuro: o Espírito Santo viverá com vocês 
e estará em vocês. Talvez algum escriba posterior, percebendo que esse era o 
sentido, mexeu nos manuscritos para deixar o texto explicitamente no futuro: 
isso poderia explicar as variantes textuais.
O mais importante é que Jesus fala de o Espírito Santo estar com os discípulos 
e nos discípulos. Essa distinção é importante. Não é que “com vocês” se refira à 
presença do Espírito Santo na igreja, enquanto “em vocês” se refere à presença do 
Espírito Santo no cristão individual, porque “com vocês” e “em vocês” poderíam 
se aplicar igualmente tanto à igreja como ao cristão. “Com vocês” sugere antes 
uma associação, um partilhar pessoal, uma espécie de comunhão; “em vocês” 
sugere verdadeira morada no íntimo. Os cristãos desfrutam de associação íntima 
com o Espírito Santo e simultaneamente constituem morada para ele.
É importante reter ambas as perspectivas. Quando a primeira se perde e 
falamos apenas do Espírito “em” nós, há uma tendência a deslizar para um misti­
cismo que não distingue adequadamente entreo Espírito Santo e nós mesmos. 
Nossos desejos, nossas esperanças, nossas vontades podem então ser indistin­
guíveis em nossa mente dos desejos e das incitações do Espírito Santo. Na pior
A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE
das hipóteses, o homem deifica-se a si mesmo, o que resulta ou no nascimento 
de uma nova religião, como Eckankar, com suas raízes no hinduísmo, ou em 
uma loucura megalomaníaca do tipo que produziu JimJones.
Quando a primeira perspectiva é retida em detrimento da segunda, e as 
pessoas falam apenas do Espírito “com” elas, mas não “nelas”, a maravilha da 
operação do Espírito no Novo Testamento, de se dignar habitar em nós, tende 
a ser desconsiderada. Jesus não pediu para seu Pai enviar um Paráclito que 
meramente estaria com eles. Seus discípulos precisavam de mais do que isso: 
eles precisavam da própria presença interior daquele que lhes dá nova vida, que 
os santifica. Esse Paracleto toma a presença da divindade tão imediata (o Deus 
triúno fazendo morada no homem por meio do Espírito!) que eles nunca mais 
precisam ver a si mesmos como órfãos abandonados.
Assim, o Espírito Santo é ao mesmo tempo exterior a nós e está dentro de 
nós. O fato de que ele é exterior preserva sua transcendência, preserva o abismo 
ontológico entre Deus e nós. Embora escolha viver em nós, ele não pode ser 
reduzido a limites tão estreitos, e, se pudesse, ou nós seríamos Deus ou ele não 
seria Deus. Além disso, o fato de que ele é exterior a nós, embora esteja em nós, 
prepara o palco para alguns de seus outros papéis. Por exemplo, quando convence 
o mundo do pecado (16.8), ele pode fazê-lo por meio de nosso testemunho — 
mas também pode fazê-lo independentemente de nosso testemunho.
O fato de que ele escolhe viver em nós está no centro da experiência e 
da esperança cristãs. Já vimos neste capítulo que o Deus triúno se faz presente 
aos discípulos de Jesus por meio do Espírito Santo. O Espírito Santo é, assim, 
aquele por meio de quem já provamos um pouco da alegria da era vindoura, 
quando nosso conhecimento de Deus será irrestrito. A essência da vida eterna 
é verdadeiramente conhecer a Deus e a Jesus Cristo, que Deus enviou (17.3); e 
agora, no período entre a Paixão/glorificação de Jesus e seu retorno, desfrutamos 
de um gosto antecipado desse conhecimento por meio do Espírito. E por isso 
que Paulo pode repetidamente referir-se ao Espírito Santo como o “adianta­
mento” de nossa herança prometida: ele está meramente elucidando aquilo que 
o próprio Jesus ensinou.
Talvez seja esse o sentido das palavras finais do versículo 19: "... Porque 
eu vivo, vocês também viverão”. O versículo, admito, é ambíguo, mas talvez 
seja melhor lê-lo neste sentido: “Em pouco tempo, o mundo não me verá 
mais (i.e., depois de minha morte o ‘mundo’ não me verá mais, já que em 
minha forma ressuscitada eu não me mostrarei ao mundo; e então subirei ao
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Pai, onde o mundo certamente não pode me ver), mas vocês me verão (i.e., 
depois de minha ressurreição, vocês, cristãos, me verão).2 Porque eu vivo 
(i.e., depois de minha ressurreição), vocês também viverão (i.e., por causa de 
minha ressurreição, da qual vocês serão testemunhas, eu subirei e pedirei ao Pai 
que envie o Paráclito, o qual também lhes dará vida — vida para ser desfrutada 
agora, mesmo que só seja consumada em minha volta)”. Como Jesus diz poste­
riormente: “... é para o bem de vocês que estou partindo. A não ser que eu vá, 
o Conselheiro não virá a vocês; mas, se eu for, eu o enviarei a vocês” (16.7).
2Cf. tb. Atos 10.41: “Ele não foi visto [depois da ressurreição] por todos, mas por testemu­
nhas que Deus já havia escolhido — por nós, que comemos e bebemos com ele depois de ele 
ressuscitar dentre os mortos”. Muitos julgam que a promessa em João se refere à capacidade dos 
discípulos de “ver” Jesus por meio do Espírito depois de o Espírito ter sido enviado, não como 
referência às aparições do Jesus ressuscitado. Os argumentos são complexos em ambos os lados, 
e por uma questão de brevidade os omitirei. Em geral, contudo, parece haver uma tendência 
exagerada entre comentaristas modernos a reduzir tanto as aparições pós-ressurreição como 
a parousia ao ministério do Paráclito. No que diz respeito às aparições da ressurreição, João 
se esforça consideravelmente para detalhar uma coleção representativa delas; de modo que é 
praticamente impossível conceber que nenhuma das promessas do Discurso de Despedida que 
versam a respeito de ver Jesus de novo se refira a ver o Cristo ressuscitado.
O Espírito Santo tem muitas funções. Outras são reveladas e expostas em 
seções posteriores do Discurso de Despedida, e outras ainda estão espalhadas 
pelo Novo Testamento. Mas a maioria delas está relacionada a esta primeira e 
rica promessa: o Espírito Santo é concedido como aquele que vive com e nos 
discípulos de Jesus.
O mundo e os discípulos de Jesus se relacionam de formas 
diferentes com o Espírito da verdade
“... O mundo não pode aceitá-lo, porque não o vê nem o conhece. Mas vocês 
o conhecem, pois ele vive com vocês e estará em vocês [...] Aquele que tem 
meus mandamentos e obedece a eles, esse é quem me ama. Aquele que me ama 
será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me revelarei a ele” (14.17,21).
Isso provoca uma pergunta de Judas (não Judas Iscariotes, que já saíra do 
aposento, 13.30), mencionado também em Lc 6.16 e At 1.13: “... Mas, Senhor, 
por que você pretende se revelar a nós e não ao mundo?” (14.22). A pergunta 
na mente de Judas provavelmente tem sentido geral, sem nenhuma tentativa de 
distinguir entre a manifestação de Jesus na forma da ressurreição e sua mani­
festação pelo Espírito. O problema que Judas enfrenta é que ele não consegue 
A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE 55
imaginar de que forma o Messias, como era popularmente concebido, poderia 
se revelar aos devotos, mas não ao mundo, nem por que ele desejaria fazer isso. 
Se Jesus é o Messias, não derrubará ele o poder de Roma e liderará o povo e a 
nação rumo a uma gloriosa ascendência, que ultrapassará até mesmo o apogeu 
dos reinados de Davi e Salomão? Como podia o Messias ter uma natureza que 
sai de cena? Similarmente, não haviam os irmãos de Jesus protestado: “Nenhuma 
pessoa que deseja se tornar pessoa pública age em segredo. Já que você está 
fazendo essas coisas, mostre-se ao mundo” (7.4)? A verdadeira pergunta na mente 
de Judas, portanto, diz respeito à natureza e à validade do messianismo de Jesus, 
não à distinção entre sua vinda aos seus discípulos depois da ressurreição e sua 
vinda aos discípulos por meio do Espirito.
A resposta é apresentada nesse segundo sentido, mas com ênfase no 
contraste entre os incrédulos e os discípulos: “... Se alguém me ama, obedecerá 
aos meus mandamentos. Meu Pai o amará, e nós viremos a ele e faremos nossa 
morada nele. Aquele que não me ama não obedecerá aos meus ensinamentos...” 
(14.23,24a). Judas questiona a validade do messianismo de Jesus; Jesus implici­
tamente questiona a validade do discipulado de seus seguidores.
E extremamente importante entender o que João quer dizer com a palavra 
mundo. A não ser por alguns casos em que a palavra “mundo” se refere à terra 
física, ao globo criado, a palavra sempre tem valor negativo. O “mundo” em João 
é um símbolo para tudo aquilo que está em rebelião contra Deus, tudo aquilo 
que é sem amor e desobediente, tudo aquilo que é egoísta e pecaminoso. Desse 
modo, quando lemos em João 3.16 que “... Deus de tal forma amou o mundo 
que deu seu Filho unigênito...”, não devemos pensar que o amor de Deus esteja 
sendo exaltado com referência à vastidão do mundo, mas, sim, com referência à 
sua maldade. Esse mundo feio, pecaminoso, rebelde, esse esgoto de infidelidade, 
esse amontoado de egoísmo sem fim, essa morada da crueldade, esse amante 
da violência, esse promotor da ganância, esse criador de ídolos — Deus amou 
esse mundo, e amou de tal forma que enviou seu Filho.
Esse mundo, diz Jesus, não pode aceitar o Espírito da verdade, porquenão 
o vê nem o conhece (14.17). Quem, então, pode receber o Espírito? A resposta 
é repetida vezes sem fim. “... Se vocês me amam, obedecerão àquilo que mando. 
E pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para 
sempre” (14.15,16). “Aquele que tem meus mandamentos e obedece a eles, esse 
é quem me ama. Aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o 
amarei e me revelarei a ele” (14.21). “Se alguém me ama, obedecerá aos meus 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
mandamentos. Meu Pai o amará, e nós viremos a ele e faremos nossa morada nele. 
Aquele que não me ama não obedecerá aos meus ensinamentos...” (14.23,24a).
Em outras palavras, aquele que ama a Jesus obedece aos seus ensinamentos, 
e é apenas a essa pessoa que Jesus se manifesta pelo Espírito Santo. Aquele que 
não ama Jesus não obedece aos seus ensinamentos; essa pessoa identifica-se 
com o mundo e não pode aceitar o Espírito da verdade. O mundo representa 
a humanidade em contraste com Deus, e o Espírito da verdade é tão estranho 
a esse mundo desgraçado que o mundo não o reconhece. A tragédia está na 
circularidade do dilema: porque não ama a Cristo, a pessoa está fechada para os 
ensinamentos de Cristo; esses ensinamentos dizem respeito, em parte, ao Espírito 
por meio de quem Cristo se manifesta. Consequentemente, essa pessoa, igno­
rante a respeito do Espírito, não está ciente de Cristo e de seus ensinamentos. 
A pessoa que pertence ao mundo está presa nesse círculo miserável, um círculo 
nascido de sua própria incredulidade, desobediência e amor-próprio. A ideia 
aproxima-se bastante da situação aparentemente desesperançada descrita por 
Paulo: “O homem que não tem o Espírito não aceita as coisas que procedem do 
Espírito de Deus, pois são loucura para ele, e não consegue entendê-las, porque 
elas são discernidas espiritualmente” (lCo 2.14).
Essas observações tão importantes nascem do contraste entre o cristão e 
o mundo. A primeira é feita explicitamente no texto. Trata-se do seguinte: o 
crescimento do cristão no conhecimento de Deus e na experiência do Espírito 
Santo depende ao menos em parte de seu amor por Cristo e de sua obediência 
a ele. O conhecimento profundo das coisas divinas não pode ser adquirido 
meramente pelo estudo e pela observação cuidadosa.
Alguns evangélicos atuais dão a impressão de que o único fator essen­
cial em conquistar pessoas para Cristo é a proclamação do evangelho com 
a roupagem apropriada. Eles parecem pensar que, se tão somente a igreja 
aprender a dar testemunho adequadamente aos vários povos do mundo, um 
vasto número de homens e mulheres certamente será salvo. Aplaudo a tentativa 
de nos tornar conscientes das profundas barreiras culturais graças às quais 
a expressão do evangelho é muito mais difícil do que às vezes se pensa. O 
isolamento e a identificação dessas barreiras ajudarão o testemunho cristão a 
evitar reações negativas desnecessárias e ajudarão a garantir que, quando ele 
causar ofensa, esta terá sido suscitada pela verdade do evangelho, e não por sua 
própria ofensividade inepta. Contudo, uma vez feitas essas ressalvas, é preciso 
lembrar que o apóstolo João não é tão otimista em relação à receptividade 
A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE 57
do mundo. O Quarto Evangelho não encoraja a ideia de que a comunicação 
polida é necessariamente uma comunicação eficaz.
O conhecimento de química, física ou literatura inglesa depende da aqui­
sição de fatos e do acúmulo de experiência em pesar esses fatos. O conhecimento 
das coisas sagradas, em contrapartida, depende em igual medida do amor a 
Cristo e da obediência a ele. Jesus insiste em que o mundo o odeia porque 
ele dá testemunho de que suas obras são malignas (7.7) — e não por causa de 
objeções epistemológicas incontornáveis. A certa altura, Jesus acusa: “... porque 
lhes digo a verdade, vocês não acreditam em mim” (8.45). Acusação mais triste 
do que essa seria impossível. Já seria triste o bastante se, apesar do fato de Jesus 
dizer a verdade, não acreditassem nele; mas se é porque ele fala a verdade que 
não acreditam nele, então a mera enunciação da verdade pelos comunicadores 
mais talentosos não poderá garantir nenhum resultado senão multiplicar o ódio 
direcionado a ele. O mundo não consegue aceitar o Espírito da verdade.
Em contraste, os verdadeiros discípulos de Jesus o amam, e a consequência 
desse amor é a obediência a ele. Em razão dessa obediência amorosa, a esses 
discípulos é concedido o Espírito da verdade, o Conselheiro, que viverá com 
eles e estará neles. Aquele que ama a Jesus é amado pelo Pai, e o Deus triúno 
faz morada nele (14.21,23). Sempre foi assim, pois Deus declara: “Amo aqueles 
que me amam, e aqueles que me buscam me encontram” (Pv 8.17).
Se as bênçãos de Deus são concebidas para aqueles que amam a seu Filho 
e são obedientes a ele, fica claro que o versículo 15 não está onde está por puro 
acidente ou verbosidade impensada. O versículo segue-se às grandes promessas 
de que aqueles que têm fé em Cristo farão coisas maiores que o próprio Cristo 
e aprenderão a orar eficazmente em nome de Jesus. O mesmo versículo precede 
a promessa de Jesus de pedir ao Pai que envie outro Conselheiro, o Espírito da 
verdade. Em outras palavras, a injunção de amar e obedecer a Cristo é cercada 
por promessas; ou, por outra perspectiva, no centro das promessas está a 
pressuposição de que os recebedores das promessas amarão a Jesus e obedecerão 
a ele. Parece também que amar a Jesus, obedecer a Jesus e ter fé em Jesus são 
elementos de um mesmo todo indivisível. É impossível realmente amá-lo sem 
confiar nele e obedecer a ele. E impossível realmente obedecer a ele sem amá-lo 
e confiar nele. É impossível realmente confiar nele sem amá-lo e obedecer a ele. 
No entanto, aquele que realmente ama a Jesus Cristo, obedece a Jesus Cristo e 
confia em Jesus Cristo é aquele que recebe o Espírito da verdade e as bênçãos 
que ele traz.
58 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
A segunda observação que nasce do contraste entre o cristão e o mundo 
nessa passagem é implícita, mas importante: a passagem não está interessada em 
explicar como um membro do mundo se torna um discípulo de Jesus Cristo.
Até aqui quase se poderia pensar que o mundo e os cristãos constituem 
dois grupos tão mutuamente excludentes que uma pessoa jamais poderia passar 
de um para o outro. As pessoas do mundo são cegas à aparição do Espírito 
e surdas à sua voz, como podem elas quebrar as correntes do mundo? A essa 
altura é essencial lembrar que todo verdadeiro discípulo já pertenceu ao mundo, 
de modo que sem dúvida é possível escapar das corrupções do mundo. Todo 
cristão é testemunha desse fato. Como o próprio Jesus disse um pouco mais 
tarde: “... Vocês não pertencem ao mundo, mas eu os escolhi e os tirei do 
mundo...” (15.19).
Contudo, quando lemos as palavras “Aquele que tem meus mandamentos 
e obedece a eles, esse é quem me ama. Aquele que me ama será amado por meu 
Pai, e eu também o amarei e me revelarei a ele” (14.21), não devemos pensar 
que possamos de alguma forma conquistar o amor do Pai e o amor de Jesus 
sendo obedientes e amorosos. Não podemos extrair de Deus o seu amor com 
nossa obediência; e, se pudéssemos, não valeria a pena tê-lo. A verdade é que 
Deus amou o mundo de tal maneira que enviou seu Filho (3.16): enquanto ainda 
éramos pecadores, Cristo morreu por nós. João comenta em outra passagem: 
“Nisto consiste o amor: não que nós amamos a Deus, mas que ele nos amou 
e enviou seu Filho como sacrifício expiatório por nossos pecados” (ljo 4.10). 
Não obstante, uma vez que a pessoa se tornou seguidora de Jesus, ela precisa 
entender que esse relacionamento é caracterizado por fé, amor e obediência 
e que dentro desse quadro ela experimenta o amor de Deus de uma forma 
especial. O mundo incrédulo, em contraste, tem apenas a expectativa da ira 
de Deus (3.36).
No entanto, João 14.15-24 não discorre a respeito de como a pessoa 
pode escapar do mundo e tornar-se seguidorade Jesus. Esse tema é abordado 
mais adiante, onde aprendemos, entre outras coisas, que o discípulo de Jesus 
é escolhido e tirado do mundo (15.19) e é objeto do testemunho cristão 
(15.26,27) e do ministério do Conselheiro, que o convence de sua culpa 
(16.8-11). A presente passagem não trata de tais questões. Ela se concentra 
apenas no contraste entre as duas comunidades, a comunidade do mundo e a 
comunidade de Cristo.
A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE
Esse contraste é de importância fundamental. Há duas comunidades, apenas 
duas. A passagem, portanto, força os cristãos a examinarem a si mesmos para 
ver se sua vida é caracterizada por amor a Cristo, obediência a Cristo e fé em 
Cristo, bem como por uma consciência aprofundada dos abismos insondáveis 
do amor de Deus, ou se é caracterizada pelo mundanismo como o Quarto Evan­
gelho o apresenta. Não há meio-termo, por mais arduamente que busquemos 
criá-lo. A dualidade explícita nos confronta com uma exigência inclemente 
de compromisso total. Se o texto se abstém de comentar anomalias como o 
sujeito que se desvia temporariamente ou o cristão que continua em uma dieta 
líquida quando já deveria ter passado ao alimento sólido (e.g., Hb 5.11-14), 
ao menos ele retrata sem ambiguidade que ou ele é filho de Deus ou filho do 
Diabo, ou é seguidor de Jesus ou seguidor do mundo, ou é alguém que desfruta 
da presença do Espírito da verdade ou alguém que não pode aceitá-lo. Tudo 
o mais é explicação capciosa ou desculpa fraca.
O mundo e os discípulos de Jesus se relacionam de formas diferentes com 
o Espírito da verdade.
O Espírito da verdade é concedido pelo Pai aos cristãos em 
virtude da morte/ressurreição/exaltação e intercessão de Jesus 
“Pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para 
sempre — o Espírito da verdade...” (14.16,17a). Esse “pedir” obviamente depende 
da ida de Jesus, de sua “partida”; porque depois ele diz: “... é para o bem de vocês 
que estou partindo. A não ser que eu vá, o Conselheiro não virá a vocês; mas, 
se eu for, eu o enviarei a vocês” (16.7). Como João explica, o Espírito Santo 
só poderia vir depois de Jesus ter sido glorificado (7.39). Uma vez ocorrida a 
“partida” — a morte/ressurreição/exaltação — de Jesus, ele enviará o Conselheiro 
(16.7) ou pedirá ao Pai que o envie (14.16). Em outras palavras, tanto o Pai 
como o Filho estão envolvidos no envio do Espírito Santo (cf. 15.26); mas esse 
evento só ocorre em decorrência da obra de Cristo na cruz e de seu triunfo.
O tema da redenção está entremeado no tecido do Evangelho de João de 
forma um tanto sutil. Observamos alguns de seus aspectos no último capítulo; 
agora ele volta sob uma nova aparência. Jesus certa vez ensinou: “... Chegou 
a hora de o Filho do homem ser glorificado. Digo-lhes a verdade, a não ser 
que o grão de trigo caia na terra e morra, continua a ser uma só semente. Mas, 
se morre, ele produz muitas sementes” (12.23,24). Jesus agora está prestes a 
ser “glorificado” por meio da cruz; e, em sua morte/ressurreição/exaltação, a
60 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ULTIMA ORAÇÃO DE JESUS
nova vida de Jesus significa vida para os cristãos: Porque eu vivo”, insiste
Jesus, “vocês também viverão” (14.19). O meio pelo qual o lucro vitorioso da 
glorificação de Jesus é conferido a seus seguidores é o comissionamento do 
Espírito Santo.
Todavia, isso pressupõe que o Espírito Santo não poderia ter sido enviado 
se não fosse a obra de Cristo na cruz, sua ressurreição e sua exaltação. A 
consumação bem-sucedida da missão de Cristo possibilita a missão do Espírito. 
Isso também depõe de forma convincente contra qualquer interpretação desses 
versículos que condicione a vinda do Espírito, seja lá como for, à conduta 
meritória do cristão. Em vez disso, o Espírito desce sobre os cristãos em 
virtude da morte/ressurreição/exaltação de Cristo, de seu retorno triunfante 
à presença do Pai, de sua redenção consumada; e aqueles sobre quem ele 
desce, longe de serem a causa de sua vinda, são caracterizados por determi­
nado relacionamento com Jesus, um relacionamento de amor, obediência e 
confiança. Aqueles que professam ser cristãos precisam assumir como sua 
responsabilidade amar a Jesus, obedecer-lhe e confiar nele, mas não devem 
pensar que, ao fazê-lo, conquistam seu favor e seus dons. Estes derivam de 
sua própria “partida” triunfante por meio da cruz e da intercessão que o Pai, 
nessa base, não pode negar.
Voltamos ao mistério da Trindade: Deus é um; no entanto, ele revelou 
ser de uma só substância, mas eternamente existindo em três pessoas. O que 
esses versículos — e de fato grande parte do Quarto Evangelho — mostram é 
que, em cada ponto do plano da redenção, todas as três pessoas da Divindade 
operaram em nosso favor. O Pai ama o Filho, mas também ama o mundo, 
mesmo que o mundo seja caracterizado por rebelião e iniquidade. Ele ama o 
mundo a tal ponto que envia seu Filho como seu Redentor; e ele ama o Filho 
e põe todas as coisas em suas mãos. O Espírito vem sobre o Filho de forma 
completa, capacitando o Filho encarnado a cumprir sua missão e servindo 
como testemunho público de que Jesus é de fato o Filho ungido de Deus. 
O Filho morre, um sacrifício voluntário, a expiação do pecado; e, assim, ele 
demonstra a imensidão de seu próprio amor por nós: "... tendo amado os seus 
que estavam no mundo, ele agora lhes mostrou a plena extensão de seu amor” 
(13.1). Retornando por meio da ressurreição e da ascensão à presença do Pai, 
à glória de que havia desfrutado com o Pai antes da ressurreição, ele intercede 
diante do Pai em nosso favor e junto com o Pai envia o Espírito Santo como 
outro Conselheiro. Mesmo nesse dom, o Filho não nos abandonou como 
A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE 61
órfãos: o dom do Espírito Santo é sinal do amor do Filho e do Pai, assim 
como é resultado do triunfo do Filho na cruz. E esse Espírito Santo, esse 
Conselheiro, vem a nós como aquele que agora torna a presença do Filho e 
do Pai real para nós.
Nossa mente finita, mesmo ampliada à sua capacidade máxima, mal 
compreende essas afirmações isoladamente. Entender plenamente a dimensão, 
a profundeza e a totalidade do plano da salvação e adorar adequadamente ao 
Deus triúno que a efetua será um trabalho para toda a eternidade: na verdade, 
a própria eternidade será breve demais para isso.
Louvor imortal rendemos
ao amor de Deus Pai.
Por todos os nossos confortos
e celestial esperança,
ele enviou seu Filho eterno
para morrer pelos nossos pecados.
A Deus Filho pertence
a glória imortal também,
o qual da miséria eterna
com seu sangue nos comprou;
e agora vive, e agora reina, 
e de suas dores vê o fruto.
Ao nome de Deus Espírito 
rendei imortal adoração,
seu poder de criar o novo
dá vida ao morto pecador.
Sua obra completa o grande plano
e de júbilo divino enche a alma.
A ti, Todo-Poderoso,
sejam prestadas honras sem fim,
os Três indivisos
e o Uno misterioso.
Onde falha a razão, com seus poderes, 
prevalece a fé, e adora o amor.3
3Isaac Watts (1674-1748).
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
A revelação dessas verdades é em si mesma um reflexo 
da revelação de Deus por meio de Jesus Cristo
A seção conclui com a frase: “... Essas palavras que vocês ouvem não são minhas; 
elas pertencem ao Pai que me enviou” (14.24b). Na verdade, o texto grego faz 
referência a palavra ou à mensagem que vocês ouviram, a não a palavras (plural). 
Jesus está garantindo a seus discípulos que a própria “palavra” da parte dele 
não é produto de uma imaginação versátil, mas é a mensagem que o Pai lhe 
entregou para que a entregasse a nós. Ela é nada menos que a Palavra de Deus.
O versículo lembra ênfases anteriores em João 14, exploradas no segundo 
capítulo deste livro. Jesus é a revelação do Pai, aquele que em seu próprio ser 
expõe o Pai aos homens; no entanto, precisamente porque ele depende de seu 
pai dessa maneira, tudo o que ele diz e faz não é nada mais, nada menos que o 
dizer e o fazer do Pai. Jesus garante aos discípulos que seu ensinamentoa respeito 
do Conselheiro vindouro pertence à mesma categoria de seus outros ensina­
mentos: sua origem última é o Pai. O Filho não está agindo independentemente 
ao executar o plano da redenção, mas está operando em profunda harmonia 
com seu Pai; portanto, tudo o que ele ensina é precisamente a Palavra de Deus. 
A certeza fica assim duplamente segura; a fé trêmula recebe uma rocha maior 
para repousar. E a incredulidade fica ainda mais horrenda.
Observação: Na exposição dessa passagem, presumi que o Espírito Santo é 
uma pessoa e que as formulações trinitárias tradicionais são tanto bíblicas como 
verdadeiras. Não tentei defender a doutrina da Trindade (a não ser, talvez, impli­
citamente), nem tentei provar que o Espírito Santo é uma pessoa. Isso porque 
a passagem diante de nós não trata essas questões como suas preocupações 
principais, ainda que, ao meu ver, pressuponha seus ingredientes essenciais.
Talvez seja proveitoso listar algumas razões por que creio que as Escrituras 
ensinam que o Espírito Santo é tanto uma pessoa como divino. A lista não é 
completa nem detalhada, mas reflete diversas linhas de raciocínio bastante 
diferentes que, combinadas, são convincentes.
Primeiro, tanto nessa passagem como em muitas outras, o Espírito Santo 
realiza ações pessoais. O Paráclito é uma pessoa que vem como sucessor e, em 
muitos aspectos, substituto de Jesus: uma mera influência ou qualquer coisa 
menos pessoal e menos divina que o próprio Jesus Cristo necessariamente seria 
algo um tanto desapontador.
A VINDA DO ESPÍRITO DA VERDADE
Segundo, o Espírito Santo desfruta tanto da distinção em relação ao Pai 
como da unidade com o Pai de que o Filho desfruta. A distinção (p. ex., o 
Pai envia o Espírito em resposta à intercessão do Filho) garante sua personali­
dade separada; sua unidade (p. ex., por meio da morada do Espírito no cristão, 
o Pai e o Filho também fazem sua morada no cristão) garante sua divindade.
Terceiro, de acordo com Mateus 12.31,32, é possível pecar contra o Espírito 
Santo. Contextualmente isso é mais do que pecar contra a luz ou algo do gênero. 
Sugere, mais uma vez (embora não prove), que o Espírito Santo é uma pessoa.
Quarto, as fórmulas trinitárias do Novo Testamento são praticamente 
inexplicáveis se o Espírito Santo, assim como o Pai e o Filho, não for tanto uma 
pessoa quanto divino. Refiro-me a expressões como “batizando-os no nome do 
Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28.19) e “que a graça do Senhor Jesus 
Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos 
vocês” (2Co 13.14). Interpretar o Espírito como menos que pessoa e menos que 
divino quando as passagens o situam na companhia da divindade e falam de 
seu nome seria tão tolo quanto dizer: “Eu o batizo em nome do Pai, do Filho 
e das influências agradáveis”. A ideia beira a blasfêmia.
Quinto, embora o Espírito Santo seja enviado da parte do Pai, a natureza 
de “ser enviado” não reduz o Conselheiro à natureza de uma coisa. Afinal, o 
Evangelho de João enfatiza bastante o fato de que o próprio Jesus foi enviado 
(p. ex., 3.17), e os Evangelhos não veem Jesus como impessoal. Mais importante 
é o fato de que os autores do Novo Testamento regularmente distinguem entre 
o Espírito Santo e seus dons (p. ex., ICo 12.7-11). Quanto aos dons, Paulo 
escreve: “Todos eles são obra do mesmo Espírito, e ele os dá a cada homem, 
conforme quer” (ICo 12.11).
Sexto, teólogos mais antigos às vezes se referem a personificações do 
Espírito Santo. No batismo de Jesus, por exemplo, “o Espírito Santo desceu sobre 
ele na forma corpórea de uma pomba” (Lc 3.22). E possível, suponho, pensar 
em Deus enviando uma pomba para representar uma bênção ou influência 
divina ou algo do gênero; mas as palavras sugerem algo mais: o Espírito Santo 
desceu em forma corpórea como uma pomba. E difícil inferir tal coisa de uma 
influência. A forma mais natural de interpretar a passagem é pensar no Espírito 
Santo como uma pessoa que normalmente não tem forma corpórea.
Sétimo, há muitas passagens isoladas que não se encaixam facilmente em 
alguma dessas categorias anteriores, mas que fazem mais sentido se pressupusermos 
tanto que o Espírito Santo é uma pessoa como que o Espírito Santo é Deus. Um 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
exemplo basta. Em Atos 5.3,4, Pedro pergunta a Ananias: “... Ananias, como pôde 
Satanás encher de tal forma seu coração para que você tenha mentido ao Espírito 
Santo [...]? Você não mentiu aos homens, mas a Deus”. O paralelo é óbvio.
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Três esclarecimentos
“Tudo isso eu disse enquanto estive com vocês. Mas o Conselheiro, o 
Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, lhes ensinará todas as 
coisas e os lembrará de tudo o que eu disse a vocês. Deixo-lhes a paz; a 
minha paz lhes dou. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbe 
o coração de vocês e não tenham medo.”
“Vocês me ouviram dizer: ‘Vou, mas voltarei para vocês’. Se vocês 
me amassem, estariam felizes porque estou indo para o Pai, pois o Pai é 
maior que eu. Isso eu lhes disse agora, antes de acontecer, para que quando 
de fato acontecer vocês creiam. Não falarei com vocês por muito mais 
tempo, porque o príncipe deste mundo está vindo. Ele não tem direito 
sobre mim, mas o mundo precisa saber que eu amo o Pai e que faço 
exatamente o que o Pai me mandou fazer. Venham; vamo-nos daqui.”
Como bom professor que é, Jesus sabe quando seguir adiante com a nova 
matéria e quando pausar para revisar, esclarecer e expandir. Algo desse 
último aspecto está presente nesses versículos (14.25-31). Até aqui, Jesus vem 
tentando dissipar os temores, a ansiedade e a confusão de seus discípulos. Sua 
partida, ele explica, é temporária e para o bem deles. A “partida” em si mesma 
realiza o passo apoteótico de sua missão e prepara um lugar na presença de 
Deus para seus seguidores. Entender essas coisas, ele tem dito, pressupõe que 
eles entendam quem Jesus realmente é; e, percebendo a incompreensão deles, 
Jesus repete e explica brevemente suas afirmações. Quanto ao período em que 
estará longe, ele promete enviar outro Conselheiro, o Espírito Santo, para 
ocupar seu lugar, e esse Conselheiro será o meio pelo qual o Deus triúno 
tornará o propósito de Jesus conhecido aos seus seguidores.
Não surpreende que as palavras de Jesus até aqui tenham revelado pouco 
a respeito de como a vida será para os discípulos até Jesus voltar. Claramente 
se espera que eles continuem em amor e obediência a Jesus e que exerçam fé 
nele (14.12,15,23); eles aprenderão a orar (14.13,14) e desfrutar da presença 
do Espírito (14.17,23). No entanto, muito mais precisa ser dito. E preciso que
66 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
o horizonte deles seja expandido. Eles precisam vislumbrar que, por causa da 
“partida” de Jesus, por causa de sua morte expiatória, ressurreição e exaltação 
triunfantes, seus discípulos estão prestes a embarcar em uma missão mundial 
no poder do Espírito. A essa visão panorâmica Jesus precisa se voltar breve­
mente. Ele então explicará algo da intimidade que seus discípulos continuarão 
a desfrutar com ele, uma intimidade que, assim como entre a vinha e os ramos, 
tem resultado tremendamente frutífero (15.1-16).
Nem tudo, Jesus explicará, é um mar de rosas: seus discípulos, em seu 
testemunho contínuo ao mundo, sofrerão a oposição do mundo. Frutos haverá; 
mas também haverá ódio, perseguição e até mesmo tortura e morte. Contudo, 
essa perspectiva sombria torna-se tolerável à medida que constitui evidência 
de que os discípulos de Jesus naturalmente pertencem a uma esfera diferente e 
ostentam uma lealdade celestial, confessando um senhorio que se opõe ao mundo 
(15.17—16.4). Mesmo nessas circunstâncias o Conselheiro continuará com o 
povo de Cristo. Ele atuará no mundo e trará a convicção do pecado, coisa que 
Jesus fazia com maestria; e o Espírito completará a revelação do Deus triúno 
em sua manifestação suprema em Jesus Cristo, de modo que os discípulos não 
ficarão sema compreensão necessária desses acontecimentos redentores centrais 
(16.5-15). E então, mais uma vez, Jesus voltará sua atenção ao futuro imediato: 
ele apontará para a cruz (16.16-33).
As vezes, em nossas horas mais sombrias, o que mais precisamos ver é o 
panorama da história da redenção, o desenrolar dos acontecimentos de acordo 
com o plano gracioso de Deus de chamar um povo para si mesmo. Nossa 
introspecção estreita, afunila nossa visão em um egoísmo míope; o panorama 
maravilhoso da perspectiva divina da história humana nos faz perceber coisas 
que não poderiamos imaginar e apreende nossos pensamentos e afetos com o 
poder santo da verdade. Começamos a nos sentir parte do todo — parte pequena, 
talvez, mas pelo menos uma parte significativa. Então a frustração amarga da 
derrota temporária se dissipa, enquanto os acontecimentos assumem sua verda­
deira proporção e escapamos da claustrofobia paralisante do amor-próprio. 
Pregadores, mestres e outros cristãos que nos ajudam a ver a realidade de Deus 
com visão tão clara são proveitosos para nós. Jesus exerce esse tipo de ministério 
junto aos seus próprios discípulos nos capítulos 15 e 16.
Antes, porém, de voltar sua atenção nessa direção, Jesus mais uma vez se 
debruça sobre os temas que já apresentou. Não que a passagem seja redundante. 
Muito pelo contrário: Jesus se debruça sobre os temas de que tratou até aqui e
TRÊS ESCLARECIMENTOS
os desenvolve, acrescentando conteúdo e esclarecendo pontos que os discípulos 
obviamente ignoraram.
Três pontos são enfatizados:
Jesus parte, mas deixa um grande legado 
para seus seguidores
“Tudo isso eu disse enquanto estive com vocês” (14.25), Jesus diz, e sem dúvida 
o “tudo isso” refere-se àquilo que ele disse até aqui. Mas essa frase inicial 
também impacta os discípulos ao retomar a questão da partida de Jesus. Jesus 
vem falando a respeito de algum tipo de relacionamento íntimo contínuo com 
seus discípulos; ele agora faz uma pausa para advertir que, embora possa dizer 
todas essas coisas, não está cancelando seus planos de partida. Todavia, se os 
discípulos não conseguem captar tudo o que ele está dizendo, ao menos eles 
têm a garantia de que as coisas ditas por ele receberão explicações adicionais 
com a vinda do Conselheiro, o Espírito Santo (14.26).
Dessa forma, o primeiro dos dois “grandes legados” especificamente 
mencionados é apresentado.
1. O Espírito Santo. “Mas o Conselheiro, o Espírito Santo, que o Pai enviará 
em meu nome, lhes ensinará todas as coisas e os lembrará de tudo o que eu 
disse a vocês” (14.26).
Essa é a segunda menção ao Paráclito (Conselheiro) (cf. 14.16-18). Na 
passagem anterior, aprendemos, entre outras coisas, que Jesus pediria ao Pai, 
e o Pai enviaria “outro Conselheiro” (14.16). A mesma coisa agora é expressa 
de forma ligeiramente diferente: o Pai enviará o Conselheiro, Jesus diz, “em 
meu nome” (14.26). No contexto, a expressão “em meu nome” não pode se 
referir aos pedidos dos discípulos enunciados “em meu nome” ao Conselheiro. 
