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Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Rua Conselheiro Nébias, 1384 – Campos Elíseos – 01203-904 – São Paulo – SP Tel.: (11) 5080-0770 / (21) 3543-0770 faleconosco@grupogen.com.br / www.grupogen.com.br O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98). Capa: Danilo Oliveira Produção digital: Ozone Fechamento desta edição: 11.09.2017 mailto:faleconosco@grupogen.com.br http://www.grupogen.com.br ■ CIP – Brasil. Catalogação na fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. B683d Delgado, Mario Guarda compartilhada / Antônio Carlos Mathias Coltro, Mário Luiz Delgado. – 3. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense: 2018. Inclui bibliografia ISBN 978-85-309-7729-0 1. Guarda de menores – Brasil. 2. Guarda compartilhada – Brasil. I. Régis, Mário Luiz Delgado. II. Coltro, Antônio Carlos Mathias. 15-23805 CDU: 349.2:647(81) APRESENTAÇÃO À 3.ª EDIÇÃO “[...] Vamos, então; e que os céus prósperos/ Nos deem filhos de que sejamos os pais.”1 Editada a Constituição Federal de 1988 e ante o nela contido em relação à família – cuja própria moldura foi dilargada, não só a indicar que o constituinte reviu o pensamento anterior, em que era admitida apenas aquela que resultasse do casamento, de sorte que indica, como enunciado por Caio Mário da Silva Pereira, que “O jurista se defronta com o vocábulo ‘família’ nos mais variados sentidos, e na abrangência de variegados conceitos”2 –, viram-se a doutrina, a jurisprudência, os intérpretes e o legislativo obrigados ao reconhecimento, muitas vezes necessário, da existência de outras situações e, como corolário, à adoção de novos institutos, de forma a adequar o direito à vida, que tantas vezes o atropela e impõe a revisão do pensamento vigente. Tantas e tais as alterações havidas em relação ao Direito de Família, que o mesmo autor acima referido e conforme suas palavras, afirmou, em 2001, “que as transformações operadas neste século teriam sido maiores e mais avançadas do que em dois milênios da civilização romano-cristã”3. A evidenciar tal fato, o legislador regulamentou a união estável, cuidou do Estatuto da Criança e do Adolescente e o do Idoso, tratou da alienação parental e das pessoas com deficiência, sem olvidar a guarda compartilhada, entre outros assuntos. No tocante à última, que é o objeto deste livro, ainda que algumas críticas tenham sido lançadas a sua regulamentação, até porque perfeitamente possível ser adotado o teor do sistema enunciado no Código Civil, salientando a boa doutrina, ademais, em texto de Ana Carolina Brochado Teixeira, aludindo a nosso ordenamento jurídico, ao qual, “Para alcançar os objetivos a que ela visa, bastaria atribuir maior efetividade à autoridade parental, já que é ela a verdadeira detentora dos poderes- deveres de participação que os defensores da guarda compartilhada buscam efetivar”, assinalando a doutrinadora, contudo, que “não obstante a desnecessidade do instituto, uma vez aprovado e com carga normativa, o papel dos juristas é tentar conferir-lhe uma finalidade factível, que cumpra o papel de especificação do conteúdo constitucional da autoridade parental, de modo que os pais possam, efetivamente, cumprir o papel deles no processo educativo dos filhos”4. Não obstante o debate decorrente do fato de ter sido editada a Lei n. 11.698, de 16 de junho de 2008, sua interpretação pelos pretórios acabou por afastar questionamento sobre sua real valia prática, reconhecendo a jurisprudência superior a sua efetiva valia e recomendando: “A nova redação do art. 1.584 do Código Civil irradia, com força vinculante, à peremptoriedade da guarda compartilhada. O termo “será” não deixa margem a debates periféricos, fixando a presunção – jure tantum – de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, será esse o sistema eleito, salvo se um dos genitores [ascendentes] declarar ao magistrado que não deseja a 1 2 3 4 5 6 7 guarda do menor (art. 1.584, § 2º, in fine, do CC)”. Com fulcro em tal assertiva e consoante o mesmo julgamento, “A guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada, quando houver inaptidão de um dos ascendentes para o exercício do poder familiar, fato que deverá ser declarado prévia ou incidentalmente à ação de guarda, por meio de decisão judicial, no sentido da suspensão ou da perda do Poder Familiar”5. Assim, e ainda que fosse possível o compartilhamento da guarda no âmbito de nosso sistema constitucional-civil, a sua não adoção habitual acabou por recomendar se ocupasse do tema o legislativo, conduzindo sua regulamentação, por conta da novidade, a que a doutrina e o judiciário se debruçassem sobre seus termos, em atividade verdadeiramente laboratorial e destinada a aplacar as dúvidas advindas da normatização a respeito. Nessa atividade e ainda que se possa atribuir limites à jurisprudência, deve-se reconhecer, e já o apontara Spencer Vampré, que a atuação judicial “[...] é útil e eficaz; que a jurisprudência esclarece e orienta a doutrina, e, sobretudo, lhe corta os exageros e radicalismos – não há homem sensato capaz de o negar”6, sendo relevante que a análise legislativa se faça com preocupação humanitária, principalmente em questão inerente à guarda dos filhos após dissolvida a sociedade conjugal. Nisso, principalmente quando tal aspecto dependa da solução judicial, “Ao juiz, mais do que ao ator, se poderia aplicar o verso de Terêncio: ‘Nada do que é humano me é estranho’”, como referido pelo mesmo Vampré7. As edições anteriores do livro demonstram o interesse que o tema suscita, e, o reconhecendo, deliberou a editora publicar sua 3.ª edição, possível também graças à disposição dos autores na revisão e atualização dos capítulos que o integram. Antônio Carlos Mathias Coltro Mário Luiz Delgado PEREIRA, Caio Mário da Silva. Molière. “Allons donc; et que les cieux prosperes/Nous donnent des enfants dont nous soyons les pèrres.” PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil – Alguns aspectos de sua evolução. Rio de janeiro: Forense, 2001, p. 167, n. 1. Op. cit., p. 169. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A desnecessidade da guarda compartilhada. Manual de Direito das Famílias e das Sucessões 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 263. STJ, 3ª Turma, REsp 1.629.994/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 06.12.2016, DJe 15.12.2016, referindo-se o precedente a ambos os trechos citados. VAMPRÉ, Spencer. Interpretação do Código Civil. São Paulo: Livraria Officinas Magalhães, 1919, p. 21, § 7º. Ob. cit., p. 94, § 16º. NOTA DOS COORDENADORES Este livro é destinado não só aos operadores do direito, aí incluídos advogados,juízes, membros do Ministério Público, professores e estudantes, mas a todos quantos queiram conhecer as modificações operadas no regramento da guarda compartilhada com a entrada em vigor da Lei nº 13.058/2014, que promoveu profundas alterações nos arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil. A obra destina-se, sobretudo, aos pais e mães brasileiros. Incluída a guarda nos direitos-deveres alcançados pelo poder familiar, a teor do art. 1.634, inciso II, segunda parte, do CC, além de referida no art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se preocupou o legislador quanto ao seu exato conceito, sendo instituição jurídica de sentido não simples e que alcança aspectos próprios e específicos, sem a conotação de um singelo munus, sendo de elogiar-se que o legislador não tenha pretendido destinar-lhe antecipada definição, transferindo-a aos intérpretes e à doutrina, além de à própria jurisprudência, como recomendado por Silvana Maria CARBONERA.8 Edgard de Moura BITTENCOURT já aludira à dificuldade quanto ao conceito da guarda, “[...] que envolve, em contraposição aos deveres que acarreta, algumas vantagens materiais e imateriais em favor de quem a exerce, que podem ser erigidas na qualificação de direitos”. Além disso, não se pode arredar a inserção da guarda no instituto do cuidado, intimamente ligado ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, constituindo direito e dever dos pais. Pode-se afirmar consistir a guarda no cuidado que aos pais cabe no tocante à prole, conforme a proteção que ela merece e segundo o quanto adequado e necessário à criação e formação dos filhos, habilitando-os e mesmo obrigando--os ao que se fizer preciso à sua defesa e de sua dignidade. Separando-se ou divorciando-se os pais, não estão eles se separando ou se divorciando dos filhos, razão pela qual desmerece crítica o fato de o Código Civil não ter fixado regras específicas e objetivas acerca de como será estipulada a guarda, uma vez que o superior interesse da criança terá sempre prevalência, submetendo-se, assim, ao que for deliberado pelos pais ou pelo juiz, quando isto for necessário. Dessa forma, no acordo da separação ou do divórcio, poderão os pais deliberar e resolver o mais adequado à guarda dos filhos, podendo atribuí-la a um deles apenas, ou a ambos, na modalidade compartilhada, agora adotada de forma cogente pelo Código Civil, a motivar a publicação da segunda edição desta obra coletiva. Deferida, anteriormente, apenas quando houvesse consenso entre os pais, com a nova lei, a guarda compartilhada tornou-se obrigatória também nas situações de litígio. A lei, por outro lado, não contribui para uma correta compreensão do instituto pelas partes e operadores do Direito, pois 8 confunde a guarda compartilhada com a guarda alternada. A primeira implica, basicamente, o compartilhamento de decisões e responsabilidades. A segunda compreende, normalmente, a alternância de residências. Ao estabelecer que na guarda compartilhada “o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai”, o legislador estaria transformando a “guarda compartilhada” em “guarda alternada”? A custódia física conjunta impositiva desnatura a guarda compartilhada? As eventuais críticas lançadas ao instituto da guarda compartilhada sob os novos contornos trazidos pela Lei nº 13.058/2014 decorrem, acima de qualquer coisa, da provocação a que submetidos os autores que aqui manifestam seu ponto de vista, tendo por objetivo o aprofundamento do estudo do assunto, que demanda não só exame sob a ótica jurídica, como também sob a psicológica. Esperam os coordenadores, os autores e a editora que os comentários lançados nesta coletânea sejam úteis àqueles que se interessam pelo estudo do assunto e, principalmente, colaborem para que o compartilhamento da guarda, quando assim acertado ou judicialmente determinado, considere o efetivo interesse de seus destinatários, que são os filhos. Antônio Carlos Mathias Coltro Desembargador do TJSP. Mário Luiz Delgado Advogado. Guarda de filhos na família constitucionalizada , Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000, p. 42, n. 1: “A técnica de conceituar, eficaz no racionalismo, por vezes revelou-se tirana. Enclausurar institutos em conceitos, com fins a proporcionar certeza e segurança jurídica, pode provocar exclusão de aspectos pertinentes a inúmeros casos concretos. Mais eficaz parece ser examinar um tema sob variados aspectos, de forma que, a partir da análise, se torne viável formar uma ampla visão sobre o mesmo”. PREFÁCIO A GUARDA COMPARTILHADA A demolição do prédio conjugal por consenso implica no acertamento do destino dos filhos: é opção traumática, pois ninguém abdica de pedaços de coração ou dos frutos genéticos do afeto. Quando não acontece solução pacificada, cabe ao juiz decidir a sorte dos menores apontando o guardião que os vai cuidar; e o direito de visitas para o genitor carente. Esses assuntos constituem instantes de tormento para o magistrado e para as partes; é que muitos usam o filho como objeto de ressentimento e laurel de disputa. A previsão do código era entregar o infante a quem tivesse melhores condições, o que não coincidia com a situação econômica, mas com um lar que proporcionasse calor e afeição para o sadio desenvolvimento do pequenino ou adolescente; agora se projeta substituir a expressão por melhor interesse da criança, o que mais se coaduna com imperativo constitucional. Até aqui a prática forense e a doutrina haviam sugerido a possibilidade de uma guarda compartilhada, acepção que continha um paradoxo interno, pois presumia um condomínio de sentimentos do casal que só ocorre quando juntos no mesmo ninho. Agora, a lei pretende conceituá-la como um sistema de corresponsabilidade no exercício do dever parental em caso de dissolução da sociedade matrimonial ou do companheirismo, em que os pais participem em igualdade da guarda material. As vantagens do modelo devem ser evidenciadas pelo juiz na audiência de conciliação; não havendo acordo na separação judicial, divórcio ou afastamento de fato, toca ao julgador estabelecer a guarda compartilhada, sempre que possível; não o sendo, escolhe um dos genitores como guardião, depois de ponderar o melhor proveito do descendente; em casos extremos, a guarda é atribuída a um terceiro, de preferência o parente que demonstre afinidade com o menor. Os tribunais acham que o melhor interesse da criança é medido pelo apego ou indiferença a algum dos pais; condições materiais, como alojamento, proximidade da escola, círculo de amizades, ambiente social, qualidade dos cuidados; e convivência com os irmãos, que não devem ser separados. É necessário esclarecer que a guarda compartilhada não será o remédio milagroso para a cura dos distúrbios familiares nem a divisão de tempo ou de semana, para folgança dos pais; não é a intromissão lá e cá, principalmente quando se cuidam de entidades reconstituídas; não tem lugar quando há mágoas, litígio ou difícil relacionamento na parceria. Contudo, uma verdadeira cogestão na autoridade parental, segundo Rolf Madaleno, para que os filhos não percam suas referências; ou uma pluralização de responsabilidades, para Maria Berenice, o que funciona como freio a uma guarda individual nociva. Es s e cooperativismo familiar exige que continue a convivência harmoniosa dos pais separados; que haja um trânsito natural do filho entre dois lares; que transpareça a convergência de esforços para um processo educacional eficiente e prazeroso; que haja diálogo e entendimento cotidianos; que o filho se sinta querido e não alijado da companhia por desculpas ou banalidades; e que preserve a permanente paternidade ou maternidade, sem invejas ou frustrações. Embora possível a custódia em uma única casa ou até prestação de alimentos, a guarda compartilhada restará para situações restritas que pedem abdicação, desprendimento e eterno esquecimento das agruras que conduziram à separação, em que as ambições devem submeter-se à disciplina do amormaior. É a prática pedagógica da solidariedade humana e o exílio da soberba. José Carlos Teixeira Giorgis Professor. Desembargador aposentado. COORDENADORES Antônio Carlos Mathias Coltro Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, Presidente do TRE/SP (2014/2015), Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM/SP (2010/2011), Vice-Presidente do TACrimSP (2005/2006), Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP), Membro Efetivo da Academia Paulista de Direito e da Academia Paulista de Magistrados. Mário Luiz Delgado Advogado. Doutor em Direito Civil (USP). Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP). Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Diretor de Assuntos Legislativos do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil – ABDC e do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro – IDCLB. AUTORES Ana Carolina Brochado Teixeira Doutora em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito Privado pela PUC--MG. Especialista e m Diritto Civile na Scuola di Specializzazione in Diritto Civile, na Università di Camerino (Camerino/Itália). Professora de Direito Civil. Advogada. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Ana Carolina Silveira Akel Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Sócia do escritório Akel e Oliveira Advogados. Responsável pela área Cível e de Direito de Família. Lecionou em Graduação, Pós-Graduação e Curso Preparatório para o Exame da OAB. Associada ao IBDFAM. Cesar Calo Peghini Doutorando em Direito pela PUC-SP. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, Curso de Extensão em Direito Imobiliário pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP, Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Escola Paulista de Direito. Pós--graduado (LLM) em Direito Civil pela Instituição Toledo de Ensino e Mestre pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP. E-mail: cesar@peghini.com.br. Ezequiel Morais Mestre em Direito Civil pela USP (Faculdade de Direito do Largo São Francisco). Advogado, com estágio no Studio Legale Associato Pezone (Chieti/ Itália). Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Ex-Conselheiro da OAB. Autor e coautor de obras jurídicas. Professor de Pós- graduação. Site: www.ezequielmorais.com.br. Fernanda Rocha Lourenço Levy Doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Advogada colaborativa, mediadora e professora universitária. Fernanda Tartuce Doutora e Mestre em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Professora do programa de Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Professora e coordenadora em cursos de especialização em Direito Civil e Processual Civil. Membro do IBDFAM, do IBDP, do IASP e do CEAPRO. Advogada, mediadora e autora de publicações jurídicas. Giselle Câmara Groeninga Psicanalista. Mestre e Doutora em Direito Civil pela USP. Diretora Nacional de Interdisciplinaridade do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Vice-presidente da International Society of Family Law – ISFL. Guilherme Calmon Nogueira da Gama Professor-Associado de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Permanente do PPGD da Universidade Estácio de Sá. Mestre e Doutor em Direito Civil. Desembargador Federal do TRF da 2ª Região (RJ-ES). Ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Civil. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Jorge Shiguemitsu Fujita Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Emérito e Titular de Direito Civil do Curso de Graduação da Faculdade de Direito do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (São Paulo). Professor Doutor da Pós- Graduação em Direito da Sociedade da Informação do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Professor Visitante do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Professor do Curso de Pós-Graduação da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo. Membro mailto:cesar@peghini.com.br http://www.eze-quielmorais.com.br efetivo das Comissões de Direito Civil, de Biotecnologia e Biodireito, de Direitos Infantojuvenis e do Acadêmico em Direito, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo. Membro efetivo das Comissões de Direito de Família e de Direito do Consumidor do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. Editor Responsável pela FMU Direito – Revista Eletrônica. Membro do Conselho Editorial da Revista do IASP. Advogado, consultor, parecerista e sócio do escritório Fujita Advocacia. Lúcia Cristina Guimarães Deccache Advogada. Especialista em Direito de Família e em Direito Especial da Criança e do Adolescente – UERJ. Maria Luiza Póvoa Cruz Pós-graduação lato sensu em Docência Universitária – Universo-GO. Professora de cursos de Pós-graduação. Magistrada Aposentada – Ex-Membro da Comissão de Formação Inicial para Juízes de Direito Substitutos – Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – Associação dos Magistrados de Goiás – Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás. Professora da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás – ESMEG. Membro Efetivo da Academia Goiana de Direito. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM-GO. Sócia-Fundadora do Escritório Maria Luiza Póvoa Cruz & Advogados Associados. Marianna Chaves Doutoranda em Direito Civil pela Universidade de Coimbra em regime de cotutela com a Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa. Secretária de Relações Internacionais do IBDFAM. Membro-consultora da Comissão Especial de Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB; Membro da International Society of Family Law; Pesquisadora do THD-ULisboa. Advogada. Marília Campos Oliveira e Telles Advogada. Mediadora de família e Advogada Colaborativa. Formada em Artes Cênicas pela USP. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito – EPD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, da International Society of Family Law – ISFL e da IACP – International Academy of Collaborative Professionals. Marlise B. Scretas Psicóloga. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Psicologia Jurídica. Perita de Vara de Família. Natália Soares Franco Advogada. Pós-graduada em Direito Especial da Criança e do Adolescente pela UERJ. Membro do IBDFAM. Regina Beatriz Tavares da Silva Pós-doutora em Direito da Bioética pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre e Doutora em Direito Civil pela USP. Acadêmica perpétua titular da Cadeira n. 39 da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Membro da Academia Iberoamericana de Derecho de Familia y de las Personas. Membro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO/SP. Conselheira do Instituto dos Advogados de São Paulo. Conselheira da Women in Leadership in Latin America – WILL. Consultora da Comissão de Direito de Família e Sucessões e da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo, da União dos Juristas Católicos de São Paulo – UJUCASP, do Instituto dos Advogados de São Paulo e do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. Coordenadora e Professora do Curso de Especialização em Direito de Família e Direito das Sucessões na ESA – OAB/SP. Professora Titular do Curso de Graduação em Direito e do Curso de Mestrado em Direito Privado e Relações Sociais da Faculdade de Direito da Universidade Sete de Setembro – UNI7. Professora dos Cursos de Pós-Graduação em Gestão de Saúde do Programa FGV in Company. Advogada e Sócia-Fundadora do Escritório Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados – www.reginabeatriz.advcom.br. Presidenteda Associação de Direito de Família e das Sucessões – ADFAS – www.adfas.org.br. Rolf Madaleno Advogado e Professor de Direito de Família e Sucessões na Graduação e Pós-Graduação da PUC-RS. Mestre em Direito pela PUC-RS. Diretor Nacional do IBDFAM. <www.rolfmadaleno.com.br>. Suzana Borges Viegas de Lima Professora Adjunta de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Mestre e Doutora em Direito, Estado e Constituição (UnB), Presidente da Comissão de Mediação do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e Advogada. Tânia da Silva Pereira Advogada, Mestre em Direito Privado pela UFRJ com equivalência ao Mestrado de Ciências Civilísticas pela Universidade de Coimbra (Portugal), Professora de Direito aposentada da PUC-Rio e da UERJ. Diretora da Comissão do Idoso do IBDFAM. Telma Kutnikas Weiss Psicanalista. Membro Associada da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo – http://www.reginabeatriz.advcom.br http://www.adfas.org.br http://www.rolfmadaleno.com.br SBPSP. Diretora de Relações Interdisciplinares do IBDFAM – SP. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. SUMÁRIO A (DES)NECESSIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA ANTE O CONTEÚDO DA AUTORIDADE PARENTAL ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA GUARDA COMPARTILHADA – UMA NOVA REALIDADE PARA O DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO ANA CAROLINA SILVEIRA AKEL PODER FAMILIAR E GUARDA: UM CAMINHO ASSERTIVO PARA A DEVIDA APLICAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA CESAR CALO PEGHINI OS AVÓS, A GUARDA COMPARTILHADA E A MENS LEGIS EZEQUIEL MORAIS GUARDA COMPARTILHADA: A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DE UM ACORDO PARENTAL SUSTENTÁVEL FERNANDA ROCHA LOURENÇO LEVY BREVES REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO ADVOCATÍCIA E O PEDIDO FORMULADO PELO DEMANDADO EM AÇÕES DE GUARDA FERNANDA TARTUCE GUARDA COMPARTILHADA – A EFETIVIDADE DO PODER FAMILIAR GISELLE CÂMARA GROENINGA GUARDA COMPARTILHADA: NOVO REGIME DA GUARDA DE CRIANÇA E ADOLESCENTE À LUZ DAS LEIS Nos 11.698/2008 E 13.058/2014 GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA GUARDA COMPARTILHADA: UM PASSO À FRENTE EM FAVOR DOS FILHOS JORGE SHIGUEMITSU FUJITA COMPARTILHANDO O AMOR 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. LÚCIA CRISTINA GUIMARÃES DECCACHE VISÃO EM RAZÃO DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO MARIA LUIZA PÓVOA CRUZ HOMOPARENTALIDADE E A GUARDA COMPARTILHADA MARIANNA CHAVES GUARDA COMPARTILHADA, CUIDADO COMPARTILHADO MARÍLIA CAMPOS OLIVEIRA E TELLES e ANTÔNIO CARLOS MATHIAS COLTRO A GUARDA COMPARTILHADA NO ÂMBITO DO LITÍGIO MARLISE B. SCRETAS GUARDA DE FILHOS NÃO É POSSE OU PROPRIEDADE REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA A LEI DA GUARDA COMPARTILHADA ROLF MADALENO GUARDA COMPARTILHADA: A NOVA REALIDADE SUZANA BORGES VIEGAS DE LIMA O DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A GUARDA COMPARTILHADA TÂNIA DA SILVA PEREIRA e NATÁLIA SOARES FRANCO A LEI DA GUARDA COMPARTILHADA: UMA BREVE VISÃO PSICANALÍTICA TELMA KUTNIKAS WEISS 1. 1 A (DES)NECESSIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA ANTE O CONTEÚDO DA AUTORIDADE PARENTAL1 ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA Sumário: 1. A autoridade parental no contexto da realidade familiar contemporânea e constitucionalizada. Noções de guarda compartilhada – 2. Ratio da guarda compartilhada no ordenamento italiano – 3. Análise crítica do cabimento da guarda compartilhada no ordenamento brasileiro: perspectiva estrutural e funcional – 4. Notas conclusivas – Bibliografia. A AUTORIDADE PARENTAL NO CONTEXTO DA REALIDADE FAMILIAR CONTEMPORÂNEA E CONSTITUCIONALIZADA. NOÇÕES DE GUARDA COMPARTILHADA Com o advento da Constituição Federal de 1988, a criança e o adolescente ganharam proteção especial, por serem vulneráveis, o que justifica a atribuição de tutela especial. O ordenamento jurídico deles cuidou de forma qualitativamente diferenciada, por estarem em fase de desenvolvimento e construção da sua personalidade e dignidade. Foi um “investimento” normativo que se fez na infância e na juventude, chancelado pelas diretrizes principiológicas contidas no bojo do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990. Essa mudança entrelaçou-se com a fase de mudanças no perfil da família, cujos reflexos inevitáveis repercutiram nas relações parentais. Estas abandonaram aspectos formais, para se tornarem mais efetivas e afetivas, buscando ser verdadeiramente promotoras da edificação da personalidade dos filhos. Um dos instrumentos para zelar pelo bem-estar dos filhos é a autoridade parental, exercida por meio do processo educacional, de modo a conduzir a criança e o adolescente ao alcance da autonomia, mediante aquisição de discernimento, condição essencial para o exercício responsável de seus direitos fundamentais, de modo a lhes possibilitar o gozo de suas liberdades existenciais. Pode- se afirmar ser esta a função da autoridade parental, no contexto de tutela da pessoa humana – principalmente da pessoa menor de idade.2 Diante das diretrizes constitucionais e estatutárias que ressaltam a função promocional do Direito, o relacionamento entre genitores e filho passou a ter como objetivo maior tutelar o desenvolvimento da personalidade deste e, portanto, o exercício de seus direitos fundamentais, para que possa, neste contexto, edificar sua dignidade enquanto sujeito. A autoridade parental, neste aspecto, foge da perspectiva de poder e de dever, para exercer sua sublime função de instrumento facilitador da construção da autonomia responsável dos filhos. Nisso consiste o processo de educá- los, decorrente dos princípios da paternidade/maternidade responsável e da doutrina da proteção integral, ambos com sede constitucional, que lhes garante prioridade absoluta. Os filhos, sob tal perspectiva, não são sujeitos passivos da relação com os pais.3 Também não constituem objeto dos poderes e dos deveres embutidos no conteúdo da autoridade parental. Tornaram-se protagonistas da própria história e do próprio processo educacional. A função educativa se consubstancia em um processo dialético entre pais e filhos; tanto que a doutrina italiana sublinha que o menor tem liberdade de autoeducazione, para expressar seu papel ativo na própria vida,4 o que é consequência do seu direito fundamental à liberdade, também previsto pelos arts. 15 e 16 do ECA. Os menores devem ser respeitados em seus valores e crenças; por serem pessoas e, principalmente, por estarem em processo de desenvolvimento. Para melhor análise do conteúdo da autoridade parental, amparado no perfil sociológico da família, notoriamente solidarista, e na interpretação civil-constitucional, é mister estudar todos os aspectos que envolvem o dever de assistir, criar e educar os filhos, previstos no art. 229 da CF/88, em razão da relevância já exposta. O dever de criar tem sua gênese no início da existência da criança. A partir daí, dura enquanto obrigação jurídica até que o filho alcance a maioridade. A criação está diretamente atrelada ao suprimento das necessidades biopsíquicas do menor, portanto, à satisfação das necessidades básicas, tais como cuidados na enfermidade, orientação moral, apoio psicológico, manifestações de afeto, o vestir, o abrigar, o alimentar, o acompanhar física e espiritualmente.5 Está embutido no dever de assistência o dever de sustento, sendo este, portanto, inerente ao poder familiar. É tal a relevância do dever de sustento, que constitui crime de abandono material deixar, sem justa causa, de prover a subsistência de filho menor de 18 anos, não lhe proporcionando recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia fixada judicialmente, conforme prevê o art. 244 do Código Penal. Na verdade, assistência, criação e educação constituem num tripé diretamente funcionalizado à formação da personalidade do menor, bem como ao escopo de realizar os direitos fundamentais dos filhos, seja em que seara for. O direito à educação, além deste aspecto geral, também se reporta ao incentivo intelectual, para que a criança e o adolescente tenham condições de alcançar sua autonomia, pessoal e profissional. Entretanto, são omitidas pela doutrina as várias dimensõesda educação. Educar um menor, dando-lhe condições de desenvolver sua personalidade, para que ele tenha personalidade própria, revela-se um processo dialógico permanente, por meio do qual quem educa é também educado, construindo--se mutuamente a dignidade dos sujeitos envolvidos. Compõem a atividade educativa o diálogo com o menor e o confronto com sua individualidade.6 No dever de educar está implícita a obrigação de promover no filho o desenvolvimento pleno de todos os aspectos da sua personalidade, de modo a prepará-lo para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o trabalho, mediante a educação formal e informal, o que atende aos arts. 3.º e 53 do ECA.7 Como instrumentalizar essa gama de objetivos? Criação e educação, principalmente, devem ser feitas de forma a viabilizar aos filhos o alcance da autonomia responsável, por meio da efetivação do processo educacional. Por ter este perfil dinâmico, que permite gradações, deve se adequar às vicissitudes, às peculiaridades da criança e do adolescente, de modo a verificar a necessidade da intensificação ou do recuo dos múnus da autoridade parental. Propiciar ao filho sua autonomia de forma responsável equivale exatamente a respeitar o processo de aquisição de discernimento e de maturação do menor, de modo que, paulatinamente, ele tenha condições de fazer suas escolhas sozinho. Assim, na medida em que este processo se intensifica, é possível o exercício dos direitos fundamentais de forma mais ampla, de modo a diminuir, proporcionalmente, o raio de aplicação do poder familiar. Mas é importante salientar que, mesmo a redução dessa aplicação da autoridade parental é parte do seu conteúdo constitucional, pois esta se faz mais necessária segundo o maior ou menor discernimento da criança; logo, enquanto o menor não é capaz de responsabilizar-se pelos seus atos, ou, nas palavras de João Baptista Villela, não é capaz de responder, 8 seu conteúdo é mais intenso. Por isso, a criança e o adolescente, embora titulares de um direito de liberdade, não podem exercitá-lo, a priori. Essa é a razão maior da autoridade parental: conduzir a criança e o adolescente por caminhos que eles ainda desconhecem. Por estarem construindo sua maturidade e discernimento, não podem usufruir completamente de sua autonomia, pois é aos poucos que vão adquirindo condições de exercê-la. Tais deveres devem ser desempenhados de forma conjunta entre os pais, independentemente da situação conjugal destes. O art. 1.632 do Código Civil estabelece que as relações entre pais e filhos não se alteram com a separação judicial, o divórcio e a dissolução de união estável, ou seja, tanto a titularidade quanto o exercício da autoridade parental não sofrem modificações com o tipo de relação jurídica que existe (ou inexiste) entre os pais, bastando apenas a qualidade de pais. A única mudança limita-se ao direito de um deles ter seus filhos em sua companhia – é claro que a referência é à companhia permanente, pois a criança tem o direito fundamental à convivência familiar, mediante a qual o filho tem o direito de conviver com o genitor não guardião. O art. 1.579 do mesmo diploma, em sentido similar ao dispositivo supracitado, estabelece que o divórcio não modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos. Da mesma forma, seu parágrafo único, bem como os arts. 1.588 e 1.636 fazem expressa referência à relação parental, ao disporem que os genitores que contraírem novas núpcias não perdem a titularidade do poder familiar.9 É isso que justifica o exame prévio feito, com a finalidade de investigar o verdadeiro conteúdo da autoridade parental para diferenciá-la do instituto da guarda – sem ignorar que esta compõe a estrutura do poder familiar. Geralmente, atribui-se maior importância à guarda do que ela realmente tem, porque não se discutem ou não se definem de forma correta a essência e os limites do poder familiar. Tal diferenciação é de crucial relevância, pois constitui o ponto de partida para analisar o cabimento da guarda compartilhada em nossa ordem jurídica, bem como suas implicações. Cabe lembrar que o Texto Constitucional, por meio do seu art. 227, § 6.º, estabeleceu que todos os filhos são iguais, quaisquer que sejam sua origem. Se a separação dos pais acarretar algum impacto na prole, será o mesmo para todos os filhos, de forma equânime.10 O poder familiar subsiste enquanto os filhos forem menores, pelo simples fato de serem filhos, ou seja, em decorrência da parentalidade, seja ela estabelecida de que forma for. Não seria – nem poderia ser – a relação entre os pais que alteraria o vínculo parental. Tal circunstância, além de ser uma grande responsabilidade, deveria tornar-se um estímulo à convivência familiar, que muitas vezes se modifica com o rompimento dos genitores. O exercício da autoridade parental, que não se altera com a separação dos pais, deve ser assumido por ambos, principalmente no que se refere às principais decisões da vida da criança ou do adolescente. Marcos Alves da Silva critica a permanência da autoridade parental após o fim da conjugalidade dos pais. Ele afirma existir um distanciamento entre a lei e a realidade, pois, após o rompimento dos pais, o genitor não-guardião perderia importante parcela dos seus poderes, em face do esvaziamento da convivência. Subsistiria uma perda de fato da autoridade parental, o que também se deveria ao acúmulo de poderes concentrados na guarda, tais como dirigir a pessoa do filho, sua educação, além de decidir todas as questões que o envolvem.11 De fato, isso pode acontecer se a autoridade não for exercida por ambos os genitores, mas não é essa a mens legis. Tal entendimento é reforçado por Waldyr Grisard Filho, que opina que o divórcio não afeta direitos e deveres recíprocos entre pais e filhos, embora haja um desdobramento da guarda, em que tal direito é atribuído, em regra, a um dos pais e o de visita ao outro. Essa desvinculação acarreta, por consequência, um enfraquecimento do poder familiar do genitor não-guardador, que se vê impedido do amplo exercício do seu direito, com a mesma intensidade e em medida similar ao genitor guardador.12 Embora, muitas vezes, a convivência paterno-filial seja prejudicada com a separação dos pais, não há a diminuição do alcance da autoridade parental. Tal fato deriva dos mandamentos legais, o que deve servir de instrumento e motivação para a continuidade dos laços que unem pais e filhos, mesmo que com a separação, divórcio ou dissolução de união estável, não mais residam no mesmo local. Constata-se a confusão conceitual e de alcance existente entre guarda e poder familiar, o que motiva a investigação da real diferença entre eles. O art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA dispõe que a guarda implica na prestação de assistência material, moral e educacional, o que confere ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros. Portanto, implica a guarda nos cuidados cotidianos com o filho. Diante disso, necessário se fazem alguns questionamentos: estaria o genitor não-guardião exonerado desse zelo? Estaria ele adstrito somente às “macrodecisões” na vida dos filhos? Embora a titularidade do poder familiar fosse mantida no “pós-separação”, seria seu exercício atribuído in totum ao guardião? Qual a extensão do direito fundamental à convivência familiar? Teria a guarda compartilhada o poder de atribuir a ambos os genitores a possibilidade de prestarem, conjuntamente, assistência material, moral e educacional, além de estabelecerem uma divisão equânime do direito de ter os filhos em sua companhia? Classicamente, guarda é conceituada como o “poder-dever, submetido a um regime jurídico- legal, de modo a facultar a quem de direito, prerrogativas para o exercício da proteção e amparo daquele que a lei considerar, nessa condição”.13 No mesmo sentido, Silvana Maria Carbonera a define como o meio jurídico mediante o qual se atribui a uma pessoa “um complexo de direitos e deveres a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra quedele necessite, colocada sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial”.14 O que os autores propõem é que cabe ao genitor guardião a manutenção, proteção e educação da prole. Por via reflexa, ao genitor não guardião restam apenas os direitos de visita, de companhia e de fiscalização, posto que assegurados expressamente pelo texto legal (art. 1.589, CCB/2002), sem falar no dever de alimentos. Os três primeiros já eram previstos, inclusive, no art. 15 da Lei do Divórcio, n. 6.515/1977. Mesmo titular da autoridade parental, caberia ao genitor não guardião apenas essa “reserva” de poderes e deveres? Estaria essa função residual em consonância com os princípios constitucionais e as normas codificadas e estatutárias que preveem a função educacional de ambos os pais, concentrada na infância e juventude, quando a criança está em fase de construção da sua personalidade? É claro que não. A relação parental não se esgota em visitas e fiscalização. 15 Se assim fosse, como o Código Civil poderia prever que as relações entre pais e filhos não mudam com o fim da conjugalidade dos pais? Um diferenciador dos conceitos ora esboçados para a definição da autoridade parental é que esta se mede na tutela da pessoa, a qual não tem apenas escopo protetivo, mas, principalmente, promocional da personalidade. Por isso, abarca maior aglomerado de funções. Diferentemente do que é proposto pela maioria da doutrina, o poder-dever de proteção e provimento das necessidades, sejam elas materiais ou espirituais, encontra abrigo muito mais na autoridade parental do que na guarda, pois ambos os pais têm a função promocional da educação dos filhos, em sentido amplo, que envolve criação, orientação e acompanhamento. Tais tarefas não incumbem apenas ao genitor guardião. As respostas aos questionamentos ora formulados não estão pacificadas na dogmática jurídica. Muito se discute acerca da guarda compartilhada – o que tem inquestionável validade, para colocar as relações parentais em pauta –, mas omitem-se a verificação do seu impacto e a real utilidade ante a autoridade parental. A doutrina define guarda compartilhada como “um plano de guarda onde ambos os genitores dividem a responsabilidade legal pela tomada de decisões importantes relativas aos filhos menores, conjunta e igualitariamente. Significa que ambos os pais possuem exatamente os mesmos direitos e as mesmas obrigações em relação aos filhos menores. Por outro lado, é um tipo de guarda no qual os filhos do divórcio recebem dos tribunais o direito de terem ambos os pais, dividindo, da forma mais equitativa possível, as responsabilidades de criar e cuidar dos filhos. Guarda jurídica compartilhada define os dois genitores, do ponto de vista legal, como iguais detentores da autoridade parental para tomar todas as decisões que afetem os filhos”.16 O que se constata é a presença marcante, no conceito ora esboçado, da possibilidade do exercício conjunto da autoridade parental, como aspecto definidor da guarda compartilhada, na medida em que permite que os genitores compartilhem as decisões mais relevantes da vida dos filhos. Diante disso, tal instituto é desnecessário, em face do que dispõe o art. 1.632 do CCB/2002. A relação parental é desatrelada da definição dos rumos da conjugalidade dos pais, garantindo aos filhos a vinculação do laço afetivo com ambos os genitores, mesmo após o esfacelamento da vida em comum. Em verdade, a real importância da guarda compartilhada tem sido popularizar a discussão da coparticipação parental na vida dos filhos, além de efetivamente propiciar aos pais o exercício conjunto da autoridade parental, como se vê das decisões jurisprudenciais. Isso porque, com a clássica divisão sexual do trabalho, sempre coube à mulher os cuidados domésticos, e ao homem, o papel de provedor da família. Com a revolução feminista que impulsionou a mulher para fora dos limites privados do lar conjugal, esta também passou a participar do custeio das despesas da família, o que a livrou das amarras da dependência marital. Por conseguinte, passou-se a valorizar a liberdade dos vínculos afetivos, que não mais eram mantidos por razões financeiras. A direção da sociedade conjugal passou a ser diárquica, da mesma forma que o homem também passou a participar de forma mais ativa das atribuições domésticas, inclusive no cuidado dos filhos. Construiu-se um novo conceito de paternidade, mediante o qual o homem não se satisfaz em cumprir um papel periférico na vida do filho, ou seja, quer participar e ser pai, em todos os aspectos e momentos da existência da prole. Cresce, portanto, o desejo de ambos os genitores participarem da vida dos filhos, durante a conjugalidade e após seu eventual fim. A maior consciência que os pais passam a ter de seus deveres atribui à guarda compartilhada um grande valor social, pois vem ao encontro do novo conceito de paternidade.17 A discussão em torno do assunto tem feito com que os pais busquem a implantação do modelo, pois as mudanças legislativas provocaram também a de postura, tanto do Poder Judiciário quanto dos demais atores processuais. Quando efetivada, porém, seus efeitos abrangem a experiência do pleno exercício da autoridade parental, nos exatos moldes do art. 1.632 do CCB/2002. 