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Artigos originaisoriginal articles artigos especiaisspecial articles 44 Pediatria (São Paulo) 2000, 22(1) : 44-48 Educação sexual na escola Sex education in school Maria Ignez Saito1, Marta Miranda Leal2 Instituto da Criança do Hospital das Clínicas e Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Descritores: adolescência, gravidez, educação sexual, escola Keywords: adolescence, pregnancy, sexual education, shool Resumo O exercício da sexualidade na adolescência poderá constituir risco variável para o projeto de vida e até da própria vida, bastando para isso lembrar conseqüências como: gravidez precoce, aborto, AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis. Quando se considera a gravidez na adolescência, torna-se cada vez mais clara a importância da educação sexual na prevenção de fatores de risco. Para a realização dessa proposta serão convocados todos os segmentos da sociedade. Mas, se a meta é educar, informar ou melhor ainda, formar, a escola destaca-se entre os grupos de referência por ser esta a sua função precípua. Alguns princípios básicos deverão ser estabelecidos para que a atuação dos educadores tenha êxito. Talvez, dentre eles, o mais importante seja não basear a orientação sexual apenas no uso de preservativos e anticoncepcionais, mas, sim, no resgate do indivíduo enquanto sujeito de suas ações, o que favorece o desenvolvimento da cidadania, do respeito, do compromisso, do autocuidado e do cuidado com o outro. Introdução O exercício da sexualidade na adolescência poderá constituir risco de grau variável para comprometimento do projeto de vida e até da própria vida, bastando para isto lembrar conseqüências como a gravidez precoce, o aborto, AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis. O número de gravidez nesse período da vida tem-se mantido elevado, mesmo nos países desenvolvidos, sendo especialmente preocupante seu aumento nas idades mais baixas (11 a 15 anos). A gravidez em adolescentes constitui, portanto, tema atual de discussão, tornando-se clara a necessidade de haver prevenção dos fatores de risco, surgindo, então, como proposta imediata, a educação sexual. É reconhecido por todos que, no momento atual, a educação sexual se faz impostergável, por sua influência na formação integral da criança e do adolescente. A omissão, diante desta evidência, trará repercussões que podem comprometer não só o presente como o futuro das gerações. Paradoxalmente, no Brasil, são poucos os estudos relacionados ao exercício da sexualidade e à abordagem da educação sexual. Na família o diálogo é ainda pobre ou inexistente; na escola, o debate é tímido e ocorre voltado mais para os aspectos biológicos, reforçando a idéia da sexualidade ligada à reprodução e tanto educadores como profissionais de saúde permanecem com posturas impregnadas de preconceitos e tabus. Estes são transmitidos aos jovens de maneira, por vezes, mais marcante do que a pseudo-abertura colocada na fala, mas que não encontra respaldo na postura. Apesar do papel da educação sexual ser ainda discutível para evitar as experiências sexuais precoces, já é referência da literatura que a gravidez entre adolescentes não será controlada sem educação sexual. O papel da escola na educação sexual Se a meta é informar ou, melhor ainda, formar, a escola destaca-se entre os grupos de referência por ser esta a 1. Médica-chefe da Unidade de Adolescentes do Instituto da Criança - HC - FMUSP Doutor em Medicina - Departamento de Pediatria - FMUSP 2. Médica da Unidade de Adolescentes do Instituto da Criança - HC - FMUSP Mestre em Medicina - Departamento de Pediatria - FMUSP sua função precípua. Nesse espaço pedagógico, a orientação sexual torna legal a discussão sobre sexualidade. Alguns autores constataram que o fato de as jovens terem aulas sobre sexualidade não influenciou a sua decisão de iniciar a atividade sexual, ocorrendo, porém, entre elas, menor número de gestações. A literatura mostra que adolescentes que receberam aulas de orientação sexual usaram preservativos em maior escala na primeira relação e, ainda, que os jovens sempre apontam a escola como fonte de informação sobre sexualidade, valorizando não só esses conhecimentos como o local onde os receberam. Perante a essas constatações, fica fácil concluir que os horizontes da escola devem se ampliar cada vez mais, abrangendo conhecimentos sempre mais relevantes sobre adolescência e sexualidade, o que possibilitará o desenvolvimento de técnicas de abordagem ainda mais adequadas. Antes de mais nada, torna-se necessário buscar instrumentos que permitam melhor preparar aquele que vai orientar e, dentro desse enfoque, não só os professores de Ciências ou Biologia serão responsáveis pela transmissão do conteúdo, mas a escola como um todo. Esse conteúdo não mais contemplará a reprodução em detrimento da sexualidade. A educação sexual é, sim, um meio e não um fim, fazendo-se clara