E verdade que os cristãos precisam orar “em meu nome” (14.13), mas isso não 
está em vista aqui. Ou “em meu nome” em 14.26 sugere que o Pai envia o Espírito 
em decorrência da prece de Jesus (nesse caso, 14.26 está repetindo o conteúdo 
de 14.16), ou “em meu nome” não explica por que o Pai enviou o Espírito, e 
sim o propósito pelo qual ele enviou o Espírito. Nesse caso, “em meu nome” 
significa algo como “com minha autoridade, para agir em meu lugar”, ou algo 
do gênero. Isso está bem próximo do sentido da expressão em Marcos 13.6: 
“Muitos virão em meu nome, dizendo ‘eu sou ele’, e enganarão a muitos”. Esses 
enganadores virão fingindo atuar no lugar de Jesus, reivindicando agir com sua
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
autoridade. Suas reivindicações são falsas, mas o Espírito que vem em nome de 
Jesus realmente age no lugar de Jesus e com sua autoridade.
Seja como for, dois novos fatos são apresentados em relação a esse Conselheiro.
a) Sua descrição. O texto se refere a ele pela primeira vez no Evangelho de João 
como o Espírito Santo. Aliás, nesse Evangelho, o Conselheiro só é designado por 
esse nome aqui e em 20.22.0 adjetivo santo aplicado ao Espírito tem parcialmente 
como função dar um título; no entanto, ele designa que o Espírito em questão é 
o Espírito de Deus e, simultaneamente, reflete o caráter desse Espírito. Ele é o 
Espírito Santo, não só o Espírito da verdade ou o Espírito do poder.
O Pai é santo (17.11) e justo (17.25), e é nesses termos que é designado 
pelo Filho. Jesus é o Santo de Deus (Lc 4.34; Mc 1.24), e o Conselheiro é o 
Espírito Santo. As hostes angelicais mais elevadas derramam louvor contínuo 
diante do trono da Divindade e nunca cessam de exclamar, dia e noite: “Santo, 
Santo, Santo!” (Ap 4.8). É ao mesmo tempo maravilhoso e assustador ouvir 
a voz de Deus entoar: “... Sejam santos, porque eu, o Senhor, seu Deus, sou 
santo” (Lv 19.2).
Há muito se reconhece que a palavra santo traz consigo a fragrância da 
transcendência. Se um homem é santo, ele é mais que moralmente correto: ele 
pertence a Deus. Se o tabernáculo no deserto tem um lugar santíssimo dentro 
de seus muros acortinados, esse lugar não é simplesmente mais limpo ou mais 
puro, mas é o lugar onde o Deus transcendente escolhe se manifestar de forma 
particularmente intensa e destacada. Por derivação, a palavra santo se refere à 
pureza de vida, pensamento e conduta; no entanto, ela nunca perde seu signi­
ficado mais fundamental. Dessa forma, a pureza em vista baseia-se no próprio 
Deus, em pertencer a Deus ou estar relacionado a ele de alguma forma.
A passagem diante de nós não diz muita coisa acerca do título dado ao 
Conselheiro, o Espírito Santo. Dentro de um quadro bíblico mais amplo, 
contudo, os cristãos deveriam se alegrar com esse título. O Conselheiro enviado 
pelo Pai em nome de Jesus é santo: e, no caso dele, a atribuição é tão absoluta 
como é no caso do Pai e do Filho. Ele é santo porque ele é Deus. Não é de 
admirar que seja ele a trazer a convicção do pecado ao mundo pecador (16.8- 
11); não é de admirar que sua presença em nossa vida não só garanta nosso valor 
progressivo no caminho sagrado, mas também traga uma exigência absoluta: 
“... não sabem vocês que seu corpo é templo do Espirito Santo, que está em 
vocês, o qual vocês receberam de Deus? [...]” (iCo 6.19).
69TRÊS ESCLARECIMENTOS
b) Sua função. O Conselheiro, Jesus promete aos discípulos, “... lhes ensi­
nará todas as coisas e os lembrará de tudo o que eu disse a vocês” (14.26). Já 
fomos apresentados a essa ideia ao examinar as implicações do título “Espírito 
da verdade” (14.17); mas agora essa função fundamental do Espírito Santo é 
claramente soletrada. Aqui, lemos, ele ensina todas as coisas; depois, aprendemos, 
ele nos guia rumo a toda a verdade (16.13),yâ/a aquilo que ouve (16.13) e torna 
conhecido ou anuncia aquilo que é de Cristo (16.13,14). A ideia é a mesma: uma 
das funções principais do Conselheiro é ensinar. Mesmo no Antigo Testamento, 
Deus concedeu seu bom Espírito para instruir o povo (Ne 9.20); mas aqui a 
ideia está associada à revelação de Cristo.
Isso começa a ficar claro quando perguntamos o que significa “todas as 
coisas”: o Espírito Santo ensinará aos discípulos “todas as coisas”. Isso não pode 
significar todas as coisas sem exceção. O Espírito Santo não está particularmente 
interessado em transmitir aos discípulos de Jesus um conhecimento completo 
de física nuclear, astronomia, biologia celular, da literatura de Tanganica ou dos 
hábitos de acasalamento do porco-espinho. Além disso, mesmo que ele estivesse 
inclinado a realizar essa transferência de conhecimento, não seríamos capazes de 
recebê-la, porque nossa finitude impede que tenhamos o atributo da onisciência.
O Espírito Santo ensina aos discípulos de Jesus todas as coisas — isto é, todas 
as coisas que eles precisam saber em relação aos acontecimentos preocupantes que 
estão ocorrendo, todas as coisas a respeito da revelação de Jesus Cristoque ainda 
estão sujeitas a numerosas compreensões equivocadas, todas as coisas que silen­
ciarão os temores deles ao lhes tornar a mente esclarecida. Em particular, promete 
Jesus, o Espírito Santo lembrará aos discípulos tudo aquilo que Jesus lhes ensinou.
Há quatro implicações importantes dessas e de outras afirmações seme­
lhantes no Discurso de Despedida (sobretudo 16.13,14).
Primeiro, a promessa tem o propósito de aliviar o medo dos apóstolos. Eles 
estão prestes a perder Jesus, seu mestre. Mas Jesus promete que o “outro Conse­
lheiro” enviado por ele também é mestre, e grande parte de seu ministério de 
ensino será levar os apóstolos a se lembrarem daquilo que Jesus havia ensinado. 
Há uma garantia de continuidade no conteúdo; portanto, a perda de Jesus como 
pessoa humana, que eles podem tocar e interrogar e com quem podem aprender, 
é menos traumática do que poderia ser de outra forma. Hoje, quando um pastor 
deixa uma igreja ou um professor deixa uma posição acadêmica e um sucessor 
é designado, é improvável que o sucessor concorde com o ocupante anterior 
em todos os detalhes; e certamente é improvável que ele passe muito tempo 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
lembrando seus ouvintes daquilo que o pastor ou o professor anterior disse. 
Entretanto, o Espírito Santo vê isso como um objetivo principal: ele capacitará 
os discípulos a se lembrarem do que Jesus ensinou. Esse fato, se cressem nele, 
só poderia ser reconfortante para esses primeiros discípulos.
Segundo, ao ensinar e lembrar aos discípulos aquilo que Jesus ensinou, 
o Espírito Santo explicará coisas que os discípulos não entenderam quando 
foram enunciadas pela primeira vez. Esse é um dos temas principais do Quarto 
Evangelho. Um exemplo particularmente revelador ocorre em João 2. Ali, João 
registra o incidente da purificação do Templo. “... Que sinal milagroso você pode 
nos mostrar para provar que tem autoridade para fazer tudo isso?”, exigem os 
judeus, ao que Jesus responde: "... Destruam este templo, e eu o levantarei em 
três dias” (2.18,19). Não surpreende que os judeus não entendam o sentido do 
que Jesus diz. Eles respondem com um misto de assombro e escárnio: “... Esse 
templo levou quarenta e seis anos para ser construído, e você o levantará em 
três dias?”. João comenta, com conhecimento de causa: “Mas o templo de que 
ele havia falado era seu corpo” (2.20,21). Entretanto, João acrescenta a seguir 
um comentário que mostra que os judeus não eram os únicos a cometer esse 
equívoco: os próprios discípulos a essa altura estavam igualmente perdidos em 
relação ao que Jesus estava dizendo. João comenta: “Depois de ressuscitar dos 
mortos, seus discípulos lembraram do que ele havia dito. Então acreditaram nas 
Escrituras e nas palavras que Jesus havia dito” (2.22).
O Discurso de Despedida é testemunha do mesmo fenômeno. A julgar 
pelas interrupções que já examinamos, as de Tome (14.5), Filipe (14.8) e Judas 
(14.22), o sentido geral do ensino de Jesus não estava claro para os discípulos 
naquela noite. Eles sabiam que ele estava falando de sua partida e de sua 
própria morte; é improvável, contudo, que tenham relacionado as duas coisas. 
Certamente não previam sua ressurreição e não conseguiam absorver a visão 
de uma comunidade mundial de discípulos constituindo uma antítese ao 
mundo. Mas Jesus fornece o esboço dessas coisas mesmo assim. O pouco que 
eles conseguiam entender proveria algum conforto; e o que não conseguiam 
nem lembrar nem entender seria duplamente precioso quando, depois dos 
acontecimentos cruciais, eles não só se lembrassem do que Jesus disse, mas, 
com a ajuda do Espírito, entendessem seu real significado; porque então eles 
também reconheceríam que Jesus lhes dissera essas coisas de antemão (veja 
14.29, abordado mais adiante).
Terceiro, o Espírito Santo ensinaria a esses primeiros discípulos o signifi­
cado não só das palavras de Jesus, mas também dos próprios acontecimentos. 
TRÊS ESCLARECIMENTOS 71
As implicações da morte/ressurreição/exaltação de Jesus são chocantes: Como 
esses acontecimentos estão relacionados ao Antigo Testamento? Aqueles que 
creem em Jesus precisam aderir à lei do Antigo Testamento? O que exatamente 
a ressurreição tem a dizer a respeito de quem Jesus é? Sob que condições os 
gentios podem ser admitidos à comunidade dos cristãos? O que Jesus tinha 
em mente quando falou de sua volta pessoal nas nuvens do céu?”. Pela natu­
reza da situação, o próprio Jesus não poderia responder às perguntas deles; 
contudo, o Espírito Santo estaria lá para instruí-los. Mesmo a leitura mais 
casual do livro de Atos revela as enormes barreiras teológicas e conceituais 
que a igreja precisou atravessar enquanto lutava, às vezes em meio a divisões 
agudas de opinião, para entender as implicações plenas da obra salvadora de 
Jesus. Nesses meses e anos formativos, garante Jesus aos discípulos, o Espírito 
Santo haveria de guiá-los a toda a verdade.
Nesse sentido, a instrução do Espírito Santo continuava a ter o próprio Jesus 
como foco. Era a revelação de Jesus Cristo que o Conselheiro estava comple­
tando. Mas esse ponto é explicitamente afirmado em 16.12-14, e será provado 
em mais detalhes em um capítulo posterior.
Quarto, há a sugestão implícita, porém inevitável, de que a comunidade 
dos cristãos estará presente aqui por algum tempo — tempo o bastante para 
necessitar de que o Espírito a lembre do ensino de Jesus e continue lhe ensi­
nando. A promessa, em suma, era de revelação constante para uma comunidade 
contínua; e, nesse sentido, a promessa previa o cânon do Novo Testamento.
A essa altura está claro que esse primeiro grande legado que Jesus deixa para 
seus discípulos foi concebido em primeiro lugar para os homens que estavam 
com ele naquele aposento superior: em suma, para os apóstolos no sentido estrito 
da palavra. Isso fica claro com a promessa de que o Espírito Santo os lembraria 
daquilo que Jesus ensinou. Antes da composição do Novo Testamento, essa 
promessa só poderia ser relevante para aqueles que foram os primeiros a ouvir o 
que Jesus ensinou e que, é de imaginar, podiam esquecer parte desse conteúdo. 
Essas primeiras testemunhas foram capacitadas, pela ajuda do Espírito, a lembrar 
tudo o que Jesus disse e a interpretar os acontecimentos que ocorreram na semana 
da Paixão e depois dela. Precisamos ser muito gratos por isso.
Todavia, há uma aplicação secundária legítima que diz respeito aos 
cristãos de hoje. O Espírito Santo também vem viver conosco e estar em nós 
(14.17); e ele nos ajuda a nos lembrarmos, quando precisamos, das palavras 
das Escrituras que aprendemos. Essa promessa abençoada não deve nos levar 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
a pensar que não precisamos nos dar ao trabalho de aprender o que as Escri­
turas ensinam, porque não é possível o Espírito nos capacitar a lembrarmos 
daquilo que nunca lemos nem ouvimos. Contudo, essa promessa pode remover 
a pressão do medo do fracasso pessoal em nosso testemunho: o Espírito de 
Deus é perfeitamente capaz de nos ajudar a lembrar daquilo que precisamos 
saber (cf. Mt 10.19,20). Mesmo o santo mais humilde, com conhecimento 
crescente da Bíblia e ajuda do Espírito Santo, é capaz de se levantar de modo 
gentil, mas eloquente, contra o mais sofisticado dos incrédulos. “Tenho mais 
discernimento que todos os meus mestres...”, afirma o salmista, “porque medito 
nos seus estatutos” (Sl 119.99).
2. A paz. Esse é o segundo grande legado que Jesus promete a seus segui­
dores nessa passagem. “Deixo-lhes a paz; a minha paz lhes dou. Não a dou 
como o mundo a dá. Não se perturbe o coração de vocês e não tenham medo” 
(14.27). Um pouco depois, Jesus promete aos discípulos sua alegria (15.11); mas 
aqui e no fim do capítulo 16, o que ele promete é sua paz (16.33).
E vital reconhecer que a paz que Jesus dá não é um tipo de tranquilidade 
plácida que evita todo e qualquer conflito. Isso fica particularmente óbvio com 
a segunda referência à paz no Discurso de Despedida.Jesus diz: “Mas está vindo 
o tempo, e eis que já chegou, quando vocês serão espalhados, cada um para sua 
casa. Vocês me deixarão completamente sozinho [...] Eu lhes disse essas coisas 
para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão tribulações. Mas 
tenham ânimo! Eu venci o mundo” (16.32,33).O próprio Jesus está seguindo 
para a crucificação, ainda assim ele fala de sua paz. Similarmente, a paz que 
Jesus promete não evita os conflitos; ela triunfa sobre eles.
Nem deve essa paz ser confundida com a indiferença que não se importa 
com a injustiça, a corrupção, a idolatria ou algum outro pecado. Não se trata 
simplesmente de “se sentir bem” de alguma forma narcisista, nem de algum 
senso místico de bem-estar separado das realidades físicas e espirituais. Embora 
muito amada pelas religiões orientais e promovida por certas seitas modernas, 
essa “paz” é tanto irrealista como frágil demais para ser comparada à versatilidade 
robusta contida na ideia bíblica de paz.
Até hoje os falantes do hebraico cumprimentam-se uns aos outros com 
o tradicional “Shalom!”. A palavra frequentemente é traduzida por paz, mas 
provavelmente seu sentido aproxime-se mais de “bem-estar”. A ideia de paz ou 
bem-estar nas Escrituras pode proveitosamente ser examinada em três dimensões.
73TRÊS ESCLARECIMENTOS
A primeira dimensão da paz é vertical — paz com Deus. Isso é fundamental. 
No Antigo Testamento, o Messias prometido é o Príncipe da Paz (is 9.7). Além 
disso, o ato de o Senhor dar a paz ao seu povo é praticamente sinônimo de lhe 
voltar sua face (Nm 6.26). Deus promete estabelecer uma aliança eterna de paz 
com seu povo (Ez 37.26), pela qual seu “Davi” reinará sobre ele. No Novo Testa­
mento, Paulo deixa claro que o povo que foi justificado pela fé no Messias, Jesus 
Cristo, desfruta de paz com Deus (Rm 5.1). Nenhuma paz é mais fundamental do 
que essa. Uma vez que este é o mundo de Deus e o universo de Deus, nenhuma 
outra paz é de valor definitivo se permanecermos em inimizade contra ele.
A segunda dimensão da paz nas Escrituras é horizontal: é a paz com os 
homens. Assim como nosso pecado torna Deus nosso inimigo, exigindo que 
a paz com Deus seja estabelecida, assim também nosso pecado torna as outras 
pessoas nossas inimigas; e, mais uma vez, a paz precisa ser estabelecida. A 
solução que Cristo traz conquista para nós tanto a paz com Deus como a paz 
com os homens. Mesmo a barreira gigantesca entre judeu e gentio é superada, 
de acordo com a Epístola aos Efésios, pela criação de uma nova humanidade 
em Cristo Jesus, “estabelecendo assim a paz” (Ef 2.15). Ao reconciliar tanto o 
judeu como o gentio com Deus por meio da cruz, Cristo condenou à morte a 
hostilidade mútua entre eles (Ef2.1ó).
A terceira dimensão da paz é pessoal, e é sobretudo essa a paz que está em 
vista em João 14. Essa paz é uma serenidade pessoal que não se baseia na capa­
cidade de evitar os problemas, mas em uma fé que os transcende. Paulo se baseia 
no mesmo princípio de fé quando diz ao preocupado crônico que ore a respeito 
de seus problemas, que ore com ação de graças (Fp 4.6). O conceito de paz é 
importante e muito amado por Paulo, como fica claro em seu uso constante da 
palavra. “Que agora o próprio Senhor da paz”, escreve ele aos filipenses, “lhes 
dê a paz sempre e de todas as formas” (2Ts 3.16).
Embora eu tenha buscado delinear a ideia bíblica de paz nessas três dimen­
sões, preciso insistir que a ideia, mesmo assim, é essencialmente holística. Os 
autores bíblicos não nos estimulam a buscar só as duas melhores dessas três 
dimensões. Um homem não pode proveitosamente buscar paz com Deus e 
consigo mesmo enquanto continua a buscar a inimizade contra seus irmãos. 
Nem faz sentido que ele almeje a paz com seus irmãos e consigo mesmo 
enquanto ignora a primazia da paz com Deus.
Teologicamente falando, a razão pela qual as três dimensões da paz precisam 
ser buscadas juntas, como parte de um todo, está no fato de que todas as carências 
74 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
de paz estão unidas por um mesmo laço. Esse laço comum é o pecado. O pecado 
nos toma inimigos de Deus, inimigos dos outros e inimigos de nós mesmos. O 
pecado separa Deus de nós, separa os outros de nós e nos separa de nós mesmos 
(isto é, gera repugnância por nós mesmos, compensações artificiais, sentimentos 
profundos de culpa ou franca esquizofrenia). Mesmo nos problemas externos que 
nos privam de nossa paz, detectamos a maldição da humanidade que resulta da 
Queda. A solução para essa enfermidade comum é a cruz e a ressurreição. À luz 
disso, é difícil acreditar que os repetidos “Paz seja com vocês!” (20.19,21,26) com 
que Jesus cumprimenta os discípulos depois da ressurreição sejam simplesmente 
um cumprimento comum. Em seu Discurso de Despedida, Jesus promete aos 
discípulos a paz; e depois da ressurreição ele os cumprimenta com estas palavras 
triunfantes: “Paz seja com vocês!”. E só nessas duas passagens que a palavra paz é 
encontrada no Quarto Evangelho, e isso não é mera coincidência.
Portanto, a paz que Jesus promete é radical no sentido de que vai à radix 
(raiz) do problema. Jesus deixa sua paz com os discípulos: isto é, a “partida” de 
Jesus por meio da cruz é o passo que ele dá para deixar sua paz.
Jesus dá a paz de uma forma que o mundo não é capaz de replicar: “Não 
a dou a vocês como o mundo a dá” (14.27). Isso é verdade tanto por causa da 
natureza diferente da paz que Jesus dá como por causa da forma diferente pela 
qual Jesus a dá. A paz que Jesus deixa a seus discípulos é, em última análise, 
independente das circunstâncias exteriores e temporais. Ela se baseia na obra 
expiatória de Cristo na cruz e na confiança no Deus eterno — não em saúde, 
poder, prestígio, novas aquisições ou novas emoções. A paz do mundo baseia-se 
em variáveis transitórias que não são capazes de gerar paz estável.
No entanto, a forma de Jesus legar essa paz também é diferente. O mundo 
deseja a paz para as pessoas. Isso é verdade não só em certas saudações (p. ex., 
Shalom, i.e., “Que o bem-estar venha para você”; Adieu, i.e., “Entregamos 
você e os seus ‘à Dieu [= a Deus]”), mas também nos desejos mais sinceros de 
nossos amigos de longa data. Contudo, por mais que deseje, o mundo não pode 
conceder o dom da paz pessoal, apenas desejá-lo para alguém. No máximo, ele 
pode conquistar a reconciliação entre irmãos ou entre nações, e, mesmo assim, a 
conquista muitas vezes se demonstra temporária. Cristo, em contraste, concede 
o dom da paz a todos os seus seguidores, legando-o como parte essencial da 
salvação que conquista para eles. A cruz obtém a paz com Deus. O perdão, 
a restauração e a cura que fluem dessa paz primária constituem a única base 
adequada para a paz com os outros e para a paz pessoal dentro de nós.
TRÊS ESCLARECIMENTOS 75
“Minha paz...” A expressão é de deixar atônito. Ela seria ridícula nos lábios 
de qualquer outro mortal. Podemos imaginar um Goethe ou um Napoleão 
prometendo deixar sua paz a seus seguidores? Mesmo da parte de um Gandhi, 
a expressão seria difícil de interpretar. Como poderia Gandhi deixar sua própria 
paz a seus discípulos? Mas a paz que Jesus deixa para nós é a sua paz ao menos 
de duas formas. Primeiro, ela é a paz que ele próprio fornece; e, em segundo 
lugar, ela é parte integral da paz que ele mesmo experimentou durante sua vida 
mortal. Ela é o produto de sua obra na cruz; e o solo necessário para que essa 
paz floresça é a confiança filial em Deus e a obediência a ele, virtudes que Jesus 
exemplificou perfeitamente. “A minha paz”, diz Jesus, “lhes dou”.
Grande parte de nossa inquietação e amargura nasce de nossa possessivi- 
dade, nosso desejo de preeminência, nossa avidez pelo reconhecimento. Nosso 
amor-próprio é tão forte que se transforma em ódio pelos outros quando eles 
não nos dão aquilo que julgamos ser nosso por direito. Não há paz quando esses 
pecados florescem. Jesus não demonstrou nenhuma possessividade. Ele desejou 
a glória e a vontade de seu Pai, não a preeminênciapessoal e o reconhecimento 
popular. Longe de amar sua vida, ele a deu pelos outros — de fato, por aqueles 
que nem sequer haviam começado a lhe oferecer o que era dele por direito. 
Jesus, portanto, podia falar de “sua paz”.
No entanto, sejamos francos: a paz de Jesus não é algo que todo mundo 
quer. Às vezes isso se deve a equívocos acerca da natureza dessa paz. Para uma 
pessoa cuja felicidade parece depender de empolgação, a palavra paz pode 
evocar visões de velhinhos um tanto sem graça balançando lentamente ao 
lado das últimas brasas de uma velha lareira. Para um revolucionário, a palavra 
paz não passa do desfrutar arrogante de um status quo maligno. Muito mais 
triste é a pessoa que dá as costas à paz de Jesus precisamente porque percebe 
que a paz que Jesus promete forma uma órbita completa, envolvendo Deus, as 
outras pessoas e ela própria; que essa paz pressupõe um relacionamento vivo 
com Cristo e uma caminhada de submissão alegre a ele; que essa paz não é 
nenhuma fuga da realidade, mas uma serenidade corajosa mesmo em meio às 
tribulações; que essa paz envolve morrer diariamente para um interesse próprio 
que cresceu além da conta.
Há outros, frequentemente pessoas humildes, que vieram a conhecer 
Cristo como Senhor e Salvador e que, depois de atravessar enormes pântanos, 
vieram a descansar na paz estável que Jesus dá. Penso em um policial cristão 
no Canadá cuja carreira foi manchada durante anos por um superior que 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
odiava sua integridade. Penso em Joni Eareckson Tada. Penso em um casal 
cristão na Inglaterra cujo primeiro filho foi um bebê natimorto e cujo segundo 
filho morreu com sete semanas. Penso em um tailandês sábio que, quando se 
tornou cristão, enfrentou perseguição explícita da parte de sua família budista 
profundamente unida. Penso em um professor escolar no Quebec que perdeu o 
emprego porque se tornou cristão. Essas pessoas, e muitas como elas, são prova 
viva da verdade de que Jesus dá a paz. Algumas delas choraram copiosamente, 
e as perguntas insistentes voltaram repetidas vezes; mas, em cada uma dessas 
situações, uma paz essencialmente estável emergiu como o produto da fé.
A paz que Jesus deixa a seus discípulos é o antídoto eficaz tanto para a 
mente atribulada como para a covardia; porque Jesus conclui sua promessa de 
enviar a paz com a exortação: “... Não se perturbe o coração de vocês e não 
tenham medo” (14.27). Com herança tão rica a ser desfrutada, é verdadeiramente 
pecaminoso que nos preocupemos e nos inquietemos de uma forma que roube 
nossa paz. Isso é verdade, quer o objeto de nossa inquietação forem as pressões 
incessantes da vida cotidiana, quer os obstáculos chocantes que nos confrontam 
mais raramente, quer as pressões peculiares que acometem os cristãos. Confiem 
em Deus, insiste Jesus, e confiem em mim; e estejam certos de que minha partida 
significa grandes legados para vocês, incluindo-se o dom de minha paz. O dom 
é de vocês: não se perturbe o coração de vocês, e não temam.
Aquieta-te, minh’alma: o Senhor é contigo; 
suporta com paciência a cruz da dor ou do pesar.
Deixa que Deus disponha e conceda: 
em toda mudança ele permanece fiel.
Aquieta-te, minh’alma: teu melhor e celeste amigo 
por caminhos espinhosos conduz ao final feliz.
Aquieta-te, minh’alma: teu Deus se dispõe 
a guiar o futuro como guiou o passado.
Tua esperança, tua confiança, que nada perturbe;
o que ora é misterioso brilhará no fim.
Aquieta-te, minh’alma: o mar e o vento ainda lembram 
da voz dele, que os governou quando aqui habitou.
Aquieta-te, minh’alma: a hora vem depressa 
quando para sempre estaremos com o Senhor, 
quando frustração, pesar e temor cessarão;
a tristeza será esquecida, a pura alegria do amor, restaurada.
77TRES ESCLARECIMENTOS
Aquieta-te, minh’alma: quando a mudança e as lágrimas passarem, 
todos nós, seguros e abençoados, nos encontraremos enfim.1
Jesus consola seus discípulos, mas repreende a 
superficialidade do interesse próprio que vê neles
“Vocês me ouviram dizer: ‘Vou, mas voltarei para vocês’. Se vocês me amassem, 
estariam felizes porque estou indo para o Pai, pois o Pai é maior que eu. Isso eu 
lhes disse agora, antes de acontecer, para que quando de fato acontecer vocês 
creiam.” (14.28,29).
Jesus volta ao tema que suscitou grande parte da tristeza de seus discípulos, 
isto é, sua partida. Ele os lembra de que o ouviram dizer: “Vou, mas voltarei 
para vocês” (14.28; cf. 14.3). Porém, ele agora trata o tema de forma bastante 
nova; ele se volta aos discípulos e lhes diz que a infelicidade deles em relação 
à sua partida é na verdade uma indicação de quão pouco eles o amam. “... Se 
vocês me amassem”, diz ele — dando a entender que não o fazem —, “estariam 
felizes porque estou indo para o Pai, pois o Pai é maior que eu”.
É difícil entender o que Jesus está dizendo até captarmos o último período: 
“... o Pai é maior que eu”. As testemunhas de Jeová e outros que preservaram a 
antiga heresia ariana (que nega a divindade de Jesus Cristo) citam esse versículo 
como prova da validade da sua posição. A linguagem em si mesma é ambígua 
e precisa ser abordada com cuidado. Por exemplo, posso insistir com verdade: 
“O presidente dos Estados Unidos é maior que eu”. Mas essa afirmação não seria 
interpretada por ninguém no sentido de que o presidente é um ser humano mais 
perfeito que eu, que ele está ontologicamente em outro plano. Simplesmente 
significa que ele é maior em autoridade, posição, hierarquia, prestígio e na 
honra que lhe é concedida. Similarmente, Jesus dizer que o Pai é maior que ele 
não prova que o Pai desfrute de superioridade no nível ontológico, nem que 
Jesus seja algo como uma divindade inferior.
É possível até mesmo argumentar que o fato de Jesus enunciar essa ideia e 
esperar ser levado a sério pressupõe a unidade essencial entre Jesus e o Pai. Se eu 
dissesse, um tanto solenemente, que Deus é maior que eu, estaria revestindo a 
verdade com trajes ridículos, porque a distância entre mim e Deus é tão grande
'Katherine von Schlegel (1697-?), tradução para o inglês de Jane L. Borthwerk (1813-1897) 
[conhecido no Brasil como: Conserva a paz, ó minha alma, disponível em: https://www.canti- 
cosccb.com.br/letras/conserva-a-paz-o-minha-alma—86, acesso em: 27 dez. 2018]. 
https://www.canti-cosccb.com.br/letras/conserva-a-paz-o-minha-alma%25e2%2580%259486
78 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
que a comparação é em certos aspectos ridícula, mesmo sendo formalmente verda­
deira. Seria muito mais ridículo do que se uma lesma comum, do tipo que há em 
qualquer jardim, comentasse: “O ser humano dono desse jardim é maior que eu”.
Nenhuma interpretação dessa passagem é provável se ela conflitar com 
outras passagens do Quarto Evangelho que afirmam inequivocamente a divin­
dade de Jesus Cristo. A abordagem correta é lembrar algumas das ênfases do 
Evangelho de João acerca da pessoa e da obra de Cristo (examinadas no cap. 
2). Já aprendemos que o Filho eterno de Deus esvaziou-se de sua glória e veio 
a nascer como ser humano — um ser humano dependente e obediente. O Pai 
diz ao Filho o que fazer, não o contrário. O Pai, em outras Palavras, não só é 
maior no sentido de que a pessoa com a maior autoridade é maior que a pessoa 
com menos, mas também no sentido de que o Pai retém sua glória, enquanto o 
Filho voluntariamente deixa a sua de lado durante seu ministério (cf. 17.5: “E 
agora, Pai, glorifique-me em sua presença com a glória que eu tinha antes da 
criação do mundo”). Como bem disse C. K. Barrett, “... o Pai é Deus enviando 
e comandando, o Filho é Deus enviado e obediente. O pensamento de João aqui 
concentra-se na humilhação do Filho em sua vida terrena, uma humilhação que 
agora, em sua morte, alcançou tanto o apogeu como o final”.
No contexto, a afirmação de que o Pai é maior que o Filho funciona como 
a razão pela qual, se os discípulos realmente amassem Jesus, teriam se alegrado 
com sua partida. O argumento parece ser mais ou menoseste: se eles amassem 
Jesus, então desejariam o melhor para ele. Retornar ao Pai significaria retornar 
à glória que ele compartilhava com o Pai antes da encarnação. Sua humi­
lhação acabaria, seu triunfo seria alcançado, seu reino como rei mediador teria 
começado. Não deveriam aqueles que professavam amá-lo alegrar-se com essa 
perspectiva? A tristeza deles atesta seu egoísmo: eles estão inconsoláveis diante 
da ideia de perdê-lo. Mas não evidenciam nenhumjúbilo —júbilo que atestaria 
seu prazer naquilo que é melhor para ele.
O tipo de reação que Jesus poderia ter esperado às vezes pode ser vista em 
um velório realmente cristão. A perda de um amado irmão ou irmã em Cristo, da 
querida esposa ou marido, tende a trazer lágrimas e violenta agonia emocional; 
mas, ao mesmo tempo, os enlutados alegram-se ao pensar nas novas e jubilosas 
perspectivas do cristão que partiu. As lágrimas misturam-se aos sorrisos santos: 
nós não “nos entristecemos como os outros, que não têm esperança” (lTs 4.13). 
Em vez dessa alegria e tristeza ambivalentes, contudo, os discípulos de Jesus 
revelam apenas interesse próprio.
TRÊS ESCLARECIMENTOS
Mesmo enquanto os repreende, Jesus os consola. “Isso eu lhes disse agora, 
antes de acontecer”, ele insiste, “para que quando de fato acontecer vocês creiam” 
(14.29; cf. 13.19). Ele não lhes contou a respeito de sua iminente partida por meio 
da cruz para prolongar o sofrimento deles o máximo possível; ele lhes contou 
de antemão para que, quando os acontecimentos cruciais se desenrolarem, os 
discípulos percebam que ele sabia o que estava fazendo e alcancem assim uma fé 
sólida. Eles não pensarão que os inimigos de Jesus foram fortes demais para ele 
ou que ele perdeu o controle da situação, mesmo que temporariamente. Como 
ele insistiu em outra ocasião: “A razão por que o Pai me ama é que dou minha 
vida — para depois resgatá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou por minha 
própria vontade. Tenho autoridade para dá-la e autoridade para resgatá-la...” 
(10.17,18). De acordo com Mateus, na cena da prisão, Jesus ainda está dizendo 
o mesmo tipo de coisa: “Vocês pensam que não posso pedir ao Pai, e ele não 
colocaria imediatamente à minha disposição mais de doze legiões de anjos? 
Mas como então se cumpriríam as Escrituras que dizem que as coisas precisam 
acontecer dessa forma?” (Mt 26.53,54). Os discípulos precisam reconhecer que, 
ao lhes contar a respeito de sua partida, ele está pensando naquilo que é melhor 
para eles: ele está preparando o caminho para que eles alcancem uma fé que 
nunca mais poderia ser abalada.
Em suma, nesses versículos (14.28s.) Jesus consola seus discípulos, mas 
repreende seu interesse próprio. Ele faz algo além: repreende a superficialidade 
de seu interesse próprio. Todo leitor do Evangelho de João sabe que o interesse 
próprio dos discípulos está naquilo que eles devotamente desejam evitar: a partida 
de Jesus. Com sua partida, Jesus realiza a redenção deles, torna-se o caminho 
para a presença do Pai e concede o Espírito Santo. Eles perderíam tudo isso se 
seu interesse próprio imediato e superficial fosse atendido.
A passagem é profundamente irônica. Os discípulos lamentam a partida de 
Jesus e, assim, deixam transparecer que amam a si mesmos mais do que amam 
a ele; no entanto, esse amor-próprio, se sua escolha tivesse sido acatada, não 
teria obtido o que realmente era do interesse dos discípulos. Em contrapartida, 
se os discípulos tivessem dado um pouco mais de atenção àquilo que o Senhor 
Jesus queria, àquilo que era melhor para ele, e um pouco menos de atenção a 
seu próprio pesar, teriam simultaneamente alcançado aquilo que realmente era 
de seu interesse.
Não devemos ser duros demais com os discípulos, porque hoje nós 
facilmente caímos em armadilhas semelhantes. Se amamos a nós mesmos,
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
perdemos o maior bem que podemos obter. Se morremos para nós mesmos e 
genuinamente buscamos a vontade de Jesus Cristo, descobrimos no final que 
sua vontade é também nosso maior bem. Acreditar nisso — realmente acreditar 
nisso — eliminaria muitas de nossas lutas imaturas, a agonia de uma antiga 
natureza que grita para se afirmar. Os gritos dela são enganosos: ela apela para 
o interesse próprio, mas não o realiza, pois não leva em conta as bênçãos que só 
se encontram em Jesus Cristo. A trágica ironia do amor-próprio pecaminoso 
é que ele não obtém nada de valor real para nós mesmos e perde tudo. É por 
isso que Jesus, enquanto consola seus discípulos, repreende a superficialidade 
do interesse próprio deles.
Jesus morre, mas morre como sacrifício de um filho 
amoroso e obediente, não como vítima patética 
ou culpada, enredada nas tramas do destino ou 
capturada pela teia do pecado
“Não falarei com vocês por muito mais tempo”, Jesus diz, lembrando-os de que 
a hora a que ele vem aludindo está quase chegando; “porque o príncipe deste 
mundo está vindo. Ele não tem direito sobre mim, mas o mundo precisa saber que 
eu amo o Pai e que faço exatamente o que o Pai me mandou fazer...” (14.30,31).
O “príncipe deste mundo” é o Diabo. Sua “vinda” nesse contexto equivale 
à vinda da “hora” (12.27), a vinda da Paixão. O Diabo vem para se opor a Jesus, 
para fazê-lo sofrer e morrer. Ele vem incitando Judas à traição mais hedionda 
de todos os tempos (6.70; 13.2,27), e agora ele vem para receber seu prêmio. 
Mas, ainda que a Paixão seja um conflito entre Jesus e Satanás, não há nenhuma 
dúvida a respeito do resultado. A Paixão significa a derrota de Satanás, porque 
antes Jesus declarou: “Agora é a hora do juízo deste mundo; agora o príncipe 
deste mundo será expulso” (12.31).
Similarmente, Jesus agora diz, a respeito de Judas: “... Ele não tem direito 
sobre mim” (14.30). As palavras no original, traduzidas literalmente, são: “Ele não 
tem nada em mim”; embora escritas em grego, elas remetem a uma expressão 
hebraica cujo sentido é: “Ele não tem nenhum direito em relação a mim”. O 
príncipe deste mundo não poderia ter nenhum direito sobre Jesus, porque Jesus 
não é deste mundo. Jesus está fora do domínio do Diabo. Em outra passagem 
do Evangelho de João, Jesus revela que ele não tem a consciência do pecado 
(8.46); aqui ele demonstra o mesmo fato ao insistir em que o Diabo não tem 
direito sobre ele. O direito que o Diabo tem sobre todos os seres humanos é o 
pecado deles, a culpa deles; mas Jesus é sem culpa.
TRÊS ESCLARECIMENTOS 81
Porque é sem culpa, porque o príncipe deste mundo não tem direito sobre 
ele, Jesus sabe que sua iminente Paixão não é o que ele merece. Jesus vai à cruz 
não porque ele próprio seja merecedor da morte nem por causa do poder de 
Satanás, mas porque o Pai ordenou que ele vá, e Jesus ama o Pai a tal ponto que 
voluntariamente cumpre aquilo que o Pai manda.
“... O mundo”, diz Jesus, “precisa saber que eu amo o Pai e que faço exata­
mente o que o Pai me mandou fazer...” (14.31). A ordem de seu Pai é que ele 
entregue a própria vida e a retome (10.18). A Paixão está se desenrolando, e Jesus 
precisa morrer; mas ele morre como filho amoroso e obediente em autossacrifício 
voluntário, não como vítima patética ou culpada, enredada nas tramas do destino 
ou capturada pela teia do pecado.