2. Diante de todas as questões ora apostas, o mais relevante é admitir-se que a autoridade parental atribui a ambos os pais a titularidade, o exercício, o poder e o dever de gerenciar a educação dos filhos, de modo a moldar-lhes a personalidade, a proporcionar-lhes um crescimento com liberdade e responsabilidade, sem falar no dever de zelo do seu patrimônio. O que importa é delimitar o significado do poder/dever dos genitores de participar na educação dos filhos, cuja função é, evidentemente, promocional ao seu melhor interesse. E tal binômio está desvinculado da circunstância de ter ou não o filho em sua companhia. Ele decorre tão somente da parentalidade. Gustavo Tepedino aponta a opção sistemática do Código Civil, que privilegiou o poder parental em detrimento da guarda, o que reforça, mais uma vez, a afirmação de que a guarda implica pequenos aspectos do poder familiar, se comparados ambos os institutos, principalmente a missão desvelada por este último. É que o instituto da guarda recebe referência legislativa incidental, na seara da separação e do divórcio, sem disciplinar em que consiste seu conteúdo. No que tange à autoridade parental, por seu turno, esta recebe tratamento específico ao tratar da filiação, consagrando-lhe o Código Civil seção específica. Estaria a guarda mais atrelada aos aspectos psicológicos, comportamentais, de personalidade e temperamento de cada genitor após a separação conjugal.18 O que se constata é que a guarda compartilhada é um modelo importado de outros países, em que o poder familiar finda-se com a separação, divórcio ou dissolução da união estável dos genitores. Sua implementação ocorreu no direito pátrio sem avaliar sua real necessidade e cabimento. O que se deve verdadeiramente privilegiar, em vista disso, é o poder parental, o que não acontece em outros ordenamentos jurídicos, como o da Itália.19 Assim, com o escopo de se verificar as efetivas diferenças estruturais nos ordenamentos jurídicos, o que permite avaliar sua necessidade do ordenamento jurídico, busca-se conhecer e compreender o ordenamento italiano, nesta seara.20 RATIO DA GUARDA COMPARTILHADA NO ORDENAMENTO ITALIANO No Direito italiano, a regulação da potestà era definida de forma bastante diferente do Brasil. Quando ocorria a separação dos pais, com a atribuição da guarda a apenas um dos genitores, a consequência era a perda do poder familiar pelo genitor não guardião. Ambos os genitores são titulares do poder parental enquanto permanecerem casados, exercitando-o conjuntamente. A titularidade permanece após a separação, o divórcio ou a anulação de casamento, mas seu exercício é conferido ao genitor a quem o filho é confiado, por força da antiga redação ao art. 317 do Código Civil Italiano,21 que remetia ao art. 155.22 A doutrina italianaquestionava a manutenção da titularidade do poder parental, simultânea à transferência de seu exercício, que passava a ser unilateral.23 O genitor não guardião não tinha sua titularidade totalmente desprovida de conteúdo, uma vez que detinha o poder de controle dos atos do genitor guardião, além de opinar nas decisões de maior importância referentes ao filho, recorrer ao juiz quando o guardião tomava decisões que julgava serem prejudiciais ao menor, bem como nos atos de administração extraordinária. Curioso notar que o direito de visitas/convivência familiar não era previsto no art. 155 do Código Civil Italiano. Já o genitor guardião era o único a representar legalmente o filho, era responsável pelas decisões inerentes ao normal cumprimento da potestà, além de atos da administração ordinária. Portanto, teriam ambos os pais graus diferenciados no exercício do poder familiar. O que mudou foi que a regra geral passou a ser a guarda compartilhada (affidamento condiviso), por meio da Lei 54, de 08.02.2006, que operou uma mudança radical nesse sistema, de modo que, com a dissolução do casamento, o exercício da potestà seja dividido – rectius, compartilhado – entre os pais. Posteriormente, o Decreto-lei 154, de 18.12.2013, também fez modificações relevantíssimas em matéria de filiação em geral, e consolidou a mudança de rota então inaugurada pela Lei de 2006 para que a responsabilidade pelos filhos menores seja conjunta entre os pais.24 Nesse sentido, o art. 337, ter., foi inserido no Codice Civile com a seguinte redação: “O filho menor tem o direito de manter um relacionamento equilibrado e continuado com cada um deles, e receber cuidado, educação, instrução e assistência moral de ambos e de conservar relações significativas com os ascendentes e com os parentes de cada ramo genitorial.” Para realizar a finalidade indicada no primeiro parágrafo (...), o juiz adota as providências relativas à prole com exclusiva referência ao interesse moral e material dessa. Valora prioritariamente a possibilidade dos filhos menores ficarem sob a guarda de ambos os genitores ; não sendo possível, estabelece com qual deles os filhos ficarão, determinando o tempo e a modalidade da sua presença com cada genitor, fixando, ainda, a medida e o modo com o qual cada um deles deve contribuir para a manutenção, cuidado, instrução e educação do filho. Portanto, na Itália, onde não existia a manutenção do poder familiar com o término da conjugalidade, o instituto da guarda compartilhada fez todo sentido, já que, neste ordenamento, a guarda atrai o poder familiar, ou seja, o genitor guardião é o detentor da potestà. O exercício conjunto da autoridade parental é de todo desejável, pois se traduz no verdadeiro processo educacional do filho, meio de construção do afeto – embora tal fator não possa ser exigível pelo Direito – e, sem dúvida, responsabilidade que compete aos pais, conjuntamente, por força do princípio da solidariedade, previsto no ordenamento italiano. Trata-se de um reconhecimento ao direito à bigenitorialità, de modo que se garanta, tanto quanto for possível ao filho, que ambos os pais participem ativamente da vida deste, já que os menores têm o direito de manter um relacionamento continuado e equilibrado com ambos os genitores, independentemente de estar o núcleo familiar agregado ou não, segundo a situação conjugal dos pais. Afirma-se que o direito à bigenitorialità abrange os princípios contidos no art. 30 da Constituição italiana, tais como o direito à presença ativa de ambos os genitores, a receber cuidados, educação e instrução, além de subsistência e de poder manter relação com os ascendentes e outros parentes.25 Não se trata de divisão do tempo do filho com os pais, ou mesmo, do estabelecimento da guarda alternada, pois a finalidade última da guarda compartilhada é propiciar uma efetiva coparticipação parental; se isso ocorre, por consequência, o filho dividirá o tempo com os pais de forma mais equilibrada. A guarda unilateral continua a existir na Itália, e deve ser aplicada quando a guarda compartilhada é contrária aos interesses do filho (art. 337, quater). Cabe ao genitor não guardião, se não tiver sido estabelecido de forma contrária pelo juiz, o direito e o dever de vigiar sua instrução e educação, podendo recorrer ao juiz quando entenda tenham sido tomadas decisões prejudiciais ao interesse do menor. A jurisprudência tem percebido que a guarda compartilhada, efetivamente, se traduz no exercício do conteúdo da potestà. O Tribunal de Messina julgou caso em que sintetizou as principais atribuições e características da guarda compartilhada: A guarda a ambos os genitores não pode ocorrer na presença de conflito, com evidente referência as opiniões (entretanto, não unívocas). (...) Já há tempo que a prática jurisprudencial, em vigor desde a normativa precedente, colocou em evidência como a guarda conjunta se caracterizava não pela paridade de tempo que o menor fica com um ou com outro genitor, mas pelo compartilhamento das escolhas educativas e formadoras e pela igual participação em termos qualitativos na vida do menor. (...) Analogamente, o conteúdo da guarda compartilhada, hoje, como já reconstruído pela jurisprudência, não comporta uma impossível convivência do menor com ambos os genitores e nem um tipo de guarda alternada: a ratio da guarda compartilhada está, ao invés, na maior responsabilização dos genitores separados ou divorciados, que se empenham em realizar uma linha comum na educação do menor, linha comum que, na perspectiva deve ser compartilhada, isto é, estabelecida de comum acordo, mas pode, também, transitoriamente, ser estabelecida pelo juiz.26 O Tribunal de Firenze, por seu turno, entendeu, nessa perspectiva, ser a guarda compartilhada instrumento de aproximação familiar e de convocação aos pais a assumirem idêntica assunção de deveres referentes ao crescimento do filho.27 Trata-se, portanto, para o direito brasileiro, de convocação aos pais para assumirem efetivamente o conteúdo da autoridade parental. Na Itália, o processo educativo deve ser efetuado com grande respeito à personalidade do menor, de acordo com o art. 315, bis e 316, bis do Código Civil Italiano. A possibilidade de autodeterminação deste, principalmente se adolescente, é de grande relevância, conforme reconhecido, inclusive, pela jurisprudência, de modo a garantir as escolhas existenciais do filho, para potencializar a eficácia da tutela do seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade.28 Nesse sentido, o art. 316 do Codice Civile prevê a possibilidade de ouvir o filho maior de 12 anos, para que ele se manifeste nos limites do seu discernimento, de modo a lhe garantir efetiva 3. possibilidade de autodeterminação, essencial para a construção da própria dignidade. A razão que orientou essa norma foi, por óbvio, dar voz ao maior interessado na fixação da guarda, para que ele participe da decisão que em muito influenciará sua vida.29 ANÁLISE CRÍTICA DO CABIMENTO DA GUARDA COMPARTILHADA NO ORDENAMENTO BRASILEIRO: PERSPECTIVA ESTRUTURAL E FUNCIONAL Como no ordenamento jurídico brasileiro não há perda do poder familiar em relação ao genitor não guardião após o término da sociedade conjugal, cabe a ambos o exercício conjunto da autoridade parental, principalmente dos deveres de criar, educar e assistir. Por isso, a guarda compartilhada, que tem como escopo o compartilhamento de tais deveres, não é necessária para que se efetive o diritto alla bigenitorialità,30 ao contrário da Itália. Para alcançar os objetivos que ela visa, bastaria atribuir maior efetividade à autoridade parental, já que é ela a verdadeira detentora dos poderes- deveres de participação que os defensores da guarda compartilhada buscam implementar. O principal escopo da guarda compartilhada é a coparticipação de ambos os pais na vida dos filhos, nos deveres de cuidado e no crescimento desses. Trata-se da convergência para uma mesma finalidade educativa, como preceitua o art. 1.583, § 1.º, parte final, Código Civil (modificado pela Lei11.698/2008), que conceitua guarda compartilhada como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”, ou seja, do exercício da autoridade parental.31 Todavia, não obstante a desnecessidade do instituto, uma vez aprovado e com carga normativa, o papel dos juristas é tentar conferir-lhe a maior efetividade possível, para que cumpra o papel de especificação do conteúdo constitucional da autoridade parental, de modo que os pais possam, efetivamente, desempenhar seu papel no processo educativo do filho. Nessa esteira, algumas outras questões devem ser observadas. A primeira delas é a determinação de que a guarda compartilhada seja aplicada indistintamente, independentemente do exame da dinâmica familiar, conforme estabelecido pelo art. 1.584, § 2.º, Código Civil, modificado pela referida lei.32 Aqui, o legislador acabou por comprovar o que afirmamos anteriormente: na medida em que o poder familiar segue imutável com o fim do relacionamento afetivo entre os pais, a guarda compartilhada – que é definida como corresponsabilidade – acaba tendo a mesma função que a autoridade parental. Ainda mais que, ao priorizar de forma tão contundente esse modelo de guarda, o legislador acabou entendendo, ainda no plano da justificação da norma e aprioristicamente, que esse tipo de guarda é o que atende ao melhor interesse da criança e do adolescente, independentemente do contexto em que ele(s) está(ão) inserido(s). Trata-se, portanto, de dois institutos com idêntica finalidade, constituindo-se em uma atecnia do legislador. Além disso, dentro do instituto da guarda, acabou por haver uma hierarquização entre os modelos no plano teórico, que descura dos fatos, como se houvesse um modelo ideal que prescindisse da realidade familiar.33 De fato, o entendimento firmado pelo STJ é que a guarda compartilhada só não deve ser aplicada em duas hipóteses: a inexistência de interesse por um dos genitores ou a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar, o que deve ser apurado por meio de ação com vistas à suspensão ou perda do poder familiar.34 Os tribunais têm determinado a guarda compartilhada independentemente da situação litigiosa dos pais.35 No entanto, permanece a questão sobre a forma de concretizar a corresponsabilização e coparticipação dos pais. Nesse caso, quando os pais não tiverem condições de compor o seu conflito, transfere-se ao Poder Judiciário o ônus de decisões que os pais não conseguirem tomar conjuntamente, tal como escolha da escola, das atividades extracurriculares, da religião, dos tratamentos de saúde, entre outras. A consequência dessas novas disposições será a maior judicialização das questões de família.36 Recomenda-se, em tais hipóteses, que os pais sejam submetidos a processo de mediação, para que se evite a transferência ao juiz de questões tão particulares e afetas aos valores familiares. Outra questão de grande relevância, silenciada pelas leis que trataram do tema da guarda compartilhada, refere-se aos atos quotidianos do filho, ou seja, é necessário dimensionar a coparticipação, pois, a princípio, seria inviável que os pais tivessem que participar da totalidade da vida dos filhos, inclusive dos atos diários. Por isso, é preciso ficar claro que o poder das decisões relativas ao quotidiano da criança será exercido tomando-se como base a companhia ou o tempo de permanência, tendo o outro que concordar com as escolhas que atendam ao melhor interesse do filho, diretriz fundamental a ser seguida.37 Para tanto, convém frisar que guarda compartilhada não implica, necessariamente, em convivência familiar livre. A organização do cotidiano dos filhos – ou fixação das visitas, para utilizar termos mais tradicionais – é de suma relevância, a fim de se evitar abusos no exercício da autoridade parental. É o que afirma o Enunciado 605 da VII Jornada de Direito Civil: “A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime de convivência”. No que tange a tal organização, a Lei 13.058/2014 deu nova redação ao § 3.º do art. 1.584, que facultou ao juiz basear-se em estudo técnico-profissional para se orientar quanto à convivência entre os pais, com vistas a uma divisão equilibrada do tempo dos filhos. Note-se que a lei não diz igualitária, pois afinal, a arquitetura da rotina dos menores deverá seguir os seus interesses e não uma divisão que necessariamente deva ser equânime entre os pais.38 Prova de tal afirmativa é a fixação da moradia dos filhos,39 que deve ser norteada pelo interesse desses; se a divisão de tempo fosse obrigatoriamente igualitária, a moradia deveria ser fixada na casa de ambos, o que não é a orientação legal. Questão que merece atenção está disposta no art. 1.584, § 4.º, Código Civil. A redação anterior da lei dispunha que “a alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho”. Foi suprimida, de forma exemplar, a parte final do dispositivo, pois a sanção para o genitor que desobedece ao que foi avençado pelas partes ou determinado pelo juiz, sem nenhuma razão plausível, é a diminuição das 4. “prerrogativas” que lhe são atribuídas, inclusive o tempo em que convive com o filho. Em última instancia, trata-se de um raciocínio que visa punir o genitor sem cogitar se esta é a medida que melhor condiz com os interesses do filho. Na verdade, tanto a fixação da guarda quanto todas as modificações posteriores devem ocorrer, sempre, em benefício dos filhos menores, irrestritamente, tendo em vista que foram alvo de tutela privilegiada pela Constituição Federal, exatamente em razão de sua vulnerabilidade, inerente à idade. NOTAS CONCLUSIVAS Não obstante a desnecessidade do instituto, o thelos de atribuir maior efetividade aos deveres dos genitores deve ser festejado, pois numa época em que o Brasil vive grandes problemas com a irresponsabilidade parental, a possibilidade de dar maior eficácia a tais deveres coaduna integralmente com os objetivos constitucionais, não apenas de tutela da pessoa humana, mas também de proteção ao crescimento biopsíquico saudável da pessoa menor de idade. A guarda compartilhada, entendida como corresponsabilidade parental, pressupõe a prática de atos conjuntos a bem dos filhos, principalmente aqueles mais relevantes e de maior impacto em suas vidas. Quando isso não for possível, transfere-se ao juiz a decisão a respeito de qual escola o filho deve estudar, qual o melhor tratamento de saúde, se ele deve ou não se tatuar, entre outras situações. O trabalho da doutrina, no atual momento, é oferecer critérios que auxiliem o magistrado a encontrar o melhor interesse da criança para aquele caso, a fim de que ele possa decidir com os valores do caso, e não os seus próprios. A maior judicialização dos conflitos de família, fatalmente, ocorrerá, a não ser que os pais estejam efetivamente dispostos ao abandono da disputa, o que pode ser alcançado com o auxílio da mediação. Não obstante as críticas teóricas aqui apresentadas, o que se busca implementar com a nova mudança no instituto são os deveres de criar, educar e assistir, previstos no art. 229 da Constituição Federal, para que esses possam se efetivar por ambos os pais, independentemente da modalidade de guarda fixada para o caso, para que se garantam, na maior medida possível, os interesses do filho, bem como sua emancipação responsável por meio do processo educacional. Sobretudo, é fundamental que nenhum genitor, de maneira arbitrária e injustificada, impeça o outro de cumprir os seus deveres parentais, de modo a garantir que o processo educacional possa ser efetivado por ambos os pais. BIBLIOGRAFIA CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000. CERATO, Maristella. La potestá dei genitori: i modi di esercizio, la decadenza e l’affievolimento.Il diritto privato oggi – serie a cura di Paolo Cendon. Milano: Giuffrè, 2000. CIAN, Giorgio; OPPO, Giorgio; TRABUCCHI, Alberto. Commentario al diritto italiano della famiglia. Padova: Cedam, 1992. v. 4. COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. DOGLIOTTI, Massimo. Affidamento condiviso e diritti dei minori. In: DOGLIOTTI, Massimo (a cura di). Affidamento condiviso e diritti dei minori. Torino: G. Giappichelli, 2008. FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. 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Palestra apresentada no Congresso Strumenti di tutela dei soggetti deboli: dai rimedi trazionali al trust, ocorrido em Roma, em 23.11.2005. PADALINO, Carmelo. Affidamento condiviso dei figli: commento sistemático delle nuove disposizione in matéria di separazione dei genitori e affidamento condiviso dei figli. Torino: Giappicvhelli, 2006. ROMANO, Marina. L’ascolto dei minori. In: CARLEO, Liliana Rossi; PATTI, Salvatore (a cura di). L’affidamento condiviso. Milano: Giuffrè, 2006. ROSENVALD, Nelson. Autonomia privada e guarda compartilhada. Revista IBDFAM Família e Sucessões. V. 6 (nov./dez.). Belo Horizonte: IBDFAM, 2014. SILVA, Marcos Alves da. Do pátrio poder à autoridade parental: repensando os fundamentos jurídicos da relação entre pais e filhos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e da autoridade parental na ordem civil- constitucional. Disponível em: <http://www.idcivil.com.br/pdf/biblioteca8.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2008. TEPEDINO, Gustavo. Guarda compartilhada no Direito Brasileiro. Consulex. No prelo. TRIBUNALE DI FIRENZE, 21 febbraio 2007, Pres. Gatta, Est. Mariani. Il diritto di famiglia e http://www.idcivil.com.br/pdf/biblioteca8.pdf 1 2 3 4 5 6 7 8 9 delle persone, Milano: Giuffrè, vol. XXXVI, ottobre-dicembre, v. 4, 2007, p. 1.724-1.726. TRIBUNALE DI MESSINA, 5 aprile 2007, Pres. Lombardo Est.Russo, Il diritto di famiglia e delle persone, Milano: Giuffrè, vol. XXXVI, ottobre-dicembre, v. 4, 2007, p. 1.808-1.809. TRIBUNALE MINORILE DI BOLOGNA, 26 ottobre 1973, Diritto dalla famiglia e dalla persona, 1974, p. 1.069. VILELA, Renata; ALMEIDA, Vitor. Guarda compartilhada: entre o consenso e a imposição judicial. Comentários ao REsp 1.251.000/MG. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 1, n. 2, jul.-dez./2012. Disponível em: <http://civilistica.com/guarda--compartilhada/>. Data de acesso: 30.7.2017. VILLELA, João Baptista. Direito, coerção & responsabilidade: por uma ordem social não-violenta. Belo Horizonte: Movimento Editorial da Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 1982. v. IV, n. 3, série Monografias. Agradeço à Priscila Fava Crisci a leitura e revisão da primeira versão deste artigo. O núcleo familiar é entendido como “luogo in cui sviluppano la propria personalità soggetti diversi, ma uguali, che si rapportano tra loro nel reciproco rispetto, soggetti che godono di autonomia anche negoziale e, por contro sono responsabili del proprio agire. Non solo dunque la famiglia è attualmente una cellula variegata nell’universo sociale, ma anche la funzione genitoriale diventa più consapevole e dunque più responsabile, non più l’esercizio di un potere autoritario, ma la condivisione di scelte: alla maggiore libertà e a questa aumentata autonomia corrisponde una maggiore responsabilità” (MONEGAT, M. Autonomia negoziale nella famiglia e a nuova genitorialità: dalla potestà alla responsabilità. Palestra apresentada no Congresso Strumenti di tutela dei soggetti deboli: dai rimedi trazionali al trust, ocorrido em Roma, em 23.11.2005). Tradução livre: um lugar no qual se desenvolve a própria personalidade dos sujeitos diversos, mas iguais, que se relacionam entre eles com recíproco respeito, sujeitos que gozam de autonomia também negocial e, por isso, são responsáveis pelo próprio agir. Não apenas a família é atualmente uma célula variada no universo social, mas também a função genitorial se torna mais consciente e, portanto, mais responsável, não mais o exercício de um poder autoritário, mas o compartilhamento de escolhas: à maior liberdade e a esta autonomia aumentada corresponde uma maior responsabilidade. De acordo com Luiz Edson Fachin, “os filhos não são (nem poderiam ser) objeto da autoridade parental. Em verdade, constituem um dos sujeitos da relação derivada da autoridade parental, mas não sujeitos passivos (...)” (Elementos críticos do direito de família. In: LIRA, Ricardo Pereira (Coord.). Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 223). CIAN, Giorgio; OPPO, Giorgio; TRABUCCHI, Alberto. Commentario al diritto italiano della famiglia. Padova: Cedam, 1992. v. 4, p. 292. LIMA, Taísa Maria Macena. Guarda de fato: tipo sociológico em busca de um tipo jurídico. In: FERNANDES, Milton (orientador). Controvérsias no sistema de filiação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1984. p. 31. CERATO, Maristella.La potestá dei genitori: i modi di esercizio, la decadenza e l’affievolimento. Il diritto privato oggi – serie a cura di Paolo Cendon. Milano: Giuffrè, 2000. p. 113. COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 102. VILLELA, João Baptista. Direito, coerção & responsabilidade: por uma ordem social não violenta. Belo Horizonte: Movimento Editorial da Revista da Faculdade de Direito da UFMG, 1982. v. IV, série Monografias, n. 3. p. 26. Sobre tais dispositivos, Denise Damo Comel critica o legislador codificador: “Ambos visam preservar o poder familiar do pai ou da mãe que se casa com terceiro, e encerram disposição que tinha sentido de existir antes da vigência da Constituição Federal, quando ainda não se reconhecia a plena igualdade entre o homem e a mulher, no casamento ou fora dele, bem como quando não se reconhecia a igualdade entre todos os filhos, independentemente da origem da filiação. Protegia, ao invés, o poder conferido à mulher que se casava com outro homem, tendo em vista que no casamento ela, como esposa, num primeiro momento tornava-se relativamente incapaz e passava a ser chefiada pelo marido. Posteriormente, embora não perdendo a plena capacidade, continuava sob o mando do marido” (COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 243). http://civilistica.com/guarda--compartilhada/ 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 Não se está considerando, aqui, a individualidade de cada filho, mas tão somente a ação dos pais. SILVA, Marcos Alves da. Do pátrio poder à autoridade parental: repensando os fundamentos jurídicos da relação entre pais e filhos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 63-64. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 78. STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 22. CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de filhos na família constitucionalizada.Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000. p. 47- 48. Sobre o tema, a Lei 13.058 inseriu o § 5.º ao art. 1.583 do Código Civil, que acabou com a discussão a respeito do cabimento da Ação de Prestação de Contas, que agora, além de visar à fiscalização do gerenciamento dos aspectos materiais, também tem o escopo de fazê-lo quanto às questões existenciais: “§ 5.º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 79. Segundo Gustavo Tepedino, em recente reflexão sobre o tema: “O maior mérito da recente e festejada Lei 13.058/2014 – e, antes dela, a Lei 11.698/2008, que disciplinam no Brasil a guarda compartilhada – é chamar a atenção da sociedade para uma evidência: a enorme, intransferível e conjunta responsabilidade dos pais, sejam eles separados, divorciados ou solteiros, para com a convivência e formação da personalidade dos filhos. Trata-se de mudança valorativa profunda, que importa reconstrução do tratamento teórico reservado à disciplina jurídica da filiação”. (TEPEDINO, Gustavo. Guarda compartilhada no Direito Brasileiro. Consulex. 2015). TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e da autoridade parental na ordem civil-constitucional. Disponível em: <http://www.tepedino.adv.br/wpp/wp-content/uploa- ds/2017/07/Disciplina_guarda_autoridade_parental_ordem_civil_constitucional.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2017. Estudo comparativo interessante, entre Brasil, Itália e França, foi feito pelo Prof. Gustavo Tepedino, em conferência proferida no IV Congresso Brasileiro de Direito de Família (TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e da autoridade parental na ordem civil-constitucional. Disponível em: http://www.tepedino.adv.br/wpp/wp-content/uplo- ads/2017/07/Disciplina_guarda_autoridade_parental_ordem_civil_constitucional.pdf.Acesso em: 31 jul. 2017). As ideias expostas neste item foram desenvolvidas de maneira mais aprofundada no nosso Família, guarda e autoridade parental. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. Art. 317 CCI. Impedimento di uno dei genitori. Nel caso di lontananza, di incapacita o di altro impedimento che renda impossibile ad uno dei genitori l’esercizio della potestà, questa è esercitata in modo esclusivo dall’altro. La potestà comune dei genitori non cessa quando, a seguito di separazione, di scioglimento, di annulamento o di cessazione degli effetti civili del matrimonio, i figli vengono affidatti ad uno di essi. L’esercizio della potestà è regolato, in tali casi, secondo quanto disposto nell’articolo 155. Tradução livre: Impedimento de um dos pais: No caso de distância, incapacidade ou de outro impedimento que torne impossível o exercício do poder, este é exercido de modo exclusivo pelo outro. O poder dos genitores não cessa quando, seguido de uma separação, uma dissolução, uma anulação ou cessação dos efeitos civis do matrimônio, os filhos são confiados a um desses. O exercício do poder é regulado, em tais casos, segundo o disposto no art. 155. A forma de exercício do poder parental era prevista pelo art. 155 do referido Código, nos seguintes termos: “Art. 155. Provvedimenti riguardo ai figli. Il giudice che pronunzia la separazione dichiara a quale dei coniugi i figli sono affidati e adotta ogni altro provvedimento relativo alla prole, con esclusivo riferimento all’interesse morale e materiale di essa. In particolare il giudice stabilisce la misura e il modo con cui l’altro deve contribuire al mantenimento, all’istruzione e all’educazione dei figli, nonché le modalità di esercizio dei suoi diritti nei rapporti con essi. Il coniuge cui sono affidati i figli, salva diversa disposizione del giudice, ha l’esercizio esclusivo della potestà su di essi; egli deve attenersi alle condizioni determinate del giudice. Salvo che sia diversamente stabilito, le decisioni di maggiore interesse per i figli sono adottate da entrambi i coniugi. Il coniuge cui i figli non siano affidati ha il diritto e il dovere di vigilare sulla loro istruzione ed educazione e può ricorrere al giudice quando ritenga che siano state assunte decisioni pregiudizievoli al loro interesse” (grifos nossos). Tradução livre: “Art. 155. Medidas em relação aos filhos. O juiz que decreta a separação declara a qual dos cônjuges os filhos serão confiados e adota outra medida relativa à prole, com exclusiva referência ao seu interesse moral e material”. http://www.tepedino.adv.br/wpp/wp-content/uploa-ds/2017/07/Disciplina_guarda_autoridade_parental_ordem_civil_constitucional.pdf http://www.tepedino.adv.br/wpp/wp-content/uplo-ads/2017/07/Disciplina_guarda_autoridade_parental_ordem_civil_constitucional.pdf.Acesso 23 24 25 26 27 28 29 30 Em particular, o juiz estabelece a medida e o modo com os quais o outro deve contribuir para a manutenção, a instrução e a educação dos filhos, e, além disso, a modalidade de exercício dos seus direitos nas relações com eles. O cônjuge a quem os filhos são confiados, salvo disposição judicial diversa, tem o exercício exclusivo do poder parental sobre a prole ; ele deve ater-se às condições determinadas pelo juiz. Salvo se for estabelecido diversamente, as decisões de maior interesse dos filhos são tomadas por ambos os cônjuges. O cônjuge ao qual os filhos não foram confiados tem o direito e o dever de vigiar sua instrução e educação e pode recorrer ao juiz quando julgar que foram tomadas decisões prejudiciais ao interesse deles. CIAN, Giorgio; OPPO, Giorgio; TRABUCCHI, Alberto. Commentario al diritto italiano della famiglia. Padova: Cedam, 1992. v. 4, p. 336. Eis a nova redação do art. 317, secondo comma: “La responsabilità genitoriale di entrambi i genitori non cessa a seguito di separazione, scioglimento, cessazione degli effetti civili, annullamento, nullità del matrimonio; il suo esercizio, in tali casi, è regolato dal capo II del presente titolo”. DOGLIOTTI, Massimo. Affidamento condiviso e diritti dei minori. In: DOGLIOTTI, Massimo (a cura di). Affidamento condiviso e diritti dei minori. Torino: G. Giappichelli, 2008. p. 39. “(...) l’ affidamento ad entrambi non possa disporsi in presenza di conflittualita, con evidente riferimento alle opinioni (peraltro non univoche) … Ora, gia da tempo la prassi giurisprudenziale, nel vigore della precedente normativa, ha messo in evidenza come l’affidamento congiunto si caratterizzava non per la parita dei tempi che il minore trascorre con l’uno o con l’altro genitore (dual residence), ma per la condivisione delle scelte educative e formative e per la pari partecipazione in termini qualitativi alla vita del minore. (…) Analogamente il contenuto dell’affidamento condiviso, oggi, come gia l’affidamento congiunto quale ricostruito dalla giurisprudenza, non comporta una impossibile convivenza del minore con entrambi i genitori, e neanche una sorta di affidamento alternato: la ratio dell’affidamento condiviso sta, invece, nella maggiore responsabilizzazione dei genitore separati o divorziati, i quali si impegnano a realizzare entrambi una linea comune nell’educazione del minore, linea comune che in prospectiva debe essere condivisa, cioe stabilita di comune acordo, ma puo anche, infase transitoria, essere stabilita con prescrizioni dalla autorita giudiziaria.” (Tribunale di Messina, 5 aprile 2007, Pres. Lombardo Est. Russo, Il diritto di famiglia e delle persone, Milano: Giuffrè, vol. XXXVI, ottobre-dicembre, v. 4, 2007, p. 1.808-1.809). “I figli della coppia devono essere affidati in via condivisa ad entrambi i genitori. Non emergono dagli atti ragioni ostative, da valutarsi nell’interesse dei minori, a tal tipo di affidamento. In particolare, non appare sufficientela sola presentazione di una querela da parte della moglie per minacce asseritamente ricevute, tra l’altro, in piena crisi coniugale con il procedimento di separazione ancora pendente e la convivenza ancora in corso. Dalla relazione del Sast appare una scarsa presenza relazionale e non oggettiva del padre accanto ai figli, ma ciò non giustifica il sanzionare con un affidamento esclusivo la tendenza ad assumersi scarsa responsabilità, perché, vice-versa, in una situazione quale la presente, in cui siano assenti segnali di incapacità o di effettiva pericolosità del padre, l’affidamento condiviso chiama la coppia genitoriale ad identiche assunzioni di doveri nei riguardi della crescita dei figli. (...)” (Tribunale di Firenze, 21 febbraio 2007, Pres. Gatta, Est. Mariani. Il diritto di famiglia e delle persone, Milano: Giuffrè, vol. XXXVI, ottobre-dicembre, v. 4, 2007, p. 1.724-1.726). Tradução livre: Os filhos do casal devem ser confiados à guarda de ambos os genitores. Não emergem dos atos razões obstativas a valorar-se no interesse dos menores, em tal tipo de guarda. Em particular, não parece ser suficiente apenas a apresentação de um litígio pela mulher por ameaça recebida, pelo outro, em plena crise conjugal com o procedimento de separação ainda pendente e a convivência em curso. O relatório do Sast evidencia uma escassa presença relacional e não objetiva do pai com os filhos, mas isto não justifica sancionar com a guarda exclusiva a tendência a assumir escassa responsabilidade, porque, em uma situação tal qual a presente, na qual estejam ausentes sinais de incapacidade ou de efetiva periculosidade do pai, a guarda compartilhada conclama os pais a idênticas assunções de deveres em relação ao crescimento dos filhos. Tribunale Minorile di Bologna, 26 ottobre 1973, Diritto dalla famiglia e dalla persona, 1974, p. 1.069. Sobre o tema, remetemos a ROMANO, Marina. L’ascolto dei minori. In: CARLEO, Liliana Rossi; PATTI, Salvatore (a cura di). L’affidamento condiviso . Milano: Giuffrè, 2006. p. 211-227; PADALINO, Carmelo. Affidamento condiviso dei figli: commento sistemático delle nuove disposizione in matéria di separazione dei genitori e affidamento condiviso dei figli. Torino: Giappicvhelli, 2006. p. 185-227; GALANTI, Francesco Mazza; MARTINELLI, Paolo. L’ascolto del minore. In: DOGLIOTTI, Massimo (a cura di). Affidamento condiviso e diritti dei minori. Torino: Giappichelli, 2008. p. 231-260. “O direito do filho à biparentalidade originária não suprime a legalidade da custódia unilateral, porém remete-a a uma posição subalterna no ordenamento, restrita às hipóteses em que a concretude do caso evidencie cabalmente a impossibilidade do recurso à guarda compartilhada.” (ROSENVALD, Nelson. Autonomia privada e guarda compartilhada. Revista IBDFAM Família e 31 32 33 34 35 36 37 38 39 Sucessões. V. 6 (nov./dez.). Belo Horizonte: IBDFAM, 2014, p. 64) Um exemplo de boa aplicação da guarda compartilhada é: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO DE FAMÍLIA – MODIFICAÇÃO DA GUARDA DE MENOR – MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – DEFERIMENTO PARCIAL – GUARDA COMPARTILHADA. – Na guarda compartilhada pai e mãe participam efetivamente da educação e formação de seus filhos. – Considerando que no caso em apreço, ambos os genitores são aptos a receber a guarda do filho, e que a divisão de decisões e tarefas entre eles possibilitará um melhor aporte de estrutura para a criação da criança, ao possibilitar acompanhamento escolar mais intenso e o tratamento de saúde necessário, impõe-se como melhor solução não o deferimento de guarda unilateral, mas da guarda compartilhada”. (TJMG, AI 1.0702.14.001707-1/001, Rel. Dárcio Lopardi Mendes, j. 28.8.2014, DJe 03.09.2014). “§ 2.º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.” Note-se que, comparativamente, em relação à redação determinada pela Lei 11.698/2008, foi suprimida a expressão “sempre que possível”, que ainda dava ao juiz alguma margem para avaliar a situação. Para que a guarda compartilhada fosse um instituto tecnicamente coerente, seu conceito e sua função deveriam ser outros; talvez, como muitos pensam leigamente, utilizando-se a “quantidade do tempo” com cada genitor como critério para se diferenciar guarda compartilhada da unilateral. Nos termos postos pela lei, presume-se que a aplicação do princípio do melhor interesse da criança coincide com o modelo de guarda compartilha- da, o que é um equívoco, pois a fixação do tipo de guarda – partindo-se do seu conceito correto que é o de companhia, gerenciamento do cotidiano do filho – não pode prescindir das vicissitudes do caso concreto. STJ, 3ª T., REsp 1629994/RJ, Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, julg. 6.12.2016, DJ 15.12.2016. STJ, 3ª T., REsp 1626495/SP, 3ª T., Rel.ª, Min.ª Nancy Andrighi, julg. 15.9.2016, DJ30.9.2016. Sobre o tema, recomendamos: VILELA, Renata; ALMEIDA, Vitor. Guarda compartilhada: entre o consenso e a imposição judicial. Comentários ao REsp 1.251.000/MG. Civilistica. com. Rio de Janeiro, a. 1, n. 2, jul.-dez./2012. Disponível em: <http://civilistica.com/guarda- compartilhada/>. Data de acesso: 30.7.2017. Cabe refletir, em outro momento, sobre quais critérios deverão ser utilizados para essas definições, a fim de oferecer ao julgador algumas balizas hermenêuticas para auxiliar no que significa o melhor interesse daquela criança colocada em litígio pelos pais. Sobre o tema das decisões sobre a administração ordinária da vida dos filhos, a lei italiana prevê que o juiz pode determinar que os pais exerçam a responsabilidade separadamente (art. 337-ter., CC). Nesse sentido, o Enunciado 603 da VII Jornada de Direito Civil: “A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2º do art. 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais”. A fixação da moradia é questão relevante que a Lei 11.698/2008 silenciou, mas que não passou despercebida do legislador da Lei 13.058/2014. A moradia é relevante para que o menor possa construir seu ponto de referência. http://civilistica.com/guarda-compartilhada/ 2 GUARDA COMPARTILHADA – UMA NOVA REALIDADE PARA O DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO ANA CAROLINA SILVEIRA AKEL Os últimos tempos foram marcados, entre outras coisas, pela definitiva inserção da mulher no competitivo mercado de trabalho, principalmente nas grandes metrópoles, onde a disputa é ainda mais acirrada e difícil. Dessa maneira, a mulher passou de “rainha do lar” a mantenedora, ou corresponsável pelo sustento da família, como empregada, funcionária pública, profissional liberal ou empresária. Este fato, em verdade, veio apenas concretizar e corroborar o princípio constitucional da isonomia, garantindo a homens e mulheres os mesmos direitos e deveres, em todos os níveis e esferas. Evidente que o fenômeno havia de causar, como causou, mudanças profundas e significativas não só na própria estrutura familiar, mas também nas relações pessoais entre marido e mulher, companheiro e companheira, com reflexos no relacionamento com a prole proveniente dessas uniões. Tal evolução fez com que a mulher deixasse de se sujeitar às imposições masculinas, como ocorria no passado. Hoje a intolerância entre os cônjuges, além de muito mais frequente, acarreta maior número de separações e rupturas, ainda mais porque, na maior parte das situações, não mais existe a figura do “sexo frágil”, hierarquicamente inferior e submisso. Não resta dúvida de que essa alteração da figura feminina fez com que o homem deixasse de ser o chefe e provedor da sociedade conjugal e da família, e passasse a ser corresponsável – com a mulher – pela entidade familiar. A própria igualdade de direitos e obrigaçõese as necessidades da vida moderna fizeram com que o homem fosse convocado a participar mais intensamente das tarefas domésticas, assumindo, inclusive, o cuidado com os filhos e deixando de ser mero espectador. Não é difícil vislumbrar, hoje, a inversão dos papéis: enquanto muitas mulheres deixam o lar para trabalharem, alguns homens permanecem em casa exercendo as atividades domésticas e cuidando dos filhos. Ocorreu, dessa forma, uma verdadeira “metamorfose masculina”: de “provedor” o homem passou a ser também “participador” dos afazeres do lar, da família e dos cuidados com os filhos. Diante destes dois fenômenos modernos e frequentes estreitamente ligados entre si (a inserção da mulher no mercado de trabalho e o grande número de separações), nosso ordenamento jurídico teve de se adequar às novas realidades e anseios sociais buscando formas alternativas e possíveis para minimizar o sofrimento, tanto do “casal conjugal” – que se desfez –, como do “casal parental” – que permanece unido para sempre –, concedendo a ambos os genitores os mesmos direitos e deveres com relação à prole. É certo que essa isonomia no efetivo exercício da autoridade parental antes não existia, em primeiro lugar por desinteresse do homem, que se habituava à situação de apenas mandar e prover, mas não de cuidar; depois, em razão da prevalência anterior da lei que estabelecia a guarda uniparental como regra, exercida primordialmente pela mulher. Esse panorama foi alterado com a inserção da Guarda Compartilhada no nosso ordenamento jurídico em 2008 e, recentemente, com a nova mudança legislativa, por meio da Lei 13.058/2014, que alterou os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil Brasileiro. O novo contexto social trouxe a consolidação da igualdade parental entre os genitores com a efetiva corresponsabilização dos pais, como também o tempo igualitário de convivência com os filhos e, ainda, a utilização desse modelo de guarda legal mesmo nas hipóteses de divergências e litígio entre as partes. Com a nova guarda compartilhada em nosso ordenamento jurídico como modelo legal vigente, todas as questões referentes aos filhos deverão necessariamente ser resolvidas por ambos os genitores, deixando, assim, de existir por parte de um dos genitores o exercício de “posse” sobre o filho e a possiblidade de limitação no exercício do poder familiar, que é inerente de ambos os pais. Expurgou-se, definitivamente, o modelo tradicional de guarda, em que a atribuição da guarda dava-se a apenas a um dos genitores, propiciando sobremaneira o abuso no exercício da parentalidade, principalmente por parte das mães que se utilizavam dos filhos como moeda de troca, além de usá-los em muitas situações como marionetes a fim de atingir seus ex-companheiros, pais de seus filhos. A nova lei da guarda compartilhada constituiu uma inovação importante e significativa para o Direito de Família brasileiro, uma vez que trouxe em seu conteúdo a ideia de que compartilhar a guarda de um filho é garantir que ele tenha pais igualmente engajados e comprometidos na sua criação e no atendimento aos deveres ínsitos do poder familiar. Ao inseri-la, dessa maneira, no ordenamento jurídico, o legislador civil reafirmou o direito dos genitores de obterem todas as informações ligadas à saúde física e psicológica da prole, além das questões sobre o desenvolvimento educacional. Dessa forma, não será mais permitida a omissão de informações de qualquer natureza por parte dos estabelecimentos públicos e privados, sob pena de multa, devendo ser prestadas a ambos os genitores, que exercerão de forma isonômica a autoridade parental sobre os filhos. É certo que, com essa alteração legislativa, a guarda uniparental ou unilateral tornou-se exceção, só se justificando em situação de inaptidão de um dos genitores para o exercício do poder familiar, ou se um deles não desejar. Buscou-se, com essa alteração legislativa, um modelo de exercício de guarda que enseja a menor alteração possível na relação paterno-filial e materno-filial, propiciando melhor desenvolvimento psicológico e maior estabilidade emocional para o menor, que não sentirá da mesma forma intensa, como no modelo anterior, a perda de referência de seu pai ou de sua mãe, bem como da própria estrutura familiar. Com esse tipo de guarda, reduzem-se as dificuldades que as crianças normalmente enfrentam na adequação à nova rotina e aos novos relacionamentos após a separação de seus genitores, haja vista que conviverão igualitariamente com seus pais. Com a guarda compartilhada, manter-se-á, mesmo que impositivamente, o casal parental, ou seja, será conservado o contato da prole com os seus dois genitores: pai e mãe dividirão isonomicamente o mesmo tempo e a mesma responsabilidade legal em relação aos filhos, compartilhando as obrigações e resolvendo conjuntamente todas as questões importantes da vida do infante, tais como a escolha da escola que o menor iniciará e permanecerá até o fim de seus estudos, as atividades extracurriculares (judô, ballet, línguas estrangeiras, natação etc.), as decisões relativas à saúde, além de outras questões importantes e fundamentais para o bom desenvolvimento da criança. Esse rol de incumbências deixa de ser uma obrigação unilateral (genitor guardião), passando a ser dever de ambos os genitores, que participarão de forma intensa e efetiva da vida de seus filhos. Pesquisas realizadas no mundo inteiro comprovam que, com a utilização desse tipo de guarda, o sentimento de abandono ou de perda é menor, reduzindo-se as dificuldades que as crianças normalmente enfrentam em se adaptar às novas rotinas diárias e com a realidade de ter pais separados. Essa, na verdade, é a precípua finalidade da guarda compartilhada, ou seja, diminuir a dor e minimizar possíveis traumas. Contudo, apesar de defender a guarda conjunta e acreditar que a mesma é a ideal e mais benéfica para a criança, não compartilho integralmente com o novo texto de lei quando estabelece que ela poderá ser aplicada mesmo diante de litígio entre os pais. Data maxima venia, acredito que tal posição contraria o interesse do menor, garantido constitucionalmente. A guarda compartilhada só trará benefícios e menor sofrimento às crianças quando for possível a relação ao menos cordial entre os pais. Os pais não precisam ser amigos, no entanto, é descabido, a meu ver, pensar em efetivo exercício da guarda compartilhada numa relação de litígio, sentimento de ódio e beligerância entre os genitores, em que as crianças serão obrigadas a conviver diuturnamente com brigas e conflitos de naturezas diversas. Entendo que tal situação não trará consequências positivas, benéficas nem tampouco estabilidade emocional aos menores, desnaturando o verdadeiro sentido da guarda compartilhada. A guarda conjunta é a ideal; no entanto, em alguns casos, necessita de um tempo para ser efetivamente implementada e clama, ainda, por uma ajuda multidisciplinar em que profissionais gabaritados e especializados poderão auxiliar na maturação dos sentimentos variados envolvidos na relação, trabalhando-os e transformando-os. Nesses casos de extremo litígio, após a intervenção dessa equipe multidisciplinar, e com o tempo necessário, é certo que a compartilhada poderá e deverá ser utilizada, fazendo com que sua 1 2 finalidade primordial seja alcançada, possibilitando aos genitores que não mais convivem com os seus filhos que mantenham os vínculos afetivos estreitos e sempre latentes, mesmo após a ruptura da relação conjugal Busca-se, assim, a continuidade dos laços emocionais e afetivos que sempre existiram desde o nascimento e que uniam pais e filhos anteriormente ao desenlace conjugal. Com relação ainda à questão do relacionamento ao menos cordial entre os pais, manifesto-me novamente no sentido de que talvez, num primeiro momento, logo quando da separação, a adoção da guarda compartilhada plena não seja possível pelos próprios problemas e ressentimentos provenientes da separação conjugal. No entanto, em momento posterior, quando os ânimos já estiveremabrandados e menos aflorados é certo que a adoção da guarda conjunta será a melhor alternativa para o ex-casal, e principalmente para o menor, que será privilegiado com a presença marcante, em sua vida, tanto da figura materna como da figura paterna, mantendo acesos e latentes no coração e na vida da criança e da família os laços de amor e carinho. É certo, então, que para o casal adotar esse tipo de guarda e exercê-la de forma perfeita e satisfatória, como a lei almeja, em prol dos filhos menores, e em consonância com sua real e verdadeira essência, entendo ser imprescindível que os pais guardem entre si uma relação amistosa e/ou cordial, pelo menos com relação à filiação; caso contrário, sua aplicação poderá ser prejudicial à vida e à formação do menor, que sofrerá mais intensamente com os conflitos diários dos pais. Se toda criança tem o direito de conviver com ambos os genitores, direito esse estabelecido em convenções nacionais e internacionais,1 da mesma forma tem o direito de viver em ambiente tranquilo, sem stress, conflitos, medo e insegurança e incertezas. Concluímos que a premissa sobre a qual se constrói a guarda compartilhada é a de que o desentendimento entre os pais não pode atingir o relacionamento destes com os filhos, sendo sadio para estes que sejam educados por ambos os pais e não só por um deles, conforme ocorre em milhares de relações familiares.2 Na guarda compartilhada deve inexistir disputa entre os genitores que, de forma equilibrada, deverão viver em sua plenitude a relação com seus filhos. Se existir entre os ex-cônjuges discernimento suficiente e capacidade de separar a relação conjugal frustrada da relação parental eterna, a adoção da guarda compartilhada será, sem sombra de dúvida, a fórmula ideal para os dias de hoje, fazendo o AMOR e o AFETO binômio marcante do exercício da guarda. Denise Duarte Bruno. Disponível em: <www.pailegal.net>. Acesso em: 29 jul. 2008. Ana Carolina Silveira Akel, Guarda compartilhada – Um Avanço Para a Família. São Paulo: Atlas, 2008, p. 104. http://www.pailegal.net 1. 