a necessidade de haver reflexão sobre as singularidades de cada faixa etária e sobre os fatores de risco. Para isto, talvez o primeiro passo seja reconhecer a criança como ser sexuado e o adolescente desvinculado dos esterótipos que o ligam à liberação dos costumes, ao erotismo excessivo e à promiscuidade; é igualmente importante não encarar a sexualidade como sinônimo de sexo ou atividade sexual, mas, sim, como parte inerente do processo de desenvolvimento da personalidade. Na definição de intervenções adequadas, na área de prevenção, devem ser reconhecidos os fatores de risco. O conceito de risco era anteriormente usado apenas do ponto de vista biomédico, estendendo-se hoje para as variáveis sociais e do comportamento. Quanto à gravidez precoce, podem ser considerados riscos: • antecipação da menarca; • atividade sexual precoce; • caracterização e mudança dos valores sociais; • problemas psicoemocionais; • pobreza; • baixa escolaridade; • ausência de projeto de vida; • migração; • características próprias da adolescência; • dificuldades para práticas anticoncepcionais; além da • educação sexual ausente ou insatisfatória. A aceleração secular do crescimento traz como conseqüência a antecipação da menarca que, juntamente com o início mais precoce da atividade sexual, podem levar à gravidez na adolescência. Isso também se sustenta nas transformações sociais, destacando-se, entre elas, a “mudança de valores” dentro de uma sociedade pseudo-permissiva, que estimula as práticas sexuais entre jovens, não vinculando responsabilidade ao aumento da liberdade. A dupla moral persiste, ainda que camuflada, e empurra os adolescentes do sexo masculino para o início da vida sexual, fazendo restrições às jovens para o mesmo tipo de proposta. Apesar dos avanços apregoados sobre a evolução da mulher, apesar da pílula anticoncepcional, do “ficar”, que trazem modificações nos papéis sociais, há muito que se caminhar para que adolescentes de ambos os sexos possam assumir a sexualidade sem riscos, bastando, para isso, lembrar que ainda existem críticas depreciativas em relação à uma adolescente que carrega na bolsa um preservativo. É claro que a inserção social e cultural precisa ser cuidadosamente considerada, pois a pobreza é em si predisponente ou determinante de outros fatores que favorecem a gestação na adolescência, num contexto que envolve: baixa escolaridade, evasão, pouca auto- estima, solidão, necessidade de migração, aliadas a um modelo familiar inadequado, em que a gravidez precoce costuma se repetir através das gerações. Problemas psicoemocionais também podem se refletir no evento da gravidez. Famílias desestruturadas, crianças e adolescentes maltratados ou abusados no seio familiar contribuem para o aumento das estatísticas relacionadas à gravidez na adolescência. Na realidade, a primeira falha em relação à educação sexual se dá no seio das famílias, estruturadas ou não e de qualquer nível socioeconômico, pois nelas permanece a idéia de pais e filhos assexuados. O sexo (e não a sexualidade) penetra livremente nos lares Educação sexual naescola Artigos originaisoriginal articles artigos especiaisspecial articles Pediatria (São Paulo) 2000, 22(1) : 45-48 45 através dos meios de comunicação, invadindo as famílias, seus contornos ou limites. As mensagens recebidas não são invalidadas, nem apoiadas, predominando, entre as mais descabidas, a gravidez na adolescência sempre com final feliz. Algumas considerações devem ser tecidas em relação ao reconhecimento dos riscos que se estruturam nas características e singularidades da adolescência e que constituem o que se convencionou chamar de: Síndrome da Adolescência Normal. Assim, é importante levar em conta a busca da identidade com questionamentos dos padrões familiares e, portanto, da autoridade dos pais, unida à idéia de indestrutibilidade que faz com que os jovens se arrisquem em desafios inconseqüentes. O marcante vínculo com o grupo proporciona a noção de força que vem dos pares; para serem aceitos, os adolescentes assumem atitudes para as quais, muitas vezes, não estão preparados. Na vivência temporal singular, misturam-se ansiedade, desejo de viver tudo rápido e intensamente, não havendo lugar para a espera ou julgamentos. A evolução da sexualidade traz o exercício da genitalidade, colocando os adolescentes frente a frente com impulsos sexuais que deverão ser vivenciados. Cabe ainda lembrar que jovens com doenças graves ou fatais ou com alterações fenotípicas, quando é tão importante a imagem corporal, poderão engravidar para ter a sensação de carregar uma vida mais saudável dentro de si, tornando-se igualmente de risco. Conclusões Diante de tudo que foi exposto a proposta da educação sexual desenvolvida pelo educador deverá contemplar algumas premissas para que se efetive sua eficácia, entre as quais se destacam: • Não imaginar o outro como conteúdo vazio a ser preenchido com os valores do orientador. Lembrar que educadores