Os cristãos hoje pensam na morte de Jesus em relação a eles próprios. 
Reconhecemos que sua morte prova o amor supremo que ele tem por nós. 
Ficamos profundamente emocionados quando cantamos:
Oh, sangrou meu Salvador?
Morreu meu Soberano?
A cabeça santa dedicou
a um verme como eu?
Foi pelos meus pecados
no madeiro a sua dor?
Oh, misericórdia! Oh, infinita graça!
E infinito amor!2
2Isaac Watts (1674-1748).
Verdade, tudo verdade, mas unilateral mesmo assim. Há outro elemento que 
não devemos ignorar quando pensamos nas razões pelas quais Jesus foi à cruz. 
Jesus escolheu morrer não só porque nos amou, por mais maravilhoso que 
esse pensamento seja, mas porque ele amou o Pai e desejou acima de tudo 
fazer a vontade dele.
Diminuímos a grandiosidade do plano da redenção quando negligenciamosesse elemento divino. É sinal do nosso egocentrismo o fato de pensarmos que o 
amor de Cristo tem como objeto exclusivo ou mesmo primário os seres humanos 
como nós. Não estou minimizando o amor de Cristo por nós, antes trata-se de 
reconhecer a primazia de seu amor pelo Pai. A cruz revela o quão profundamente 
o Filho eterno de Deus ama seu Pai e o quão completamente ele lhe obedece e 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
lhe agrada. Mesmo no Getsêmani (Mc 14), a angústia de Jesus é expressa como a 
dificuldade de se submeter à vontade do Pai, e não a de se sacrificar pelos outros.
Similarmente, embora seja verdade que o Pai amou o mundo de tal forma 
que enviou seu Filho (3.16), isso pressupõe seu amor por esse Filho. O que 
surpreende é que o ministério, a Paixão e o triunfo do Filho não só são evidên­
cias do amor do Pai por nós, mas também são evidências do amor do Pai por 
seu Filho, porque foi por esse meio que o Pai colocou tudo nas mãos de seu 
Filho. É por isso que o Quarto Evangelho diz: “O Pai ama o Filho e pôs tudo 
em suas mãos” (3.35).
A vontade do Filho é agradar ao Pai, e não só nos salvar; e a vontade do 
Pai é que todos os homens honrem o Filho, e não só nos perdoar. Captar esses 
relacionamentos divinos no drama da redenção significa humilhar nosso orgulho 
e aguçar nossa percepção a respeito de nosso privilégio assombroso. Sermos 
salvos e renovados, sermos recipientes da nova vida, sermos perdoados, tudo 
porque estamos envolvidos na perfeição do amor que existe entre as pessoas da 
Divindade, é inexprimivelmente solene, extasiadamente maravilhoso.
Captar essas verdades não incita somente à adoração, mas também conclama 
à imitação. A obediência amorosa de Jesus a seu Pai torna-se o padrão pelo qual 
minha obediência amorosa a Jesus precisa ser julgada. É por isso que na seção 
seguinte Jesus explicitamente afirma: “Se obedecerem aos meus mandamentos, 
vocês permanecerão em meu amor, assim como eu obedeci aos mandamentos 
de meu Pai e permaneço em seu amor” (15.10).
Jesus parte, mas deixa grandes legados para seus seguidores: o Espírito 
Santo e a paz do próprio Jesus.
Jesus consola seus discípulos, mas repreende a superficialidade de seu inte­
resse próprio.
Jesus morre, mas morre como o sacrifício de um filho amoroso e obediente, 
não como vítima patética ou culpada, enredada nas tramas do destino ou captu­
rada pela teia do pecado.
“Venham; vamo-nos daqui.” Essas são as últimas palavras de João 14, de acordo 
com a NIV Elas interrompem o fluxo do Discurso de Despedida de forma tão 
dramática que geraram muitas explicações. Muitos estudiosos defendem que tais 
palavras indicam o fim do discurso e que, portanto, os dois capítulos seguintes 
estão fora de lugar. Eles teorizam que ou João 15 e 16 originalmente vinham antes 
de João 14, ou que João 14 e João 15—16 são dois relatos do mesmo discurso, os 
quais algum editor insensível pôs no livro um depois do outro. Nenhuma dessas 
TRÊS ESCLARECIMENTOS 83
teorias tem muito fundamento. Não há evidências textuais que apoiem nenhuma 
delas, e contra elas há o fato de que existe uma progressão de idéias do começo 
do capítulo 14 ao fim do capítulo 16 (como este livro busca demonstrar).
Mesmo que não adotemos alguma teoria de deslocamento, é preciso admitir 
que a gramática grega no fim de João 14 é difícil. Minha exposição segue a NIV 
a qual julgo ser provavelmente a mais correta; mas também é possível pontuar o 
texto da seguinte forma: “... [O Diabo] não tem direito sobre mim. Mas, para 
que o mundo saiba que amo o Pai e que faço exatamente o que o Pai me mandou 
fazer, venham, vamo-nos daqui”. Não vejo como descartar essa maneira de inter­
pretar 14.30,31; contudo, talvez ela seja menos provável que a pontuação da NIV
Um estudioso britânico, C. H. Dodd, lê as palavras finais de 14.31 metafo­
ricamente, como uma exortação militar: “O Soberano deste mundo está vindo. 
Ele não tem direito sobre mim; mas, para mostrar ao mundo que eu amo o Pai e 
faço exatamente o que ele manda — venham, marchemos até ele!”. Tal leitura não 
deixa de ser atraente; contudo, ela depara com dificuldades graves. Primeiro, 
não está óbvio que os capítulos 15 e 16 se sigam a um clamor militar desse tipo. 
Segundo, ao longo do Discurso de Despedida, Jesus vê a hora iminente da Paixão 
como o caminho que ele próprio precisa trilhar. A luta é dele, e somente dele. 
A luta só pertence aos discípulos à medida que eles estão atribulados e confusos 
em relação a ela. Terceiro, o texto não diz: “... marchemos até ele\”. Antes, ele 
diz: “... vamo-nos daqui”, ou, nas palavras da NIV: “... vamos embora”.
No geral, parece melhor ler as palavras: “Venham; vamos embora” como 
uma pausa no Discurso de Despedida durante a qual Jesus e seus discípulos de 
fato saem do aposento superior e começam sua jornada pelas ruas sinuosas 
de Jerusalém, para fora da porta da cidade e colina abaixo, atravessando o 
riacho Cedrom e subindo o monte das Oliveiras. De acordo com 18.1, eles 
não atravessam o Cedrom até Jesus ter feito a oração de João 17.3 Mas talvez o 
3Visto que 18.1 diz que “Jesus saiu com os discípulos e atravessaram o vale do Cedrom”, 
muitos defenderam que ele e seus seguidores não poderíam ter deixado o aposento superior até 
aquele momento. Nesse caso, é difícil ler 14.31 da forma que sugeri. No entanto, o verbo usado 
no grego nem sempre precisa ser lido de forma tão forte. Embora ele comumente signifique 
“sair do lugar” ou “deixar o lugar”, ele às vezes tem o sentido mais fraco de “ir”, ou talvez de 
“prosseguir” ou “ir adiante”. Poucos versículos depois, em 18.4, o mesmo verbo aparece nesse 
sentido mais fraco: “Jesus, sabendo tudo o que lhe estava prestes a acontecer, saiu e lhes per­
guntou: ‘O que é que vocês querem?’”. A essa altura Jesus claramente se acha do lado de fora, 
e está se aproximando da multidão. Jesus não “sai” em nenhum sentido literal; antes, ele “vai 
adiante”. O mesmo tipo de uso pode ocorrer em 18.1.
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
conteúdo dos capítulos 15—17 tenha sido fornecido entre o momento em que 
eles deixaram o aposento superior e o momento em que deixaram os muros 
da cidade para trás e partiram para o fundo do vale. Será que foram as vinhas 
locais ou alguma vinha esculpida em uma porta da cidade que inspiraram as 
imagens de vinhas emjoão 15? Será que as conversas de João 16.17-19 sugerem 
que grupos de discípulos conversavam em sussurros, a via estreita limitando o 
caminho dos Doze e forçando-os, às vezes, a caminhar em grupos menores? 
Será que as palavras “Depois de Jesus dizer isso, ele olhou para o céu e orou...” 
(17.1) encorajam a ideia de que Jesus e seus homens estavam do lado de fora, 
de modo que, se olharam para cima, eles viram o céu, e não o teto? E difícil 
ter certeza, e nenhuma das evidências é conclusiva; mas estou mais inclinado 
a seguir esse tipo de interpretação que qualquer outro.
o
LO
O 
'S
Intimidade espiritual com Jesus Cristo
“Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Ele corta todo 
ramo que não dá fruto, mas todo ramo que dá fruto ele poda, para que 
seja ainda mais frutífero. Vocês já estão limpos por causa da palavra que 
lhes tenho falado. Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. 
Nenhum ramo pode dar fruto por si mesmo; ele precisa permanecer na 
videira. Vocês tampouco podem dar fruto se não permanecerem em mim.
“Eu sou a videira, vocês são os ramos. Se alguém permanece em 
mim e eu nele, dará muito fruto; sem mim vocês não podem fazer nada. 
Aquele que não permanece em mim é como o ramo que é jogado fora e 
seca; esses ramos são recolhidos, jogados ao fogo e queimados. Se vocês 
permanecerem em mim e minhas palavras permanecerem em vocês, 
peçam o que quiserem, e lhes será dado. Isto é para a glória de meu Pai: 
que vocês deem muito fruto, mostrando assim serem meus discípulos.
“Assim como o Pai me amou, eu amei vocês. Agora permaneçam em 
meu amor. Se obedecerem aos meus mandamentos, vocês permanecerão 
emmeu amor, assim como eu obedeci aos mandamentos de meu Pai e 
permaneço em seu amor. Contei-lhes isto para que minha alegria esteja 
em vocês e para que sua alegria seja completa. Meu mandamento é este: 
amem uns aos outros assim como amei vocês. Não há amor maior do que 
este: dar a vida pelos amigos. Vocês são meus amigos se fizerem o que 
mando. Não os chamo mais de servos, porque o servo não sabe o que faz 
seu senhor. Em vez disso, eu os tenho chamado de amigos, porque tudo o 
que aprendi com meu Pai tomei conhecido a vocês. Vocês não me esco­
lheram, mas eu escolhi vocês para irem e darem fruto — fruto duradouro. 
Então o Pai lhes dará tudo o que vocês pedirem em meu nome.”
Poucas passagens das Escrituras são mais conhecidas, embora em um 
nível superficial, que os primeiros versículos de João 15. Aqui Jesus 
afirma ser a videira verdadeira. Seu Pai é o jardineiro, e seus seguidores são 
os ramos. Os ramos frutíferos são podados para torná-los mais frutíferos; os 
ramos que não dão fruto são cortados e queimados. Os seguidores de Jesus 
precisam aprender que, como o ramo da videira, eles só podem ser frutíferos
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
se “permanecerem” em Cristo. "... Sem mim”, Jesus insiste, “vocês não podem 
fazer nada” (15.5). O cristão que permanece na videira verdadeira recebe 
a promessa da oração eficaz: “Se vocês permanecerem em mim e minhas 
palavras permanecerem em vocês, peçam o que quiserem, e lhes será dado” 
(15.7). Isso é para a glória do Pai. A ideia ecoa o ensinamento anterior de 
Jesus no Discurso de Despedida (cf. 14.13,14).
Apesar dessa alusão isolada a uma seção anterior, João 15 como um todo 
é um importante passo adiante. Jesus agora se concentra na vida, no frutificar, 
na oração, no testemunho e na resistência que seus seguidores experimentarão 
no período em que ele estiver longe. Há um desenvolvimento contínuo desses 
temas, e de outros similares, até 16.15.
Os primeiros versículos do capítulo 15 não nos apresentam uma parábola 
— ao menos não uma parábola como a maioria das registradas nos Evangelhos 
Sinóticos. Não há história, não há enredo. O que há é uma metáfora ampliada 
sem narrativa — ou, como diz C. K. Barrett, “certas observações gerais a respeito 
de viticultura”. Seja como for, os cristãos desde longa data sentem-se atraídos 
por esses versículos, tanto por serem profundos como por serem desconcertantes.
Eles são profundos porque lidam com certas realidades profundas da fé 
cristã. Jesus é central na passagem: ele próprio é a videira verdadeira. A palavra 
verdadeira traz à mente outras passagens bíblicas que lidam com videiras. Em 
particular, o Antigo Testamento frequentemente chama o povo de Israel de 
videira de Deus (e.g., S1 80.8-16; Is 5.1-7; 27.2ss.; Jr 2.21; 12.10-13; Ez 15.1-8; 
19.10-14). A maioria dessas passagens enfatiza o quanto essa videira é favorecida 
e privilegiada, mas também o quanto ela é corrupta. Deus “procurou uma safra 
de boas uvas, mas ela só rendeu maus frutos” (is 5.2). Deus diz: “Eu a plantei 
como videira seleta, de procedência pura e confiável. Como então você se voltou 
contra mim, tornando-se uma videira selvagem e corrupta?” (jr 2.21). Agora 
Jesus aparece e declara ser a videira verdadeira.
Já no salmo 80 há uma associação entre a videira e o Filho do Homem; e 
talvez haja um eco dessa associação em João 15. O verdadeiro povo de Deus 
compõe-se daqueles que são ramos na videira verdadeira: é isso que o capítulo 
15 nos diz. Assim como o corpo de Jesus é o verdadeiro templo (jo 2), e ele é o 
verdadeiro pão do céu (jo 6), a água que verdadeiramente mata a sede (jo 4), o 
Bom Pastor (Jo 10) e a vida que ressuscita os homens (jo 11), assim também ele 
é a videira verdadeira. Todas as sombras do Antigo Testamento desaparecem à 
luz de sua substância (compare-se as passagens com Cl 2.17).
INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO 87
João 15 também é profundo e interessante por outras razões. O capítulo lida 
com a união entre Cristo e seus seguidores, uma união fora da qual eles não podem 
dar frutos (15.4,5). O que quer que esteja envolvido nessa intimidade entre Cristo 
e os cristãos está na essência da vitalidade espiritual. Tão importante é o processo 
de frutificar que todo ramo produtivo é podado para tomá-lo mais frutífero. Isso 
também é um ponto focal na experiência dos cristãos. Não seguimos muito longe 
em nosso caminho cristão antes de a poda dolorosa nos fazer chorar de confusão 
e autopiedade; mas a adição de um pouquinho mais de tempo nos ajuda a ver 
que o jardineiro celestial sabe o que está fazendo e a reconhecer com gratidão 
que estamos dando mais frutos em nossa vida. Não surpreende que João 15 tenha 
sido por muitos séculos uma das passagens favoritas dos cristãos.
No entanto, a passagem é tão desconcertante quanto profunda. Que tipo 
de fruto exatamente precisamos dar? Haverá mesmo algum cristão que real­
mente tenha recebido as promessas extravagantes dos versículos 7 e 8? O que 
exatamente significa “permanecer em Cristo”? Acima de tudo, que quer dizer 
a declaração de que pode haver ramos que estão na videira e que, contudo, são 
infrutíferos? E como esses ramos podem ser cortados e destruídos?
Não me proponho a responder a essas perguntas diretamente. Contudo, os 
versículos seguintes do capítulo, os versículos 9 a 16, lidam com uma questão que 
está por trás de todas as outras; e, se a entendermos direito, as outras se encaixarão 
em seu devido lugar. João 15.9-16 lida com a natureza da intimidade entre Jesus e 
o cristão, entre a videira e o ramo. Interpreto a passagem como a exposição que o 
próprio Jesus faz da metáfora ampliada que ele acabou de usar. Os numerosos para­
lelos entre 15.1-8 e 15.9-16 parecem sugerir isto: a ênfase contínua em “perma­
necer”, as referências a dar frutos, o senso de privilégio em pertencer à videira/ 
Jesus, a culminação de ambas as passagens em grandes promessas relacionadas à 
oração. Observaremos apenas alguns paralelos; e, ao entendê-los, descobriremos 
que a exposição de 15.9-16 é simultaneamente a exposição dos temas principais 
de 15.1-8 e uma resposta às perplexidades da passagem.
João 15.9-16 insiste em cinco coisas em relação à natureza da intimidade 
entre Jesus e o cristão.
A intimidade entre Jesus e o cristão tem paralelos em 
alguns aspectos com a intimidade entre Jesus e seu Pai
“Assim como Pai me amou, eu amei vocês. Agora permaneçam em meu amor. 
Se obedecerem aos meus mandamentos, vocês permanecerão em meu amor, 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
assim como eu obedeci aos mandamentos de meu Pai e permaneço em seu 
amor. Contei-lhes isto para que minha alegria esteja em vocês e para que sua 
alegria seja completa” (15.9-11).
Há três elementos comuns:
1. Assim como Jesus é o objeto do amor do Pai, o cristão é o objeto do amor 
de Jesus. Isso é explicitamente afirmado no texto: “Assim como o Pai me amou, 
eu amei vocês...” (15.9a).
Se no primeiro versículo do Evangelho lemos que a Palavra era Deus, lemos 
no mesmo versículo que a Palavra estava com Deus; e a expressão peculiar que é 
usada significa que o Verbo estava na presença de Deus. Desde toda a eternidade 
foi assim, e por todo esse “tempo” o Pai amou o Filho. João pressupõe isso quando 
nos diz que Deus é amor (ljo 4.8). Um Deus que sempre viveu em reclusão 
solitária não pode ser descrito de forma realista como um Deus amoroso, mas 
um deus que existe como Deus uno em três pessoas pode de fato estar exercendo 
amor profundo. Jesus deixa explícito que o Pai o amou desde antes de o mundo 
ser criado (17.24). Esse amor do Pai pelo Filho é pressuposto, mais uma vez, pelo 
contraste presumido nas palavras: “Porque Deus de tal forma amou o mundo que 
Deus seu Filho unigênito...” (3.16). Paulo, similarmente, pressupõe o amor eterno 
do Pai pelo Filho quando afirma: “Aquele que não poupou seu próprio Filho, 
mas o entregou por todos nós — como também não nos dará graciosamente, 
junto com ele, todas as coisas?” (Rm 8.32). Deusjá deu seu melhor presente, seu 
presente mais querido; e esse presente é o Filho que ele ama.
Esse amor do Pai pelo Filho não está restrito ao estado pré-encarnado 
do Filho. O Evangelho de João nos diz por duas vezes que o Pai ama o Filho 
(3.35; 5.20); e em ambas as vezes o contexto mostra que é Jesus Cristo, o 
Filho encarnado, que está em vista. De acordo com os Evangelhos Sinóticos, 
Jesus começou seu ministério público quando foi batizado por João Batista, e 
então ouviu o silêncio do céu ser rompido pela declaração pública de seu Pai: 
“... Você é meu filho, a quem amo; em você me agrado” (Mc 1.11 e paralelos). 
A transfiguração suscitou outro testemunho público do amor do Pai: "... Este 
é meu Filho, a quem amo. Ouçam-no!” (Mc 9.7 e paralelos).
E agora lemos as palavras completamente incríveis de Jesus: “Assim como 
o Pai me amou, eu amei vocês...” (15.9a). Já descobrimos que o Filho ama o Pai 
e que nossa salvação nasce do desejo de Jesus de agradar seu Pai (14.30,31 e o 
capítulo 4 deste livro); mas ouvir, além disso, que Jesus nos ama com o mesmo 
amor com que o Pai o ama é assombroso.
89INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO
Teu doce e incrível amor
é a medida dos meus dias;
ele não cessará jamais, 
nem cessará o meu louvor.1
Há um toque de eternidade nesse amor. Não surpreende que Jesus diga alguns 
versículos depois: “Vocês não me escolheram, mas eu escolhi vocês...” (15.16).
Em algum sentido, então, o Filho é o mediador do amor do Pai por nós; 
mas não pensemos que o próprio Pai deixe de nos amar. Muito pelo contrário; 
na oração sacerdotal, Jesus diz a seu Pai: “... Você me enviou e os amou assim 
como me amou” (17.23). Mesmo assim, que Jesus diga: “Assim como o Pai me 
amou, eu amei vocês...” (15.9a) faz com que reflitamos e nos maravilhemos 
com a ideia de que os cristãos desfrutam um pouco da mesma intimidade com 
Jesus de que ele desfruta com seu Pai. O Pai é o Jardineiro que tem carinho 
pela videira; a videira tem carinho pelos ramos. Não que o jardineiro não se 
importe com os ramos e concentre sua atenção exclusivamente na videira; mas os 
ramos não têm lugar no jardim nem no afeto do jardineiro a não ser que sejam 
nutridos pela videira. É nesse sentido que o Filho é o mediador do amor do Pai.
2. Assim como Jesus permanece no amor de seu Pai por meio da obediência, o 
cristão precisa permanecer no amor de Jesus por meio da obediência. “Agora perma­
neçam em meu amor”, Jesus insiste. “... Se obedecerem aos meus mandamentos, 
vocês permanecerão em meu amor, assim como eu obedeci aos mandamentos 
de meu Pai e permaneço em seu amor” (15.9b,10).
Embora Jesus seja o objeto do amor do Pai, ele não se dá por satisfeito, não 
descansa no amor de que dispõe, indiferente às responsabilidades advindas do 
usufruto do amor alheio. Não, Jesus permanece no amor do Pai por meio da 
obediência às suas ordens. O Pai não deixa Jesus sozinho porque Jesus sempre 
faz o que agrada a ele (8.29). Já examinamos em detalhes o fato de que a posição 
do Filho diante do Pai é, em relação aos homens, de revelação e autoridade 
e de que sua posição diante dos homens é, em relação ao Pai, de submissão e 
dependência (veja p. 34); e agora vemos novamente a ênfase na submissão de 
Jesus à vontade de seu Pai.
Essa submissão é um exemplo para os cristãos. Que grande exemplo as 
Escrituras nos apresentam: o próprio Filho de Deus aprendeu a obediência por
‘George Herbert (1593-1632). 
90 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
meio do sofrimento. Não se trata de uma divindade isolada que não pode ser 
tocada pelo sentimento das nossas tentações. Jesus sabe o que é obedecer ordens. 
Por isso, sua injunção traz consigo não só a autoridade da Divindade, mas a 
autoridade da experiência pessoal: “Se obedecerem aos meus mandamentos, 
vocês permanecerão em meu amor, assim como eu obedeci aos mandamentos 
de meu Pai e permaneço em seu amor” (15.10).
Antes Jesus ensinou: “Se vocês me amam, obedecerão àquilo que mando” 
(14.15); a realidade do amor profundo dos discípulos precisa ser comprovada pela 
obediência deles. Mas agora a obediência dos discípulos não é apresentada como 
evidência de seu amor, e sim como o meio de permanecer no amor de Deus.
Precisamos exercer um cuidado especial ao observar o que o texto não diz. 
Jesus não sugere que nossa obediência de alguma forma conquiste seu amor, 
nem que seu amor seja tão triste e mesquinho que precise ser-lhe arrancado 
por uma espécie de suborno moral. Se fosse assim, o amor divino não seria 
anterior, e sabemos que ele é (3.16; cf. ljo 4.10,11).
Talvez possamos entender melhor as palavras de Jesus ao refletir em alguns 
exemplos do Novo Testamento. Ananias e Safira eram cristãos batizados; contudo, 
por causa de sua mentira diante do Espírito Santo, foram mortos (At 5). Eles não 
permaneceram no amor de Jesus. O fato de serem mortos, é claro, não prova 
em si mesmo que não tenham permanecido no amor de Jesus: afinal, Estêvão 
também foi morto (At 7). Mas a morte de Estêvão foi uma morte de mártir; 
Ananias e Safira morreram em consequência de uma ação judicial divina.
Podemos pensar naqueles coríntios que se achegaram à ceia do Senhor de 
forma indigna e, em consequência, adoeceram. Alguns deles morreram (lCo 11): 
eles não permaneceram no amor de Jesus. João refere-se aos cristãos professos que 
correm em outras direções em vez de permanecer nos ensinamentos de Cristo: 
essas pessoas, insiste João, não têm Deus (2Jo 9). Judas faz eco aos ensinamentos de 
seu excelso meio-irmão quando escreve: “Permaneçam no amor de Deus” (jd 21).
O que precisa ser percebido nessa e em outras passagens bíblicas que tratam 
do amor de Deus ou do amor de Jesus é que há uma vasta gama de idéias asso­
ciadas ao amor de Deus, e essa gama varia dependendo do contexto. A Bíblia 
insiste na ira de Deus contra todos os homens, ira alicerçada na natureza santa 
de Deus; mas também insiste no amor de Deus por todos os homens, enviando 
seu Filho e convidando-os a vir até ele. A Bíblia também fala do amor de Deus 
em sentido mais estreito: ele escolhe Jacó em detrimento de Esaú, Davi em
INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO
detrimento de Saul, um povo inteiro para o louvor de sua gloriosa graça.2 Em 
muitos casos é ilegítimo transferir as associações presentes em uma passagem 
acerca do amor de Deus a alguma outra passagem, e é sempre ilegítimo usar as 
associações presentes em uma passagem para deslegitimar as que estão presentes 
em outra.
2Para explorar mais esse tema do Evangelho de João, veja meu livro Divine sovereignty and 
human responsibility: some aspects ofjohanníne theology (London, Reino Unido/Atlanta: Marshall, 
Morgan and Scott/John Knox, 1980) edição em português: Soberania divina e responsabilidade 
humana (São Paulo: Vida Nova, 2019)].
3Há uma escolha textual extremamente difícil a ser feita nessa passagem, entre o indicativo 
futuro genesesthe e o subjuntivo aoristo genesthe. Sintaticamente, o primeiro pode em raros casos 
assumir o sentido do segundo nessa construção. Qualquer que seja a leitura, o texto não está nos 
dizendo que dar fruto toma a pessoa um discípulo, mas que dar fruto é o sinal necessário e visível 
de que de fato se é um discípulo. A tradução da NIV ainda que parafrástica, certamente é correta.
No contexto de João 15, Jesus está falando de seu amor pelos discípulos, 
não de como eles se tornaram seus discípulos. Ser um discípulo, ser íntimo 
de Jesus, traz certas responsabilidades. Para começar, exige obediência: só a 
obediência garante que o discípulo permanecerá no amor de Jesus. Similarmente, 
na metáfora ampliada da videira, nos versículos anteriores, nenhum ramo 
pode dar fruto a não ser que permaneça na videira, e o ramo que não der 
fruto é cortado e queimado. Onde houver crescimento e fruto em virtude da 
conexão com a videira, ali há, também, vida; onde não há nem crescimento 
nem fruto, não há vida. No que diz respeito ao discipulado, Jesus explica a 
metáfora assim: “Isto é para a glória de meu Pai: quevocês deem muito fruto, 
mostrando assim serem meus discípulos” (15.8).3
A pergunta, então, precisa ser encarada de frente: “Os cristãos verdadeiros 
podem perder a salvação? Pode uma pessoa ser um ramo na videira e, subse­
quentemente, ser jogada fora e destruída?”.
A pergunta é importante; mas só é importante para aqueles que têm as 
Escrituras em alta conta e que, portanto, creem que as afirmações da Bíblia 
podem em última análise ser conciliadas entre si. Se o sujeito não adota essa 
perspectiva, não há nada que o impeça de supor que um livro bíblico ensina 
uma coisa enquanto outro livro bíblico ensina algo que a contradiga. Ele talvez 
chegue a supor que alguns dos autores bíblicos estavam tão confusos que 
contradisseram a si mesmos.
A pessoa que tem as Escrituras em alta conta, todavia, tenta sintetizar as 
passagens que parecem dizer que o cristão não pode cair completamente da fé
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
com as passagens que parecem dizer que o cristão pode de fato ser rejeitado 
totalmente; ela acredita que um só Deus da verdade está por trás de ambas as 
passagens. Por um lado, ela se lembra das palavras de Jesus:"... e esta é a vontade 
daquele que me enviou, que eu não perca nenhum de todos os que ele me deu, 
mas que os ressuscite no último dia” (6.39); e de novo: “Minhas ovelhas ouvem 
minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas 
não perecerão jamais; ninguém pode arrancá-las de minha mão” (10.27,28). 
Ela se lembra de Paulo, o qual confia “que aquele que começou a boa obra em 
vocês a completará até o dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). Por outro lado, ela lê aqui 
a respeito de ramos em Cristo que não dão fruto e são cortados e se pergunta 
como lidar de forma justa e honesta com todas essas evidências.
Esse não é o lugar para realizar uma exploração completa do assunto, mas 
talvez seja útil dar algumas pistas do que julgo ser uma solução. As falsas soluções 
são numerosas: algumas, por exemplo, sugerem que a pessoa que não dá fruto 
é jogada fora e queimada como ramo, mas não como cristão. Essa “solução” faz 
uma distinção rígida demais entre a metáfora e aquilo que a metáfora repre­
senta. Outros sugerem que a passagem como um todo não diz respeito aos 
cristãos, mas aos judeus que não aceitam Jesus como o verdadeiro Messias. A 
metáfora da videira torna-se, assim, semelhante à metáfora paulina da oliveira 
em Romanos 11, com os ramos judeus sendo quebrados e os ramos gentios 
sendo enxertados. Mas João 15 nem sequer menciona “enxerto”. O contexto 
não remete à distinção entre judeu/gentio, mas fala de ramos em Cristo que 
são cortados. São os cristãos (sejam eles judeus ou gentios) que estão em vista.
Uma solução genuína desse problema começará com o reconhecimento 
de que nossa teologia da conversão provavelmente é insatisfatória. Somos 
inclinados a pensar que, uma vez que a pessoa tenha feito a decisão, ela está 
salva e pronto. Há algumas evidências bíblicas que apoiam essa perspectiva: a 
pessoa que tem fé em Jesus Cristo de fato veio a experimentar o novo nascimento 
(jo 3), e a simples instrução dada ao carcereiro filipense não deve ser acompa­
nhada de ressalvas sem fim (At 16). Ainda assim, há muitas evidências bíblicas 
que sugerem que a condição espiritual da pessoa deva ser abordada de forma 
mais fenomenológica que ontológica: isto é, mais de acordo com seu compor­
tamento e reações que com aquilo que está acontecendo em seu próprio ser. A 
verdadeira conversão nas Escrituras pressupõe alguma mudança genuína naquilo 
que o homem verdadeiramente é, mas isso não impede os autores bíblicos de 
INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO 93
lidarem com aquilo que um homem diz e faz. Só Deus pode julgar o coração; 
você e eu só podemos julgar palavras e atos.
Por exemplo, na Parábola do Semeador (Mc 4 e paralelos), Jesus apresenta 
quatro tipos diferentes de terra. Só uma, a terra “boa”, dá fruto (em várias 
colheitas). Das outras três terras, duas produzem uma planta viva: a terra super­
ficial em lugares pedregosos e a terra infestada de espinhos. O caminho de terra 
dura e compacta não é frutífero, porque as aves (= Diabo) vêm e roubam as 
sementes; mas as outras duas pobres terras de fato começam a produzir algo 
promissor. Aliás, as sementes plantadas em terra superficial parecem de início 
ser as mais promissoras de todas. A descrição de Jesus é reveladora: “Outras, 
como semente lançada em terreno pedregoso, ouvem a palavra e imediatamente 
a recebem com alegria. Mas, como não têm raiz, duram pouco tempo. Quando 
vêm as tribulações ou a perseguição por causa da palavra, elas logo a abandonam” 
(Mc 4.16,17). Em suma, a conversão genuína não deve ser julgada pela decisão 
impulsiva, mas pelos frutos de longo prazo.
O apóstolo João adota a mesma perspectiva ao tratar de certos anticristos 
que haviam deixado a igreja e estavam propagando falsos ensinamentos e 
imoralidade. Como eles deveríam ser vistos, já que também haviam sido bati­
zados e tinham outrora desfrutado da comunhão com os cristãos verdadeiros? 
João escreve: “Eles saíram de nosso meio, mas não pertenciam realmente a nós. 
Pois, se tivessem nos pertencido, teriam permanecido conosco; sua ida, porém, 
mostrou que nenhum deles pertenceu realmente a nós” (ljo 2.19). Em outras 
palavras, João insiste claramente em que a própria apostasia deles prova que 
nunca foram cristãos verdadeiros. Eles deram as costas à verdade, abandonaram a 
comunhão de que haviam participado, rejeitaram os compromissos que haviam 
assumido; por isso insiste João, eles não podiam ter sido cristãos verdadeiros ou 
não teriam feito essas coisas.
A fé verdadeira é firme até o fim. E isso que afirma o autor da Carta aos 
Hebreus, usando uma combinação interessante de tempos verbais: “Já passamos 
a participar de Cristo se nos apegarmos firmemente até o fim à confiança que 
tínhamos no início” (Hb 3.14). Como diz João: “... Todo aquele que continua 
no ensino tem tanto o Pai como o Filho” (2Jo 9).
Perceber essas coisas também significa ver quão perto alguém pode chegar 
da salvação sem que a raiz da questão jamais esteja nele. O indivíduo pode crer, 
no sentido de ter vindo a concordar completamente; ele pode passar em todos os 
testes que uma igreja com discernimento pode oferecer e ser batizado; ele pode 
94 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
se tornar um discípulo, um seguidor de Jesus no sentido de que adere (até onde 
conseguimos perceber) aos ensinamentos de Jesus; ele pode dar seu testemunho 
e experimentar certas incitações à santidade em virtude de suas companhias. Aos 
olhos de todos que se limitam ao fenomenológico, esse indivíduo é um cristão, 
um irmão. Ele é um ramo; é uma semente que está brotando e crescendo conti­
nuamente. Mas, se nesse momento ele rejeita a verdade, permanece infrutífero 
ou murcha diante da oposição, os autores bíblicos que citei concordam nisto: 
é possível que ele não tenha sido jamais um verdadeiro cristão. João 2.23-25 
deixa claro que alguém pode em certo sentido pôr sua confiança em Jesus e, no 
entanto, não ser um cristão verdadeiro. Judas Iscariotes foi aceito pelos Doze, e 
ninguém suspeitou que ele os deixaria e trairia; mas o veredito final é que seria 
melhor para ele se nunca tivesse nascido.
São pensamentos sombrios, mas servem para enfatizar o sentido do argu­
mento de Jesus: cabe ao cristão permanecer no amor de Jesus, e ele alcança esse 
objetivo por meio da obediência. Isso não sugere obediência perfeita: o ramo 
que dá frutos continua precisando ser podado e aparado, e continuará a exigir 
esse tratamento até Jesus voltar. Também não devemos ser arrogantes a ponto 
de pensar que somos sábios e comprometidos o bastante para preservarmos a 
nós mesmos: aqueles que com muito esforço permanecem no amor de Jesus 
descobrem que é o próprio Jesus quem os está mantendo ali. Nas palavras 
de Paulo, eles realizam a própria salvação e então descobrem que Deus está 
agindo neles para que desejem e ajamde acordo com o bom propósito divino 
(Fp 2.13). Mas, uma vez registradas as devidas qualificações, é preciso que o 
ensinamento de Jesus em João 15 fique plenamente impresso em nossa mente: 
assim como Jesus permanece no amor de seu Pai por meio da obediência, o 
cristão precisa permanecer no amor de Jesus por meio da obediência. É isso que 
significa permanecer na videira; é isso que a intimidade com Jesus acarreta. Se 
não fazemos isso, a validade de nosso compromisso com Jesus Cristo é duvidosa.
Há um perigo ao enfatizar esse paralelo entre nossa intimidade com Jesus e 
a intimidade dele com o Pai. O perigo é que a responsabilidade de permanecer 
no amor de Jesus pode soar tão severa, tão séria, tão dura, que suscite um assen­
timento temeroso e até mesmo desesperado, mas não amor e alegria. Talvez seja 
por reconhecer esse perigo que Jesus oferece um terceiro elemento no paralelo.
3. Assim como a alegria suprema deJesus está nesse relacionamento de obediência 
ao Pai, a suprema alegria do cristão está em seu relacionamento de obediência ao 
INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO
Filho. “Contei-lhes isto”, diz Jesus, referindo-se ao paralelo que acabou de retratar 
a respeito da obediência, “para que minha alegria esteja em vocês e para que 
sua alegria seja completa” (15.11).
Isso leva a obediência de Jesus a seu Pai a um novo e elevado plano. Jesus 
tem prazer em fazer a vontade de seu Pai; sua alegria depende de agradar a 
seu Pai. Tão profundo e tão constante é seu amor ao Pai que o que ele mais 
deseja é agradar a ele; e agradar ao Pai dá ao Filho a mais profunda alegria e 
satisfação. Jesus reconhece que isso é verdade em relação a si mesmo e deseja 
que essa alegria seja compartilhada por seus seguidores. Eles beberão fartamente 
dessa alegria se imitarem sua obediência. A corrente de ar suprema é a “alegria 
completa”, que pressupõe obediência completa e sem reservas.
A alegria que Jesus promete não é, portanto, meramente um brilho barato 
que depende de circunstâncias exteriores. E a alegria profunda da pessoa 
temente a Deus que “tem prazer na lei do Senhor” (Sl 1.2), a alegria suprema 
de obedecer de todo o coração. Todo cristão que tenha percorrido uma mínima 
distância em sua peregrinação sabe que é assim. Sua alegria mais profunda nasce 
dos períodos de sua vida em que ele obedece a Cristo em compromisso total. 
Quando depara com alguma decisão difícil, de tons morais complexos, e ele 
rejeita vários caminhos sinuosos, escolhendo a adesão total ao caminho mais 
elevado por causa de Jesus, ele experimenta uma alegria que o deixa sem palavras.
Não há figura mais triste que o cristão que durante um tempo deixa de 
obedecer. Ele não ama o pecado o bastante para desfrutar de seus prazeres 
e não ama a Cristo o bastante para ter prazer na santidade. Ele percebe que 
sua rebelião é iníqua, mas a obediência parece ter um sabor desagradável. Ele 
não se sente mais em casa no mundo, mas a lembrança das companhias do 
passado e as letras sedutoras de suas antigas músicas favoritas impedem que ele 
cante com os santos. Trata-se de um homem digno de pena; e ele não pode 
permanecer indeciso para sempre.
Jesus experimentou a alegria de uma vida completamente frutífera porque 
era obediente a seu Pai; e ele deseja que seus seguidores partilhem o máximo 
possível dessa mesma alegria frutífera ao serem totalmente obedientes a ele.