3 PODER FAMILIAR E GUARDA: UM CAMINHO ASSERTIVO PARA A DEVIDA APLICAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA CESAR CALO PEGHINI Sumário: 1. Introdução: 1.1. Deveres atinentes ao poder familiar – patrimonial e extrapatrimonial; 1.2. Extinção, suspensão ou perda do poder familiar – 2. Guarda: 2.1. Guarda e a dissolução da sociedade conjugal; 2.2. Questões polêmicas da guarda compartilhada – Referências. INTRODUÇÃO O poder familiar é a derivação do parentesco, bem como do instituto da filiação. Deve ser analisado em um contexto geral, sem distinção da origem da filiação. Deve ser registrado ainda, que é um grande desafio estudar o poder familiar, pois sua regulamentação gira em torno de um complexo legislativo, dentre os quais pode ser citado a Constituição Federal, o Código Civil o Código de Defesa do Consumidor, a Consolidação das Leis do Trabalho e Estatuto da Criança e Adolescente. Diante do exposto, é fundamental utilizar-se da Teoria do Diálogo das Fontes1, aplicando todas as normas em complementação, sempre objetivando a proteção integral da criança e do adolescente. Os defensores do ECA utilizam o termo proteção integral, já os autores de direito internacional usam a expressão “Best interest of child” (Convenção de Haia de Proteção dos Direitos da Criança)2. Maria Helena Diniz3 pondera de forma assertiva que o referido princípio: “permite o integral desenvolvimento de sua personalidade e é diretriz solucionadora de questões conflitivas advindas da separação judicial ou divórcio dos genitores, relativas à guarda, direito de visitas e etc.” Dentro do conceito da operabilidade4, os arts. 1.630 a 1.638 do CC disciplinam as relações pessoais de poder familiar, enquanto os arts. 1.689 a 1.693 do CC cuidam das relações patrimoniais. Em continuidade, apesar de ter sido alterada a nomenclatura do pátrio poder, o conteúdo dos dispositivos manteve-se o mesmo, ou seja, é o poder exercido pelos pais em relação aos filhos dentro da ideia democrática de colaboração, baseada, sobretudo, no afeto5. Mas não se engane, pois a concepção da nomenclatura altera o espírito da mesma. Tal justificativa tem como fundamento os direitos decorrentes do pátrio poder romano. No referido caso – poder familiar no direito romano – o chefe familiar podia transacionar os 1.1. filhos, entregando-os para pagamento de dívida, a fim de mitigar danos decorrentes de responsabilidade civil e até mesmo abandoná--los, nos casos de eugenia6. A terminologia “pátrio poder” foi superada, pois a essência teleológica é o binômio – proteção do filho e responsabilidade dos pais –, ou seja, traz a ideia da representação legal envolvendo a proteção da prole. A regulamentação tem início no art. 1.630, que dispõe: “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. São os seguintes elementos basilares que podem ser extraídos: a) Conceito: é o dever-poder (nessa ordem) dos pais de desenvolverem todas as faculdades do filho. b) Natureza jurídica: é um dever antes de ser poder. Prevalece a ideia da responsabilidade segundo um binômio de exercício regular e desenvolvimento integral. c) Titularidade: a ideia que prevalece, atualmente, é a de exercício conjunto, em substituição ao exercício subsidiário pela mulher (Estatuto da Mulher Casada), tanto no casamento, quanto na união estável. Para Fábio Ulhoa Coelho7: O poder familiar é titulado pelo pai e pela mãe, em conjunto, e a ele se submete o filho, enquanto for menor. Trata-se de poder indelegável – exceto parcialmente entre os que titulam – que a lei concede aos pais para que possam dispor de instrumentos para adequado cumprimento de sua importância tarefa de preparar o filho para a vida. Deveres atinentes ao poder familiar – patrimonial e extrapatrimonial Com base constitucional no art. 229, bem como no Estatuto da Criança e Adolescente, há um amplo dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Registra-se que tudo deve sempre ser analisado tanto sobre o aspecto extrapatrimonial como patrimonial. Pois bem, por uma questão didática e de importância, inicia-se o estudo pelos dispositivos atinentes às relações pessoais. Primeiramente temos o art. 1631, do CC, que retoma a ideia de solidariedade, pertencendo o poder familiar a ambos os pais, e na falta de um deles, tal poder será exercido exclusivamente. O mais interessante é o parágrafo único que judicializa o desacordo existente entre os pais. Vale o registro do dispositivo: Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo. Tudo leva a crer que referido instituto está na contramão dos princípios processuais, mas indico que também é acesso à justiça a mediação, que será uma ferramenta fundamental para solucionar essas lides, especialmente após o advento da Lei nº 13.140/158. Em continuidade, tem-se um dos artigos mais importantes de toda a disciplina do poder familiar (art. 1.632 do CC), que regula duas coisas fundamentais. Em um primeiro momento, verifica-se a questão do direito à convivência familiar, o que sustenta a ideia da responsabilidade civil por abandono afetivo. Já em um segundo momento, não pode ser deixada de lado a questão da regulamentação do direito de visitas ou companhia na hipótese de guarda unilateral. Referido ponto é sensível na dissolução da sociedade conjugal, e deve ser aplicado sempre em benefício da criança e do adolescente. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais já se manifestou: APELAÇÃO CÍVEL – FAMÍLIA – AÇÃO DE GUARDA – PRINCÍPIOS DO MELHOR INTERESSE DO MENOR E DA PROTEÇÃO INTEGRAL – GUARDA EXERCIDA PELO GENITOR E AVÓS PATERNOS – PROVAS DO BOM RELACIONAMENTO COM OS MENORES – SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA PELO TEMPO – AUSÊNCIA DE PROVAS DE MELHORES CONDIÇÕES DA GENITORA – RECURSO DESPROVIDO.– Nas ações que envolvam a discussão sobre a guarda de menor, deve sempre ser levado em consideração, e de forma prioritária, o melhor interesse do infante para a sua perfeita formação. – A guarda dos menores exercida pelo genitor e avós paternos, consolidada pelo tempo, somente deve ser modificada, unilateralmente, em condição excepcional, isto é, quando devidamente demonstrada alteração na situação financeira, social e/ou psicológica dos guardiões, que comprometam de forma objetiva o melhor interesse desses menores e venham a afetar seu adequado desenvolvimento. (TJ-MG – AC 10525120024233001 – MG, Rel. Versiani Penna, j. 29.05.2014, Câmaras Cíveis/5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09.06.2014) Por fim, porém não menos importante, temos o art. 1634 do CC, que foi alterado pela Lei nº 13.058, de 2014, estabelecendo os seguintes deveres para os pais: I – dirigir-lhes a criação e a educação; II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. Conforme muito bem aponta a doutrina9, não obstante o poder familiar seja indelegável, irrenunciável e imprescritível, portanto, personalíssimo, pode ser dividido didaticamente em: a) tutela de criação: tem forte relação com o ECA, em especial os institutos da convivência familiar e comunitária (art. 1634, I e II do CC); b) tutela de representação: tem forte relação com os atos da vida civil, sem o que os mesmos podem ser nulos ou anulados (art. 1634, III até VII do CC); c) tutela de proteção: tem forte relação com exercício regular e desenvolvimento integral (art. 1634, VIII e IX do CC). Esse último desdobramento é um dos mais abrangentes, pois pode ser objeto de questionamento e embates em situações como: regulamentação e retenção indevida de guarda, sequestro e rapto de incapaz, abandono ou maus-tratos por instituições de ensino10. Em continuidade, o inciso IX do art. 1634 do CC, também é emblemático, pois é usado como fundamento para o cometimento das maiores atrocidades contra crianças e adolescentes. De fato, os pais têm poder e gerência para forjar o caráter da criança, mas já foi a época de castigos físicos, seja na residência ou nas escolas. Fatos esses que custam a acabar...11-12 Mas não é só, casos de maus-tratos, exploração econômica e física, entre outras atividades, ocorrem de forma reiterada, basta acompanhar os telejornais ou notícias na rede mundial de computadores. Não é o objetivo do presente trabalho – pois a questão é antropológica e sociológica –, mas são vários os fundamentos para que esse tipo de violência ou abuso do poder familiar se mantenha. Podem ser citados, entre outros fenômenos, a baixa renda familiar, baixos níveis de escolaridade e transtornos psicológicos dos pais. A violência ainda ocorre, não obstante as várias normas que protegem as crianças e adolescentes. Como exemplo, deve ser registrado o art. 403 da CLT, que proíbe o trabalho dos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz aos 14 anos de idade, vedado o trabalho noturno. Nesse contexto, surge a Lei nº 13.010/14, que altera a Lei nº 8.069/90, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, ou seja, a conhecida lei da palmada. Ensina Flávio Tartuce13 que referidos deveres legais são limitativos e podem incorrer em responsabilidade civil, por abuso de direito pelo sistema de cláusula geral prevista no art. 187 do 1.2. CC, que vale a transcrição: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Superada a questão anterior, pode-se enfrentar a tutela patrimonial dos bens dos filhos, se menores. Nesse sentido, a regulamentação se encontra prevista no art. 1.689, do CC: Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar: I – são usufrutuários dos bens dos filhos; II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade. Como se vê, a regulamentação inicial se divide em duas frentes. Inicialmente o usufruto legal (art. 1.689, I, do CC), assim como o direito de representação previsto na parte geral do Código Civil, dispensa o registro, pois a publicidade está no próprio exercício. Registra-se, ainda, que enquanto usufrutuários dos bens dos filhos, os pais podem atuar em nome próprio, são dispensados de prestar contas ou até mesmo de apresentar caução. A segunda parte do dispositivo tem relação com a administração dos bens (art. 1.689, II do CC), que é exercida em nome alheio. Referente à administração, prevê ainda o art. 1.690, do CC, o poder dos pais representá-los ou assisti-los, não podendo alienar ou gravar de ônus reais os bens sem autorização judicial (art. 1.691, do CC). Por fim, o legislador arrola quais são os bens excluídos do usufruto ou administração: Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais: I – os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento; II – os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos; III – os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais; IV – os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão. Extinção, suspensão ou perda do poder familiar Conforme o art. 1.635 do CC são as seguintes hipóteses de extinção do poder familiar: I – pela morte dos pais ou do filho; II – pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III – pela maioridade; IV – pela adoção; V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638. Todavia, deve ser registrado, uma vez o pai ou a mãe contraindo novas núpcias, ou estabelecendo uma nova união estável, não perdem, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro (art. 1.636, do CC). O inciso V refere-se à perda do poder familiar, sempre por decisão judicial que, ao lado das demais modalidades, também é uma forma de extinção. A perda do poder familiar é uma espécie de sanção pelo exercício indevido do direito, e sua aplicação deve ser realizada em ultima ratio. São as seguintes as hipóteses de perda efetiva previstas no art. 1.638 do CC: I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. Conforme pode ser extraído dos incisos, estamos diante de várias cláusulas gerais14, como castigo imoderado ou práticas de atos contrários à moral e aos bons costumes. O juiz terá que analisar o caso concreto e verificar a hipótese de incidência dos dispositivos. Anota-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: APELAÇÃO CÍVEL. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E ADOÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO POR EDITAL. INOCORRÊNCIA, PRELIMINAR REJEITADA. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DO MENOR. PERDA DO PODER FAMILIAR DEVIDO A MAUS-TRATOS. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. É válida a citação realizada por edital, tendo sido envidados todos os esforços possíveis para localização do demandado, residente emendereço desconhecido para o autor. Não há cogitar cerceamento de sua defesa, considerando que lhe foi devidamente nomeada curadora especial, atuante no feito. 2. Diante das inúmeras avaliações psicológicas, sociais e pareceres concluindo pela ausência de condições adequadas dos genitores para um desenvolvimento saudável da criança, necessária a manutenção da sentença. Apelo desprovido (Apelação Cível 70054520929, 7ª Câmara Cível, TJ-RS, Rel. Sandra Brisolara Medeiros, j. 29.01.2014, DJ 03.02.2014). A perda, conforme já alertado anteriormente, constitui sempre medida excepcional. Assim, preferencialmente, o Juiz deve se valer das hipóteses de suspensão, previstas no artigo 1.637, do CC, que possuem caráter temporário – para perdurar enquanto se fizer necessária: a) abuso 2. do poder familiar (art. 1.637, CC) e b) sentença penal condenatória superior a dois anos. Várias são as situações que podem ser extraídas da jurisprudência. Como exemplo, a mãe que não tem condições para exercer o poder familiar15, dados concretos apontando exposição das filhas à pornografia, uso de drogas, falta de alimentação16 e notícia de abuso sexual perpetuados contra a enteada17. Destarte, ventila Rolf Madaleno18: Os motivos geradores da intervenção judicial para a adoção de posições processuais de salvaguarda dos interesses dos menores não se limitam às hipóteses elencadas no caput do artigo 1.637 do Código Civil, de abuso de autoridade; de falta aos deveres paternos em que negligenciam ou se omitam ao regular cumprimento de suas atribuições, ou pertinente à ruína ou dilapidação dos bens dos filhos; existindo na casuística jurisprudencial um sem-número de situações fáticas com risco de exposição à vida, à saúde, ao lazer, à profissionalização, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária dos filhos, assim como fatos capazes de submetê-los a atos de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, abalando, fundo, direitos fundamentais dos menores, postos sob a proteção familiar. Por derradeiro, a falta de recursos19 não dá causa à suspensão, muito menos à perda do poder familiar, desde que viabilizada a prática da função parental em sadio ambiente de vida. GUARDA Conforme pode ser extraído da legislação em vigor, a guarda é um desdobramento do poder familiar e traduz um conjunto de obrigações e direitos em face da criança ou adolescente, de assistência material e moral. Historicamente, o direito de guarda não era regulamentado pela Codificação de 1916, que se limitava a identificá-lo como mero desdobramento do poder familiar. O Código Civil de 2002, em sua redação original, abordava o tema nos arts. 1.611 e 1.612, e 1.583 até 1.589. Prosseguindo, a Lei nº 11.698/08, por sua vez, alterou esses últimos artigos, passando a admitir a guarda compartilhada que, posteriormente, sofreu sensíveis alterações promovidas pela Lei nº 13.058/1420. Antes de aprofundar o instituto da guarda, faz-se fundamental indicar quais princípios norteiam o instituto21. a) Princípio da Autonomia: a guarda não é mais vinculada somente ao poder, mas decorre deste. Assim, tem-se uma forma autônoma de proteção, ainda que transitória. Tal justificativa tem como fundamento que tanto a guarda de fato (art. 33 do ECA) como a de direito devem zelar pela dignidade da criança. 2.1. b) Princípio da inalterabilidade da relação pai e filho: a relação é própria e direta, independentemente de estar casado, solteiro etc. (art. 226, § 4º, da CF). c) Princípio da continuidade da relação (art. 1.591, CC): o vínculo de parentesco é contínuo, ou seja, a maioridade não extingue a obrigação alimentar; só muda a presunção de necessidade de alimentos. Guarda e a dissolução da sociedade conjugal Entramos em um dos pontos mais sensíveis do tema, ou seja, a devida aplicação da guarda quando da dissolução da sociedade conjugal. Inicialmente, o art. 9° da Lei nº 6.515/77, estabelecia que no caso de separação consensual os pais acordavam com quem ficaria a guarda dos filhos. Já o art. 10 da referida lei, dispunha que no caso de separação judicial culposa, o filho ficaria com quem não é culpado e, se ambos fossem culpados, ficaria com a mãe, e em casos extremos, poderia ser colocado em poder de pessoa idônea da família dos cônjuges. Como é sabido, a questão da culpa na dissolução da sociedade conjugal foi superada, bem como não é possível a regulamentação de guarda no divórcio extrajudicial. Em continuidade, a redação original dos arts. 1.583 e 1.584, do CC, estabeleciam que a guarda pudesse ser consensual, bem como, no caso de litígio, a criança seria alocada onde houvesse melhores condições. Referida situação já estava formatada nos termos do disposto na Constituição Federal e doutrina da proteção integral. Já com a redação atual, ou seja, com as alterações da Lei nº 13.058/14, temos relevantes mudanças. Contudo, antes de verificar as alterações, faz-se fundamental entender quais são as modalidades de guarda existentes. São as seguintes: a) Guarda unilateral: sempre foi mais utilizada no Brasil. De forma muito simples, trata daquela atribuída a um só dos genitores, ou seja, é a guarda exclusiva do pai ou da mãe, cabendo ao outro o direito de visitas. A doutrina atual registra que não há primazia da mulher, dado o princípio constitucional da isonomia e da igualdade. b) Guarda bilateral ou guarda conjunta ou guarda compartilhada: modalidade de guarda bilateral, não existe exclusividade. A mesma será exercida simultaneamente pelo pai ou pela mãe. Há uma corresponsabilidade bilateral do pai e da mãe22. Registra-se que mesmo antes da Lei nº 11.698/08, que a regulou, já era possível sua aplicação. Deve ser anotado que as duas modalidades anteriores estão descritas na lei, todavia, cumpre registrar que o rol de guardas não é taxativo, e sim exemplificativo; assim, temos outras modalidades. c) Guarda alternada: é variação da guarda unilateral. No referido caso, o pai ou a mãe alternam períodos de guarda exclusiva. Tal situação não deve ser confundida com a compartilhada. O exemplo dado pela doutrina é que de janeiro a julho, o filho fica com a mãe e o pai tem direito de visitas. Nos outros meses, ou seja, de agosto a dezembro, ocorre o contrário: o filho fica com o pai e a mãe tem direito de visitas23. d) Guarda de Nidação ou aninhamento: é a menos utilizada. A criança fica no mesmo domicílio, de maneira que os pais alternam períodos de convivência. A vantagem é que a criança não fica mudando de residência. Como exemplo de janeiro a julho, a mãe mora na residência da criança, e o pai tem direito de visitas, nos outros meses, de agosto a dezembro, ocorre o contrário. Feito isso, pode-se verificar – ainda que de forma superficial – as recentes alterações da Lei nº 13.058/14. Inicialmente temos o art. 1.584 do CC, dispondo sobre as duas modalidades de guarda, ou seja, a guarda, unilateral ou compartilhada. Com um tom bastante didático, o legislador conceitua as modalidades de guarda da seguinte forma: Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. As mesmas poderão ser requeridas pelo pai e pela mãe, ou por qualquer um dos dois, ou ainda, decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. Nos termos do apresentado, temos duas formas de instituição das guardas. Prosseguindo, na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. Referido momento é um dos mais sensíveis, pois é fundamental identificar como a guarda se processará, pois muitas vezes as partes nãoentendem como se processará a guarda. As novidades mais relevantes são as seguintes: a) Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos (art. 1.583, § 3°, do CC). 2.2. Referida alteração está em foco na doutrina, pois leva a crer que estamos diante da guarda de nidação. b) A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (art. 1.583, § 5º, do CC). Dada alteração, parece ser um pleito antigo das pessoas que somente tinham o direito de visitas, que não tinham no passado um instrumento hábil para requerer a legítima informação dos gastos atinentes aos alimentos prestados. Referida inovação é complementada pelo art. 1.584, § 6º, do CC, que obriga a qualquer estabelecimento público ou privado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos, sob pena de multa. c) Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (art. 1.584, § 2º. do CC). Essa talvez seja a alteração mais relevante ocorrida em 2014, pois a guarda compartilhada torna-se obrigatória, e sua não aplicação uma sanção ao genitor que não deseja sua implementação. d) Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. Lembra Flávio Tartuce24 que referido dispositivo, para ter efetividade plena, deve ser implementado por meio da mediação familiar, nesse sentido: Enunciado 335 do CJF: “ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação de equipe interdisciplinar”. Questões polêmicas da guarda compartilhada Primeira delas é se existe a necessidade de acordo entre os cônjuges . Presente questão não é pacifica na doutrina, pois aponta Rolf Madaleno25 que teríamos mais complicações de convivência quando essa for obrigatória. Não obstante, as recentes reformas do Código Civil, acordes com o Superior Tribunal de Justiça26, indicam que não há necessidade de consenso, pois a guarda compartilhada configura uma nítida ferramenta de aproximação. Atinente à presente temática, Flávio Tartuce27 pondera que o caminho ideal seria a implementação dessa modalidade de guarda, com a utilização da mediação. Em continuidade, outro ponto polêmico são os alimentos. Deve ser registrado que, nessa modalidade de guarda, o que se compartilha é a convivência e não as despesas . Muitos pais não compreendem essa regra, pois muitas vezes há o interesse de implementação da guarda compartilhada para se exonerar do pagamento dos alimentos. Por fim, porém não menos importante, não pode existir na guarda compartilhada a regulamentação de direito de visita. Nesse sentido, anote-se o seguinte julgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ACORDO JUDICIAL. GUARDA COMPARTILHADA. VIABILIDADE DA FIXAÇÃO DE ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE PREVISÃO DE TERMO FINAL PARA A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS EM FAVOR DA PROLE. DIREITO PERSONALÍSSIMO E IRRENUNCIÁVEL RELATIVAMENTE AOS ALIMENTOS PRESENTES E FUTUROS. DESNECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DAS VISITAS. PRECEDENTE. DECISÃO POR ATO DA RELATORA. ART. 557 DO CPC). AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO (Agravo de Instrumento 70057217150, 7ª Câmara Cível, TJ-RS, Rel. Sandra Brisolara Medeiros, j. 29.10.2013, DJ 31.10.2013). Outrossim, seria melhor denominar a guarda compartilhada de poder familiar compartido ou cuidados pessoais compartidos, vez que embora resida o filho na casa de um de seus pais, ambos, compartem decisões e se distribuem de modo equitativo nas tarefas atinentes aos cuidados dos filhos28. Sendo assim, diante de todo o exposto, entende-se que instituto da guarda compartilhada sofre a interferência de várias fontes normativas, entre elas a Constituição Federal, o Código Civil o Código de Defesa do Consumidor, a Consolidação das Leis do Trabalho e Estatuto da Criança e Adolescente. Enfim, cumpre registrar que a guarda, seja qual for a modalidade, deve ser aplicada nos termos ou ditames do princípio da proteção integral da criança e do adolescente. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JUNIOR, Walsir Edson Rodrigues. Direito Civil: Famílias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2013. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: Direito de Família e Sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6. ed. São Paulo: RT, 2010. DINIZ, Maria 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. FARIAS, C.; ROSENVALD, N. Direito das Famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro : Direito de Família 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. HIRONAKA, G. M. F. N. Direito Civil. Direito de Família. São Paulo: RT. LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Direito de Família e sucessões. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. LÔBO, Paulo. Famílias. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Código de Defesa ao Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Da União Estável. In: ANAIS DO III CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA – Família e Cidadania – O Novo CCB e a Vacatio Legis , Belo Horizonte, União OAB/MG – Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, 2000. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Método, 2014. VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Direito de Família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Código de Defesa ao Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 30. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 22. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 37. A operabilidade segundo Miguel Reale tem como finalidade o sistema de facilitação e compreensão da norma. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/artchave.htm>. Acesso em: 15.01.2014. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 437. Eugenia Negativa na Alemanha. A eugenia pode ser dividida em: eugenia positiva, que busca o aprimoramento da raça humana mediante seleção individual por meio de casamentos convenientes, para se produzir indivíduos “melhores” geneticamente; e eugenia negativa, que prega que a melhoria da raça só pode acontecer eliminando-se os indivíduos geneticamente “inferiores” ou impedindo- os que se reproduzam. Tendo a eugenia positiva se mostrado impraticável, a maioria dos eugenistas ao redor do mundo acabou por adotar a eugenia negativa. Disponível em: <http://www.montfort.org.br/old/index.php? secao=veritas&subsecao=ciencia&artigo=eugenia_ciencia_nazista&lang=bra>. Acesso em: 26.01.2015. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: Direito de Família e Sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva,2011, p. 203. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: Direito de Família e Sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 200; TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 437; MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família . http://www.miguelreale.com.br/artigos/artchave.htm http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=veritas&subsecao=ciencia&artigo=eugenia_ciencia_nazista&lang=bra 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 680. Rolf Madaleno, em seu livro, lembra-se de um dos casos mais emblemáticos de retenção indevida, o conhecido caso do menino Iruan, do estado do Rio Grande do Sul. Dispo- nível em: <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/01/rapaz-que-ha-10-anos-foi-- disputado-entre-duas-familias-e-adotado-por-3.html>. Acesso em: 15.01.2015. “APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS-TRATOS CONTRA CRIANÇA, PRATICADO PELO PADRASTO. RECURSO DEFENSIVO PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. TESE RECHAÇADA. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS NO PROCESSADO, MÁXIME PELAS DECLARAÇÕES DO MENOR REPORTADAS A TESTEMUNHAS E PELAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DA AÇÃO CRIMINOSA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECLAMO MINISTERIAL POSTULANDO A RECLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE TORTURA. INADMISSIBILIDADE. DOLO DE CAUSAR SOFRIMENTO INTENSO NÃO DEMONSTRADO. CONDUTA QUE MELHOR SE AMOLDA AO TIPO DESCRITO NO ART. 136 DO CÓDIGO PENAL. APELOS NÃO PROVIDOS. Ocorrem maus-tratos e não tortura quando a vontade do agente é apenas corrigir e disciplinar a vítima e não provocar intenso e angustiante sofrimento. Caracteriza a tortura, a vontade livre e consciente de castigar, visando o tormento, a dor, o padecimento para obter um fim imoral ou ilícito. Nos maus-tratos o fim não é o castigo, muito menos o padecimento ou qualquer objetivo imoral, é, apenas, a correção, a educação, praticados com excesso” (TJ-SC – APR 51901 – SC 2009.005190-1, Rel. Tulio Pinheiro, j. 22.06.2009, 2ª Câmara Criminal). “APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS-TRATOS CONTRA CRIANÇA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. ALEGAÇÃO DE QUE A APELANTE AGIU NO INTUITO DE EDUCAR. EXCESSO EVIDENCIADO NAS PROVAS DOS AUTOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO” (TJ-SC, Rel. Newton Varella Júnior, j. 08.09.2011, 1ª Câmara Criminal). TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Método, 2014, p. 439. Sobre o sistema de cláusulas gerais, verifique os estudos de Miguel Reale. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/artchave.htm>. Acesso em: 15.01.2014. TJ-RS – AI 70059290072 – RS, Rel. Rui Portanova, j. 05.06.2014, 8ª Câmara Cível, DJ 10.06.2014. TJ-RS – AI 70061379541 – RS, Rel. Rui Portanova, j 30.10.2014, 8ª Câmara Cível, DJ 04.11.2014. TJ-RS – AI 70058769449 – RS, Rel. Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. 05.03.2014, 7ª Câmara Cível, DJ 07.03.2014. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 695. Art. 23, do ECA. “A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar”. Art. 1.583, do CC. “A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. § 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos. I – (revogado); II – (revogado); III – (revogado). § 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos. § 4º (VETADO). § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”. VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Direito de Família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 296. “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE. 1. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/01/rapaz-que-ha-10-anos-foi--disputado-entre-duas-familias-e-adotado-por-3.html http://www.miguelreale.com.br/artigos/artchave.htm 23 24 25 26 27 28 da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 2. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. 3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 4. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole. 5. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta. 6. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta – sempre que possível – como sua efetiva expressão. 7. Recurso especial provido” (STJ – REsp 1428596 – RS 2013/0376172-9, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.06.2014, T3 – 3ª Turma, DJe 25.06.2014). “APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE VISITA – PEDIDO DE “GUARDA ALTERNADA” – INCOVENIÊNCIA – PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DAS CRIANÇAS – GUARDA COMPARTILHADA – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE HARMONIA E RESPEITO ENTRE OS PAIS – ALIMENTOS – FIXAÇÃO – PROPORCIONALIDADE – CAPACIDADE DO ALIMENTANTE E NECESSIDADE DO ALIMENTADO. A guarda em que os pais alternam períodos exclusivos de poder parental sobre o filho, por tempo preestabelecido, mediante, inclusive, revezamento de lares, sem qualquer cooperação ou corresponsabilidade, consiste, em verdade, em ‘guarda alternada’, indesejável e inconveniente, à luz do Princípio do Melhor Interesse da Criança. A guarda compartilhada é a medida mais adequada para proteger os interesses da menor somente nas hipóteses em que os pais apresentam boa convivência, marcada por harmonia e respeito. Para a fixação de alimentos, o Magistrado deve avaliar os requisitos estabelecidos pela lei, considerando-se a proporcionalidade entre a necessidade do alimentando e a possibilidade de pagamento pelo requerido a fim de estabilizar as microrrelações sociais” (TJ-MG – AC 10056092087396002 – MG, Rel. Fernando Caldeira Brant, j. 19.12.2013, Câmaras Cíveis/5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 09.01.2014). TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. Método. São Paulo. 2014. p. 595. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro:Forense, 2013. p. 438. REsp 1251000 – MG. Min. Nancy Andrighi (1118). T3 – 3ª Turma, 23.08.2011. DJe 31.08.2011. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 596. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 441. 4 OS AVÓS, A GUARDA COMPARTILHADA E A MENS LEGIS1 EZEQUIEL MORAIS Sumário: Introdução – 1. Esboço histórico-conceitual e modalidades de guarda – 2. Alterações da “guarda compartilhada” trazidas pela Lei n.º 13.058/2014 – 3. Guarda compartilhada entre o genitor supérstite e os avós: direito dos netos – 4. A recente jurisprudência – 5. Reflexos do CPC/2015 na guarda compartilhada – 6. direito estrangeiro – breve incursão: 6.1. A experiência do direito italiano: uma amostragem – Considerações finais – Referências. INTRODUÇÃO “Diante desse quadro, questiono-me mais em relação à situação da menor nos dias atuais. Tenho muito receio de que se faça uma experiência com a menor para saber se dará certo ou não o seu convívio com a mãe, sobretudo deixando um lar onde está sendo bem formada, bem cuidada. Ante a incerteza da situação que viverá e aquela que está vivendo e, mais, considerando que, ao longo de oito anos, essa menor vem encontrando a felicidade no lar dos seus avós, não me sinto confortável em retirá-la apenas porque há um direito natural da mãe a ter consigo a filha” – Sálvio de Figueiredo Teixeira.2 Inicia-se o presente estudo com a mesma preocupação - e ainda tão contemporânea - exposta por Sálvio de Figueiredo já no primeiro ano de vigência do novo Código Civil, com a esperança de que a aplicação da lei seja mais sensível à realidade e às suas peculiaridades. Nessas últimas três décadas, a doutrina e a jurisprudência têm destinado incomensuráveis esforços no sentido de resguardar, sempre, o interesse do menor nos conflitos inerentes à família. As leis trilharam caminho similar. Sem dúvida, para acompanhar as profundas mudanças na sociedade, a nossa legislação passou por considerável avanço e rompeu, diversas vezes, paradigmas do passado; foi o que aconteceu a partir do advento da Lei do Divórcio (6.515/1977), da Constituição Federal de 1988,3 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), dos procedimentos extrajudiciais de divórcio (Lei 11.441/2007), da instituição da guarda compartilhada (Leis 11.698/2008 e 13.058/2014 – que alteraram os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil) e, agora, com novos procedimentos nas ações de família (Lei 13.105/2015 – CPC). Além disso, provável e brevemente, o Estatuto das Famílias4 constituir-se-á também em outro marco importante no direito pátrio. Contudo, não obstante o progresso legislativo, ressaltamos que a função interpretativa se mostra imprescindível para acompanhar os movimentos sociais e aclarar a verdadeira razão da lei, visando aplicá-la de maneira mais adequada nos diversos e complexos casos. Acima de tudo, urge deixar de lado concepções e dogmas arcaicos que não coadunam com o contexto atual e com os ideais de justiça dos povos contemporâneos. Logo, conforme o paradigma do presente [modelado pelos direitos sociais e pelo princípio da dignidade da pessoa humana], a mens legis e a mens legislatoris,5 no fértil campo do Direito de Família, devem ser examinadas sob o enfoque constitucional e consoante as cláusulas gerais.6 E é exatamente a conjunção dos fatores mencionados no parágrafo acima que levou o legislador a aprovar, em 2008, norma instituidora da Guarda Compartilhada (modificando os arts. 1.583 e 1.584 do CC por meio da Lei 11.698). Porém, já em 2014, houve necessidade de promover alterações nos mesmos arts. 1.583 e 1.584 e também nos arts. 1.585 e 1.634 (Lei 13.058), pois a diversidade de interpretação da mens legis e da mens legislatoris referente àquela primeira norma (2008)7 favorecia muitas vezes não o melhor interesse da criança, mas, sim, o dos genitores litigantes. Tais falhas foram corrigidas em decorrência da inserção de cláusulas abertas na norma, que exigem, sobretudo, o exercício hermenêutico diante dos casos concretos e que permitem prever diferentes situações [algumas, inclusive, analisadas com constância pelos tribunais] além daquelas alistadas na legislação. Aliás, nesse sentido, vem a calhar o recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que assim decidiu: “[...]. A interpretação literal da lei é quase sempre a pior. Uma interpretação sistêmica e teleológica não da lei, mas do ordenamento jurídico, de seus princípios maiores e cláusulas abertas, conduz à reforma da sentença” (34ª Câmara de Direito Privado. ApCiv n. 0002870-71.2014.8.26.0246, Rel. Soares Levada Comarca de Ilha Solteira, j. 27.10.2016). O art. 1.584, § 5.º do Código Civil8, por exemplo, precisa ser aplicado de acordo com a sua finalidade precípua: a proteção da criança, mediante a observância do princípio constitucional da supremacia do interesse do menor. Imperiosa, para tanto, é a interpretação extensiva e sistemática do indigitado dispositivo, porque permanece a lacuna legal no tocante a guarda compartilhada entre os avós e o genitor supérstite quando este necessitar da constante convivência e apoio daqueles para a criação do filho. A ausência de um dos genitores, aliada à contínua convivência da criança com os avós9, que têm assumido papel crescente na educação dos netos, mormente com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, demonstra ser fator de potencial relevância para a possibilidade de decretação da guarda conjunta entre o genitor supérstite e os avós. Não se trata de conjectura surreal; a situação é percebida em várias famílias. Aliás, na hipótese, o direito de (ou à) convivência confunde-se com a guarda compartilhada de fato e com os deveres dela oriundos, tendo em vista a responsabilidade dos avós e a supervisão momentânea – quando não duradoura – dos interesses do menor por aqueles. Nesse sentido, dispõe o Enunciado 334 da IV Jornada de Direito Civil:10 “a guarda de fato pode ser reputada como consolidada diante da estabilidade da convivência familiar entre a criança ou o adolescente e o terceiro guardião, desde que seja atendido o princípio do melhor interesse”. Por sua vez, os projetos em trâmite referentes ao Estatuto das Famílias (PL 2.285/2007 e PL 470/2013) prescrevem, nos arts. 100 e 104, respectivamente, que “o direito à convivência pode ser estendido a qualquer pessoa com quem a criança ou o adolescente mantenha vínculo de afetividade”. Ainda, os textos projetados preveem que “verificando que os filhos não devem permanecer na convivência dos pais, o juiz deve atribuir a guarda a quem revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e a relação de afetividade” (artigos 103 e 106). Já o art. 6.º do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que “na interpretação desta lei levar-se-ão em conta [...] a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. Certo é que o convívio saudável e a afetividade constituem-se requisitos essenciais, dentre outros, para a guarda compartilhada. Nota-se dos referidos textos que a intenção do legislador foi proteger o menor e resguardar o seu bem-estar. Ademais, outro não é o entendimento que se extrai da exposição de motivos do projeto que resultou na lei que instituiu a guarda compartilhada (Lei 11.698/2008): “a justificativa para a adoção desse sistema está na própria realidade social e judiciária, que reforça a necessidade de garantir o melhor interesse da criança [...] o interesse do menor é o determinante para a atribuição da guarda, fazendo nascer reflexões inéditas que favoreçam a relação familiar”. Do mesmo modo, a Lei 13.058/2014 foi promulgada para que, de fato, o melhor interesse da criança prevaleça no momento de definição do regime de guarda. Ora, se os avós, em alguns casos, têm o dever legal de custear os alimentos do neto,11 por qual motivo não teriam o direito [e o dever!] de obter a guarda compartilhada do menor12 – privado da presença, por morte,por exemplo, de um dos seus pais – quando o genitor supérstite enfrentar dificuldades para arcar com as despesas mínimas e as necessidades básicas daquele que está sob os seus cuidados? Qual a razão de não compartilhar uma guarda e dividir responsabilidades entre os avós e o genitor supérstite, se isso é melhor para a criança, se isso contribui consideravelmente para o seu bem-estar? Por que devemos impedir que um genitor supérstite, consciente de suas próprias limitações, compartilhe a responsabilidade inerente à guarda de seu filho com os respectivos avós? Todas essas ponderações e indagações advêm da necessidade de delinear um ambiente favorável à prevalência do bem-estar da criança e do adolescente que tiveram a sua família transformada13 pela perda de um dos pais. Para tanto, nesse diálogo ainda em etapa inicial de construção, mister consolidar a verdadeira finalidade das normas que regulam o Direito de Família, ou seja, promover a realização dos legítimos interesses do menor, tendo em vista, primordialmente, o respeito à dignidade da pessoa humana.14 É com esse desiderato que se intenta, nos capítulos 1. seguintes, destinar maior amplitude e alcance ao art. 1.584, § 5.º, do Código Civil, que permaneceu essencialmente inalterado após a promulgação da Lei 13.058/2014. ESBOÇO HISTÓRICO-CONCEITUAL E MODALIDADES DE GUARDA “O direito anterior denominava posse dos filhos, o que o Código preferiu chamar guarda, por correção do Senador Rui Barbosa. Pareceu grosseiro e inadequado o vocábulo posse aplicado à pessoa do filho. Era um caso de resíduo verbal, porque o pater famílias entre os romanos tinha um poder quase absoluto sobre os filhos, que a analogia contribuía para manter, como procurei demonstrar no meu livro Em defesa, lembrando que, em nosso direito, se dava, muitas vezes, à ação do pai para retirar o filho, do poder de quem o detinha, o nome da reivindicação, como se se tratasse de coisa injustamente possuída. Mas, em última análise, foi bem que se desse voz mais adequada, para designar a relação existente entre os progenitores e a prole” – Clóvis Bevilaqua.15 A definição da guarda16, na atual conjuntura, não pode ater-se apenas à acepção dos direitos e deveres que os pais possuem em relação aos filhos, decorrentes da autoridade parental. Sobretudo, deve ser considerado o princípio da supremacia do interesse da criança e do adolescente. Assim, a fim de suprir as necessidades vitais do menor, o conceito de guarda não está exclusivamente adstrito à obrigação de prestar assistência material e educacional (arts. 4.