e educandos têm valores, histórias de vida e propostas diferentes que incluem, inclusive, o exercício da sexualidade. • Abandonar critérios morais de julgamento substituindo-os por outros de proteção ao indivíduo, sua saúde e projeto de vida. • Não basear a orientação sexual no uso de preservativo ou método anticoncepcional, mas no resgate do indivíduo enquanto sujeito de suas ações o que favorece o desenvolvimento da cidadania e o compromisso consigo mesmo e com o outro. Essa proposição não invalida o fato de ter sempre presente a anticoncepção como parte relevante da poposta preventiva. Ela envolve conhecimentos sobre sexualidade, reprodução e prazer. Métodos anticoncepcionais deverão ser desmistificados, com o reconhecimento do baixo risco das pílulas, da ineficácia do coito interrompido e da eficiência dos preservativos, também usados para proteger a vida. • A escola deverá tentar envolver as famílias no diálogo sobre sexualidade, usando o espaço da escola, como as reuniões de pais e mestres. • O autoritarismo deve ser esquecido, dando lugar à autoridade como sinônimo de competência, que admite o diálogo. Os professores deverão estar preparados para o desafio de orientar um ser ávido por experimentar o novo, destemido por se julgar invulnerável e imaturo ou amador para lidar com o impulso sexual, marcado pela genitalidade, num corpo a todo momento renovado por mudanças marcantes. Talvez a melhor definição para educação sexual seja a de Cecília Cardinal de Martin: “A educação sexual deve ser: • uma educação mais para o ser do que para o ter e o fazer; • uma educação para formação da autoconsciência e dos próprios valores; • uma educação para a troca; • uma educação para liberdade; • uma educação para o amor; • uma educação para a vida passada, presente e futura.” Em poucas palavras, a proposta da educação sexual deve conter liberdade, responsabilidade e compromisso, a informação funcionando como instrumento para que adolescentes de ambos os sexos possam ponderar decisões e fazer escolhas mais adequadas. Maria Ignez Saito, et al. Artigos originaisoriginal articles artigos especiaisspecial articles 46 Pediatria (São Paulo) 2000, 22(1) : 46-48 Abstract: Sex educacion in school. The sexuality practice on adolescence can constitute a variable danger for the life project and even for life itself, being suffice for so, reminding about consequences like early pregnancy, abortion, AIDS and other sexual transmissible diseases. When we consider pregnancy during adolescence, it is more and more clear the necessity of sexual education for preventing hazards factors. For accomplishing this proposal it shall be convened all the society segments. However, if the goal is educating, informing or, yet, forming, school is detached among the reference groups for being exactly this its essencial fuction. A few basic principles should be established for the success of educators action, being, perhaps, the most important one, not basing sexual education on the use of preservatives, and contraceptive methods but rescuing the individual as subject of his actions. This would favors the citizenship development, the respect, the self-care and the care with the other. Resùmen Educacion sexual en la escuela. El ejercicio de la sexualidad en la adolescencia puede constituir riesgo variable para el projecto de vida y hasta de la propia vida, bastando que para eso se recuerden consecuencias como, embarazo precoz, aborto, AIDS y otras enfermedades sexualmente transmisibles. Cuando se considera el embarazo en la adolescencia, parece cada vez mas clara la necesidad de la educaión sexual en la prevención de factores de riesgo. Para la realización de esta propuesta todos los segmentos de la sociedad serian convocados. Mas, si la meta es educar, informar o mejor todavia formar, la escuela se destaca entre los grupos de referencia por ser esta su función principal. Algunos principos básicos tienen que ser establecidos para que la actuación de los educadores tenga éxito, siendo talvez el mas importante, no llevar en cuenta que la orientación sexual es apenas hacer uso de preservativos y anticoncepcionales pero si resgatar el individuo encuanto sujeto de sus acciones, lo que favorece el desenvolvimiento de la ciudadania, del respeto, del compromiso, del auto cuidado y del cuidado con el otro. Educação sexual na escola Artigos originaisoriginal articles artigos especiaisspecial articles Pediatria (São Paulo) 2000, 22(1) : 47-48 47 Referências 1. ABERASTURY, A. KNOBEL, M. La adolescencia normal. Buenos Aires, Paidos, 1970. 2. BASO, S. C. Sexualidad Humana: aspectos para desarrollar docencia en educación sexual. Organización Panamericana de la Salud / Organización Mundial de la Salud, 1990. 3. GUIMARÃES, E. B. Gravidez na adolescência no Município de Goiânia, GO: aspectos epidemiológicos e determinação dos fatores de risco: um estudo caso-controle. 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