Essa é a terceira forma pela qual a intimidade entre Jesus Cristo e o cristão faz 
um paralelo com a intimidade entre Jesus e seu Pai. Não pensemos que essa lista 
é completa; por exemplo, depois da ressurreição, Jesus apresenta outro paralelo 
ao contar aos discípulos: “... Assim como o Pai me enviou, estou enviando vocês” 
(20.21). Em contrapartida não pensemos que a lista de paralelos não tem fim.
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
No final das contas, Jesus é único. Perfeitamente Deus e perfeitamente homem, 
somente ele é a videira; nós somos os ramos.
A intimidade entre o cristão e Jesus Cristo é uma 
intimidade que, longe de ser individualista, 
é compartilhada dentro do aconchego do amor por outros 
cristãos — um amor que imita o amor de Cristo por nós
“Meu mandamento é este: Amem uns aos outros assim como eu os amei. Não 
há amor maior que este: dar a vida pelos amigos” (15.12,13).
Formalmente, a conexão entre esses dois versículos e o anterior é a palavra 
mandamento. Os discípulos de Jesus devem experimentar a alegria ao obedecer 
a seus mandamentos, permanecendo assim em seu amor. Esses mandamentos 
agora são resumidos em um só: amarem uns aos outros, até mesmo a ponto de 
voluntariamente darem a vida por um amigo.
Antes, naquela mesma noite, Jesus dera seu “novo mandamento”: “Um 
novo mandamento eu lhes dou: assim como amei vocês, vocês devem amar 
uns aos outros. Todos saberão que vocês são meus discípulos se amarem uns 
aos outros” (13.34,35). Esse mandamento é novo de várias formas. É novo no 
fato de invocar um novo padrão: “... assim como amei vocês...”. E eternamente 
novo pelo fato de vir a nós vezes sem fim em nossas necessidades, novo assim 
como as misericórdias de Deus são novas a cada manhã: “pois se o cristianismo 
doutrinário é sempre velho, o cristianismo experiencial é sempre novo”.4 
Mas acima de tudo ele é novo pela declaração de Jesus de que esse amor é o 
sinal que distingue os cristãos nesta nova era, a característica que identifica os 
verdadeiros cristãos diante de um mundo atento.
4R. Candlish.
Todavia, por que Jesus volta a esse tema aqui? Além da conexão formal 
do mandamento, porque o mandamento do amor é retomado nesse contexto? 
Provavelmente há várias razões. Afixar os mandamentos gerais a respeito da 
obediência a Jesus a um só mandamento específico e central resulta em boa 
psicologia. Ademais, o próprio amor pode muito bem ser entendido como parte 
do fruto da videira. (Direi mais a respeito da natureza do fruto em João 15, 
logo adiante neste capítulo.) Além disso, Jesus apresentou a metáfora da videira 
aos discípulos reunidos em grupo. Ele se dirige a eles no plural: Vocês — todos 
vocês — são os ramos. Ao fazê-lo, ele prenunciou o desenvolvimento em Paulo
INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO
da teologia plena da unidade na diversidade: o corpo é um, mas tem muitos 
membros. A videira é uma, mas tem muitos ramos.
Em um contexto no qual se trata da intimidade entre o cristão e Jesus 
Cristo, certamente é útil lembrar que essa intimidade não é um relacionamento 
exclusivista, manipulador ou egoísta. Trata-se de uma intimidade compartilhada, 
compartilhada com irmãos e irmãs na fé, compartilhada dentro do aconchego 
do amor que enxerga no amor de Cristo o seu padrão.
Isso desqualifica todo brilho espiritual barato que não apresente o rigor 
do amor profundo entre cristãos. Infelizmente, nós, cristãos, somos sempre 
capazes de descrever o júbilo do amor nos novos céus e na nova terra enquanto 
continuamos a abrigar nossos ressentimentos, animosidades e amarguras. Como 
disse um sujeito sagaz:
Viver lá em cima com quem amamos — 
imaculada glória!
Viver cá embaixo com quem conhecemos —
aí é outra história.
No mundo ocidental frequentemente tentamos compensar nossos fracassos 
nessa área construindo um modelo pseudocristão de um brutal individua­
lismo espiritual. O cristão que vê a si mesmo dessa maneira talvez suponha 
desfrutar de intimidade especial com Jesus; no entanto, o próprio Jesus insiste 
em que a intimidade entre ele e cada um de seus seguidores é uma intimidade 
compartilhada dentro do quadro do amor pelos outros cristãos. Como bem 
disse um pastor puritano:
Aquele que te ama não precisa de amigos,
e pode conversar e andar contigo;
e com teus santos aqui e lá no céu,
com quem para sempre estarei
Na comunhão dos santos,
há sabedoria, segurança e prazer;
e quando meu coração declina e desfalece,
ele é animado por seu calor e luz.5
5Richard Baxter (1615-1691).
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Alguns apresentam a objeção de que essa passagem limitademais o amor. 
Jesus não exorta seus discípulos no Sermão do Monte (Mt 5—7) a amarem os 
inimigos? Por que, então, essa passagem diz que ninguém pode ter amor maior 
que este: dar a vida por seus amigos?
Não se deve supor que no Quarto Evangelho Deus não ame o mundo 
(3.16). Em outras passagens, o Novo Testamento deixa claro que Jesus morreu 
pelos pecadores, pelos inimigos de Deus (Rm 5.7-10). Mesmo assim, o amor que 
o Pai mostra ao mundo — na missão amorosa do Filho — resulta na formação 
de um grupo de discípulos que está, em alguns aspectos, em oposição ao mundo 
(15.18ss.). Dentro desse grupo, Jesus derrama seu amor especial e os capacita a 
participarem do amor compartilhado pela Divindade. Além disso, nesse contexto 
Jesus não está primariamente interessado em desenvolver as atitudes de seus 
seguidores no que diz respeito ao mundo, antes deseja estabelecer a identidade 
e os aspectos característicos de seus discípulos, de sua igreja.
E notável que no último e longo discurso de Jesus antes da cruz ele passe 
tanto tempo exortando os discípulos a amarem uns aos outros e a obedecerem 
aos seus mandamentos e tão pouco tempo exortando-os à pureza doutrinária. 
Não estou sugerindo que a pureza doutrinária seja insignificante: muitas 
passagens insistem em que dar as costas a Cristo é algo que pode ocorrer tanto 
por causa da falsa doutrina como por causa da decadência moral ou da falta 
de amor. Entretanto no Discurso de Despedida, a doutrina é apresentada com 
preocupação pastoral como a base do encorajamento e da fé, e não como o 
conteúdo mínimo que precisa ser absorvido para afastar a apostasia.
O cristão que anseia por intimidade profunda com Jesus Cristo precisa 
seguir esse novo mandamento. Não é fácil. Os irmãos pouco amáveis trazem 
à tona o que há de pior em mim. Os chorões me irritam. Os fofoqueiros e 
os arrogantes, os imaturos e os bobos conspiram para me tirar do sério. Mas 
a resposta é lembrar que o ramo nada pode fora da videira e que o próprio 
Jesus amou seus amigos, mesmo aqueles pouco amáveis, chorões, fofoqueiros, 
arrogantes, imaturos e bobos, e amou o bastante para morrer por eles.
A intimidade entre o cristão e Jesus Cristo é uma 
intimidade honrada pelo substantivo amizade, 
mas é uma amizade com cuidadosas ressalvas
Jesus agora usa a palavra amigos. Os discípulos não podem exibir amor maior 
do que este: darem a vida pelos seus amigos. Mas o próprio Jesus estava prestes 
INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO
a se tornar o padrão supremo: ele daria a vida pelos seus amigos em poucas 
horas. No entanto, a relação de Jesus com seus amigos não era exatamente a 
mesma que a relação deles entre si, porque Jesus agora diz: “Vocês são meus 
amigos se fizerem o que mando. Não os chamo mais de servos, porque o servo 
não sabe o que faz seu senhor. Em vez disso, eu os tenho chamado de amigos, 
porque tudo o que aprendi com meu Pai tornei conhecido a vocês” (15.14,15).
É crucial para o entendimento dessa passagem notar que os discípulos são 
chamados amigos de Jesus, mas não se diz que Jesus é amigo deles. Aliás, em 
nenhuma parte das Escrituras o Pai ou o Senhor Jesus são chamados de amigos 
de quem quer que seja. Abraão pode ser chamado de amigo de Deus (Is 41.8), 
mas as Escrituras não chamam Deus de amigo de Abraão. Em certa ocasião, 
Jesus aparentemente usou a expressão “meus amigos” de forma um tanto vaga 
(Lc 12.4), mas não há reciprocidade em parte alguma.
A primeira vista isso é um tanto estranho, ainda mais à luz dos hinos cris­
tãos. Cantamos com apreço hinos como este:
Achei um Amigo; oh, que amigo!
Que me amou antes de eu conhecê-lo;
ele me atraiu com as cordas do amor, 
e assim me uniu a si;
em torno do meu coração 
amarrados estão os laços indesatáveis, 
pois eu sou dele, e ele é meu, 
para todo o sempre.6
6James Grindley Small (1817-1886) [conhecido no Brasil como Que grande Amigo, tradução 
de Stuart Edmund McNair, in: Cantor cristão, hino75, disponível em: https://sites.google.com/ 
site/coletaneacantorcristao/075-que-grande-amigo.
(Joseph M. Scriven (1820-1886) [conhecido no Brasil como Quão bondoso amigo é Cristo, 
tradução de R. H. Moreton],
Ou:
Que Amigo temos em Jesus, 
que nossos pecados e tristezas carrega!
Que privilégio é trazer 
tudo para Deus em oração.7
Ou ainda:
https://sites.google.com/
[ip] O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Jesus! Que Amigo para os pecadores!
Jesus! Amante de minha alma:
amigos falham, inimigos me atacam,
mas ele, meu Salvador, me completa.8
8J. Wilbur Chapmari (1859-1918).
Todos esses hinos expressam idéias verdadeiras, e não hesito em cantá-los. 
Afinal, as Escrituras nunca apresentam Jesus como não amigo. Se a amizade 
se mede puramente pelo amor derramado, então Jesus é o maior dos amigos.
No entanto, permanece sendo fato que as Escrituras nunca se referem a 
ele com o substantivo amigo. Uma breve reflexão revela o porquê. A palavra 
amigo pode sugerir um relacionamento afetivo tão recíproco que distorceria 
gravemente e representaria de forma equivocada o relacionamento que real­
mente existe entre Jesus e seus seguidores. Em suma, há o risco de haver uma 
visão íntima de amizade que não abarque o amor real e não preserve a distinção 
fundamental entre Jesus e aqueles que ele redime.
Quando Jesus chama seus seguidores de amigos nessa passagem, portanto, 
trata-se de uma amizade com cuidadosas ressalvas. “Vocês são meus amigos se 
fizerem o que mando” (15.14): obviamente, essa amizade não pode ser recí­
proca! Ser amigo de Jesus a essa altura é indistinguível de permanecer no amor 
de Jesus: ambas as coisas dependem da obediência. Mas Jesus insiste em que 
isso não é igual a ser um servo ou um escravo. Um servo, como esse “amigo”, 
precisa fazer aquilo que mandam; mas o servo age às escuras, por assim dizer, 
realizando ordens cegamente, enquanto o amigo é informado dos negócios do 
mestre e entende o significado das ordens.
Suponha que um monarca despótico ordene ao motorista que lhe traga seu 
carro. O motorista o faria, sem pedir uma explicação detalhada e um itinerário 
e sem inquirir acerca da natureza do negócio ou do prazer que motivou essa 
excursão. Todavia, se o ditador pedisse a um amigo íntimo que fosse buscar o 
carro, o amigo poderia muito bem arriscar algumas perguntas. O amigo não 
estaria inclinado a dizer ao monarca o que ele deve fazer, mas poderia muito 
bem ser informado a respeito do que está se passando.
A distinção que Jesus apresenta entre o servo e o amigo não é a distinção 
entre obedecer e não obedecer, mas a distinção entre entender e não entender. 
O amigo é informado acerca do que está acontecendo. Esse saber não deriva 
INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO
de inteligência superior ou acuidade mental treinada, mas da revelação gracio­
samente concedida: o próprio Jesus torna conhecido a seus amigos tudo o que 
ele aprendeu com seu Pai.
Em certo sentido, portanto, os cristãos continuam a ser escravos de Jesus Cristo, 
à medida que estão comprometidos em obedecer-lhe. Paulo continua a se referir 
a si mesmo dessa maneira (e.g., Rm 1.1). Ao mesmo tempo, em outro sentido os 
cristãos não são mais escravos, mas amigos, à medida que receberam o maravilhoso 
privilégio de aprender parte do alcance do plano redentor de Deus. Paulo usa um 
contraste semelhante. Embora chame a si mesmo de escravo, ele também aponta 
que os cristãos não são mais escravos, mas filhos, uma vez que deixaram para trás 
a aliança que os tratava como crianças e vieram para debaixo da aliança que lhes 
permite participar das delícias de sua herança prometida (G1 4.1-7).
O texto pergunta ao leitor: “Você é amigo de Jesus?”. A resposta não 
pode ser vaga: “Eu me considero um amigo de Jesus”, “Tento ser” ou coisa do 
gênero. O amigo de Jesus é caracterizado por duas coisas: ele faz aquilo que 
Jesus manda e ele entende a revelação de Deus que Jesus graciosamente revelou.
Como isso está relacionado à metáfora ampliada da videira no começo 
do capítulo? Em parte, trata-se deoutra forma de explicar o significado de o 
ramo permanecer na videira, ou de o discípulo permanecer em Jesus Cristo. Mas 
talvez haja algo a mais. Esses versículos a respeito dos amigos de Jesus preservam 
uma distinção entre Jesus e seus seguidores; e talvez os ramos também precisem 
ser lembrados de quando em quando que eles próprios não são a videira. 
A videira suporta e nutre os ramos e os capacita a dar fruto, mas o relaciona­
mento não é exatamente recíproco.
A intimidade entre os cristãos e Jesus Cristo é uma 
intimidade frutífera baseada, no fim das contas, não 
em escolhermos Cristo, mas em Cristo nos escolher
Jesus é explícito: “Vocês não me escolheram, mas eu escolhi vocês para irem 
e darem fruto — fruto duradouro...” (15.16a). O “eu” é enfático no original.
Há uma forte ênfase sobre a eleição divina no Evangelho de João. Ao buscar 
entender essa ênfase, seja aqui, seja em outras partes do cânon, três observações 
que servem como limites eliminarão muitas especulações prejudiciais: (1) Deus 
é absolutamente soberano, de acordo com as Escrituras, mas sua soberania nunca 
reduz o homem à condição de um robô ou fantoche. As escolhas do homem 
102 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
são significativas. (2) O homem é responsável diante de Deus por tudo o que 
ele é, faz e tem; mas sua responsabilidade jamais torna Deus contingente. (3) 
Os erros teológicos nessa área doutrinária extremamente complexa podem em 
grande parte ser evitados se nos limitarmos às deduções que os próprios autores 
bíblicos oferecem e à observação cuidadosa de como a soberania de Deus e a 
responsabilidade do homem funcionam nas Escrituras. Por exemplo, os autores 
bíblicos nunca deduzem a partir da escolha de uma pessoa que Deus seja sobe­
rano em todas as áreas exceto nas áreas morais da vida (como, por exemplo, 
fazem os rabinos e Filo); nós, portanto, também devemos evitar essas deduções.
Se conseguirmos avançar para além do lugar em que ficamos brigando a 
respeito do sentido da eleição sem perceber como a eleição funciona nas Sagradas 
Escrituras,9 começaremos a perceber com que frequência no Evangelho de João 
a eleição é apresentada justamente no ponto em que a arrogância humana talvez 
precise de uma gentil lição de humildade (e.g., 6.70; 13.18). Assim acontece aqui. 
Os seguidores de Jesus estão sendo apresentados à ideia de ser espiritualmente 
frutíferos, estão sendo chamados de amigos de Jesus, são objeto do amor especial 
de Jesus: é o suficiente para virar a cabeça de qualquer um. Mas então, só para 
deixar as coisas na devida perspectiva, Jesus lembra aos seus homens: “Vocês não me 
escolheram, mas eu escolhi vocês para irem e darem fruto — fruto duradouro...”.
9Veja nota de rodapé 2, p. 91.
Essa verdade é de enorme importância se esperamos fugir da arrogância 
espiritual exacerbada que discorre quase como se Jesus tivesse sido abençoado 
pela nossa presença, como se lhe tivéssemos feito um favor ao escolher confiar 
nele. Não duvido sequer por um instante de que as pessoas sejam responsáveis 
por se arrepender e crer; mas é salutar reconhecer que nenhum cristão terá 
uma base legítima para afirmar, ao longo de toda a eternidade, que chegou lá 
porque, ao contrário do seu próximo, fez a escolha certa. Uma das canções que 
certamente será cantada para sempre ao redor do trono é esta:
Busquei o Senhor, e depois soube 
que ele moveu minha alma para buscá-lo, buscando a mim; 
não fui eu que encontrei, ó verdadeiro Salvador;
não, tui encontrado por ti.
Estendeste tua mão, para entrelaçá-la à minha; 
caminhei sem afundar sobre o mar tempestuoso;
INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO
não fui eu quem a ti se agarrou, 
mas tu, Senhor querido, me seguraste.
Encontro, caminho, amo; mas oh, todo
o meu amor é só minha resposta, Senhor, a ti! 
Pois muito antes tu já estavas com minh’alma;
sempre tu me amaste.10
10 Anônimo.
Às vezes estamos mais dispostos a reconhecer a verdade bíblica em nossos 
hinos que em nossa prosa. Será que algum cristão hesitaria em cantar: “Amado 
com amor eterno, guiado pela graça que amo conhecer”?
A intimidade com Jesus que se baseia fundamentalmente no fato de que foi 
ele quem nos escolheu dá frutos duradouros. Agora não estamos mais ouvindo 
a respeito de ramos que são cortados e destruídos; antes, estamos ouvindo a 
respeito de ramos que dão fruto — verdadeiro fruto — duradouro e que, assim, 
provam a autenticidade do ramo.
A intimidade entre o cristão e Jesus Cristo 
é uma intimidade cujo fruto é resultado de 
oração sob o senhorio de Cristo
Este é provavelmente um esclarecimento do resultado que surge do fato de 
que Jesus escolhe seu povo: “... o Pai lhes dará tudo o que vocês pedirem em 
meu nome” (15.16b). Essa grande promessa relativa à oração é enunciada em 
14.13,14 e é novamente enunciada no fim da passagem a respeito da videira 
(15.7,8). O que isso significa?
A maioria dos cristãos tem razoável certeza acerca do que isso não significa. 
Pedir em nome de Jesus não é usar seu nome como algum abracadabra mágico 
ou como a lâmpada de Aladim. O nome de Jesus não é uma fórmula oculta 
concedida para saciar todos os nossos caprichos. Ele não me proverá uma limusine 
banhada a ouro (e mesmo que o fizesse, também teria de prover o combustível!).
Mas o que significa orar em nome de Jesus? No mínimo dos mínimos, a 
oração em nome de Jesus significa: (1) oração de acordo com tudo o que esse 
nome representa; (2) oração que busca a glória de Deus (cf. 15.8); e (3) oração 
conscientemente enunciada sob o senhorio de Cristo, assim como o batismo
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
em nome de Jesus significa em parte colocar-se sob o senhorio de Cristo. É 
por isso que João escreve: “Esta é a garantia que temos ao nos aproximarmos 
de Deus: que, se pedirmos qualquer coisa de acordo com sua vontade, ele nos 
ouvirá” (ljo 5.14). “De acordo com sua vontade” nesse contexto não é muito 
diferente de “em meu nome”.
Não se trata de uma promessa que deixe a desejar, mera forma piedosa de 
dizer: “O que será, será”. Trata-se de uma promessa poderosa e específica que 
precisamos seriamente aprender a usar um pouco melhor.
Cerca de quinze anos atrás, no verão, comecei a passar as noites de 
segunda-feira orando com um irmão em Cristo, um pastor um pouco mais 
velho que eu. Marcávamos nossa reunião para qualquer hora em que ambos 
estivéssemos livres; às vezes orávamos apenas uma hora, às vezes muitas horas, 
noite adentro. Depois de várias semanas dessa nova experiência, comecei a me 
sentir um pouquinho entediado. Não era tanto que eu me ressentisse de orar ou 
achasse que estava desperdiçando tempo: muito pelo contrário, eu estava bem 
satisfeito comigo mesmo por assumir esse compromisso. Contudo, de alguma 
forma eu não sentia que estava realmente fazendo um negócio com Deus, que 
estava realmente frutificando como deveria estar frutificando.
Na semana seguinte, meu amigo pastor mudou de estratégia. Em retros­
pecto, estou bem certo de que ele estava tentando me tutorear nos rudimentos 
da oração. Ele sugeriu que, em vez de orar indiscriminadamente por tudo e 
todos, naquela semana nós buscaríamos descobrir pelo que deveriamos orar no 
que dizia respeito a um pequeno número de pedidos.
A primeira preocupação era uma menina que chamarei de Diane. Diane foi 
criada em um ambiente social e culturalmente conturbado. Ela não fazia ideia 
de quem era seu pai. Antes de sua conversão na escola de enfermagem, ela era 
grosseira, rude — e assustada. Tornar-se cristã fez toda a diferença: ela desa­
brochou e floresceu. Então, depois de dois anos trabalhando como enfermeira 
profissional, ela foi acometida por uma forma aguda de leucemia. O prognóstico 
era de que ela morreria em um período de seis semanas a dois meses.
Diane escreveu-me do leito hospitalar, a cerca de duzentos quilômetros de 
distância, e a carta transbordava de amargura, medo, autopiedade, raiva. Pelo 
que, então, deveriamos orar em relação a ela? Deveriamos orar: “Senhor,abençoe 
Diane”? As vezes essa é a única oração que podemos fazer com honestidade; 
não sabemos o bastante para orar mais que isso. Ou deveriamos orar: “Senhor, 
leve Diane para casa”, ou: “Senhor, cure-a!”? Não tínhamos dúvida de que o
INTIMIDADE ESPIRITUAL COM JESUS CRISTO
Senhor podia curá-la; mas nenhum de nós estava convencido de que Deus a 
curaria. O que quer que seja a fé, ela não consiste na insistência em acreditar 
que algo acontecerá quando sua cabeça diz que não acontecerá.
Pelo que orar? Meu colega e eu oramos por sabedoria e consultamos 
as Escrituras. Ambos tínhamos bastante certeza de que Diane era cristã, e 
nos lembramos das muitas promessas segundo as quais Deus preservará seu 
povo. Oramos, portanto, para que Deus honrasse sua Palavra e cumprisse suas 
promessas na situação de Diane. Oramos assim em nome de Jesus, com perfeita 
fé, porque sabíamos que isso estava de acordo com a Palavra que ele dera.
Isso foi segunda-feira à noite. Quinta-feira recebi uma carta de Diane, 
escrita terça-feira. Ela disse que havia acordado com alegria e viu-se cantando 
hinos. Ela havia encontrado descanso, descanso profundo, na vontade perfeita 
do Senhor; e se alegrava com a expectativa de ir para casa para estar com ele, 
se era isso que ele queria. A carta de Diane exalava um profundo amor pelo 
Senhor Jesus, bem como uma fé que encontrava nele o seu descanso.
Ela morreu poucas semanas depois, mas não antes de exercer uma influência 
notável naquele hospital onde trabalhou, sofreu e morreu.
A noite de oração da segunda-feira seguinte assumiu uma importância maior 
que qualquer oração que eu já havia experimentado. Para começar, estávamos 
cheios de gratidão. Além disso, havíamos orado por oito coisas na semana anterior, 
e três foram respondidas tão dramaticamente como essa que detalhei aqui. Três 
outras eram pedidos de longo alcance, e as últimas duas nós alteramos ao receber 
mais luz das Escrituras acerca das questões com que estávamos lidando.
Quase hesito em contar essa história das sessões semanais de oração. Ela é 
dramática, e minhas horas de oração nem sempre foram dramáticas. Tampouco 
é certo deixar a impressão de que essa seja a única abordagem legítima à inter- 
cessão, menos ainda que eu seja algum gigante espiritual que dominou a arte 
da oração. Sou um peregrino, um peregrino não particularmente fiel, que ainda 
luta com essas questões básicas. Mas disto tenho certeza: a intimidade entre 
o cristão e Jesus Cristo é uma intimidade cujo fruto é resultado de oração sob o 
senhorio de Cristo. O que é necessário, então, é um conhecimento crescente das 
Escrituras para que possamos aprender a orar com confiança em nome de Jesus.
Também aprendemos com esse versículo algo da natureza do “fruto” 
neste capítulo. Alguns querem medi-lo no número de vidas trazidas a Cristo 
no evangelismo; outros preferem pensar no “fruto do Espírito” em Gálatas 5. 
Todavia, se entendo a passagem corretamente, ambas as interpretações são
16 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
estreitas demais. O fruto é tudo aquilo que é feito em conformidade com a 
vontade de Jesus Cristo, o que inclui orar e amar. Jesus não é mais específico do 
que isso; ele não precisa sê-lo. Amar uns aos outros por causa de Jesus é fruto 
cristão; orar em nome de Jesus, “de acordo com sua vontade”, como diz ljoão 
5, é fruto cristão. E a intimidade de que desfrutamos com Jesus Cristo, como a 
união entre o ramo e a videira, resulta em ser frutífero dessa forma.
Que Deus nos dê uma visão ampla e clara dessas verdades e experiência 
profunda nelas.
Calculando o custo
O 
!< 
O
“Este é meu mandamento: Amem-se uns aos outros.
“Se o mundo os odeia, tenham em mente que ele me odiou primeiro. Se 
vocês pertencessem ao mundo, ele os amaria como se fossem dele. Contudo, 
vocês não pertencem ao mundo, mas eu os escolhi para tirá-los do mundo. 
E por isso que o mundo os odeia. Lembrem-se das palavras que eu lhes 
disse: ‘Nenhum servo é maior que seu senhor’. Se me perseguiram, tam­
bém perseguirão vocês. Se obedeceram aos meus ensinamentos, também 
obedecerão aos de vocês. Eles os tratarão dessa forma por causa do meu 
nome, porque não conhecem Aquele que me enviou. Se eu não tivesse 
vindo e falado a eles, não seriam culpados de pecado. Agora, contudo, eles 
não têm desculpa para seu pecado. Aquele que me odeia, odeia também 
o meu Pai. Se eu não tivesse feito entre eles aquilo que ninguém mais fez, 
não seriam culpados de pecado. Mas agora eles viram esses milagres e, 
contudo, odiaram tanto a mim como a meu Pai. Mas isso aconteceu para 
cumprir aquilo que está escrito na Lei deles: ‘Eles me odiaram sem razão’.
“Quando o Conselheiro vier, o qual enviarei a vocês da parte do Pai, 
o Espírito da verdade que provém do Pai, ele dará testemunho de mim; 
mas vocês também precisam dar testemunho, pois estiveram comigo 
desde o começo.
“Tudo isso eu lhes disse para que vocês não se desviem. Eles os 
expulsarão das sinagogas; de fato, está vindo o tempo quando quem 
os matar pensará estar oferecendo culto a Deus. Eles farão essas coisas 
porque não conheceram nem ao Pai nem a mim. Eu lhes disse isso para 
que, quando vier o tempo, vocês se lembrem de que os avisei. Eu não 
lhes disse isso no início porque estava com vocês.”
Os versículos no começo de João 15, abordados no capítulo 5 deste livro, 
apresentam parte das glórias de ser cristão: intimidade com Jesus Cristo, 
ser espiritualmente frutífero, associação amorosa com outros “ramos”, oração 
produtiva. Esses são motivos de profunda alegria e esperança.
Mas não haverá nenhum aspecto doloroso em ser cristão? Será que tudo é 
alegria e luz, mesmo que o próprio Cristo tenha sido um homem de tristezas
8 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
que caminhou pelo vale da sombra da morte? Participamos apenas de sua alegria 
e não de suas lágrimas? É só ele quem carrega a cruz?
O mero fato de fazer essas perguntas já mostra que muito da cultura evan­
gélica moderna beira o frívolo. Somos com intensa frequência ensinados a pensar 
que o caminho cristão traz bênçãos sem bofetadas, triunfos sem provações, 
testemunho sem cansaço. Somos encorajados a acreditar que os cristãos exalam 
alegria triunfante e raramente enfrentam derrota desanimadora; que vivem em 
uma esfera de empolgação constante e nunca lutam contra o tédio; que amam 
e são amados e não precisam confrontar perseguição, ostracismo, ódio, rejeição; 
que são autoconfiantes e entusiasmados e nunca provam terror, solidão, dúvida; 
que são realizados e satisfeitos, mas não em decorrência de autonegação e 
mortificação diárias. Não é tanto que as promessas sejam falsas, que não tenham 
substância, mas que elas distorcem a verdade ao prometer uma coroa sem uma 
cruz. E muito fácil desejarmos ser ramos frutíferos de uma videira bem cuidada, 
mas pensamos pouco nas podas disciplinares realizadas pelo “... agricultor” divino.
Jesus não passa por cima dos trechos difíceis. Se a salvação vem à casa de 
Zaqueu, ela traz profundos princípios de restituição (Lc 19.1-10). Se Jesus 
conta a maravilhosa Parábola do Filho Pródigo e enfatiza a paciência e o perdão 
do Pai (Lc 15.11-32), ele também conta parábolas concebidas para encorajar 
os potenciais discípulos a calcularem o custo de segui-lo (Lc 14.25-35). Perto 
do fim de Lucas 9, são apresentadas três pequenas ilustrações de pessoas que 
se voluntariam com entusiasmo a seguir Jesus. É bem provável que hoje essas 
pessoas fossem logo batizadas e cadastradas e não tardariam a estar dando 
testemunho, tragadas pela eficiência evangélica. Nesses três exemplos, no 
entanto, Jesus cuidadosamente erige barreiras concebidas para testar o nível 
do compromisso alegado:
Enquanto andavam pelo caminho, um homem lhe disse: “Eu o seguirei aonde 
quer que você vá”.
Jesus respondeu: “As raposas têm toca e as aves do céu têm ninho, mas o 
Filho do Homem não tem onde descansar a cabeça”.
Ele disse a outro homem: “Siga-me”.
Mas o homem respondeu: “Senhor, primeirodeixe-me ir e sepultar meu pai”. 
Jesus disse a ele: “Que os mortos sepultem os próprios mortos; você, contudo, 
vá e proclame o reino de Deus”.
Outro ainda disse: “Eu o seguirei, Senhor; mas primeiro permita que eu vá 
e me despeça de minha família”.
CALCULANDO O CUSTO 109
Jesus respondeu: “Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é 
adequado para o reino de Deus” (Lc 9.57-62).
Algo semelhante acontece emjoão 15.17—16.4. Já tendo discorrido a respeito de 
parte das glórias de ser discípulo, Jesus agora enuncia cuidadosamente parte do 
custo. Os cristãos enfrentarão não só as pressões comuns a toda a humanidade 
deste lado da Queda, mas também enfrentarão dificuldades especiais que são 
parte de ser um cristão. Essas dificuldades nascem do fato de que a oposição 
por parte das pessoas de mente mundana é inevitável, de que o alinhamento 
com Jesus inevitavelmente suscita o mesmo ódio que foi direcionado a Jesus.
Toda geração de cristãos pode contar com três dificuldades específicas.
Os cristãos precisam saber que enfrentarão 
ódio por parte do mundo (15.17-25)
A melhor forma de apresentar essa perspectiva é como uma série de princípios 
importantes:
1. O ódio da parte do mundo opõe-se em nítido contraste ao amor entre o povo 
de Deus. “Este é meu mandamento”, diz Jesus: “... amem-se uns aos outros. Se 
o mundo os odeia, tenham em mente que ele me odiou primeiro” (15.17,18). 
De certa maneira, o versículo 17 é um versículo de transição, mas a rígida 
justaposição dos versículos 17 e 18 não é acidental. Ela traz à tona o contraste 
vivido entre a natureza do “mundo” (como João usa o termo) e a natureza da 
comunidade cristã. E natural que o mundo odeie; é natural que os cristãos 
amem. Aliás, as palavras: “Se o mundo os odeia” não questionam o ódio do 
mundo, pois a expressão significa: “Se o mundo os odiar — e ele os odeia...”.
Esse princípio tem uma série de aplicações. O Evangelho de João pressupõe 
que os cristãos de fato amarão uns aos outros; e esse tema se torna tão impor­
tante na Primeira Epístola de João que o amor se torna um dos três testes que 
comprovam a validade da profissão do cristianismo (ljo 3.10b-24; 4.7-21; os 
outros dois testes são a obediência moral aos mandamentos de Cristo e a crença 
nas doutrinas corretas cruciais ao cristianismo; e os três testes estão interligados). 
Os cristãos, portanto, precisam estar cientes da insidiosa amargura, do ressentimento 
ou do ódio no corpo e precisam expurgá-los com amor o mais rápido possível. 
O assim chamado grupo “cristão” que não demonstra nenhuma preocupação 
e amor simplesmente não é cristão, não importa o quão ortodoxas sejam 
suas crenças.
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Em contrapartida, a passagem não afirma que o mundo seja completamente 
incapaz de mostrar amor. Os pais pagãos podem amar seus filhos pagãos; homens e 
mulheres incrédulos se apaixonam. Mas é natural que o mundo odeie. O “mundo” 
é feito de pessoas que nunca reconheceram a supremacia de Cristo ou conheceram 
o amor de Deus. Por definição, essas pessoas estão absortas seja em si mesmas, seja 
nos deuses que elas próprias criaram. É impossível para elas amar a Deus ou amar 
seu povo até que deixem de lado seus falsos valores, venham a aceitar a verdade e 
vejam seu próprio papel e posição à luz da soberania e da graça de Deus.
Não há em parte alguma um exemplo mais claro do ódio do mundo que 
nas muitas pessoas que se julgam “liberais”, mas que são tudo menos liberais 
quando se trata dos absolutos cristãos. Elas demonstram sua tolerância e sua 
grandeza de coração quando confrontam opiniões diversas, estilos de vida 
variados e mesmo práticas idiotas. No entanto, se algum cristão afirma que o 
cristianismo é exclusivo (como insistiu Jesus), que os absolutos morais existem 
porque estão fundamentados no caráter de Deus (como ensina a Bíblia) ou que 
há um inferno a ser rejeitado e um céu a ser conquistado, as mais imoderadas 
palavras são usadas para fustigar o pobre tolo. O mundo odeia.
2. O mundo odeia porque ele e a igreja são mutuamente excludentes; e o 
mundo se ressente de toda falta de conformidade a si mesmo. “Se vocês perten­
cessem ao mundo, ele os amaria como se fossem dele. Contudo, vocês não 
pertencem ao mundo, mas eu os escolhi para tirá-los do mundo. E por isso 
que o mundo os odeia” (15.19).
O sentido aqui é semelhante ao das palavras de Tiago, o meio-irmão de 
Jesus: “Povo adúltero, não sabem vocês que a amizade com o mundo é inimizade 
com Deus? Quem escolhe ser amigo do mundo torna-se inimigo de Deus” 
(Tg 4.4). Pressuposto está o fato de que o cristão, por definição, está debaixo do 
senhorio de Jesus Cristo e de que o mundo, por definição, não está debaixo desse 
senhorio. A igreja e o mundo estão, portanto, seguindo em direções diferentes, 
agindo sob ordens diferentes e desfrutando de alianças diversas. Essa oposição 
fundamental entre o mundo e a igreja é revelada nas mais fortes palavras quando 
João diz: “Vocês, filhos queridos, são de Deus [...] Eles são do mundo, e, portanto, 
falam pela perspectiva do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus, 
e todo aquele que conhece a Deus nos ouve; mas todo aquele que não é de 
Deus não nos ouve...” (ljo 4.4-6). Não se trata de uma mente estreita com uma 
atitude do tipo “eu estou certo e você está errado”, de um exclusivismo defen­
sivo, arrogante e convencido, incapaz de debater qualquer coisa com qualquer 
CALCULANDO O CUSTO 111
pessoa e incapaz de ser corrigido. Antes, trata-se do reconhecimento de que, 
se Deus verdadeiramente revelou a si mesmo em Jesus Cristo, então tudo o que 
não possa ser conciliado com essa verdade ou que propositalmente se recuse a 
atentar para essa verdade necessariamente está errado. E uma simples questão de 
lógica, mas essa simples questão está na base de uma polaridade absoluta entre 
o cristão genuíno e o homem mundano.
O fato de a igreja e o mundo serem mutuamente excludentes não constitui em 
si mesmo razão suficiente para o ódio do mundo. Esse ódio nasce do ressentimento 
que o mundo sente por todos aqueles que se recusam a se conformar às suas pers­
pectivas. Isso não significa que só haja um tipo de “mundo”. Só há uma verdade, 
mas há muitos tipos de erro. Nesse sentido, há muitos “mundos”, ou melhor, o 
mundo mostra muitas caras feias. Um sistema como o nazismo é essencialmente 
contrário a Deus; e, como o comunismo no outro extremo do espectro político, 
ele tentou exigir a conformidade a seus valores e normas por meio da violência 
coercitiva. O nazista e o comunista odeiam um ao outro, mas ambos odeiam o 
cristão genuíno e buscam fazê-lo conformar-se a algo essencialmente anticristão.
Não precisamos nos voltar aos governos totalitários para descobrir exem­
plos de “mundanismo” que se ressentem da identidade peculiar do cristão. 
O secularismo nu e cru, o materialismo ganancioso, os grupos com interesses 
imorais que buscam privilégios ou “estilos de vida alternativos” biblicamente 
indefensáveis, todos eles unanimemente se ressentem do cristão que se põe em 
pé e amorosamente insiste: “Assim diz o Senhor”. No Ocidente, nossa tentação 
a nos conformarmos nasce menos do medo da força bruta que do medo do 
ostracismo ou do desprezo: contrastemos nossas tentações com as tentações dos 
irmãos e irmãs na Rússia, por exemplo. Mas, justamente por essa razão, nossas 
tentações são mais traiçoeiras, mais pérfidas, mais perigosas. Nem sempre reco­
nhecemos que estamos sendo ludibriados.