º, 16, 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e art. 227 da CF/1988).17 Nesse diapasão, depreende-se que para adquirir o direito de deter a guarda, é necessário, além de observar os critérios já mencionados, visar ao que for melhor para a criança, de maneira a atender a sua relação de afetividade com o guardião e proporcionar o desenvolvimento de seu estado psíquico – eis a importância da análise e da participação de equipes multidisciplinares(!). Por este motivo, surgem comumente vários questionamentos acerca da teoria da desbiologização18 do poder de guarda: pessoas alheias ao relacionamento familiar podem criar os filhos de outrem, caso possuam melhores condições para tanto? Se existe um vínculo maior de afetividade entre o menor e um terceiro fora do laço familiar, capaz de criar um ambiente propício para o seu desenvolvimento, poderá esse terceiro ser o guardião e substituir o direito natural de um dos genitores [guarda originária]? Todas essas indagações serão postas à baila do magistrado, que irá analisar diversos aspectos, somados àqueles acima alistados, tais como o local onde reside o menor, o seu padrão de vida, a existência de irmãos, as condições socioeconômicas, e, em especial, se a conveniência dos pais é fator decisivo para a solução da guarda frente ao maior interesse do filho. Pois, afinal, “quando se discute a guarda de menor, não são os direitos dos pais ou de terceiros, no sentido de terem para si a criança, que devem ser observados. É a criança, como sujeito – e não objeto – de direitos, que deve ter assegurada a garantia de ser cuidada pelos pais ou, quando esses não oferecem condições para tanto, por parentes próximos, com os quais conviva e mantenha vínculos de afinidade e afetividade”.19 Entretanto, podemos solucionar essas questões e dicotomias de outra maneira: por meio das diversas possibilidades e modalidades de guarda vigentes no direito pátrio. Mas, antes, é importante ressaltar que excluímos do presente trabalho aquilo que se convencionou chamar de “guarda previdenciária”, ou seja, aquela que tem apenas como finalidade angariar efeitos previdenciários. De qualquer forma, os arts. 19 e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõem que a guarda do menor cabe, naturalmente, aos pais.20 Aliás, trata-se de preceito fundamental insculpido no art. 9.º da Convenção de New York sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989). 21 A exceção está emoldurada no art. 28 da mesma Lei 8.069/1990,22 que prevê a hipótese de transmitir a guarda, quando for necessário, a uma família substituta. Nesse sentido, “a guarda pode ser desvinculada do poder familiar, com a entrega pela autoridade judiciária a um terceiro. O que detiver a guarda terá para si a responsabilidade em prestar ao menor assistência material, moral e educacional, provendo, deste modo as suas necessidades vitais”.23 Continuando, as modalidades de guarda são similares em vários sistemas legais. Aqui, a guarda pode ser analisada sob o prisma de diferentes normas e finalidades (Estatuto da Criança e do Adolescente, Código Civil, Constituição Federal) e subdividida, num primeiro plano, em provisória ou definitiva. É provisória em algumas situações que demandam certa urgência e servem para suprir a falta eventual dos pais ou responsável até o momento em que seja tomada a medida cabível (art. 33, § 2.º, ECA). Por outro lado, caracteriza-se a guarda definitiva24 quando for regularizada a posse de fato do menor (art. 33, § 1.º, ECA), quando resultar de decisão judicial. Noutro âmbito, existem quatro modalidades [principais] de guarda: dividida, alternada, por aninhamento ou nidação, e compartilhada. A guarda dividida, também chamada de guarda única ou guarda exclusiva, é aquela que rege o direito de visita do genitor que não detém a posse de fato do filho. Deste modo, o menor permanece na guarda de um dos pais e recebe o outro genitor em turnos periódicos. Muitas vezes, os pais relutam em aceitar este instituto com o receio de tornarem-se alheios à vida de seus próprios filhos, de maneira a afastar o vínculo existente entre eles. Na guarda alternada, o filho residirá com ambos os genitores, porém, em épocas alternadas, seja de um ano, um mês, uma semana, uma quinzena. Há uma repartição organizada no dia-a-dia e durante o período em que o menor estiver aos cuidados de um dos genitores, este determinará de maneira exclusiva as respectivas decisões. Indigitada modalidade de guarda impossibilita o desenvolvimento adequado da personalidade do infante, pois o sujeita a constantes momentos de encontros e separações de seus pais – ferindo, assim, o princípio da continuidade. Diferentemente das outras modalidades de guarda, o aninhamento ou a nidação permite que o filho resida em um local fixo e receba os pais em sua própria moradia, alternadamente e em épocas distintas. O alto custo gerado nessa espécie de guarda constitui-se uma das desvantagens, porquanto deverão ser custeadas despesas de três lares – motivo que torna a nidação pouco utilizada. Por derradeiro, a guarda compartilhada ou concomitante pode [não necessariamente deve!] pressupor a alternância de residência pelo menor. No entanto, ambos os genitores exercem simultaneamente os poderes-deveres relativos ao filho. Compartilham responsabilidades, tendo como premissa os mesmos direitos e obrigações (art. 1.583, § 1.º, do Código Civil).25 A guarda conjunta tende a harmonizar a condição de uma criança frente à separação de seus pais epropiciar àquela o desenvolvimento físico, moral, espiritual, social e psíquico. Mesmo com a dissolução do casal conjugal, o casal parental deve permanecer e participar da vida do menor – essa é a ratio legis. Afinal, em que pese a necessidade do infante em ter a mãe consigo, o art. 5.º da Lei Maior26 instituiu a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Desta feita, não existe preferência materna na criação de um filho, mas, sim, a importância de ambos os pais para completar o ciclo de crescimento de sua criança. Por tais motivos, fica claro que a guarda compartilhada entre os genitores é uma das modalidades que mais se adéquam aos interesses do infante e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Entrementes, sobreleva dizer que a guarda unilateral ainda prevalece nas famílias brasileiras – um costume(!). A propósito, pouco mais de seis por cento 27 dos casais divorciados optam pela guarda conjunta. Lembramos que antes do advento da Lei 11.698/2008, o Código Civil previa apenas a guarda unilateral; a sua ampliação era uma mera faculdade, fortalecida pela vasta construção doutrinária. Aliás, mesmo após a vigência da referida norma, tal faculdade ainda persistia: pelo comando legal, os magistrados28 poderiam decidir, de acordo com os critérios autorizadores e com o melhor interesse da criança, se a guarda seria compartilhada ou não. Em verdade, estes preceitos já haviam sido previstos na I Jornada de Direito Civil, na qual foram aprovados os Enunciados 101 e 102, respectivamente: “Sem prejuízo dos deveres que compõem a esfera do poder familiar, a expressão ‘guarda de filhos’, à luz do art. 1.583, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, em atendimento ao princípio do melhor interesse da criança”; “A expressão ‘melhores condições’ no exercício da guarda, na hipótese do art. 1.584, significa atender ao melhor interesse da criança”.29 Logo após, já na V Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília-DF em 2011, os Enunciados pertinentes ao tema foram atualizados, conforme podemos notar do Enunciado n.º 517, que versava basicamente sobre a Lei 11.698/2008: “Arts. 1.583 e 1.584. A Lei n. 11.698/2008, que deu nova redação aos arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil, não se restringe à guarda unilateral e à guarda compartilhada, podendo ser adotada aquela mais adequada à situação do filho, em atendimento ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. A regra aplica-se a qualquer modelo de família. Atualizados os Enunciados n. 101 e 336 em razão de mudança legislativa, agora abrangidos 2. por este enunciado”. Considerando tal realidade, aliada às controvérsias na aplicação da Lei n. 11.698/2008, foi promulgada a Lei n.º 13.058/2014, que resultou em novas modificações no capítulo do Código Civil que trata da “Proteção da pessoa dos filhos”, a seguir pormenorizadas. ALTERAÇÕES DA “GUARDA COMPARTILHADA” TRAZIDAS PELA LEI N.º 13.058/2014 “Nous voyons tous les jours la société refaire la loi, on n á jamais vu la loi refaire la société” – Jean Cruet.30 A Lei n.º 11.698/2008, ao dar nova redação aos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, definiu a guarda unilateral e a guarda compartilhada, determinando que ela [a guarda] fosse decretada pelo juiz em atenção às necessidades específicas do filho, sendo que, sempre quando possível, na ausência de acordo entre os genitores, dar-se-ia a preferência pela guarda concomitante. Entendemos que a mudança, em 2008, foi substancial, tendo em vista que antes do advento da referida norma o Código Civil apenas previa a guarda unilateral, de modo que a guarda compartilhada era uma mera faculdade do julgador, fortalecida pela vasta construção doutrinária, conforme demonstrado anteriormente31. Com isso, o legislador pretendeu minimizar a arcaica divisão de funções baseada no gênero que resultava da concessão da guarda unilateral. Afinal, já dizia Maria Berenice Dias, “historicamente os filhos ficavam sob a guarda materna, por absoluta incompetência dos homens de desempenhar as funções de maternagem. [...] Assim, mais do que natural que essas tarefas fossem desempenhadas exclusivamente pelas mães: quem pariu que embale! Quando da separação, os filhos só podiam ficar com a mãe”.32 A mencionada norma, contudo, foi simplista e, muitas vezes, injusta, pois um dos genitores continuava sobrecarregado com a guarda exclusiva do filho, ao passo que a participação do outro ficava reduzida a meras visitas, cumulada com o pagamento de alimentos e com o exercício do dever de fiscalização, sem o devido acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento pessoal do menor. Desse modo, a instituição da guarda compartilhada pela Lei n.º 11.698/2008 resultou na necessidade de ampliação do poder familiar; deveriam, portanto, ser igualados os direitos e deveres dos pais, para que ambos pudessem contribuir, na medida das suas funções, de forma plena com a formação integral do menor. E mais. A norma também combatia a alienação parental [Lei 12.318/2010], uma vez que a convivência estreita, contínua e quotidiana de ambos os pais com os filhos reduzia a margem de atuação daquele que queira denegrir a imagem do outro. No entanto, a expressão “sempre que possível”, disposta no texto do § 2.º do art. 1.584, então alterado pela Lei 11.698/2008,33 reduziu a força da prevalência da guarda compartilhada e gerou verdadeira celeuma no âmbito do Direito de Família, sobretudo pelo disseminado entendimento jurisprudencial de que se deveria interpretá-la como “sempre que os genitores se relacionassem bem” ou “sempre que não houvesse conflito entre os pais”.34 Na prática, nefastos efeitos resultaram de tal interpretação, corroborados pela falta da adequada e imprescindível colaboração de uma equipe interdisciplinar durante o trâmite dos processos judiciais, embora a lei já a recomendasse35. O primeiro deles foi a manutenção da guarda unilateral como regra, haja vista a natural animosidade entre os genitores que se divorciam, aliada à carência de esforços para a conscientização e valorização do saudável relacionamento familiar. Ademais, observou-se a grave potencialização e aumento dos litígios, causados por um dos genitores, inclusive com alienação parental, no intuito de não propiciar opção/solução ao outro genitor senão a concessão da guarda unilateral. Por tais motivos36, a Lei n.º 13.058/2014 suprimiu a expressão “sempre que possível” do art. 1.584, § 2.º [com redação então dada pela Lei n.º 11.698/2008], que passou a ter a seguinte redação: “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”. Ainda que louvável a intenção do legislador de corrigir as mazelas ocasionadas pelo uso da locução “sempre que possível”, a nova lei dá margem a outros problemas, principalmente no que se refere às características recém--estabelecidas para a guarda compartilhada. Primeiro, ficou definido (art. 1.583, § 2.º) que na guarda conjunta “o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”. Em seguida, prevê o § 3.º que “a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos”. Tais dispositivos já são objeto de severas [e pertinentes] críticas, pois a instituição da divisão do tempo “de forma equilibrada com a mãe e com o pai” pode levar à confusão com a modalidade de guarda alternada, especialmente se interpretarmos que há a exigência da alternância de residências37. Ora, é evidente que a guarda compartilhada não pode representar uma divisão equitativa [e com precisão matemática] do tempo e do espaço entre os genitores, pois isto é verdadeira guarda alternada. Portanto, faltou precisão técnica para determinar que a divisão de “forma equilibrada” fosse, na verdade, a possibilidade de se estabelecerum convívio pautado no exercício harmônico das funções materna e paterna, com a formação dos vínculos afetivos essenciais ao desenvolvimento psicológico e social do menor. A norma poderia ser expressa ao levar em consideração que a repartição da responsabilidade parental se fixa por meio de fatores emocionais e subjetivos, avaliados em cada caso concreto, de acordo com as “condições fáticas e os interesses dos filhos” 38. Enfim, a Lei n.º 13.058/2014 não deveria resumir a guarda compartilhada a critérios objetivos de tempo e espaço, nem deixado margem para esta interpretação. Noutro norte, impende exaltar a inserção da possibilidade do genitor não guardião de solicitar prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos e situações pertinentes à saúde física e psicológica e à educação dos filhos (art. 1.583, § 5.º).39 Continuando, se por um lado constata-se o avanço legal ao facilitar o exercício do dever de fiscalização, questiona-se, de lado outro, a ausência de menção ao direito de exigir a prestação de contas nos casos de guarda compartilhada. Consoante José Fernando Simão40, a omissão da Lei n.º 13.058/2014, nesse sentido, foi proposital, para que ficasse implícita a ideia de dispensa do dever de pagar alimentos na guarda compartilhada, em claro desprezo ao melhor interesse da criança. Ainda, segundo Simão, tal intuito ficou mais explícito após a não aprovação da emenda da senadora Ângela Portela, integrante da Comissão de Direitos Humanos, que pretendia prever o dever de prestação de contas tanto na guarda unilateral, quanto na guarda compartilhada. Certo é que a referida lacuna legal e a divisão de tempo dos filhos entre as casas dos pais são fatores que podem contribuir para a modificação do valor da pensão alimentícia. Mesmo assim, sabe-se que, para a manutenção dos filhos, os cônjuges devem contribuir na proporção de seus recursos41, permanecendo a obrigação alimentar – independentemente do regime de guarda adotado. Ou seja, apesar de gerar controvérsia e demonstrar a falta de técnica legislativa, a omissão constatada na nova lei não tem o condão de dispensar os genitores de arcar com os alimentos. Ademais, no que se refere à prestação de contas, vale ressaltar que a adoção da guarda compartilhada, por si só, facilita o dever de fiscalização e supervisão dos pais, pois há uma convivência contínua e estreita com os filhos. Além dos pontos obscuros mencionados, dois outros equívocos são corretamente apontados por Giselle Câmara Groeninga42, que, por sua total pertinência, serão abordados a seguir. O primeiro equívoco legislativo diz respeito ao art. 1.584, § 4.º, que foi modificado para vigorar com a seguinte redação: “a alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor”. Embora seja incontestável o inegável progresso da lei ao retirar a frase “inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho” da redação anterior,43 a manutenção da “redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor” é temerária, visto que não se sabe até que ponto certas punições aos pais também não penalizam o menor – por ricochete. A segunda crítica, agora quanto ao § 2.º do art. 1.584, consiste na imposição da guarda compartilhada, salvo se o genitor “declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”. Para 3. Giselle Groeninga, esta ressalva coloca em difícil posição tanto os genitores quanto o menor, seriam, portanto, mais adequados, o respeito à diversidade e a conscientização da responsabilidade parental e do poder familiar. Em que pesem as inúmeras imperfeições perceptíveis no texto da lei, é importante destacar seus méritos. A inserção do § 6.º ao artigo 1.58444, por exemplo, é de grande relevância, na medida em que obriga os estabelecimentos a prestarem informações aos genitores sobre seus filhos, sob pena de multa pecuniária. Com isso, facilita-se o acompanhamento do menor, especialmente para o genitor não guardião. Além do mais, a alteração do artigo 1.58545 possibilita que, em regra, nenhuma decisão sobre a guarda de filhos, em sede de medida cautelar, será proferida sem a oitiva de ambas as partes pelo juiz. Ora, salvo em casos extremos, quando o filho se encontra inserido no convívio familiar de um dos genitores, não se pode retirá-lo dali sem, antes, proporcionar a dilação probatória, com o exercício do direito ao contraditório, pois uma decisão precipitada de alteração da guarda, potencializada pela morosidade da justiça, pode resultar em sério risco para o menor. Por último, a nova redação dada ao inciso V do artigo 1.634 do Código Civil46 tem por finalidade combater uma das clássicas formas de alienação parental: a mudança de residência (município) do genitor guardião, sem qualquer comunicação prévia, no intuito de impedir a convivência do filho com o outro genitor. A partir do advento da Lei n.º 13.058/2014, a mudança do menor só será possível após o consentimento de ambos os pais. Eis uma norma que, certamente, gerará interpretações das mais diversas e que merece, no nosso entendimento, espaço exclusivo para análise – é o que faremos brevemente em um próximo estudo. Enfim, delimitados o esboço conceitual e as espécies de guarda, alteradas pela Lei n.º 13.058/2014, passamos à análise da possibilidade de concessão da guarda compartilhada do menor aos avós e ao genitor supérstite, tema a ser abordado no tópico seguinte. GUARDA COMPARTILHADA ENTRE O GENITOR SUPÉRSTITE E OS AVÓS: DIREITO DOS NETOS “Esse é um daqueles casos de difícil solução, e muito mais para quem fica distante dos autos. De um modo geral, tenho me preocupado em perguntar qual é o interesse da criança, deixando de lado o direito da mãe, dos avós. O que interessa a essa criança, que nasceu na casa dos avós e até hoje, com oito anos de idade, foi criada na casa dos avós? O que significará a quebra do ambiente familiar? Que influência psicológica sofrerá no momento em que esse ambiente de sua criação e formação for substituído por outro? Não estou me perguntando se essa mãe tem condições ou não, se ela vive hoje casada ou descasada, se tem amor, se tem dedicação pela criança; pergunto-me se a transferência da guarda, hoje, decorridos tantos anos, não traria uma dificuldade emocional para essa criança” – Ruy Rosado de Aguiar.47 Os avós constituem-se figura de relevo e são essenciais para restabelecer o equilíbrio psíquico e psicológico do menor48, proporcionado a este, por meio da guarda compartilhada, uma relação de continuidade com a própria família de origem quando um dos seus pais vem a falecer. Essa será a abordagem nas linhas que se seguem. Assim, de acordo com a linha mestra aqui adotada, traçada com base nos princípios da dignidade da pessoa humana49 e da solidariedade,50 da continuidade das relações familiares, da convivência familiar e do melhor interesse do menor, entendemos que a guarda de uma criança, conforme as suas carências e a necessidade do genitor supérstite, pode ser compartilhada entre este e os avós. É a mesma direção, inclusive, adotada por Jones Figueirêdo Alves.51 Previsão expressa dessa hipótese de compartilhamento de guarda [entre avós e genitor supérstite] na nossa legislação não havia antes e nem após a aprovação das Leis nos 11.698/2008 e 13.058/2014 – o que será demonstrado. Temos, claro, diretriz semelhante, mas não igual[!], exposta no § 5.º do art. 1.584, fato que per si já demonstra a necessidade de conferir à referida norma uma interpretação finalística e sistemática, de modo a possibilitar a efetivação da real mens legis e mens legislatoris [eis o citado comando legal: “Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”]. Por tal motivo, surgiram recentes e importantes pronunciamentos judiciais sobre a matéria,52 fatoque traz luz e esperança às incontáveis famílias que vivem aquela situação. Massami Uyeda teve louvável percepção do problema e da lacuna ao relatar e decidir recurso especial sobre caso idêntico a este, objeto do presente estudo: “De efeito, para fins de fixação de tese jurídica, deve-se admitir o deferimento da guarda de menor ao seu avô que o mantém e, nesta medida, desfruta de melhores condições de promover-lhe a necessária assistência material e afetiva, mormente quando comprovado forte laço de carinho”.53 É necessário agora abrir um parêntese. Nesse campo afloram várias indagações: a quem compete a guarda da criança na ausência de um dos genitores? Têm os avós o direito, ou o dever(!), de compartilhar a guarda? Tem o genitor supérstite o direito de não compartilhar a guarda com os avós? E o menor (?), tem este o direito de ser criado pelos avós em conjunto com um dos seus pais? Como dito, o § 5.º do art. 1.584 do Código Civil54 precisa ser aplicado com vistas à sua finalidade precípua: a observância do metaprincípio da supremacia do interesse do menor. Parêntese fechado. Continuemos. Observa-se da atual redação do art. 1.583 do Código Civil,55 que o legislador preocupou-se, primeiro, em classificar a guarda como sendo unilateral e compartilhada; logo após, conceituou-as. Todavia, tanto o comando em foco quanto o art. 1.584, I e II, §§ 1.º e 2.º, destinam a guarda conjunta tão só aos pais – essa será a consequência se analisarmos literalmente o texto da lei. Assim, muito embora o § 5.º do art. 1.584 do Código Civil preveja a hipótese de conferir a guarda do menor a uma pessoa que não seja o seu genitor, inexiste referência, como já dissemos outrora, à modalidade de guarda. Pois bem, a interpretação restritiva da norma conduz à conclusão de que não é possível compartilhar a guarda quando esta é deferida a terceiro56. O que se percebe da redação dos arts. 1.583 e 1.584 do Diploma Civil é que a norma pretendeu reservar só aos pais o direito [ou o dever!] de compartilhar responsabilidades. Explica-se: na definição da guarda conjunta exposta no § 1.º do art. 1.583, não há previsão de substituição de um dos genitores – tal hipótese só é prevista na guarda unilateral. A mesma leitura depreende-se da parte final do art. 1.631 do Codex, que reserva com exclusividade ao cônjuge supérstite o exercício do poder familiar na ausência ou impedimento do outro. Além-mar, característica semelhante pode ser extraída da análise da norma italiana (Lei n.º 54) que instituiu, em 08.02.2006, a guarda conjunta [lá conhecida como affido condiviso] – tema que será analisado no capítulo VI do presente estudo. Mas será essa a intenção do legislador? Será esse o espírito da lei? Limitar, em vez de ampliar? Será essa a mens legis e a mens legislatoris? Sabemos todos que a forma tradicional de família de outrora não mais se adéqua às recentes realidades sociais. As mudanças conceituais e estruturais [novas espécies e concepções de famílias, famílias transformadas] bradam por leis modernas, por interpretações finalísticas e extensivas, em prestígio ao princípio da dignidade da pessoa humana57 e às novas gerações [ou dimensões] de direitos humanos. Ora, sob o enfoque principiológico, constitucional e consoante as cláusulas gerais, é evidente que o legislador não objetivou restringir situações, hipóteses. Bom exemplo é o nosso Código Civil: repleto de cláusulas abertas! Primou-se por uma legislação que pudesse atender aos anseios sociais.58 Então, pela simples análise sistemática, depreende-se não ter sido essa a intenção do legislador. Por isso, a chamada nova Lei da Guarda Compartilhada (n.º 13.058/2014) deve ser interpretada extensivamente e aplicada de acordo com a sua essência, finalidade-mor: o melhor interesse do menor – megaprincípio. Em sentido parecido, já assinalavam os Enunciados 333, 334, 335 e 342 da IV Jornada de Direito Civil e o Enunciado 517, da V Jornada.59 E, muitas vezes, o maior interesse da criança – privado da presença de um dos seus pais [por morte, por exemplo] – é completamente respeitado quando o genitor supérstite, que enfrenta as naturais dificuldades, compartilha a guarda com os avós daquele. O menor tem o direito, caso necessário, de ter a sua guarda compartilhada entre o genitor supérstite e os avós. Não se afirma aqui que os avós têm o direito [sem considerá-lo também como um dever] de obter a guarda conjunta. Não se afirma aqui que é direito de um genitor ou dos avós obter a guarda unilateral. Diz-se, sim, que é dever de ambos compartilhar a guarda! Diz-se, sim, que é direito do menor(!) – direito dos netos de conviver continuamente com um genitor e com os avós, caso a situação seja propícia, favorável! Direito dos netos..., caro Leitor, direito à felicidade! 4. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka bem explica o tema ao anotar que “o rol destes novos arranjos familiais [...] é apenas exemplificativo, eis que a tipicidade é aberta, caracterizando- se pelo valor jurídico da afetividade e pela doutrina do eudemonismo, quer dizer, a busca da felicidade como a principal causa dos valores morais familiais, considerando positivos os atos que levam cada um dos membros de um núcleo familiar a alcançar seu projeto pessoal de felicidade”.60 E a Mestre das Arcadas 61 ainda aponta [citando, no final, Luiz Edson Fachin] que “nos dias de hoje, outra é a família, outros são os valores, outra é a finalidade de se estar junto, num mesmo núcleo familiar. Não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade.”62 No mesmo sentido, Romualdo Baptista dos Santos63 afirma que o “instituto da guarda compartilhada é uma das mais evidentes demonstrações do reconhecimento da afetividade como valor jurídico a ser preservado no plano da vida. Há muito tempo, a medida vem sendo reclamada pelos especialistas em Direito de Família, como forma de atender mais adequadamente às necessidades afetivas dos filhos”. A RECENTE JURISPRUDÊNCIA Com a idêntica diretriz adotada neste estudo, o Superior Tribunal de Justiça, no transcurso das várias mudanças legislativas sobre o tema em análise, consolidou o entendimento de que os avós podem obter a guarda de seus netos, na ausência dos genitores ou na impossibilidade/“incapacidade” destes. O julgado a seguir é esclarecedor e pertinente: [...] Deveras, a pretensão vestibular não visa apenas conferir à criança melhores condições econômicas, senão também regularizar forte vínculo de afeto e carinho estabelecido reciprocamente entre o avô e seu neto, tudo, diga-se, com o consentimento da mãe do menor, cujo pai é falecido. [...] Na esteira desse raciocínio, e ponderando os argumentos e contra-argumentos, bem assim a relação havida entre o pretenso guardião e o menor de um lado, e de outro, as circunstâncias em que vive a genitora da criança, tudo, diga-se, ao sopro do já mencionado princípio do maior interesse, aqui tomado como regra de interpretação, esta Relatoria está em que a melhor compreensão da matéria consiste em deferir a guarda do petiz para o seu avô materno. [...].64 Mais, ainda do STJ: [...] Ao reverso, o pedido de guarda visa à regularização de situação [...] qualificada pela assistência material e afetiva prestada pelos avós, como se pais fossem. Em realidade, em casos como o dos autos, em que os avós pleiteiam a regularização de uma situação de fato há muito consolidada, e não se tratando de “guarda previdenciária”, o Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser aplicado mais pelos princípios protetivos dos interesses da criança. [...].65 [...] A peculiaridade da situação dos autos, que retrata a longa coabitação do menor com a avó e o tio paternos, desde os quatro meses de idade, os bons cuidados àquele dispensados, e a anuência dos genitores quanto à pretensão dos recorrentes, também endossada pelo Ministério Público Estadual, é recomendável, em benefício da criança, a concessão da guarda compartilhada. [...].66 E emcomunhão com o aqui exposto, vários Tribunais Estaduais manifes-taram-se favoráveis à guarda compartilhada entre genitores e avós. Vejamos, por exemplo, a recentíssima e justa decisão do tribunal mineiro, na parte que importa: [...] Quanto à sugestão de guarda compartilhada entre o pai e a avó paterna, feita pelo Ministério Público, entendo ser salutar, tendo em vista que, embora a avó esteja com a guarda de fato, o pai mora junto e, portanto, exerce também a guarda, o que se deduz da situação familiar existente. Sendo um caso especial, a decisão também pode ser especial. [...] Essa é a melhor solução, como bem ressaltado pela PJG, permitindo a ambos os responsáveis participarem de forma igualitária na criação e no desenvolvimento educacional, social e psicológico de suas filhas, facilitando a guarda da avó, que já a exerce de fato, sem prejudicar a do pai, sempre benéfica e necessária, facilitando o relacionamento na família. [...] Sabe-se que o Direito de Família é avesso à legalidade estrita e a formalidades desnecessárias, devendo ser tomada a decisão que melhor atenda à criança. E esta é a que se mostra mais adequada, perante todas as provas dos autos. [...].67 Do mesmo Tribunal de Minas Gerais, podemos citar: [...] Apesar desse instituto possuir amparo legal a partir da vigência da Lei nº 11.698, de 2008, que modificou significativamente o art. 1.584, do Código Civil, observa-se que a hipótese específica de guarda compartilhada entre avós e os genitores não foi regulamentada, mas é perfeitamente possível também nos termos do seu § 5º [...]. No presente caso, não há empecilho para que a menor continue na guarda de seus avós maternos juntamente com sua genitora, pois a criança está sob os cuidados de seus avós, desde 10 de agosto de 2005, data de seu nascimento, e também sob a guarda de sua genitora, já que residem juntas. O que se verifica é que a criança está bem adaptada à situação fática familiar e, segundo a assistente social o melhor para a criança seria que continuasse sob os cuidados de seus avós, pois são eles que, na verdade, vêm cuidando e se responsabilizando pela menor. [...].68 Agora, do TJ-RS, transcrevemos trecho de importante julgamento: [...] O contexto probatório dos autos demonstra que a regulamentação da guarda ocorreu de forma justa, observando o melhor interesse da criança, porquanto o pai e os avós possuem condições mais 5. favoráveis ao exercício da guarda. Diante disso, firmado o vínculo da criança com os avós paternos e o pai, bem como existindo estudos sociais favoráveis à preservação da situação consolidada, cumpre a manutenção da guarda estabelecida pela sentença. [...].69 Como vimos, tanto a jurisprudência quanto a doutrina têm conseguido preencher as lacunas legais dantes apontadas [nos itens 3 e 4]. REFLEXOS DO CPC/2015 NA GUARDA COMPARTILHADA Afloram das decisões e discussões judiciais diversas preocupações quanto ao entendimento dos fenômenos jurídicos, especialmente aqueles que versam sobre os litígios familiares. Não há dúvida, portanto, que as disparidades entre o mundo do ser e o do dever ser aumentam exponencialmente se a ratio decidendi engendra conflitos atinentes ao direito de família. Nesse sentido, o Código de Processo Civil, cuja vigência iniciou-se em março de 2016, representa avanço louvável, por diversas razões, dentre as quais destacamos a seguir as mais importantes. Da leitura do novo diploma legal, depreende-se que os novos procedimentos e mecanismos ali inseridos trazem a possibilidade [em verdade, necessidade] de traduzir a mens legis e a mens legislatoris em termos da experiência efetiva dos jurisdicionados. Dentro deste âmbito de discussão, equivale a dizer que os litígios familiares – não apenas, mas aqui, especialmente, os referentes à ação de guarda – estão a receber tratamento legal mais condizente com a complexidade real de tais relações – e no amplo sentido de concepção de família. Nesse contexto, da análise sistemática do novel CPC, verifica-se que a tarefa positiva da ciência jurídica descritiva opera conjugada com a tarefa da crítica jurídica. Assim, a disposição do novo texto processual, no que tange à regulamentação da ação de guarda, abre espaço para uma crítica ética consciente do direito [em outras palavras, a compreensão dos eventos com suas causas e consequências sociais], o que já era, há tempos, defendido por Felix Cohen, filósofo do Direito norte-americano.70 Continuando, outras inovações do CPC/2015 são dignas de nota. A priori, merece destaque a criação de um capítulo específico para tratar das Ações de Família (Capítulo X); afinal, o nosso sistema carecia de uma normatização mínima para os processos que abarcam questões de Direito de Família – prova disso é o esforço, outrora mencionado, na elaboração de projetos para instituição do Estatuto das Famílias. Mas não é só. Deu-se ênfase e prioridade à solução amigável do litígio familiar. Os arts. 694, 695 e 696 do CPC/201571 primam pelo empenho na conquista de uma solução consensual, por meio da medição e/ou da conciliação, visto que têm, todos, função de pacificação e ajustam-se ao fundamento político da justiça participativa, dado que as próprias partes – e não só mediadores e conciliadores – participam da solução do conflito, aspecto este característico do CPC/2015. Esses fundamentos foram elencados, com propriedade, por Ada Pellegrini Grinover.72 A propósito, é importante ressaltar que o procedimento das ações de família, com relação às audiências de conciliação e mediação, segue a diretriz do procedimento comum, regulado nos arts. 319 a 329 do CPC/2015, com mínimas distinções [a exemplo do prazo de antecedência para a citação do réu].73 Ainda, os aludidos dispositivos, segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, 74 determinam que sejam submetidas à conciliação as situações de caráter patrimonial e/ou obrigacional, visto que a mediação pressupõe conflito de aspecto emocional entre as partes. A tentativa conciliatória, todavia [e, diga-se, felizmente!] não se restringe a uma determinação aqui, outra acolá. Trata-se já de um imperativo que se funde com os objetivos fundamentais da novel legislação. Pode-se vislumbrá--la novamente no exíguo rol de dados a serem incorporados ao mandado de citação, que não é acompanhado de cópia da petição inicial, esta muitas vezes continente de alegações aguerridas que poderiam prejudicar o intento conciliatório [embora seja resguardado ao réu o direito de acessá-la em cartório]. Outro aspecto igualmente relevante foi previsto no art. 699 do CPC/2015,75 que dispõe sobre o dever do juiz, em situações relacionadas a abuso ou alienação parental, de ouvir o incapaz, durante a audiência, acompanhado por especialista. Assim, a interdisciplinaridade (ou multidisciplinaridade) é utilizada com o múnus de otimizar a resolução da lide. Uma última, porém imprescindível, análise sobre a recente normativa processual é a mudança do tratamento dispensado à definição da competência de foro. Antes, o CPC/1973, em seu art. 100, I,76 delimitava o foro competente sendo aquele da residência da mulher. Na atual conjuntura, em nome da igualdade de direitos e obrigações entre os cônjuges (ou genitores), o art. 5377 do CPC/2015 leva em conta os novos paradigmas sociais (paradigma do presente) e os critérios como o domicílio do guardião ou o último domicílio do casal. Enfim, sopesadas as particularidades das ações de família trazidas pelo CPC/2015, resta ressaltar, em função da constante busca pela razoável duração do processo e também da dimensão ética do mesmo [voltado a pacificar], alguns flancos abertos na redação do art. 696 que podem contrariar os princípios da economia e celeridade processuais. Logo à primeira vista, veem-se delineados os mesmos contornos da justiça conciliativa, garantida pelo art. 3º, § 2º,78 da lei processual. Não obstante tal mérito, não há limites claros quanto à extensão das audiências de conciliação e mediação, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com o art. 334,79 em que as sessões excedentesnão podem extrapolar o prazo de dois meses da realização da primeira. Portanto, conclui-se que, no atual estágio do direito processual, as partes assumem, nas palavras de Ada Pellegrini Grinover, 80 o dever de cooperação com o órgão judiciário. Firme neste desiderato, deixar espaço para a incidência do abuso de direito processual, permitindo ao litigante de má-fé retardar o desfecho do processo, afigura incompatibilidade com as diretrizes adotadas pelo 6. 6.1. CPC/2015. DIREITO ESTRANGEIRO – BREVE INCURSÃO O instituto da guarda compartilhada foi adotado, há muito tempo, em vários países; noutros, recentemente, como é o caso da Itália [affido condiviso]. Ocorre que tanto no direito estrangeiro quanto no brasileiro as questões suscitadas são semelhantes e geram debates interdisciplinares e polêmicas nos âmbitos material e processual; não se trata, então, de exclusivo “privilégio” nosso. Com origem na Inglaterra, a joint custody81 foi admitida pela primeira vez na década de 1960 e, logo após, difundiu-se por diversas nações, tais como a França [em 1987, com a Lei Malhuret – garde parentale conjointe 82] e a Alemanha. Mas foi nos Estados Unidos da América que a guarda conjunta ganhou diretrizes complexas e passou por significativo avanço, em virtude de intensas pesquisas movidas em decorrência da fragmentação, ou transformação, das famílias. Todos esses movimentos visam proteger o menor, ouvindo-o, inclusive, 83 tendo em vista a sua importância para o futuro e para a consolidação dos direitos humanos das próximas gerações [ou dimensões]. Na perspectiva em foco, o princípio da prioridade do maior interesse da criança [best interest of children, do direito anglo-saxão; l’intérêt supérieur de l’enfant, do direito francês; e migliori interessi del bambino, do direito italiano] foi elevado, no nosso sistema, à condição de metaprincípio por possuir função preponderante na interpretação das leis, em decorrência da natureza específica e vulnerável do menor. Vê-se, portanto, que a previsão legal da guarda compartilhada no Brasil reflete uma crescente tendência mundial – iniciada a partir da Declaração Universal dos Direitos da Criança (ONU, 1959) e fortalecida pela Convenção de New York sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989).84 Ainda, mesmo que haja na doutrina pátria setor dissonante quanto à sua aplicação e consequências, não há dúvida de que as últimas alterações no Código Civil [Leis nos 11.698/2008 e 13.058/2014] trouxeram consigo influências legislativas europeias. Por tal motivo, a recente experiência do direito italiano, que incluiu a guarda conjunta no seu Codice, em 2006 e com modificações em 2014, será objeto de análise no tópico seguinte. A experiência do direito italiano: uma amostragem “Sotto il profilo del suo significado culturale e sociale il texto normativo in esame merita pieno apprezzamento non solo perché espressione di um principio di civiltà ormai da tempo diffuso in quase tutti i paesi europei, ma sopratutto perché orientato a meglio tutelare il reale interesse del minore, a mantenere um rapporto ‘equilibrato’ e ‘continuativo’ com ciascun genitore, con i nonni paterni e materni e con i parenti di ciascuno dei genitori” – Maria Rita Verardo Romano.85 A Itália, tal como nós, passa por um frenético período de produção normativa, principalmente no campo do direito de família. A par dessas preponderantes mudanças no sistema legislativo, veio a lume a Lei n.º 54, de 08.02.2006 – depois alterada –,86 que instituiu a guarda compartilhada [affidamento condiviso] e alterou tanto o Código Civil quanto o Código de Processo Civil. A aprovação da mencionada lei não era somente um clamor de ordem social e moral, havia também a pressão e a necessidade de alinhamento da legislação italiana às normas e princípios jurídicos já então adotados por outros países europeus [Suécia e Espanha, desde 1981; Reino Unido, 1991; Holanda e Alemanha, 1998].87 Com isso, o legislador teve o intuito de seguir “il pensiero attuale, che tende a una parificazione completa dei tempi trascorsi dai figli presso ciascun genitore, che alcuni Paesi hanno addirittura stabilito per legge”.88 Já no que se refere à estrutura, o Codice começara a dispor sobre a guarda conjunta em 2006 [por meio, como dissemos, da Lei 54 – antes, pois, do DL n.º 154/2013], especificamente nos artigos 155, 155-bis e seguintes do Capítulo V (dello scioglimento del matrimonio e della separazione dei coniugi), do Título VI (del matrimonio), do Livro I (delle persone e della famiglia).89 Nota-se que a disposição dos referidos comandos legais no código italiano é semelhante àquela da atual Lei Civil brasileira.90 Transpostas as análises preliminares, destaca-se que a importante mudança na lei italiana, em 2006, gerou uma série de severas críticas por parte da sociedade e também de vários setores da doutrina, que acusaram o legislativo de criar lei com finalidade meramente promocional. A maior ressalva àquele texto do então art. 155 era em virtude da exclusão da expressa possibilidade – prevista na redação anterior – de se decretar a guarda a terceiros [inclusive, como veremos mais a frente, essa exclusão foi mantida na reforma legislativa feita em 2013 por meio do DL n.º 154]. Aliás, à época, Concetta Pappalardo, juíza da primeira Seção Cível da Corte di Appello di Catania, afirmava que são numerosas as lacunas na nova lei, assim como nas outras concretamente implantadas pelo legislador de 2006 – declaradamente consciente da necessidade de intervir, no futuro, com outras normativas e adaptações. No mais, destacam-se as inúmeras críticas que têm sido realizadas durante a aprovação e a sua entrada em vigor [...]. Guarda à terceiro – a falta de previsão, na lei que reformou o art. 155, da colocação de uma criança com um terceiro, no caso de sérios motivos, foi definida pelos doutrinadores como uma grave lacuna na reforma da norma.91 Para uma melhor compreensão, vejamos o texto que regia a guarda do menor no revogado art. 155 do Codice, ou seja, antes da Lei n.º 54, de 08.02.2006 – no que importa [com tradução livre feita por este autor]: Art. 155. Procedimentos referentes aos filhos. O juiz que decretar a separação, declarará qual dos cônjuges terá a guarda dos filhos e adotará todo o procedimento relativo à prole, exclusivamente com referência aos interesses morais e materiais desta. Em especial, o juiz estabelecerá a medida e o modo no qual o outro cônjuge deverá contribuir para a manutenção, instrução e educação dos filhos, e os meios dos exercícios dos seus direitos nas relações com esses. [...] Em qualquer caso, o juiz pode, por graves motivos, ordenar que a guarda da prole seja confiada a uma terceira pessoa ou, na impossibilidade, em um instituto de educação (Cód. de Processo Civil, art. 710). Os cônjuges têm o direito de pedir, a qualquer tempo, a revisão das disposições concernentes à guarda dos filhos, da atribuição do exercício do poder e das responsabilidades sobre estes e das disposições relativas à medida e aos meios de contribuição e assistência.92 Nota-se que a redação do artigo acima citado, anterior à Lei n.º 54/2006, previa, claramente, a hipótese de conceder a guarda do menor a um terceiro ou, na impossibilidade, a um instituto de educação. A supressão dessa parte na então nova lei [esta depois revogada, frisamos, pelo DL n.º 154, de 28.12.2013], segundo abalizada doutrina italiana, como visto, causou retrocesso. Notemos, agora, estimado leitor, o mesmo artigo do Código Civil italiano, dantes transcrito, mas com as modificações trazidas pela Lei 54, de 08.02.2006 [tradução livre]: Art. 155. Procedimentos referentes aos filhos – Mesmo em caso de separação dos genitores, o filho menor tem o direito de manter uma relação equilibrada e contínua com cada um deles; de receber cuidados, educação e instrução de ambos e de manter e conservar relações significativas com os ascendentes e com familiares de cada ramo parental. Para atingir a finalidade indicada no primeiro parágrafo, o juiz que declarar a separação doscônjuges adotará as medidas relativas à prole, exclusivamente com referência aos interesses morais e materiais desta. Analisará, prioritariamente, a possibilidade de os filhos permanecerem sob a guarda de ambos os genitores ou determinará a qual desses os filhos serão confiados, determinará os períodos e os meios da sua presença com cada um dos pais, fixando também a medida e as formas com que cada um deles deverá contribuir para a manutenção, assistência, instrução e educação dos filhos. Homologará, se não contrariar os interesses dos filhos, os acordos entre os genitores. Poderão ser adotadas outras regras relativas à prole. A autoridade parental é exercida por ambos os genitores. As decisões de maior interesse para os filhos relativas à instrução, à educação e à saúde são tomadas por mútuo acordo [...]. Em caso de desacordo, a decisão ficará a critério do juiz. [...] O juiz pode determinar que os pais exerçam o poder separadamente. [...].93 É evidente a omissão no referido texto legal de 2006. Depreende-se do comando transcrito que a lei italiana sobre a guarda compartilhada poderia ser mais clara e ter previsto, expressamente, outras situações comuns na atualidade, como a guarda conjunta entre terceiros [avós, por exemplo] e o genitor. O termo “Adotta ogni altro provvedimento relativo alla prole” [em tradução flexível do art. 155 do Codice: poderão ser adotadas outras medidas relativas aos filhos] conduz a uma necessidade de interpretação sistemática e extensiva da norma, fulcrada em princípios. Essa árdua missão foi incumbida aos tribunais e à doutrina. Nessa seara, vale citar, novamente, a magistrada Concetta Pappalardo, que analisou e decidiu com propriedade, em razão das lacunas legais, a adoção de medidas para compartilhar responsabilidades e garantir a guarda aos avós: In quest’ottica, uma recente pronunzia di merito ha valorizzato la costruzione di uma categoria di provvedimenti atipici che il giudice è abilitato ad assumere nell’interesse del minore, ai sensi del secondo comma dell’art. 155 C.C., affidando il minore ai nonni (cfr. Trib. Salerno, 20.06.2006).94 Tal decisão do Tribunal de Salerno não foi a única a prever a possibilidade de guarda do menor aos avós. Não obstante o apontado retrocesso legislativo, vários outros tribunais italianos, ouvindo as críticas e clamores da doutrina, trataram de conferir interpretação extensiva e finalística à lei da guarda compartilhada (affido condiviso, Lei 54/2006). Por exemplo, o Tribunal de Napoli rompia paradigmas e interpretava a lacunosa Lei 54/2006 ao decidir que [tradução livre feita pelo autor]. [...] nesse caso, porém, não é possível imaginar como a vida da criança foi dolorosamente marcada pela perda prematura de sua mãe; assim, é evidente aquela exigência que lei assinala como importante para o crescimento da filha, além de trazer, no contexto, um significado especial, uma vez que o contato com os avós maternos e com o ambiente e condições de vida da mãe assinala um sentido de responsabilidade e maturidade que pode assegurar a preservação, para a criança, das recordações úteis ao seu crescimento.95 E ainda nesse contexto, vale a pena mencionar um emblemático julgado oriundo da Corte di Appello di Catania e que foi mantido integralmente pela Corte Suprema di Cassazione, em Roma,96 no qual retirou-se de um casal o poder familiar [ou seja, responsabilità genitoriale – instituto novo introduzido pelo DL 154/2013] sobre o filho, confiando a guarda do menor a um instituto de educação. No caso, ante a ausência de previsão específica de guarda a terceiro após a promulgação da Lei 54/2006, seria possível, consoante o entendimento das duas Cortes, aplicar genericamente o art. 155 do Codice, interpretando a seguinte parte do dispositivo “o juiz [...] adotará as medidas relativas à prole, exclusivamente com referência aos interesses morais e materiais desta ” no sentido de possibilitar a guarda da criança a terceiros. Além disso, aplicou-se o art. 2.º da Lei do Divórcio (Lei n.º 184/1983) que autoriza o acolhimento dos filhos em orfanatos quando há incapacidade temporária de concessão de guarda aos genitores. Continuando, após o advento da Lei n.º 54/2006, lembramos que houve nova reforma legislativa, trazida pelo Decreto Legislativo n.º 154,97 de 28.12.2013, que, no condizente à guarda compartilhada, mantivera as diretrizes praticamente inalteradas [frisa-se: no que pertine ao affidamento condiviso]. As regras agora sobre a guarda compartilhada/conjunta, que antes estavam dispostas especificamente nos artigos 155, 155-bis e seguintes do Capítulo V (dello scioglimento del matrimonio e della separazione dei coniugi), Título VI (del matrimonio), Livro I (delle persone e della famiglia), do Código Civil italiano, foram transferidas para os artigos 337-bis, 337-ter98 e ss. do Capítulo II (Esercizio della responsabilità genitoriale a seguito di separazione, scioglimento, cessazione degli effetti civili, annullamento, nullità del matrimonio ovvero all’esito di procedimenti relativi ai figli nati fuori del matrimonio), Título IX (della responsabilità genitoriale e dei diritti e doveri del figlio), do mesmo Livro I (delle persone e della famiglia). À guisa de conclusão, como demonstrado nessa breve amostragem, as questões controvertidas a respeito dos destinatários e responsáveis pela guarda compartilhada são similares tanto no direito italiano quanto no brasileiro. Todas as normativas que alteraram os Códigos Civis [Lei n.º 54/2006 e Decreto Legislativo n.º 154, de 28.12.2013, da parte italiana; e Leis n.ºs. 11.698/2008 e 13.058/2014, da parte brasileira] clamaram e clamam por interpretações extensivas e por análises sistemáticas e finalísticas para que, com isso, atendessem e atendam às necessidades sociais contemporâneas – e não podia ser diferente, considerando o instigante e difícil tema. O entendimento jurisprudencial e doutrinário, colacionados anteriormente, também evidenciam uma leitura da legislação em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana, da continuidade das relações familiares, da convivência familiar, da solidariedade e do melhor interesse do menor. CONSIDERAÇÕES FINAIS “A guarda poderá ser deferida aos avós [...] da criança e do adolescente, desde que haja ambiente familiar compatível” – Sílvio de Salvo Venosa.99 Os avós, tidos como parte da família extensa pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, são extremamente importantes para restabelecer o equilíbrio psicológico e a felicidade do menor durante a ausência ou perda de um dos pais, pois têm condições de proporcionar uma relação de continuidade com os vínculos de origem. Essa possibilidade, dentre várias outras, reflete a constante modificação da estrutura e da forma tradicional de constituição de família [mãe, pai e filho] de outrora. As famílias transformadas e as novas concepções de família clamam por leis modernas, por interpretações finalísticas e extensivas das normas, a fim de que estas acompanhem a evolução social. A nítida ilustração da ênfase dada à resolução dos litígios envolvendo as questões de Direito de Família, complexas per si, é o novo Código de Processo Civil, que destina preponderante espaço para a conciliação e a mediação e regula, em especial, as ações de guarda. Embora a nossa legislação tenha passado por considerável avanço (Lei do Divórcio, Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei 11.441/2007, Lei 11.698/2008), a função interpretativa [análise sistemática, finalística e extensiva das normas] continua sendo imprescindível para acompanhar os movimentos sociais e aclarar a verdadeira razão da lei. Tanto é que, no afã de sanar as interpretações equivocadas, deturpadoras do espírito da lei, e de resguardar ainda mais o melhor interesse dos filhos, foram necessárias alterações no Código Civil relacionadas à guarda compartilhada (Lei n.º 13.058/2014), apesar de muitas delas serem questionáveis, como demonstrado anteriormente. Nesse sentido, os artigos do Código Civil recém-modificados (1.583, 1.584, 1.585 e 1.634)devem ser examinados sob o enfoque constitucional e consoante as cláusulas gerais. Caso contrário, pela literal e rígida leitura do caput do art. 1.584, dos incisos I e II e do § 5.º, que, infelizmente, permaneceu com sua essência inalterada, inexistirá possibilidade de guarda compartilhada. Logo, se nos ativéssemos à interpretação restritiva da norma, chegaríamos à conclusão de que não é possível compartilhar a guarda quando esta é deferida a terceiro (no caso, aos avós). Contudo, de acordo com os julgados dos tribunais brasileiros e com vistas a compartilhar a guarda do infante entre os avós e o cônjuge supérstite, é imperioso que o § 5.º do art. 1.584 do Código Civil seja aplicado de acordo com a sua finalidade precípua: a proteção da criança, o melhor interesse desta. Enfim, pelas construções expostas, reiteramos o entendimento de que é plenamente possível compartilhar a guarda da criança entre o genitor supérstite e os avós, principalmente se considerarmos que tanto a Lei n.º 11.698/2008 quanto a nova Lei da Guarda Conjunta (nº 13.058/2014) foram elaboradas com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da continuidade das relações familiares, da convivência familiar e, sobretudo, do melhor interesse do menor. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Constitutional rights, balancing and rationality. Ratio Juris. v. 16. n. 2. jun. 2003. p. 131-140. _____. Teoria da argumentação juridical: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. Revisão técnica por Cláudia Toledo. 2. ed. São Paulo: Landy Editora, 2005. ALVES, Jones Figueirêdo. Vidas avoengas. Disponível em: <http://marioluizdelgado.com/2014/07/26/dia-dos-avos/>. Acesso em: 12 jul. 2017. BARTOLINI, Francesco. 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O presente trabalho é dedicado às crianças Catarina, Henrique Afonso, Arthur, João Pedro e Jorge. Trecho do voto-vencido que acompanhou a divergência instaurada pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar no julgamento do REsp 439.376-RJ, em 27.05.2003. CF/1988. Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.583/2013 [com seus respectivos apensos], de autoria do dep. Anderson Ferreira (PR-PE), que dispõe sobre o Estatuto das Famílias. Conforme verificação em agosto/2017, eis o mais recente andamento do referido PL: “Situação em 06/11/2015: aguardando deliberação do recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados”. Após o julgamento do recurso, a matéria será enviada para a análise do Senado Federal. “Mens legis significa, basicamente, o espírito, o intento, a razão da lei. Já a mens legislatoris tem acepção diversa: diz respeito ao pensamento, à vontade do legislador” (MORAIS, Ezequiel; ASSUNÇÃO, Ana Kelly Rolim. A facultatividade do procedimento extrajudicial para divórcio, inventários e partilhas: considerações sobre o art. 733 do novo CPC. In: COLTRO, Antônio Carlos Mathias; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Divórcios e inventários extrajudiciais. Questionamentos com base no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 2015). 3ª ed. Porto Alegre: Magister, 2016, Capítulo IV, p. 90, nota 46). Para Karl Engish, “a noção de cláusula geral pode ser entendida também como a formulação de uma hipótese legal que, em termos de grande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio de casos. Conceitualmente, contrapõe-se a uma 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 elaboração casuística das hipóteses legais, que circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade própria. A grande vantagem da cláusula geral sobre o casuísmo está em, graças à sua generalidade e abertura, tornar possível regular um vasto número de situações, que talvez sequer pudessem ser já previstas ao tempo da edição da lei respectiva” (ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 228). Justificativa do Projeto de Lei 1.009/2011 [convertido em PL 117/2013, que resultou na Lei 13.058/2014): “Muito embora não haja o que se negar sobre avanço jurídico representado pela promulgação da Lei n. 11.698 de 13.06.08, a qual institui a Guarda Compartilhada no Brasil, muitas pessoas, inclusive magistrados, parecem não ter compreendido a real intenção do legislador quando da elaboração de tal dispositivo” (sic). CCB/2002. Art. 1.584 (com a nova redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: [...] II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho [...]. § 5.º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, alterado pela Lei 12.010/2009, incluiu os parentes próximos dentro do conceito de família extensa, em seu art. 25, parágrafo único, in verbis: “entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”. IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal – promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 25 a 27 de outubro de 2006, em Brasília-DF. CCB/2002. Art. 1.694. “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. CCB/2002. Art. 1.696. “O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. CCB/2002. Art. 1.698. “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato [...]”. CCB/2002. Art. 1.701. “A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedageme sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor”. O termo “família transformada” é utilizado por Giselle Câmara Groeninga para distingui-lo da “família concebida em sua forma original”, pois, com isso, evita-se que outra denominação possa ensejar prejudicial juízo de valor. Ainda, aduz Groeninga (acertadamente, diga-se en passant) que a família não se dissolve, transforma-se. A propósito, afirmamos em recente obra que “o novo Código Civil, na esteira da evolução doutrinária e jurisprudencial, estabeleceu novos direitos e, por consequência, novos deveres; oportunizou inéditas leituras de novos princípios – e releitura de antigos também”. MORAIS, Ezequiel; PEREIRA, Clarito. Resolução por onerosidade excessiva: inovação legal benéfica ou maléfica? In: CARVALHO NETO, Inácio de (Coord.). Novos direitos após seis anos de vigência do Código Civil de 2002. Curitiba: Juruá, 2009. p. 186. BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado – direito de família. 11. ed. atual. por Achilles Bevilaqua. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo Ltda., 1956. v. 2, exemplar n. 2.651, p. 223. A utilização do termo “guarda” na legislação é questionável. Para o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o vocábulo pode denotar, erroneamente, “disputa” por algo. Vale mencionar o conceituado entendimento de Giselle Câmara Groeninga, segundo o qual seria mais apropriado o uso da expressão “convivência familiar”, ou ainda “relacionamento familiar”. ECA. Art. 4.º “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. ECA. Art. 16. “O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: [...] V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação”. ECA. Art. 33. “A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 1.º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros. § 2.º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados. § 3.º A 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários”. A Teoria da Desbiologização foi adotada no voto-vencido do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, por ocasião do julgamento do REsp 439.376/RJ, já mencionado no início do presente estudo. Trecho do voto da ministra relatora Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.356.981-SC, acolhido por unanimidade, em 05.11.2013. ECA. Art. 19. “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. ECA. Art. 22. “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 20.11.1989): Art. 9.º “1. Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Tal determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a criança sofre maus tratos ou descuido por Parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da criança”. A referida Convenção foi adotada pela Assembleia Geral da ONU, em 1989, e ratificada pelo Brasil, em 20.09.1990 (Dec.-lei 28/1990) – um pouco depois da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13.06.1990). ECA. Art. 28. “A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei”. FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Curso de direito civil – direito de família. 2.ª ed. atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 307. Frisa-se que a definitividade não é absoluta, não faz coisa julgada, visto poder ser revogada a qualquer tempo. CCB/2002. Art. 1.583. “A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1.º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5.º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. Referidos dispositivos com nova redação, dada pela Lei n.º 11.698/2008 e 13.058/2014. CF/1988. Art. 5.º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Segundo as Estatísticas do Registro Civil de 2013 elaboradas pelo IBGE, apenas 6,8% dos casais divorciados optaram pela guarda compartilhada, o que representa um aumento de apenas 1,4% em comparação às Estatísticas do Registro de 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/registrocivil/2013/default.shtm>. Acesso em: 03 jul. 2017. Consoante a anterior Lei 11.698, de 13.06.2008, a guarda poderia ser unilateral ou compartilhada e seria decretada pelo juiz em atenção às necessidades específicas do filho, sendo que, sempre quando possível, na ausência de acordo entre os genitores, será aplicada a guarda concomitante. Nesse contexto, o Desembargador José S. Trindade, ao julgar um agravo de instrumento, assim interpretou o outrora texto do art. 1.584 e seus parágrafos (do Código Civil): “De outra banda, conforme dispõe o art. 1.584, I e II, do CC/2002, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.698/2008, a guarda, que pode ser unilateral ou compartilhada, pode ser requerida por consenso pelo pai e pela mãe, ou pode ser requerida por qualquer um deles em ação autônoma de separação, divórcio ou dissolução de união estável. Mas será decretada pelo Juiz, em atenção a necessidades específicas do filho. O § 2.º do precitado artigo (também com a redação que lhe deu a citada lei), dispõe expressamente que quando não houver acordo entre o pai e a mãe quanto à guarda dos filhos, será aplicada, ‘sempre que possível’, a guarda compartilhada”. Trecho do voto proferido no julgamento do Agravo de Instrumento 70024604555–TJ/RS, em 30.06.2008. Enunciados 101 e 102, aprovados na I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal – realizada em setembro de 2002. [atualizados/substituídos pelo Enunciado n.º 517]. CRUET, Jean. A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis (original: La vie du droit et ĺ impuissance des lois. Paris, 1908). Antiga Casa Bertrand-José Bastos e Cia, Livraria Editora: Lisboa, 1908 (Bibliotheca de PhilosophiaScientifica), em epígrafe à abertura da obra. Tradução livre do autor do presente trabalho: Nós vemos, todos os dias, a sociedade refazer a lei; jamais vimos a lei refazer a sociedade. Já na I Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2002, foram aprovados os Enunciados n. 101 e 102 [hoje substituídos peloEnunciado n.º 517], segundo os quais [repetimos!], respectivamente: “Sem prejuízo dos deveres que compõem a esfera do poder familiar, a expressão ‘guarda de filhos’, à luz do art. 1.583, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/registrocivil/2013/default.shtm 32 33 34 35 36 37 38 39 atendimento ao princípio do melhor interesse da criança” e “A expressão ‘melhores condições’ no exercício da guarda, na hipótese do art. 1.584, significa atender ao melhor interesse da criança”. DIAS, Maria Berenice. Guarda compartilhada, uma novidade bem-vinda! Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/pt/guarda-compartilhada.dept>. Acesso em: 2 jul. 2017. CCB/02. Art. 1.584, § 2.º (com a outrora redação dada pela Lei n.º 11.698/2008 – hoje modificada). “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”. Como se percebe no seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA. BUSCA E APREENSÃO. GUARDA COMPARTILHADA. Mesmo reconhecendo a necessidade do contato da filha com o genitor, não é recomendável o deferimento, pelo menos por enquanto, da guarda compartilhada, modalidade sabidamente de dificílimo êxito na sua aplicação prática e somente viável quando fruto do consenso, o que não se verifica na presente demanda, cujo clima de litígio entre o ex-casal é intenso. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70060973567, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 20/11/2014). Art. 1.584. § 3.º (com a anterior redação dada pela Lei n.º 11.698/2008 – hoje modificada). “Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar”. Justificativa do Projeto de Lei n.º 1.009/2011 (Convertido em PL 117/2013 que, posteriormente, resultou na Lei n.º 13.058/2014): “[...] Ocorre que alguns magistrados e membros do Ministério Público têm interpretado a expressão “sempre que possível” existente no inciso em pauta, como “sempre que os genitores se relacionem bem”. Ora nobres parlamentares, caso os genitores efetivamente se relacionassem bem, não ha- veria motivo para o final da vida em comum, e ainda, para uma situação de acordo, não haveria qualquer necessidade da criação de lei, vez que o Código Civil em vigor a época da elaboração da lei já permitia tal acordo. Portanto, a seguir tal pensamento, totalmente equivocado, teria o Congresso Nacional apenas e tão somente desperdiçado o tempo e dinheiro público com a elaboração de tal dispositivo legal, o que sabemos, não ser verdade”. Para José Fernando Simão, na verdade, foi aprovada Lei da Guarda Compartilhada para aplicação da guarda alternada. SIMÃO, José Fernando. Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? Vídeo disponível em: <http://www.professorsimao.com.br/multimidia/multimidia.aspx? ti=%20Guarda%20compartilhada%20obrigat%C3%B3ria.%20Mito%20ou%20realidade?%20Parte%201&id=313>. Acesso em: 4 jul. 2017. A propósito, vale ressaltar o entendimento da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.251.000/MG (DJe 31/08/2011), consignado neste trecho do voto: “[...] Na verdade, a força transformadora dessa inovação legal está justamente no compartilhamento da custódia física, por meio da qual ambos os pais interferem no cotidiano do filho. Quebra-se, assim, a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condições propícias à continuidade da existência de fontes bifrontais de exercício do Poder Familiar. […] De se ressaltar, ainda, que a custódia física conjunta, preconizada na guarda compartilhada, em muito se diferencia da guarda alternada. Na guarda alternada, a criança fica em um período de tempo – semana, mês, semestre ou ano – sob a guarda de um dos pais que detém e exerce, durante o respectivo período, o Poder Familiar de forma exclusiva. [...] A guarda compartilhada, com o exercício conjunto da custódia física, ao revés, é processo integrativo, que dá à criança a possibilidade de conviver com ambos os pais […] O estabelecimento de um lapso temporal qualquer, onde a custódia física ficará com um deles, não fragiliza esse norte, antes pelo contrário, por permitir que a mesma rotina do filho seja vivenciada à luz do contato materno e, em outro momento, do contato paterno, habilita a criança a ter uma visão tridimensional da realidade, apurada a partir da síntese dessas isoladas experiências interativas. […] In casu, a fixação da custódia física em períodos de dias alternados primeiro observou as peculiaridades fáticas que envolviam pais e filho, como a localização de residências, capacidade financeira das partes, disponibilidade de tempo e rotinas do menor. Posteriormente, decidiu-se pela viabilidade dessa custódia física conjunta e a sua forma de implementação. […] Contudo, reputa-se como princípios inafastáveis a adoção da guarda compartilhada como regra, e a custódia física conjunta [sempre que possível] como sua efetiva expressão. Dessa maneira, não prospera igualmente o pleito do recorrente quanto à inviabilidade de fixação de lapsos temporais de convívio alternados”. CCB/2002. Art. 1.583, § 5º. “A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos”. http://www.mariaberenice.com.br/pt/guarda-compartilhada.dept http://www.professorsimao.com.br/multimidia/multimidia.aspx?ti=%20Guarda%20compartilhada%20obrigat%C3%B3ria.%20Mito%20ou%20realidade?%20Parte%201&id=313 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 SIMÃO, José Fernando. Guarda compartilhada obrigatória. Mito ou realidade? Vídeo disponívelem: <http://www.professorsimao.com.br/multimidia/multimidia.aspx?ti=Guarda%20 compartilhada%20obrigat%C3%B3ria.%20Mito%20ou%20realidade?%20Parte%20 2&id=314>. Acesso em: 4 jul. 2017. CCB/2002. Art. 1.703. “Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos”. GROENINGA, Giselle Câmara. PL 117/13 confunde o que seria o espírito da guarda compartilhada. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-dez-08/pl-11713-confunde--seria-espirito-guarda-compartilhada>. Acesso em: 3 jul. 2017. Lei 11.698/08. Art. 1.584 do Código Civil. § 4.º (hoje modificado). “A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho”. CCB/2002. Art. 1.584. § 6.º (com redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação”. CCB/2002. Art. 1.585 (com redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584”. CCB/2002. Art. 1.634 (com redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poderfamiliar, que consiste em, quanto aos filhos: [...] V – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município”. Trecho do voto-vencido da lavra do ministro Ruy Rosado de Aguiar, que abriu divergência no julgamento do REsp 439.376-RJ, em 27.05.2003, DJ 06.09.2004, p. 261. Sobre a importância dos avós, Washington de Barros Monteiro, há tempos, asseverava que “sem dúvida alguma, o direito dos avós se compreende hoje como decorrência do direito outorgado à criança e ao adolescente de gozarem de convivência familiar, não sendo demais entender que nesse relacionamento podem ser encontrados os elementos que caracterizam a família natural, formada por aquela comunidade familiar constituída de um dos pais e seus descendentes, inserida na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente”. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 35.ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 235. CF/1988. Art. 1.º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: [...] III – a dignidade da pessoa humana [...]”. CF/1988. Art. 3.º. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...] IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Art. 5.º “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. ALVES, Jones Figueirêdo. Vidas avoengas. Disponível em: <http://marioluizdelgado.com/2014/07/26/dia-dos-avos/>. Acesso em: 12 jul. 2017. O TJ-RS, num caso no qual a genitora não possuía condições para o exercício da guarda do filho, admitira a guarda compartilhada com os avós paternos, nos seguintes termos: “[...] Apelação Cível. Ação de guarda. Guarda Compartilhada entre o genitor e os avós paternos. Inconformidade da mãe. O contexto probatório dos autos demonstra que a regulamentação da guarda ocorreu de forma justa, observando o melhor interesse da criança, porquanto o pai e os avós possuem condições mais favoráveis ao exercício da guarda. Diante disso, firmado o vínculo da criança com os avós paternos e o pai, bem como existindo estudos sociais favoráveis à preservação da situação consolidada, cumpre a manutenção da guarda estabelecida pela sentença. [...]”. (TJ-RS – AC: 70057303919, Relator: Alzir Felippe Schmitz, j. 30.01.2014, 8.ª CC, DJ 04.02.2014). Trecho do voto do ministro relator Massami Uyeda, no julgamento do REsp 1.186.086 – RO, acolhido por unanimidade, em 03.02.2011; DJe 14.02.2011. CCB/2002. Art. 1.584 (com redação dada pela Lei n.º 13.058/2014). “A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: [...] II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho [...]. § 5.º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade”. http://www.professorsimao.com.br/multimidia/multimidia.aspx?ti=Guarda%20 http://www.conjur.com.br/2014-dez-08/pl-11713-confunde--seria-espirito-guarda-compartilhada http://marioluizdelgado.com/2014/07/26/dia-dos-avos/ 55 56 57 58 59 60 61 62 CCB/2002. Art. 1.583 (com redação dada pela Lei n.º 11.698/2008). “A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1.º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5.º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. [...]”. Não obstante, pela prevalência da supremacia do melhor interesse da criança, o STJ ma-nifestou-se favorável à guarda compartilhada entre tio e avó paternos, ante a incapacidade de exercício da guarda pelos genitores: “[...] A peculiaridade da situação dos autos, que retrata a longa coabitação do menor com a avó e o tio paternos, desde os quatro meses de idade, os bons cuidados àquele dispensados, e a anuência dos genitores quanto à pretensão dos recorrentes, também endossada pelo Ministério Público Estadual, é recomendável, em benefício da criança, a concessão da guarda compartilhada. II. Recurso especial conhecido e provido”. (STJ, 4.ª T, REsp 1147138-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 27.05.2010). Sobre a importância dos princípios, Diogo Bernardino assevera que o “nosso sistema jurídico alberga uma visão pós-positivista, somada à necessidade e ao dever de uma orientação principiológica, a qual não se contenta com o mero respeito à legalidade consubstanciada nas regras. A letra seca e fria da Lei não pode excluir os princípios que a regem, que regem um sistema” (Bernardino, Diogo et al. Landscape, nature and law. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2005. v. 2, p. 249). Acerca dos anseios sociais, Giselda Hironaka aduz, com a sabedoria e sensibilidade que lhe são peculiares: “Descrever esta dimensão, desenhar a modelagem de hoje, esmiuçar os labirintos da crise e pinçar o quadro da evolução do Direito Civil é tarefa a um tempo hercúlea, delicada e merecedora de todos os cuidados e desvelos. Há um perigo iminente de se escorregar nas margens do exagero e acabar por registrar como tendências ou marcos, para o tempo novo, assuntos e situações que não revelam exatamente o senso comum, o querer socialmente apreciável”. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Tendências do Direito Civil no século XXI (Palestra proferida em 21.09.2001, por ocasião do encerramento do Seminário Internacional de Direito Civil, promovido pelo NAP – Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG). Direito civil: atualidades. FIUZA, César; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coords.). Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 93-130. Enunciado 333 – “O direito de visita pode ser estendido aos avós e pessoas com as quais a criança ou o adolescente mantenha vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse”. Enunciado 334 – “A guarda de fato pode ser reputada como consolidada diante da estabilidade da convivência familiar entre a criança ou o adolescente e o terceiro guardião, desde que seja atendido o princípio do melhor interesse”. Enunciado 335 – “A guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da mediação e da orientação de equipe interdisciplinar”. Enunciado 342 – “Observadas as suas condições pessoais e sociais, os avós somente serão obrigados a prestar alimentos aos netos em caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não-solidário, quando os pais destes estiverem impossibilitados de fazê-lo, caso em que as necessidades básicas dos alimentandos serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-financeiro dos seus genitores”. IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal – promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 25 a 27 de outubro de 2006, em Brasília-DF. Enunciado 517 – “Arts. 1.583 e 1.584. A Lei n. 11.698/2008, que deu nova redação aos arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil, não se restringe à guarda unilateral e à guarda compartilhada, podendo ser adotada aquela mais adequada à situação do filho, em atendimento ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. A regra aplica-se a qualquer modelo de família. Atualizados os Enunciados n. 101 e 336 em razão de mudança legislativa, agora abrangidos por este enunciado”. V Jornada de Direito Civil, realizada em Brasília-DF em 2011. Professora Titular de Direito Civil da nossa querida Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo [“Memórias da São Francisco, que eu canto com emoção. Em cada canto do Largo,eu largo o meu coração”]; considerada uma das maiores civilistas do Brasil. O trecho transcrito integra o texto base da inesquecível e emocionante aula inaugural [sobre a família brasileira contemporânea e sua história] proferida no dia 17/02/2014, na abertura da Semana de Recepção aos Calouros da FD-USP, pela Prof.ª. Giselda, que, gentilmente, disponibilizou. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Famílias paralelas. Disponível em: <http://www.fernandatartuce.com.br/site/aulas/doc_view/355-familias-paralelas-giselda--hironaka.html>. Acesso em: 09 jul. 2017. Segundo a eminente jurista, o texto do referido artigo teve, por base, palestra proferida no VIII Congresso Brasileiro de Direito de Família, promovido pelo IBDFAM, na cidade de Belo Horizonte, no ano de 2011, e será publicado [ampliado, atualizado e finalizado com um toque acerca da visão dos Tribunais nos dias de hoje] em livro em homenagem ao professor Newton de Lucca. FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 10. http://www.fernandatartuce.com.br/site/aulas/doc_view/355-familias-paralelas-giselda--hironaka.html 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 SANTOS, Romualdo Baptista dos. A tutela jurídica da afetividade. Curitiba: Juruá, 2011. p. 156. STJ, 3.ª T, REsp 1.186.086/RO, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 14.02.2011. STJ, 4.ª T, REsp 945.283/RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 28.09.2009. STJ, 4.ª T, REsp 1147138/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 27.05.2010. TJ/MG, 1.ª Câmara Cível, AC 1.0702.11.039713-1/001, Rel. Des. Vanessa Verdolim Hudson Andrade, DJ 06.08.2014. TJ/MG, 7.ª Câmara Cível, AC 1.0702.10.078236-7/001, Rel. Des. Washington Ferreira, DJ 21.10.2011. TJ/RS, 8.ª Câmara Cível, AC: 70057303919, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, DJ 04.02.2014. COHEN, Felix. Transcendental Nonsense and the Functional Approach. Columbia Law Review, Columbia, v. 35, n. 6, p.809-849, 1935. Disponível em: <http://moglen.law.columbia.edu/LCS/cohen-transcendental.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2017. O autor traz-nos brilhante reflexão, pontuando, em sua conclusão, que “é por meio da união ciência objetiva jurídica e teoria crítica de valores sociais que nossa compreensão da importância do Direito para a Humanidade será enriquecida” (tradução livre). CPC/2015. Art. 694. “Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar”. Art. 695. “Recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 694. [...]”. Art. 696. “A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito”. GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio sobre a processualidade: Fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. [Deixa-se aqui a nossa homenagem à querida e saudosa Professora das “Arcadas”] No procedimento comum, a antecedência exigida para a citação é de vinte dias em relação à data da audiência. Ao passo que nas ações de família, este prazo é de quinze dias. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1625-1628. CPC/2015. Art. 699. “Quando o processo envolver discussão sobre fato relacionado a abuso ou a alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar acompanhado por especialista”. CPC/1973. Art. 100. “É competente o foro: I – da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento; [...]”. CPC/2015. Art. 53. “É competente o foro: I – para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável: a) de domicílio do guardião de filho incapaz; b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz; c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal. [...]”. CPC/2015. Art. 3º “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. [...] § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. [...]”. CPC/2015. Art. 334. “Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência”. GRINOVER, Ada Pellegrini. Paixão e morte do “contempt of court” brasileiro: (art. 14 do Código de Processo Civil). In: BULOS, Uadi Lammêgo; CALMON, Eliana (Org.). Direito processual: inovações e perspectivas: estudos em homenagem ao Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1-11. Umas das primeiras noções sobre a guarda conjunta (joint custody) teve origem na Common Law, do direito inglês, e visava a compartilhar o direito de guarda do filho e distribuir responsabilidades entre os seus genitores. Posteriormente, desdobrou-se nas seguintes modalidades: sole custody para guarda dividida; joint physical custody or residential custody para guarda alternada; e joint custody para guarda compartilhada. Após vários pronunciamentos judiciais, os franceses editaram a Lei 87.570/1987 (Lei Malhuret), que modificou a redação do art. 287 do Código Civil e alterou o disposto, até então, sobre o exercício do poder familiar, possibilitando o compartilhamento da guarda e da autoridade parental (garde parentale conjointe). Em seguida, a Lei nº 2002-305 revogou o art. 287 e criou os arts. 371, 371-1, 371-2 e ss. [com mudanças, depois, trazidas pelas Leis nos 2013-404 e 2016-1547, por exemplo], que instituíram diversos outros critérios, deveres e direitos entre pais e filhos. http://moglen.law.columbia.edu/LCS/cohen-transcendental.pdf 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 Art. 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 20.11.1989): “1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada a formular seus próprios juízos o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se devidamente em consideração essas opiniões, em função da idade e maturidade da criança. 2. Com tal propósito, se proporcionará à criança, em particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais da legislação nacional”. A Convenção foi adotada pela Assembleia Geral da ONU, em 1989, e ratificada pelo Brasil, em 20.09.1990. Maria Rita Verardo Romano é magistrada, então presidente do Tribunale dei Minore di Lecce e ex-presidente nacional da Associazione Italiana dei Magistrati per i Minorenni e per la Famiglia – instituição que integra a Association Internationale des Magistrats de la Jeunesse et de la Famille. No que condiz ao texto – tradução livre feita por este autor: “Nos termos do seu significado cultural e social, a norma em exame merece aprofundada análise, não só porque é a expressão de um princípio de civilidade há muito difundido e adotado em quase todos os países europeus, mas sobretudo porque destina-se a uma melhor proteção dos verdadeiros interesses dos menores, com vistas a manter um relacionamento ‘equilibrado’ e ‘contínuo’ com os genitores, com os avós paternos e maternos e com os familiares de cada um dos genitores”. Disponível em:<http://www.minoriefamiglia.it/%5Cdownload%5Ccondiviso_presidenza.PDF>. Novo acesso em: 10 jul. 2017. O referido artigo foi publicado no n. 14/2006 do Guida al Diritto. A Lei 54, de 08.02.2006, foi publicada na Gazeta Oficial n. 50, no dia 1.º de março de 2006, e entrou em vigor quinze dias após, em 16.03.2006. Posteriormente, foi aprovado o Decreto Legislativo n.º 154, de 28.12.2013 [publicado na GU n.º 5, de 08.01.2014, e em vigor a partir de 07.02.2014], que alterou a referida Lei 54/2006. Estudo feito por Marina Florio, advogada familiarista italiana: “Considerazioni generali sulle prime prassi applicative della Legge n.º 54/06 (affido condiviso) – Riforma innovativa o mera petizione di principio?”, publicado em 15/11/2007. Disponível em: <http://www.diritto.it/docs/24954-considerazioni-generali-sulle-prime-prassi-applicative-della-legge--n-54-06-affido-condiviso-riforma- innovativa-o-mera-petizione-di-principio#_ftn1>. Acesso em: 11 jul. 2017. São os dizeres de Anna Galizia Danovi, presidente do “Centro per la Riforma del Diritto di Famiglia”, com sede em Milano, em entrevista concedida ao jornal Corriere della Sera. Disponível em: <http://27esimaora.corriere.it/articolo/figli-senza-piu-distinzionima- e--a-rischio-laffido-condiviso/>. Novo acesso em: 10 jul. 2017. Tradução livre do autor: “O pensamento atual tende a uma divisão equânime do tempo dos genitores com os filhos, o que em alguns países, como a França e a Bélgica, já tem estabelecido por lei”. A disposição da guarda compartilhada no Código Civil italiano apresentava-se da seguinte maneira antes do advento do DL n.º 154/2013 [com tradução livre do autor]: artigo 155 do Capítulo V (da dissolução do matrimônio e da separação dos cônjuges), do Título VI (do matrimônio), do Livro I (das pessoas e da família). O nosso Código Civil dispõe, especificamente, sobre a matéria nos arts. 1.583, 1.584 e 1.585 e ss. do Capítulo XI (da proteção da pessoa dos filhos), do Subtítulo I (do casamento), do Título I (do direito pessoal), do Livro IV (do direito de família) – todos inseridos na Parte Especial. O texto em epígrafe foi traduzido livremente pelo autor; o original assim se apresenta: “sono numerose le lacune nella nuova disciplina normativa così come concretamente attuata dal legislatore del 2006, – peraltro dichiaratamente consapevole della necessità di intervenire in futuro com nuovi interventi normativi. Del resto subito evidenziata dalle numerose critiche che ne hanno accompagnato l’approvazione e la sua entrata in vigore [...]. Affidamento a terzi – la mancata riproposizione nella legge di riforma dell’art. 155 comma sesto C.C., che prevedeva, in presenza di gravi motivi, il collocamento del minore presso terzi, è stata definita dai primi commentatori uma grave lacuna nella riforma”. Disponível em: <http://www.giustizia.catania.it/formazione/190407/pappalardo.pdf>. Novo acesso em: 11 jul. 2017. Texto original do revogado art. 155 do Código Civil italiano: “Provvedimenti riguardo ai figli. Il giudice che pronunzia la separazione dichiara a quale dei coniugi i figli sono affidati e adotta ogni altro provvedimento relativo alla prole, con esclusivo riferimento all’interesse morale e materiale di essa. In particolare il giudice stabilisce la misura e il modo con cui l’altro coniuge deve contribuire al mantenimento, all’istruzione e all’educazione dei figli, nonché le modalità di esercizio dei suoi diritti nei rapporti con essi. [...] In ogni caso il giudice può per gravi motivi ordinare che la prole sia collocata presso una terza persona o, nella impossibilità, in un istituto di educazione (Cod. Proc. Civ. 710). I coniugi hanno diritto di chiedere in ogni tempo la revisione delle disposizioni concernenti l’affidamento dei figli, l’attribuzione dell’esercizio della potestà su di essi e le disposizioni relative alla misura e alle modalità del contributo”. Texto original do art. 155 do Código Civil italiano, com a redação alterada pela Lei 54, de 08.02.2006: “Provvedimenti riguardo ai figli – http://www.minoriefamiglia.it/%5Cdownload%5Ccondiviso_presidenza.PDF http://www.diritto.it/docs/24954-considerazioni-generali-sulle-prime-prassi-applicative-della-legge--n-54-06-affido-condiviso-riforma-innovativa-o-mera-petizione-di-principio#_ftn1 http://27esimaora.corriere.it/articolo/figli-senza-piu-distinzionima-e--a-rischio-laffido-condiviso/ http://www.giustizia.catania.it/formazione/190407/pappalardo.pdf 94 95 96 97 98 Anche in caso di separazione personale dei genitori il figlio minore ha il diritto di mantenere un rapporto equilibrato e continuativo con ciascuno di essi, di ricevere cura, educazione e istruzione da entrambi e di conservare rapporti significativi con gli ascendenti e con i parenti di ciascun ramo genitoriale. Per realizzare la finalità indicata dal primo comma, il giudice che pronuncia la separazione personale dei coniugi adotta i provvedimenti relativi alla prole con esclusivo riferimento all’interesse morale e materiale di essa. Valuta prioritariamente la possibilità che i figli minori restino affidati a entrambi i genitori oppure stabilisce a quale di essi i figli sono affidati, determina i tempi e le modalità della loro presenza presso ciascun genitore, fissando altresì la misura e il modo con cui ciascuno di essi deve contribuire al mantenimento, alla cura, all’istruzione e all’educazione dei figli. Prende atto, se non contrari all’interesse dei figli, degli accordi intervenuti tra i genitori. Adotta ogni altro provvedimento relativo alla prole. La potestà genitoriale è esercitata da entrambi i genitori. Le decisioni di maggiore interesse per i figli relative all’istruzione, all’educazione e alla salute sono assunte di comune accordo [...]. In caso di disaccordo la decisione è rimessa al giudice. [...] Il giudice può stabilire che i genitori esercitino la potestà separatamente. [...]”. Tradução livre: “Nessa ótica, uma recente sentença de mérito tem reforçado a construção de uma categoria de medidas atípicas, nas quais o juiz está autorizado a determinar, no interesse do menor e nos termos do § 2.º do art. 155, CC, a entrega da criança aos avós (ver Trib. Salerno, 20.06.2006)”. Disponível em: <http://www.giustizia.catania.it/formazione/190407/pappalardo.pdf>. Novo acesso em: 11 jul. 2017. Texto original do julgamento: “nella fattispecie, peraltro, non può non evidenziarsi come la vita della minore sia stata dolorosamente segnata dalla precocissima perdita della madre; cosicché, è di tutta evidenza quell’esigenza che la legge individua come significativa per la crescita, si carica, nel contesto sopra ricordato, di una valenza speciale, posto che il contatto con i nonni materni e con l’ambiente di vita della madre, se improntato a senso di responsabilità e maturità, può assicurare la conservazione, per la minore, di um patrimonio di ricordi utile per la sua crescita”. Disponível em: <http://www.minoriefamiglia.it/download/napoli_diritto_nonni.PDF>. Novo acesso em: 11 jul. 2017. Trecho da decisão n.