Sucesso e fortuna, por exemplo, às vezes são apresentados como resultado 
inevitável da vida cristã vitoriosa; e o cristão descuidado, enganado por essa 
heresia, logo se vê incapaz de distinguir entre sua busca por Deus e sua busca 
pelas coisas. O hedonismo desfila sob o manto da realização, a licenciosidade 
sob o manto da liberdade, o cisma sob o manto da ortodoxia, a ação sob o 
manto da unção. As pressões aumentam até o cristão se sentir culpado por não 
pertencer a algum grupo exclusivo; e o grupo exclusivo insiste emtal grau de 
conformidade que os de fora são desacreditados em alguma medida. Em certas 
áreas da América do Norte, os jovens cristãos enfrentam enorme pressão de 
grupo por ficarem longe das drogas e do sexo pré-marital: a pureza é a exceção,
112 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS 
não a regra, e o cristão começa a sentir o ressentimento do mundo. O clamor 
é sempre o mesmo: Conformem-se! Conformem-se!
Durante o período em que os anabatistas frequentemente se viam perse­
guidos tanto por protestantes como por católicos e criavam suas famílias 
enquanto fugiam, enfrentaram a decisão difícil de quando deveríam batizar seus 
filhos. Eles haviam abandonado o batismo de bebês e abraçado a perspectiva 
de que as pessoas só devem ser batizadas quando viessem a um conhecimento 
pessoal de Jesus Cristo por meio da fé, um conhecimento pessoal caracterizado 
pela obediência incondicional. Mas quando deveríam eles batizar seus filhos? 
Será que uma criança anabatista que, quando ainda muito jovem, parecesse 
exercer fé salvífica em Jesus Cristo deveria ser batizada, ou será que deveríam 
exigir que ela esperasse alguns anos? A resposta dos anabatistas pode não agradar 
a todos, mas ao menos ela mostrava sua sensibilidade à oposição fundamental 
entre o mundo e a igreja. No caso da criança pequena que professasse a fé, 
eles adiavam o batismo até ele ou ela ter idade suficiente não só para enfrentar 
as tentações do mundo, sentir a sedução da pressão para se conformar, sentir a 
irritação provocada por todos aqueles que não se conformam, mas também para 
dar as costas, consciente e espiritualmente, a todas as tentações do gênero e às opções 
que elas representam. Os jovens cristãos precisam reconhecer, tanto hoje como 
naquela época, que o mundo e a igreja são mutuamente excludentes e que o 
mundo se ressente de toda falta de conformidade ao seu padrão.
3. O mundo nos odeia porque odiou a Jesus Cristo. “Se o mundo os odeia”, 
diz Jesus, “tenham em mente que ele me odiou primeiro” (15.18). Mas não é só 
a prioridade cronológica que está em jogo: há a questão mais ampla de nossa 
identificação com o ensino de Jesus e de nossa submissão ao senhorio de Cristo. É 
por isso que Jesus então diz: “Lembrem-se das palavras que eu lhes disse: ‘Nenhum 
servo é maior que seu senhor’. Se me perseguiram, também perseguirão vocês. Se 
obedeceram aos meus ensinamentos, também obedecerão aos de vocês” (15.20).
A essência do versículo é a oração gramatical em que Jesus cita suas 
próprias palavras: “Nenhum servo é maior que seu senhor”. No Evangelho de 
João, essas palavras são enunciadas pela primeira vez em 13.16, no episódio do 
lava-pés. Ali, Jesus estabelece um exemplo para seus discípulos: ele, o mestre, 
aceitou a tarefa desprezada do lava-pés; e, porque “nenhum servo é maior 
que seu senhor”, os discípulos devem adotar uma postura muito humilde e 
prestativa em relação uns aos outros.
Agora Jesus refere-se às mesmas palavras em um contexto diferente. Se 
nenhum servo está acima de seu mestre, e o próprio mestre sofre o opróbrio do 
mundo, conclui-se que os servos devem esperar perseguição semelhante. Aliás, se 
CALCULANDO O CUSTO 113
qualquer servo perguntar qual princípio estabelece que ele deve sofrer, a resposta 
é a mesma: nenhum servo é maior que seu senhor. Se qualquer candidato a servo 
de Jesus acha que é seu direito evitar a oposição e mesmo a perseguição, está 
sotrendo de profunda falta de humildade. Ele não enxerga seu devido lugar em 
relação ao Mestre. E isso que Jesus essencialmente diz em outra passagem: “O 
discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do senhor. E o bastante que 
o discípulo seja como o mestre e que o servo seja como o senhor. Se o dono da casa 
foi chamado Belzebu, quanto mais os membros de sua família!” (Mt 10.24,25).
Pertencer a Cristo é atrair parte do ódio dirigido a Cristo. Em certo 
sentido, é claro, isso é profundamente reconfortante. Não devemos pensar que 
a animosidade do mundo seja dirigida a nós pessoalmente, com base naquilo 
que nós mesmos somos. Longe disso: é nossa identificação com Cristo que 
suscita oposição. Se formos chamados a sofrer, essa perspectiva nos capacitará a 
seguir o exemplo dos apóstolos, os quais, quando foram açoitados e insultados, 
alegraram-se “porque haviam sido considerados dignos de sofrerem humilhação 
pelo Nome” (At 5.41). Em contrapartida, quando somos bem recebidos em 
nome de Jesus, quando congregações nos elogiam e irmãos e irmãs cristãs nos 
oferecem farta e amorosa aprovação, é útil lembrar que, assim como somos 
perseguidos por causa de Jesus, também somos amados por causa de Jesus. 
Os cristãos não são nem odiados nem amados, nem rejeitados nem levados a 
sério por causa de si mesmos, mas por causa de Jesus Cristo.
Mas por que as pessoas odiariam Jesus? Que mal fez ele? Nos dias de sua 
carne, ele não assaltou nenhum banco, não estuprou ninguém, não assassinou 
ninguém, não caluniou ninguém. Ele era conhecido por seu poder de curar, suas 
palavras de verdade, sua integridade inabalável e pela rica textura de seu amor. 
Por que, então, deveríam as pessoas odiar Jesus e, depois dele, seus discípulos? 
Os dois princípios a seguir respondem a essa pergunta.
4. O mundo odeia porque seu pecado é exposto. “Se eu não tivesse vindo 
e falado a eles, não seriam culpados de pecado. Agora, contudo, eles não têm 
desculpa para seu pecado. [...] Se eu não tivesse feito entre eles aquilo que 
ninguém mais fez, não seriam culpados de pecado. Mas agora eles viram esses 
milagres, e, contudo, odiaram tanto a mim como a meu Pai” (15.22,24).
Jesus não está dizendo com esses versículos que os homens teriam sido 
totalmente inocentes se ele não tivesse vindo e falado a eles e realizado seus 
milagres. Isso fica claro por uma série de fatores. O “mundo” ao qual Jesus 
vem no Evangelho de João já é um mundo pecaminoso e rebelde antes de ele
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
entrar em cena. Por exemplo, ele é enviado como o Cordeiro de Deus que tira 
o pecado do mundo (1.29). Note também que a antítese formal no versículo 22 
nunca é completada. O texto tem duas partes:
(1) Se eu não tivesse vindo e falado a eles, não seriam culpados de pecado.
(2) Agora, contudo, eles não têm desculpa para seu pecado.
Formalmente, todavia, uma antítese coesa exigiria que em (2) tivéssemos o 
seguinte: “Agora, contudo, eles se tornaram culpados de pecado”. Mas essa 
antítese rígida, que faria de Jesus a causa explícita do pecado do mundo, é 
evitada. Não é porque Jesus veio que o mundo se torna pecaminoso; o mundo, 
na verdade, é despojado de todas as desculpas para seu pecado. Isso sugere que 
o mundo já era completamente pecaminoso antes de Jesus ter vindo.
A observação atenta ao contexto sugere que o pecado em questão é espe­
cífico. No versículo anterior, Jesus diz a seus discípulos: “Eles os tratarão dessa 
forma por causa do meu nome, porque não conhecem Aquele que me enviou” 
(15.21). Então Jesus imediatamente acrescenta: “Se eu não tivesse vindo e falado 
a eles, não seriam culpados de pecado...” (15.22). O pecado de que eles são 
culpados é o pecado de não conhecer a Deus mesmo quando Deus se revela da 
forma mais espetacular e explícita em Jesus Cristo; pois o mundo rejeita essa 
revelação de Deus, e a rejeição passa à perseguição e ao ódio.
Desde a Queda, o mundo vem pecando contra Deus. Contudo, somente 
na vinda de Jesus Cristo, a perfeita revelação de Deus, o mundo pecaria contra 
tamanha luz. “Este é o veredito: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram 
as trevas e não a luz, porque suas obras eram más. Todo aquele que faz o mal 
odeia a luz e não virá para a luz porque teme que suas obras sejam expostas” 
(3.19,20). Os discípulos por si mesmos não podem suscitar a ira do mundo, 
porque não contestam adequadamente o mal do mundo; mas Jesus é tão puro 
que os homens sujos ou precisam se limpar ou abominam a pureza dele. E por 
isso que Jesus diz a seus discípulos: “O mundo não pode odiá-los, masele me 
odeia porque dou testemunho de que aquilo que ele faz é maligno” (7.7).
Tão clara, tão pura, tão brilhante é a revelação de Deus em Jesus Cristo 
que o mundo é despojado de toda desculpa quando o confronta. Suas desculpas 
nunca foram grande coisa; agora elas não são nada. Jesus não só expõe o 
pecado, ele também é o único remédio para o pecado. Que desculpa e que 
esperança pode haver para aqueles que dão as costas a tamanha luz como essa? 
Ao confrontar Jesus, o mundo tem duas opções: ou, pela graça de Deus, dá 
as costas ao pecado (e assim deixa de ser “o mundo” no sentido de João) ou 
odeia tanto Jesus como seu Pai (15.24).
CALCULANDO O CUSTO
Em suma, o mundo odeia porque seu pecado é exposto. Sempre foi assim. 
Por que Caim assassinou Abel? "... Porque seus atos eram malignos e os de seu 
irmão eram justos” (ljo 3.12b). O problema simplesmente fica mais agudo com 
o advento de uma pureza tão grande como a de Cristo. Vir a Jesus e confessá-lo 
como Salvador e Senhor exige contrição, joelhos dobrados. Não é possível vir 
a Cristo sem sentir necessidade, indignidade, pecado; não é possível vir com 
a cabeça erguida como um parceiro na empreitada da salvação. É impossível, 
porque a luz do evangelho na pessoa de Jesus ilumina nosso coração encardido 
e corrupto e simultaneamente aponta para ele, o único que torna limpas e novas 
todas as coisas. Nesse momento de autorrevelação, ou a graça de Deus assume 
o controle e o pecador clama por misericórdia, por purificação, por vida, ou ele 
abomina a luz que expôs a sujeira. Esta última é a reação do “mundo”, e esse é 
o principal motivo do ódio que o mundo sente.
Em certa medida, os cristãos hoje suscitam a mesma reação bifurcada. Nós 
não estamos apresentando a nós mesmos, mas a Cristo; contudo, quando a luz de 
Cristo é refletida em nós e ilumina este mundo tenebroso, expondo seu veneno e 
recebendo seu ódio implacável, nossa associação com Cristo e nossa conformidade 
crescente a ele atraem o mesmo ódio que o próprio Cristo atrai. Paulo entende bem 
isso, pois escreve, em uma passagem tocante: “Mas graças a Deus, que sempre nos 
conduz em procissão triunfal em Cristo e, por meio de nós, espalha por toda parte 
a fiagrância do conhecimento dele. Pois somos para Deus o aroma de Cristo entre 
aqueles que estão sendo salvos e aqueles que estão perecendo. Para estes somos o 
cheiro da morte; para aqueles, a fiagrância da vida. Mas quem está à altura de tal 
tarefa?” (2Co 2.14-16). A testemunha cristã espalha a fiagrância de Cristo com sua 
presença e suas palavras, sua conduta e seu testemunho. Mas essa doce fiagrância, 
enquanto é percebida por alguns como o aroma de nova vida emergindo na prima­
vera de Deus, é percebida por outros como o fedor de cadáveres em putrefação. 
Assim como Cristo, os cristãos não podem ser divisivos nesse sentido. Será um 
grande alívio aprender no próximo capítulo que o Conselheiro, o Espírito Santo, 
nos ajuda nesse ministério de expor o pecado do mundo (16.8-11).
Esse princípio tem muitas implicações importantes para compreender a 
reação do mundo aos cristãos. O que precisa ser notado, como diz J. C. Ryle, 
fica óbvio uma vez enunciado: “Não são as fraquezas e as incoerências dos 
cristãos que o mundo odeia, mas sua graça”. O cristão pode ser perseguido no 
trabalho por se recusar a enganar um cliente. Certo policial cristão em uma 
força policial canadense não foi promovido durante anos porque se recusava, 
de forma discreta, porém firme, a participar do alcoolismo de seu comandante. 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLT'MA ORAÇÃO DE JESUS
Foi só quando um oficial de patente mais alta ficou sabendo do problema que 
ele foi superado; e, para crédito do cristão, não foi ele quem o trouxe à tona. 
Certo cristão que trabalhava em um depósito, ao descobrir que uma merca­
doria havia sido danificada após sua chegada, recusou-se a assinar formulários 
segundo os quais o produto havia chegado com defeito. Ele foi transferido para 
outro departamento sem a menor cerimônia. A ironia desse tratamento é que a 
integridade do cristão é valorizada quando favorece a companhia e desprezada 
quando atrapalha os lucros ou a camaradagem.
O próprio fato de que Jesus escolheu os discípulos para tirá-los do mundo 
(15.19) é o bastante para suscitar o ódio do mundo. Os cristãos não são algum 
tipo de grupo estranho, algum agrupamento de seres essencialmente supe­
riores. Eles são por natureza parte integrante do mundo. Mas, por causa de 
Jesus Cristo, eles deixaram o mundo para trás, e isso não agrada ao mundo. 
Um trapaceiro que pare de trapacear não continuará sendo amigo íntimo de 
outros trapaceiros. Um mentiroso que pare de mentir não será mais querido 
por outros mentirosos. Um secularista puro que abandone o secularismo e 
se converta a Cristo não pode esperar receber louros de seus amigos secula- 
ristas. Ser escolhido por Cristo para ser tirado do mundo suscita o opróbrio 
do mundo, porque o mundo não suporta que seus pecados sejam expostos.
5. O mundo odeia porque não conhece o Pai, nem reconhece a revelação do 
Pai no Filho. “Eles os tratarão dessa forma por causa do meu nome, porque não 
conhecem Aquele que me enviou [...] Aquele que me odeia, odeia também o meu 
Pai [...] Mas agora eles viram esses milagres, e, contudo, odiaram tanto a mim 
como a meu Pai [...] Eles farão essas coisas porque não conheceram nem ao Pai 
nem a mim” (15.21,23,24b; ló.3).
Quando o texto diz que o mundo perseguirá os discípulos de Jesus “por causa 
do [...] nome [de Jesus]”, isso provavelmente não significa nada mais que “por 
causa de Jesus” ou “em virtude de Jesus”. O verdadeiro fundamento da oposição 
maliciosa do mundo está em sua ignorância tanto do Pai como do Filho.
Em certas situações, alegar ignorância é uma defesa adequada. Não posso 
ser condenado por não falar suaíli (a não ser que por algum motivo eu devesse 
estar aprendendo essa língua). Não posso ser condenado por ignorar o que exista 
fisicamente para além do universo conhecido ou por não conhecer pessoalmente 
Sua Majestade, a Rainha Elizabeth II. Em outras palavras, certos tipos de igno­
rância de fato eliminam toda e qualquer sugestão de culpabilidade. Mas outros 
tipos de ignorância não fornecem nenhuma desculpa. Como motorista, sou 
CALCULANDO O CUSTO 117
responsável por saber o limite de velocidade que se aplica à rua na qual estou 
dirigindo. Se por alguma razão eu não ler o limite na placa, minha alegação de 
ignorância pouco me ajudará quando o policial me disser que estou violando a 
lei. Aliás, não só a ignorância não é nenhuma desculpa nessa situação, mas minha 
ignorância é em si mesma culpável, porque tenho a obrigação de saber qual é 
o limite, e minha ignorância atesta minha irresponsabilidade ou desatenção.
Os seres humanos têm a obrigação de conhecer a Deus. Fomos feitos à 
sua imagem, e sua natureza e caráter foram carimbados em nossa consciência 
em grau suficiente para nos deixar eternamente sem desculpas. Sou obrigado a 
conhecer a Deus, não meramente alguns fatos a respeito dele; e, se não o faço, 
minha ignorância em relação a ele já é sinal de minha rebelião contra ele, de 
que estou buscando outros deuses ou a mim mesmo. Essa ignorância é culpável.
Para aqueles que têm acesso às Escrituras, há um motivo adicional pelo qual a 
ignorância em relação a Deus e a sua revelação em Jesus Cristo é uma ignorância 
culpada. Trata-se do seguinte: as Escrituras, muito antes de Jesus, predizem a vinda 
de um “profeta” cujas palavras os homens são moralmente obrigados a seguir. 
Por exemplo, Deus declara a Moisés: “Suscitarei para eles um profeta como você, 
dentre os irmãos deles; porei minhas palavras em sua boca, e ele lhes dirá tudo o 
que eu mandar. Se alguém não ouvir minhas palavras, as quais o profeta diz em meu 
nome, eu mesmo exigirei que ele preste contas” (Dt 18.18,19). Com uma advertência 
como essa, a alegação de ignorância é motivo de condenação, não de desobrigação.
Em outra passagem, o Quarto Evangelho ensina que, se alguém realmenteconhece a Jesus Cristo, tal pessoa também conhece ao Pai (8.19), e esse conheci­
mento é a essência da vida eterna (17.3). Essa forma de dizê-lo — que conhecer 
a Jesus é conhecer a Deus — pressupõe que Jesus veio na história e se tornou 
“conhecido” por certas pessoas. Jesus mediador do conhecimento de Deus. Mas 
o relacionamento entre Jesus e seu Pai pode ser visto de outra forma. Se as pessoas 
conhecessem o Pai antes de Jesus vir na história, elas reconheceríam Jesus quando 
ele chegasse. Não conhecer a Jesus, portanto, atesta a ignorância em relação a 
Deus antes da chegada de Jesus. No entanto, uma vez ocorrida na história a forte 
luz da revelação de Deus em Jesus Cristo, é melhor tratar o assunto do primeiro 
modo: se uma pessoa não conhece a Jesus, ela não pode conhecer ao Pai.
Assim, é a chegada de Jesus Cristo na história que muda o foco. Os homens 
podiam conhecer a Deus na época do Antigo Testamento sob as estipulações 
aliancistas estabelecidas por Deus. Alguns de fato o conheceram e constituíram um 
remanescente fiel que, ao conhecer a Deus de acordo com a luz que já havia sido 
revelada, estavam prontos para conhecer a Cristo. Aqueles que não conheciam a 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Deus e a perfeição de seu caráter e seus caminhos só podiam odiar a Cristo; e, tendo 
aprendido a odiar a Cristo, logo vieram a odiar os cristãos. Seu ódio e sua oposição 
constituíam triste evidência de que jamais haviam conhecido a Deus. Uma vez 
que Cristo havia vindo na história, esse Cristo que é a revelação suprema de Deus 
a um mundo caído, o ódio dirigido a Cristo contava mais e mais como evidência 
de que o mundo estava rompendo com o único caminho para conhecer a Deus.
Qualquer que seja a ordem, os cristãos insistem em que, desde a época da 
revelação de Jesus Cristo, amar a Jesus é amar a Deus, e amar a Deus é amar 
a Jesus. Em contrapartida, não conhecer a Deus é não conhecer a Jesus, e não 
conhecer a Jesus é não conhecer a Deus. Conhecê-los é ter a vida eterna (17.3); 
não conhecê-los é caminhar em morte eterna, amar as sombras e os lugares 
tenebrosos onde a luz é malquista e malvista. Ser ignorante em relação a Deus é 
moralmente repreensível, porque essa ignorância atesta um alinhamento moral 
com o mal, o amor-próprio e as trevas. Por essa razão, a ignorância em relação a 
Deus muitas vezes se manifesta em uma malícia horrenda que persegue Jesus e 
seus seguidores (15.20,21), indo até mesmo a ponto da violência bruta (16.2,3).
6. O mundo odeia sem ter um bom motivo; contudo, até esse ódio irracional está 
dentro do alcance da soberania de Deus. Jesus fala do ódio do mundo nestes termos: 
“Mas isso aconteceu para cumprir aquilo que está escrito na Lei deles: ‘Eles me 
odiaram sem razão’” (15.25). (A palavra Lei era frequentemente usada para se 
referir à Bíblia dos judeus como um todo, não só ao Pentateuco.) A passagem 
citada é ou Salmos 35.19 ou Salmos 69.4. A segunda opção é ligeiramente mais 
provável, porque o salmo 69 era amplamente considerado um salmo messiânico.
O relato aqui mostra Jesus fazendo uma forte provocação aos judeus: esse 
livro é a lei deles (cf. tb. 10.34). E a lei deles não porque a tenham inventado, 
mas porque a preservaram com todo cuidado, mesmo quando não conseguiram 
entendê-la. A lei deles condenava o ódio sem causa; a lei deles predisse esse ódio 
sem fundamento contra o Messias. Contudo, aqui estão eles, odiando fortemente 
— e sem desculpa. Pelos ditames da própria lei deles, eles estavam autocondenados.
Por que odiar Jesus? Pode-se entender por que as pessoas odeiam Jesus à 
medida que se pode entender que o pecado não quer ser exposto e se ressente 
do brilho escaldante da luz da verdade, da pureza e do amor. Mas esses fatores 
revelam a triste situação do mundo; eles não fornecem nenhuma razão no 
próprio Jesus para suscitar tamanho ódio. Pode haver coisas em Stálin ou em 
Hitler que compreensivelmente tragam à tona oposição e ódio; mas o que há 
em Jesus? Ele fazia o bem por onde quer que fosse. Como costuma ser o caso, 
os juízos que fazemos e as opiniões que formamos dizem tanto a nosso respeito
CALCULANDO O CUSTO
quanto dizem a respeito dos objetos ou das pessoas em questão. Por essa pers­
pectiva, o ódio direcionado a Jesus é completamente irracional.
A forma que Jesus cita essa passagem de Salmos traz à tona outra verdade: até 
o ódio mais irracional do mundo está dentro do alcance da soberania de Deus. 
Jesus insiste em que toda a animosidade dirigida contra ele é um cumprimento 
das Escrituras. Exatamente da mesma maneira, Herodes e Pôncio Pilatos conspi­
raram iniquamente contra Jesus e conseguiram crucificá-lo; na verdade, porém, 
eles só realizaram aquilo que Deus havia decidido de antemão que aconteceria 
(At 4.27,28; 2.23). O ódio do mundo contra Jesus e seus seguidores não é algo 
inédito ou inesperado que apanha Jesus de surpresa. Pelo contrário: trata-se do 
cumprimento da santa Palavra de Deus.
Isso só pode ser fonte de encorajamento para os cristãos perseguidos. A 
oposição que eventualmente soframos nos alinha a Jesus; e mais, longe de ser 
sinal de que as coisas estão quase fora de controle e de que a causa de Deus só 
conta com o mais precário dos pontos de apoio, ela é a prova de que a salvação 
de Deus está transformando pessoas, a evidência de que sua Palavra está sendo 
cumprida. Nem mesmo o ódio mais irracional do mundo pode escapar da 
soberania de Deus. Essa é a garantia triunfante dos cristãos que compreenderam 
a primeira expectativa fundamental: os cristãos precisam contar com o ódio do 
mundo. Deus disse que ele viria.
Os cristãos precisam ter a expectativa de servir como 
testemunhas neste mundo que os odeia, unindo-se 
ao Conselheiro nessa obra (15.26,27)
Jesus agora diz: “Quando o Conselheiro vier, o qual enviarei a vocês da parte 
do Pai, o Espírito da verdade que provém do Pai, ele dará testemunho de mim; 
mas vocês também precisam dar testemunho, pois estiveram comigo desde o 
começo” (15.26,27).
Não pensem os cristãos que Jesus Cristo os deixou neste mundo apenas 
para encarar o ódio. Para os primeiros discípulos, o problema era particular­
mente agudo: “Por que Jesus os estava deixando para trás?”. A passagem agora 
insiste em que o Conselheiro vindouro, o prometido Espírito da verdade, dará 
testemunho ao mundo a respeito de Jesus; e os discípulos se unirão a ele nesse 
testemunho. Essa é a razão pela qual eles estão sendo deixados para trás.
Aqueles primeiros cristãos deram um testemunho especial, porque 
tinham estado com Jesus “desde o começo” de seu ministério (15.27; cf. 
At 1.22; 10.37). Todavia, a comissão de dar testemunho não é dada somente 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
aos apóstolos: confessar com a própria boca “Jesus é Senhor” é parte integrante 
de ser cristão (Rm 10.9). Hoje nós, que somos cristãos, temos uma respon­
sabilidade semelhante de testemunhar a respeito de Jesus em um mundo 
frequentemente caracterizado pelo ódio a Jesus. Precisamos ter a expectativa 
de servir como testemunhas neste mundo.
A perspectiva não é tão triste como se pode pensar de início. Assim como 
Jesus, durante seu ministério, tinha a responsabilidade principal, e seus discí­
pulos desempenharam um papel secundário, agora o Espírito Santo tem a 
responsabilidade principal e, de modo secundário, nós também precisamos dar 
testemunho (15.27). Ver nosso testemunho sob essa luz tende a transformar a 
responsabilidade em um privilégio.
A obra do Conselheiro no mundo é abordada mais extensamente em 
16.5-15 (cap. 7 deste livro). Por ora, é necessário apontar somente que o 
Espírito Santo pode realizar sua obra por meio dos discípulos. O testemunho 
do Espírito Santo pode ser separável do testemunho da igreja, mas geralmente 
o testemunho da igreja e o testemunho do Espírito Santo são inseparáveis.
A igreja primitiva lembrava-se desse ensinamento e se comprazia nele. E 
encantador ver Pedro e os outros apóstolos resistindo ao Sinédrio e defendendo 
a ressurreiçãode Jesus nestes termos: “Somos testemunhas dessas coisas, e assim 
é o Espírito Santo, que Deus deu para aqueles que lhe obedecem” (At 5.32). 
Eles tinham consciência de que não estavam sozinhos em seu testemunho. Os 
oponentes de Estêvão descobriram “que não podiam resistir à sua sabedoria ou 
ao Espírito por meio do qual ele falava” (At 6.10). Em tempos de perseguição 
acirrada, a igreja sempre se lembrou da instrução de Jesus: “Mas, quando os 
prenderem, não se preocupem com o que dizer ou como dizê-lo. Naquele 
momento lhes será dado o que dizer, porque não serão vocês a falar, mas o 
Espírito de seu Pai falará por meio de vocês” (Mt 10.19,20).
A maravilha dessas passagens só pode ser apreciada por cristãos que deram 
testemunho em circunstâncias adversas de oposição ativa e que estiveram cons­
cientes da obra silenciosa do Espírito Santo. Como ele realizou sua obra não 
é fácil analisar, e a maioria de nossas formulações sem dúvida é reducionista. 
Ele purifica os cristãos, concede-lhes ousadia santa, ensina-lhes a mansidão, 
traz à sua mente a verdade apropriada. Ele incita à oração, abre nossos olhos às 
necessidades e aumenta nosso desejo de fazer a vontade de Deus. Ao mesmo 
tempo, ele opera no coração e na mente daqueles que ouvem o testemunho, 
trazendo-os à convicção do pecado, abrindo seus olhos, plantando a Palavra e 
abrandando os corações duros. Os cristãos que começam a vislumbrar o privi­
légio do testemunho, que realmente esperam servir como testemunhas em um 
CALCULANDO O CUSTO 121
mundo de ódio, mas que reconhecem que precisam se apoiar no Espírito de 
Deus ao longo da empreitada, cantam e oram com fervor:
O Sopro da Vida, por nós vem passar, 
revive tua igreja com vida e poder;
ó Sopro da Vida, vem, limpa e renova, 
prepara tua igreja para esta hora.
O Verbo de Deus, vem, dobra e quebranta,
até confessarmos: de ti precisamos;
em tua bondade então nos refaz,
revive, restaura; por isso rogamos.
O Sopro do Amor, no íntimo sopra, 
mente, vontade, coração renovando: 
vem, amor de Cristo, de novo conquista, 
revive tua igreja em todo lugar.
Revive, Senhor! O zelo se esvai 
quando vasta e alva é a colheita?
Revive, Senhor, o mundo espera, 
equipa-nos para tua luz espalhar.1
Os cristãos precisam contar com alguns 
ataques de perseguição severa (16.1-4)
Depois de insistir que os cristãos precisam ter a expectativa de dar testemunho 
em um mundo caracterizado pelo ódio, Jesus passa a uma imagem ainda mais 
sombria: a violência às vezes brutal e cruel que será direcionada aos seus segui­
dores. Eles não praticam o silêncio covarde dos líderes judeus que não confes­
savam sua fé em Jesus “... por temer serem expulsos da sinagoga” (12.42). Esses 
capituladores amam o louvor que vem dos homens mais que o louvor que vem 
de Deus (12.43). Os verdadeiros cristãos dão testemunho; mas esse testemunho 
muitas vezes enfrenta ondas de repressão violenta.
Três coisas simples são ditas aqui. Primeiro, a perseguição terrível é inevi­
tável (16.2). Leitura importante para todo cristão que deseje situar esse aspecto 
de sua herança na devida perspectiva é o Livro dos mártires,2 de John Foxe. Nele
■Bessie Porter Head (1850-1936). 
2São Paulo: Mundo Cristão, 2003. 
122 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
aprendemos as histórias fidedignas de cristãos queimados na fogueira, de cristãos 
cujas rótulas foram esmigalhadas, cujos filhos foram afogados, cujas juntas foram 
sistemática e excruciantemente deslocadas, cujos testículos foram esmagados — 
não porque fossem más pessoas, mas simplesmente porque pertenciam a Cristo. 
Eles se unem à lista dos heróis da fé de quem o mundo não é digno (Hb 11.35-38).
Dois erros opostos nos confrontam quando aprendemos acerca dessas coisas. 
O primeiro é achar que em alguns períodos todos os cristãos de alguma região 
enfrentaram sofrimento intenso. Só muito raramente esse foi o caso. Os líderes 
cristãos são perseguidos, juntamente com um grupo aleatório de outros cris­
tãos, e sem dúvida muitos dos restantes vivem com medo de que enfrentarão o 
mesmo fim. Raramente, contudo, uma igreja inteira enfrenta a violência física. 
O segundo erro possível é supor que a época do martírio esteja praticamente 
encerrada. Esse juízo é dolorosamente mal informado. Não precisamos pensar 
só em histórias memoráveis, como os cinco missionários mortos pelas lanças 
dos aucas no Equador, mas também nos cristãos presos nos gulags que foram 
aprisionados e mortos por causa de sua fé. Pensamos em homens como Dietrich 
Bonhoefier e naqueles que morreram por causa de convicções semelhantes sob 
os nazistas; e lembramos dos incontáveis milhões que morreram nos expurgos 
de Mao (as estimativas conservadoras são de doze milhões), ao menos alguns 
desses simplesmente porque eram cristãos. Enquanto escrevo, estima-se que 
uma média de três pastores estejam sendo mortos a cada semana na Etiópia. 
A maioria dos missiólogos estima que houve mais mártires cristãos no século 
20 que em todos os séculos anteriores da era cristã somados. A não ser que o 
Senhor conceda renovação e reforma, é difícil pensar em qualquer razão pela 
qual nós, que vivemos no mundo ocidental, escaparemos desses males por 
tempo indefinido.
O segundo ponto a observar é que algumas das piores perseguições serão 
realizadas em nome de Deus, mesmo que Deus permaneça desconhecido 
para os perseguidores. “... Está vindo o tempo”, Jesus adverte, “quando quem 
os matar pensará estar oferecendo culto a Deus. Eles farão essas coisas porque 
não conheceram nem ao Pai nem a mim” (16.2b,3). E difícil acreditar, mas 
pregou-se um sermão quando o arcebispo Cranmer foi queimado, e os horrores 
abomináveis da Inquisição foram realizados por homens que alegavam defender 
a verdade de Deus.
No entanto, o terceiro ponto, e também o mais importante, é que Jesus diz 
essas coisas aos discípulos não para que fujam assustados, e sim para capacitá-los 
a ficarem em pé. “Tudo isso eu lhes disse para que vocês não se desviem” (16.1), 
CALCULANDO O CUSTO 123
diz Jesus. Se a perseguição tivesse chegado até eles sem advertência, talvez ela 
os incitasse à deserção e à apostasia. Todavia, como Jesus preparou cuidadosa­
mente sua igreja, o que geralmente acontece é que “o sangue dos mártires é a 
semente da igreja”.3 “Eu lhes disse isso”, acrescenta Jesus, “para que, quando vier 
o tempo, vocês se lembrem de que os avisei. Eu não lhes disse isso no início 
porque estava com vocês” (16.4). Enquanto Jesus estava fisicamente presente, 
ele não precisava salientar essa expectativa; porque não só ele estava presente 
para oferecer conforto, mas sua própria presença atraía quase toda a oposição 
que incidiría sobre os discípulos. Agora, Jesus diz, ele está partindo; e ele não 
só prepara seus seguidores para o que está pela frente, mas os deixa prontos para 
servir como alvo na linha de frente quando ele não estiver mais entre eles para 
atrair o fogo inimigo mais agressivo.
3Frase tradicionalmente atribuída a Tertuliano (c. 160-c. 220 d.C.). (N. do E.)
É difícil para alguns acreditar que uma causa é realmente de Deus a não 
ser que ela esteja em constante ascendência. Quando um movimento é rela­
tivamente fraco, com poucos membros e sem nenhuma reputação do tipo 
que o mundo pagão ou secular aprecia, é difícil para alguns aceitar que ele 
seja de Deus. Mas precisamos nos lembrar de que esse é o caminho que o 
próprio Jesus trilhou.
O caminho da cruz é o caminho do Salvador. Aqueles que alegam desfrutar 
de todas as bênçãos dos novos céus e da nova terra no presente não entenderam 
direito a escatologia do Novo Testamento. E verdade, a era que há de vir já 
chegou, e o próprio Espírito Santo é o adiantamento do júbilo futuro; mas 
disso não decorre que bênçãos materiais, prosperidade e ausência de oposição 
sejam nossas por direito agora. O próprio João, que dentre os autores do Novo 
Testamento é o mais inclinado a se concentrar nos aspectos já inaugurados da 
era que há de vir, deixa claro que o cristão pode contarcom ódio, perseguição 
e até violência nesta era.
Talvez este capítulo, em si mesmo, possa ser deprimente para alguns. E 
útil lembrar que a passagem bíblica sendo exposta, João 15.17—16.4, não está 
isolada. Ela é o contraponto à intimidade com Jesus Cristo e à vida espiritual 
ricamente frutífera. Conhecer Jesus é ter vida eterna, e esse é o valor supremo. 
No fim das contas, ser louvado pelo mundo não vale nada. E por isso que as 
pinceladas sombrias dessa passagem, 15.17—16.4, longe de incentivarem a tris­
teza e a derrota, geram em vez disso santa coragem e determinação espiritual.
24 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
A meditação desses versículos forja homens e mulheres de Deus com visão 
e fôlego cujas raízes estão fincadas na eternidade. Suscita um William Tyndale, 
o qual, enquanto fugia constantemente de seus perseguidores, trabalhava na 
tradução da Bíblia para o inglês. Enfrentando traições, frustrações e medo, ele 
lutou até ser capturado e queimado na fogueira. Seu último brado revelou sua 
perspectiva eterna: “Senhor, abra os olhos do rei da Inglaterra!”.
De modo semelhante, William Borden preparou-se para o serviço missio­
nário no mundo islâmico. Nascido em berço de ouro, ele investiu seu dinheiro 
e seu exemplo em missões. Depois de receber a melhor formação possível 
na Universidade de Yale e no Seminário de Princeton, ele chegou ao Egito 
para trabalhar com Samuel Zwemer. Quase imediatamente, contraiu um caso 
terminal de meningite cerebral. Suas últimas palavras de testemunho não foram 
de desapontamento: “Sem hesitar; sem recuar; sem remorso”.
C. T. Studd, de família privilegiada, atleticamente dotado e formado na 
escola interna Eton College e na Universidade de Cambridge, deu as costas à 
riqueza e serviu a Cristo por décadas, enfrentando adversidades inimagináveis, 
primeiro na China e depois na África. Ele escreveu as seguintes palavras:
Existe quem deseje viver ao alcance 
do sino da igreja ou da capela;
já eu um abrigo desejo edificar 
a um metro de distância do inferno.
É dessa paixão que precisamos: uma paixão que olha para as dificuldades 
enormes e exulta porque estamos do lado que está vencendo. Encaremos as 
piores realidades sem hesitação: Cristo nos disse essas coisas para que não 
nos desviemos.
Soldados de Cristo, levantem-se, 
e vistam sua armadura;
fortes na força que Deus nos dá 
por meio do Filho eterno.
Fortes no Senhor dos Exércitos, 
e em seu grande poder;
quem na força de Jesus confia 
é mais que vencedor.
CALCULANDO O CUSTO 125
De força em força avancem; 
digladiem, lutem e orem; 
derrubem todo poder das trevas, 
e vençam o dia da batalha:
Para que, tendo tudo realizado, 
estando as lutas no passado, 
vocês vençam, por Cristo somente, 
e sejam completos enfim.4
4Charles Wesley (1707-1788).
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Dois ministérios especiais do Espírito
“Agora estou indo para aquele que me enviou, e contudo nenhum de 
vocês pergunta: ‘Para onde você vai?’. Porque eu disse essas coisas, vocês 
estão cheios de tristeza. Mas eu lhes digo a verdade: é para o bem de 
vocês que estou partindo. A não ser que eu vá, o Conselheiro não virá 
a vocês; mas, se eu for, eu o enviarei a vocês. Quando ele vier, conven­
cerá o mundo da culpa quanto ao pecado, dajustiça e do juízo: quanto 
ao pecado, porque os homens não creram em mim; quanto à justiça, 
porque estou indo para o Pai, onde vocês não poderão mais me ver; e 
quanto ao juízo, porque o príncipe deste mundo agora está condenado.