º 784, de 20.01.2012: “[....] L’art. 155 c.c., nella formulazione previgente, prevedeva l’ipotesi di inidoneità di entrambi i genitori all’affidamento del figlio. Nulla dice al riguardo la norma novellata. La disciplina era sufficientemente articolata: ove non fosse opportuno che il figlio rimanesse con l’uno o l’altro genitore, per “gravi motivi” il giudice poteva “collocare” (non affidare) il minore presso una terza persona (un parente, ma non necessariamente) ovvero (quando non vi fossero parenti o altre persone idonee disposte ad occuparsi del minore) in istituto di educazione (la legge sul divorzio prevede che, in caso di temporanea impossibilità di affidamento ai genitori, il giudice possa disporre affidamento familiare, ex. art. 2 n. 184 del 1983, e la norma non ha subito variazioni). [...] È da ritenere tuttavia che, nonostante l’assenza, nella disciplina vigente, di una previsione specifica, il richiamo, ancorché generico, contenuto nell’art. 155, comma 2, c.c., ai provvedimenti che il giudice assuma per i figli “conesclusivo riferimento all’interesse morale e materiale di essi”, ma pure quello, più particolare, alle modalità con cui ciascun coniuge contribuisce alla “cura” e alla “educazione” dei figli, oltre che al loro mantenimento ed istruzione, indica la possibilità di collocare il figlio presso terzi, in caso di inidoneità genitoriale (al riguardo, conformemente, Cass. n. 19065 del 2008). La legge sul divorzio precisa del resto, come si è detto (anche dopo la riforma del 2006), che può disporsi affidamento familiare ex art. 2 n. 184 del 1983, in caso di temporanea impossibilità di affidamento ai genitori (in stretto contatto, evidentemente, con l’azione del servizio sociale); tale previsione è sicuramente applicabile in via analogica alla separazione. Ne deriva che quando entrambi i genitori non sono idonei all’affidamento (dovrebbe trattarsi appunto di una situazione assai grave) o quando essi stessi lo rifiutano, si deve provvedere al collocamento, possibilmente presso parenti. [...]”. Disponível em: <http://www.west-info.eu/files/sentenza-Cassazione--affidamento-figli-minori-servizi-sociali- separazione-inidoneit%C3%A0-dei-genitori.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2017. Decreto Legislativo n.º 154, de 28.12.2013 [publicado na GU n.º 5, de 08.01.2014, e em vigor a partir de 07.02.2014]. “[...]. L’articolo 155 del codice civile e’ sostituito dal seguente: “Art. 155. In caso di separazione, riguardo ai figli, si applicano le disposizioni contenute nel Capo II del titolo IX. Introduzione degli articoli da 337-bis a 337-octies del codice civile”. Disponível em: <http://www.ufficigiudiziarigenova.it/documentazione/D_5283.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2017. Art. 337-bis, do Código Civil italiano (introduzido pelo DL n.º 154/2013): “Ambito di applicazione. In caso di separazione, scioglimento, cessazione degli effetti civili, annullamento, nullità del matrimonio e nei procedimenti relativi ai figli nati fuori del matrimonio si applicano le disposizioni del presente capo”. Art. 337-ter, do Código Civil italiano (introduzido pelo DL n.º 154/2013): “Provvedimenti riguardo ai figli. Il figlio minore ha il diritto di mantenere un rapporto equilibrato e continuativo con ciascuno dei genitori, di ricevere cura, educazione, istruzione e assistenza morale da entrambi e di conservare rapporti significativi con gli ascendenti e con i parenti di ciascun ramo genitoriale. Per realizzare la finalità indicata dal primo comma, nei procedimenti di cui all’articolo 337-bis, il giudice adotta i provvedimenti relativi alla prole con http://www.giustizia.catania.it/forma-zione/190407/pappalardo.pdf http://www.minoriefamiglia.it/download/napoli_diritto_nonni.PDF http://www.west-info.eu/files/sentenza-Cassazione--affidamento-figli-minori-servizi-sociali-separazione-inidoneit%C3%A0-dei-genitori.pdf http://www.ufficigiudiziarigenova.it/documentazione/D_5283.pdf 99 esclusivo riferimento all’interesse morale e materiale di essa. Valuta prioritariamente la possibilità che i figli minori restino affidati a entrambi i genitori oppure stabilisce a quale di essi i figli sono affidati, determina i tempi e le modalità della loro presenza presso ciascun genitore, fissando altresì la misura e il modo con cui ciascuno di essi deve contribuire al mantenimento, alla cura, all’istruzione e all’educazione dei figli. [...]. Adotta ogni altro provvedimento relativo alla prole, ivi compreso, in caso di temporanea impossibilità di affidare il minore ad uno dei genitori, l’affidamento familiare. [...]”. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – direito de família. 6ª. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2006. p. 293. 5 GUARDA COMPARTILHADA: A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DE UM ACORDO PARENTAL SUSTENTÁVEL FERNANDA ROCHA LOURENÇO LEVY Sumário: Introdução – 1. Guarda de filhos e a Lei 13.058/2014 – 2. A mediação como instrumento de construção do consenso parental – 3. Conclusões – Referências. INTRODUÇÃO No apagar das luzes de 2014, entrou em vigor no ordenamento jurídico pátrio a Lei 13.058, com vistas a fortalecer a adoção da guarda compartilhada e dispor sobre sua aplicação, alterando os artigos 1.583, 1.584 e 1.634 do Código Civil. Revogando parcialmente a Lei 11.698, de 13 de junho de 2008, que entre outras estipulações, previa sempre que possível, o estabelecimento de guarda compartilhada por determinação judicial para pais em desacordo sobre a questão da guarda de seus filhos comuns, a já denominada “Lei da Guarda Compartilhada” prevê que, estando ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar e quando não houver acordo entre eles quanto à guarda do filho, será aplicada a guarda compartilhada por determinação judicial, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. Se antes a guarda compartilhada figurava como uma das opções ao lado da guarda unilateral diante da disputa entre os genitores pela guarda dos filhos, atualmente a guarda compartilhada é modelo prioritário, ainda que especialmente na hipótese de os pais apresentarem iguais condições de exercício do poder familiar e estarem em desacordo sobre a guarda de seus filhos. Diante desse cenário, levantamos as seguintes questões: é aconselhável o estabelecimento de guarda compartilhada de filhos cujos pais estejam em permanente conflito? Em caso negativo, quais seriam os motivos? E qual a solução possível para o conflito? Guarda unilateral? A construção do consenso parental? Por quais instrumentos? Seria a mediação um meio para a obtenção do consenso parental? De que maneira? Como atua o mediador familiar? É possível a construção de um acordo de guarda compartilhada sustentável por meio da mediação familiar? Esses são os questionamentos que pretendemos enfrentar a seguir. 1. GUARDA DE FILHOS E A LEI 13.058/2014 Mantida a redação oferecida pelo legislador de 2008 ao caput e ao parágrafo primeiro do artigo 1.583 do Código Civil, o legislador de 2014 houve por bem revogar as disposições atinentes à guarda unilateral contidas no então § 2.º do artigo 1.583 para acrescentar novo significado à guarda compartilhada. Para além da previsão mantida que estabelece que a guarda dos filhos será unilateral ou compartilhada, expressamente definidas pelo legislador de 2008 como guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua e, como guarda compartilhada, a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns, de acordo com o novo artigo 1.583, na guarda compartilhada o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos comuns. A primeira questão que se coloca diante das disposições acima citadas se refere à possibilidade da adoção da guarda compartilhada em nosso ordenamento jurídico mesmo antes da Lei 11.698/2008. Entendemos que sim, o sistema jurídico brasileiro de proteção aos filhos nunca vetou a possibilidade de estabelecimento de guarda compartilhada. Muito pelo contrário, nossa Constituição Federal garante aos filhos a convivência familiar, como forma de preservação, promoção da integral formação de seres em desenvolvimento que são, e aplicação do princípio constitucional da dignidade humana que permeia todo o nosso ordenamento jurídico. Se já era possível o estabelecimento de guarda compartilhada em nosso sistema normativo, por que houve em 2008 a alteração de dispositivos de um Código Civil à época ainda tão recente entre nós? E passados apenas seis anos, quais seriam os motivos que levaram o legislador a rever novamente a matéria? A resposta é simples: para incentivar e agora priorizar a aplicação da guarda compartilhada pelos pais e Tribunais. Somos um país com forte tendência positivista, ou seja, de forma geral acreditamos que precisamos do incentivo da lei para mudanças comportamentais, ainda que nem sempre esses preceitos tragam mais soluções do que novos problemas. Apesar da nossa tendênciaem acreditar que a lei possa alterar comportamentos humanos tão arraigados, comparando os dados apontados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE em 2006, ou seja, pouco tempo antes das modificações trazidas pelo legislador de 2008, com os apresentados pelo mesmo instituto em 2013 sobre o tipo de guarda adotado pelos pais em casos de divórcio, notamos que o crescimento dos índices de adoção da guarda compartilhada foi pequeno em relação ao impacto desejado pelo legislador. Os dados de 2006 apontavam que, em 89,2% dos divórcios concedidos no Brasil, a responsabilidade para com a guarda dos filhos menores ficou a cargo das mulheres.1 Em 2013, de acordo com o relatório apresentado pelo IBGE, esse índice não sofreu grande alteração, pois em 86,3% dos divórcios concedidos no Brasil a responsabilidade pelos filhos continuou sendo concedida às mulheres. Segundo o relatório, “A guarda compartilhada ainda é uma situação pouco observada no País, porém crescente, visto que o percentual de divórcios que tiveram este desfecho no que diz respeito à guarda dos filhos menores foi de 6,8%.”2 Destaca-se que a pesquisa do IBGE, publicada em 2015, ainda “aponta a predominância das mulheres na responsabilidade da guarda dos filhos menores na ocasião do divórcio. No Brasil, essa proporção atingiu o valor de 78,8%. A região com maior proporção de mulheres responsáveis pela guarda dos filhos menores é a Região Sudeste com 81,1%”. Segundo o relatório, ”entre os anos 2014 e 2015, observou-se um aumento na proporção de guarda compartilhada entre os cônjuges, 7,5% e 12,9%, respectivamente”.3 Ou seja, houve um avanço, mas certamente ainda não o almejado. Sob o ângulo pedagógico, as novas disposições visam dar ênfase ao compartilhamento do exercício dos direitos e deveres do poder familiar e da responsabilidade parental em casos de inexistência ou rompimento de relação conjugal entre os pais de filhos comuns. Nesse sentido, a lei é projetada com o objetivo de enaltecer e garantir formalmente a participação igualitária da figura paterna na criação e educação de seus filhos, buscando gerar uma nova cultura e transformar o paradigma vigente que prestigia a guarda unilateral conferida à mãe. Contudo, parece-nos que para mudar essa realidade se faz necessário, mais do que uma lei, um conjunto de medidas que ao longo tempo propiciem o tão esperado equilíbrio parental no sentido amplo da expressão. De volta ao texto legal, analisando o caput do art. 1.583, parece que as duas formas de guarda, unilateral e compartilhada, são as únicas possíveis em nosso ordenamento jurídico, ou seja, o rol é taxativo. Em assim sendo, ficaria então proibida a estipulação de outro modelo de guarda, como, por exemplo, a alternada, ou seja, aquela em que os períodos de convivência contínua dos filhos com seus genitores são alternados entre eles? A interpretação textual da disposição contida no caput do art. 1.583 leva a essa primeira conclusão. Muito embora concordemos com as críticas oferecidas pelos psicólogos a esse tipo de guarda em razão de possível insegurança que possa trazer aos filhos, pensamos ser juridicamente possível seu estabelecimento pelos pais, considerando as circunstâncias de vida daquela família, ou seja, se o modelo é bom para aquele grupo familiar, respeitados o bem-estar dos filhos e seu desenvolvimento sadio, não há razões jurídicas para seu indeferimento. Assim, adotamos nessa análise uma interpretação extensiva e teleológica do caput do art. 1.583, concluindo que os modelos de guarda aí designados são exemplificativos. Nos termos do § 1.º do art. 1.583, a guarda unilateral é a exercida com exclusividade por um dos genitores ou alguém que o substitua, ficando, assim, a cargo do guardião exclusivo, a guarda jurídica e material dos filhos e, ao outro genitor, o dever e o direito de supervisão (antiga fiscalização) e convivência com o filho, o chamado “direito de visita”, expressão infeliz que remete à ideia de inexistência de intimidade entre filhos e pais que não residem sob o mesmo teto de uma maneira contínua. Já a guarda compartilhada implica em responsabilização conjunta e exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Acreditamos que o legislador tenha querido dizer que o exercício também é conjunto, muito embora tivesse sido mais adequado ter utilizado o vocábulo “conjunto” após os termos “responsabilização” e “exercício”, ou seja, ter dito: responsabilização e exercício conjuntos de deveres e direitos, do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Melhor ainda se tivesse explicitado que o exercício conjunto se dá em termos igualitários, pois essa é a questão central da guarda compartilhada. Os direitos e deveres do pai e da mãe em relação aos filhos são oriundos do poder familiar. É o exercício do poder familiar que sofre regulamentação, em face da fragmentação do relacionamento conjugal parental, pois, de acordo com o art. 1.632 do Código Civil, em caso de separação judicial, divórcio e dissolução da união estável, as relações entre pais e filhos não sofrem alterações, ressalva feita em relação ao direito, que aos pais cabe de terem em companhia os filhos. Essa ressalva, ou seja, o direito dos pais em ter os filhos em companhia, deve ser entendido como companhia contínua e ininterrupta, pois é pacífico o direito à convivência familiar. Antes de terem os pais o direito de estar em companhia de seus filhos, é direito dos filhos conviverem com seus pais. Como na esmagadora maioria dos casos de desunião parental os pais deixam de residir sob o mesmo teto, os filhos passam a residir com um deles depois da desunião (guarda material), fato que não se altera com a estipulação da guarda compartilhada, permanecendo a necessidade da existência de uma residência de referência, pois não há mais a possibilidade de compartilhamento simultâneo do mesmo teto, salvo em raríssimas exceções nas quais os pais, embora conjugalmente separados, continuam a morar na mesma residência. Diante deste contexto, o novo art. 1.583 estabelece que o tempo de convívio com os filhos deve ser divido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos (§ 2.º), e que na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos (§ 3.º). Frisamos que, na guarda compartilhada, pai e mãe exercem de maneira conjunta e igualitária os direitos e deveres em relação aos filhos. Neste modelo ainda há maior flexibilidade e paridade entre o pai e a mãe em relação aos períodos de convivência com os filhos, conceito reforçado pela recente alteração legislativa. Contudo, voltamos a sublinhar: o equilíbrio do período de convivência propugnado deve atender ao melhor interesse dos filhos e não está a serviço de contagem de tempo partilhado entre os pais. Quando a guarda compartilhada não for possível tendo em vista as condições fáticas presentes no caso concreto, por não atender ao melhor interesse dos filhos ou diante da falta do desejo de um dos genitores em exercê-la, permanece a guarda unilateral como opção que será conferida ao genitor que revele melhores condições para exercê-la.4 Na hipótese de atribuição de guarda unilateral, o novo texto legal mantém a obrigação do pai ou da mãe que não a detenha de supervisionar os interesses dos filhos, e estabelece que, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestações de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (art. 1.583, § 5.º). Permanecem inalteradas as disposições contidas nos incisos I e II do art. 1.584 do Código Civil: a guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser requerida por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles emação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar (inc. I) ou decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe (inc. II). Fica clara a intenção do legislador em prestigiar a iniciativa tomada por consenso pelos pais, e sua preocupação com as necessidades específicas do filho. Entretanto, caso o consenso parental não esteja presente, a guarda a ser adotada será a compartilhada e decretada pelo juiz. O significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas são informados ao pai e à mãe pelo juiz, na audiência de conciliação (art. 1.584, § 1.º). O principal objetivo do legislador de 2014 é alcançado no § 2.º do art. 1.584. Nos termos do texto legal ora parcialmente revogado, já havia a previsão de decretação pelo juiz da guarda compartilhada, sem consenso parental, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão de distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe. Entretanto, a disposição legal se apresentava como uma possibilidade e não como uma verdadeira diretriz aos juízes. O novo texto legal é categórico: diante do desacordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (art. 1.584, § 2.º). Embora a exceção prevista nos pareça incongruente, pois se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor, ao menos em tese haveria o consenso pela guarda unilateral que seria exercida pelo outro genitor (salvo nas raras hipóteses em que o genitor não deseja exercer a guarda unilateral e entenda que outra pessoa que não o outro genitor deveria fazê- lo), chegamos ao ponto central de nosso questionamento: é aconselhável a decretação ex officio de guarda compartilhada para pais que não estejam em consenso? Pensamos que não, vejamos o porquê. O modelo de guarda compartilhada requer, como o próprio nome diz, compartilhamento entre pai e mãe de decisões e atitudes cotidianas em relação ao exercício dos deveres e direitos relativos aos filhos em comum. Vai muito além da “divisão” equilibrada do tempo de convívio entre pai e mãe com os filhos. Compartilhar a guarda significa agir em uníssono e conjunto em várias situações que, se já são de difícil condução para pais que convivem sob o mesmo teto e possuem laços afetivos que os unem, quão difícil será para pais desunidos e em discórdia, o exercício da guarda compartilhada imposta por decisão judicial! Cada decisão relativa aos filhos a ser tomada, poderá ser motivo de novos conflitos e impasses. Partindo do princípio de que o melhor interesse dos filhos deve sempre ser preservado, temos receio de que a imposição da guarda compartilhada venha a gerar ainda maiores dissabores aos filhos já tão fragilizados por constantes desavenças. Diante dessa possibilidade, se o consenso não for construído, a guarda unilateral pode vir a ser mais aconselhável. Nossa análise tem por base o cotidiano de nossos tribunais nos quais tramitam inúmeras ações de regulamentação de guarda de filhos que se perpetuam em casos patológicos, sendo os filhos, incontáveis vezes, tratados como simples objetos de disputas entre pais. Reconhecemos e lamentamos os casos em que um dos genitores (em geral o pai) fica excluído das decisões que dizem respeito à vida de seus filhos. Legitimamos os sentimentos de um pai que, embora desejando, muitas vezes não consegue participar da vida de seus filhos. Contudo, nosso foco é a harmonia dessas relações, preservando os filhos e acolhendo o direito dos pais. Nesse sentido, evidente ser possível uma decisão que imponha a guarda compartilhada surtindo efeitos positivos, gerando uma paz parental. Às vezes, pode efetivamente ser necessária essa imposição, considerando inclusive um contexto de alienação parental. Aliás, é certo ser esse o objetivo do legislador, mas ao nosso entender, dificilmente a obtenção da paz se dá por meio da imposição de um terceiro. A previsão revogada nos parecia mais adequada, pois a expressão “sempre que possível” oferecia um espaço mais amplo para que o juiz, diante da falta do acordo parental, somente a decretasse com a forte convicção de que seria em prol do bem-estar dos filhos.5 Com a nova previsão que impõe a guarda compartilhada justamente em casos de ausência de acordo parental, ficamos receosos dos efeitos negativos que essa imposição possa causar no cotidiano e bem-estar dessas famílias, se não for bem avaliada. Nossa posição permanece pragmática e cautelosa: seria mais prudente a ausência de previsão legal de imposição da guarda compartilhada para pais em disputa, pois ainda que consideremos esse o melhor modelo de guarda de filhos, ao nosso entender, suas qualidades despontam desde que sua adoção seja fruto da vontade e do consenso parental e leve sempre em consideração as necessidades específicas do filho, e não somente uma distribuição de tempo de convívio entre os pais. Acreditamos que a guarda compartilhada terá maior chance de ser viável na prática e sustentável no tempo se nascida do consenso entre os pais, atingindo assim seu objetivo maior, ou seja, a felicidade dos filhos. 2. Em outras palavras: no nosso entender, a guarda compartilhada não deveria ser imposta, e sim construída pelos pais. Não sendo possível a obtenção do consenso parental e diante das previsões que ora se apresentam, a imposição da guarda compartilhada deve sempre ser decretada com foco no melhor interesse do filho. Ou seja, o juiz, ao analisar o caso concreto, ainda que o cenário do § 2.º do art. 1.584 esteja presente (falta de consenso entre pais aptos ao exercício do poder familiar e desejosos de exercer a guarda), deve decretá-la levando em conta as necessidades do filho, previsão expressamente contida no inciso II do mesmo art. 1.584. Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob a guarda compartilhada, dispõe o novo § 3.º do art. 1.584 que o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e a mãe. Sem dúvida, tal disposição representa a possibilidade de melhor adequação do teórico compartilhamento do exercício parental à difícil realidade da ruptura familiar. Contudo, ainda assim, o texto legal permanece sob a lógica da divisão, da partilha imposta e não do compartilhamento construído pelos verdadeiros interessados. Neste contexto, só nos resta tentar promover esse consenso onde não há, e, para tanto, propomos a mediação como instrumento de construção de uma guarda compartilhada viável e sustentável. A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE CONSTRUÇÃO DO CONSENSO PARENTAL A mediação é um instrumento não adversarial de gestão de conflitos interpessoais conduzido por um terceiro devidamente capacitado, o mediador, que auxilia os mediandos no processo de restabelecimento da comunicação, com vistas à compreensão e transformação do conflito. É um meio amigável de gestão de conflitos baseado fundamentalmente na livre autodeterminação das pessoas que, de maneira conjunta, constroem possíveis caminhos e soluções que melhor atendam a seus interesses e necessidades. Neste sentido, o princípio basilar da autonomia da vontade das partes retrata dois aspectos fundamentais da mediação: a liberdade de escolha do meio e a autodeterminação dos envolvidos na construção conjunta de caminhos que possam levar à transformação ou à resolução do conflito.6 Assim, a mediação deve ser sempre uma faculdade e nunca uma imposição para as partes. Ainda que alguns países, como, por exemplo, a Argentina,7 prevejam a mediação pré-processual com caráter obrigatório, nesse caso,a obrigatoriedade é entendida como uma oportunidade para que as partes tomem conhecimento sobre a mediação e que, se assim o desejarem, prossigam por seu caminho. A mediação, instrumento milenar de condução de conflitos, possui algumas nuanças em sua teoria e prática, de acordo com construções epistemológicas que acabaram por formar “escolas” ou “modelos” de mediação. Tal fato se deve à circunstância de a mediação, enquanto ciência, ser considerada uma transdisciplina, pois é fruto de vários saberes aportados de outras ciências que, juntos, formam um novo paradigma de abordagem de conflito. De modo breve, e nos atendo às características principais das escolas de Mediação mais utilizadas, temos o modelo Tradicional-Lineal (Harvard), o Transformativo (Bush & Folger) e o modelo Circular-Narrativo (Sara Cobb).8 O modelo colaborativo da Escola de Harvard trabalha o conflito por meio da comunicação bilateral efetiva e linear (causa e efeito) com um principal objetivo: a obtenção do acordo que represente ganhos mútuos pautados por critérios objetivos.9 O modelo Transformativo (Bush & Folger) entende o conflito como uma crise na interação humana e uma oportunidade de crescimento em duas dimensões críticas e inter-relacionais: I. fortalecimento do eu – autodeterminação e confiança nas próprias forças e II. reconhecimento da perspectiva do outro, respeito e consideração mútuos. Para os mentores desse modelo, o conflito negativo aprisiona as pessoas em uma interação negativa, e os seres humanos possuem a capacidade de força e reação, ação e conexão, mesmo em situações adversas. Processos que apoiam essas capacidades, como a mediação, conduzirão à transformação da interação conflituosa. Partindo dessa visão de mundo, a mediação transformativa busca a transformação do conflito, ou seja, o importante para essa linha é que as partes, por meio da mediação, transformem sua interação por meio do fortalecimento (empowerment) e reconhecimento (recognition). Assim, a promessa da mediação é propiciar um mundo melhor por meio da transformação das relações interpessoais, ficando a obtenção do acordo em um plano secundário.10 Já o modelo Circular-Narrativo (Sara Cobb) se alimenta das técnicas de terapia familiar sistêmica e da teoria da comunicação, e por meio de um conjunto de técnicas próprias, enaltece as histórias narradas, pretendendo propiciar um espaço no qual os mediandos possam modificar o significado do conflito e coconstruir uma história alternativa. A obtenção do acordo é um dos objetivos, muito embora de uma maneira menos intensa do que a escola de Harvard, pois não é esse seu foco primordial, mas sim a relação e a comunicação entre as pessoas. Muito embora a mediação seja uma só, ela é aplicada a diversas áreas (mediação familiar, empresarial, escolar, comunitária, penal) e com técnicas e métodos apropriados para cada tipo de conflito. Em especial no contexto familiar, a utilização da mediação ganha seus melhores contornos, pois como meio adequado para o tratamento de conflitos entre pessoas que possuam vínculos duradouros, proporciona um espaço seguro e acolhedor para a complexidade das relações familiares. A mediação familiar possibilita o restabelecimento da comunicação entre os mediandos, a reavaliação dos pontos conflituosos, o estímulo da compreensão recíproca dos pontos divergentes e convergentes e o desenvolvimento da coparticipação nas decisões tomadas e corresponsabilidade pelas escolhas feitas. Reconhecendo a qualidade e mesmo a necessidade de fomentar a mediação em nosso País, muitos foram os esforços empreendidos para a implantação e desenvolvimento de boas práticas de mediação em nosso País11. Nesse contexto, também no âmbito legislativo muitas iniciativas versaram sobre esse tema, e acabaram por culminar na promulgação da Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) e em previsões específicas contidas no Novo Código de Processo Civil. Não nos cabe nesse momento tecer comentários pormenorizados ao marco legal da mediação, mas não podemos deixar de fazer referência ao art. 694 do Código de Processo Civil, que expressamente prevê que, nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. Também há portas abertas para a realização da mediação extrajudicial, dispondo expressamente o parágrafo único, do art. 694 que, a requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar. Ressalta-se que o legislador efetivamente prestigiou os meios consensuais para a gestão das controvérsias familiares, inclusive no que se refere ao procedimento processual e ao próprio procedimento da mediação, pois, nos termos do art. 695 do Código de Processo Civil, recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação; e de acordo com o art. 696, a audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito. Diante de suas qualidades, e após longos anos de práticas exitosas, a mediação é reconhecida pelo nosso sistema jurídico posto como um grande recurso a ser utilizado nas questões familiares, em especial nas disputas pela guarda de filhos. Essa leitura deve ser feita contemplando e harmonizando os diversos dispositivos legais que versam sobre o tema, previstos na Lei de Mediação, no Novo Código de Processo Civil e no Código Civil. Em assim sendo, também a mediação pode perfeitamente ser inserida no gênero “equipe interdisciplinar” contido na regra do § 3.º do art. 1.584 do Código Civil.12 O mediador pode e, a nosso entender, deve fazer parte dessa equipe, não somente nas questões atinentes à guarda compartilhada, mas também nos diversos aspectos que permeiam os conflitos familiares, como na ruptura conjugal, nas divergências entre pais e filhos, irmãos, familiares nas novas recomposições familiares e, em especial, em todas as questões relativas à regulamentação do exercício do poder familiar diante do conflito parental. É sabido que o conflito no âmbito familiar é um dos mais delicados, pois seus protagonistas estão ligados por laços sentimentais. Amor, ódio, indiferença, ciúmes, apego e medo são ingredientes que quase sempre estão presentes nas fraturas familiares. As questões psicológicas permeiam as questões jurídicas, e muitas vezes são de difícil solução justamente por encontrarem uma barreira no âmbito psicológico. A família está doente e o auxílio profissional é muito eficaz para restabelecer o equilíbrio das emoções e, consequentemente, a paz nas relações jurídicas. Esse auxílio pode vir de diversas maneiras, pelas mãos dos profissionais cuidadores da saúde psíquica (psicólogos, psicanalistas, psiquiatras) e também por um procedimento de mediação, lembrando sempre que mediação não é terapia familiar.13 Um cuidado não exclui o outro, assim como o mediador não substitui o advogado em suas funções. Aliás, são atividades que caminham muito bem juntas, com excelentes resultados para todos. Sublinhamos que a prática efetiva da mediação sofre algumas variantes dependendo do mediador e do caso mediado. É tema complexo e extenso que aqui não cabe ser tratado. Mas há um desenho básico (ou parâmetros mínimos) que serve de moldura às práticas de mediação.14 A mediação é uma oportunidade de escuta diferenciada em um espaço especialmente preparado para tal. Não há um número predeterminado de sessões, mas em média, ocorrem em torno de cinco ou seis sessões (ou encontros), podendo, em casos mais complexos, alcançar um número maior de reuniões. Para o âmbito privado, as partes podem vir encaminhadas pelo Poder Judiciário ou por qualquer outro meio como, por exemplo,por indicação de advogados, terapeutas ou amigos das partes. Caso somente uma das partes, na hipótese em questão, um dos pais, procure o atendimento, ao outro é feito um convite de participação, por via telefônica ou postal. Este convite deve ser amável (é um convite e não uma intimação) e deve explicar, sucintamente, a razão, o modo e os objetivos do encontro. Agenda-se um horário (em torno de 60 minutos) por vezes em conjunto e por outras em separado, dependendo da qualidade do diálogo existente entre eles e, na data marcada, inicia-se uma etapa denominada de pré-mediação. Nesta fase, o mediador se apresenta pessoalmente e explica sua função de facilitador imparcial da condução do diálogo entre as partes. Explica também os princípios que regem a mediação, seu procedimento, o valor de seus honorários e local em que as reuniões ocorrerão, e coloca-se à disposição dos participantes para o esclarecimento de dúvidas que porventura existam quanto ao procedimento. Ressalta as regras da boa condução que regem a mediação, que se baseiam no respeito, na boa-fé e no comprometimento de todos os envolvidos. Caso as partes decidam optar pela adoção desse meio, todos assinam um termo de mediação que retrata o conteúdo acertado na pré-mediação. A presença do advogado é sempre bem-vinda e de suma importância, sendo que no âmbito extrajudicial é facultativa. Ressaltamos que toda orientação e análise jurídica são realizadas pelos advogados dos mediandos, inclusive os contornos jurídicos do termo de compromisso de mediação. O acordo pode acontecer durante as reuniões de mediação ou depois, ou ainda não acontecer. 3. Há, inclusive, casos que não são mediáveis15 e outros em que uma das partes não está disposta para tanto. De qualquer maneira, a experiência demonstra que apenas a ideia de submeter o conflito à mediação já traz efeitos positivos para os mediandos e por consequência, para seus filhos, pois descortina em suas mentes a possibilidade de viabilização do diálogo, que por inúmeras vezes lhes parece tão impossível. Entendemos que o verdadeiro sucesso da mediação está em promover uma mudança positiva do conflito, uma nova perspectiva de futuro, ainda que o acordo em si não tenha sido alcançado. Se estabelecido o acordo, este é acompanhado e redigido pelos advogados e, se necessário, homologado judicialmente. Reafirmamos que a mediação é um meio eficaz de gestão de conflitos, na medida em que a solução para o impasse é construída pelos próprios envolvidos no conflito e não imposta por um terceiro. Evoca e avoca a responsabilidade das partes e, portanto, as decisões tomadas têm maior chance de serem cumpridas. Ainda que a mediação não seja a cura para todos os males, é um caminho possível de pacificação de conflitos, em especial, dos familiares. O Poder Judiciário, já tão sobrecarregado, por vezes não possui o instrumental necessário para, de maneira isolada, cuidar dessas questões. Assim, o recurso à via litigiosa deve ser utilizado em situações em que efetivamente o diálogo e a construção do acordo pelas partes não tenha sido possível. CONCLUSÕES Respondendo às questões inicialmente levantadas, pensamos que a recente Lei 13.058/2014, que oferece nova disciplina à guarda compartilhada, tem por principal mérito a função pedagógica e cultural de destacar a guarda compartilhada como o melhor modelo de guarda de filhos para pais que têm por desafio e meta proporcionarem aos seus filhos um sentimento de pertencimento a uma família que se já não conjugal, permanece parental. Entretanto, entendemos que o estabelecimento da guarda compartilhada deva ser sugerido, aconselhado e incentivado, mas não imposto por decisão judicial a pais que estejam em desacordo, pois pode gerar efeitos negativos ao já instalado conflito, potencializando-o. Diante da impossibilidade de acordo parental e tendo por parâmetro a proteção integral dos filhos, antes do advento da nova lei, restavam dois caminhos: a construção do consenso parental para a obtenção da guarda compartilhada ou a estipulação de guarda unilateral para o genitor com melhores condições para exercê-la. Agora, o juiz é instado a conferir a guarda compartilhada aos pais que apresentem as mesmas condições de exercê-la, ainda que sob o cenário das disputas. Em respeito à diretriz legal, e pensando em trilhar um caminho viável para a guarda compartilhada, apontamos a mediação como um instrumento adequado e eficaz para a construção do consenso parental, abrindo uma oportunidade de elaboração de escolhas apropriadas para cada caso, escolhas essas pensadas, construídas e decididas pelos próprios pais em prol do bem-estar de seus filhos. A guarda compartilhada torna-se viável e sustentável na medida em que acordos possíveis de serem cumpridos são estabelecidos pelos próprios pais e não lhes foram impostos por decisão judicial. Semeia-se o diálogo, pois a via da mediação passará a fazer parte dos recursos parentais para a construção de reajustes que se fizerem necessários ao longo de um caminho, que se objetiva pacífico, para pessoas que permanecerão vinculadas pelos laços do compartilhamento de serem pais dos mesmos filhos, para sempre. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Tania. Caixa de Ferramentas em mediação. Aportes práticos e teóricos. São Paulo, Dash, 2014. ARÉCHAGA, Patrícia Valeria; BRANDONI, Maria Florência; FINKELSTEIN, Andréa. Acerca de la clínica de mediación: relatos de casos. Buenos Aires: Librería Histórica, 2004. BRAGA NETO, Adolfo. Mediação: uma experiência brasileira. São Paulo: CLA, 2017. BREITMAN, Stella; PORTO, Alice Costa. Mediação familiar: uma intervenção em busca da paz. Porto Alegre: Criação Humana, 2001. BUSH e FOLGER, La promesa de mediación. Granica, 2006. CALCATERRA, Rubén. Mediación estratégica. Barcelona: Editorial Gedisa, 2006. CARAM, Maria Elena; EILBAUM, Diana Teresa; RISOLÍA, Matilde. Mediación: diseño de una practica. 2. ed. Buenos Aires: Librería Histórica, 2006. CEZAR-FERREIRA, Verônica A. de Motta. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. São Paulo: Método, 2011. FISHER, Roger, URY William, PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: a negociação de acordos sem concessões. Tradução de Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 2005. GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano (coord.). Mediação e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional. São Paulo: Atlas, 2007. HOROWITZ, Sara Rozemblaum. Mediación y revinculación. Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina, 2006. SIX, Jean-François. Dinâmica da mediação. Trad. Giselle Groeninga de Almeida, Águida Arruda Barbosa e Eliana Riberti Nazareth. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. SUARES, Marines. Mediación, conducción de disputas, comunicación y técnicas. Buenos Aires: Paidós, 2002. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 _______. Mediando em sistemas familiares. Buenos Aires: Paidós, 2005. TAPIA, Gachi; DIEZ, Francisco. 1. ed. 4. reimp. Buenos Aires: Paidós, 2006. Estatísticas do Registro Civil relativas ao ano de 2006, resultado da coleta das informações prestadas pelos cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, Varas de Família e Cíveis. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/registrocivil/2006/registrocivil_2006.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2008. De acordo com os dados apurados, o Pará, com 11,4%, e o Amazonas, com 10,8%, foram os estados brasileiros com os maiores percentuais de divórcios nos quais foram evidenciadas as guardas compartilhadas. Destaca-se, ainda, que a preponderância das mulheres na guarda dos filhos menores é uma situação observada em todas as Unidades da Federação. Em 2013, a guarda dos filhos foi de responsabilidade da mulher em 95,4% dos divórcios ocorridos no Estado de Sergipe, por exemplo. Os menores percentuais referentes à guarda dos filhos pelos homens foram registrados no Ceará, com 3,4%, e Sergipe, com 1,8%. No Amapá, entretanto, do total de divórcios com filhos menores, em 11,8% dos casos a guarda foi concedida ao homem. Estatísticasdo Registro Civil relativas ao ano 2013. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Registro_Civil/2013/comentarios.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2015. Estatísticas do Registro Civil relativas ao ano 2015. Disponível em <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2015_v42.pdf>. Acesso em 10 jul. 2017. Dispunha o revogado § 2.º do art. 1.583 que, na hipótese de disputa pela guarda unilateral, ela seria atribuída ao genitor que revelasse melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar (I), saúde e segurança (II) e educação (III), prevendo, ainda, no § 3.º, a obrigação de supervisão do pai ou da mãe que não detenha a guarda unilateral. Embora tenha sido revogado, parece-nos que tais critérios continuam a ser adotados por integrarem o conteúdo do princípio do melhor interesse dos filhos, essência desse tema. Nesse sentido, a previsão contida no § 2.º do art. 1.584: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada” (grifos nossos). Para ampliação do conhecimento acerca dos princípios que regem a mediação e os mediadores, ver: Código de ética para mediadores. Referências de Boas Práticas para Mediadores. Forum Nacional de Mediação (FONAME). Disponível em: <www.institutodaccord.com. br>. Código de ética para mediadores do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA). Disponível em <http://www.conima.org.br/codigo_etica_med>. O procedimento é regulado pela Lei 24.573/1995, que institui a mediação com caráter obrigatório pré-processual como o objetivo de promover a comunicação direta entre as partes para a solução extrajudicial da controvérsia (art. 1.º). Para uma leitura mais aprofundada sobre os modelos de mediação: SUARES, Marines. Mediación, conducción de disputas, comunicación y técnicas. Buenos Aires: Paidós, 2002. Obra fundamental sobre o assunto: FISHER, Roger, URY William, PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: a negociação de acordos sem concessões. Tradução de Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 2005. BUSH e FOLGER, La promesa de mediación. Granica, 2006. Ver em BRAGA NETO, Adolfo. Mediação: uma experiência brasileira. São Paulo: CLA, 2017. Art. 1.584, § 3.º “Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe”. As atividades não se confundem, muito embora tenham aportes de psicologia na formação do mediador. Sobre mediação familiar, consulte: CEZAR-FERREIRA, Verônica A. de Motta. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. São Paulo: Método, 2011; BREITMAN, Stella; PORTO, Alice Costa. Mediação familiar: uma intervenção em busca da paz. Porto Alegre: Criação Humana, 2001; HOROWITZ, Sara Rozemblaum. Mediación y revinculación. Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina, 2006; SUARES, Marinés. Mediando em sistemas familiares. Buenos Aires: Paidós, 2005; SIX, Jean-François. Dinâmica da mediação. Trad. Giselle Groeninga de Almeida, Águida Arruda Barbosa e Eliana Riberti Nazareth. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. Sobre a prática da mediação, consulte: ALMEIDA, Tania. Caixa de Ferramentas em mediação. Aportes práticos e teóricos. São Paulo, Dash, 2014; CARAM, Maria Elena; EILBAUM, Diana Teresa; RISOLÍA, Matilde. Mediación: diseño de una practica. 2. ed. Buenos Aires: Librería Histórica, 2006; TAPIA, Gachi; DIEZ, Francisco. 1. ed. 4. reimp. Buenos Aires: Paidós, 2006; http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/registrocivil/2006/registrocivil_2006.pdf http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2015_v42.pdf http://www.institutodaccord.com http://www.conima.org.br/codigo_etica_med 15 CALCATERRA, Rubén. Mediación estratégica. Barcelona: Editorial Gedisa, 2006; ARÉCHAGA, Patrícia Valeria; BRANDONI, Maria Florência; FINKELSTEIN, Andréa. Acerca de la clínica de mediación: relatos de casos. Buenos Aires: Librería Histórica, 2004; GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano (coord.). Mediação e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional. São Paulo: Atlas, 2007. Esse tema é bastante controvertido, entendendo alguns mediadores que casos de violência não seriam mediáveis. Parece-nos que o principal empecilho à mediação é a ausência de discernimento para decidir, pois a mediação é espaço para tomada de decisões e essas devem ser pautadas no consentimento esclarecido e informado. 1. 2. 6 BREVES REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO ADVOCATÍCIA E O PEDIDO FORMULADO PELO DEMANDADO EM AÇÕES DE GUARDA FERNANDA TARTUCE Sumário: 1. Reflexões iniciais – 2. Perspectiva de um caso concreto – 3. Destaques sobre o cenário normativo – 4. Orientação advocatícia a partir da nova legislação – 5. Formulação do pedido de guarda pelo demandado: 5.1 Ação dúplice e pedido contraposto; 5.2 Reconvenção; 5.3 Fungibilidade – 6. Reflexões finais – Referências bibliográficas. REFLEXÕES INICIAIS A guarda compartilhada vem ensejando grandes desafios a quem atua na advocacia familiar. Embora o tema seja consideravelmente prestigiado no plano doutrinário e na seara normativa, a compreensão de seus termos nem sempre é fácil por parte de jurisdicionados e advogados. É recorrente ouvir que a guarda compartilhada é uma quimera, um projeto fadado ao fracasso; afinal, se o casal rompeu a união é porque não se comunica bem e nada tem condições de seguir compartilhando. Muitos ainda consideram ser a guarda unilateral materna uma regra, só a entendendo descabida em casos extremos. Ademais, diversos genitores identificam na guarda um elemento de poder do qual não pretendem abrir mão. A proposta deste artigo é promover reflexão sobre a atuação advocatícia e a formulação do pedido de guarda pelo demandado em juízo. Deve o advogado preparar o cliente para a possível determinação de guarda compartilhada? Caso seu cliente decida pedir a guarda (unilateral ou compartilhada), o pedido deve ser feito em reconvenção ou basta sua apresentação na contestação, dentre os argumentos de defesa ou por pedido contraposto? PERSPECTIVA DE UM CASO CONCRETO Silzete, de 4 (quatro) anos de idade, é filha de Silvaney e Marizete. O fim da união conjugal é recente, e a dupla parental tem dificuldade de se comunicar, vivendo atualmente uma intensa disputa pela guarda da filha. 