“Tenho muito mais a lhes dizer, mais do que vocês podem suportar 
agora. Mas quando ele, o Espírito da verdade, vier, ele os guiará a toda 
a verdade. Ele não falará de si mesmo; falará apenas aquilo que ouvir, 
e lhes dirá aquilo que ainda está por vir. Ele trará glória para mim ao 
tomar do que é meu e torná-lo conhecido a vocês. Tudo o que pertence 
ao Pai é meu. Por isso eu disse que o Espírito tomará do que é meu e 
o tornará conhecido a vocês.”
Jesus agora volta ao ministério do Espírito Santo, o Conselheiro prometido. 
Qual é a conexão entre 16.5-15 e o restante do Discurso de Despedida? 
Superficialmente, há uma conexão formal entre 16.4 e 16.5. No primeiro 
versículo, vemos Jesus explicando por que ele vem delineando os perigos da 
perseguição vindoura; e ele resume dizendo, de forma um tanto proléptica: “... 
Eu não lhes disse isso no início porque estava com vocês”. João 16.5 nos lembra 
mais uma vez da partida iminente de Jesus: “Agora estou indo para aquele que 
me enviou”.
No que diz respeito ao tema, a conexão entre 16.5-15 e o restante do 
Discurso de Despedida ocorre em um nível mais profundo. Três temas já 
abordados são retomados, dois deles para serem comentados em detalhes. O 
primeiro, e menos significativo, é a tristeza dos discípulos diante da partida 
de Jesus. O segundo é o papel do Espírito Santo no mundo. Isso é de especial 
importância em vista da ênfase que acaba de ser estabelecida: os discípulos de 
128 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Jesus precisam ter a expectativa de servir como testemunhas em um mundo 
inclinado a odiá-los e que, às vezes, os persegue. Jesus já garantiu a seus segui­
dores que o Conselheiro participará desse testemunho, e aqui ele explica em 
uma afirmação rica e compacta justamente o que o Conselheiro fará.
O terceiro tema introduz uma pausa no movimento do Discurso. Ciente de 
que os discípulos não aguentarão absorver mais conteúdo até que a crucificação 
tenha ocorrido, Jesus escolhe prometer a eles mais informações e explicações 
quando estiverem mais preparados para suportá-las. Essa instrução virá por meio 
do ministério do Conselheiro, o Espírito da verdade, e seu papel nesse aspecto 
será explorado um pouco mais adiante.
A afirmação inicial de Jesus, à primeira vista, é um pouco estranha: “Agora estou 
indo para aquele que me enviou, e contudo nenhum de vocês pergunta: ‘Para onde 
você vai?’” (16.5). Será que ele já esqueceu que essa mesma pergunta foi feita por 
Simão Pedro e insinuada por Tomé um pouco antes na mesma noite (13.36; 14.5)?
As tentativas de contornar essa dificuldade não são muito convincentes. Um 
comentarista busca resolver o problema atribuindo grande ênfase ao fato de o 
verbo estar no presente: “... e contudo nenhum de vocês [agora] pergunta” em 
vez de “... e contudo nenhum de vocês [antes] perguntou”. Esse uso do presente, 
todavia, provavelmente é secundário. O Quarto Evangelho frequentemente 
usa verbos no presente para se referir tanto ao passado como ao futuro, e, de 
qualquer forma, parecería rude da parte de Jesus repreender seus discípulos por 
não fazerem novamente uma pergunta que eles já fizeram duas vezes naquela 
mesma noite. Essa repreensão sugeriría que Jesus está implorando por compaixão 
de uma forma que destoa bastante do rumo geral do Discurso de Despedida.
Outro comentarista sugere que Jesus está repreendendo seus homens 
não porque não perguntam a respeito do destino dele, mas porque, apesar 
de saberem que ele está retornando ao seu Pai, eles não conseguem encarar 
o futuro sem temor. O problema dessa interpretação é que ela claramente 
contradiz o que 16.5 diz de forma explícita. Jesus repreende seus discípulos por 
não perguntarem: "... Para onde você vai?”, não por se queixarem desse temor.
Duas considerações apontam a saída desse dilema. Primeiro, embora a 
pergunta de Pedro tenha sido formulada em relação ao destino de Jesus (“Para 
onde você vai?”), na verdade ela não estava interessada no destino de Jesus, mas 
em sua partida. Nesse sentido, Pedro não havia realmente feito a pergunta que 
suas palavras pareciam transmitir. Um exemplo deixará isso mais claro. Um 
pai pode garantir ao filho na sexta-feira que no dia seguinte eles passarão um 
tempo juntos no parque. Chega o sábado, o telefone toca e o pai é informado 
DOIS MINISTÉRIOS ESPECIAIS DO ESPÍRITO 129
de que apareceu uma emergência na maquinaria do trabalho que exige sua 
presença imediata. A realização dos reparos necessários levará no mínimo dozehoras. Assim que o pai tenta explicar a mudança de planos ao filho, a criança 
o interrompe com a pergunta triste e queixosa: “Que chato. Para onde você 
vai?”. Mas, assim como Pedro, a criança está menos preocupada com o destino 
que com a partida. O foco da pergunta não era realmente quanto ao destino, 
apesar das aparências formais.
Isso nos leva à segunda consideração. Os discípulos de Jesus, incluindo 
Pedro, ainda estão tão absortos em si mesmos que não estão realmente fazendo 
perguntas empáticas a respeito do que Jesus está fazendo, para onde ele está 
indo e por quê. Assim como em 14.28,29, eles estão tão preocupados com seus 
próprios problemas, com seu medo de serem abandonados, com a sensação de 
crise e ruína iminentes, que não estão realmente ouvindo. Eles amam muito 
a si mesmos e pouco ao seu mestre, e, portanto, não se alegram com ele na 
expectativa de retornar ao Pai, nem tampouco lamentam com ele a expectativa 
da cruz. Eles só se entristecem por si mesmos, e, não importa como sejam 
formuladas, as perguntas deles só demonstram preocupação consigo mesmos. 
E por isso que imediatamente Jesus diz: “Porque eu disse essas coisas, vocês 
estão cheios de tristeza” (16.6).
Os cristãos atuais precisam meditar longamente a respeito dessa repreensão. 
Alguns ramos da cristandade enfatizam a experiência do cristão, o privilégio 
do cristão, as bênçãos do cristão, a fé do cristão, o amor do cristão, a conduta do 
cristão. O evangelismo se concentra puramente nas vantagens para o conver­
tido, não na honra e glória de Deus. Apelos grosseiros expressam o quanto os 
convertidos podem receber se apenas acreditarem da forma certa ou fizerem 
o sacrifício apropriado. Testemunhos expressam as experiências de contrição, 
alegria, tristeza e amor do convertido. Nenhuma dessas coisas é necessariamente 
ruim, mesmo que frequentemente haja um desequilíbrio; mas onde está o foco 
no próprio Jesus Cristo, a não ser como aquele que lealmente paga as contas? 
E claro que o verdadeiro cristianismo transforma a personalidade e pode ser 
ricamente descrito nas categorias da experiência pessoal, mas quem está mais 
preocupado em agradar a Jesus e realizar os desejos de Jesus do que em agradar 
a si mesmo e realizar seus próprios desejos?
Outros ramos do cristianismo sublinham a importância do sacrifício e a 
necessidade de servir. Eles insistem em que o cristão precisa participar das lutas 
por justiça e julgam deficiente toda profissão cristã que não faça da autonegação 
disciplinada um tema fundamental, central e dominante. E obviamente verdade
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
que o cristianismo bíblico exige autonegação e lança os cristãos ao serviço 
sacrificial e à profunda simpatia pelo excluído; mas será que não é possível ficar 
tão apaixonado pela aparência da autodisciplina e tão ocupado com as urgências 
da injustiça que a atividade substitua a adoração e o sacrifício pessoal destrone 
o Salvador pessoal?
Outros ainda tremem ante o declínio doutrinário que ameace devastar o 
cristianismo por dentro. Eles veem o abandono do grande apreço pelas Escrituras 
como um mal de proporções estonteantes e advertem contra o sincretismo que 
sub-repticiamente se insinua para dentro dos flácidos escalões da igreja evan­
gélica. Defensores da verdade, eles detectam o odor da heresia nos primeiros 
estágios e não hesitam em atacá-la e expô-la. E claro, o verdadeiro cristianismo 
é de fato uma religião do Livro e ostenta certas doutrinas não negociáveis e 
certas reivindicações de exclusividade — a negação das quais situa fora do 
acampamento aquele que a faça; mas será que não é possível ser ortodoxo e 
muito preocupado com as formulações da verdade e ao mesmo tempo só se 
preocupar minimamente em seguir o próprio Jesus de forma plena e adoradora?
Em João 16, os discípulos não caem exatamente nesses tipos de desequilíbrio. 
Mesmo assim, a conduta deles tem uma coisa em comum com essas represen­
tações deficientes do cristianismo: algo que não é o próprio Jesus, e tudo o 
que ele é e diz, recebe a atenção principal. As outras coisas em questão podem 
muito bem ser valiosas, boas e mesmo necessárias; quem, afinal, desprezaria 
a experiência pessoal, o serviço sacrificial ou o firme comprometimento com a 
verdade? Mas, se essas coisas boas e essenciais deslocam a centralidade de Jesus 
Cristo em nossa adoração, empatia e compromisso, chegamos perto de prostituir 
as boas-novas de Jesus e seguir o triste exemplo dos discípulos.
Porque os discípulos estavam absortos em si mesmos, ainda não haviam 
captado o fato de que a partida de Jesus era para o bem deles. Jesus, portanto, 
repete esse ponto: “Mas eu lhes digo a verdade: é para o bem de vocês que 
estou partindo. A não ser que eu vá, o Conselheiro não virá a vocês; mas, se 
eu for, eu o enviarei a vocês” (16.7). O Espírito não podia ser concedido até 
que Jesus fosse glorificado (7.39). Só depois de Jesus ter morrido na cruz para 
expiar nosso pecado, ter ressuscitado do sepulcro para demonstrar sua vitória 
e ter ascendido aos céus para receber todo domínio, o Espírito Santo poderia 
ser outorgado aos discípulos de Jesus. No Novo Testamento, o Espírito Santo 
é o adiantamento da vida eterna, a antevisão da presença eterna- e desvelada 
da Divindade, aquele que nos incorpora ao corpo de Cristo, aquele que nos 
regenera e faz morada em nós; como poderiam essas bênçãos vir a nós a não 
DOIS MINISTÉRIOS ESPECIAIS DO ESPÍRITO 131
ser que a base para elas fosse estabelecida? E essa base é o triunfo de Cristo, 
seu retorno ao Pai por meio da cruz e do sepulcro.
É inquestionável, portanto, que é para o bem dos discípulos que Jesus 
“parte”. Isso logo será demonstrado na experiência deles, mesmo que por ora 
eles sejam incapazes de apreciar o fato. Compare-se a conduta dos seguidores 
de Jesus nessa noite sombria com sua conduta alguns meses depois. Em poucas 
horas, o comportamento deles seria tão desprezível (mesmo que compreensível) 
que um cristão chamado João Marcos se referiría a ele de forma concisa com 
as seguintes palavras: “Então todos o abandonaram e fugiram” (Mc 14.50). 
Contudo, poucas semanas depois, tendo sido derramado o Espírito Santo sobre 
os discípulos, eles enfrentaram as hostilidades com alegria corajosa e fé triun­
fante, incitando Lucas a escrever: “... E todos estavam cheios do Espírito Santo 
e pregavam a palavra de Deus com ousadia” (At 4.31). Mesmo quando eram 
açoitados, eles davam testemunho com alegria (At 5.41). Em João 16, Jesus não 
exagera: é para o bem dos discípulos que ele está partindo.
Mas o que o Conselheiro fará quando vier? Jesus apresenta dois de seus 
ministérios em detalhes:
O Conselheiro, o Espírito Santo, vem aos discípulos 
para convencer o mundo (16.8-11)
“Quando ele vier”, diz Jesus, “convencerá o mundo da culpa quanto ao pecado, 
da justiça e do juízo: quanto ao pecado, porque os homens não creram em 
mim; quanto à justiça, porque estou indo para o Pai, onde vocês não poderão 
mais me ver; e quanto ao juízo, porque o príncipe deste mundo agora está 
condenado” (16.8-11).
Antes de estudar essa passagem atentamente, duas reflexões preliminares 
são necessárias. A primeira é que esses versículos, como quer que sejam inter­
pretados, sugerem (embora não afirmem explicitamente) que, sem essa obra 
do Conselheiro, os seres humanos caídos não podem realmente lidar com o 
pecado, a justiça e o juízo. Anteriormente nós nos perguntamos como uma 
pessoa que pertence ao “mundo”, o mundo que não consegue perceber Jesus 
pelos olhos da fé nem obedecê-lo, poderia deixar de pertencer ao mundo e se 
tornar seguidora de Jesus. Uma resposta parcial é oferecida nesses versículos. 
Mesmo que o mundo não possa aceitar o Espírito da verdade (14.17), ainda 
assim o Espírito da verdade vem para convencer o mundo. Isso pode muito bem 
servir como degrau para a conversão.
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
A segunda reflexão é mais óbvia. Na interpretação desses versículos que 
adotarei, oConselheiro agora atua mais como um procurador que como um 
advogado de defesa. Em certo sentido, é claro, tanto “advogado de defesa” 
como “procurador” são metáforas inadequadas para o Espírito Santo. Como 
advogado de defesa, o Espírito Santo de fato ajuda o “réu” — o cristão tragado 
pela culpa, pela sensação de ser indigno e pelas acusações do Diabo. Mas esse 
Conselheiro não “defende” os cristãos de um juiz externo, porque esse é o 
trabalho do próprio Senhor Jesus, que intercede diante do Pai em nosso favor. 
O resgate foi pago e o perdão foi garantido por meio da morte e ressurreição de 
Cristo: esse é o fundamento do papel de intercessão de Cristo (cf. Hb 9.25-28). 
Mas esse também é o fundamento sobre o qual os cristãos devem experimentar 
a liberdade pessoal em relação à culpa: sua dívida já foi paga. O Conselheiro 
tem a tarefa de defender seu “cliente” de suas próprias dúvidas e temores, bem 
como de seus adversários espirituais, e não de defendê-lo do juiz. Essa não é a 
função normal de um “advogado de defesa”.
Similarmente, como procurador o Espírito Santo objetiva condenar o réu, a 
pessoa que pertence ao mundo; só que “condenar” nesse contexto não significa 
“conseguir uma condenação diante de um juiz”, mas, sim, “convencer o indi­
víduo intimamente em sua mente e coração”. O objetivo da obra do Espírito 
não é produzir um veredito de culpa — isso já existe (3.18,36) —, mas levar o 
réu a enxergar a situação perigosa em que ele se encontra. Isso talvez o incite a 
uma petição de misericórdia, porque só a misericórdia o salvará.
Esses quatro versículos, João 16.8-11, suscitaram bastante debate. A razão 
pela qual eles são tão difíceis de interpretar corretamente é em parte o fato de eles 
serem terrivelmente compactos no grego e em parte porque parece muito difícil 
elaborar uma interpretação coerente dos três principais elementos da passagem. 
Além disso, parte das palavras usadas tem um alcance semântico muito amplo, e 
diferentes intérpretes adotam diferentes sentidos para elas. Por exemplo, algumas 
pessoas creem que o verbo traduzido por “condenará da culpa” na NIV (16.8) 
significa precisamente isso; outros creem que ele significa “convencerá” ou 
“exporá”. Alguns defendem que o Conselheiro vem para convencer os discípulos 
da culpa do mundo — interpretação segundo a qual o Espírito Santo atua aqui 
só no que diz respeito aos cristãos, não ao mundo.
Mesmo o significado de palavras mais comuns da passagem é difícil de 
precisar. Há uma só palavra grega por trás do “quanto a” da NIV e ela frequen­
temente é traduzida por “em relação a”. Mas, se entendemos que a passagem 
DOIS MINISTÉRIOS ESPECIAIS DO ESPÍRITO 133
está dizendo que o Conselheiro convencerá o mundo quanto ao pecado, 
encontramos um problema nas frases seguintes; pois o que significa dizer que 
o Conselheiro convence o mundo quanto à justiça? Mesmo que digamos que o 
Espírito convence o mundo do pecado do mundo e da justiça de Cristo (como 
sugerem muitos), nós inconscientemente alteramos o sentido do verbo convence.
Muitos fatores dos quais a devida compreensão dessa passagem depende são 
complexos e técnicos, e este não é o lugar para examiná-los. Tampouco seria 
sábio a essa altura fornecer uma lista completa das diferentes posições que dife­
rentes estudiosos adotaram. Os leitores interessados podem sempre consultar os 
comentários mais extensos. Em vez disso, proponho-me a examinar a interpretação 
dessa passagem que, na minha opinião, melhor explica a gramática do texto e 
melhor se conforma à teologia do Quarto Evangelho como um todo. Defendi 
essa perspectiva em nível técnico em outro livro,1 e não me repetirei aqui.
Talvez ajude começar com uma tradução que estou pronto a defender, 
redigida de forma esquemática, e então passar à exposição.
Quando vier, ele convencerá o mundo
de seu pecado,
sua justiça,
e seu juízo:
seu pecado,
porque eles não acreditam em mim;
sua justiça,
porque estou indo ao Pai e vocês não mais me verão;
e seu juízo
porque o príncipe deste mundo agora está condenado.
O Conselheiro, o Espírito Santo, convencerá o mundo de seu pecado: isto é, 
ele levará o mundo ao reconhecimento consciente da culpa pessoal e coletiva. A 
razão pela qual ele realizará esse ministério é fornecida em 16.9: o Conselheiro 
convence o mundo de seu pecado porque as pessoas que constituem o mundo 
não acreditam em Jesus. Porque as pessoas do mundo não acreditam em Jesus, 
elas não aceitam seus ensinamentos, não acreditam em suas afirmações nem 
adotam a avaliação que Cristo faz delas. Elas não se voltam a ele para a salvação;
‘Veja D. A. Carson, “The function of the Paraclete in John 16.7-11”, Journal of Biblical 
Literature 98 (1979): 547-66.
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
elas nem sequer percebem sua necessidade dele. Por isso o Espírito Santo vem e 
as convence de seu pecado. Se ele não o fizesse, não haveria nenhuma forma de 
qualquer pessoa que faça parte do mundo se libertar das correntes do mundo 
e se voltar a Jesus. Jesus simplesmente não seria uma opção, porque ninguém 
acreditaria nele. Sem a obra do Conselheiro, o mundo se recusa a reconhecer 
seu pecado e se voltar para Jesus, precisamente porque o mundo não acredita 
em Jesus. De qualquer maneira, o Espírito Santo traz a convicção do pecado 
para esse mundo incrédulo.
Essa passagem também ensina que o Espírito Santo convencerá o mundo de 
sua justiça. E preciso admitir que o pronome possessivo “seu” não é encontrado 
no texto, o qual diz, simplesmente, que o Espírito Santo convencerá o mundo 
“da justiça”. A pergunta é: justiça de quem? Se a justiça de Jesus está em vista, 
então claramente o Conselheiro não convence o mundo da justiça de Jesus 
exatamente da mesma forma que convence o mundo de seu pecado. Seria preciso 
supor que o Espírito Santo condena o mundo por seu pecado, mas convence o 
mundo da justiça de Jesus (produzindo assim uma mudança injustificada no 
verbo); ou talvez que o Espírito convence o mundo de seu pecado e também 
convence o mundo de sua insuficiência à luz da justiça de Jesus (o que introduziría 
uma nota explicativa injustificada no texto).2
2Outros defendem que o verbo não deve ser traduzido por convencer, mas estou persuadido 
de que essa é de longe a melhor opção nesse contexto. Para uma defesa detalhada dessa posição, 
veja o artigo citado na nota de rodapé anterior.
Essas dificuldades são superadas se o Espírito está convencendo o mundo 
de seu pecado, e também convencendo o mundo de sua justiça. Essa perspectiva 
preserva a simetria graciosa da passagem. A única questão é se a palavra justiça 
pode suportar o peso que lhe é imposto nesse caso: i.e., a “justiça” precisa então 
ser interpretada ironicamente como se referindo àquilo que o mundo julga ser 
justiça, mesmo que Deus o julgue como injustiça. Pode a palavra ser legitima­
mente entendida dessa forma irônica?
A resposta certamente é afirmativa. O Quarto Evangelho é bastante dado à 
ironia. Mesmo o verbo mais sagrado de João, acreditar, é às vezes usado para se 
referir a um tipo de fé não muito aceitável (e.g., 2.23-25). Em outras palavras, 
há tanto a crença boa como a má; por que também não haverá justiça boa e má? 
Mesmo no Antigo Testamento a “justiça” podia ser falsa e maligna. Em Isaías 64.6, 
por exemplo, lemos que a justiça do povo (na Septuaginta grega usa-se a mesma 
palavra que a encontrada em João 16) é como um trapo sujo de sangue menstruai.
DOIS MINISTÉRIOS ESPECIAIS DO ESPÍRITO
Além disso, embora a palavra justiça só seja encontrada uma vez no Evan­
gelho de João, é considerável a repreensão dirigida aos judeus por sua pretensão 
de serem justos — mesmo quando a palavra “justiça” não é usada. O movimento 
do drama afirma esse ponto de forma muito reveladora, sem sublinhá-lo de 
maneira forçada. O Templo, que é o próprio centro da adoração judaica, não só 
é purificado, mas é substituído pelo corpo de Jesus (2.13-22): isto é, a verdadeira 
forma de justiça concentra-se não na adoração no Templo,mas na morte de 
Jesus. Os fariseus observam cuidadosamente os regulamentos do sábado, mas 
não mostram nenhum prazer no fato de que um homem paralítico por 38 anos 
tenha sido curado (5.16). Há muito estudo piedoso das Escrituras, mas uma 
incapacidade total de entender seu verdadeiro conteúdo (5.39,40). Os líderes, 
mesmo quando têm a Lei de Moisés, chegam a ponto de tentar matar Jesus 
(7.19); e alguns deles, enquanto secretamente acreditavam em Jesus, recusam-se 
a confessá-lo, porque são movidos pelo medo da excomunhão (eles querem se 
adaptar aos padrões humanos de justiça em vez de adotar a perspectiva de Deus 
em relação à questão [12.42,43]). Não surpreende, assim, que o Espírito Santo 
precise convencer o mundo de sua justiça.
A ideia da justiça humana e falsa tem paralelos em várias passagens de Paulo. 
Osjudeus, Paulo insiste, “não conheceram a. justiça que vem de Deus e buscaram 
estabelecer a sua própria” (Rm 10.3). Ao fazê-lo, eles “não se submeteram à justiça 
de Deus”. Se Deus nos salvou, isso aconteceu “não por causa de atos justos por 
nós praticados, mas por causa de sua misericórdia” (Tt 3.5). O próprio Paulo 
em seus dias pré-cristãos podia reivindicar certajustiça irrepreensível; mas, uma 
vez tendo se tornado cristão, todas essas coisas que antes considerava lucro ele 
agora despreza como “lixo” e “perda por causa de Cristo” (Fp 3.6-9). "... Eu as 
considero lixo”, ele escreve, “para que possa ganhar a Cristo e ser encontrado 
nele, não tendo uma justiça própria que vem da lei, mas aquela que vem por meio 
da fé em Cristo...” (Fp 3.8b,9).
O Espírito Santo continua sua obra hoje; e ela é muito necessária. Os 
homens e as mulheres do mundo normalmente não pensam em si mesmos como 
perdidos, pecadores. Eles pensam em si mesmos como essencialmente justos. 
Se o Cordeiro de Deus veio para tirar o pecado do mundo, então certamente, 
supõem eles, esse pecado deve ser de alguma outra pessoa. Se somos bons cida­
dãos, ajudamos na comunidade, somos íntegros e até mesmo escrupulosamente 
religiosos, isso não é o suficiente?
Não; não é o suficiente. Mesmo um homem de credencias tão extraor­
dinárias como as de Nicodemos (jo 3) precisou nascer de novo. E até uma 
136 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
pessoa que está satisfeita com sua própria justiça perceber sua inadequação, seu 
egocentrismo, suas insuficiências, suas imperfeições — em outras palavras, até 
ela ser convencida de sua justiça exatamente da mesma forma que é convencida 
de seu pecado —, é difícil perceber como o evangelho poderá ser recebido como 
boas-novas.
Jesus diz que o Conselheiro convencerá o mundo de sua justiça “porque 
estou indo para o Pai, onde vocês não poderão mais me ver” (16.10). No último 
capítulo, vimos que uma das funções cruciais de Jesus durante seu ministério 
terreno foi expor o pecado do mundo, contrastar a falsa justiça do mundo com 
sua própriajustiça incomparável (veja especialmente 15.22-24). Mas agora Jesus 
está deixando esse contexto terreno; quem continuará a mostrar a verdade quanto 
a justiça do mundo e a trazer ao íntimo das pessoas a convicção de seu pecado 
e falsa justiça? A resposta é fornecida pelo texto: o Espírito Santo convencerá o 
mundo de sua justiça porque Jesus está indo ao Pai. Nesse aspecto, o Conselheiro 
assume o ministério de Jesus.
Por que, então, o versículo 10 conclui com as palavras: “... onde vocês não 
poderão mais me ver”? Por que ele se dirige à segunda pessoa do discurso, e 
não à terceira? Não seria mais coerente pensar no Espírito Santo convencendo o 
mundo de sua justiça porque Jesus está partindo e o mundo (e não os discípulos) 
não pode mais vê-lo? Isso certamente faria todo o sentido; por isso, precisamos 
nos perguntar por que ele se refere aos discípulos.
A resposta se baseia em dois aspectos evidentes do contexto. O primeiro 
é que os discípulos deverão dar testemunho para o mundo (15.26,27 e grande 
parte do cap. 17). O Espírito Santo dá testemunho, mas os discípulos também 
precisam dar testemunho. Nesse sentido, eles se unem ao Espírito Santo na preser­
vação da presença de Cristo em um mundo que rejeita Cristo. O Espírito realiza 
essa responsabilidade de dar testemunho em parte ao transformar os cristãos. 
O segundo ponto a observar é que, embora a passagem seja a respeito do minis­
tério do Espírito no mundo, ela se dirige aos discípulos. A passagem, portanto, 
simultaneamente informa os cristãos daquilo que o Conselheiro fará e lhes 
garante que eles não foram abandonados em seu testemunho.
Juntando ambas as coisas, parece que Jesus está dizendo aos discípulos 
que, embora eles estejam perdendo a oportunidade de aprender a confrontar o 
mundo com seu Mestre e com o ministério de convencimento deste (porque 
não mais o verão), eles não estão sendo abandonados — porque o Conselheiro 
está vindo e ele convencerá o mundo ao atuar em parte por meio dos cristãos. 
O Espírito Santo convence e atua. E por isso que Jesus a certa altura exorta:
DOIS MINISTÉRIOS ESPECIAIS DO ESPÍRITO
“Parem de julgar por meras aparências, e façam um juízo correto” (7.24). 
Em contraste com o juízo falso do mundo, o juízo de Jesus é sempre justo e 
correto (5.30; 8.16).
Quando o juízo do mundo é falso, o erro nasce não da mera ignorância 
cognitiva, mas da perversidade moral; não da confusão inocente, mas de uma 
vontade culpável de não saber. O Conselheiro convence as pessoas do mundo 
nessa área do pensar, pois, a não ser que venham a entender que estão fazendo 
um juízo falso da realidade espiritual, como poderão vir a conhecer aquele que 
é a verdade? Ele é rejeitado de antemão por um juízo falso culpável.
O Espírito Santo convence o mundo de seu juízo “... porque o príncipe 
deste mundo agora está condenado” (16.11). Ao falar de maneira proléptica a 
respeito da cruz, Jesus antes havia dito: “Agora é a hora do juízo deste mundo; 
agora o príncipe deste mundo será expulso” (12.31). O mundo pensa na cruz 
como o lugar em que Jesus é condenado, mas Jesus insiste em que, na realidade, 
ela é o lugar em que o mundo é condenado e o príncipe deste mundo é deci­
sivamente derrotado. A vitória anuncia a inauguração da era escatológica da 
bênção: os cristãos desfrutam da vida eterna agora, no presente, mesmo que a 
consumação dessa vida só se dê com a volta de Cristo. Do mesmo modo, essa 
vitória na cruz também anuncia a inauguração do juízo escatológico: os não 
cristãos já estão sob a ira e a maldição de Deus, mesmo que a culminação dessa 
maldição só se dê no juízo final. “Todo aquele que não crê já está condenado” 
(3.18); de fato, "... todo aquele que rejeita o Filho não verá a vida, porque a ira 
de Deus permanece sobre ele” (3.36).
A obra de Cristo na cruz é a reviravolta crucial da história da redenção. 
Assim como é a base da salvação do cristão, ela também é a derrota decisiva 
do príncipe deste mundo. Consequentemente, eis que estamos vivendo na era 
escatológica: tudo é imensamente urgente. A luz dessa urgência escatológica — 
isto é, à luz do fato de que o Diabo já está julgado —, o Conselheiro convence 
o mundo de seu juízo. Aqui o mundo está completamente errado em suas 
avaliações fundamentais, enquanto o juízo mais importante do universo acontece 
diante de seus olhos, despercebido, na cruz e na ressurreição de Jesus. O “hoje” 
da salvação de Deus já chegou (cf. Hb 3.12-15), portanto, é imperativo que o 
mundo se torne consciente de seu falso juízo. Para esse fim o Espírito Santo 
está ocupado convencendo o mundo.
Há uma ironia divina nessa obra de convencimento do Espírito Santo. Ele 
convence o mundo de seu pecado, ao passo que o mundo por não acreditar em 
Jesus, julga que Jesus é um pecador: “... Nós sabemos que esse homem [Jesus] 
é um pecador” (9.24), afirmam os judeus e conspiram para vê-lo morrer como
138 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
um criminoso comum. Aliás, o mundo é tão depravado que não consegue 
discernir o que o pecado, a justiça e o juízo realmente são; e é só por meio da 
obra profundade convencimento do Espírito que o mundo pode esperar reco­
nhecer a imensidão de seus equívocos e de sua grosseira incredulidade.
No entanto, essa passagem faz mais que explicar parte da operação do 
Conselheiro no mundo. Ela também serve para gerar uma confiança discreta no 
coração do cristão enquanto ele encara sua responsabilidade de dar testemunho. 
Olhamos para o mundo e nos perguntamos como poderemos persuadir os 
homens a acreditarem no evangelho de Jesus Cristo. Não queremos nos rebaixar 
a truques, e percebemos que os argumentos intelectuais por si mesmos não 
garantem nada. Encontramos homens e mulheres que acreditam em certos 
fatos a respeito do cristianismo, mas que se recusam a confiar em Cristo, e nos 
perguntamos como penetrar a barreira da incredulidade.
Essa incerteza provavelmente era aguda de modo especial entre os primeiros 
cristãos nos dias que se seguiram imediatamente à ressurreição. Carregar a 
responsabilidade de cumprir a Grande Comissão deve ter parecido ridículo em 
certos aspectos para aquele pequeno grupo. Certamente eles não elaboraram 
políticas de longo prazo, não estabeleceram uma lista prioritária de países e 
povos, não fundaram nenhuma escola de treinamento. Em vez disso, eles fizeram 
o que Jesus lhes havia dito para fazer: aguardaram o Espírito. Quando veio, ele 
transformou os cristãos; e os cristãos então se multiplicaram e se espalharam, 
motivados não tanto por um comprometimento obstinado, mas, sim, por um 
entusiasmo santo e triunfante.
Eu abriria mão de todas as formas de ministério cristão imediatamente se 
não estivesse convencido de que o Senhor Jesus está edificando sua igreja; de 
que o Pai entregou um povo a seu Filho; e de que o bendito Espírito Santo está 
atuando no mundo para convencê-lo de seu pecado, sua justiça e seu juízo. Não 
confio nem um pouco que eu seria capaz, por conta própria, de persuadir qual­
quer pessoa de sua mais profunda necessidade e da verdade do evangelho. Dessa 
forma, portanto, a passagem garante aos cristãos atuais que, longe de estarem 
abandonados em sua tarefa de dar testemunho, eles na verdade têm o privilégio 
de ser instrumentos escolhidos com os quais o Espírito costumeiramente realiza 
seu ministério. Essa perspectiva confere um significado transcendente ao nosso 
trabalho e remove o medo de fracassar.
Há um segundo ministério do Espírito Santo, que Jesus agora elucida um 
pouco mais:
DOIS MINISTÉRIOS ESPECIAIS DO ESPÍRITO
O Espírito Santo, o Paráclito, vem aos discípulos 
na ausência de Jesus para completar a revelação 
do Deus triúno em Jesus Cristo (16.12-25)
“Tenho muito mais a lhes dizer”, Jesus diz aos discípulos, “mais do que vocês 
podem suportar agora” (16.12). Eles não podem suportar mais por causa 
de dois fatores: primeiro, os eventos cruciais, a cruz e a ressurreição, ainda 
não haviam ocorrido, e eles mal conseguiam vislumbrá-los — muito menos 
compreender seu significado profundo; e, segundo, os discípulos ainda eram, 
espiritualmente, muito imaturos.
O segundo ponto é uma barreira mais comum à comunicação verbal da 
verdade bíblica do que se costuma reconhecer. Um cristão recém-convertido 
sem nenhuma herança de ensino cristão pode perguntar: “O que nós queremos 
dizer quando afirmamos ‘Jesus é Deus’?”. Mas ele espera uma resposta muito 
mais breve e menos sofisticada do que a de um cristão matriculado em um 
curso de cristologia avançada em seu quarto ano de graduação no seminário. E 
possível que haja muito mais coisas que poderíam ser ditas ao primeiro irmão, 
mas ele não seria capaz de suportá-las. No treinamento de novos cristãos, esse 
princípio precisa ser mantido em mente.
No Discurso de Despedida, Jesus prepara seus homens o máximo possível 
para o que está adiante. Mesmo que não consigam compreender tudo o que diz, 
ele sabe que darão fruto em sua vida quando, depois dos acontecimentos para 
os quais aponta, eles se lembrarem de seus ensinamentos e reconhecerem que 
as circunstâncias não estavam fora do controle e do propósito de Deus nem por 
um instante sequer. Mesmo assim, ele reconhece que há um limite para aquilo 
que pode lhes dar agora: eles simplesmente são incapazes de suportar mais do 
que isso. Portanto, Jesus retorna mais uma vez ao ministério que o Conselheiro 
desempenhará para os discípulos no futuro, tema apresentado anteriormente 
(14.25,26). Três verdades são apresentadas:
1. O Conselheiro vem para completar a revelação de Deus em Jesus Cristo. 
“Mas quando ele, o Espírito da verdade, vier, ele os guiará a toda a verdade. Ele 
não falará de si mesmo; falará apenas aquilo que ouvir, e lhes dirá aquilo que 
ainda está por vir” (16.13).
Jesus já havia prometido que o Espírito da verdade lembraria os discípulos 
de tudo o que Jesus lhes havia ensinado (14.26). Agora ele promete mais: o 
Espírito os guiará a toda a verdade e lhes dirá o que está por vir. O fato de 
140 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
o Espírito guiar esses primeiros cristãos a toda a verdade não significa, como 
já vimos (capítulo 4 deste livro), que não haja necessidade de professores na 
igreja, nem que os seres humanos finitos possam desfrutar da onisciência. 
Trata-se antes da garantia de que os discípulos serão guiados a um verdadeiro 
entendimento dos acontecimentos salvíficos que ocorrerão. Além disso, eles 
receberão vislumbres do futuro. O apogeu apocalíptico final da história será 
parcialmente revelado diante de seus olhos para capacitá-los a perceber o 
alcance do plano divino de redenção e o lugar crucial de Jesus dentro dele. 
Isso trará glória a Jesus (1Ó.14, abordado adiante).
Há aqui uma promessa de revelação adicional — de fato, de revelação 
proposicional, a qual não consiste em mero acontecimento nu e sem expli­
cação, mas em conteúdo que pode ser expresso em proposições. O Espírito 
“dirá” e “contará” aos discípulos o que está por vir. Isso não deveria ser visto 
como surpreendente, a não ser que pensemos que Deus não sabe se expressar. 
As Escrituras insistem tanto em que ele é capaz de falar como em que ele fala. 
Seria então espantoso que ele escolhesse se revelar de maneira proposicional à 
única espécie que criou na terra com plena capacidade de fala e com a imagem 
e a semelhança da Divindade carimbada em sua natureza? Assim como Deus 
falou no passado por meio dos profetas e falou por meio do Filho, designado 
como a Palavra, o qual disse apenas aquilo que o Pai lhe deu para dizer, assim 
também ele falou pelo seu Espírito, que completa a revelação de Deus no Filho 
ao falar e contar aos discípulos a verdade revelada.
Implicitamente, há aqui uma antecipação daquilo que agora denominamos 
o cânon do Novo Testamento. Viria o tempo em que um judeu convertido de 
nome Paulo se poria a escrever, e muitas de suas cartas seriam reconhecidas como 
parte das Escrituras (2Pe 3.15,16). Um médico chamado Lucas escrevería um 
quarto do Novo Testamento. Outros contribuiríam, incluindo um meio-irmão 
de Jesus chamado Tiago, que nessa época ainda não era cristão. Era necessário 
que houvesse mais revelação para elucidar o glorioso significado das coisas que 
estavam ocorrendo, e esse ministério seria cumprido pelo Espírito Santo.
2. O Conselheiro em sua missão de revelação, diz Jesus, será tão dependente 
de Jesus como este, nos dias de sua carne, era dependente do Pai. “... Ele não falará 
de si mesmo...”, Jesus insiste: “... falará apenas aquilo que ouvir [...] Ele trará 
glória para mim ao tomar do que é meu e torná-lo conhecido a vocês. Tudo 
o que pertence ao Pai é meu. Por isso eu disse que o Espírito tomará do que é 
meu e o tornará conhecido a vocês” (16.13-15).
DOIS MINISTÉRIOS ESPECIAIS DO ESPÍRITO
Todo esse tempo, Jesus insistiu em que não falou por si mesmo, mas disse 
apenas aquilo que o Pai queria que ele dissesse (cf. 7.17; 12.49; 14.10; cap. 2 
deste livro). Essa postura não só reflete a relação de dependência e obediência 
entre Jesus e seu Pai, mas, o que é igualmente importante, ela garante que o 
que ele diz é divino e estáem perfeita harmonia com a vontade do Pai. Agora 
o Espírito guiará os discípulos; e Jesus diz que o Espírito também não falará 
por si mesmo. Em vez disso, o Espírito dependerá daquilo que ouve para aquilo 
que tem a dizer. O ensino do Espírito é, assim como o ensino de Jesus, nada 
menos que o ensino de Deus.
Além disso, o assunto geral do Espírito Santo é um pouco restrito; trata-se, 
porém, de uma restrição gloriosa. O Espírito tomará aquilo que é de Cristo e o 
tornará conhecido aos discípulos de Cristo. Essa formulação curiosa consegue 
transmitir três idéias.
Primeiro, o foco está inteiramente em Cristo. O Espírito não divaga acerca 
de qualquer assunto e não compete com o Filho. O papel do Espírito é completar 
a revelação de Deus em Jesus Cristo.
Segundo, a preposição de na expressão “do que é meu” (16.14,15) mostra 
que a revelação que o Espírito fornece aos cristãos não é a soma total da verdade 
que gira em torno de Cristo. Os seres humanos finitos não conseguiríam 
apreendê-la mesmo que ela fosse concedida. Em vez disso, o Espirito toma 
dessa soma infinita e dá essa verdade aos discípulos.
Terceiro, se o Espírito não fala de si mesmo, mas de fato fala das coisas que 
dizem respeito a Cristo — sua pessoa, sua missão, seu ensino —, e se isso está 
refletido no Novo Testamento, então a unidade fundamental do Novo Testa­
mento depende de Cristo. Cristo é o centro que dá a esses livros sua unidade. 
“Muito tempo atrás Deus falou a nossos antepassados por meio dos profetas em 
muitas ocasiões e de várias maneiras”, escreve o autor da Epístola aos Hebreus, 
“mas nestes últimos dias ele falou a nós por meio de seu Filho...” (Hb 1.1,2a). A 
revelação do Filho é a mensagem central dos autores do Novo Testamento, os 
quais, inspirados pelo Espírito Santo, não veem a si mesmos como se estivessem 
fazendo um acréscimo à revelação do próprio Jesus ou criando uma continuação 
dela com novo material, mas, sim, meramente explicando e soletrando de maneira 
proposicional as implicações dessa revelação pessoal.
3. O papel do Espírito Santo é trazer glória a Jesus. Isso é afirmado expli­
citamente: “Ele trará glória para mim ao tomar do que é meu e torná-lo 
142 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
conhecido a vocês” (16.14). Era necessário que Jesus fosse glorificado — isto 
é, que retornasse à presença gloriosa do Pai por meio da cruz, da ressurreição 
e da exaltação — antes que o Espírito pudesse ser concedido (7.39); mas, uma 
vez que foi glorificado dessa forma, ele recebe ainda mais glória pelo ministério 
do Espírito entre os cristãos.
Nada traz mais glória a nosso exaltado Senhor Jesus do que seus segui­
dores mergulharem em toda a verdade que diz respeito a ele. A aquisição 
desse conhecimento, ainda que seja intelectual, não é meramente intelectual: 
à medida que a verdade de Deus é verdadeiramente absorvida pelos cristãos, 
ela os transforma, capacitando-os a refletir a glória de Deus e, assim, trazer 
louvor a seu nome. Como diz Paulo: “E nós, que com rosto descoberto refle­
timos todos a glória do Senhor, estamos sendo transformados à sua semelhança 
com glória crescente, a qual vem do Senhor, que é o Espírito” (2Co 3.18). A 
glória vem a Jesus à medida que as verdades do evangelho são estabelecidas 
na vida dos homens.
Os cristãos atuais precisam, portanto, evitar dois extremos tristes. Um 
extremo deprecia qualquer estudo robusto da verdade bíblica, descartando-o 
como se não fosse espiritual e preferindo bradar altos louvores com respostas 
ensaiadas e clichês — como se a magnitude da glória que oferecemos a Jesus 
dependesse do nível dos decibéis (ou da profundidade da ignorância sob a 
máscara da fé professada). O outro extremo deprecia a alegria espontânea na 
adoração e todo entusiasmo coletivo, desprezando tais coisas como se fossem 
mera emoção e preferindo a contemplação solene e caracteristicamente inte­
lectual de proposições a respeito de Jesus — como se a magnitude da glória 
que oferecemos a Jesus dependesse exclusivamente de quantas verdades a 
mente consegue formular. No contexto de João 16.12-15, é o primeiro erro 
que recebe rápida atenção; mas, no contexto da Bíblia como um todo, nós, 
como cristãos, precisamos aprender a glorificar Jesus, apreendendo cada vez 
mais, tanto quanto possível, a verdade que nos foi tão graciosamente reve­
lada, incorporando-a à nossa vida até que ela nos transforme e nos incite ao 
louvor espontâneo e entusiasmado. Desprezemos o clamor deliberadamente 
ignorante; desprezemos a verdade árida apreendida intelectualmente, porém 
jamais absorvida ou implementada.
Em certo sentido, o Espírito Santo ocupa um lugar secundário no Novo 
Testamento. O lugar principal é de Jesus Cristo. Mas o Espírito Santo não é 
um figurante opcional. Ele nos é apresentado como parte integrante do plano
DOIS MINISTÉRIOS ESPECIAIS DO ESPÍRITO
divino de redenção, tão essencial para nossa salvação quanto o Pai, tão essen­
cial quanto Jesus. Como poderia ser diferente? Só há um Deus. Se as pessoas 
da Divindade decretaram na harmonia de seu conselho eterno que o Filho se 
tornaria homem, que ele sozinho seria o Cordeiro sacrificial para expiar nossos 
pecados, eles com essa decisão não o abandonaram em seu trabalho. Só há um 
Deus; e esse Deus triúno realiza todas as decisões de sua vontade indivisível. É 
difícil imaginar como a apresentação da salvação no Novo Testamento poderia 
permanecer intacta se um lugar privilegiado não tivesse sido reservado para o 
ministério de cada uma das pessoas da Divindade.
Em João 16.5-15, a atenção é dirigida principalmente a dois ministérios 
específicos do Espírito Santo. Por esses esclarecimentos nós somos profunda­
mente gratos. Eles se encaixam no quadro maior da pessoa e do ministério do 
Espírito que perpassa as páginas dos livros do Novo Testamento, quadro que 
incita os cristãos a cantar e orar:
Bendito Redentor, um dia respirou 
seu doce e último adeus, 
um Guia, Consolador, deixou 
para fazer morada em nós.
Ele veio na forma de pomba, 
as asas acolhedoras abertas, 
o bálsamo santo de paz e amor 
na terra derramar.
Ele veio em línguas de fogo vivo 
ensinar, convencer, dominar;
ele veio como o vento, poderoso 
e também invisível.
E dele a doce voz que ouvimos, 
branda como a brisa da tardinha, 
que corrige o erro e acalma o medo, 
e discorre acerca do céu.
E toda virtude que temos, 
e toda vitória conquistada,
e toda ideia de santidade 
são dele e só dele.
144 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Espírito de pureza e graça, 
nossa fraqueza, compassivo, vê;
faz de nosso coração tua morada, 
para que adoremos a ti.3
3H. Auber (1773-1862).
Mas, primeiro, a cruz
JO
Ã
O
 16
.1
6-
33
“Em pouco tempo vocês não me verão mais, e então, depois de pouco 
tempo, vocês me verão.”
Alguns dos discípulos disseram uns aos outros: “O que ele quer dizer 
quando diz ‘Em pouco tempo vocês não me verão mais, e então, depois 
de pouco tempo, vocês me verão’ e ‘Porque estou indo para o Pai’?” 
Eles continuaram a perguntar: “O que ele quer dizer com ‘em pouco 
tempo’? Não entendemos o que ele está dizendo”.
Jesus viu que eles desejavam perguntar-lhe sobre isso, e por isso 
disse a eles: “Vocês estão perguntando uns aos outros o que eu quis dizer 
quando disse ‘em pouco tempo vocês não me verão mais, e então, depois 
de pouco tempo, vocês me verão?’. Digo-lhes a verdade, vocês chorarão 
e se lamentarão enquanto o mundo se alegra. Vocês se entristecerão, 
mas sua tristeza se transformará em alegria. A mulher, ao dar à luz uma 
criança, sente dor, porque veio a hora; mas, quando o bebê nasce, ela se 
esquece da angústia por causa da alegria de ter nascido uma criança no 
mundo. Assim será com vocês: agora é o tempo da tristeza, mas eu os 
verei de novo e vocês se alegrarão, e ninguém tirará sua alegria. Naquele 
dia vocês não me perguntarão mais nada. Digo-lhes a verdade, meu Pai 
lhes dará tudo o que vocês pedirem em meu nome. Até agora vocês 
não pediram nada em meu nome. Peçam ereceberão, e sua alegria será 
completa”.
“Embora eu tenha falado de forma figurada, está vindo o tempo 
em que não usarei mais esse tipo de linguagem, mas lhes direi tudo 
claramente a respeito do Pai. Naquele dia vocês pedirão em meu nome. 
Não estou dizendo que pedirei ao Pai em favor de vocês. Não, o próprio 
Pai ama vocês porque vocês me amaram e acreditaram que eu vim de 
Deus. Eu vim do Pai e entrei no mundo; agora estou deixando o mundo 
e voltando para o Pai.”
Então os discípulos de Jesus disseram: “Agora estás falando clara­
mente e sem figuras de linguagem. Agora podemos ver que sabes todas 
as coisas e que nem sequer precisas que lhe façam perguntas. Por isso 
cremos que vieste de Deus”.
“Vocês finalmente creem!”, respondeu Jesus. “Mas está vindo o 
tempo, e eis que já chegou, quando vocês serão espalhados, cada um 
O DISCURSO DE DESPED'DA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
para sua casa. Vocês me deixarão completamente sozinho. Contudo, 
não estou sozinho, pois o Pai está comigo”.
“Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste 
mundo vocês terão tribulações. Mas tenham ânimo! Eu venci o mundo.”
Imaginar a cena não é fácil. Será que Jesus e seus onze discípulos ainda estão 
percorrendo as ruas e os caminhos estreitos rumo ao vale do Cedrom? Será 
que eles estão se ajuntando em pequenos grupos em várias combinações, a 
estreiteza do caminho os reorganizando continuamente? Será por isso que as 
perguntas borboleteiam dessa forma pelo grupo? Talvez; é difícil ter certeza 
do contexto físico nesse momento.
Mesmo assim, o contexto conceituai não é tão ambíguo. Jesus vem dissi­
pando os receios de seus seguidores. Esses homens reconhecem que Jesus está 
prestes a partir e que ele vem falando de traição e morte, mas também de retomar 
ao seu Pai. Jesus está usando essa oportunidade para instruir seus homens acerca 
de algumas das implicações de longo alcance de sua iminente partida. Ele lhes 
contou que providenciará outro Conselheiro, o Espírito Santo. Jesus delineou 
em certo grau de detalhes alguns dos ministérios especiais do Espírito e repeti­
damente uniu o Pai, o Espírito e a si mesmo em um relacionamento que permite 
diferenças, mas que exige unidade.
Claramente, Jesus quer assegurar aos seus discípulos que, apesar de sua 
partida, todas as contingências foram reconhecidas e os planos para o bem-estar 
deles foram estabelecidos. Sua partida em si mesma cria um novo relacionamento 
com Deus para esses cristãos, e eles desfrutarão de uma intimidade espiritual com 
o Cristo exaltado que resulta em abundância de frutos, oração triunfante e 
obediência alegre e amorosa. E verdade, é claro, que eles enfrentarão oposição, 
perseguição e mesmo tortura e morte; no entanto, isso é parte de seguir a Jesus, 
e afinal é o caminho seguido pelo próprio Jesus. Os discípulos, Jesus deixa claro, 
precisam ficar para trás depois da partida dele para dar testemunho ao mundo; 
mas, mesmo assim, eles serão unidos pelo Espírito Santo, que estará atuando 
ele próprio para dar testemunho e convencer o mundo.
Mesmo que os discípulos se vejam incapazes de captar tudo o que Jesus lhes 
está dizendo, percebem que ele está prometendo explicações adicionais quando 
o Conselheiro vier. Uma das responsabilidades principais do Conselheiro será 
revelar um pouco mais para os discípulos o significado pleno de Jesus Cristo.
MAS, PRIMEIRO, A CRUZ 147
Ser exposto a tamanha plenitude de revelação significa receber uma instrução 
de valor inimaginável e de privilégio sem precedentes: ela oficializa que os 
cristãos são amigos de Jesus Cristo.
Esses, em suma, são alguns dos temas principais de que Jesus vem tratando 
em seu Discurso de Despedida. A escala de suas palavras é épica. Grande parte 
do que Jesus disse ele associou direta ou indiretamente à cruz, que agora se 
aproxima; por exemplo, o Espírito Santo não pode vir até que Jesus “vá” (ao Pai 
por meio da cruz), e sua “ida” é para o bem dos discípulos. Durante todo esse 
tempo, Jesus de certo modo apresentou uma perspectiva panorâmica que olha 
para o futuro e vislumbra o alcance do plano divino de redenção. Mas a única 
coisa com a qual Jesus ainda não lidou é a crise imediata da cruz — a crise, isto 
é, aquilo que os discípulos enfrentarão quando, durante três dias, Jesus estiver 
morto, a ressurreição ainda desconhecida, o Espírito Santo ainda não enviado.
E verdade que o Conselheiro, o bendito Espírito da verdade, será enviado aos 
discípulos; mas, primeiro, a cruz. E verdade que os discípulos aprenderão a servir 
como testemunhas em um mundo hostil; mas, primeiro, a cruz. Eles terão, é claro, 
profunda intimidade espiritual com o Senhor exaltado; mas, primeiro, a cruz. 
Revelação adicional será concedida com a vinda do Espírito Santo; mas, primeiro, 
a cruz. E, portanto, é à cruz, esse compromisso salvífico crucial, que Jesus agora 
volta sua atenção. Mesmo assim, ele lida com ela menos pela perspectiva da história 
da salvação, ou por sua própria perspectiva de sofrimento, tormento e rejeição, que 
pela perspectiva de seus discípulos, que enfrentarão tristeza e confusão profundas 
durante os próximos três dias. Portanto, ele diz: “Em pouco tempo vocês não me 
verão mais, e então, depois de pouco tempo, vocês me verão” (16.16).
E preciso admitir que, para muitos comentaristas, esse versículo, João 16.16, 
refere-se à ausência de Jesus durante o período que vai da ascensão à parousia 
(comparem-se os termos usados aqui com os de 14.19,28). Outros sustentam que 
João 16.16 se refere à “partida” corpórea pessoal de Jesus e a sua volta por meio do 
Conselheiro prometido (compare-se o versículo com 14.23). Outros sustentam 
que os termos são deliberadamente ambíguos e que a partida de Jesus é formulada 
dessa forma vaga para sugerir que essa partida/retorno tipifica todas as demais.
Há, contudo, uma série de fortes indicações de que a passagem não é tão 
complexa: ela se refere simplesmente à partida de Jesus por meio da cruz e ao seu 
retorno por meio da ressurreição. Os seguintes pontos precisam ser observados: 
(1) Só João 16.16 acrescenta a expressão “depois de pouco tempo” à promessa 
“vocês me verão”. Isso não é por acaso. (2) A imagem dos discípulos chorando e 
se lamentando enquanto o mundo se alegra (16.20) encaixa-se apenas no período 
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
em que Jesus está no sepulcro. Depois da ressurreição, como João faz questão de 
apontar, os “discípulos encheram-se de alegria quando viram o Senhor” (20.20). 
O livro de Atos deixa claro que, depois do Pentecostes, os primeiros cristãos 
experimentaram grande alegria (At 13.52; cf. 5.41; 16.25). Os discípulos ficaram 
cheios de tristeza somente enquanto o corpo de Jesus permaneceu no sepulcro. 
(3) A analogia com a mulher dando à luz também se encaixa melhor na aflição 
breve e aguda do período de três dias que se seguiría imediatamente. (4) Essa 
interpretação é a que melhor se encaixa no Discurso de Despedida. A partida de 
Jesus e sua posterior volta na parousia já foram abordadas, assim como sua volta 
por meio do Espírito; mas até aqui Jesus não disse nada inequívoco a respeito de 
sua partida de três dias para a morte. E apropriado concluir o Discurso de Despe­
dida concentrando-se na paixão e morte de Cristo: excetuando-se a oração de 
João 17, a paixão e a morte são os próximos acontecimentos que transcorrerão.
Esse único versículo, João 16.16, conduz a uma análise ampliada de cinco 
temas principais que estão interconectados, mas se desenrolam continuamente; 
e sobre todos eles paira a sombra da cruz.
A ameaça da partida de Jesus provoca confusão 
entre seus discípulos (16.17,18)
“Alguns dos discípulos disseram uns aos outros: ‘O que ele quer dizer quando 
diz ‘Em pouco tempo vocês não me verão mais, e então, depois de pouco 
tempo, vocês me verão’ e ‘Porque estou indo para o Pai?” Eles continuaram a 
perguntar: “O que ele quer dizer com ‘em pouco tempo? Não entendemos o 
que ele está dizendo” (16.17,18).
Os discípulos concentramsua atenção na expressão “em pouco tempo”. A essa 
altura eles sabem que Jesus está partindo, mas ainda não conseguiram entender os 
vários retornos que ele realizará — o retomo na ressurreição, o retomo por meio 
do Espírito Santo, o retomo na parousia. Portanto, eles cometem o erro natural; 
não só se confundem em relação aos vários estágios do retomo de Jesus, mas, ao 
se concentrarem na nova expressão “em pouco tempo”, eles a interpretam à luz 
das complexidades que circundam o retomo de Jesus e erram, dessa forma, ao 
não restringir a expressão ao retorno na ressurreição. Eles entendem a expressão 
à luz da oração gramatical anterior: “... porque estou indo para o Pai...” (16.10).
É claro, o equívoco deles não deveria nos surpreender. A razão pela qual Jesus 
estava oferecendo todas essas informações não era apresentar um plano detalhado 
para o futuro, mas dar a eles um esboço para que, depois dos acontecimentos, 
MAS, PRIMEIRO, A CRUZ 149
viessem a reconhecer que o próprio Jesus sabia o que viria a acontecer. Aliás, 
um dos argumentos mais fortes a favor da autenticidade do conteúdo desses três 
capítulos (João 14—16) é sua ambiguidade. Teologicamente, eles são diretos e 
claros; entretanto, ao se referirem a acontecimentos históricos situados depois 
do Discurso, eles são incrivelmente vagos. Alguém que desejasse fabricar um 
Discurso de Despedida depois de os acontecimentos haverem transcorrido muito 
provavelmente teria sucumbido à tentação de ser muito mais preciso do que 
Jesus muitas vezes escolheu ser nos dias de sua carne.
A imagem que vem à mente quando se lê 16.17,18 é de pequenos grupos 
de discípulos transmitindo suas perguntas aos outros enquanto o grupo inteiro 
desce pelas ruelas. Sussurrando, gesticulando, indagando-se, eles não conseguem 
entender o que Jesus quer dizer com “em pouco tempo” e como a expressão 
se encaixa no restante do que ele disse. O motivo de não perguntarem a Jesus 
não está claro. Talvez eles achem que suas perguntas já revelaram ignorância 
suficiente para uma noite, e essa questão eles buscarão esclarecer sozinhos. João 
não registra nenhum motivo. Tudo o que ele deixa claro é que a mente dos 
discípulos está cheia de confusão, a essa altura.
Em certo sentido, isso é reconfortante. A medida que os cristãos crescem, 
eles às vezes deparam com verdades difíceis ou experiências dolorosas que 
durante um longo período não conseguem entender. Até os cristãos maduros 
e bem instruídos às vezes se veem completamente perdidos. Deus não para 
de nos moldar depois que já somos cristãos há seis meses, ou três anos, ou 
cinquenta anos. Ainda há tanta coisa a aprender; tanta coisa a entender. Podemos 
não enfrentar a partida física de Jesus, como a enfrentaram aqueles primeiros 
discípulos, mas muitos santos maduros podem atestar experiências em que se 
sentiram completamente abandonados. Podemos então ser tentados a ler a Palavra 
de Deus e protestar: “Não entendemos o que ele está dizendo”. É essa sensação de 
perda e abandono pessoais que gera a confusão.
Todavia, precisamos ter o cuidado de preservar o que há de historica­
mente único na confusão dos discípulos nesse momento. Eles ainda não estão 
muito entristecidos: estão confusos e inseguros, mas ainda não estão chorando. 
A ameaça da partida de Jesus ainda é só uma ameaça: ela gera confusão.
A confusão então provocada se transformará em tristeza, 
e a tristeza se transformará em alegria (16.19-24)
Há três pontos importantes a notar nesse parágrafo.
O DISCURSO DE DESPEDÍDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
O primeiro é que Jesus responde à necessidade, não à pergunta deles. 
A pergunta deles é formulada no sentido de entender o que Jesus disse; mas 
Jesus discerne que a principal preocupação deles é sua partida, não o sentido 
de uma expressão. Eles estão irritados, confusos, mas acima de tudo eles ainda 
não estão preparados para a tristeza aguda que os acometerá.
Jesus os força a encarar de frente essa tristeza que se aproxima, mas então 
lhes assegura que da tristeza eles passarão à alegria. “Digo-lhes a verdade”, diz 
ele, “vocês chorarão e se lamentarão enquanto o mundo se alegra. Vocês se 
entristecerão, mas sua tristeza se transformará em alegria” (16.20). Com essa 
promessa no coração, a tristeza profunda que os golpeará em poucas horas não 
será do tipo que gera pânico. A promessa não eliminará a tristeza, e talvez mal a 
alivie; mas ela estabilizará os discípulos ao fornecer uma perspectiva mais ampla.
Hoje o Senhor Cristo escolhe às vezes responder não a nossas perguntas, 
mas a nossas necessidades; e às vezes essa resposta vem por meio da provisão 
de uma perspectiva mais ampla. Assim como os heróis da fé em Hebreus 11, 
somos capazes de perseverar como se pudéssemos ver aquele que é invisível. 
Aprendemos que a separação temporária no fim dará lugar à cidade com alicerces 
cujo arquiteto e edificador é Deus. Embora sejamos estrangeiros e estranhos 
na terra, buscamos um país melhor — um país celestial. Descobrimos que as 
lágrimas duram a noite toda, mas a alegria vem pela manhã.
O segundo ponto a observar é que a tristeza dos discípulos não é simples­
mente substituída pela alegria; na verdade, a tristeza se transforma em alegria. 
“... Vocês se entristecerão”, diz Jesus, “mas sua tristeza se transformará em alegria” 
(16.20). A analogia que Jesus escolhe afirma a mesma coisa: “A mulher, ao dar 
à luz uma criança, sente dor, porque veio a hora; mas, quando o bebê nasce, 
ela se esquece da angústia por causa da alegria de ter nascido uma criança no 
mundo. Assim será com vocês: agora é o tempo da tristeza, mas eu os verei de 
novo e vocês se alegrarão, e ninguém tirará sua alegria” (16.21,22). Aquilo que 
gera a tristeza da mulher, o ato de dar à luz, também gera sua alegria. Assim é 
com os discípulos: aquilo que gera a tristeza deles, a saber, a cruz, no fim será 
a razão de sua alegria. E sua alegria não pode ser tirada.
Precisamos dessa perspectiva em uma vasta gama de circunstâncias. No 
nível mais prosaico, reconhecemos tanto pelas Escrituras como pela experiência 
que a disciplina imposta por um pai a seu filho geralmente não é apreciada 
pelo filho no momento (cf. Hb 12.4ss.). Mesmo assim, a correção que irrita o 
filho será vista por ele um dia com gratidão e apreço. Assim acontece com a 
disciplina do Senhor. “Nenhum castigo parece agradável no momento, mas,
MAS, PRIMEIRO, A CRUZ
sim, doloroso. Depois, contudo, ele produz uma colheita de frutos e paz para 
aqueles que foram instruídos por ele” (Hb 12.11).
Muitas de nossas perdas e tristezas, ainda que extraordinariamente dolorosas 
no momento, geram profundo crescimento espiritual e uma alegria estável em 
nossa vida. Assim foi com os apóstolos.
Talvez haja outra implicação associada à analogia da mulher dando à luz 
um filho. A imagem é usada na época do Antigo Testamento para retratar as 
aflições que pressagiam a salvação messiânica (p. ex., Is 26.16-19; 66.7-14; 
Mq 4.9,10). No período intertestamentário, a figura se torna muito comum, e 
os rabinos falam das “dores de parto do Messias” (referindo-se ao período de 
tribulações antes da era messiânica). A morte/ressurreição/exaltação de Jesus é 
um evento escatológico, no sentido de anunciar tanto o juízo supremo como a 
justificação suprema; e, portanto, é apropriado que a era messiânica inaugurada 
por esse evento escatológico seja igualmente prefaciada por um período de forte 
angústia. Em certo sentido, é claro, essas coisas prefiguram a tribulação que 
imediatamente precede a consumação da salvação do Messias; mas é apropriado 
detectar angústia antes da inauguração dessa salvação. De qualquer modo, a 
angústia dos apóstolos há de ser transformada em alegria inabalável.
O terceiro ponto a notar são as duas importantes bênçãos associadas a essa 
alegria. A primeira é a plenitude do entendimento que eliminará a necessidade 
de fazer perguntas como essas com as quais eles vêm importunando Jesus 
(13.24,25,37; 14.5,8,22; 16.17,18): “Naquele dia vocês não me perguntarãomais nada...” (16.23a). O verbo aqui significa “fazer uma pergunta”, não “pedir 
alguma coisa”. “Naquele dia”, uma vez que Jesus tenha ressuscitado dos mortos 
e o Espírito Santo tenha sido outorgado, eles não precisarão mais fazer as 
perguntas com as quais incomodam Jesus e demonstram sua profunda confusão. 
Eles desfrutarão de uma plenitude de entendimento que levará sua confusão 
presente a ser absorvida por uma jubilosa compreensão.
A segunda bênção, apresentada como uma ideia nova com as palavras 
“Digo-lhes a verdade”, é o pronto acesso em nome de Jesus ao poder do Pai de 
responder orações: “... Digo-lhes a verdade, meu Pai lhes dará tudo o que vocês 
pedirem em meu nome. Até agora vocês não pediram nada em meu nome. Peçam 
e receberão, e sua alegria será completa” (16.23b,24). Os discípulos, diz Jesus, 
ainda não pediram (a Deus) nenhuma coisa em nome de Jesus. O verbo “pedir” 
nessa passagem significa “pedir alguma coisa” e não “fazer uma pergunta”: ele 
passou a uma nova ideia em relação a 16.23a. Mas a verdadeira ênfase está na 
expressão “... em meu nome”. E claro, os discípulos não poderiamjá ter pedido
152 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
coisas em nome de Jesus: o papel mediador de Cristo nesse aspecto depende de 
sua obra na cruz. Agora, todavia, diante da expectativa dessa obra consumada, 
eles são convidados a pedir coisas ao Pai — a pedi-las em nome de Jesus. A 
passagem lembra 14.14 e 15.7,8,16 (quanto a esses textos, veja o cap. 5 deste 
livro), mas no contexto há mais ênfase no papel mediador de Jesus e na alegria 
associada a essa oração frutífera. Por esse meio, Jesus mais uma vez promete a 
seus apóstolos que sua tristeza iminente se transformará em alegria.
A alegria então obtida está associada ao puro prazer de 
conhecer pessoalmente o amor do Pai (16.25-28)
A essa altura Jesus reconhece que vem falando de forma velada. Ele assegura: 
“Embora eu tenha falado de forma figurada (no contexto, ‘de forma figurada’ 
não significa ‘com figuras de linguagem’, mas, sim, ‘em linguagem velada’, em 
contraste com o ‘claramente’ no fim do versículo), está vindo o tempo em que 
não usarei mais esse tipo de linguagem, mas lhes direi tudo claramente a respeito 
do Pai” (16.25). De acordo com Lucas, o tempo das palavras claras começou 
com as aparições pós-ressurreição de Jesus. Jesus começou a explicar a seus 
seguidores “o que estava dito em todas as Escrituras a respeito dele” (Lc 24.27) 
e “... lhes abriu a mente para que pudessem entender as Escrituras” (Lc 24.45).
Não é que no período pós-ressurreição Jesus introduzirá um novo ensi­
namento ou redefinirá sua missão. Na verdade, ele explicará mais claramente 
aquilo que já explicou. Todo esse tempo Jesus esteve revelando o Pai (14.9; cf. 
1.18), mas a natureza de sua missão impediu um detalhamento mais explícito 
da cruz/ressurreição/exaltação até que o acontecimento apoteótico ocorresse. 
A essa altura, sua revelação do Pai seria mais compreensível a seus seguidores.
Quando esse dia chegar, os cristãos entenderão claramente o que significa 
pedir as coisas ao Pai em nome de Jesus. “ Naquele dia”, diz Jesus, “vocês pedirão 
em meu nome” (16.26a). Como já vimos, essa intercessão privilegiada está 
associada à alegria que os discípulos experimentarão depois da ressurreição 
de Cristo (16.24 e comentários anteriores). Mas há um perigo ao se enfatizar 
o uso do nome de Jesus nesse novo relacionamento de oração com o Pai: isso 
pode levar alguns a pensar, incorretamente, que o Pai é distante e essencial­
mente alheio aos seguidores de Jesus. Jesus se apressa a esclarecer esse potencial 
equívoco: “... Não estou dizendo que pedirei ao Pai em favor de vocês. Não, 
o próprio Pai ama vocês porque vocês me amaram e acreditaram que eu vim 
de Deus” (16.26b,27).
MAS, PRIMEIRO, A CRUZ 153
O que os discípulos precisam reconhecer é que seus iminentes privilégios 
de intercessão não são obtidos do Pai pela intercessão aduladora do Filho; 
na verdade, eles se baseiam em um relacionamento amoroso com o próprio 
Pai. O Pai e o Filho estão de comum acordo no plano de redenção. A morte/ 
ressurreição/exaltação do Filho, é verdade, põe o plano divino em ação e esta­
belece a base — o perdão do pecado e a remoção da culpa — sobre a qual esse 
relacionamento com Deus é estabelecido. Mas já vimos (14.23) que o cristão 
desfruta de um relacionamento espiritual íntimo com o Deus triúno, não só 
com o Espírito ou só com o Filho.
Essa passagem (16.26b,27) não contradiz outros textos do Novo Testamento 
que retratam o Jesus exaltado intercedendo por seu povo (Rm 8.34; Hb 7.25; 
ljo 2.1), já que essas passagens têm pouca relação com as orações de petição 
dos cristãos, tratando antes da condição deles diante de Deus. Essa condição 
baseia-se exclusivamente na obra de Cristo na cruz: como Sacerdote e sacrifício, 
ele se ofereceu como uma oferta a Deus pelo seu povo. Por causa dessa obra, 
temos livre acesso a Deus, e por isso oramos “em nome de Jesus”. Mas isso é 
um pouco diferente de supor que oramos a Jesus e, então, Jesus oferece nossas 
petições ao seu Pai por nós. A verdade é que o ministério sacerdotal de Cristo 
estabelece nossa aceitação diante de Deus; e, uma vez aceitos, desfrutamos 
plenamente dos privilégios da petição direta “em nome de Jesus”.
O Pai nos ama (16.27): essa é a verdade maravilhosa que precisamos 
aprender. Ele nos amou o bastante para enviar seu Filho, e, agora que a obra de 
seu Filho na cruz é um fato da história e nossa ofensa à santidade da Divindade 
foi removida pelo Cordeiro de Deus, o Pai nos ama porque nós amamos a Jesus 
Cristo. Portanto, a alegria que conquistamos ao viver deste lado do Calvário 
está inequivocamente ligada à pura alegria de ter um conhecimento pessoal do 
amor do Pai.
Vale a pena fazer uma pausa para refletir um pouco mais a respeito desse 
tema da alegria no Discurso de Despedida. Em 15.9-11, Jesus associa a alegria 
do cristão a um relacionamento pessoal de obediência a Cristo. E impossível 
experimentar a alegria sem o compromisso obediente. Agora, em 16.24ss., desco­
brimos também que a alegria do cristão depende em parte da oração frutífera 
enunciada em nome de Jesus, oração que desfruta de livre acesso ao Pai e é tão 
somente uma resposta privilegiada ao amor do Pai. É essencial reconhecer que 
em ambos os casos a alegria está associada a alguma outra coisa. A alegria não 
é um dom independente, sem relação com outros aspectos da vida do cristão.
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
O que isso significa na prática é que, se o cristão acha que a alegria abun­
dante será derramada em sua vida independentemente da constância de seu 
relacionamento com Jesus e de sua vida de oração, ele está iludido. Precisamos 
acreditar em Jesus Cristo não por um desejo indiscriminado de alegria, mas 
porque o cristianismo, biblicamente definido, é verdadeiro: Jesus é quem ele 
reivindica ser, e só ele é o meio pelo qual nossa culpa diante de Deus pode ser 
removida. É só pela fé em Jesus que há vida eterna, conhecimento pessoal do 
Pai e o dom do Espírito Santo. E preciso buscar e acreditar na verdade cristã 
principalmente por uma razão: ela é verdade. Mas, uma vez que nos compro­
metemos com a verdade de Cristo, há ricos benefícios na cunhagem da alegria. 
Se as reivindicações cristãs fossem inverídicas, não se deveria acreditar nelas, não 
importando quanta alegria a crença no ensino inverídico possa gerar.
Podemos olhar para isso de outra forma e perguntar que tipo de coisas 
tendem a alimentar a alegria pessoal. Nossa saúde espiritual pode ser avaliada por 
nossas respostas. Se a obediência a Cristo nos aquece com alegria, se as orações 
frutíferas de petição ao nosso amado Deus e Pai completam nossa alegria, então 
nós estamos nos aproximando da expectativa de Jesus acerca do que os seus 
seguidores precisam experimentar deste lado da cruz. Se achamos a obediência 
desagradável ou se, quando a buscamos a contragosto, ela nos traz mais insa­
tisfação do quealegria, ou se a oração, por difícil que seja, nunca traz alegria 
ao coração do cristão que se disciplina para orar, eis que os alarmes médicos da 
saúde espiritual estão soando estridentemente.
João aprendeu bem essa lição. Tanto que, perto do fim de sua vida, ele 
escreveu uma carta que, em parte, diz: “... muito me alegrou ver que alguns de 
seus filhos estão caminhando na verdade, como o Pai ordenou que façamos” 
(2Jo 4). Aqui a preocupação do apóstolo idoso é o avanço da verdade divina 
e que os cristãos professos se apeguem a ela sem reservas. Ele labuta, ora e 
se dedica a esses fins, e então sente alegria quando percebe que a verdade do 
evangelho está verdadeiramente transformando vidas. No mesmo teor, ele 
escreve a seu querido amigo Gaio: “Muito me alegrou a visita de alguns irmãos 
que me contaram a respeito de sua fidelidade à verdade e como você continua 
a caminhar na verdade. Não tenho maior alegria que ouvir que meus filhos 
estão caminhando na verdade” (3Jo 3,4).
A alegria dos cristãos no Senhor está intimamente ligada ao Senhor. Nada 
nutrirá mais sua alegria do que o desejo crescente de agradar a Cristo, a vida 
de oração cada vez mais fiel, a consciência cada vez mais profunda do amor 
insondável do Pai.
MAS, PRIMEIRO, A CRUZ 155
Os discípulos de Jesus correm, o risco de abusar dessas verdades 
e avaliar-se equivocadamente à luz delas (16.29-32)
“Então os discípulos de Jesus disseram: ‘Agora você está falando claramente 
e sem figuras de linguagem [i.e., fala velada], Agora podemos ver que você 
sabe todas as coisas e que nem sequer precisa que lhe façam perguntas. Por isso 
cremos que você veio de Deus’.” (16.29,30).
Algumas pessoas blefam a vida inteira. Vários anos atrás, na televisão cana­
dense, um entrevistador perguntou a várias pessoas no centro de Winnipeg o 
que elas achavam da performance política de D’Arcy McGee como ministro 
do governo. O entrevistador omitiu o fato de que McGee morreu no século 
passado (em 7 de abril de 1868); os transeuntes naturalmente pensaram que 
estavam sendo interrogados a respeito da performance de uma figura política 
contemporânea. No entanto, poucos admitiram que não faziam ideia de quem 
era McGee. A maioria forneceu respostas como estas: “Ah, ele não é ruim, acho 
— para um liberal”; ou: “Terrível, simplesmente terrível. Mas ele não é tão ruim 
quanto__________”; ou, melhor ainda: “Eu o vi outra noite na televisão; mas
realmente ainda não tenho opinião formada a respeito dele”.
Em uma época em que conhecimento é poder, ninguém quer admitir igno­
rância. Até mesmo os estudos bíblicos têm sua parcela de blefadores. Alguém 
observa que a propiciação que Cristo efetuou certamente deve empregar a filiação 
ontológica única de Cristo — vocês não concordam? E imediatamente cabeças 
concordam sabiamente, mesmo aqueles que não fazem ideia do significado de 
propiciação e ontológico. Os acadêmicos não estão isentos desse pecado: quantos 
admitirão, quando lhes perguntam se leram certo livro recente relacionado a sua 
esfera de interesse como especialistas, que nem sequer ouviram falar do título?
Justiça seja feita, os discípulos de Jesus não são tão ruins. Certamente eles 
não são mentirosos consumados. No entanto, de fato alegam saber mais do 
que realmente sabem. Alegam entender e acreditar nas afirmações de Jesus em 
16.27,28. Quão pouco eles realmente entendem logo é ressaltado por Jesus; 
todavia, precisamos deixar a repreensão de lado por um momento e tentar 
entender o que exatamente os discípulos alegam ter captado.
O que leva os discípulos a acreditar que Jesus veio de Deus é o fato de ele não 
precisar que qualquer pessoa lhe faça perguntas (16.30). Parece que os discípulos 
ficaram estupefatos com a habilidade de Jesus de discernir as perguntas deles 
antes de as enunciarem (cf. 16.30). Antes, no mesmo Evangelho, Jesus exibe a 
capacidade de saber o que está na mente de outras pessoas (1.47,50; 4.19,29),
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
e entre muitos judeus acreditava-se que essa habilidade estava de certa forma 
relacionada ao divino. O historiador judeu Josefo, por exemplo, atribui aos lábios 
de Jônatas as palavras: “Este Deus [...] o qual, antes que eu tenha expressado 
meus pensamentos em palavras, já os conhece” (Ant. VI §230). Não ensinou 
o próprio Jesus que “seu Pai sabe o que vocês precisam antes que lhe peçam” 
(Mt 6.8)? Portanto, se Jesus demonstra essa habilidade, fica bem claro que ele 
deve ter vindo de Deus: esse, ao menos, é o raciocínio dos discípulos em 16.30.