3. Herdonyel, advogado contratado por Silvaney, ouve do cliente que tanto ele como a (quase ex) esposa desejam fortemente a guarda unilateral com restrita “visitação” por parte do outro. Manifesta também intensa resistência ao diálogo, dizendo querer uma decisão judicial para que o juiz diga quem tem razão. Quando Silvaney é perguntado, por seu advogado, sobre como Silzete se sente em relação à disputa, é vago; reconhece, com algum esforço, que a criança tem sofrido com a situação e que manifesta grande apego à mãe, embora externe apreciar os momentos vividos com o pai. Herdonyel pergunta então como Marizete lida com os sentimentos da filha; Silvaney diz não saber e preferir não falar disso por se tratar de um “assunto difícil”. Como se percebe por esse primeiro relato, o advogado precisará orientar seu cliente sobre o panorama normativo e buscar prepará-lo para a provável abordagem do conflito em juízo. DESTAQUES SOBRE O CENÁRIO NORMATIVO Nos termos da lei civil, a guarda será unilateral ou compartilhada, sendo esta última reconhecida como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”1. Embora a guarda compartilhada venha ganhando cada vez mais espaço, a guarda unilateral ainda tende a predominar nas famílias brasileiras marcadas pelo fim da união conjugal; vários fatores são determinantes para essequadro, como a tradição de que a mulher permaneça com os filhos e o desconhecimento de muitos sobre o modo compartilhado2. Segundo Enio Zulliani, há predileção pela unilateralidade da guarda, que por vocação instintiva acaba sendo deferida à mãe da criança; contudo, logo surgem “desavenças derivadas das infantis intransigências no exercício do direito de visita”, especialmente “quando alguém assume o novo amor”: As acusações se proliferam, e o juiz tenta, sem sucesso, a conciliação, revelando os processos que chegam ao Tribunal que o clima entre os divorciados e companheiros separados atinge uma escala de irracionalidade e de violência física e verbal totalmente prejudicial ao desenvolvimento psíquico da pobre criaturinha entrincheirada nas proposições radicalizadas dos pais. E fica pior quando é verificado que os avós entram na disputa para agravar a discórdia familiar. A guarda compartilhada evitaria todo esse imbróglio e constituiria uma passagem inofensiva da transição a ser superada na adaptação dos filhos menores às vidas separadas dos pais, desde que a eles fossem oferecidas condições propícias. Os cônjuges e companheiros ainda não tomaram consciência de que o sistema jurídico foi alterado nesse segmento exatamente para proteger os menores dos desmandos cometidos por mágoas e ressentimentos amorosos, sendo necessário advertir que não se valorizaram os aspectos propedêuticos das sanções impostas pelo descumprimento (...)3. Apesar das dificuldades (ou talvez por causa delas), o legislador vem incrementando o panorama normativo de forma considerável nos últimos tempos para prestigiar a guarda compartilhada. Houve também, em sede jurisprudencial, um reforço à contemplação da guarda compartilhada: a Recomendação 25/2016 do CNJ indica a necessidade de que os juízes considerem a aplicação de tal modalidade como regra. Se for constatada a inviabilidade da adoção da guarda compartilhada no caso concreto, caberá ao magistrado justificar a impossibilidade à luz dos critérios normativos. No que tange ao perfil de tal instituto, algumas reflexões se fazem necessárias. Se a temática é controvertida entre operadores do Direito, o que dizer sobre sua compreensão por pessoas alheias à seara jurídica? Ainda há muito a avançar em termos de conhecimento e conscientização. Ao abordar a perspectiva de mudança legislativa sobre o tema, Silvio Venosa negou a necessidade de tal regulamentação; em seu sentir, “existe um conhecido abuso legislativo em nosso meio, sem que essa pletora de leis resolva nossos problemas. Na verdade, a educação do povo faz prescindir de muitas leis”4. Tem certa razão o autor; contudo, como bem destaca Giselle Groeninga, “em termos sociais, familiares e legislativos há um longo caminho a ser percorrido para a ampliação da consciência quanto à responsabilidade dos pais e às formas de seu exercício”5. Enio Zulliani destaca a importância da mudança legislativa em termos de conscientização: Os cônjuges e companheiros ainda não tomaram consciência de que o sistema jurídico foi alterado nesse segmento exatamente para proteger os menores dos desmandos cometidos por mágoas e ressentimentos amorosos, sendo necessário advertir que não se valorizaram os aspectos propedêuticos das sanções impostas pelo descumprimento (...). O juiz deve agir com firmeza para impedir que a alienação parental se transforme na síndrome que inferniza a vida das crianças, não só estabelecendo diretrizes e metas para que as visitas se façam sem martírios, como reduzindo prerrogativas tanto do guardador como do visitador. Voltando ao caso proposto, será importante que Herdonyel oriente seu cliente sobre a necessária abordagem do tema; ainda que isso lhe pareça difícil, não será viável deixar de se comunicar sobre ele com o advogado quando necessário, devendo Silvaney se preparar e buscar estar pronto para abordar o tema com Marizete e o juiz. Outro ponto importante precisará ser realçado pelo advogado junto ao seu cliente: segundo a lei civil, caso o juiz constate ser melhor para a criança o compartilhamento da guarda, poderá determiná-lo de ofício6. Assim, se o magistrado constatar que a criança terá seus interesses atendidos de forma mais eficiente a partir da convivência ampliada com ambos os genitores, assumindo uma responsabilização conjunta, ele determinará a guarda compartilhada, ainda que no processo apenas haja pedidos de guardas unilaterais. Em causa apreciada pelo Tribunal capixaba, no começo do ano de 2014, foi exatamente essa a via adotada: após constatar a possibilidade de ambos os genitores exercerem a guarda, reconheceu- se a guarda compartilhada de ofício: Na espécie, a despeito de não ter havido pedido expresso das partes quanto à instituição da guarda compartilhada, denota-se da peça recursal que a apelante aspira a essa medida, sendo certo que pode o juiz, até mesmo de ofício, decretá-la em atenção às necessidades específicas dos filhos” (art. 1.584, II, do CC). 6) Ademais, o julgador não está adstrito às conclusões dos auxiliares da justiça, cabendo a ele aplicar a Lei ao caso concreto, resguardando a implementação do regime preferencial da guarda compartilhada, desde que fundamentadas as suas razões de decidir. Precedentes. 7) Ante a vontade manifesta da genitora de ampliar sua convivência diária com os filhos, bem como a possibilidade de fazê-lo, considero que a definição pela guarda unilateral é inadequada e inábil para permitir futuros ajustes que se revelem necessários para garantir o atendimento do melhor interesse dos menores, sendo a guarda compartilhada a melhor indicação, conforme prevê a legislação em vigor7. Entendimento similar havia sido aplicado por um magistrado mineiro em primeira instância; a decisão, porém, foi reformada pelo Tribunal. Por não ter havido pedido de guarda compartilhada, os Desembargadores entenderam que ela não deveria ser imposta, sob pena de haver interferência inadequada do Estado nas relações familiares e desatendimento ao critério do melhor interesse do menor8. Desde 22 de dezembro de 2014, no entanto, com a promulgação e imediata entrada em vigor da Lei nº 13.058, a situação mudou de figura, já que alguns dispositivos centrais do Código Civil sofreram alteração para favorecer e disciplinar a guarda compartilhada. Segundo a nova redação do art. 1.584, § 2º, “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”9 Passou-se a prever, desde então, no art. 1.583, § 2º, do Código, que a guarda compartilhada implica a divisão equilibrada do tempo que os filhos passam com pai e mãe, enfatizando-se, aí e em outros dispositivos acrescentados, a ideia de que o arranjo deve sempre favorecer o melhor interesse dos filhos. Na falta de acordo, o juiz pode ser basear em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar para estabelecer as atribuições respectivas dos que detêm a guarda compartilhada, como se vê no art. 1.584, § 3º. Verdadeiramente revolucionária foi a previsão do art. 1.583, § 5º, no sentido de que, na guarda unilateral (que passou a ser hipótese subsidiária), o pai ou a mãe que não detenha a guarda do filho deve supervisionar seus interesses, sempre podendo solicitar informações e prestações de contas ao 4. detentor da guarda. Diante do novo paradigma, há autores que preferem nem mesmo falar em “guarda compartilhada” para, superando a terminologia legal, entender pela existência de um verdadeiro “direito à convivência compartilhada” – direito, bem entendido, do filho. Segundo Paulo Lôbo: A Lei nº 13.508 voltou-se essencialmente à divisão equilibrada do “tempo de convívio” com os filhos. Por essas e outras razões, a denominação correta é “convivência compartilhada”, pois o termo guarda, apesar de seu uso na legislação brasileira, é reducionista e evoca poder ou posse sobre o filho.10 Com as mudanças recentemente processadas,há uma verdadeira viragem paradigmática que precisará ser processada tanto pelos especialistas do Direito quanto pelas famílias – uns e outros formados segundo outras expectativas. De certo modo, os conflitos entre pai e mãe passam a ser tratados como absolutamente secundários em face do interesse de crianças e adolescentes. Paulo Lôbo resume com precisão a mudança: A guarda compartilhada era cercada pelo ceticismo dos profissionais do direito e pela resistência da doutrina, que apenas a concebia como faculdade dos pais, em razão da dificuldade destes em superarem os conflitos e a exaltação de ânimos emergentes da separação. Havia difundido convencimento de que a guarda compartilhada dependia do amadurecimento sentimental do casal, da superação das divergências e do firme propósito de pôr os filhos em primeiro plano, o que só ocorria em situações raras. A nova legislação ignorou esses obstáculos e determinou sua obrigatoriedade, impondo-se ao juiz sua observância.11 Como se percebe, o tema é delicado e tem potencial para gerar incompreensão e apego aos próprios interesses ou à específica visão de mundo, merecendo, por isso, ser abordado pelos advogados junto aos seus clientes para ensejar alertas úteis, preparando-os para decisões inovadoras, e possivelmente inesperadas pelo cliente, no cenário judicial. ORIENTAÇÃO ADVOCATÍCIA A PARTIR DA NOVA LEGISLAÇÃO Apesar de constar na lei civil12 que o juiz deve informar os litigantes sobre elementos da guarda compartilhada, é essencial que o advogado prepare o jurisdicionado para lidar com o tema, assessorando-o de forma completa desde o início da abordagem da controvérsia. É essencial que o advogado esclareça seus clientes sobre o novo cenário em que viverá por força do fim da união conjugal, conscientizando-o sobre as mudanças com que precisará se defrontar. Nesse cenário, é de extrema relevância que genitores e filhos que deixam de viver juntos na mesma casa tenham um regime de convivência consentâneo com sua situação em bases personalizadas13. No que diz respeito à guarda compartilhada, é relevante externar sua fundamentação teórica: como mecanismo de efetivação da coparentalidade, ela consiste na organização do direito de convivência entre pais e filhos segundo o princípio da igualdade entre homem e mulher e entre pai e mãe, “sempre consagrando o princípio do superior interesse da criança, com suporte no espírito da mediação”14. A guarda compartilhada expressa a busca primordial do melhor interesse de crianças e adolescentes. Na dicção de Maria Berenice Dias, “os fundamentos da guarda compartilhada são de ordem constitucional e psicológica, visando basicamente garantir o interesse da prole”.15 A guarda compartilhada quebra a estrutura de poder ensejada pela versão unilateral; além disso, o fato de ter dois lares pode ajudar os filhos, que são perfeitamente adaptáveis a esse tipo de situação, a compreender que o divórcio dos pais nada tem a ver com eles16. Com o novo panorama normativo e o destaque midiático ao tema, muitos genitores cujas situações pessoais já se tinham estabilizado com o regime da guarda unilateral procuraram seus advogados para buscar um compartilhamento a partir da mudança legislativa. Tal fato dá peso à afirmação de Flavio Tartuce, para quem o advento da nova legislação tende a intensificar os conflitos familiares nos próximos anos e gerar ainda mais problemas17. É importante que os advogados destaquem para seus clientes que mudar a guarda antes definida não é simples, sendo essencial haver um motivo fundado para a alteração. Ao ponto, merecem relato alguns casos apreciados recentemente. De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por exemplo: Não modificada a situação fática verificada por ocasião do estabelecimento unilateral à genitora mediante acordo entre as partes, considerando que a criança é bem cuidada sob a guarda da mãe, possui convívio próximo e afetuoso com o pai, que tem seu direito de visitas devidamente resguardado, e, principalmente, a litigiosidade existente entre seus genitores atestada em estudo psicossocial, não há, como concluído em sentença, razão para a pretendida conversão da guarda unilateral em guarda compartilhada, mostrando-se mais consentâneo com o princípio do melhor interesse da criança a manutenção da guarda da menor com a mãe.18 Esse entendimento parece ser verificado com certa frequência. Em decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, ficou consignado que “a modificação de guarda é medida excepcional, autorizada somente quando há provas suficientes de que o detentor não a está exercendo de forma condizente com os deveres inerentes ao encargo, agindo em prejuízo do interesse do menor e o colocando em situação de risco.”19 Vale lembrar que a falta de êxito na pretensão enseja sucumbência20, razão pela qual cabe ao advogado também alertar o cliente sobre tal risco em demandar. Como se percebe, a tendência a manter o status quo é intensa nas demandas familiares e não pode ser olvidada por jurisdicionados nem advogados. 5. 5.1 Vale refletir, porém, sobre a hipótese em que o réu, em uma ação de guarda, pretende pedir a guarda compartilhada. FORMULAÇÃO DO PEDIDO DE GUARDA PELO DEMANDADO Ação dúplice e pedido contraposto Costuma-se afirmar o caráter dúplice das ações de guarda, como se constata em precedente do Tribunal do Mato Grosso do Sul: “nas ações em que se discute o exercício do poder familiar, tanto o pai como a mãe podem perfeitamente exercer de maneira simultânea o direito de ação, restando evidenciada, assim, a natureza dúplice da ação”21. Nas demandas dúplices, tanto o autor como o réu têm posições similares, de sorte que ambos podem formular pedidos; como bem explica Juliana Demarchi, em tais ações (...) a discussão instaurada irá possibilitar a tutela de um bem da vida a ambas as partes, independentemente de suas posições processuais de autor ou réu. Não é necessário que o réu formule pedido de fixação dos limites aquém ou além do que foi deduzido pelo autor: sua simples defesa implicará a improcedência, ao menos parcial, do pedido do autor, e esta improcedência do pedido do autor corresponderá a atendimento da pretensão do réu22. Nas ações dúplices, basta a simples contraposição do réu à pretensão inicial, não sendo necessária a formulação de pedido contraposto na contestação; o réu não exerce direito de ação nessas demandas, já que sua pretensão “está inserida no objeto do processo desde a propositura da demanda pelo autor devido à própria natureza do direito material discutido”23. Vale destacar que a técnica do pedido contraposto não se identifica com a das ações dúplices. Concebida para promover simplificação e celeridade, a técnica da contraposição implica na formulação de pedido pelo réu, na mesma oportunidade de oferecimento da defesa, sem precisar usar o procedimento próprio da reconvenção; desse modo, ele exerce o direito de ação sem as exigências formais inerentes à demanda reconvencional24. Vale ainda destacar que, no pedido contraposto, o demandado somente pode ter por base os mesmos fatos referidos na inicial, sendo sua incidência mais restrita25. Apesar de tais aspectos técnicos, é extremamente comum a formulação de pedidos contrapostos em contestação a demandas reputadas dúplices; nas ações sobre guarda isso se verifica, embora não propriamente duplicidade nem haja a mesma base fática. Sob a égide ainda do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu tanto a natureza dúplice como a formulação de pedido contraposto no seguinte julgado: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE GUARDA DE MENOR. NATUREZA DÚPLICE DA 5.2 AÇÃO. POSSIBILIDADE DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO CONTRAPOSTO. SÚMULA 7/STJ. 1. As ações dúplices são regidas por normas de direito material, e não por regras de direito processual. 2. Em ação de guarda de filho menor, tanto o pai como a mãe podem perfeitamente exercer de maneira simultânea o direito de ação, sendo que a improcedência do pedido do autor conduz à procedência do pedido de guardaà mãe, restando evidenciada, assim, a natureza dúplice da ação. Por conseguinte, em demandas dessa natureza, é lícito ao réu formular pedido contraposto, independentemente de reconvenção26. A partir do CPC/2015, a reconvenção passou a ser veiculada na mesma peça que a contestação; com a concentração em uma só petição de quase todas as respostas do réu, o problema formal tende a soar menos relevante. Apreciemos a dúvida com precisão técnica: é realmente necessário que o demandado se valha de reconvenção ou ele pode formular pleitos na contestação por meio de simples pedido contraposto? Considerando que, com o CPC/2015, a reconvenção passou a ser formulada na contestação (art. 343), há sentido em seguir falando em ação dúplice? A resposta é positiva: o ordenamento jurídico segue repetindo regras27 sobre o tema; além disso, é preciso atentar para algumas peculiaridades28. Ao ponto, é relevante perquirir: a iniciativa de formular o pleito na contestação e se valer de pedido contraposto está correta? A ação de guarda é mesmo dúplice? E se houver extinção da ação originária em que se discute a guarda (por exemplo, com pedido de fixação unilateral), como fica eventual pleito de guarda compartilhada formulado pelo demandado? Reconvenção Sob o prisma processual, a resposta sobre a pertinência de mera alegação na contestação, de veiculação de pedido contraposto ou da propositura de reconvenção sempre teve amparo no ordenamento: quando a lei reconhecia expressamente caber o pedido contraposto (por exemplo, em alguns ritos especiais), este era formulado; quando não havia previsão específica, o apropriado era valer-se da reconvenção29. A reconvenção constitui ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo processo, constituindo verdadeiro instrumento de “contra-ataque”30. Sua grande vantagem é a autonomia: por ter caráter de demanda, ainda que haja, por qualquer razão, extinção da demanda originária, a reconvenção prosseguirá. Alguns advogados se valem da reconvenção para intentar os pleitos de guarda, não encontrando óbices em seus caminhos31. Há, porém, quem encontre resistência. Como exemplo, em divórcio no qual se discutiam partilha, guarda dos filhos menores e visitas afirmou-se a desnecessidade da propositura de ação autônoma ou reconvencional para o exame de tais temas em homenagem ao princípio da economia e celeridade processual; só seria pertinente a reconvenção se houvesse pretensão do réu de ver reconhecida a culpa do cônjuge que deduziu o pedido de separação litigiosa32. Ocorre, porém, que faltam previsões sobre ser a guarda uma ação dúplice e sobre a alegada adequação da formulação de pedido contraposto. Haveria mesmo o caráter de duplicidade nas demandas de guarda? Reflitamos. Quando proposta tal ação, o poder familiar pertence juridicamente a ambos os genitores, que são reputados oficialmente guardiães. Pode ocorrer, porém, que a guarda de fato esteja com um deles e a situação enseje confusões, havendo então necessidade de demandar para obter o reconhecimento jurídico sobre a guarda exercida no plano fático. Se o pedido da demanda proposta pela genitora para reconhecer sua guarda unilateral é julgado improcedente, pode-se afirmar que a guarda unilateral passa a ser então do réu33? Obviamente não; a situação, por mais incômoda que pareça a alguns, resta inalterada: a guarda não fica sendo da mãe, mas tampouco passa a ser do pai. Eles seguem “compartilhando-a” juridicamente e será necessária outra demanda para que a situação seja definida. Imaginemos que, no caso exemplificado, Marizete peça a guarda unilateral e Silvaney a conteste sem formular pedido. No caso de improcedência do pedido, Silvaney terá a guarda? Com a sentença de improcedência ele poderá se dirigir, por exemplo, ao diretor da escola e exigir que Marizete não mais retire Silzete do estabelecimento, sendo ele o titular da guarda? As respostas são obviamente negativas. Assim, tecnicamente, para evitar a necessidade do processamento de nova demanda, a melhor conduta é promover reconvenção para que a guarda seja reconhecida em favor do demandado, seja sua pretensão direcionada ao perfil unilateral ou ao compartilhamento. Outro fator que corrobora tal conclusão é a base fática: não há como dizer que na guarda os fatos alegados na defesa são os mesmos expostos na inicial. Ao tecer alegações para mostrar que tem condições de exercer a guarda, o demandado irá ampliar a base fática até então delineada nos autos pela demandante, o que não é tecnicamente admissível no pedido contraposto. Por fim, a autonomia da reconvenção revela-se uma vantagem que poderá fazer toda a diferença em demandas de guarda altamente controvertidas. Imaginemos que, no caso inicialmente relatado, o genitor Silvaney requeira guarda compartilhada, formulando sua pretensão no corpo da contestação. Percebendo que o juiz se inclina a fixa-la, a autora Marizete poderá, estrategicamente, provocar a extinção da ação originária de guarda sem resolução do mérito – por exemplo, desconstituindo seu patrono e deixando de nomear outro. Nesse cenário, se houvesse reconvenção proposta por Silvaney, esta poderia seguir, tendo o juiz condições de reconhecer a guarda compartilhada em seu julgamento. Como tal pleito, porém, foi 5.3 simplesmente veiculado na contestação, não há ação autônoma e o destino será a extinção do processo... Nesse caso, será preciso intentar nova demanda para que a guarda compartilhada seja requerida e possivelmente deferida. Nem é preciso ser muito criativo para imaginar as potenciais dificuldades de citação da demandada (outrora autora), que tenderá a evitar o seguimento do feito para não ver reconhecida a guarda compartilhada. Como se percebe, além de tecnicamente ser mais apropriada a reconvenção, ela ainda tem a vantagem de evitar que eventual estratégia extintiva seja engendrada com êxito por aquele que não mais quer ver finalizada a definição da guarda em juízo por receio de derrota. Fungibilidade Como se percebe, a veiculação de pedido por ocasião da resposta do demandado nas ações de guarda é tema que enseja problemas técnicos, já que a medida usualmente utilizada (formulação de pedido na contestação) é tecnicamente questionável. Nas ações de guarda, faz-se de rigor a aplicação da fungibilidade com a aceitação de ambos os mecanismos (pedido contraposto formulado na contestação ou destacado como reconvenção) em atenção às garantias de acesso à justiça, ampla defesa e instrumentalidade das formas. Ao ponto, merecem destaque as palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, para quem a ampla incidência da fungibilidade decorre do fato de que não pode a parte ser prejudicada pela circunstância de doutrina e jurisprudência não terem chegado a um acordo quanto a qual seja o meio adequado para se atingir, no processo, determinado fim. Ora, afinal, se nem estudiosos do processo ou magistrados têm certeza a respeito de qual seja o caminho adequado em certas situações, a parte é que terá o dever de sabê-lo34? Como bem pontua Sidnei Amendoeira Jr., a fungibilidade de meios considera duas situações diferentes: aquelas em que o sistema, por ação ou omissão, pôs à disposição das partes mais de um meio processual para atingir um determinado fim e também para aqueles casos em que, apesar de inexistir liberdade, diversidade de meios processuais à disposição da parte ou dúvida objetiva, ou seja, mesmo existindo apenas um meio processual adequado para a situação, é possível aproveitar a ato praticado pela parte, convertendo-o no meio adequado ou ignorando a atipicidade por não ser a mesma relevante35. Há julgados que reconhecem a fungibilidade entre pedido contraposto e reconvenção36; todavia, em breve pesquisa realizada constata-se que precedentes de tal índole despontam em menor número. Infelizmente há diversas decisões37 que denotam rigor excessivo quanto às formas. Em tempos de crise do Poder Judiciário, constata-se um recrudescimento no rigor formal em desprestigio da 6. fungibilidade; o intuito parece ser evitar a apreciação de recursos,demandas e incidentes, liberando o juiz de apreciar pleitos que lhe foram endereçados. A situação é completamente absurda por violar garantias constitucionais e diretrizes processuais. Se o advogado se valeu da reconvenção e foi prejudicado por interpretação errônea, a situação é ainda mais grave, sendo essencial que o Tribunal competente repare a grave falha técnica sob pena de denegação da justiça. REFLEXÕES FINAIS Por força das alterações que prestigiam a guarda compartilhada, o advogado precisa orientar seu cliente sobre o panorama normativo e buscar prepara-lo para a abordagem do conflito em juízo. É importante destacar que o magistrado poderá, de ofício, fixar a guarda compartilhada, sendo relevante que o jurisdicionado se prepare para domar resistências e estar pronto para abordar o tema em juízo. Caso o demandado se convença sobre a pertinência da guarda compartilhada, poderá veicular sua pretensão na fase de resposta, o que se revela interessante em termos de facilitação do contraditório, já que a outra parte integrará o processo. Optar por futura demanda autônoma poderá ser complicado especialmente pela necessidade de citação da parte em relação à qual há dissenso. A veiculação de pedido por ocasião da resposta do demandado nas ações de guarda é tema que enseja dúvidas técnicas, já que a medida usualmente utilizada (formulação de pedido na contestação sem se valer de reconvenção) é tecnicamente questionável. Embora recorrente a afirmação de que as demandas de guarda são dúplices, ela não procede: se o pedido de guarda unilateral for julgado improcedente, não há como dizer que automaticamente a guarda será do outro genitor. A reconvenção é o mecanismo apropriado para veicular a pretensão de guarda ostentada pelo demandado. Caso, contudo, haja a veiculação de pedido na contestação é essencial a aplicação da fungibilidade para que seja apreciada a pretensão em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas. Quando se pensa em demandar, é preciso calcular os riscos da adoção das medidas judiciais cabíveis. Ao ponto, vale a advertência segundo a qual “se você não tem uma estratégia, é parte da estratégia de alguém”. Tomara que os genitores que atribuem ao Poder Judiciário a árdua missão de definir a guarda de seus filhos não sejam enredados em estratégias extintivas aptas a ensejar denegação de justiça por equívocos processuais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMENDOEIRA JR., Sidnei. Fungibilidade de meios. São Paulo: Atlas, 2008. BARBOSA, Águida Arruda. Guarda compartilhada e mediação familiar - uma parceria 1 2 3 necessária. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 1 – Jul--Ago/2014. Disponível em www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados.Acesso 05 mar. 2015. DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção. Disponível em http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/processo_civil/acao_duplice.pdf. Acesso 05 mar. 2015. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: RT, 2016. GROENINGA, Giselle. Guarda compartilhada e relacionamento familiar. Algumas reflexões necessárias. Disponível em http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/arti-gos/155509493/guarda- compartilhada-e-relacionamento-familiar-algumas--reflexoes-necessarias-por-giselle-groeninga. Acesso 04 mar. 2015. LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 7. ed. São Paulo: RT, 2017. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 12. ed. São Paulo: RT, 2014. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões. São Paulo: Saraiva, 2015. TARTUCE, Fernanda. Processo civil no direito de família: teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. ______. Processo civil aplicado ao direito de família. São Paulo: Método, 2012. ______. Processo civil: estudo didático. São Paulo: Método, 2011. TARTUCE, Flavio. A Lei da Guarda Compartilhada (ou alternada) obrigatória - Análise crítica da lei 13.508/2014 - Parte I. Disponível em http://www.migalhas.com. br/FamiliaeSucessoes/104,MI215990,51045-A+Lei+da+Guarda+Compartilha da+ou+alternada+obrigatoria+Analise. Acesso 05 mar. 2015. VENOSA, Sílvio de Salvo. Guarda Compartilhada. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 22 – jan./fev. de 2008. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Disponível em www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados. Acesso 11 mar. 2015. ZULIANI, Ênio Santarelli. Direito de Família e Responsabilidade Civil. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 45 – nov./dez. de 2011, p. 68-80. Código Civil, art. 1583 § 1º. TARTUCE, Fernanda. Processo civil aplicado ao Direito de Família. São Paulo: Método, 2012, p. 279. ZULIANI, Ênio Santarelli. Direito de Família e Responsabilidade Civil. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 45 – nov./dez. 2011, p. 72. http://www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados.Acesso http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/processo_civil/acao_du-plice.pdf http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/arti-gos/155509493/guarda-compartilhada-e-relacionamento-familiar-algumas--reflexoes-necessarias-por-giselle-groeninga http://www.migalhas.com http://www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvi-dados 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 VENOSA, Sílvio de Salvo. Guarda Compartilhada. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil , n. 22 – Jan/Fev 2008, p. 18. GROENINGA, Giselle. Guarda compartilhada e relacionamento familiar. Algumas reflexões necessárias. Disponível em: <http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/155509493/guarda-compartilhada-e-relacionamento-familiar-algumas-reflexoes- necessarias-por--giselle-groeninga>. Acesso em: 4 mar. 2015. Nos termos do art. 1584 do CC, a guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: “II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe”. Eis outros excertos interessantes da decisão: “4) Na demanda em que um dos genitores reivindica a guarda do filho, constatando o juiz que ambos demonstram condições de tê-lo em sua companhia, deve determinar a guarda conjunta, encaminhando os pais, se necessário, a acompanhamento psicológico ou psiquiátrico (ECA 129 III), para desempenharem a contento tal mister. Essa forma, com certeza, traz menos malefícios ao filho do que a regulamentação minuciosa das visitas, com a definição de dias e horários e a previsão de sanções para o caso de inadimplemento (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias . 8. ed. rev. atual. RT, 2011, p. 444-445) (...) 8) No que tange ao pedido de exclusão ou redução dos valores fixados a título de pensão alimentícia a ser prestado pela apelante, entendo que o montante de 20% sobre o salário mínimo, para cada filho, realmente extrapola a possibilidade econômica da apelante, que trabalha em meio período como diarista, bem como excede o valor que tem sido usualmente fixado pela jurisprudência em casos similares, em que ambos os genitores demonstram ter dificuldades financeiras para o sustento da prole. 9) Desta feita, enquanto ambos os filhos estiverem residindo com o genitor, deve a apelante permanecer prestando alimentos, os quais fixo na razão de 15% do salário mínimo para cada filho. Advirto, no entanto, as partes de que qualquer alteração fática que justifique um novo ajuste no valor da prestação alimentícia deverá ser precedido da respectiva ação judicial (revisão ou exoneração de alimentos), face à eficácia executiva desta decisão (TJES; Ap 0005387-98.2010.8.08.0049; 4ª Câmara Cível; Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos; j. 03.02.2014; DJES 17.02.2014). Eis a ementa completa da decisão: Apelação cível. Separação judicial consensual. Menor. Guarda materna. Melhor interesse da infante. Recurso não provido. 1. Na escolha de quem deve ter a guarda de filho, o juiz deve orientar-se pelo critério do melhor interesse do menor. 2. Inexistente pedidode guarda compartilhada, esta não deve ser imposta, sob pena de interferência inadequada do Estado nas relações familiares e desatendimento ao critério mencionado. 3. Apelação cível conhecida e não provida, mantida a guarda materna da filha menor. (TJMG; APCV 1.0396.10.003212-9/001; Rel. Des. Caetano Levi Lopes; j. 07.07.2014; DJEMG 21.07.2014). A redação anterior dizia que o juiz aplicaria a guarda compartilhada “sempre que possível”, o que na prática, dava ampla margem para que a guarda unilateral fosse preferida. LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 187. LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 187-88. Segundo o § 1º do art. 1584 do Código Civil, “na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas”. TARTUCE, Fernanda. Processo civil no direito de família: Teoria e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, p. 321. BARBOSA, Águida Arruda. Guarda compartilhada e mediação familiar – uma parceria necessária. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões, n. 1 – jul.-ago./2014. Disponível em <www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados>. Acesso em: 05 mar. 2015. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 516. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 361-362. TARTUCE, Flavio. A Lei da Guarda Compartilhada (ou alternada) obrigatória – Análise crítica da lei 13.508/2014 – Parte I. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI215990,51045- A+Lei+da+Guarda+Compartilhada+ou+alternada+obrigatoria+Analise>. Acesso em: 05 mar. 2015. TJDF, AC 0003018-87.2015.8.07.0016, 5ª Turma Cível, Rel. Des. Angelo Passarelli, j. em 17.05.2017, DJe 24.05.2017. TJSC, AI 4015893-61.2016.8.24.0000, 6ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Stanley Braga, j. em 20.06.2017. Eis caso em que a sucumbência foi aplicada: Apelação cível. Separação litigiosa. Alimentos. Valor fixado. Binômio necessidade/possibilidade. Guarda compartilhada. Deferimento. Reconvenção. Sucumbência. Princípio da causalidade. 1. Os valores fixados tanto para a cônjuge virago como para o menor, em um total de 15 (quinze) salários mínimos, estão adequados para suportar http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/155509493/guarda-compartilhada-e-relacionamento-familiar-algumas-reflexoes-necessarias-por--giselle-groeninga http://www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI215990,51045-A+Lei+da+Guarda+Compartilhada+ou+alternada+obrigatoria+Analise 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 os gastos tidos como essenciais, tais como moradia, energia elétrica e alimentação. 2. O deferimento da guarda compartilhada, in casu, está perfeitamente em consonância com os fatos e as provas carreados aos autos, não ensejando, neste momento, qualquer alteração do julgado. 3. Se a apelante promoveu a reconvenção, a qual foi julgada improcedente, pelo princípio da causalidade deve responder pelas verbas da sucumbência. 4. Recurso conhecido, porém improvido. (TJPA; APL 20103022806-4; Ac. 117641; Belém; 2ª Câmara Cível Isolada; Rel. Des. Célia Regina de Lima Pinheiro; j. 18.03.2013; DJPA 22.03.2013; p. 108). TJMS; APL 0002879-50.2012.8.12.0001; Campo Grande; 3ª Câmara Cível; Rel. Des. Eduardo Machado Rocha; DJMS 05.12.2014; p. 9. Também em precedente do TJES houve tal entendimento: “Apelação cível. Família. Ação de modificação de cláusula de acordo judicial. Guarda. Interesse da menor. Paridade de condições dos genitores. Preservação do interesse do menor. Demanda com natureza dúplice. Pedido contraposto em sede de contestação. (...) a apelada, em contestação, requereu a guarda unilateral da menor, o que é plenamente lícito em demandas dessa espécie, cuja natureza jurídica é considerada dúplice, ou seja, o réu pode fazer pedido contraposto independentemente de reconvenção (...)” (TJES; AC 14080081640; 3ª Câmara Cível; Rel. Des. Ronaldo Gonçalves de Sousa; DJES 24.02.2011; p. 3). DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/processo_civil/acao_duplice.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2015. DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção, cit. DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção, cit. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 12. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 147. STJ, 4ª Turma, Resp 1.085.664 – DF, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, j: 03/08/2010. A clássica previsão de possível formulação de pedido contraposto na ação possessória foi repetida no CPC/2015: segundo o art. 556, é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor. TARTUCE, Fernanda. Processo civil no direito de família: teoria e prática, cit., p. 88. TARTUCE, Fernanda. Processo civil aplicado ao Direito de Família, p. 78. TARTUCE, Fernanda. Processo civil: estudo didático. São Paulo: Método, 2011. p. 104. Eis precedente em que a reconvenção foi utilizada e acolhida: Direito de Família. Ação de modificação de guarda ajuizada pelo genitor. Sentença que julgou improcedente o pedido inicial e procedente a reconvenção, conferindo a guarda dos menores à genitora. Pretendida a manutenção da guarda compartilhada anteriormente convencionada em acordo judicial. Impossibilidade. Estudo social que demonstrou os conflitos existentes entre os genitores. Constatação, ademais, de que os menores se encontram em situação regular, com amparo material, educacional e moral, bem como que a genitora possui condições socioafetivas de criar os filhos. Inviabilidade de adequação ao instituto da guarda compartilhada ante a não comprovação de relacionamento harmônico entre as partes. Sentença mantida. Recurso desprovido. “A razão primordial que deve presidir a atribuição da guarda em tais casos é o interesse do menor, que constitui o grande bem a conduzir o juiz, no sentido de verificar a melhor vantagem para o menor, quanto ao seu modo de vida, seu desenvolvimento, seu futuro, sua felicidade e seu equilíbrio” (Strenger, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: Ltr, 1998, p. 56). (TJSC; AC 2013.017119-6, Criciúma, Terceira Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Marcus Túlio Sartorato, j. em 28.05.2013, DJSC 03.06.2013, p. 178). TJDF; Rec 2011.01.1.068680-7; Ac. 814.092; Terceira Turma Cível; Rel. Des. Silva Lemos; DJDFTE 28/08/2014; p. 134. Ao ponto, vale lembrar a lição: “O caráter dúplice de determinados pedidos de tutela decorrem de peculiaridades do direito material, no sentido de que a simples improcedência do pedido do autor confere provimento jurisdicional que assegura um bem da vida ao réu” (DEMARCHI, Juliana. Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção, cit.). WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O óbvio que não se vê: a nova forma do princípio da fungibilidade. Disponível em: <www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados>. Acesso em 11 mar. 2015. AMENDOEIRA JR., Sidnei. Fungibilidade de meios. São Paulo: Atlas, 2008, p. 11. (...) é de se receber o pedido contraposto como reconvenção em homenagem aos princípios da fungibilidade, instrumentalidade das formas, aproveitamento dos autos, economia e celeridade processual. (...) (TJMS; AC-Ex 2011.019589-1/0000-00; Campo Grande; Terceira Turma Cível; Rel. Des. Marco André Nogueira Hanson; DJEMS 31/08/2011; Pág. 29); Rito sumário. Contestação recebida como pedido contraposto. Aplicação dos princípios da fungibilidade, instrumentalidade das formas, celeridade e economia processual. Reconvenção a ser recebida como pedido contraposto. Admissibilidade. Agravo desprovido. (TJSP; AI 990.10.331925-7; Ac. 4839933;Barra Bonita; Oitava Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Ribeiro da Silva; Julg. 24/11/2010; DJESP 16/12/2010). http://www.juspodivm.com.br/novo/arquivos/artigos/processo_civil/acao_duplice.pdf http://www.fernandatartuce.com.br/artigosdeconvidados 37 Eis trechos das decisões, com transcrição das partes pertinentes de suas ementas: “1. Apesar de cabível a apresentação de reconvenção, no procedimento especial que rege a alienação fiduciária em garantia, não é possível receber, com base no princípio da fungibilidade, simples petição contendo. Pedido contraposto, exclusivo do rito sumário, como a intentada pela parte recorrente, mais ainda quando a referida peça não preenche os requisitos da citada defesa (...) (TJDF; Rec 2014.06.1.014165-4; Ac. 849.274; Terceira Turma Cível; Rel. Des. Gilberto Pereira de Oliveira; DJDFTE 02/03/2015; p. 240); (...) rejeitado pedido contraposto – meio jurídico inadequado – cabível reconvenção em ação petitória – ausência de natureza dúplice – inaplicável o princípio da fungibilidade por não haver dúvida sobre a forma de formulação de pedidos pelo réu, sem contar que os procedimentos processuais entre os institutos são muito diversos ausência de prejuízo ao réu que poderá formular os pedidos em ação autônoma própria (...) (TJSP; AI 2228077-16.2014.8.26.0000; Ac. 8186947; Tupã; Quinta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Moreira Viegas; Julg. 04/02/2015; DJESP 23/02/2015). 1. 