Em certo sentido, é claro, os discípulos estão bem certos. Eles aqui oferecem 
uma verdadeira confissão de fé. Não expressam nada falso, nada heterodoxo, 
e estão lentamente chegando a uma compreensão mais fiel de quem Jesus é.
Mesmo assim, a confissão deles precisa ser criticada por dois motivos. 
Antes de mais nada, eles concentraram sua atenção naquilo que talvez seja o 
aspecto menos significativo do que Jesus disse. Eles focam em sua habilidade 
de prever as perguntas deles. Não começaram a captar o conteúdo essencial 
do que Jesus vem dizendo. Além disso, exibem um erro ainda mais sério: estão 
envaidecidos por causa da única percepção verdadeira que tiveram. “... Agora 
você está falando claramente [...] Agora podemos ver [...]”, alegam eles, com 
um toque de autossatisfação.
“Vocês finalmente creem!”, Jesus responde (16.31), com ironia gentil; ou 
talvez a passagem deva ser lida como uma pergunta: “Agora vocês creem?”. 
Seja como for, o fato de que a fé deles é inadequada é revelado nas palavras 
seguintes de Jesus. Enquanto olha para o Getsêmani e a cruz, agora imediata­
mente adiante, Jesus diz a eles: “Mas está vindo o tempo, e eis que já chegou, 
quando vocês serão espalhados, cada um para sua casa. Vocês me deixarão 
completamente sozinho. Contudo, não estou sozinho, pois o Pai está comigo” 
(16.32). Os discípulos não deixam de ter fé, de certa forma; no entanto, eles 
chegaram apressadamente à conclusão ilegítima de que realmente entenderam 
o sentido das palavras de Jesus, mesmo antes da morte/ressurreição/exaltação de 
Jesus e antes da vinda do Espírito e da revelação que este trará. Jesus responde 
predizendo a dispersão vergonhosa que provará conclusivamente quão pouco 
eles realmente acreditam, quão pouco eles realmente captam — em suma, quão 
pouco eles realmente entendem tanto da verdade como de si mesmos.
Em certo sentido, é claro, o problema que os discípulos encaram é único. 
Eles não conseguem apreender tudo o que Jesus está dizendo em parte porque 
estão vivendo na transição de épocas, no período incrível em que a aliança 
mosaica estava se tomando obsoleta e dando lugar à nova aliança, quando o 
MAS, PRIMEIRO, A CRUZ 57
evento apogístico da cruz/ressurreição/exaltação ainda não havia ocorrido e 
mai podia ser vislumbrado. “Mas, primeiro, a cruz”: em certo sentido, o erro 
dos discípulos a essa altura é irrepetível. Em outro sentido, contudo, nós, cris­
tãos contemporâneos, às vezes mostramos estar propensos a repetir os erros 
dos primeiros seguidores de Jesus — mesmo os erros de João 16. Por exemplo, 
podemos concentrar nossa atenção teológica em questões relativamente menores 
e ignorar o alcance e a glória da revelação bíblica. Podemos pensar que nossa 
compreensão é muito mais madura e sofisticada do que realmente é. Até nossas 
confissões verdadeiras podem estar tão irremediavelmente comprometidas por 
essa imaturidade espiritual que não conseguem suportar o ataque da decepção 
severa, da oposição, do luto ou da dor.
Ao mesmo tempo, é reconfortante reconhecer que o grupo apostólico inteiro 
era composto de cristãos desse tipo; contudo, em sua misericórdia e em seu gracioso 
tempo, Deus os transformou, por fim, em homens que viraram o mundo de 
ponta-cabeça para Jesus Cristo. Esse começo muito fraco serve para nos lembrar que 
o cristianismo deve sua gênese não aos apóstolos, mas a Cristo; e essa lição precisa 
ser aprendida novamente por cada geração. C. H. Dodd comenta com perspicácia:“E parte do caráter e do gênio da igreja que os membros de sua fundação fossem 
homens desacreditados; ela deve sua existência não à fé, à coragem ou à virtude 
deles, mas àquilo que Cristo havia feito com eles; e isso eles não poderiam jamais 
esquecer”. Leon Morris acrescenta: “A igreja depende em última análise daquilo 
que Deus havia feito em Cristo, não da coragem ou sagacidade de seus primeiros 
membros”. O essencial para nós hoje é conhecê-lo e acreditar nele cada vez mais, 
enquanto evitamos qualquer insinuação de que o pouco conhecimento e a pouca 
fé que de fato temos faça de nós baluartes espirituais ou supersantos.
Precisamente porque a cruz/ressurreição/exaltação depende do plano divino, 
e não dos seguidores de Cristo, Jesus pode acrescentar: “... Vocês me deixarão 
completamente sozinho. Contudo, não estou sozinho, pois o Pai está comigo” 
(16.32b). E assim Jesus se prepara para ir à cruz — enquanto seus seguidores dão 
uma nota alta para si mesmos na escala espiritual e continuam a não compreender 
o maior autossacrifício concebível.
Convite à fé: ver o mundo pela perspectiva 
do triunfo de Jesus (16.3)
Por que Jesus entregou todo esse material (jo 14—16) a seus discípulos? “Eu lhes 
disse essas coisas”, diz ele, “para que em mim vocês tenham paz...” (16.33a).
158 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Essa paz acontecerá de várias formas diferentes. Primeiro, porque Jesus deli­
neia o que acontecerá antes de ocorrerem os eventos salvíficos cruciais; portanto, 
quando esses eventos ocorrerem, os discípulos serão forçados a reconhecer que 
Jesus está no controle. Uma vez que cheguem a esse ponto, toda essa instrução 
confirmará sua veracidade para eles e, assim, aumentará sua fé. Além disso, depois 
da ressurreição eles serão atormentados por remorso e culpa. Aqui também 
Jesus abriu caminho para a paz suprema deles ao forçá-los a reconhecer que 
até mesmo sua deserção estava prevista. Eles entenderão melhor seus próprios 
erros e aprenderão a viver em Jesus.
Mais uma vez, Jesus predisse as perseguições que eles enfrentarão, e os 
lembra dessas coisas repetidas vezes: “Neste mundo vocês terão tribulações”. 
Contudo, ao apresentar as verdadeiras dimensões dessas tribulações (sobretudo 
em 15.18—16.4), Jesus está garantindo a paz deles.
Dessa forma, o Discurso de Despedida voltou ao início. No começo, diz-se 
aos seguidores de Jesus: “Não se perturbe o coração de vocês. Confiem em Deus; 
confiem também em mim” (14.1). Agora lemos novamente: “... Neste mundo 
vocês terão tribulações. Mas tenham ânimo! Eu vencí o mundo” (16.33). Ambas 
as passagens se concentram em Jesus Cristo. Ambas prometem paz ao cristão 
que verdadeiramente confia em Cristo. Em certo sentido, todo o Discurso de 
Despedida foi a respeito de Cristo. Portanto, tudo o que Jesus vem dizendo foi 
para encorajar seus seguidores a olharem o mundo pela perspectiva de Jesus e 
seu triunfo.
Qual é a aparência do mundo pela perspectiva da morte/ressurreição/exal- 
tação triunfante de Jesus? Por um lado, o mundo parece ainda mais maligno e 
detestável; contudo, por outro lado, esse é o mundo que o Pai amou o bastante 
para enviar seu Filho, o mundo pelo qual o Cordeiro de Deus morreu. Por um 
lado, esse é o mundo que rejeitou o Salvador e o condenou à morte; contudo, 
por outro lado, com essa mesma morte o Salvador derrotou o príncipe deste 
mundo. Por um lado, esse é o mundo que persegue o povo de Deus e lhe inflige 
tanto irritações mesquinhas como tormentos enormes; contudo, por outro lado, 
foi dessa forma que o Mestre se foi e, portanto, é dessa maneira que os discípulos 
precisam estar prontos a ir. Por um lado, o mundo significa tribulações; mas, 
por outro lado, viver pela fé em Jesus nos capacita a participar da era vindoura 
e, assim, servir e crescer como membros de uma comunidade escatológica 
transportada para dentro do tempo. A vitória crucial foi conquistada; Jesus 
triunfou. “... Tenham ânimo! Eu venci o mundo”. Vivemos e amamos e servimos 
enquanto aguardamos seu retomo triunfante.
MAS, PRIMEIRO. A CRUZ
É muito importante que os cristãos desenvolvam as perspectivas corretas. O 
mundo visto da perspectiva da cruz/ressurreição/exaltação de Jesus parece um 
lugar muito diferente daquele que imaginamos sem a vantagem dessa perspectiva.
Perspectivas
Os golpes de um mundo sombrio e cansado, as cobiças de uma raça de egoístas, 
as provocações cheias de malícia, lançadas por homens sem graça ou visão; 
os filhos que morrem sem comida, outros ainda arrancados do útero, 
cultura barata defendida como boa perto de guetos de sujeira, ratos e trevas; 
mísseis armados com poder de derreter os brinquedos brilhantes que 
compramos,
o temor estranho sentido por aqueles que são culpados demais para morrer; 
os ídolos dos homens, vãos e infindos, a adoração ao aplauso efêmero, 
o dólar, o marco alemão, o iene como base da sabedoria e das leis;
a religião que mima o eu e não dá a mínima para os condenados, 
os idosos colocados na prateleira, a verdade manufaturada e enlatada — 
ó Cristo! Essas são manchas feias e profundas, feridas purulentas. Essa decadência 
conspira para clamar por refrãos de derrota, de autopiedade grosseira, de atraso. 
As respostas dos homens parecem tão frágeis, e repletas de motivações muito mistas. 
As soluções prometidas logo fracassam; os brados de Cassandra ora fixados 
em memórias que outrora, pensavam, incitaram medo e desespero nuns poucos; 
mas novas gerações, imaturas, podem zombar de suas advertências novamente. 
Edificaremos um novo mundo, proclamam eles: e novos déspotas vêm ao trono. 
O ciclo cansativo mais uma vez. O novo deus é clone do deus de ontem.
A visão de que precisamos para transcender o padrão cíclico de erros 
olha para trás, para a história dos homens, e adiante, para o sol poente do tempo. 
Olhar para o Gólgota fornece um ponto de vista inabalável: 
o Criador do tempo nas ondas deste; o Juiz sendo julgado;
o Amante encarnado, sozinho; Glória radiante envolta em cinza; 
a Perfeição que deseja expiar; e a Graça paga com a rejeição. 
Contudo, nossa visão volta-se também para a frente. Paisagens espetaculares 
se estendem;
aquele que vive, que nós uma vez matamos, agora fala, e sua voz desperta 
os mortos.
E aquele de quem escarnecemos agora se assenta para receber a adoração que 
lhe é devida;
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
e aquele que julgamos falso, percebemos ser intitulado verdadeiro e fiel. 
O crucificado agora é o Juiz; sua justiça nenhum homem pode contradizer; 
e apenas sua morte pode expurgar os pecados múltiplos de nossa vida.
A terra e seu céu não podem suportar sua pura e nua luz; 
mas esses são refeitos por sua mão, evocando deleite irrestrito.
As sombras escuras não mais se veem, e reina a pureza imaculada;
e sobre tudo, graciosamente, flui a corrente de louvor aberto e ininterrupto.
Concede, gracioso Salvador, oramos, perspectivas como se vistas a partir de 
seu trono:
nosso mundo e nossa vida iníqua, mas apreciada e não abandonada, 
entre o alegre pesar da Cruz e a vindoura renovação cósmica, 
servi-lo novamente a todo custo, entoar agora a canção da eternidade.
“Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo 
vocês terão tribulações. Mas tenham ânimo! Eu venci o mundo” Qo 16.33).
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9
Jesus ora por si mesmo e 
por seus seguidores
Depois de Jesus dizer isso, ele olhou para o céu e orou: “Pai, a hora chegou. 
Glorifica teu Filho, para que teu Filho possa glorificá-lo. Pois lhe deste 
autoridade sobre todas as pessoas para que possa dar a vida eterna a todos 
aqueles que lhe confiaste. Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único e 
verdadeiro Deus, e ajesus Cristo, que enviaste. Eu te trouxe glória na terra 
ao completar a obra que me deste para fazer. E agora, Pai, glorifica-me 
em tua presença com a glória que eu tinha antes da criação do mundo.
“Eu te revelei àqueles que me deste tirando do mundo. Eles eram 
teus; tu os deste a mim e eles obedeceram à tuapalavra. Agora eles sabem 
que tudo o que me deste vem de ti. Pois eu lhes dei as palavras que me 
deste e eles as aceitaram. Eles souberam com certeza que eu vim de ti, 
e acreditaram que me enviaste. Eu oro por eles. Não estou orando pelo 
mundo, mas por aqueles que me deste, pois eles são teus. Tudo o que 
eu tenho é teu, e tudo o que tens é meu. E a glória veio a mim por 
meio deles. Não permanecerei mais no mundo, mas eles ainda estão no 
mundo, e eu estou indo para ti. Pai Santo, protege-os pelo poder do teu 
nome — o nome que me deste — para que sejam um assim como nós 
somos um. Enquanto estava com eles eu os protegi e os guardei pelo 
nome que me deste. Nenhum se perdeu, a não ser aquele que estava 
destinado à destruição, para que a Escritura fosse cumprida.
“Estou indo para ti agora, mas digo essas coisas enquanto ainda estou 
no mundo, para que eles tenham a plena medida de minha alegria neles. 
Eu lhes dei tua palavra, e o mundo os odiou, pois eles não são do mundo, 
assim como eu não sou do mundo. Minha oração não é que os tires do 
mundo, mas que os protejas do Maligno. Eles não são do mundo, assim 
como eu não sou. Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim 
como me enviaste ao mundo, eu os enviei ao mundo. E por eles que eu 
me santifico, para que eles também sejam verdadeiramente santificados.”
radicionalmente, os cristãos há muito se referem a João 17 como a 
“Oração Sacerdotal” oferecida por Jesus imediatamente antes de sua
O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Paixão. O termo é um pouco equivocado, sobretudo porque os temas em 
João 17 são amplos demais para serem restritos a essa categoria sacerdotal. 
Idealmente, poderiamos nos referir a essa oração simplesmente como “a oração 
do Senhor”, não fosse o fato de que esse título foi tradicionalmente aplicado 
a outra oração, para a qual um nome mais adequado seria “a oração-modelo 
do Senhor” (Mt 6.9-13; Lc 11.2-4).
Ao menos destacam-se alguns paralelos entre a oração que Jesus ensinou 
seus discípulos a orar e essa oração que o próprio Jesus fez. A expressão “Pai 
nosso” é refletida aqui no simples “Pai” (17.1). “... Santificado seja o seu nome” 
talvez encontre algum eco na menção ao nome de Deus em 17.6,11,12,26 
(apenas 17.11,12 na NIV: veja explicação adiante). “Venha o seu reino” tem 
certas conexões temáticas com “glorifica o teu Filho” (17.1,5). Também podemos 
comparar “não nos conduza à tentação” com “eu os protegi e os guardei” (17.12) 
e “livre-nos do maligno” com “que os proteja do Maligno” (17.15).
E claro que há muitas diferenças; não obstante, mas as similaridades sugerem, 
ao menos, que aquele que ora em João 17 já se tornou familiar para nós com a 
oração-modelo que ensinou seus discípulos a orar.
O hábito de orar de Jesus é mencionado frequentemente pelos autores dos 
Evangelhos, mais por Lucas que pelos outros (cf. Mt 11.25,26; Mc 1.35; 6.46; 
Lc 3.21; 5.16; 6.12; 9.18,28; 11.1; 22.42; 23.34,46; Jo 11.41; 12.27). Só raramente, 
no entanto, o conteúdo da oração é fornecido; e, quando é, geralmente é breve 
e conciso (e.g., Mt 11.25,26; Jo 11.41). Ocasiões em que Jesus ora longamente 
são notadas pelos evangelistas, mas em geral Jesus orava sozinho quando orava 
longamente. Portanto, João 17 é uma exceção notável: a oração de Jesus aqui é 
um pouco longa, mas realizada na presença de testemunhas. E Jesus está ciente 
de que, embora esteja orando ao Pai, está orando de forma que seus seguidores 
ouçam o que ele está dizendo (veja a análise de 17.13, adiante).
O capítulo abre com as palavras: “Depois de Jesus dizer isso, ele olhou para 
o céu e orou...”. O “isso” refere-se ao Discurso de Despedida como um todo; 
assim, o texto está dizendo que essa Ultima Oração é o ápice das instruções que 
a precederam. Além disso, Jesus acaba de falar de seu triunfo, sua vitória sobre 
o mundo, e o mesmo triunfo está refletido nessa oração. Longe de ser sombria 
e taciturna, a oração adota uma perspectiva de longo alcance que conta com a 
vitória final mesmo enquanto pressupõe o conflito.
Olhar para o céu durante a oração era talvez a postura mais comum na 
época (cf. 11.41; Mc 7.34; contraste-se isso com o coletor de impostos que 
“nem sequer olhava para o céu”, Lc 18.13). Alternativamente, a pessoa podia
JESUS ORA POR Sl MESMO E POR SEUS SEGUIDORES
prostrar-se em uma oração que fosse intensa ou angustiada — postura adotada 
por Jesus pouco tempo depois, de acordo com Mateus 26.39. Seja como for, 
a postura do espírito e a do coração são mais importantes que a postura do 
corpo e dos membros.
Jesus ora por si mesmo (17.1-5)
Os temas estão tão entrelaçados nessa oração que às vezes é difícil vislumbrar 
um esquema coerente; todavia, será útil distinguir entre o tema principal da 
oração que Jesus faz por si mesmo e a razão que ele oferece para ela.
1. O tema principal da oração. Em uma palavra, Jesus ora por glória: “Pai, 
a hora chegou. Glorifica seu Filho, para que teu Filho possa glorificá-lo. [...] 
E agora, Pai, glorifica-me em sua presença com a glória que eu tinha antes da 
criação do mundo” (17.1b,5).
O tempo chegou, a hora chegou: Jesus vem falando dessa hora repetidas 
vezes, e finalmente ela chegou. Trata-se da hora de sua morte na cruz, de seu 
sepultamento no túmulo de José de Arimateia, de seu silêncio de três dias, de 
sua ressurreição triunfante, de sua ascensão ao Pai no cumprimento dramático 
de sua missão. A hora chegou; e Jesus ora para que o Pai glorifique seu Filho.
Um pouco antes, Jesus, prevendo a cruz/ressurreição/exaltação, disse: 
“Chegou a hora de o Filho do homem ser glorificado. Digo-lhes a verdade, a 
não ser que o grão de trigo caia na terra e morra, continua a ser uma só semente. 
Mas, se morre, ele produz muitas sementes” (12.23,24). Aqui a glorificação do 
Filho é claramente associada à sua morte. Em 17.5, contudo, a glorificação do 
Filho é associada ao retorno para a glória da presença do Pai: “... glorifique-me 
em tua presença com a glória que eu tinha antes da criação do mundo”.
Ambos os aspectos contribuem para a glória de Jesus. Jesus ora por glória, 
tanto a glória conectada à cruz como a glória conectada à exaltação. A primeira 
conexão é a mais marcante das duas. Para as pessoas da época de Jesus, a cruz 
romana era símbolo de violência, tortura e maldade; para Jesus, ela é o meio para 
a glória. Ela se torna a apresentação visível do amor redentor de Deus e de seu 
Cristo, a manifestação superlativa da ação poderosa e salvadora de Deus por nós.
Em certo sentido, naturalmente, o Quarto Evangelho deixa claro que Jesus 
demonstrou sua glória ao longo de seu ministério. A própria encarnação realiza 
essa função, pois o apóstolo João comenta: “A Palavra se fez carne e viveu por 
um tempo entre nós. Vimos sua glória...” (1.14). O milagre em Caná é entendido
164 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
como um aco que revela a glória de Jesus (2.11), e o mesmo se aplica à ressurreição 
de Lázaro (11.4,40). Mas a revelação suprema da glória do Pai por meio de Jesus 
é a cruz/ressurreição/exaltação.
Essa glória suprema é associada à glória que Jesus compartilhava com o 
Pai antes da criação do mundo (17.5). Essa também é uma referência clara à 
pré-existência de Jesus (cf. tb. 1.1; 8.58; 16.28). Mais ainda, ela indica uma 
associação adicional: a manifestação da glória de Deus — esse Deus triúno de 
quem tantas coisas foram faladas em João 14—16 — atinge seu ápice não em 
um clarão ofuscante de luz resplandecente, mas na agonia e triunfo da cruz 
e do sepulcro vazio. A glória da cruz é inseparável da glória pré-existente de 
Jesus, a qual é inseparável da glória que ele compartilha com o Pai na declaração 
triunfante de que sua missão foi cumprida.
E preciso observar com atenção, todavia, que os dois versículos (17.1,5) 
não nos fornecem uma mera descrição, mas uma oração. Jesus ora para que o Pai 
o glorifique. Isso significa que o Filho ora para que o Pai aceite de tal modo 
o seu sofrimento voluntário e obediente que, pormeio desse sofrimento, o Pai 
ao mesmo tempo declare sua graça aos homens e restitua o Filho à sua glória 
pré-encarnada. A ideia é assombrosa.
Se Jesus ora para que o Pai o glorifique, é preciso notar que ele faz essa oração 
para que, por meio de sua própria glorificação, ele possa por sua vez glorificar 
seu Pai (17.1). Nenhuma glória será trazida ao Pai se o sacrifício de Jesus na cruz 
não for aceitável ou se o Filho não for restituído ao seu devido lugar na presença 
da glória manifesta do Pai. Isso significaria que a missão divina falhou e que os 
propósitos da graça foram derrotados para sempre. Que Jesus ore dessa forma, 
portanto, significa essencialmente que ele está orando: “... seja feita a sua vontade 
aqui na terra como no céu”. Para que a missão tenha êxito, se Jesus é glorificado 
tanto na própria cruz como na exaltação que atesta que o sacrifício obediente de 
Jesus é aceito, a glória será rendida ao Pai, cuja vontade expressa está sendo dessa 
forma cumprida. Isso é explicado claramente nos versículos de 2 a 4.
2. A razão que Jesus apresenta a seu Pai. Parte da razão da oração de Jesus 
para que ele seja glorificado é enunciada na própria oração. Como acabamos de 
ver, Jesus ora para ser glorificado a fim de que ele possa, por sua vez, glorificar 
o Pai. Esse propósito supremo opera como a razão de sua própria glorificação.
Essa questão é formalizada em 17.2. Jesus ora por glória para si mesmo, 
para que ele próprio possa glorificar o Pai (17.1); e então ele acrescenta: “Pois 
lhe deste autoridade sobre todas as pessoas para que possa dar a vida eterna a 
JESUS ORA POR Sl MESMO E POR SEUS SEGUIDORES 165
todos aqueles que lhe confiaste” (17.2). A preposição traduzida por “pois” na 
NIV poderia ser traduzida por “assim como”. Em outras palavras, certo grau 
de correspondência é estabelecido entre 17.1b e 17.2.
17.1B 17.2
Afirmação (imperativo): 
... Glorifica teu Filho...
Propósito:
... para que teu Filho 
possa glorificá-lo.
Afirmação:
... lhe deste autoridade sobre 
todas as pessoas...
Propósito
... para que possa dar a vida 
eterna a todos aqueles que 
lhe confiaste
Mesmo uma leitura superficial dos dois versículos mostra que eles não são exata­
mente paralelos. Lendo-os na sequência, parece à primeira vista que “glorifica teu 
Filho” está longe de ser a mesma coisa que “... lhe deste autoridade sobre todas as 
pessoas”; e “para que teu Filho possa glorificá-lo” não tem o mesmo significado 
que “para que possa dar a vida eterna a todos aqueles que lhe confiaste”. Mesmo 
assim, há uma conexão legítima, como a preposição traduzida por “pois” (NIV) 
ou “assim como” deixa claro. Qual precisamente é essa conexão?
A resposta a essa pergunta será mais bem entendida uma vez que deparemos 
com a natureza da autoridade que o Pai deu ao Filho. “Pois lhe deste autoridade 
sobre todas as pessoas...” (17.2a), diz Jesus a seu Pai; mas quando foi dada essa 
autoridade e o que é distinto nela?
Alguns defenderam que o Pai desde a eternidade deu autoridade ao Filho 
para capacitá-lo para a obra da encarnação. No entanto, Jesus não exerce nenhuma 
autoridade desse tipo sobre todas as pessoas durante os dias de sua carne. Outros 
sugerem que esse dom da autoridade é um ato atemporal que pertence à própria 
natureza da Divindade: i.e., o Pai serve como a fions divinitatis, a fonte da divin­
dade, na geração eterna de seu Filho. Essa sugestão, contudo, lê o texto de forma 
anacrônica, encontrando elementos no Novo Testamento que não pertencem 
demonstravelmente a ele, mas nascem de debates de um período muito posterior.
Há uma forma superior de entender essa passagem. Quando Jesus diz: “Pois 
lhe deste autoridade sobre todas as pessoas...”, ele está se referindo a uma decisão 
desde a eternidade de conceder a Jesus autoridade sobre todas as pessoas com 
166 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
base em sua obediente humilhação, sofrimento, morte, ressurreição, ascensão e 
exaltação. A ideia é semelhante a Filipenses 2.5-11: Jesus tomou-se obediente até 
à morte — e morte de cruz; e “Por isso Deus o exaltou ao mais elevado lugar e 
lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus todo 
joelho se dobre, no céu e na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que 
Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” (Fp 2.9-11). A decisão foi 
tomada desde a eternidade; nessa base Jesus pode dizer: “... lhe [ao filho] deste 
(no pretérito) autoridade...”, assim como Jesus pode se referir àqueles a quem ele 
dá a vida eterna como sendo os que o Pai lhe deu. A autoridade sobre todas as 
pessoas foi prometida no passado e, porque apenas com Deus a decisão e o ato 
são coextensivos, desse ponto em diante o dom praticamente foi concedido. No 
entanto, Jesus de fato recebe esse dom específico só depois de sua obra na cruz e 
exaltação. Por conseguinte, no Evangelho de Mateus, na iminência de sua ascensão, 
ele declara: “... Toda a autoridade no céu e na terra me foi dada” (Mt 28.18).
O propósito desse dom de autoridade é claramente afirmado. O Pai 
deu a Cristo a autoridade sobre todas as pessoas para "... que possa dar a vida 
eterna a todos aqueles que [tu, o Pai,] lhe confiaste” (17.2). O dom da 
vida eterna depende da cruz/ressurreição/exaltação de Jesus. Se não houvesse 
nenhuma obra da cruz, nenhuma ressurreição, nenhuma exaltação, o pecado 
não poderia ser perdoado, porque o Cordeiro de Deus não o teria removido. 
Jesus não teria então sido a primeira pessoa com um glorioso novo corpo da 
ressurreição; desse modo, quem poderia ter sido transformado dessa maneira? 
O abençoado Paráclito não poderia ter sido enviado para convencer o mundo 
de seu pecado, sua justiça e seu juízo ou para gerar nova vida nos cristãos. 
A Grande Comissão teria perdido não só seu sentido, mas sua base: toda a 
autoridade dada a Jesus é o seu fundamento (Mt 28.18-20). A razão pela qual 
Jesus recebe essa autoridade ampla sobre todas as pessoas é para que possa dar 
a vida eterna a todos aqueles que o Pai lhe deu.
Essa me parece ser a interpretação correta de 17.2. Precisamos, portanto, 
retomar às questões suscitadas antes: Qual é a natureza da conexão entre 17.1b 
e 17.2? A resposta é razoavelmente clara. Em 17.1b, Jesus ora por aquilo que, de 
acordo com 17.2, já lhe foi dado em princípio. “Glorifica teu Filho”, ele ora: isto 
é, aceite meu sofrimento obediente e devolva-me por meio da cruz ao esplendor 
de sua presença manifesta — assim como "... [tu, o Pai,] lhe deste autoridade sobre 
todas as pessoas...”, isto é, assim como você já prometeu esse estado exaltado. Além 
disso, o propósito da glorificação do Filho (17.1b) é que o Pai seja glorificado; 
JESUS ORA POR Sl MESMO E POR SEUS SEGUIDORES
o propósito do dom da autoridade sobre todas as pessoas (17.2) é que ele possa 
conceder a vida eterna a todos aqueles que o Pai lhe deu. Esses dois propósitos são 
congruentes. Quando o Pai é glorificado diante dos homens, as pessoas que ele deu 
ao Filho vêm à verdadeira fé e à vida eterna; e, em contrapartida, conforme aqueles 
que o Pai deu ao Filho são trazidos à vida eterna, o próprio Pai é glorificado.
Parece, então, que o versículo 2 está relacionado ao versículo lb assim como 
o fundamento de um pedido está relacionado ao próprio pedido. Jesus efetiva­
mente ora: “Pai, tu sabes que em princípio me deste uma posição suprema sobre 
todas as pessoas, posição que devo receber em função de minha obediência até à 
morte. Sabes que essa posição de autoridade me foi designada para que eu possa 
dar vida eterna a todos aqueles que me foram dados. Agora, Pai, a hora desses 
grandes acontecimentos se apresenta. Minha oração, portanto, é que tu cumpras 
tua Palavra. Glorifica teu Filho (assim como prometeste que farias), para que, ao 
trazer glória a ti, ele possa efetuar a salvação daqueles que lhe deste”.
Só essa compreensão do relacionamento entre os versículos lb e 2 permite 
entender adequadamente o sentido do versículo 3. A maioria dos comentários 
trata 17.3 comomero parêntese; para eles, visto que se faz menção, em 17.2, à 
“vida eterna”, em 17.3 Jesus passa a uma breve reflexão acerca da essência da vida 
eterna. Se, contudo, os versículos lb e 2 estão ligados um ao outro da forma que 
sugeri, então o versículo 3 também está integralmente relacionado ao contexto.
Para compreender como isso se dá, precisamos primeiro lembrar quão 
importante é, de fato, o conhecimento de Deus nas Escrituras. De acordo com 
o profeta Oseias, o povo de Deus é destruído por falta de conhecimento (Os 
4.6). Em contrapartida, os profetas podem olhar adiante para um tempo de 
bênção irrestrita nestes termos: “Pois a terra se encherá do conhecimento da 
glória do Senhor, assim como as águas cobrem o mar” (Hc 2.14). Uma parte 
integrante da nova aliança é o fato de que todo o povo de Deus o conhecerá, do 
menor ao maior (jr 31.34; cf. Hb 8.11). “Esta é a vida eterna”, diz Jesus, orando 
a seu Pai: “que te conheçam, o único e verdadeiro Deus, e a Jesus Cristo, que 
enviaste” (17.3). Nenhuma outra definição é necessária. A vida eterna é mais 
bem entendida não como vida que dura para sempre, mas, sim, como conheci­
mento daquele que é Eterno. Conhecer a Deus transforma a pessoa e a apresenta 
a uma vida que ela não poderia experimentar de outra forma. O conhecimento 
de Deus é vida eterna; conhecer a Deus é ter vida eterna.
E claro, esse Deus cujo conhecimento é vida eterna precisa ser o Deus que 
verdadeiramente existe, o verdadeiro Deus, o único Deus. Nosso texto deixa 
168 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
isso claro. A vida eterna é conhecer ao “único e verdadeiro Deus” (17.3). Não é 
possível escolher qualquer antigo deus: só o conhecimento do Deus verdadeiro é 
vida eterna. Similarmente, não é possível escolher de que forma o conheceremos: 
só a forma que ele definiu é aceitável, isto é, conhecendo a Jesus Cristo, que ele 
enviou (17.3).
A maneira pela qual os homens vêm a ter a vida eterna é conhecendo a 
Deus ao conhecerem a Jesus. Esse é o sentido de 17.3. A razão pela qual ao 
Filho é dada autoridade sobre todas as pessoas é para que ele possa dar a vida 
eterna a todos aqueles que o Pai lhe deu. Esse é o sentido de 17.2. Daí decorre, 
portanto, que, para cumprir o propósito de sua missão, o Filho precisa levar as 
pessoas a conhecerem a Deus ao levá-las a conhecerem a ele mesmo. Em outras 
palavras, ele precisa tornar a glória de Deus visível às pessoas que o Pai lhe deu.
Em certo sentido, é claro, é isso o que Jesus vem fazendo todo esse tempo. Esse 
é o propósito da encarnação: “A Palavra se fez carne e viveu por um tempo entre 
nós. Vimos sua glória...” (1.14). “Nenhum homem viu a Deus, mas Deus Filho, 
que está ao lado do Pai, o tornou conhecido” (1.18). Ao longo de seu ministério 
terreno, Jesus estava revelando a glória de seu Pai para que as pessoas pudessem 
crer; pois, ao revelar sua própria glória (e.g., 2.11), ele simultaneamente estava 
revelando a glória de seu Pai. E por isso que Jesus agora ora: “Eu te trouxe glória 
na terra ao completar a obra que me deste para fazer” (17.4). O fato de Jesus dizer 
que completou (rEXeicócraç) a obra que o Pai lhe deu para fazer (17.4) mostra que 
esse tempo todo ele esteve, em seu ministério terreno, revelando continuamente 
seu Pai. Mas a maior revelação da glória ainda está por vir.
É na cruz que Jesus revela supremamente sua glória e torna conhecido 
seu Pai. Acima de tudo, é a cruz que, da forma mais dramática e clara, revela a 
glória de Deus. E a cruz que, da forma mais clara, torna conhecidos o Pai e o 
Filho. Poucas horas depois, no momento da morte, seria ouvida a declaração 
de Jesus: “Está consumado (teteXecttoi)!” (19.30). Com essa revelação apote­
ótica da glória que ainda estava adiante dele, Jesus pede ao Pai que glorifique 
o Filho na iminente morte/ressurreição/exaltação, para que o Filho possa 
glorificar o Pai (17.1); pois essa glorificação corresponde àquilo que o Pai já 
concedeu ao Filho em princípio com o propósito expresso de prover a vida 
eterna para aqueles que lhe foram entregues pelo Pai (17.2). Em outras palavras, 
pela glorificação do Pai e do Filho na “exaltação” prestes a acontecer, o Pai e 
o Filho são tornados conhecidos da forma mais clara possível; e, onde eles são 
verdadeiramente conhecidos, ali há vida eterna (17.3). Assim, a glorificação do 
JESUS ORA POR Sl MESMO E POR SEUS SEGUIDORES
Filho nesse grande acontecimento redentor é em si mesma o meio de efetuar o 
objetivo da missão do Filho, a concessão da vida àqueles que foram entregues 
nas mãos do Filho.
O argumento, assim como a afirmação da obra do Conselheiro em 16.7-11, 
é extremamente compacto, mas suas linhas principais são claras. Jesus, portanto, 
está orando por si mesmo em um sentido muito especial; e só com qualifi­
cações cuidadosas seria minimamente adequado resumir essa seção (17.1-5) 
com o título “Jesus ora por si mesmo”. Talvez percebamos mais facilmente sua 
peculiaridade ao contrastarmos a oração de Jesus por si mesmo com nossas 
orações por nós mesmos. Tendemos a orar por nós mesmos em relação a 
várias áreas diferentes. Por exemplo, oramos a respeito de nossos problemas 
externos, sejam eles reais ou imaginários — nossa saúde, nossas dificuldades 
sociais e vocacionais, nossas pressões financeiras. Oramos também pelos nossos 
pecados: isto é, oramos por santidade pessoal, por obediência mais instantânea, 
por fé mais profunda e amor sem egoísmo. Também oramos, finalmente, por 
sabedoria para discernir a verdade ou para tomar uma decisão sensata quanto 
a algum problema ou uma série de alternativas.
Todas essas orações contam com garantia bíblica; mas nem todas elas 
correspondem verdadeiramente à oração que Jesus oferece por si mesmo. Em 
parte alguma desses versículos Jesus menciona qualquer de seus “problemas” ou 
as decisões que ele precisa tomar. Ele não oferece nenhuma petição por saúde 
melhor ou remoção de dificuldades sociais. E, desnecessário dizer, o Salvador 
perfeito não oferece nenhuma oração por melhoria pessoal ou pela graça de 
abandonar algum pecado pessoalmente reconhecido (cf. 8.46).
A essência da oração de Jesus é que a vontade prometida do Pai seja feita 
em sua vida, para que Deus possa ser verdadeiramente conhecido, e que, assim, 
a vida eterna possa vir aos homens. Quando ora: “Glorifica teu Filho”, ele não 
está de alguma forma autocentrada se apegando à honra da mesma forma que 
os homens veem a honra. Longe disso, pois o contexto todo milita contra esse 
tipo de interpretação. Afinal, ele só está pedindo aquilo que já é seu desde a 
eternidade (17.5) e que temporariamente abandonou para assumir sua missão 
salvadora. Além disso, a glória que ele busca é por meio da cruz, e ela tem como 
propósito a glorificação do Pai e a conversão dos homens. Ademais, Jesus está 
pedindo algo que já lhe foi concedido em princípio pelo decreto do Pai. E por 
isso que Jesus pôde dizer em outra ocasião: “Não estou buscando glória para 
mim mesmo; mas há quem a busque, e ele é o juiz” (8.50).
170 O DISCURSO DE DESPEDIDA E A ÚLTIMA ORAÇÃO DE JESUS
Em suma, Jesus ora para que a vontade do Pai seja feita na terra assim 
como no céu. Ele ora por si mesmo exatamente da mesma forma que ora no 
Getsêmani (como registrado nos Sinóticos): "... não o que eu quero, mas o que 
tu queres” (Mc 14.36; cf. Mt 26.39, Lc 22.42), exceto apenas pelo fato de que 
sua hesitação e temor ainda não emergiram na agonia pessoal vividamente 
retratada pelos outros evangelistas. (Isso, é claro, dificilmente pode ser usado 
como argumento contra a credibilidade histórica de João, já que os próprios 
autores dos Sinóticos indicam que Jesus estava em pleno controle de si mesmo 
durante a Ultima Ceia. E só no Getsêmani que Jesus começa a encarar sua hora 
mais sombria no que diz respeito à vontade do Pai.)
A oração de Jesus por si mesmo não tem o propósito principal de ser adotada 
como paradigma para nossas orações. Talvez o mais perto que possamos chegar 
de moldar as orações por nós mesmos

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