7 GUARDA COMPARTILHADA – A EFETIVIDADE DO PODER FAMILIAR GISELLE CÂMARA GROENINGA Sumário: 1. Apresentando a perspectiva – 2. Família – Funções, identidade – 3. Guarda e abuso de poder – herança de outros tempos? – 4. Uma etapa necessária – a guarda compartilhada – 5. Sofrimento e exclusão são sintomas de doença que toca o sistema – 6. O modelo tradicional de família, o modelo psíquico e o modelo real – 7. Avanços e retrocessos quanto ao compartilhamento da guarda – 8. Questões da atualidade – 9. E o mais importante: o conceito de parentalidade e a necessidade de outras abordagens dos impasses relativos à guarda – 10. Para finalizar – Bibliografia. “Se, em lugar dos dogmas impostos pelas autoridades, deixássemos exprimir--se a faculdade de julgamento independente presente em cada um, mas atualmente em grande parte reprimida, a ordem social não subsistiria menos. É verdade que surgiria possivelmente uma nova ordem social que não seria necessariamente centrada de modo exclusivo nos interesses de alguns poderosos” – Sàndor Ferenczi1. APRESENTANDO A PERSPECTIVA Sob a ótica da perspectiva interdisciplinar, que procura congregar Direito e Psicanálise, tenho acompanhado a progressiva difusão da ideia de compartilhamento da guarda. Foi-me dada a oportunidade de participar de comissão para estudos de projeto de lei no Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, bem como analisar a questão em diversas ocasiões2. As ideias então expostas são as que, de forma atualizada, trago como um convite a uma leitura interdisciplinar numa modesta contribuição na atualização de tão importante obra temática. Como o assunto traz diversas vertentes de abordagem, optei por dividir em tópicos de leitura opcional conforme a curiosidade e profundidade almejadas. Além dos estudos e do atendimento a pais e filhos – em Psicanálise –, a elaboração de pareceres em processos judiciais trouxe-me a experiência direta do descompasso processual e legislativo em colaborar com as famílias em transformação no enfrentamento das dificuldades trazidas com as separações, termo que utilizo aqui lato sensu. Evidente é o desafio em formular uma lei que envolva a relação entre os pais e destes com seus filhos, após a separação, dado seu objeto serem relacionamentos familiares que, além de cambiantes por sua própria natureza, encontram-se em momento de crise quando da separação. Ademais, os relacionamentos sociais e os familiares têm se transformado com velocidade impressionante e, neste sentido, o papel do Judiciário e da lei também tem se modificado, como o atestam as cláusulas abertas do Código Civil e a crescente atribuição de um papel educativo à lei. É preciso dizer, desde já, que o tema é candente, não só no Brasil, como em diversos lugares do mundo. E as recorrentes insatisfações com a legislação são, em parte, frutos da insegurança e angústia relativas às profundas modificações sociais pelas quais estamos passando, bem como as dificuldades do Judiciário e da sociedade em encaminhar tais questões. A primeira Lei da guarda compartilhada, nº 11.698, de 13 de junho de 2008, representou importante mudança de paradigma ao contemplar as relações familiares, sobretudo em seus aspectos complementares. No entanto, alguns importantes avanços então obtidos, do meu ponto de vista, correm o risco de se perder na nova Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014, como terei oportunidade de expor. Grosso modo, este artigo traz duas vertentes. Uma trata mais das justificativas do porquê da guarda compartilhada, a outra aborda alguns dos questionamentos havidos em função da aprovação da primeira lei e daquela agora em vigor. No Direito de Família central é o tema do exercício da parentalidade e da filiação e a inter- relação de seus aspectos jurídicos e psíquicos. E estes aspectos – os psíquicos e mais subjetivos – têm sido, felizmente, cada vez mais abrigados pelo Direito de Família, que contempla, com esta inclusão e com o afeto elevado a um valor jurídico, o direito a ser humano e o direito a se ter uma família a despeito das transformações decorrentes das separações, ou mesmo no caso em que não se tenha constituído um casal conjugal. É ao paradigma da complexidade, que contempla a importância das relações dos pais com os filhos e daqueles entre si, e de maior proximidade da verdade das relações, dos vínculos familiares, que o instituto da guarda compartilhada viria a atender. No entanto, as importantes evoluções havidas em relação à relevância do relacionamento familiar com ambos os pais, desdobraram-se, basicamente, em dois caminhos: um que contempla o relacionamento dos pais entre si e, assim, o conceito de parentalidade que implica na complementariedade das funções materna e paterna; e outro que acaba por considerar o exercício das funções parentais como paralelas e não necessariamente complementares. A estes dois caminhos subjazem duas estratégias em abordar os conflitos que se transformam em lides judiciais nas disputas pela guarda. O primeiro implica em reconhecer o conflito e as dificuldades que lhe são inerentes nas disputas judiciais. O segundo caminho parece adotar a estratégia de que a divisão da guarda teria o condão de prevenir as tentativas de alienação parental e mesmo evitar o conflito. Finalmente, cabe ainda esclarecer nesta introdução que, a partir de um ponto de vista interdisciplinar, as questões relativas à guarda dizem respeito ao exercício disfuncional e 2. desequilibrado do Poder Familiar. A guarda é um dos atributos do Poder Familiar, mas que tem se tornado modo privilegiado de seu exercício. Em meu entendimento, tal distorção confunde a parte – guarda – pelo todo – Poder Familiar, exacerbando as disputas. FAMÍLIA – FUNÇÕES, IDENTIDADE São, sobretudo, os filhos que marcam a passagem da família da esfera privada para a esfera social. Com os filhos, o casal conjugal, quando formado, torna-se também casal parental e às identidades de homem e mulher agregam-se as de pai e mãe, com todo o peso e expectativas individuais e sociais carreadas por estas funções. Com os filhos, modifica-se a permeabilidade da fronteira familiar, havendo maior intercâmbio com o meio social e também controle por parte da sociedade e do Estado. As crianças, que há um tempo praticamente pertenciam aos pais, ou em tempos idos ao pai, passaram paulatinamente a ser consideradas em sua individualidade – sujeitos de direitos – objetivos e subjetivos, e a serem passíveis da proteção do Estado. Esta mudança quanto às necessidades específicas das crianças e adolescentes contou com a contribuição relativamente recente na história doDireito do conhecimento trazido pela Psicologia e Psicanálise. Ainda como importante contribuição da Psicanálise e da Sociologia para a compreensão das famílias e o lugar da criança, cabe dizer que a lei primeira que organiza as relações familiares é uma lei psíquica – o tabu do incesto, e que marca a diferença entre as gerações – entre pais e filhos, e entre funções – conjugal, materna, paterna, parental, fraterna e filial. O interdito do incesto é lei necessária à constituição do psiquismo e da subjetividade dos filhos – é na família que nos constituímos como sujeitos e em nossa humanidade. É este interdito o que empresta uma primeira organização às relações sociais. E são estas diferenças entre adultos e crianças, entre gerações e entre funções, materna e paterna, entre conjugalidade e parentalidade que, muitas vezes, se veem borradas nos impasses levados ao Judiciário. De importância, dentro da perspectiva do tema está o conceito de função que implica na complementaridade inerente às relações familiares. Cabe trazer a definição de função dada por J. J. Calmon dos Passos3, para quem o que caracteriza a função é que ela é sempre atividade voltada para uma finalidade que nos transcende, que nos supera, não bastando defini-la como modo de ser ou operar de um direito, de uma instituição, etc. A função implica sempre em estar a serviço de outrem. Neste sentido também se fala que o poder parental é um munus, do qual decorrem mais deveres do que direitos. No entanto, o que vemos muitas vezes, na prática, é uma inversão, em que os deveres são utilizados mais como direitos por parte dos pais. E, no seio das disputas, com frequência o Superior Interesse da Criança e do Adolescente acaba por ser mera figura de retórica. Em tempos de complexidade e, por vezes, de fugacidade ou liquidez dos relacionamentos, em tempos de modificação no exercício dos papéis e na hierarquia das relações – e tudo isto somado a um impressionante crescimento dos divórcios –, a organização e reorganização das relações entre pais e filhos, e daqueles entre si, têm sido, direta ou indiretamente, objeto da intervenção do Estado e dos profissionais – não só do Direito, mas da saúde mental. Aponto que as relações, embora sejam objeto de intervenção por parte do Estado, não necessariamente recebem o devido cuidado e respeito às várias possibilidades e à liberdade de organização familiar. A família, quando se transforma e foge ao modelo tradicional, fica suscetível a toda uma sorte de interferências e, muitas vezes, encontra-se vulnerável a ideologias que não contemplam sua singularidade e forma particular de organização. Em outras palavras, os modelos de guarda unilateral, em geral materna, atendiam a uma organização social e ideológica que hoje pode se mostrar extemporânea para algumas famílias transformadas, mas não necessariamente para outras. E ainda, como apontarei no decorrer deste artigo, há basicamente duas formas de se considerar a relação entre pais e filhos: como paralela ou complementar. Ao longo dos últimos anos, eram predicados da família e, em parte, integravam sua identidade, o modelo tradicional com a matrimonialização, a sacralização, a patrimonialização e biologização das relações. É certo que sempre estiveram presentes o afeto, os sentimentos e a subjetividade como sua natureza essencialmente constitutiva, embora, até recentemente, estes não fossem reconhecidos como valores no seio do Direito de Família. Mas, seja como for, a família sempre foi e vai além da forma que instituições, saberes e poderes lhe queiram imprimir e ela tem, até aqui, resistido, não sem luta, à homeostase que lhe seria mortal. Ao longo dos séculos algumas de suas características sofreram mudanças e, sob a ótica atual, o modelo tradicional tem se modificado com as transformações sociais, a ampliação da liberdade individual e dos direitos da personalidade – aspectos que emergem nas questões relativas à guarda. Atualmente, o conceito de família é o eudemonista, em que cada um busca a realização dos recursos e direitos da personalidade, o que implica no exercício das funções – conjugal, materna, paterna, parental, filial, fraterna, avuncular – e no respeito a estes direitos de todos os seus integrantes. Ademais, a família é vista como um sistema em que os integrantes exercem funções complementares, o que implica em que não mais ela seja pensada de forma dividida, como o fazia a legislação anterior a respeito da guarda e como parece ser a ideologia que considera as relações entre pais e filhos como paralelas e não complementares. Do meu ponto de vista, muito indica que o novo diploma legal, que veio a substituir a anterior lei a respeito da Guarda Compartilhada, acabou por não dar a devida relevância à necessária complementaridade das funções parentais. Ainda como alerta a alguns impedimentos quanto à consideração da família como um sistema de relações complementares, importante frisar que ocorre uma confusão na divisão que se faz ao se falar do Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente como se este fosse contrário ao interesse dos pais. O direitos destes, enquanto no exercício de suas funções, são complementares ao 3. interesse dos filhos. O Superior Interesse da Criança e do Adolescente traduz a finalidade primeira da família, estruturada como um conjunto de funções, que são o cuidado e a proteção dos mais vulneráveis. E ainda, em consequência do conceito de sistema e funções, é necessário dizer que o que afeta a um dos membros, necessariamente afetará aos demais. Neste sentido, é logicamente impossível dissociar a parentalidade, considerando as relações entre a mãe e os filhos e entre o pai e os filhos como se paralelas fossem. Tendo em vista a complexidade das relações e a ampliação do nosso conhecimento e consciência dos direitos, inclusive, mesmo que indiretamente, do que tem sido nomeado como direito ao afeto e suas consequências, as questões relativas à reorganização das relações entre pais e filhos que chegam ao Judiciário, resistem a serem tratadas de forma simplista. E a interdisciplina tem tido papel fundamental neste processo de conscientização da complexidade dos relacionamentos e da multideterminação dos conflitos e impasses. Conflitos que, quando levados ao Judiciário, são sintomas de relações disfuncionais. Neste sentido é que trago aqui o alerta ao conceito que parece subsidiar a nova lei que, ao tentar corrigir dificuldades da lei anterior quanto à sua efetivação, suprimindo a expressão “sempre que possível”, acabou indiretamente por privilegiar o exercício paralelo das funções parentais. Finalmente, cabe dizer que em tempos de modificações sociais profundas, da necessidade de consideração das relações familiares em sua complexidade, das mudanças em relação à flexibilização quanto ao exercício dos papéis e direitos da personalidade não só dos filhos mas também dos pais, centrar as discussões na guarda pode levar a priorizar importantes questões objetivas de tempo e espaço em detrimento do que fundamenta as relações familiares e mesmo de sua continuidade, bem como em detrimento do conceito mais amplo, que é o de Poder Familiar. GUARDA E ABUSO DE PODER – HERANÇA DE OUTROS TEMPOS? A ideia de guarda compartilhada, além de estar em sintonia com a organização social atual, quebra a herança de outros tempos de uma rígida divisão de papéis e funções. Ela explicita o compartilhar das responsabilidades que resultam em formas de relacionamento familiar, em tempos que não mais a mulher tem a exclusividade na criação dos filhos, e em que crescente é a consciência da importância da função paterna. É preciso dizer que o relacionamento que esta modalidade de guarda busca contemplar atende à criança em sua necessidade em contar com o pai e com a mãe, e também a uma legítima reivindicação dos homens, que descobriram a realização em exercer a paternidade e a parentalidade, e à necessidade das mulheres em ter tempo para investir na realização profissional. Contudo, devo também dizer que a reivindicação é departe da sociedade que tem sentido os efeitos do aumento dos divórcios e a falta de sintonia da lei em regular os relacionamentos familiares após a dissolução do casal conjugal, bem como aos efeitos do abandono paterno-filial. Não mais se pode ignorar que um crescente número de lares é mantido exclusivamente por mulheres e muitos filhos são criados sem relacionamento com o pai; isso sem falar do alarmante número de crianças que contam somente com o nome da mãe na certidão de nascimento. A esta realidade atende a mudança de paradigma que a lei da guarda compartilhada trouxe, enfatizando a responsabilidade conjunta, aliás, já contida no Poder Familiar. Muitas vezes, a realidade das relações demonstra que, pós-separação, as funções que eram exercidas de forma complementar enquanto os pais estavam juntos, quando do divórcio acabam sendo distorcidas. Para citar algumas: os abandonos, as diversas formas de competição, a atribuição de culpas e indevido exercício do poder, e verdadeiros abusos de direitos. É inegável que a guarda única, com o complementar direito de visitas e fiscalização, modelo vigente até há pouco tempo em nosso país, acabava, muitas vezes, propiciando o afastamento entre filhos e pais, o uso indevido e desbalanceado do poder, e fomentando a competição e o egoísmo. Era um modelo extemporâneo às relações atuais. A estes aspectos – de competição, atribuição de culpas e abuso de poder –, muitas vezes a legislação, o Judiciário e os operadores jurídicos faziam e fazem eco, tornando-se “sócios ocultos” dos conflitos que se viam indevidamente insuflados. Por outro lado, a primeira lei da guarda compartilhada acabava por vezes por incrementar o litígio com fins de demonstrar a impossibilidade de entendimento entre o casal parental. Cada vez mais têm sido chamados a uma ampliação da consciência ética aqueles que atuam com as famílias, sobretudo no tocante às questões que envolvem a guarda de filhos. A Psicanálise muito tem contribuído ao aprofundar a consciência ética dos operadores jurídicos apontando a influência, consciente e inconsciente, que estes exercem nas famílias em conflitos. É inegável a fragilidade psíquica do casal conjugal que se separa e, muitas vezes, em indevida substituição de uma aliança que se tira do dedo, buscam-se outras – não só com os filhos que perdem seu lugar enquanto tais, mas também com profissionais que se tornam instrumentos das mais diversas tentativas de mitigar as dores, os ressentimentos e as raivas. Está dado o cenário para que comportamentos antes de cooperação, altruísmo e solidariedade, muitas vezes se transformem em competição e egoísmo. Neste cenário de vulnerabilidade, a responsabilidade conjunta pode transformar-se na atribuição infantilizada de culpas e no mau uso do Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente. Nesta situação, o que seria o altruísmo próprio ao amor, na verdade esconde interesses egoístas de adultos fragilizados e impotentes em suas funções parentais. Observe-se que falo aqui de comportamentos observáveis de altruísmo e egoísmo, que traduzem o valor da solidariedade ou da sua ausência. Pelo pouco que foi exposto, claro é que a guarda unilateral, quando aliada ao abuso do Poder Familiar, tornou-se não só extemporânea aos valores e necessidades atuais da família, como também, muitas vezes, podia contribuir com o acirramento das dificuldades. 4. E, como apontado, no caso da lei anterior, nº 11.698, de 13 de junho de 2008, a expressão “sempre que possível” dava margem para um acirramento dos conflitos, uma vez que a interpretação prevalente era de guarda unilateral na falta de entendimento entre o casal parental. Assim, lia-se no Art. 1584, § 2.º: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.” Friso que a lei anterior previa o recurso às equipes interdisciplinares no art. 1.584, § 3.º da Lei 11.698: “Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar”. Recurso este mantido no mesmo § 3.º mas que, no entanto, prioriza a questão do tempo reservado a cada um dos pais: “Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.” (grifos da autora). O que se depreende é a ideia de que a ênfase na questão temporal resolveria as desavenças e/ou pacificaria as relações. Ao que muito indica, o compartilhamento corre o risco de ser transformado, assim, em alternância. Ademais, na tentativa de resolver mais objetivamente as desavenças, não mais foi colocada a prioridade no casal parental, e sim em cada pai individualmente. UMA ETAPA NECESSÁRIA – A GUARDA COMPARTILHADA A guarda compartilhada surgiu em função de uma série de fatores, como alguns apontados acima. À medida que foram se modificando as relações sociais e o exercício das funções, e aumentou o número de divórcios, evidenciaram-se suas consequências nas famílias transformadas, e ampliou- se a necessidade, e mesmo a pressão, para um tratamento diferente da questão. Assim, como produto da reivindicação da devida consideração das novas formas de relacionamentos e, sobretudo, da importância dos afetos e do exercício das funções, e em consequência dos impasses relativos ao exercício da parentalidade pós-separações, surgiu o instituto da guarda compartilhada. Ela encerra os anseios advindos das transformações por que passam as famílias e os embates em que, por vezes, encontravam-se os casais de pais. Embates que, no entanto, do meu ponto de vista, não foram enfrentados com a nova lei. E, ainda, com as modificações sociais havidas no exercício dos papéis e nas formas de exercício do poder e autoridade, que se traduzem, inclusive na mudança de Pátrio Poder para Poder Familiar, foi ocorrendo, na prática, uma confusão entre guarda e Poder Familiar, ao mesmo tempo em que se evidenciava que as divisões de direitos e deveres não mais atendiam à realidade dos relacionamentos. Entendo que o respeito ao Poder Familiar em sua extensão em muito evitaria os litígios e as confusões ao redor da guarda. E é esta confusão, entre Poder Familiar e guarda, e desbalanceamento quanto ao uso dos poderes que a guarda compartilhada veio tentar corrigir. O desrespeito em relação ao Poder Familiar, quando dissociado do que lhe é essencial – o dever, e o uso perverso de seus atributos que ficam divididos com a separação (guarda, fiscalização, visitas) devem-se a diversos fatores que envolvem os pais em crise, à legislação até então em vigor, à dinâmica processual e ao concurso dos operadores jurídicos. Este tema encarna, também, as dificuldades enfrentadas pelas famílias ao afastarem-se dos ideais tradicionais, e as dificuldades advindas da legislação e do tratamento que recebem do Judiciário e de seus operadores. Por parte da legislação, mesmo com o entendimento amplo do conceito de Poder Familiar, restava a contradição de que este é um direito que não se perde com a separação, salvo o direito de convivência do genitor não guardião, conforme rezava o art. 1.632. Assim, o Código Civil em sentido inverso ao ECA, ao Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente, e à própria Constituição, previa a restrição ao direito de convivência, cabendo ao não guardião o estranho direito de visitas. Nome que nada tem a ver com as relações pais-filhos, sendo lícita tal denominação somente na formalidade que pode se criar entre ex-cônjuges e que, felizmente, não integra a nova lei da guarda compartilhada. Talvez, e aqui trago uma provocativa questão: não bastaria apenas a modificação do referido artigo? No entanto, seja como for, muitas e profícuas são asdiscussões ensejadas pela lei em análise. Cabe dizer que o conhecimento de que a família é um sistema composto de funções complementares implica em considerar que, na verdade, o Superior Interesse da Criança e do Adolescente é indissociável do Superior Interesse da Família – princípio que, no meu entender, deve prevalecer no sentido de reforçar o conceito de função, além de alertar para o uso pervertido que muitas vezes é feito daquele Princípio. Numa família – composta de funções complementares – devem ser considerados os Direitos da Personalidade de todos os seus integrantes, e a este clamor, que inclui legítimos direitos dos pais, é que atende também a guarda compartilhada. Cabe repetir o alerta relativo à importância e responsabilidade dos operadores jurídicos e dos da saúde mental em dispensar maior cuidado à dinâmica que diz respeito às relações entre pais e destes com seus filhos pós-separação, e mesmo nos casos em que não se formou o casal conjugal. Em todos os casos, o estabelecimento ou a preservação das relações parentais só é possível quando há comunicação, por mínima que seja. E se faz necessário que os operadores jurídicos envidem esforços para que a comunicação se estabeleça e não que esta se quebre, ou que sua necessidade seja ignorada. É a continuidade das relações entre o casal parental que a guarda compartilhada deveria visar, ressaltando a corresponsabilidade – prefixo que aqui utilizo apenas para enfatizar – dos pais e passando a mensagem de que estes devem ter um entendimento mínimo que seja em função dos filhos. Entendo que o que está em questão na guarda compartilhada é muito mais o que deveria ser o princípio norteador das relações entre pais e filhos após a separação. E ela tem o mérito de colocar em questão aspectos novos na divisão dos papéis e no exercício das funções familiares. E esta é, no 5. 6. meu entendimento, uma das grandes mudanças trazidas com a primeira lei, de 2008, um avanço que pode se perder com a nova lei de 2014. Seja como for, a guarda compartilhada enseja também resistências, algumas compreensíveis, outras nem tanto, como veremos. SOFRIMENTO E EXCLUSÃO SÃO SINTOMAS DE DOENÇA QUE TOCA O SISTEMA O equilíbrio das relações familiares e o respeito às suas transformações, imprimindo a ótica da responsabilidade e não a da culpa, é o que dá o sentido e a responsabilidade dos esforços dos operadores do direito e os da saúde, no campo das ideias, dos ideais e da prática, em face daqueles que nos procuram. A tentativa deve ser a de procurar diminuir o sofrimento e mesmo evitar que ele se exacerbe. É verdade que a separações trazem sofrimento, mas havemos de reconhecer que há uma grande dose dele que é indevidamente causada. O sofrimento indevido na família é, em sentido lato, sintoma de relações disfuncionais, i.e., o exercício desbalanceado das funções. Dentro do possível e no escopo de cada especialidade, a estes sintomas cabe aos operadores do direito desvendar, interpretar e colaborar em desfazer. Aos profissionais da saúde cabe a compreensão dos aspectos subjetivos de modo que os profissionais do direito possam buscar a objetividade quanto ao exercício dos direitos e deveres. É preciso dizer que o destino que encontravam as relações paterno-filiais após a separação representa o sintoma de uma “doença” de proporção endêmica, talvez epidêmica, que é a da ausência dos pais no cotidiano das famílias e, inversamente proporcional, a carga de responsabilidade atribuída às mães. Não se trata, assim, da valorização do modelo tradicional de família, mas cuida-se, sim, do questionamento do significado atribuído a este modelo e às suas variações, e do quanto o modelo de guarda única fomenta a sintomática exclusão do pai. Por outro lado, o risco que se corre com a nova lei da guarda compartilhada é a divisão do casal parental, e mesmo a exclusão e “alienação” do casal parental na tentativa, justamente, de se coibir a alienação de um dos pais. A isto, à uma consideração paralela e não a uma visão complementar dos vínculos, devemos estar atentos. O MODELO TRADICIONAL DE FAMÍLIA, O MODELO PSÍQUICO E O MODELO REAL O conhecido modelo tradicional de família confunde-se com o modelo que mentalmente temos de família, que é baseado na biologia – em que são necessários dois para formar um. Partindo-se deste modelo, demos um passo fundamental em nossa evolução psíquica e social, desde os primórdios da formação das famílias, em que se estabeleceu a correlação causal entre a concepção e o nascimento, criando-se o vínculo paterno consequente a esta correlação. O vínculo paterno implica o necessário reconhecimento e o referendar o pai por parte da mãe. O Direito reflete bem a realidade psíquica ao reconhecer que a mãe é certa, e não o pai – vez que este necessita ser por ela nomeado, o que vale na moeda afetiva das relações mais do que um selo temporal do filho nascido na constância do casamento, ou de um teste de DNA. Nas famílias, sejam originais ou transformadas, é sempre importante o referendar da figura paterna pela mãe. Contudo, sabemos que isto nem sempre ocorre. E os casos de alienação parental assim o demonstram. No entanto, embora o Estado possa tentar “suprir” tal referendamento, a experiência demonstra que este, por si só, não é suficiente. E na tentativa em igualar direitos, muitas vezes tenta-se igualar as diferenças entre função materna e paterna, como se pai e mãe fossem iguais entre si e para os filhos. Muitas vezes, anseia-se que a guarda compartilhada venha a atender a este tipo, pode-se dizer, de fantasia e de confusão – de desconhecimento das diferenças em nome da igualdade de direitos, passando-se por cima da complementaridade das funções e consequente solidariedade das relações. Com esta confusão, perdem os filhos e os pais – em seu Direito à Diferença. O modelo triangular, baseado na biologia e mentalmente traduzido e interpretado criando as relações familiares, transformou-se, ao longo dos tempos, no modelo social sacralizado, mais ou menos permeado de ideologias e idealizações. Não devemos esquecer que o modelo do triângulo é também o modelo que psiquicamente desejamos, e parte da resistência às novas configurações e as dificuldades das separações advém inclusive deste determinante, altamente subjetivo. Filhos de pais separados, por melhor que tenha sido a elaboração da situação, trazem, muitas vezes em seu inconsciente, mesmo quando adultos, o desejo de união destes pais. Este desejo natural pode tornar- se ressentimento quando os filhos são desconsiderados e usados nas separações. Da mesma forma, não basta geometricamente desfigurar o que é um triângulo, cujos vértices de referência para os filhos variam de acordo com suas fases de desenvolvimento psicológico. O modelo tradicional de família também foi reconhecido, muitas vezes indevidamente exaltado e tomado em sua concretude pela Psicologia, como o modelo produtor de indivíduos saudáveis. E, acreditando-se numa receita para a normalidade, ou normopatia, prescreveram-se e prescrevem-se formas de relações e condutas, e se reprovam e coíbem-se outras. Nas situações dos impasses levados ao Judiciário, prescrevem-se doses de mãe e de pai, tais qual a posologia de medicamentos, variando conforme a época e a ideologia prevalente. É inegável que, em alguma medida, ainda impera o modelo da mãe “dona” dos filhos e do pai “dono dos bens”, o que leva a uma série de abusos, de ambos os lados. Guarda e visitas são heranças de um modelo de família em bloco, em que o Pátrio Poder era exercido pelo homem. A separação implicava não na transformação, mas na divisão da família e, provavelmente, o instituto da guarda foi criado como forma de atribuir à mulher um status legal, à época em que o Pátrio Poder era exercido pelo homem, e tendo-se em vista que, com a separação, era a mulher, em geral, quem ficava com os filhos. 7. Antes, prescreviam-se aos pais finais de semana alternados, depois, am-pliaram-se para o pernoite durante a semana. Aponto que se deve ter o mesmo cuidado em relação à prescriçãodo compartilhamento da guarda, um princípio norteador da responsabilidade solidária que existe entre os pais – deve-se ter claro seu significado e que ela contempla arranjos particulares e específicos a cada família. Com a guarda compartilhada não se trata de ir para o extremo oposto em desconsiderar a necessidade de organização da rotina. Também é necessário apontar que a flexibilidade maior que pode existir com a ideia de guarda compartilhada não implica em transferir a responsabilidade da rotina para os filhos, e para o desejo destes. É necessário cuidado redobrado para que estes não utilizem a possibilidade de convivência para elidir os necessários confrontos e dificuldades dos relacionamentos entre pais e filhos. E para que os pais não elidam os necessários ajustes entre si, e que variam ao longo do ciclo de vida dos filhos. A vantagem e a desvantagem da guarda compartilhada podem estar na flexibilidade dos arranjos ao longo do tempo. Tudo vai depender da capacidade de comunicação entre os pais e de seu julgamento do que são as necessidades dos filhos e da família transformada. Novamente aponto a importância da comunicação entre o casal parental e, neste sentido, há, além do recurso aos profissionais da Psicologia e Psicanálise, o recurso previsto em lei às equipes interdisciplinares e, ainda, o recurso à Mediação Interdisciplinar como importante ferramenta de estabelecimento ou restabelecimento da comunicação. AVANÇOS E RETROCESSOS QUANTO AO COMPARTILHAMENTO DA GUARDA A Lei 11.698 teve, mais do que tudo, o mérito de trazer à discussão a necessidade da legislação e do tratamento que as famílias recebem no Judiciário em acompanhar as novas bases sobre as quais se assenta a família. Atualmente, torna-se cada vez mais claro que o seu “contrato” é, antes de mais nada, o afetivo, em suas diversas manifestações, sendo que, na família, o que deve prevalecer do afeto é o seu aspecto de amor, cuidado e solidariedade. E o relacionamento familiar e as diversas formas de convivência são a via de estabelecimento do afeto e de seu necessário balanceamento. Daí a importância do respeito a este direito – o do relacionamento familiar, tanto dos filhos quanto dos pais, tendo-se em vista seus Direitos da Personalidade. Devemos ter em mente que o Direito evolui num movimento dialético de transformação e estagnação, de progressão e regressão, de aceitação e de resistências. Assim também se dá com as novas leis que refletem as mudanças nas relações, mas que também podem ter seu uso pervertido, e acabar por serem utilizadas mais como retrocesso do que como um efetivo avanço. E a este movimento é necessário estarmos atentos. É preciso alertar que as mudanças – defendidas com a guarda compartilhada – correm o risco de, muitas vezes, ter o destino em serem “mudanças para não mudar”.4 A guarda compartilhada deve ser acompanhada de modificações no tratamento que o sistema dispensa aos jurisdicionados, e na possibilidade de elaboração das separações, com o planejamento da rotina futura da família transformada. Como apontado acima, a Mediação Familiar Interdisciplinar pode ser via privilegiada para o estabelecimento da comunicação. Esta é uma combinação que tem dado resultado em diversos países. E previsto está o recurso aos profissionais técnicos e equipe interdisciplinar. Nos movimentos que mencionei, de avanços e retrocessos, devemos nos perguntar: a que modificações a guarda compartilhada se propõe e a quais ela efetivamente atende? Num primeiro momento, é claro que ela atende ao exercício do direito ao relacionamento familiar e formas de convivência e à necessária equalização dos poderes entre os pais. Atende também à preservação do que já está previsto no Poder Familiar, e nesta esteira alguns questionam a necessidade de lei, mas não o conceito, argumentando se não bastaria modificar o art. 1.632, que diz que não se alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto aos pais terem os filhos em sua companhia. Neste movimento de avanços e retrocessos, de aceitação e resistências, ocorrem também outros usos, antes não vislumbrados da legislação e jurisprudência. Assim é com a guarda compartilhada. Por exemplo, ela tem sido utilizada como forma de tentar impedir as mudanças de domicílio, sobretudo de cidades, Estados e mesmo para o exterior. Outros veem na guarda compartilhada a possibilidade de redução, ou mesmo de eliminação do pagamento de alimentos – uso que foge ao objetivo primeiro do conceito e que, no meu entendimento, desconsidera as diferenças. E, ainda outros, a utilizam para o que pode ser, sob o ponto de vista da dinâmica das relações e da Psicanálise, um injusto não reconhecimento das diferenças entre pai e mãe em nome da igualdade, e a tentativa de substituir um pelo outro indiscriminadamente. Alerto que para outros usos, sobretudo o último – relativo ao borrar das diferenças –, devemos estar bastante atentos. Embora seja factível o exercício das funções, com certa flexibilidade, por homens e mulheres, isto não significa que a criança possa prescindir das diferenças e que uma modificação radical pós-separação nas funções exercidas pelos pais não traga consequências e não acirre ressentimentos e a competição que se deve procurar evitar. Aliás, esta era uma distorção frequente no exercício unilateral da guarda e que a lei da guarda compartilhada veio buscar corrigir. Mesmo no caso do exercício das funções por casais do mesmo sexo, há igualmente a necessidade do reconhecimento das diferenças no exercício das funções, por sutil que seja. O reconhecimento das diferenças implica, sobretudo, no referendamento mútuo que era contemplado na Lei 11.698, não só em relação à guarda compartilhada em si, mas também como critério da atribuição da guarda única para o genitor que tivesse mais aptidão para propiciar aos filhos afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar (art. 1.583, § 2.º, I). No entanto, tais incisos foram revogados com a Lei 13.058/2014, vez que a guarda unilateral somente seria aplicada no caso de um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (art. 1.584, § 2.º). Dispositivo que pode acabar por pressionar indevidamente a que se adira a um modelo que fuja às possibilidades daquela família transformada. Na esteira da necessidade de referência às funções paterna e materna, e às figuras distintas de 8. pai e mãe, que formam um casal parental para a constituição da subjetividade, aponto a confusão frequente entre guarda compartilhada e alternada. A alternância de residências, que não se confunde com a guarda alternada, pode atender ao acordo entre os pais sem ferir o princípio que norteia o conceito de guarda compartilhada e pode, de acordo com as condições e idade da criança, ser uma solução viável. Contudo, bastaria um exercício de empatia para imaginar o quanto tal arranjo exige das crianças e adolescentes. Muitas vezes, num arranjo de divisão salomônica de tempo, espaço e funções, há a desconsideração da necessidade da criança de referência espaço-temporal e de suas necessidades específicas de maior constância de convívio com uma figura de referência, que variará dependendo da idade e das características particulares. Este tipo de divisão – salomônica, e mesmo pré- salomônica, pode funcionar como duas guardas únicas, fugindo à ideia de responsabilidade conjunta, que é o que definiria a nova lei. Responsabilidades paralelas não são o mesmo que responsabilidade conjunta. Friso que estes desdobramentos e questões – sobretudo o de risco de desconsideração das diferenças entre função materna e paterna e de sua complementaridade – não podem passar despercebidos, sob pena de se perder o que, no meu entendimento, é fundamental nas discussões em torno da guarda compartilhada: a continuidade, após as transformações das separações, da consideração da família como um sistema em que se faz fundamental o reconhecimento das diferenças, do referendamento mútuo, das relações de complementaridade e, portanto, de cooperação, aliada à flexibilidade e compreensãodas necessidades específicas em cada fase das crianças. Fundamental na família é dar a devida importância aos vínculos de afeto, que implicam na responsabilidade conjunta e na solidariedade. A isto deve atender a mudança de paradigma trazida com a guarda compartilhada. O reconhecimento das diferenças, a complementaridade das relações, o afeto, a responsabilidade e a solidariedade são qualidades essenciais e fundamentais para que a família, mesmo transformada, atinja sua finalidade em ser tempo/espaço do desenvolvimento dos recursos de personalidade de seus integrantes – crianças e, friso, também adultos. No movimento dialético de avanços e retrocessos, de abertura e resistência às mudanças, a legislação e o Judiciário podem colaborar ou dificultar, e mesmo impedir, a retomada do equilíbrio das relações – como se dá nas situações de impasse em que a competição entre os pais era exacerbada pela disputa da guarda e consequente exercício indevido do poder. Espera-se que a nova lei da guarda compartilhada não venha a restabelecer a nefasta competição que se visa evitar. QUESTÕES DA ATUALIDADE Uma questão polêmica que se buscou corrigir com a nova lei está na viabilidade da guarda compartilhada nos casos de litígio. Neste sentido, algumas ponderações devem ser feitas. Novamente 9. friso o papel simbólico da lei e seus efeitos na realidade das relações. Devemos estar atentos para o fato de que tendemos a idealizar a família original – como se ali a discórdia não existisse. E ainda, a lei ao deixar clara a responsabilidade dos pais e em aberto a forma de organização da rotina da família transformada, necessariamente implica em acordos em relação à educação dos filhos e remete os conflitos e impasses ao devido lugar – à seara do casal conjugal que se desfaz. No entanto, a mera divisão equitativa pode aparentemente elidir um impasse que, mais tarde, eclodirá. É certo que antes da lei da guarda compartilhada era mais fácil a utilização dos filhos como moedas de troca das divergências entre os pais, ou mesmo o abandono dos filhos, vez que se enfatizavam mais direitos dos pais do que deveres. A nova lei previne um pouco mais esta utilização, embora algo desta situação ainda permaneça, seja na faculdade em declarar ao magistrado que não se deseja guarda do menor (art. 1.584, § 2.º), seja no que pode ser o entendimento do § 4.º, que diz: “A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas a seu detentor.” Em meu entendimento, o grande valor preventivo da lei anterior era que ela explicitava a responsabilidade compartilhada e pressupunha a comunicação que deveria existir entre os pais, induzindo ao diálogo, embora muitas vezes ocorresse justamente o contrário – uma perversão no espírito da lei. E O MAIS IMPORTANTE: O CONCEITO DE PARENTALIDADE E A NECESSIDADE DE OUTRAS ABORDAGENS DOS IMPASSES RELATIVOS À GUARDA Fruto de uma evolução na compreensão das funções na família, fala-se atualmente em parentalidade,5 um conceito de origem psicanalítica. Ele implica justamente o casal parental – composto por aqueles que exercem a função materna e a função paterna, em uma relação em que são complementares as funções relativas à criação e cuidado com os filhos. Tal modelo de vínculo entre o casal parental deverá, com variações, se reproduzir na experiência da parentalidade, com maior ou menor plasticidade quanto ao exercício da função materna e paterna, com maior ou menor grau de cooperação, da atribuição de responsabilidade e importância dada ao outro do par parental. A Lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014, segundo se entendia inicialmente sua proposta, viria no sentido de corrigir as dificuldades da lei anterior, que encontrava na expressão “sempre que possível” óbices à sua aplicação, além de ser fonte artificial de acirramento das divergências com fins de obtenção da guarda unilateral. No entanto, a nova lei trouxe também outros dispositivos que, na tentativa de garantir o relacionamento com ambos os pais, acabaram por demonstrar uma opção pela consideração das relações parentais de forma paralela. E, além disso, a ênfase nos aspectos temporais e espaciais podem, mesmo que indiretamente, acabar por levar à desconsideração das diferenças entre as funções parentais e das necessidades dos filhos. A questão que aqui se impõe é a do risco de alienação do casal parental com a tentativa vã em “resolver” o conflito, o que se traduz em negá-lo. O conflito não se resolve, e sim se transforma, para o que é necessário reconhecê--lo e apresentar caminhos possíveis para modificações quanto à dinâmica disfuncional. Ademais dos exemplos das figuras de mãe e de pai, não menos importante é o exemplo do casal parental. Com base neste é que deriva parte da autoestima, em ser “produto” e alvo do amor-cuidado dos pais, e se constrói o modelo de relacionamento de casal parental. Cabe ressaltar que, atualmente, coexistem dois modelos de famílias transformadas: a de relações paralelas dos pais com seus filhos, uma família partida ao meio, e a de relações complementares entre os pais. No segundo modelo cabe o conceito de parentalidade, que, no primeiro modelo, se perde. Os estudos da Psicanálise a respeito de parentalidade fundamentam a posição assumida por obras atuais no campo da sociologia e do direito. As fundamentações aqui trazidas do ponto de vista da Psicanálise podem ser compreendidas vis-à-vis à pesquisa e à análise realizadas pelo jurista australiano Patrick Parkinson,6 com relação às disputas relativas à guarda. Ele bem fundamenta que a discussão em torno da “guerra” entre os gêneros em tais disputas acaba por fazer eco a uma ideologia e escolha política relativa ao modelo da família pós-divórcio. Modelo este que pressupõe a separação do casal parental, ainda um eco aos primeiros tempos dos divórcios, em que os papéis eram rigidamente divididos, em que a guarda ficava com as mães e os pais, muitas vezes, quando exerciam a função paterna, o faziam apenas cumprindo com a obrigação alimentar. O abandono paterno-filial era, em consequência, muito prevalente. E é justamente este quadro que se visa modificar com a ênfase na responsabilidade compartilhada, já contida no Poder Familiar. Contudo, para tanto, não se pode paradoxalmente repetir o modelo anterior. Para este e outros autores,7 posição com a qual comungo, as divergências entre os modelos de famílias pós-divórcio refletem o reconhecimento crescente de que este não pode pôr fim à relação parental. O que se transforma é o caráter desta relação, e a tendência à indissolubilidade da parentalidade é, provavelmente, irreversível, apesar da forte oposição a estes desenvolvimentos. Na mesma linha, cito as palavras de SCLATER e YATES, do livro O que é um Pai – Uma Análise Sócio-Legal, no capítulo intitulado A Psico-Política da Parentalidade Pós-Divórcio: “Em um mundo em mudança, ambos os pais necessitam encontrar novos lugares para si próprios, mas isto não pode ser realizado tanto por meio de uma reafirmação de controle ou de negação da diferença, pois isto meramente perpetuaria as relações existentes de dominação, em detrimento de todos nós”.8 No entanto, contemplar o conceito de família transformada e o de parentalidade, com o reconhecimento das diferenças entre as funções e as necessidades dos filhos, implica em mudanças 10. não só legislativas, mas institucionais. Estas vão desde dar a devida importância à interdisciplinaridade e à contribuição dos operadores da saúde, até mudanças relativas à própria dinâmica processual. Importantes considerações a respeito das tendências quanto à função do Judiciário no Direito de Família foram apontadas pelo então presidente, Patrick Parkinson, e a atual presidente, Marsha Garrison, da Sociedade Internacional de Direito de Família – ISFL – durante a XV Conferência Mundial, ocorrida em agosto de 2014, em Recife, Pernambuco. Para os autores, o caminho encontra- se no desafio de um Direito de Família menos onerosopara as famílias e para o Estado, e em sua desjudicialização. Tais tendências implicam em modificações na dinâmica processual e em políticas públicas. Em comum a Mediação e a Conciliação, e a necessidade de enfoque nos relacionamentos, nos conflitos e impasses. E cabe ressaltar que o novo Código de Processo Civil, recém-sancionado, dá lugar privilegiado à Mediação. Oportuno aqui enfatizar a importância deste instituto, especialmente após o advento da Lei 13.140/2015,9 e alertar quanto a seu cunho essencialmente interdisciplinar no tratamento aos conflitos, sem, no entanto, igualá-lo à conciliação. PARA FINALIZAR Os tempos são de aproximação do Direito à realidade das relações. Para tanto, se faz necessária a interdisciplinaridade e a compreensão da família como um sistema de funções complementares e singulares. A guarda compartilhada deve vir no sentido de resgatar o Poder Familiar e o exercício complementar da responsabilidade. Um avanço importante na mudança do paradigma da culpa e das acusações e da exclusão, para o da responsabilidade e da inclusão. Um desafio em contemplar as diferenças na igualdade dos direitos. A responsabilidade é, por definição nas relações familiares, sempre solidária e complementar aos outros integrantes da família. A esta dinâmica diz respeito o Poder Familiar, que atende ao Superior Interesse da Família. O conceito da guarda compartilhada, se entendido à luz do reconhecimento das diferenças e complementaridade das funções, à luz do necessário equilíbrio do Poder Familiar, é facilitador de relações altruístas, solidárias, e do exercício da responsabilidade. E, por melhores que sejam a lei e o sistema, cabe sempre a pergunta do que há de latente nas dificuldades relativas às relações paterno-filiais e parentais que tocam as famílias jurisdicionadas, os operadores jurídicos e os da saúde, a legislação e o próprio imaginário social. Por trás das demandas relativas à guarda de filhos, estão questões atuais, tais como: o que faz de uma mulher uma mãe e de um homem um pai? Como é ser mulher/mãe, homem/ pai na atualidade? Quais são as necessidades dos filhos? É interessante que, na busca por uma sentença, encontra-se latente o pedido de uma chancela legal que reconheça a identidade e a pertinência a estas categorias mal definidas atualmente. Uma demanda da qual o Judiciário não pode dar conta, sob o risco do controle indevido das diversas formas de exercício da parentalidade. Contudo, é também com relação ao exercício destes papéis e funções que são trazidas as indagações de direitos e deveres relativos às responsabilidades parentais. A lei da guarda compartilhada, a anterior e a atual, nos obriga a pensar as relações entre pais e filhos, e entre aqueles, ainda que não se tenha constituído um casal conjugal. A nova lei trouxe avanços, mas, do meu ponto de vista, ela corre o risco de trazer retrocessos quanto à importância do conceito de parentalidade. As críticas aqui tecidas apontam, sobretudo, para a necessidade de continuar em busca de uma compreensão dos relacionamentos familiares e de uma abordagem dos conflitos e impasses que contemplem o amplo direito a se ter uma família. As operações devem ser as de soma e multiplicação, e não as de subtração e divisão no estabelecimento e restabelecimento do equilíbrio das funções que compõem a estrutura familiar e que legitimam o Poder Familiar. E, trazidas diversas ponderações e mesmo alertas, cabe ressaltar que o novo diploma legal, como o anterior, privilegia a doutrina do superior interesse da criança e do adolescente. E se a estes fosse perguntado qual seu legítimo pleito, a resposta provável seria: é o de que os pais se entendam. BIBLIOGRAFIA ANDRIGHI, Fátima Nancy. Recurso Especial 1.251.000 – MG (2011/0084897-5). ARRUDA BARBOSA, Águida. Responsabilidade parental após divórcio: guarda compartilhada. Direito e responsabilidade. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2002. AUSLOOS, Guy. La competénce des familles. França: Érès, 1995. BAINHAM, A.; DAY SCLATER, S.; RICHARDS, M., editores. What is a parent – a socio-legal analysis. Inglaterra: Hart Publishing, Oxford, 1999. 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